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1 author:
Andre Ambrosio
Fundação Carlos Alberto Vanzolini
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All content following this page was uploaded by Andre Ambrosio on 25 June 2022.
André A. Abramczuk
Apotegmata é palavra derivada da palavra grega αποφθεγμ (apophthegma), cujo
significado mais adequado é admoestação, advertência, conselho, lição. Apotegmata designa,
portanto, coletânea de conselhos, lições, preceitos. Da palavra grega αποφθεγμ origina-se no
português a palavra apotegma, pouco usada, que os dicionários consideram – equivocadamente
– sinônimo de aforismo.
O texto que aqui se apresenta é uma compilação de cinqventa e dois conselhos, elaborada no
decurso de muitos anos, sem nenhuma preocupação em ordená-los de acordo com algum
critério.
APOTEGMATA se inicia com instruções para uso da compilação.
O primeiro parágrafo das instruções informa a finalidade dos apotegmas:
Aqui te deixo as lições que te ajudarão a viver tranqvilamente tua vida junto a teus
semelhantes e que, aprendidas por teus semelhantes, farão com que eles também vivam
tranqvilamente uns com os outros e contigo.
O parágrafo seguinte recomenda que os apotegmas não sejam lidos todos de um só fôlego:
Não deves te apressar no ler as lições, pois importa refletir sobre o pouco lido mais do
que muito ler sem refletir sobre o que se leu.
Essa recomendação é reforçada na recomendação seguinte:
Há um tempo para ler, e não deve ser demasiado.
Mais do que ler, importa dedicar tempo a meditar e a trocar ideias com outras pessoas sobre
o que se lê;
Tempo maior deves dedicar a refletir, a ouvir o que te dizem teus semelhantes e a
aprender o que puderes de bom, de útil, agradável e inteligente.
Os parágrafos posteriores são instruções detalhadas para levar a termo as instruções dos
quatro parágrafos anteriores.
Primeiramente a leitura deve ser ativa, isto é, feita com a intenção de compreender e
interpretar o que se lê:
Lê com os olhos de tua alma e reflete com teu coração sobre o que leres.
Isso implica que os apotegmas não devem ser lidos para entretenimento.
Ao ler um apotegma, muitas pessoas perguntarão – erradamente – o que o autor quis dizer.
Importa o que o apotegma diz; ao leitor compete determinar o que aprende com a leitura do
apotegma, o que pensa sobre o que leu, que implicações a lição tem para a sua vida. Ou seja,
quem lê deve interpretar o que lê, sem tentar adivinhar o que o autor do texto pensou quando o
escreveu.
Mas interpretar a lição e guardar para si o que se aprendeu de nada vale. Por isso o
parágrafo seguinte recomenda que se compartilhem as ideias e pensamentos que a leitura do
apotegma levou a desenvolver e elaborar. Esse compartilhamento é possível somente pelo
intercâmbio de ideias em diálogo:
Não guardes para ti o que aprenderes em tuas reflexões. Dize a teu próximo o que
pensaste e ouve atentamente o que ele te disser que pensou, pois assim aprendereis uns
com os outros a harmonizar vossas vozes, refinar vossas habilidades de pensar e de
argumentar, dissipar dúvidas e encontrar a senda da reta razão.
Essa recomendação implica que o propósito dos apotegmas não é o de simplesmente levar os
indivíduos a viver em harmonia uns com os outros numa espécie de comunidade idílica, mas
colaborar na constituição de uma sociedade real, em que as ações individuais se harmonizem
com as ações dos demais membros da comunidade de acordo com princípios gerais válidos para
todos no presente e para um número indeterminado de situações futuras.
O último parágrafo estabelece uma freqvência para a leitura dos apotegmas. Ele se inicia
com uma informação de natureza astronômica:
Embora ocupem em cada amanhecer posição diferente no horizonte, as auroras retornam
ao mesmo lugar no céu e em cada aurora a suprema fonte da luz da vida tem a precedê-la
uma estrela.
A expressão ”a suprema fonte da luz da vida” se refere ao Sol. Todas as culturas antigas
tiveram o Sol como divindade ou símbolo de alguma divindade, cada divindade com vários
atributos e poderes. Importante é, contudo, a informação de que as auroras ocupam diferentes
posições no horizonte e que retornam a essas posições. De fato, duas vezes por ano ocorrem os
equinócios (um entre os dias 20 e 21 de março e outro entre os dias 22 e 23 de setembro). A
partir do equinócio de março as posições do nascer do Sol se deslocam para o norte até atingir
uma posição extrema – o solstício de junho – momento em que o sentido se inverte: as auroras se
deslocam para o sul, chegam ao equinócio de setembro e continuam se deslocando para o sul,
até o solstício de dezembro e daí retornando para o norte.1 Além de fazer referência a esse
deslocamento das auroras, a frase informa que em cada aurora o nascer do Sol é precedido por
uma estrela, denominada estrela heliacal. Esta é uma estrela que se torna visível no horizonte
leste pouco antes do nascer do Sol e na posição em que ele vai se elevar no horizonte, mas que
dele afastada o suficiente para não ser ofuscada pelo brilho da aurora. Nem todas as estrelas
heliacais são facilmente visíveis, pois variam em brilho e o intervalo de tempo entre sua
ascensão no horizonte leste e o aparecimento do Sol não é o mesmo em todos os dias em que
dada estrela é estrela heliacal.
Algumas estrelas heliacais mereceram mais atenção que outras porque foi possível ligar sua
ascensão heliacal a outros eventos.2
A segunda frase do último parágrafo determina que o tempo dedicado à leitura dos
apotegmas e à reflexão sobre a lição que transmitem deve ser regulado pelas estrelas heliacais:
Aprende com as auroras a dividir teu tempo de ler e de refletir de tal modo que sempre a
mesma estrela te encontre em novo início de reflexão sobre o que já leste no passado e
tornas a ler agora.
A estrela heliacal de determinado dia retorna á mesma posição de estrela heliacal em
intervalos de aproximadamente trezentos e sessenta a cinco dias (um ano). Se o tempo de ler e de
refletir deve ser dividido de tal modo que a mesma estrela marque um novo início de leitura e
reflexão, então dado apotegma deve ser lido uma vez por ano. Vai daí que, sendo cinquenta e
1
No Hemisfério Norte o deslocamento do nascer do Sol rumo ao norte leva ao solstício que se
costumava denominar solstício de verão, no sentido oposto leva ao solstício antes denominado
solstício de inverno. Como no Hemisfério Sul ocorre o oposto (ao sul do Equador o solstício de
junho marca o início do inverno, o solstício de dezembro marca o início do verão) está se tornando
mais disseminado o costume de fazer referência aos meses de ocorrência dos solstícios – solstício de
junho, solstício de dezembro – e com isso a tendência é abandonar a referência às estações do ano.
2
No antigo Egito, por exemplo, o nascimento heliacal da estrela Sírius estava associado ao início das
cheias do rio Nilo. Foi a partir dessa observação e sua associação a outros eventos astronômicos que
os antigos egípcios conseguiram desenvolver um calendário com um ano de 365 dias, que serviu de
referência para a criação do calendário juliano. Muitas etnias indígenas no Brasil utilizavam a
ascensão heliacal das Plêiades para definir o início do inverno (aproximadamente 5 de junho) e
também o início de um novo ano (essas etnias tinham, portanto, um calendário sideral).
dois os apotegmas, deve-se entender que a leitura dos apotegmas deve se fazer em intervalos de
sete dias, ou seja, uma semana.
Os apotegmas 8, 23, 24 e 28 levam a supor que a interpretação do que se pode denominar
“apotegma da semana” deva ser conduzida por um mestre.
Mas, quem deve exercer a função de mestre?
De acordo com os apotegmas supracitados, alguém que estimule as pessoas a aprender,
aguçar a inteligência e afiar a perspicácia para que possam agir com prudência. O mestre não
deve ser alguém que nada mais faça do que asfixiar as mentes das pessoas sob uma montanha de
conhecimentos que servem para ser exibidos em conversas vazias. Por isso a função de mestre
não é a de ensinar, mas a de coordenar o diálogo entre pessoas que expõem ideias e as debatem
com inteligência.
APOTEGMATa
Aqui te deixo as lições que te ajudarão a viver tranquilamente tua vida junto a
teus semelhantes e que, aprendidas por teus semelhantes, farão com que eles
também vivam tranquilamente uns com os outros e contigo.
Não deves te apressar no ler as lições, pois importa refletir sobre o pouco lido
mais do que muito ler sem refletir sobre o que se leu.
Há um tempo para ler, e não deve ser demasiado. Tempo maior deves dedicar a
refletir, a ouvir o que te dizem teus semelhantes e a aprender o que puderes de bom,
de útil, agradável e inteligente.
Lê com os olhos de tua alma e reflete com teu coração sobre o que leres.
Não guardes para ti o que aprenderes em tuas reflexões. Dize a teu próximo o
que pensaste e ouve atentamente o que ele te disser que pensou, pois assim
aprendereis uns com os outros a harmonizar vossas vozes, refinar vossas habilidades
de pensar e de argumentar, dissipar dúvidas e encontrar a senda da reta razão.
2. Se alguém te pedisse teu corpo para dispor dele como lhe aprouvesse, tu
certamente te negarias a atender tal pedido. Por que, então, alguns
semelhantes teus não sentem vergonha ao entregar suas mentes a
charlatães e demagogos para que as manipulem em proveito somente deles
próprios?
3. O que se fala se desvanece, até quem falou esquece. Mas o que se grava em
pedra permanece.
4. Como o outro te trata é algo que importa somente a ele. A ti deve importar
a maneira como reages ao tratamento que te é dado.
7. O preparo da coalhada requer que o leite seja aquecido, mas ela se mostra
saborosa somente quando consumida fria. Por isso nunca dês solução a um
problema quando estiveres irritado, ansioso ou necessitado de prolongado
repouso.
8. Acautela-te contra aqueles que estimulam debates apenas para exibirem
conhecimentos, não para esclarecer ideias. São filhos da vaidade, que
buscam o aplauso fácil e nada têm de mestre com quem se aprenda algo.
10. Mesmo que o artesão faça sandálias de juta sem saber o tamanho dos pés
dos compradores, ainda assim sabemos que ele não as fará em forma de
cestos.
11. De que te vale querer saber se tens uma alma imortal que viverá
eternamente depois que o vento da morte dispersar as cinzas do teu corpo
na amplidão do deserto? Quem se lembra dos rios quando navega pelos
mares? Deverias te ocupar com tua contribuição para os que viverem após
ti, mais do que com questões sobre uma duvidosa vida eterna.
12. A linha da vida tem seus limites. A natureza admite que ela seja percorrida
somente uma vez e num único sentido. Para cada etapa de tua vida há algo
que lhe é especialmente adequado.
13. Desdenhas a crença religiosa de teu vizinho porque pensas que a verdade
está nas ciências? Ocorre que a crença religiosa de teu vizinho ajuda-o a ter
uma visão de mundo tranqvila e imutável, enquanto as ciências te ajudam a
ter uma visão de mundo que te move adiante na senda do conhecimento e
te mostra sempre novas paisagens.
14. Procura compreender a visão de mundo de teu vizinho, pois talvez ambos
tenhais muitos pontos de vista em comum, de tal modo que acabareis por
compartilhar uma visão de mundo adequada a ambos.
15. Quando teu antagonista não tem outra resposta senão o insulto para
expressar discordância em relação a tuas ideias, é porque não tem
argumentos para rebater o que pensa que deve rejeitar. Lembra-te de que
isso vale também para ti.
16. Muitos tapam o nariz com lenços perfumados para não sentir o miasma do
lixo, raros se dispõem a removê-lo.
17. Dizem que caridade é dar de comer a quem tem fome. Mas a verdadeira
caridade é antecipar-se à fome, é fazer com que ninguém passe fome.
18. Tua conduta e tuas palavras são a comida e a bebida que serves à
convivência com teus semelhantes. Podes escolher servir-lhes fino manjar
acompanhado de excelente vinho ou pão mofado embebido em vinagre.
22. Não cometes pecado algum ao acalentares um sonho, mas serás escravo de
uma ilusão se esperas que ele se torne real sem agires de acordo.
23. Os melhores mestres nunca querem te impor o que sabem, mas cooperar
contigo para que aprendas a pensar criticamente e a escolher sobre o que
pensar.
25. Muitos se iludem com a erudição, confundindo-a com sabedoria. Ocorre que
é possível ser erudito sem ter sabedoria e ser sábio sem ter erudição
alguma. Mas nunca se deixará abater aquele que consegue combinar
harmoniosamente sabedoria e erudição.
26. É importante que tenhas consciência de tuas fraquezas, mas não deves
dedicar demasiado esforço para te livrares delas; isto é fazer mau uso de
teu tempo. A menos que essas fraquezas sejam grandes obstáculos para
teu viver, o melhor que fazes é estruturar tua conduta sobre os alicerces de
teus pontos fortes.
27. Não há vantagem em corrigir deficiências que não estejam te atrapalhando,
nem em melhorar qualidades de que não faças uso. Se és hábil em manejar
a pena e o pincel e as ferramentas com a mão direita, de que te vale dedicar
tempo para desenvolveres a mesma habilidade com a mão esquerda?
29. Todos nós um dia vamos morrer deixando no mundo um oculto resto de
algo inacabado. Nós mortais não podemos realizar tudo; podemos,
contudo, dar parcela de contribuição à vida do mundo que continuará
existindo mesmo depois que morrermos.
30. Os sentidos de teu corpo são os meios por que tua mente apreende o
mundo e aprende com o mundo. Por isso deves tratar teu corpo com o
mesmo zelo e cuidado com que o guerreiro mantém prontas sua armadura
e suas armas.
33. Faze o bem sem esperar retribuição, pois assim nunca serás decepcionado.
34. O insulto do inimigo por vezes te dá lição mais valiosa do que o elogio
vazio de quem busca te seduzir.
35. Teu filho será o que a mãe dele determinar pela educação que ela lhe der.
Por isso faze com que desde meninas as mulheres tenham as mesmas
oportunidades de educação dadas aos meninos e aos adultos, homens e
mulheres.
37. Deves ter o espírito pronto para aceitar o que não podes controlar e para
suportar as frustrações e as dores que a vida te impuser.
38. Lembra-te que para desfrutar os favores do rei os cortesãos são capazes de
ações ignóbeis e de alianças traiçoeiras.
39. Cuida o que dizes para as pessoas, mas dedica mais cuidado à maneira
como o dizes. Pois as pessoas podem esquecer o que disseste, mas nunca
se esquecem de como se sentiram quando disseste o que lhes disseste.
40. Executa muito bem a tarefa que te cabe executar, pois o que dela resultar
pode ser a fonte da última recompensa que terás por toda uma vida de
trabalho árduo.
41. Pais têm dos filhos o respeito e admiração e afeição que fizeram por
merecer.
42. A nós nos agrada a nossa maneira de ver, sentir, pensar e julgar, por isso de
bom grado nos inclinamos para quem pensa e julga como nós.
43. Teus conhecimentos têm valor somente quando deles fazes uso em
benefício de tua comunidade, pois foi ela que te deu oportunidade de
adquiri-los.
44. Deves saber dar atenção àqueles que pensam e julgam diferentemente de ti,
pois isso te ajuda a refinar tua maneira de pensar, sentir e julgar.
45. Quando fores dizer algo sobre o caráter e a conduta das mulheres, reflete
se o que vais dizer vale para tua mãe e demais mulheres de tua família,
inclusive esposas e filhas de teus irmãos.
47. Se tens dúvidas sobre como tratar com alguém que te causou desgosto,
pede conselho a tua mãe.
48. Se recusaste uma boa oportunidade, mais tarde não a tragas à lembrança
arrependido da decisão que tomaste, pois a vida que imaginas que terias
vivido se não a tivesses recusado faz com que a vida que ora vives seja
contaminada pelo sabor azedo da frustração de uma vida não vivida e por
isso ilusória.
49. Qual o propósito de tua existência? Pelo estudo e reflexão prepara-te para
tu mesmo dares resposta a essa pergunta. Não aceites que adoradores de
ídolos e quiromantes e lançadores de dados te digam qual o propósito que
deves dar à tua vida, pois isso lhes interessa somente a eles como forma de
explorar a credulidade e tirar vantagem dos medos de pessoas de espírito
débil.
50. Que a tua conduta seja determinada por ti mesmo, nunca pelo modo como
os outros te tratam. Afirmarás tua nobreza moral ao aceitares com
moderação os elogios e revidares os insultos com firmeza e serenidade.
51. Não cometes nenhum pecado quando resolves te divertir com as sandices
de algum erudito que se arroga a prerrogativa de conhecer a verdade.
Apenas não o humilhes, nem o trates com ofensas.
52. Lembra-te de que és livre para fazer escolhas, mas escravo das
conseqvências das escolhas que fizeres.