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Costuma-se definir lingüística como a ciência que estuda a linguagem. Essa definição,
além de extremamente curta, é imprecisa, o que torna necessário que se façam alguns
esclarecimentos prévios. O primeiro deles relaciona-se ao significado do termo
linguagem, que costuma variar de acordo com diferentes áreas de estudo, ou mesmo
com diferentes autores. É comum, por exemplo, aparecer em manuais didáticos a noção
segundo a qual linguagem se refere a qualquer processo de comunicação, desde os
gestos, passando pela sinalização de trânsito, até as línguas naturais, como o português,
o inglês ou o russo. Entretanto, os lingüistas (cientistas que estudam a lingüística)
costumam ser mais específicos, estabelecendo uma distinção entre língua e linguagem.
O termo língua é definido como um sistema de signos vocais utilizados por um grupo
social ou comunidade lingüística, enquanto que o termo linguagem é atribuído à
capacidade que apenas os seres humanos têm de se comunicar por meio de uma língua.
Nesse ponto, pode-se assinalar uma primeira especificação àquela pequena definição
apresentada acima: lingüística é ciência que estuda a linguagem (a capacidade
exclusivamente humana de expressão por meios verbais), com o objetivo de depreender
os princípios fundamentais que regem essa capacidade. É claro que os lingüistas
também se interessam por estudar as diferentes línguas do mundo e descrever sua
estrutura, mas normalmente o fazem com o objetivo maior de detectar as características
da faculdade da linguagem: o que há de universal e inato, o que há de cultural e
adquirido etc.
Outro ponto da definição que deve ser esclarecido é o fato de que, provavelmente por
ser um fenômeno com implicação em muitas áreas da existência humana, várias outras
ciências se preocupam em estudar a linguagem. A psicologia e a neurologia, por
exemplo, estudam a linguagem, uma vez que o homem precisa possuir uma estrutura
cognitiva e cerebral com determinadas características que permitam o seu exercício. Por
outro lado, a linguagem é também um campo de interesse para a sociologia, por ser
condição para a vida em comunidade. Isso, além de demonstrar a fragilidade da
definição dada acima, dificulta bastante a tarefa de definir lingüística e delimitar seu
campo de atuação.
O problema se agrava, quando se leva em conta que ainda há outras ciências que, ao
contrário das mencionadas acima, interessadas pela linguagem mais como um meio para
compreender seus verdadeiros objetos de estudo, fazem do estudo desse fenômeno a sua
finalidade. Caracterizar estas outras ciências, mais do que uma necessidade para o
esclarecimento do assunto, constitui um útil recurso didático para delimitar, por via
comparativa, a natureza da lingüística, e assim apresentar as tendências de análise,
normalmente associadas a esse campo de estudo.
Tudo o que foi visto até aqui leva à conclusão de que, em virtude da complexidade do
seu objeto de estudo, seria impossível, definir com poucas palavras a ciência lingüística,
ou mesmo enumerar, em termos absolutos, suas tendências de análise, que na prática,
como em qualquer ciência, variam de acordo com diferentes autores ou escolas.
Entretanto, pode-se delinear um conjunto de tendências gerais, normalmente atribuídas
a esse campo de conhecimento: a) embora se interesse pelo estudo das línguas naturais,
a lingüística tem como principal objetivo compreender a linguagem humana, entendida
como capacidade de comunicação verbal; b) apesar de também estudar a escrita, a
lingüística se interessa, sobretudo, pela fala, por ser esta última um reflexo mais natural
das leis que regem a linguagem humana; c) não é eminentemente histórica, embora se
interesse pelas regularidades que caracterizam a mudança das línguas ao longo do
tempo; d) como estuda um fenômeno que apresenta interfaces com outras áreas de
pesquisa, como, por exemplo, a psicologia e a sociologia, a lingüística não busca as
explicações para os fenômenos lingüísticos que analisa apenas em dados gramaticais ou
exclusivamente lingüísticos, mas, também, em dados referentes ao comportamento
humano, que são fornecidos por essas outras ciências, na hipótese de que a linguagem
reflete esses dados.
Mário Eduardo Martelotta é mestre e doutor em lingüística e professor de lingüística
da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro.