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Universidade regional do noroeste do estado do rio grande do sul – unijuí

vice-reitoria de graduação – vrg


coordenadoria de educação a distância – CEaD

Coleção Educação a Distância


Série Livro-Texto

Jaci Kieslich
Maristela Righi Lang
Rosita da Silva Santos
Taíse Neves Possani

leitura
e produção
textual

Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil


2014
 2014, Editora Unijuí
Rua do Comércio, 1364
98700-000 - Ijuí - RS - Brasil
Fone: (0__55) 3332-0217
Fax: (0__55) 3332-0216
E-mail: editora@unijui.edu.br
Http://www.editoraunijui.com.br
Editor: Gilmar Antonio Bedin
Editor-adjunto: Joel Corso
Capa: Elias Ricardo Schüssler
Designer Educacional: Jociane Dal Molin Berbaum
Responsabilidade Editorial, Gráfica e Administrativa:
Editora Unijuí da Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí; Ijuí, RS, Brasil)

Catalogação na Publicação:
Biblioteca Universitária Mario Osorio Marques – Unijuí

L533 Leitura e produção textual / Jaci Kieslich et al.. – Ijuí: Ed. Unijuí, 2014. – 90 p. – (Coleção
educação a distância. Série livro-texto).
ISBN 978-85-419-0098-0
1. Leitura. 2. Linguagem. 3. Produção textual. I. Lang, Maristela Righi. II. Santos, Rosita da
Silva. III. Possani, Taíse Neves. IV. Série.
CDU : 028.1
82.08
Sumário

CONHECENDO OS PROFESSORES..................................................................................................................................................... 5

APRESENTAÇÃO....................................................................................................................................................................................... 7

UNIDADE 1 – LINGUAGEM E VARIAÇÃO LINGUÍSTICA............................................................................................................... 9

Seção 1.1 – Variação Linguística no Português Brasileiro.......................................................................................................10

1.1.1 – Variação Diacrônica.........................................................................................................................................11

1.1.2 – Variação Diatópica (ou Geográfica)...........................................................................................................11

1.1.3 – Variação Diastrática (ou Social)...................................................................................................................13

1.1.4 – Variação Diamésica..........................................................................................................................................13

1.1.5 – Variação Estilística............................................................................................................................................14

Seção 1.2 – Norma Padrão e Preconceito Linguístico..............................................................................................................14

Seção 1.3 – Linguagem Culta/Linguagem Popular..................................................................................................................15

Seção 1.4 – Diferenças Entre Oralidade e Escrita.......................................................................................................................17

UNIDADE 2 – O TEXTO E A TEXTUALIDADE..................................................................................................................................19

Seção 2.1 – Textualidade e Seus Elementos................................................................................................................................22

UNIDADE 3 – A LEITURA.....................................................................................................................................................................29

Seção 3.1 – Leitura e Inclusão Social..............................................................................................................................................29

Seção 3.2 – Objetivos da Leitura......................................................................................................................................................30

Seção 3.3 – Como Ler para Cumprir Tarefa?................................................................................................................................31

Seção 3.4 – Estratégias para Compreensão de Textos.............................................................................................................31

Seção 3.5 – A Leitura do Texto Literário........................................................................................................................................35

Seção 3.6 – A Plurissignificação da Linguagem Literária: denotação e conotação.......................................................38

Seção 3.7 – A Literatura e Suas Funções.......................................................................................................................................39

UNIDADE 4 – NOÇÕES DE ESCRITA.................................................................................................................................................41

Seção 4.1 – Propósito Comunicativo..............................................................................................................................................42

Seção 4.2 – Estratégias Argumentativas.......................................................................................................................................43

Seção 4.3 – Adequação Vocabular..................................................................................................................................................48

Seção 4.4 – Coesão e Coerência Textuais......................................................................................................................................50

Seção 4.5 – O Parágrafo.......................................................................................................................................................................54

3
UNIDADE 5 – A ARGUMENTAÇÃO COMO PRÁTICA DE LINGUAGEM..................................................................................59
Seção 5. 1 – O Texto Argumentativo..............................................................................................................................................60
Seção 5. 2 – Argumentos....................................................................................................................................................................62
Seção 5.3 – Gêneros Textuais da Ordem do Argumentar.......................................................................................................68
Seção 5.4 – Defendendo um Posicionamento por Meio da Expressão Oral....................................................................82

REFERÊNCIAS..........................................................................................................................................................................................89
Conhecendo os Professores

JACI KIESLICH
Professora, graduada em Letras pela Unijuí; pós-graduada em Literatura e
mestre em Educação nas Ciências pela mesma universidade, com apresentação
da Dissertação intitulada: “Práticas de leitura de professoras que atuam no Ensino
Fundamental”. Leciona o componente curricular Leitura e Produção Textual junto
ao Departamento de Humanidades e Educação da Unijuí. Também participa de
Projetos de Extensão desta universidade. Possui diversas publicações de textos
e artigos, abordando questões sobre a leitura e seu ensino.

MARISTELA RIGHI LANG


Professora colaboradora horista na Universidade Regional do Noroeste do
Estado do RS – Unijuí – e professora no Colégio Sagrado Coração de Jesus de Ijuí/
RS e no Colégio Tiradentes da Brigada Militar/Ijuí/RS. Possui Mestrado em Letras
pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul– UFRGS (2003) – Pós-Graduação
lato-sensu em Literatura Infanto-juvenil (1997) e Graduação em Letras pela Uni-
versidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – Unijuí (1994).
Tem experiência na área de Linguística, com ênfase em Linguística, trabalhando
principalmente com os seguintes temas: gêneros textuais, leitura e produção de
textos, prática docente, pesquisa em Letras, gramática (morfologia e sintaxe),
ensino.

ROSITA DA SILVA SANTOS


Professora, possui Graduação em Letras – habilitação Língua Portu-
guesa, Língua Inglesa e respectivas literaturas – pela Universidade do Vale do
Jacuí, especialização em Leitura e Produção de Textos pela Univali (Itajaí/SC) e
Mestrado em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Atua, também, com Ensino Médio e tem experiência na área de Letras (língua
e literatura), principalmente nos seguintes temas: leitura, produção de textos,
Semântica e Pragmática, Sociolinguística. Participa de projetos de extensão e
cursos de formação continuada para professores na Região Noroeste do Estado
do Rio Grande do Sul.

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EaD
Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani

TAÍSE NEVES POSSANI


Professora, licenciada em Letras –Licenciatura Plena – habilitação Língua
Portuguesa, Língua Inglesa e respectivas Literaturas pela Universidade Federal
do Rio Grande (2006). Mestre em História da Literatura pela Universidade Fe-
deral do Rio Grande (2009). Tem experiência na área de Letras, com ênfase em
História da Literatura, atuando principalmente nos seguintes temas: Metaficção
e Metaficção Historiográfica, análise e leitura intertextual, reflexões acerca do
ensino-aprendizagem de Língua Inglesa e Língua Portuguesa. Atua também
como coordenadora do posto aplicador do Exame Celpe-Bras – Certificado
de proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros. Dentre as principais
atividades que têm realizado junto a universidade, estão os cursos de formação
continuada para professores na Região Noroeste do Rio Grande do Sul, realizados
em parceria com a Coordenadoria Regional da Educação e o governo do Estado
do Rio Grande do Sul.

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Apresentação

A disciplina de Leitura e Produção Textual justifica-se como um dos eixos


da Formação Geral Humanista nesta instituição de ensino superior, por priorizar
espaço de reflexões aos alunos acerca da realidade, articulando inúmeras temá-
ticas, tais como as de ordem social, política, ambiental, étnica, cultural, da saúde,
da arte, entre outras. Isso acontece por meio da leitura e problematização de
diferentes textos orais e escritos, verbais ou não. Assim, buscamos desafiar/auxiliar
os envolvidos para que desenvolvam uma percepção maior da existência, bem
como atuem efetivamente como produtores em um mundo textualizado e que
se constituam não somente receptores, mas que exerçam uma leitura de mundo
crítica, reflexiva, propositiva de soluções, posicionando-se ante aos discursos e
ideologias de maneira ativa e contestadora, não ingênua e manipulada.
Para tanto, são articuladas, neste livro, questões relativas à forma da língua
e de seu uso em contextos específicos, nos quais a língua significa e causa diferen-
tes efeitos de sentido para auxiliar você a agir em um contexto sociocomunicativo
específico, a partir do desenvolvimento da habilidade de comunicar-se ampla e
eficazmente nas diferentes situações da língua em uso.
Além disso, acreditamos que a partir do desenvolvimento de suas habili-
dades linguísticas e comunicativas você passará a dialogar com as propostas das
demais disciplinas, sejam elas do específico de seus cursos de Graduação ou da
própria Formação Geral e Humanista, às quais estão articuladas. Cabe também
considerar que, de acordo com os PCNs (Brasil, 1998), toda a educação que se
comprometa com o exercício da cidadania precisa criar condições para que o alu-
no desenvolva a sua competência comunicativa. Por competência comunicativa
podemos entender a capacidade que o sujeito tem de colocar-se no contexto
precisamente, apreendendo os gêneros comuns a cada domínio discursivo e
não discursivo, bem como alterando o registro, o léxico, a forma como um todo,
a fim de atingir seu propósito comunicativo.
Por fim, cabe ressaltar que possibilitar a vocês, acadêmicos, uma Formação
Geral e Humanista é, sem dúvida, por um lado, reconhecer o caráter mais amplo
e dinâmico da formação superior, e, por outro, mostrar-se preocupados com a
atuação dos sujeitos para além da técnica e da especificidade. Nessa perspecti-
va, a disciplina de Leitura e Produção Textual está intensamente comprometida
com a formação dos seus alunos, na medida em que privilegia o caráter ativo
da prática de ler, refletir, escrever, analisar, produzir textos sobre temas como:
a saúde, a educação, a segurança, a justiça, o meio ambiente, a arte, a cultura,
a ética, a inovação, além de contribuir na constituição étnica e racial, histórica,
como também nas suas relações com a sociedade do século 21.
Bons estudos!
Professores do componente curricular
Leitura e Produção Textual

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Unidade 1

LINGUAGEM E VARIAÇÃO LINGUÍSTICA

OBJETIVOS DESTA UNIDADE


• Compreender a linguagem como modo de inserção nas práticas sociais, de
forma ética, propositiva, transformadora de sua realidade, de sua história,
cultura e de sua identidade, considerando os aspectos multiculturais e pluri-
étnicos de sua constituição. Além de ser conhecedor da realidade brasileira,
o sujeito deve ser capaz de compará-la, analisá-la e entendê-la na sua relação
com a realidade global.
• Auxiliar para a compreensão e a consciência a respeito da variação linguística,
de registro e de preconceito linguístico, por meio de leituras e análises de
textos, utilizando esse conhecimento nas práticas de escrita.

AS SEÇÕES DESTA UNIDADE


Seção 1.1 – Variação Linguística no Português Brasileiro
Seção 1.2 – Norma Padrão e Preconceito Linguístico
Seção 1.3 – Linguagem Culta/Linguagem Popular
Seção 1.4 – Diferenças Entre Oralidade e Escrita

A linguagem é uma atividade humana que, nas representações de mundo


que constrói, revela aspectos históricos, sociais e culturais. É por meio da lingua-
gem que o ser humano organiza e dá forma as suas experiências. Seu uso ocorre
na interação social e pressupõe a existência de interlocutores. São exemplos de
diferentes linguagens utilizadas pelo ser humano as línguas, a pintura, a dança,
os logotipos, os quadrinhos, os sistemas gestuais, entre outros.
Usamos a linguagem para pedir ou transmitir informações na maior
parte do tempo, mas, além do intuito comunicativo, a linguagem deve dar
conta também das necessidades subjetivas, que se expressam nas palavras, nos
sentimentos, nas sensações, nas emoções.
As linguagens utilizadas pelos seres humanos pressupõem conhecimento,
por parte de seus usuários, do valor simbólico dos seus signos. Se não houvesse
acordo com relação a esse valor, ou seja, se não fosse possível aos usuários de

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Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani

uma mesma linguagem identificar aquilo a que determinado signo faz referência,
qualquer interação através da atividade da linguagem ficaria prejudicada, pois
não haveria comunicação (Abaurre; Pontara, 2006, p. 3).
A linguagem tem um valor social, pois tudo o que o ser humano alcançou
de crescimento cultural está ligado a ela. Sem a linguagem, a cultura não existiria,
e os conhecimentos não poderiam ser transmitidos de geração para geração. A
linguagem torna possível o desenvolvimento e a transmissão de culturas, bem
como o funcionamento eficiente e o controle dos grupos sociais.
A linguagem pode ser dividida em dois tipos; verbal e não verbal.
• VERBAL: aquela que utiliza a língua (oral ou escrita), que tem a pala-
vra, ou signos linguísticos, por sinal.
• NÃO VERBAL: aquela que usa qualquer código que não seja a pa-
lavra, como a música, que tem o som por sinal; a dança, que tem o
movimento por sinal; a mímica, que tem o gesto por sinal; a pintura,
a fotografia e a escultura, que têm a imagem por sinal, etc. Quem
está recebendo a mensagem pode expressar corporalmente diversas
manifestações de atenção, agrado ou desagrado. Um bocejo, o cenho
franzido de atenção, o olhar vago e distante, os olhos que se fecham,
a expressão de dúvida, são indícios significativos para quem quer
receber uma mensagem.
Sendo assim, entender a linguagem é essencial para poder usá-la de
forma efetiva, principalmente no que respeita à linguagem verbal, uma vez que
a existência humana se organiza em torno de relações de interações sociais, em
que questões históricas, sociais, econômicas e culturais estão envolvidas. No que
se refere ao contexto universitário, em que a linguagem verbal é amplamente
utilizada, o seu domínio deve ser um dos grandes objetivos e foco de formação
dos estudantes.

Seção 1.1
Variação Linguística no Português Brasileiro
O Brasil é o maior país falante de língua portuguesa no mundo:1 somos
200 milhões de habitantes, segundo dados recentes do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística – IBGE – (Brasil, 2013). Sabemos que o português não surgiu
no Brasil, pois fomos colonizados por portugueses, e o português deriva do latim,
língua da civilização que teve como centro a Roma antiga. Por isso, o que deu
origem ao português não foi o latim literário, mas sim uma terceira variedade,
o chamado latim vulgar (ou vernáculo). O aprendizado de um vernáculo se dá

1
O português é língua comum em vários países, além do Brasil: Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau,
Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste.

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EaD
Leitura e Produção Textual

por assimilação espontânea e inconsciente, no ambiente em que as pessoas


são criadas, opondo-se ao que acontece, por exemplo, na escola, cujo objetivo
principal é o de fazer chegar às pessoas a variedade linguística prestigiada (Ilari;
Basso, 2006).

Por este motivo, a uniformidade na língua é um mito e a variabilidade


linguística deve ser aceita como um fato natural. Pensar na língua como algo
imutável é ter uma visão limitada do fenômeno linguístico, que só se consegue
quando se leva em conta a língua culta como a única que deve ser aceita. A lín-
gua varia no tempo, varia de região para região, ou de acordo com os diferentes
estratos sociais, entre outras.

A transformação de uma língua opera-se pelo constante contato com


outras línguas ou mesmo com suas variedades regionais e sociais. Esse processo
é inevitável, porque nenhum povo vive isolado. Do contato com outras línguas
surgem os empréstimos linguísticos, por exemplo. Quando a fonte do contato é
de origem interna, ou seja, entre variedades regionais ou sociais de uma mesma
língua, ocorre transferência.

Por isso, os autores costumam citar alguns tipos de variações. Essas


variações convivem entre si, ou seja, não são excludentes e não podem ser apli-
cadas em separado. Os autores referem-se à variação diacrônica, diatópica (ou
geográfica), diastrática (ou social), diamésica, estilística.

1.1.1 – Variação Diacrônica


A variação diacrônica é aquela que se dá através do tempo. Esse tipo de
variação pode ser percebida ao compararmos gerações. Em um bom exemplo,
podemos notar as mudanças na palavra você, que antigamente era uma ex-
pressão de tratamento e se transformou em pronome pessoal. Vossa mercê, em
sua origem, passou a ser vosmecê, você, ocê, e atualmente ouvimos pessoas que
falam somente cê.

No século 20, o Brasil era muito influenciado pelos franceses, o que refletia
diretamente na língua. Neste período, foram incluídas, no português, palavras
como menu, abajur, chique, charme, dentre outras. Nos dias de hoje, podemos
observar que o inglês tem se incorporado às diferentes línguas dos países de todo
o mundo, e no Brasil não é diferente, visto que palavras como internet, windows,
hardware, mouse e muitas outras, já fazem parte de nossa língua.

1.1.2 – Variação Diatópica (ou Geográfica)


Variação diatópica são diferenças que uma mesma língua apresenta na
dimensão do espaço, quando é falada em diversas regiões de um mesmo país
ou em distintos países.

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Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani

A variação diatópica é o tipo de variação que encontramos ao compa-


rarmos uma região a outra. Por exemplo, ao compararmos um diálogo entre
pessoas que moram no Sul e que moram no Norte do país, encontramos
uma diversidade de palavras muito grande. Enquanto no Norte a mandioca é
chamada de macaxeira, no Sul ela é conhecida como aipim.

Além do conhecimento de mundo, relacionado às questões culturais,


podemos analisar a diferença entre as falas de um gaúcho e um mineiro, por
exemplo, com características próprias de cada Estado, como uai, utilizado por
um mineiro, e bah, falada pelo gaúcho.
Os termos sinal, semáforo, sinaleira e farol, por exemplo, referem-se a um
mesmo aparelho de sinalização das vias urbanas, empregado para orientar o trá-
fego. Trata-se claramente de variação diatópica, pois entendemos as diferenças
que uma mesma língua apresenta na dimensão do espaço, quando é falada em
diferentes regiões de um mesmo país ou em distintos países.
3

2
Disponível em: <http://emoxinha25.spaceblog.com.br/275382/Um-caipira-fazendo-declaracao-de-amor-
aos-amigos-leiaamm/>. Acesso em: 10 dez. 2013.
3
Disponível em: <http://variou.blogspot.com.br/2011/05/variacao-regional.html>. Acesso em: 13 dez.
2013.

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EaD
Leitura e Produção Textual

As variedades geográficas conduzem a uma oposição fundamental entre


linguagem urbana e linguagem rural. Essas variações são motivadas pelas ca-
racterísticas do falante e do grupo a que pertence, ou pelas circunstâncias que
cercam a situação de fala.

1.1.3 – Variação Diastrática (ou Social)


A variação diastrática é a diferença entre o português falado pela parte
mais escolarizada da população e pela menos escolarizada. A variação diastrática
é o português falado por diferentes estratos da sociedade. É uma variante bas-
tante abrangente, pois é a diferença entre a camada menos e mais escolarizada
da sociedade, assim como pode ser também a variante das gírias.
A variação social ou diastrática relaciona-se a um conjunto de fatores
que têm a ver com a identidade dos falantes e também com a organização
sociocultural da comunidade de fala. Neste sentido, podemos apontar os se-
guintes fatores relacionados às variações de natureza social: a) classe social; b)
idade; c) sexo; d) situação ou contexto social (Alkmim, 2001). Alguns exemplos
de variação social:
• o uso de dupla negação, como em “ninguém não viu”, indica a fala de
grupos situados abaixo na escala social.
• presença de [r], em lugar de [l], em grupos consonantais, como em
“brusa” (blusa) e “probrema” (problema), também sugere que os fa-
lantes estão situados abaixo na escala social ou possuem baixo grau
de letramento.
• o uso de certas gírias (“parada”, “é nóis”) denota faixa etária jovem;
• a duração de vogais como recurso expressivo, como em “maaaravilho-
so”, costuma ocorrer na fala de mulheres, assim como o uso frequente
de diminutivos, como “bonitinho”, “vermelhinho” (Camacho, 1978
apud Alkmim, 2001).
Na música “Samba do Arnesto” (O Arnesto nos convidou pra um samba/
ele mora no Brás/Nós fumo não encontremo ninguém), de Adoniran Barbosa,
podemos ver que se trata de uma variação diastrática, pois apresenta orações
como nóis fumo, ao invés de nós fomos, ou não encontremo por não encontramos,
que seriam impossíveis de serem aceitas pela norma culta da língua.
O português substandard, como é conhecido, tem uma gramática própria,
mas permite uma boa comunicação. Por exemplo, a queda da letra s nas palavras,
como nóis fumo, nóis cantemo, ou a criação de neologismos.

1.1.4 – Variação Diamésica


Conforme o gênero textual a que pertencem, os textos apresentam, sejam
orais ou escritos, vocabulário e gramática próprios. Dentre todas essas varian-
tes, ainda existe a variação diamésica, que coexiste com todos os outros tipos

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EaD
Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani

de variação, pois é a variante que está associada ao meio ou veículo em que é


empregada. Existem diferenças quando o telefone é atendido por uma secretária
eletrônica ou por uma pessoa; ou mesmo quando estamos conversando com
alguém por meio de uma mídia social ou na comunicação cara a cara.

O internetês é um bom exemplo de variação diamésica. O internetês de-


signa a linguagem utilizada no meio virtual, em que as palavras são abreviadas
até o ponto de se transformarem em uma palavra com, no mínimo, duas e, no
máximo, cinco letras. Essa forma de expressão deu-se a partir do uso das mídias
sociais, com a necessidade de interação instantânea e dinâmica entre os usuários.
O uso, portanto, de abreviações ou símbolos (como vc, naum, tb) não se trata de
um erro, mas de uma variação linguística.

1.1.5 – Variação Estilística


A variação estilística está relacionada ao contexto; ocorre em situações de
fala, uma vez que a mesma pessoa muda a sua maneira de falar dependendo do
ambiente. Os falantes adaptam suas formas de expressão às finalidades específicas
de seu ato enunciativo. Podemos observar estilos diferentes, por exemplo, quando
um falante conversa numa mesa de bar, com um amigo, ou quando apresenta um
trabalho na universidade. A seleção de formas mais ou menos prestigiadas vai
depender do grau de intimidade, do ambiente, enfim, de uma série de fatores.

Seção 1.2
Norma Padrão e Preconceito Linguístico
A norma culta (ou padrão) é considerada um modelo de linguagem
a ser utilizado pelos falantes da língua portuguesa. Faraco (2002, p. 39)
afirma que norma culta é aquela que é falada por pessoas escolarizadas,
que se assemelha ou fica próximo de um português mais correto, o por-
tuguês padrão.

4
Disponível em: <http://espacoeducacaoriopreto.blogspot.com.br/2011/06/diversidade-linguistica.html>.
Acesso em: 13 dez. 2013.

14
EaD
Leitura e Produção Textual

O português padrão, segundo Faraco (2002, p. 40), é uma forma de


preconceito linguístico, de menosprezar as variantes da língua, pois, para o
português padrão, somente o português baseado na gramática normativa é o
correto. Isso acontece porque a norma apresenta um caráter estático, enquanto
a fala é dinâmica, representando a diversidade, dado que evolui a cada instante,
acompanhando as transformações da sociedade (Terra, 2008).
A escolha de um determinado uso da língua para alçá-lo à condição de
norma culta possui um caráter ideológico, e o critério utilizado, geralmente, para
estabelecer qual seria a linguagem padrão, é o histórico-literário (Terra, 2008).

Seção 1.3
Linguagem Culta/Linguagem Popular
De modo geral, um falante culto, em situação comunicativa formal, bus-
cará seguir as regras da norma culta de sua língua, e ainda procurará seguir, no
que diz respeito ao léxico, um repertório que, se não for erudito, também não
será vulgar.
Isso configura o que se entende por norma culta que, conforme Pretti
(1997), apresenta as seguintes características:
• é a variante de maior prestígio social;
• é realizada com certa uniformidade pelos membros do grupo social
de padrão cultural mais elevado;

Disponível em: <http://petpedagogia.blogspot.com.br/2012/04/variacao-linguistica-uma-realidade.


5

html>. Acesso em: 13 dez. 2013.

15
EaD
Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani

• cumpre o papel de impedir a fragmentação dialetal;

• é usada na escrita em gêneros discursivos em que há maior forma-


lidade;

• é a que mais se aproxima dos padrões prescritos pela gramática


tradicional;

• é a mais empregada na literatura;

• é a usada pelas pessoas cultas em diferentes situações de formali-


dade.

Em linhas gerais, as diferenças que se estabelecem entre linguagem


culta e linguagem popular podem ser resumidas através conforme o seguinte
Quadro:

Quadro 1 – Linguagem culta x linguagem popular

LINGUAGEM CULTA LINGUAGEM POPULAR


• Apresenta indicação precisa das • economia nas marcas de gênero, nú-
marcas de gênero, número e pes- mero e pessoa;
soa;
• redução das pessoas gramaticais do
• uso de todas as pessoas, com exce- verbo;
ção de vós;
• mistura de pessoas verbais;
• emprego de todos os modos ver-
• uso intenso da expressão a gente em
bais;
lugar de nós;
• correlação verbal de tempos e
• redução dos tempos da conjugação
modos;
verbal, como a perda quase total do
• coordenação e subordinação; futuro do presente e do pretérito-mais-
que-perfeito;
• riqueza de construção sintática;
• falta de correlação verbal entre os
• maior utilização da voz passiva;
tempos;
• grande emprego de preposições
• redução do processo subordinativo
nas regências;
em benefício da frase simples e da
• organização gramatical cuidada coordenação;
da frase.
• maior emprego da voz ativa em lugar
da passiva;

• predomínio das regências verbais


diretas;

• simplificação gramatical da frase;

• emprego dos pronomes pessoais retos


como objetos.
Fonte: Pretti, 1997. Adaptado.

16
EaD
Leitura e Produção Textual

Seção 1.4
Diferenças Entre Oralidade e Escrita
Segundo Marcuschi (2002), a fala é uma atividade muito mais central do
que a escrita no dia a dia das pessoas, embora as instituições de ensino priorizem
a escrita como objeto central. Analisar a fala é uma oportunidade para esclarecer
aspectos relativos ao preconceito e à discriminação linguística, bem como suas
formas de disseminação. Além disso, é uma atividade relevante para analisar
em que sentido a língua é um mecanismo de controle social e reprodução de
esquemas de dominação e poder implícitos em usos linguísticos na vida diária,
tendo em vista suas íntimas, complexas e comprovadas relações com as estruturas
sociais (Marcuschi, 2002).
O que tem sido observado, no entanto, é a primazia do ensino da escrita,
uma vez que há a crença de que, aprendendo a escrita, haverá a aprendizagem
da fala. De certa forma, isso acontece, mas é necessário abordar questões relativas
à fala, posto que, na grande maioria das profissões, a oralidade prevalece. No
Quadro a seguir temos um comparativo entre a fala e a escrita, o qual nos ajuda
a entender tais diferenças:
Quadro 2 – Diferenças entre oralidade e escrita

Oralidade Escrita
O momento de produção e o de recep- Há defasagem entre o momento de produção
ção do texto são simultâneos. e o de recepção.
É possível negociar o sentido com o O autor deve antecipar possíveis dúvidas do
leitor e tratar de esclarecê-las ainda no mo-
interlocutor e, também, corrigir-se. mento de produção.
O texto é coconstruído: para se comuni- O autor produz o texto solitariamente e, de-
car melhor, os interlocutores interagem pois, o leitor deve reconstruir seus significados
o tempo todo, usando tanto a lingua- também sozinho.
gem verbal quanto a não verbal.
É impossível “voltar atrás” no que foi É possível revisar o texto quantas vezes forem
dito. necessárias.
O processo de produção é transpa- O processo de produção fica oculto: o leitor
rente: o interlocutor “vê” seus erros e tem acesso apenas ao texto final.
correções.
É impossível consultar outras fontes É possível consultar outras fontes e checar as
durante a produção. informações.
O planejamento é local: enquanto está O o
planejamento é global: a pessoa planeja
texto como um todo e, caso se desvie do
falando uma frase, a pessoa pensa na plano inicial, pode aceitar a nova ordem ou
próxima. voltar atrás.
Tende a haver maior tolerância a erros e, Tende a haver maior cobrança e, portanto, mais
portanto, mais informalidade. formalidade.
A obediência à norma padrão costuma A norma padrão costuma ser seguida com mais
ser menos rígida. Por exemplo: as mar- rigor, até porque é possível revisar o texto.
cas do plural, às vezes, desaparecem.
Predomínio de períodos curtos e sim- Predomínio de períodos longos e mais com-
ples. plexos.
Predomínio da voz ativa e da ordem Uso frequente da voz passiva e da ordem
direta: “Vamos revisar os fundamentos indireta: “Serão revisados os fundamentos de
de cálculo”. cálculo”.
Abundância de períodos com cortes
sintáticos, ou seja, aquele que aban- Maior linearidade na construção dos perío-
dona o que estava dizendo, como se dos.
houvesse uma mudança de rumo no
pensamento.
Fonte: Adaptado de Marcuschi, 2002.

17
EaD
Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani

A partir do Quadro, é possível compararmos e entendermos as principais


diferenças entre a língua falada e a língua escrita. Tal entendimento deve não
só nos auxiliar no momento de produção de textos orais e escritos, mas tam-
bém evitar atitudes que alimentem o preconceito linguístico, como considerar
somente a língua escrita como correta e imaginar que a língua falada é a língua
“errada” ou vice-versa, desconsiderando os contextos de produção.

Síntese da Unidade 1

Nesta Unidade buscamos auxiliá-lo na com-


preensão do que seja a linguagem, uma vez
que a existência humana se organiza em
torno de relações de interações sociais, em
que questões históricas, sociais, econômicas
e culturais estão envolvidas. No que se refere
ao contexto universitário, em que a linguagem
verbal é amplamente utilizada, o seu domínio
deve ser um dos grandes objetivos. De modo
geral, procuramos mostrar que um falante cul-
to, em situação comunicativa formal, buscará
usar as regras da norma culta de sua língua, e
ainda procurará seguir, no que diz respeito ao
léxico, um repertório que, se não for erudito,
também não será vulgar.

18
Unidade 2

O TEXTO E A TEXTUALIDADE

OBJETIVOS DESTA UNIDADE


• Compreender o texto como a expressão de um processo de interação
social, com a presença de, no mínimo, dois sujeitos –, o que fala/escre-
ve e para quem se fala/escreve –, no qual estão inseridos os sentidos
linguísticos, a visão de mundo de cada um dos interlocutores e a(s)
intencionalidade(s).

• Reconhecer a necessidade de produzir textos, tanto orais quanto es-


critos, claros, coerentes, coesos, adequados ao contexto de produção,
ao estilo e à correção gramatical, por meio da escrita de diferentes
gêneros textuais, a fim de melhorar sua prática discursiva como
produtor de textos.

A SEÇÃO DESTA UNIDADE


Seção 2.1 – Textualidade e Seus Elementos

Como vimos na primeira Unidade, o homem está inserido em uma realida-


de constituída de linguagens. O choro, primeira manifestação do ser humano ao
nascer, é uma das inúmeras formas de linguagem que acompanha sua trajetória.
Com o passar dos anos, outras formas vão sendo usadas – os balbucios, os gestos,
as palavras, as imagens, entre outras – e tal uso tem como principal objetivo a
interação com seus semelhantes. Na verdade, seria difícil conceber o desenvol-
vimento humano se o homem não fosse dotado da capacidade de linguagem,
o que o diferencia dos outros animais. Como afirma Émile Benveniste (1995), é
a linguagem que permite ao homem constituir-se enquanto tal.

Pensando no processo interacional, é essencial falar sobre texto, uma vez


que, sempre que o homem se manifesta, ele o faz por meio de textos. Reporta-
mo-nos a Luiz Antonio Marcuschi (2002, p. 22), para quem “[...] é impossível se
comunicar verbalmente a não ser por algum gênero, assim como é impossível se
comunicar verbalmente a não ser por algum texto”. Isso permite afirmar que cada
vez que alguém abre a boca para dizer alguma coisa, está produzindo texto(s).

19
EaD
Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani

É claro que a estrutura e a organização dos textos, bem como a seleção


vocabular, estarão diretamente relacionadas à intencionalidade, à situação
de comunicação e ao conhecimento dos usuários da língua, uma vez que é o
contexto que determina o seu uso. Cabe então destacar que se faz necessário
relativizar a questão do certo e do errado no que respeita à língua, pois as ques-
tões históricas, econômicas, sociais e culturais são determinantes no processo de
produção textual. Assim, se alguém estiver falando do seu lugar de professor, ele
precisa adequar seu modo de falar a isso. Se a pessoa estiver enviando um e-mail
para um amigo, sua escrita poderá ser abreviada ou conter ícones, o que já não
será possível se a secretária de uma empresa enviar e-mail para outra empresa.
É uma questão de adequação.
Vários são os estudiosos que se dedicaram à análise do texto, entre
eles pode ser citado Isemberg (1976 apud Koch, 2002), para quem o texto é
uma configuração linguística em que estão presentes oito aspectos, a saber:
a) legitimidade social; b) funcionalidade comunicativa; c) semanticidade; d)
referência à situação; e) intencionalidade; f ) boa formação; g) boa composição;
e h) gramaticalidade.
Para Van Dijk (1981 apud Koch, 2002), o texto está inserido em uma con-
cepção da linguagem como ação social. Em suas palavras “[...] o planejamento
pragmático de um discurso ou conversação requer a atualização mental de um
conceito de ato de fala global. É com respeito a esse macroato de fala que se
constrói um propósito de interação” (Van Dijk apud Koch, 2002, p. 18). Pode-se
entender, então, que os objetivos é que vão determinar o “curso” da ação social,
isto é, da produção textual.
Halliday e Hasan (1989 apud Antunes, 2010, p. 31) asseguram que texto
é “uma linguagem que é funcional. Por linguagem funcional, queremos referir
aquela linguagem que cumpre alguma função em um contexto”.
Beaugrand e Dressler (1981 apud Koch, 2002, p. 19) afirmam que “A
produção e recepção de textos funcionam como ações discursivas (grifos do
autor) relevantes para algum plano ou meta”. Os autores também estão inseridos
nos “quadros de teoria da atividade”. Para eles, é necessário um planejamento
para que se possa atingir determinado(s) objetivo(s); assim, vão elencar alguns
elementos essenciais para que o texto se constitua enquanto tal.
Para Ingedore Koch (2002),

um texto se constitui enquanto tal no momento em que os parceiros de uma


atividade comunicativa global, diante de uma manifestação linguística, pela
atuação conjunta de uma complexa rede de fatores de ordem situacional,
cognitiva, sociocultural e interacional são capazes de construir, para ela,
determinado sentido (p. 30).

Foram muitos os anos de estudos para se chegar ao conceito que ora


expomos e com o qual vamos embasar este componente curricular. Por isso, é
importante entender e lembrar que o texto é organizado a partir de intencio-

20
EaD
Leitura e Produção Textual

nalidades, ou seja, quando alguém produz um texto, seja ele escrito ou falado,
faz isso porque possui um objetivo (informar, perguntar, relatar, questionar,
causar o riso ou a indignação, etc.). Existindo intencionalidade(s), o locutor terá
de organizar suas ideias e demais elementos disponíveis de modo a permitir
ao outro o entendimento. Assim, um texto não é um “conjunto aleatório de
palavras ou frases”, é uma organização de conhecimentos que permite ao leitor
constituir sentido(s).
A fim de melhor entender as questões expostas, vamos ler o texto a
seguir:
O texto a seguir é uma charge retirada do Jornal Zero Hora de 13 de junho
de 2012, a qual foi produzida após um fato ocorrido na cidade de Caxias do Sul/
RS, em que uma senhora de 86 anos atira e mata um ladrão que invadiu seu
apartamento durante a madrugada. Percebe-se claramente a intencionalidade
do texto: promover humor a partir da situação.

O chargista utiliza o recurso da intertextualidade para alcançar seu objeti-


vo: une o fato ocorrido à história da Chapeuzinho Vermelho, colocando a figura
do lobo – o malvado da história – num processo de retirada às pressas, uma vez
que esta não é uma vovó indefesa, conforme a visão corrente; ela é “de Caxias”,
fazendo menção àquela que não ficou passiva enquanto era atacada pelo mal-
feitor na versão da história infantil “Chapeuzinho Vermelho”.

Jornal Zero Hora de 13 de junho de 2012.


1

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EaD
Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani

Seção 2.1
Textualidade e Seus Elementos
A textualidade, segundo Irandé Antunes (2010, p. 29), pode ser entendida
“como a característica estrutural das atividades sociocomunicativas (e, portanto,
também linguísticas) executadas entre os parceiros da comunicação”. Isso permite
afirmar que, quando alguém produz um texto (oral ou escrito), vai organizá-lo
em uma estrutura, que se configura em um ou outro gênero textual.
Gêneros textuais, segundo Bakhtin (apud Marcuschi, 2002, p. 29), são
tipos “relativamente estáveis” de enunciados produzidos nas mais diversas
esferas das atividades humanas. Eles se configuram como eventos linguísticos
que se caracterizam como “atividades sociodiscursivas”. Por isso, de acordo com
as questões histórico-sociais, os gêneros vão se modificando. Na atualidade,
por exemplo, dificilmente as pessoas se comunicam por meio de cartas; o mais
comum, existindo condições para isso, é o uso dos e-mails, mais fáceis e rápidos.
Este gênero, porém, mantém com o outro – a carta – características comuns: a
presença de interlocutores, um assunto a ser tratado, o desejo da comunicação
e, provavelmente, a intenção de uma resposta.
Vale repetir: o texto é a expressão de um processo de interação social – há
a presença de, no mínimo, dois sujeitos, o que fala/escreve e para quem se fala/
escreve –, no qual estão inseridos os sentidos linguísticos, a visão de mundo de
cada um dos interlocutores e a(s) intencionalidade(s). Sobre isso, Marcuschi (apud
Antunes, 2010, p. 31) afirmava que “não existe um uso significativo da língua fora
das inter-relações pessoais e sociais situadas”. Assim, pensar o texto exige inseri-lo
em contexto(s) de uso da língua, caso contrário não será possível compreendê-
lo, interpretá-lo, pois seu(s) sentido(s) não está(ão) apenas nas palavras, eles são
constituídos num processo de produção e também da leitura.
Não se pode deixar de anunciar que quando alguém produz um texto –
indiferente de seu gênero – traz à tona um conjunto de saberes que foi construído
ao longo de sua trajetória de vida: pelas leituras feitas, pelo contato com outras
pessoas, pelas vivências experienciadas. Assim, um texto é composto por várias
vozes, é entrelaçado por ideologias, é dotado de intencionalidade(s). No processo
de produção, dependendo do público ao qual o texto é dirigido, são selecionadas
algumas ideias, pois só é dito/escrito aquilo que se acredita ser interessante dizer
naquele momento, a fim de atingir um objetivo. Bakhtin apud Antunes (2010) já
afirmava que o dialogismo – processo em que um “eu” e o “outro” sempre estão
presentes – é uma característica fundamental da linguagem. Ele informara tam-
bém que o “eu” se constitui na contraposição com o “outro”.
Outra questão fundamental quando se fala em texto é o tema. Ninguém
usa a língua de forma aleatória; há necessidade de tratar de um tema. Como
afirma Antunes (2010, p. 32), “o texto se constrói a partir de um tema, de um tó-
pico, de uma ideia central, ou de um núcleo semântico, que lhe dá continuidade
e unidade”. Se isso não for levado em consideração, simplesmente não haverá

22
EaD
Leitura e Produção Textual

entendimento, não será possível a produção de sentidos, o que conduz à outra


questão, muito bem posta por Antunes (2010): “o que um conjunto de palavras
precisa ter para funcionar e ser identificado como um texto?”.

Para Beaugrande e Dressler apud Antunes (2010), são necessários sete


elementos: coesão, coerência, intencionalidade, aceitabilidade, informatividade,
intertextualidade e situacionalidade. Antunes (2010) propõe uma reordenação
desses elementos, o que se opta por fazer também aqui. Para a autora, há
elementos que fazem parte do que ela chama de condições de efetivação do
texto, isto é, a intencionalidade, a aceitabilidade e a situacionalidade e também
aqueles que constituem a propriedade do texto, ou seja, a coesão, a coerência,
a informatividade e a intertextualidade. A seguir, serão descritos cada um dos
elementos propostos:

a) Intencionalidade – característica de qualquer texto, uma vez que sempre que


se produz algo, isso é feito com um objetivo, uma intenção. A intencionalidade
diz respeito ao produtor do texto, mas deve ser “captada” pelo leitor.

Marcuschi (2008) reflete sobre o fato de que a intencionalidade não se


constitui uma primazia do autor, pois evidencia o princípio da dialogicidade,
posto que é necessário o leitor entender/“captar” a intenção do autor. Não é
raro acontecer de alguém ler um texto em que prevalece a ironia e isso não ser
entendido, e as ideias postas são lidas em seu sentido literal. Dessa forma, a
intenção de usar a ironia para fazer uma crítica a alguém ou a algum fato não é
entendida e o texto não é lido segundo aquilo que o autor pretendia produzir
em seu interlocutor.

b) Aceitabilidade – relacionada à atitude do interlocutor de receber o texto como


uma configuração “aceitável, interpretável e significativa”, ou seja, cabe ao leitor
do texto esforçar-se para processar os sentidos e as intenções ali colocadas.

Vale salientar que tanto Marcuschi (2008) quanto Antunes (2010) levan-
tam a questão de que esses dois elementos não são propriedades intrínsecas
do texto, uma vez que dependem do autor e do interlocutor. Nas palavras de
Antunes (2010, p. 34): “Como se vê essas duas propriedades não são propriamente
do texto. Embora lá se reflitam, refletem para a disponibilidade cooperativa das
pessoas envolvidas na interação”.

c) Situacionalidade – envolve a situação em que se dá o processo de produção


textual. As questões históricas, sociais, culturais, econômicas, entre outras, são
a base que vão permitir que um texto se configure de uma ou de outra forma.
As atividades sociais norteiam o gênero textual escolhido, a seleção vocabular,
as relações com outros textos, etc.

Em um ambiente acadêmico, por exemplo, é muito comum a ocorrência


de palestras. Estas são organizadas de acordo com o nível de conhecimento do
seu público; são usadas determinadas estruturas, como é o caso do power point
ou similar, diversos estudiosos da área são citados, além de promover a interação

23
EaD
Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani

entre palestrante e público, a fim de discutir o tema ou tirar dúvidas que tenham
ficado ou surgido. Já dizia Marcuschi (2008, p. 129): “A situacionalidade pode ser
vista como um critério de adequação textual”.
A linguagem é usada num processo de interação social. O usuário da língua
faz uso da mesma a partir de um lugar, com o objetivo de executar um ato de lin-
guagem, independente de qual for: convencer, contar, demonstrar sentimentos,
opinar, etc. Antunes (2010, p. 35), em relação a isso, afirma: “fazemos, o dia todo
e todos os dias, inúmeras ações de linguagem, cada uma, parte constitutiva de
uma situação social qualquer”.
d) Informatividade – diretamente relacionada à quantidade de informações
presentes no texto que vão torná-lo legível. Para Marcuschi (2008, p. 132), “a
informatividade diz respeito ao grau de expectativa ou falta de expectativa,
de conhecimento ou desconhecimento e mesmo de incerteza do texto ofe-
recido”.
Para que um texto seja compreendido, é necessário que haja um equi-
líbrio entre informações já dadas e informações novas, pois se alguém ler um
texto em que todas as ideias colocadas sejam previsíveis, conhecidas, não vai
atender à expectativa. Da mesma forma se o grau de novidade do texto for total.
É necessário que haja um grau de novidades, de modo que cause certo “estra-
nhamento”, a partir do que seja possível à produção de novos conhecimentos.
Vale salientar que a quebra da previsibilidade necessária aos textos pode ser
tanto em relação à forma (modo como se diz alguma coisa) quanto ao conteúdo
(ideias e conceitos novos).
e) Intertextualidade – relativa à relação existente entre um texto e outro(s). É
corrente o entendimento de que a intertextualidade é uma característica ine-
rente a todos os textos, uma vez que a produção sempre se dá a partir daquilo
que já existe. Há textos em que tal característica fica explícita e é facilmente
reconhecida. Em outros, porém, a intertextualidade não é tão evidente. Assim,
existem variadas formas de inserir, em um texto, aquilo que faz parte de outro.
Há a intertextualidade marcada (por aspas, pela citação de nomes, pelo reco-
nhecimento dos textos) e a constitutiva (aquela que vem da memória, mesmo
que de forma inconsciente).
Antunes assegura que:

todo texto é um intertexto [...] no sentido de que sempre se parte de modelos,


de conceitos, de crenças, de informações já veiculadas em outras interações
anteriores. Ou seja, dada a própria natureza do processo comunicativo, todo
texto contém outros textos prévios, ainda que não se tenha inteira consciência
disso. Mas há uma intertextualidade explícita, que tem lugar quando citamos
ou fazemos referência direta ao que está dito em outro texto, por outra pessoa.
Nesse caso, a intertextualidade assume um aspecto dinâmico, na medida em
que significa mais do que o simples trânsito do outro texto ou da outra voz.
Quem recorre à palavra do outro, o faz para apoiar-se nessa palavra, ou para
reafirmá-la ou para refutá-la. Ou seja, o recurso à palavra do outro responde
sempre a alguma estratégia argumentativa (2010, p. 36).

24
EaD
Leitura e Produção Textual

Percebe-se, então, que o uso da intertextualidade tem um objetivo,


normalmente o de enriquecer o texto, estabelecer a relação entre os diferentes
pontos de vista ou até mesmo evidenciar diferentes formas de dizer algo, etc. A
seguir, alguns exemplos de intertextualidade:

Texto I – Monte Castelo – Renato Russo

Ainda que eu falasse


A língua dos homens
E falasse a língua dos anjos
Sem amor eu nada seria

É só o amor! É só o amor
Que conhece o que é verdade
O amor é bom, não quer o mal
Não sente inveja ou se envaidece

O amor é o fogo que arde sem se ver


É ferida que dói e não se sente
É um contentamento descontente
É dor que desatina sem doer

Ainda que eu falasse


A língua dos homens
E falasse a língua dos anjos
Sem amor eu nada seria

É um não querer mais que bem querer


É solitário andar por entre a gente
É um não contentar-se de contente
É cuidar que se ganha em se perder

É um estar-se preso por vontade


É servir a quem vence, o vencedor
É um ter com quem nos mata a lealdade
Tão contrário a si é o mesmo amor

Estou acordado e todos dormem


Todos dormem. Todos dormem
Agora vejo em parte
Mas então veremos face a face

É só o amor! É só o amor
Que conhece o que é verdade

Ainda que eu falasse


A língua dos homens
E falasse a língua dos anjos
Sem amor eu nada seria

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EaD
Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani

O texto – música de Renato Russo – é um caso de intertextualidade explíci-


ta, ou seja, é possível perceber até onde vai o texto bíblico (primeira carta de Paulo
aos Coríntios) e onde começa o soneto composto por Luiz Vaz de Camões.

Não há como não relacionar as imagens mostradas. A primeira, a obra


Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, dá origem ao quadro de Maurício de Sousa,
assim como já permitiu inúmeras outras releituras. Mônica é a personagem
criada por Maurício de Sousa, pintada com a mesma postura, o mesmo cenário
da obra-prima, mudando as cores, mas sem impedir que o leitor estabeleça a
relação entre uma obra e outra.
f) Coesão – está relacionada à forma como as ideias são organizadas no texto,
seja pelos recursos lexicais, seja pelos gramaticais. A coesão está visível na su-
perfície do texto. Sempre que são usadas preposições, conjunções, pronomes
ou até mesmo sinônimos há a preocupação com o modo como as palavras, as
orações, os períodos e os parágrafos são organizados de modo a formar uma
unidade semântica. Nem todos os textos exigem a presença de elementos de
coesão (como é o caso, principalmente, do poema), mas conhecer os recursos
linguísticos disponíveis para encadear ideias e evitar repetições é fundamental
no processo de produção textual.
A coesão pode ser referencial ou sequencial. A primeira é aquela em que
são usados recursos linguísticos que objetivam evitar a repetição de palavras.
Já a coesão sequencial é feita por meio de elementos conectivos, como é o caso
das conjunções, as quais, à medida que vão sendo usadas, vão estabelecendo
relações semânticas de oposição, tempo, adição, condição, entre outras.
As relações coesivas se dão por:
• Referência (pronomes pessoais retos e oblíquos, pronomes demons-
trativos).

2
Disponível em: <http://redacaoressucat.files.wordpress.com/2010/02/monicalisa1.jpg>. Acesso em: 3
dez. 2013.

26
EaD
Leitura e Produção Textual

• Substituição (nominal, verbal, frasal).


• Elipse.
• Lexical (repetição, sinonímia, hiperonímia, hiponímia, etc.).
• Conjunção (aditivas, adversativas, temporais, condicionais, causais,
consecutivas, etc.).
A coesão não é garantia de um texto bem-elaborado, pois existem outros
elementos fundamentais para a constituição de bons textos. Conhecer os recursos
que a língua disponibiliza, porém, auxilia no processo, sem sombra de dúvidas.
g) Coerência – é o elemento que garante a unidade textual. É mais complexo
tratar da coerência do que da coesão, uma vez que a coerência não está posta
na superfície do texto. Ela está relacionada ao encadeamento de sentido, à
lógica e exige conhecimentos além dos linguísticos. Afirma Antunes:

a coerência concerne [...] ao encadeamento de sentido, a convergência con-


ceitual, aquela que confere ao texto interpretabilidade – local e global – e lhe
dá unidade de sentido que está subjacente à combinação linear e superficial
dos elementos presentes ou pressupostos (2010, p. 35).

Desconhecer determinado assunto pode resultar em entendimento equi-


vocado, afirmando que o texto está incoerente, ou então na produção de textos
incoerentes. Por isso, pode-se alegar que a coerência manifesta-se nas relações
que vão sendo construídas no texto. A coerência é a espinha dorsal, é ela que
vai garantir a constituição dos sentidos no texto.

Síntese da Unidade 2
Nesta Unidade procuramos destacar que é
impossível nos comunicarmos verbalmente a
não ser por algum gênero textual. Isso permite
dizer que cada vez que alguém abre a boca
para dizer alguma coisa, está produzindo
texto(s). A estrutura e organização dos tex-
tos, bem como a seleção vocabular, estarão
diretamente relacionadas à intencionalidade,
à situação de comunicação e ao conhecimen-
to dos usuários da língua, uma vez que é o
contexto que determina o seu uso.

27
Unidade 3

A LEITURA

OBJETIVOS DESTA UNIDADE


• Comparar e contrastar ideias presentes nos textos, assim como fazer
uso de estratégias de compreensão de leitura: objetivos da leitura,
ativação de conhecimentos prévios, criação de inferências/deduções,
retenção de informações.

• Oportunizar a leitura e a interpretação de textos, assim como a


produção fluente e eficiente, mediante a prática contextualizada de
leitura e escrita, observando elementos constitutivos do texto e do
contexto.

AS SEÇÕES DESTA UNIDADE


Seção 3.1 – Leitura e Inclusão Social

Seção 3.2 – Objetivos da Leitura

Seção 3.3 – Como Ler Para Cumprir Tarefa?

Seção 3.4 – Estratégias Para Compreensão de Textos

Seção 3.5 – A Leitura do Texto Literário

Seção 3.6 – A Plurissigificação da Linguagem Literária: denotação e conotação

Seção 3.7 – A Literatura e suas Funções

Seção 3.1
Leitura e Inclusão Social
Lemos para dar conta da realidade e de todos os desafios que dela rece-
bemos ou a ela impomos. A cidadania é a referência maior. Saber pensar inclui,
entre outros ingredientes, saber ler. Uma democracia de qualidade só é possível
com uma população que sabe pensar (Demo, 2006, p. 7).

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EaD
Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani

Segundo Hernández,

[...] o domínio da leitura e da escrita não é uma questão mecânica, mas concei-
tual, porque o sujeito tem capacidades cognitivas e competência linguística e
porque a língua escrita é um objeto de conhecimento em si mesma [...] o que
antes era um processo aprendido por repetição e por imitação mecânica, hoje é
um processo em que se aprende a partir do estabelecimento de relações entre
a experiência, o saber e o desejo de conhecer do aprendiz e sua necessidade
de dar sentido ao que o rodeia e a si mesmo (2001, p. 9).

Ao ler, o leitor ressignifica seu “estar” no mundo: desvenda as formas de


organização social e desenvolve uma consciência crítica que lhe possibilita fazer
parte de certas práticas políticas de mobilização e de organização. Autoras como
Kleiman (1993) e Solé (1998) entendem que a leitura é um processo de interação
a distância entre o leitor e o autor via texto para satisfazer objetivos definidos.
Nessa interação, o autor favorece a compreensão por meio de marcas formais
que atuam como pistas, necessárias para que o leitor recupere a informação do
autor, ou seja, perceba quais as razões que levaram este a dizer o que disse e do
modo como disse. Sempre que nos deparamos com um texto, estabelecemos
com ele algum tipo de diálogo. Antes mesmo de saber seu conteúdo, já temos
algumas pistas sobre o que encontraremos nele. O gênero textual também é
denunciado em nosso primeiro contato com ele.
A partir da concepção sociointerativa como prática essencialmente social
e cultural, o entendimento que hoje orienta os principais estudos da área indica
que o ato de ler ultrapassa o código da escrita alfabética e a mera capacidade de
decifração. É um processo complexo de compreensão e de produção de sentidos,
realizado pelos leitores a partir de um texto criado por outro sujeito.
Ler diariamente é uma atividade imprescindível para desenvolver o gosto
pela leitura. Ler para a transformação, para a consciência social, para a mudança
social. A leitura só despertará interesse quando interagir com o leitor, quando
fizer sentido e trouxer conceitos que se articulam com as informações do mundo
lido com o mundo vivido.
Outro aspecto a ser observado na formação do leitor diz respeito à leitura
de diversos gêneros textuais: contos, notícias, poemas, textos informativos, his-
tórias em quadrinhos, jornais, etc. Assim, o leitor terá acesso aos textos sociais
que circulam no seu cotidiano, que tratam sobre a realidade social, cultural e
econômica. Ao entrar em contato com os textos sociais, passamos a ter condi-
ções de ler e compreender, construir criticamente o conhecimento e intervir no
contexto em que estamos situados.

Seção 3.2
Objetivos da Leitura
A perspectiva da formação de leitores inicia pela valorização de livros
e da cultura escrita, o que requer que se considere três propósitos de leitura
(Koch; Elias, 2006):

30
EaD
Leitura e Produção Textual

a) ler para se informar: ler para buscar informações práticas para satisfazer curio-
sidades e para saber sobre o que acontece no mundo;
b) ler por prazer, para distrair-se;
c) ler para estudar, para construir conhecimentos, para cumprir determinada
tarefa.
Assim, pode-se desenvolver e aprender estratégias e procedimentos
de leitura para que nos tornemos leitores competentes. A autora destaca que
é possível trabalhá-la a partir de três propósitos. Os objetivos e interesses que
temos ao ler também determinam a compreensão da leitura.

Seção 3.3
Como Ler Para Cumprir Tarefa?
Para Solé (1998), o ensino da leitura deve ocorrer em todas as etapas de
sua realização, ressaltando-se o ensino de estratégias de leitura para cada uma
dessas etapas:
a) Antes – predições iniciais sobre o texto e objetivos de leitura – durante a
pré-leitura ocorre o estabelecimento de previsões sobre o texto. Para estabe-
lecer previsões, o leitor baseia-se nos aspectos do texto como: superestrutura,
títulos, ilustrações, cabeçalhos, etc. E atém-se, também, em suas próprias
experiências e conhecimentos sobre o que estes índices textuais permitem
antever sobre o conteúdo do texto.
b) Durante – levantamento de questões e controle da compreensão – Fou-
cambert (1994) analisa que, em relação ao aspecto semântico da leitura,
podemos refletir de que maneira ela pode informar, acrescentar, provocar,
inserir ideias na mente do leitor. Ler é explorar a escrita de uma maneira não
linear... jamais se chega ao significado de um texto pela soma do sentido das
sucessivas palavras que o compõe. Não lemos de maneira linear, isto é, não nos
comportamos como um autômato, mas interagimos e criamos interferências
no processo de leitura, imaginamos, raciocinamos, lembramo-nos de algo,
envolvemo-nos, comovemo-nos com o que está sendo lido; o ato de ler como
um exercício de ir, avançar e retornar no corpo físico do texto, um exercício
voluntário e dinâmico, no qual o leitor atribui sentido ao texto.
c) Depois – construção da ideia principal e resumo do texto – esse também
é um momento de abstração, quando o leitor relaciona a ideia principal e o
conteúdo do texto lido com o universo extratextual.

Seção 3.4
Estratégias Para Compreensão de Textos
Para que a leitura realmente seja compreensiva, precisamos levar em
consideração alguns aspectos importantes:

31
EaD
Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani

– Ativação de conhecimentos de mundo: previamente à leitura ou durante o


ato de ler, o leitor está constantemente colocando-se em relação a seu conhe-
cimento amplo de mundo com aquele exigido e utilizado pelo autor no texto.
Caso esta sincronicidade falhe, haverá uma lacuna de compreensão, que será
preenchida por outras estratégias, em geral de caráter inferencial.

– Antecipação ou predição de conteúdos ou propriedades dos textos: o leitor


não aborda o texto como uma folha em branco. A partir da situação de leitura,
de suas finalidades, da esfera de comunicação em que ela se dá, do suporte do
texto (livro, jornal, revista, outdoor etc.), de sua disposição na página, de seu
título, de fotos, legendas e ilustrações, o leitor levanta hipóteses tanto sobre
o conteúdo quanto sobre a forma do texto ou da porção seguinte de texto
que estará lendo. Esta estratégia opera durante toda a leitura e é também
responsável por uma velocidade maior de processamento do texto, pois o
leitor não precisará estar preso a cada palavra dele, podendo antecipar muito
de seu conteúdo.

– Checagem de hipóteses: ao longo da leitura, no entanto, o leitor estará checan-


do constantemente essas suas hipóteses, isto é, confirmando-as ou refutando-
as e, consequentemente, buscando novas hipóteses mais adequadas. Se assim
não fosse, o leitor iria por um caminho e o texto por outro.

– Localização e/ou cópia de informações: em certas práticas de leitura (para


estudar, para trabalhar, para buscar informações em enciclopédias, obras de
referência, na internet) o leitor está constantemente buscando e localizando
informação relevante, para armazená-la – por meio de cópia, recorte-cole, ilumi-
nação ou sublinhado – e, posteriormente, reutilizá-la de maneira reorganizada.
É uma estratégia básica de muitas práticas de leitura (mas não de outras, como
a leitura de entretenimento ou de fruição), mas também não opera sozinha,
sem a contribuição das outras que estamos comentando.

– Comparação de informações: ao longo da leitura o leitor está constantemente


comparando informações de várias ordens, advindas do texto, de outros textos
e de seu conhecimento de mundo, de maneira a construir os sentidos do texto
que está lendo. Para atividades específicas, como as de resumo ou síntese do
texto, esta comparação é essencial para medir relevância das informações que
deverão ser retidas.

– Generalização (conclusões gerais sobre fato, fenômeno, situação, proble-


ma, etc. após análise de informações pertinentes): uma das estratégias que
mais contribui para a síntese resultante da leitura é a generalização exercida
sobre enumerações, redundâncias, repetições, exemplos, explicações, etc.
Ninguém guarda um texto fielmente na memória. Podemos guardar alguns
de seus trechos ou citações que mais nos impressionaram, mas em geral ar-
mazenamos informações na forma de generalizações responsáveis, em grande
parte, pela síntese.

32
EaD
Leitura e Produção Textual

– Produção de inferências locais: no caso de uma lacuna de compreensão,


provocada, por exemplo, por um vocábulo ou uma estrutura desconhecidos,
exerceremos estratégias inferenciais, isto é, descobriremos, pelo contexto ime-
diato do texto (a frase, o período, o parágrafo) e pelo significado anteriormente
já construído, novo significado para este termo até então desconhecido.

– Produção de inferências globais: nem tudo está dito ou posto num texto. O
texto tem seus implícitos ou pressupostos que também têm de ser compreen-
didos numa leitura efetiva. Para fazê-lo, o leitor lança mão, ao mesmo tempo,
de certas pistas que o autor deixa no texto, do conjunto da significação já
construída e de seus conhecimentos de mundo, inclusive lógicos. Analisemos,
por exemplo, o texto a seguir:
1

O texto nos permite afirmar que há o pressuposto de que a unificação


ortográfica garantiria a unidade linguística. Esse pressuposto é inadequado, uma
vez que a língua não é constituída apenas por sua ortografia, mas também por

Disponível em: <http://www.comvest.unicamp.br/vest_anteriores/2011/download/comentadas/


1

portugues.pdf>. Acesso em: 13 dez. 2013.

33
EaD
Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani

aspectos semânticos, sintáticos, morfológicos, fonológicos e discursivos, que


implicam a relação histórica do falante com a língua que se territorializa em um
dado espaço e tempo.
A quebra da expectativa se dá pela dificuldade de compreensão semântica
de itens lexicais usados no português de Portugal, como “bicha”, “bica” (que, no
português brasileiro, têm significados diferentes) e “peúgas” (que não é usado
no português do Brasil); explicita-se, nessa quebra, uma das várias diferenças
entre o português brasileiro e o europeu.
– Recuperação do contexto de produção do texto: para interpretar um texto
discursivamente, é preciso situá-lo: Quem é seu autor? Que posição social
ele ocupa? Que ideologias assume e coloca em circulação? Em que situação
escreve? Em que veículo ou instituição? Com que finalidade? Quem ele julga
que o lerá? Que lugar social e que ideologias ele supõe que este leitor ocupa
e assume? Como ele valora seus temas? Positivamente? Negativamente? Que
grau de adesão ele intenta? Sem isso, a compreensão de um texto fica num nível
de adesão ao conteúdo literal, pouco desejável a uma leitura crítica e cidadã.
Sem isso, o leitor não dialoga com o texto, mas fica subordinado a ele.
– Definição de finalidades e metas da atividade de leitura: todo o controle do
processo de leitura, da ativação de estratégias ou do exercício de capacidades
está subordinado às metas ou finalidades de leitura impostas pela situação em
que o leitor se encontra. Ler para estudar, trabalhar, entreter-se, buscar infor-
mação, atualizar-se, orientar-se. Não há leitura, a não ser, por vezes, a leitura
escolar, que não seja orientada a uma finalidade da vida.
– Percepção de relações de intertextualidade (no nível temático): ler um texto
é colocá-lo em relação com outros textos já conhecidos, outros textos que estão
tramados a este texto, outros textos que poderão dele resultar como réplicas
ou respostas. Quando esta relação se estabelece pelos temas ou conteúdos
abordados nos diversos textos, chamamos de intertextualidade.
– Percepção de relações de interdiscursividade (no nível discursivo): perce-
ber um discurso é colocá-lo em relação com outros discursos já conhecidos,
que estão tramados a este discurso. Quando esta relação se estabelece, então,
num dado texto, como nas paródias, nas ironias, nas citações, falamos de
interdiscursividade.
– Percepção de outras linguagens (imagens, som, imagens em movimento,
diagramas, gráficos, mapas, etc.) como elementos constitutivos dos sentidos
dos textos e não somente da linguagem verbal escrita.
– Elaboração de apreciações estéticas e/ou afetivas: ao ler, replicamos ou
reagimos ao texto constantemente: sentimos prazer, deixamo-nos enlevar
e apreciamos o belo na forma da linguagem, ou odiamos e achamos feio o
resultado da construção do autor; gostamos ou não gostamos, pelas mais
variadas razões. Isso pode, inclusive, interromper a leitura ou levar a muitos
outros textos.

34
EaD
Leitura e Produção Textual

– Elaboração de apreciações relativas a valores éticos e/ou políticos: mas


também discutimos com o texto: discordamos, concordamos, criticamos suas
posições e ideologias. Avaliamos os valores colocados em circulação pelo texto
e destes são especialmente importantes para a cidadania os valores éticos e
políticos. Esta capacidade é que leva a uma réplica crítica a posições assumidas
pelo autor no texto (Rojo, 2008).
Enfim, para a leitura de um texto é necessário:
• perceber a estrutura: partes do texto; relação entre as partes;
• relacionar informações verbais e não verbais em um texto;
• perceber a coerência como elemento fundamental para a compre-
ensão de um texto;
• identificar fatores que levam à coerência intra e extratextual;
• comparar modos de organização textual;
• perceber o diálogo que pode ser estabelecido entre os textos
• depreender o sentido das palavras no texto e no contexto;
• identificar e analisar informações centrais e periféricas de um texto;
• estabelecer relação entre a ideia principal/ideias secundárias;
• perceber e parafrasear ideias explícitas. Explicitar ideias implícitas;
• perceber a questão do duplo sentido das palavras à luz de elementos
linguísticos ou extralinguísticos;
• identificar as estratégias de argumentação e contra-argumentação
utilizadas em um texto;
• identificar e analisar o(s) objetivo(s) de um texto dentro da situação
da enunciação (Quem? Diz o quê? Para quem? Para quê? Onde?
Quando? Como?);
• reconhecer e empregar adequadamente, em um texto, os mecanis-
mos coesivos de referência por substituição e reiteração.
Evidenciamos, assim, que o papel do leitor é o de refazer o “caminho”, o
raciocínio do autor na construção de sentidos, dialogando com o texto. Esse
diálogo continua durante todo o tempo em que se lê. Esse procedimento auxilia
a não apenas reproduzir as ideias do texto lido, mas oportuniza ao leitor assumir
uma atitude de posicionamento diante dos textos.

Seção 3.5
A Leitura do Texto Literário
De acordo com Salvatore D’Onofrio, em sua obra Literatura ocidental:
autores e obras fundamentais (1990), a literatura é uma forma de conhecimento
da realidade que se serve da ficção e tem como meio de expressão a linguagem

35
EaD
Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani

artisticamente elaborada. Se a busca do saber é a característica fundamental do


ser humano, que o distingue dos outros seres que habitam o universo, é natural
que qualquer atividade do homo sapiens vise ao conhecimento de uma realidade
exterior ou interior, material ou espiritual.

Enquanto o filósofo lança mão do pensamento especulativo e o cientista


se apoia na observação sobre os fenômenos da natureza, o artista recorre à ima-
ginação e à fantasia para compreender o mundo. De fato, fictício não significa
falso, mas apenas historicamente inexistente. O que acontece num romance,
numa tela de cinema ou de televisão, num quadro pictórico, é parte da fantasia
do autor que, refletindo sobre a realidade existencial, cria um universo imaginário
no qual os valores ideológicos são questionados.

A personagem de ficção é muito mais verdadeira do que a pessoa real,


pois esta é obrigada a ocultar sua verdadeira essência, seus desejos mais re-
cônditos, e a colocar a máscara que o seu status social requer; aquela, por ser
fruto da imaginação, pode abrir-se para nós em toda a sua autenticidade, não
constrangida por preceitos morais.

O texto literário, portanto, além de fornecer um prazer estético (o fim


lúdico), é a fonte mais fascinante de conhecimento do real. Daí a função social
da literatura que, ao lado da Filosofia, Psicologia, Biologia e de outras Ciências e
Artes, embora por caminhos diferentes, induz o homem a refletir sobre os pro-
blemas existenciais. É por isso que a atividade literária, oral ou escrita, primitiva
ou evoluída, é consubstancial à sociedade humana, não existindo povo sem
literatura.

No capítulo inicial de seu livro Sobre a literatura (2003), Umberto Eco


questiona: “Para que serve este bem imaterial que é a literatura?” (p. 10). Talvez
essa seja a pergunta de muitas pessoas que procuram na literatura alguma ob-
jetividade. Esquecem-se, entretanto, de que nela pouco ou quase nada há de
objetivo. Respondendo a sua colocação, o autor inicialmente chama a atenção
para o fato de que “A literatura mantém em exercício, antes de tudo, a língua como
patrimônio coletivo” (p. 10), criando identidade e comunidade. Afirma ainda que
“a prática literária mantém também em exercício a nossa língua individual” (p. 11),
elevando o sujeito a práticas sociais mais puras e livres, menos violentas, sendo
o livro um dos encontros com “os ecos de um mundo de valores que chega de
e remete a livros” (p. 12).

A literatura instaura um mundo paralelo que nos possibilita entender as


relações vividas por nós, e jamais se resume à inventividade, à ficção e à estória.
Pelo contrário, trata do universo humano em toda a sua complexidade, não
adentrando no jogo reducionista do falso e verdadeiro. Se podemos contestar a
Ciência e a História, dificilmente contestaremos o que nos diz um texto literário.
Isso porque,

36
EaD
Leitura e Produção Textual

Os textos literários não somente dizem explicitamente aquilo que nunca


poderemos colocar em dúvida mas, à diferença do mundo, assinalam com so-
berana autoridade aquilo que neles deve ser assumido como relevante e aquilo
que não podemos tomar como ponto de partida para interpretações livres (Eco,
2003, p. 13).
Não podemos ler o que queremos em uma obra, por isso ela nos impulsio-
na para o contato com um legado artístico e cultural e para um vasto patrimônio
histórico construído pela palavra. A ação do leitor é a de pura e simplesmente
percorrer os caminhos traçados por meio das obras, os quais são extremamente
dialógicos e abertos, passíveis da recriação. Diferente do que imaginamos, não
podemos atribuir a um texto literário toda e qualquer interpretação, assim como
a leitura não está centrada no gosto do leitor unicamente. Existem sentidos
construídos, sugeridos pelo texto, e que não podem jamais ser descartados
pelo bom leitor.

A leitura das obras literárias nos obriga a um exercício de fidelidade e de res-


peito na liberdade da interpretação. Há uma perigosa heresia crítica, típica de
nossos dias, para a qual de uma obra literária pode-se fazer o que se queira,
nelas lendo aquilo que nossos mais incontroláveis impulsos nos sugerirem.
Não é verdade. As obras literárias nos convidam à liberdade de interpretação,
pois propõem um discurso com muitos planos de leitura e nos colocam diante
das ambiguidades e da linguagem e da vida. Mas para poder seguir nesse
jogo, no qual cada geração lê as obras literárias de modo diverso, é preciso ser
movido por um profundo respeito para com aquela que eu, alhures, chamei
de intenção do texto (Eco, 2003, p. 12).

Para Umberto Eco (2003), “o mundo literário é um universo no qual é possí-


vel fazer testes para estabelecer se um leitor tem o sentido de realidade ou é presa
de suas próprias alucinações” (p. 15). A leitura literária, portanto, nos dá muito
mais do que imaginamos, principalmente libertação de um mundo pragmático
que nos sufoca de objetividades. Há na leitura literária uma emancipação do ser
que o leitor desconhece, mas que realiza, no momento em que percorre a teia de
sentidos plurais posta tradicionalmente pelo texto literário. Para Eco, diante de
uma obra literária, “qualquer que seja a história que estamos contando, contam
também a nossa, e, por isso, nós os lemos e os amamos.” (p. 21).
Para entendermos o universo literário e sua complexidade, é preciso
que conheçamos o que distingue o literário do não literário. Assim, poderemos
interpretá-lo, adorá-lo ou mesmo negá-lo com maturidade e discernimento.

Texto literário e Não literário


Diariamente temos contato com muitos textos literários, como contos,
poemas, romances, peças de teatro, novelas, crônica, etc., e também com textos
não literários, como notícias, cartas comerciais, receitas culinárias, manuais de
instrução. Afinal, porém, o que é um texto literário? O que distingue um texto
literário de um texto não literário? Segundo Platão e Fiorin (2005), o texto

37
EaD
Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani

literário tem uma função estética. Quem escreve um texto literário não quer
apenas dizer o mundo, mas recriá-lo nas palavras, de forma que, nele, importa
não só o que se diz, mas também o modo como se diz. É conotativo, isto é, cria
novos significados e novas relações entre as palavras, buscando revelar novas
maneiras de ver o mundo.
Já o texto não literário tem uma função utilitária (informar, convencer,
explicar, responder, ordenar, etc.). Aspira à denotação e busca ter um único sig-
nificado. Está atrelado às práticas sociais, surge com uma função e atrelado a um
uso específico da linguagem. Como vemos, o primeiro é conotativo e o segundo
denotativo; mas o que isso significa?

Seção 3.6
A Plurissignificação da Linguagem Literária:
denotação e conotação
Em determinados contextos, as palavras ganham um sentido novo,
figurado, diferente daquele encontrado nos dicionários. Esse novo sentido é,
geralmente, carregado de valores afetivos, ideológicos ou sociais.
dfasdfasdfas- Quando a palavra é utilizada no seu sentido usual, dizemos que está em-
pregada denotativamente. Quando é usada em um sentido diferente daquele
que lhe é comum, dizemos que ela está empregada conotativamente. Vejamos
o poema a seguir trazido e analisado por Cereja e Cochar (2009):

A vida é uma cereja


A morte um caroço
df
O amor uma cerejeira
(Prévert, 2000. p. 65).

Segundo Cereja e Cochar, a palavra cereja, empregada no poema, por


exemplo, além de significar um tipo de fruta, tem também o sentido de frescor,
paixão, prazer. Apesar de seu uso constante na linguagem poética, a conotação
não é exclusiva da literatura. Ela costuma estar presente nas conversas do dia a
dia, em anúncios publicitários, nos quadrinhos, nas letras de música, etc.
As principais diferenças entre denotação e conotação podem ser assim
sintetizadas (Cereja; Cochar, 2009):

Quadro 1 – Diferenças entre sentido conotativo e denotativo

DENOTAÇÃO CONOTAÇÃO
1. Palavra com significação res- 1. Palavra com significação ampla,
trita. dada pelo contexto.
2. Palavra com o sentido co- 2. Palavra com sentidos carregados
mum, aquele encontrado no de valores afetivos, ideológicos ou
dicionário. sociais.
3. Palavra utilizada de modo 3. Palavra utilizada de modo criativo,
objetivo. artístico.
4. Linguagem exata, precisa. 4. Linguagem expressiva, rica em
sentidos.

