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fr/livres/2017/05/31/ranciere-
democraties-en-marche_1573646
Henri Bergson não estava errado em dizer que todo grande filósofo não quis no
fundo enunciar senão uma só coisa e que empregou toda sua vida para o fazer. Para
os pensadores clássicos, nós chegamos a extrair essa ideia central, prenhe de
inúmeras outras, que durante séculos fecundaram o pensamento. É mais arriscado
praticar o mesmo exercício com os filósofos contemporâneos cujas obras estão em
progresso e suscetíveis ainda de criar o novo. Se tratando de Jacques Rancière, não
é no entanto insensato afirmar que essa “coisa” se trata da maneira pela qual ele
pensou as relações entre estética e política, e ao sentido inovador que ele deu à
“velha” ideia da emancipação.
Jacques Rancière publica, sob a forma de uma conversação (por escrito) com Eric
Hazan, uma curta obra, En quel temps vivons-nous? (Em que tempo nós vivemos?),
que, se inscrevendo inteiramente no quadro geral de seu pensamento, se revela
ligada diretamente com, justamente, as questões de nosso tempo, aquelas que a
atualidade política obriga a colocar, e que foram colocadas no curso da recente
campanha para eleição presidencial (no momento em que a obra foi impressa, a
vitória de Marine Le Pen não estava excluída): qual definição nós podemos dar ainda
do “povo”? E sobre o sistema de “representação”? O que “representa” um eleito,
quando ele não saiu do território, de uma história política enraizada na realidade
local, mas escolhido entre as “pessoas” (da sociedade civil) para “se juntar” a um
conjunto composto que se constitui durante o caminho (“em marcha”), ou “eleito”
via uma plataforma informática e “formado” durante rápidos estágios de
administração e comunicação?
Insurreição e revolução
Jacques Rancière é um dos filósofos franceses mais influentes de hoje, que nós
poderíamos inscrever, a despeito de abissais diferenças, na mesma constelação que
Alain Badiou, Slavoj Zizek, Giorgio Agamben, Ernesto Laclau (a referência teórica do
Podemos), Chantal Mouffe, Toni Negri ou Michael Hardt -, mas que está na verdade
a frente de uma obra (uma quarentena de obras) dificilmente classificáveis, que
suscitaram um número considerável de estudos críticos e comentários.
E a este problema que ele retorna em En quel temps vivons-nous? [Em qual tempo
nós vivemos?], onde ele avança que “a decomposição do sistema representativo” é na
verdade “uma velha lua”, que “sustenta desde os anos 1880 as esperanças e as ilusões
de uma esquerda “radical” sempre pronta para ver nas fracas taxas de participação a
tal ou qual eleição parcial a prova de um desinvestimento massivo do sistema
eleitoral.” Ter a representação por agonizante, é na realidade estimar que seu
princípio é mesmo a democracia. Ora, precisa o filósofo, “a democracia não é a
escolha dos representantes, ele é o poder daqueles que não são qualificados para
exercer o poder.” A “doxa dominante” vê a representação como “movimento que parte
debaixo”, na qual “o povo está como um corpo coletivo que escolhe para si os
representantes”. Mas não é assim que funciona, segundo Rancière. “Um povo político,
não é um dado preexistente, é um resultado. Não é povo que se representa mas a
representação que produz um certo povo.”
Manifestação de Igualdade
Estética da política