38
EaD
Leitura e Produção Textual

Assim, é preciso sempre estar consciente de que quando lemos uma obra
literária entramos no jogo dos sentidos múltiplos, o que não significa de todos os
sentidos. A literatura desafia o leitor, o impulsiona para o não explícito, o velado,
o ambíguo, além de mostrar-lhe os caminhos da criação via palavra. Sem sombra
de dúvida, é por meio da arte, e no caso da literatura, a arte em palavras, que o
jovem universitário poderá refinar seu gosto, sua escrita e sua visão de mundo
acerca dos problemas sociais humanos. Por isso da importância da leitura literária
nos bancos universitários, para que a juventude não perca seu brilho, seu sonho,
sua capacidade inventiva e propositiva da realidade.

Seção 3.7
A Literatura e suas Funções
Como vemos, a literatura é uma linguagem especial, carregada de sentidos
e capaz de provocar emoções e reflexão no leitor. Não se estreita, entretanto,
jamais, possuindo funções amplas de entendimento e explicação do mundo a
nossa volta. Dentre algumas de suas funções estão:

1 – Função hedonística e catártica


De acordo com a concepção hedônica (hedon=prazer), a arte devia pro-
porcionar prazer, retratando o belo. Já a função catártica advém do papel que
as tragédias desempenhavam no mundo grego, que buscavam despertar no
público sentimentos de terror e piedade; a catarse, efeito moral e purificador,
proporcionava o alívio desses sentimentos. Modernamente, esses conceitos
desapareceram, mas a arte ainda cumpre o papel de proporcionar prazer e de
aliviar as tensões da alma humana (Cereja; Cochar, 2009).

2 – Literatura: comunicação, interlocução, recriação


Literatura é linguagem e, como tal, cumpre, juntamente com outras ar-
tes, um papel comunicativo na sociedade, podendo tanto influenciar o público
quanto ser influenciada por ele.

O leitor de um texto literário ou o contemplador da obra de arte não é um


ser passivo, que apenas recebe a comunicação. Mesmo situado em um tempo
histórico diferente do tempo de produção da obra, ele também a recria e atualiza
os seus sentidos com base em suas vivências pessoais e nas referências artísticas
e culturais do seu tempo. Por outro lado, no momento em que está criando a
obra, o artista já é influenciado pelo perfil do público que tem em mente. Isso
se reflete nos temas, nos valores e no tipo de linguagem que escolhe (Cereja;
Cochar, 2009).

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EaD
Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani

3 – Literatura: o encontro do individual com o social


Segundo o escritor Guimarães Rosa (apud Cereja; Cochar), a literatura
é feitiçaria que se faz com o sangue do coração humano. Isso quer dizer que a
literatura, entre outras coisas, é também a expressão das emoções e reflexos do
ser humano (Cereja; Cochar, 2009).
Por fim, retornemos à colocação de Salvatore D’Onofrio (1990), para quem
não existe povo sem literatura. Podemos afirmar que não existe língua sem li-
teratura, não existe História, não existe identidade, comunidade. É por meio da
palavra escrita que os homens se registram, que podemos dialogar com outros
tempos, outras formas de conceber o mundo, com o legado humano. A literatura
possibilita aos leitores a projeção para universos de linguagem que lhes permitem
entender a vida e dar a ela sentidos mais profundos, mais abstratos e necessários
para nos construirmos. Por meio da literatura é possível

[...] tomar certa distância em relação ao mundo das urgências imediatas, a fim
de construir homens e mulheres interiormente preparados para conhecerem
a si mesmos e se desenvolverem em todas as circunstâncias, quer privadas ou
profissionais. (Fumaroli, 2010, p. 277).

Nesse sentido, aprimorar o gosto pelo texto literário ou desenvolvê-lo


surge como possibilidade para o cultivo de um letramento mais apurado, crucial
no ensino superior. É preciso ter em mente que a literatura permite ao homem
exercitar sua sensibilidade, expressar suas emoções, entender inúmeras situa-
ções, ver o quanto a vida pode ser bela e como vale a pena vivê-la, tudo a partir
do poder criador da linguagem, que instaura novos mundos, novos sujeitos e
explicações para as relações humanas.

Síntese da Unidade 3
Nesta Unidade percebemos que lemos para dar
conta da realidade e de todos os desafios que
dela recebemos ou a ela impomos. Ao ler, o leitor
ressignifica seu “estar” no mundo: desvenda as
formas de organização social, desenvolve uma
consciência crítica que lhe possibilita fazer parte de
certas práticas políticas de mobilização e de orga-
nização. Percebemos, também, que a perspectiva
da formação de leitores inicia pela valorização de
livros e da cultura escrita, o que requer que con-
sideremos diferentes propósitos e estratégias de
leitura. Além disso, vimos que o texto literário nos
fornece um prazer estético e uma de suas funções
sociais é a de induzir o homem a refletir sobre os
problemas existenciais. É por isso que a atividade
literária, oral ou escrita, primitiva ou evoluída, é
consubstancial à sociedade humana, não existindo
povo sem literatura.

40
Unidade 4

NOÇÕES DE ESCRITA

OBJETIVOS DESTA UNIDADE


• Compreender que produzir textos, tanto orais quanto escritos, exige
um propósito comunicativo e a análise crítica das informações, assim
como a problematização e o questionamento da realidade, a fim de
propor soluções e intervenções por meio de debates e leituras.
• Propiciar momentos para argumentar coerentemente, para que
possa dominar a argumentação, por meio do reconhecimento da
estrutura dos textos argumentativos escritos e da constituição dos
parágrafos.

AS SEÇÕES DESTA UNIDADE


Seção 4.1 – Propósito Comunicativo
Seção 4.2 – Estratégias Argumentativas
Seção 4.3 – Adequação Vocabular
Seção 4.4 – Coesão e Coerência Textuais
Seção 4.5 – O Parágrafo

Na Unidade anterior pode-se entender o processo de leitura de textos


literários e não literários. Sendo assim, o foco ficou direcionado para a leitura.
Nesta Unidade o processo de produção textual será o foco de estudo. O processo
de escrita exige conhecimentos sobre o tema acerca do qual se vai escrever, mas
também conhecimentos de outras ordens, como propósito comunicativo, clareza,
coerência, coesão, estratégias argumentativas, uso de vocabulário adequado e
correção gramatical.

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EaD
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Seção 4.1
Propósito Comunicativo
Quando se produz um texto, seja oral, seja escrito, há um objetivo; o sujeito
almeja algo com aquilo que está formulando. Como afirma Antunes (2010, p. 69),
“Esse propósito, que é parte de qualquer atividade de linguagem, pode ser apon-
tado como expor, explicar, convencer, persuadir, defender um ponto de vista...”.
1

A charge anterior tem como objetivo fazer uma reflexão sobre o fato de
que, mesmo depois de morto, Mandela continua conciliando adversários polí-
ticos, pois juntar Obama, FHC, Sarney, Lula e Collor não é algo comum. Apenas
alguém com um perfil muito especial para conseguir esse feito.

Clareza – um dos princípios básicos de um texto é que apresente orga-


nização e clareza das ideias, caso contrário, não será possível sua compreensão.
Assim, organizar as ideias na ordem direta e de forma explícita permitirá maior
legibilidade ao texto.

Muitas vezes, por falta de conhecimento das estruturas linguísticas e os


sentidos que isso pode produzir, são criadas ambiguidades, ou seja, fenômeno
linguístico que desencadeia uma segunda possibilidade de interpretação de um
enunciado, os chamados duplos sentidos. É o caso, por exemplo, do enunciado:
“Crianças que recebem leite materno frequentemente são mais sadias”.

1
Disponível em: <http://www.chargeonline.com.br/>. Acesso em: 11 dez. 2013.

42
EaD
Leitura e Produção Textual

As crianças são mais sadias porque recebem leite frequentemente ou


são frequentemente mais sadias porque recebem leite? Para o enunciado ficar
claro, seria necessário organizá-lo diferente quanto a sua estrutura, e uma das
possibilidades seria: “Crianças que recebem, frequentemente, leite materno são
mais sadias”.
Por isso, é imprescindível muita atenção no momento da produção textual,
a fim de evitar problemas semânticos.

Seção 4.2
Estratégias Argumentativas
O desenvolvimento da argumentação torna necessário o uso de estraté-
gias que enriqueçam o texto, demonstrando que se tem capacidade de mobilizar
e relacionar diferentes ideias, a fim de convencer o leitor sobre aquilo que se
quer defender. Isso também é importante no momento da leitura, pois conseguir
perceber as estratégias usadas pelo autor é fundamental para o entendimento
do texto. Entre as estratégias existentes estão:
a) Alusão histórica – consiste em fazer menção a fatos ocorridos ao longo da
História humana, como forma de estabelecer relações que possam explicitar
a ideia defendida e os motivos de tal defesa.

Sem aspas, desta vez

“Foi a primeira morte sem aspas do Brizola. Sua ‘morte’ em sentido


figurado foi anunciada várias vezes. Quando comecei a publicar matéria
assinada em jornal, em 1969, não havia instruções claras sobre o que se
podia e não se podia escrever – pelo menos não em Porto Alegre. Alguns
assuntos eram obviamente desaconselhados, para usar um termo bran-
do: críticas ao governo militar e a militares brasileiros em geral, qualquer
referência aos rumores de tortura e assassinato de presos políticos e
opositores do regime, notícias de guerrilhas. Você podia recorrer à alusão
velada, a entrelinhas e a indiretas que passavam ou não passavam pela
autocensura do jornal, e assim ir testando os limites do permitido. Às vezes
‘passar’ ou não ‘passar’ dependia apenas de um retoque no texto, outras
vezes tudo era desaconselhado e você tinha que escrever outra crônica, de
preferência sobre o sexo de anjos apolíticos. Era conveniente ter sempre
um texto de reserva, um que não se prestasse a nenhuma interpretação
dúbia. Por isso escrevia-se muito sobre futebol, e mesmo assim cuidando
para não enfatizar demais as jogadas pela esquerda. Um assunto ideal
seria um torneio de futebol entre anjos sem sexo e destros.

43
EaD
Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani

Só uma vez recebi uma proibição direta, com nome e sobrenome.


Na verdade, dois nomes e sobrenomes. Tinha mencionado o Brizola numa
crônica – nem a favor nem contra, era só uma reminiscência – e o editor
me chamou para dizer que a crônica não poderia sair e que eu não fizesse
mais aquilo. Era proibido tocar no nome de Leonel Brizola no jornal. ‘Faz
de conta que o Brizola morreu’, me disse. E, quando eu ia saindo do seu
gabinete, acrescentou: ‘Ah, e o Helder Câmara também.’

Acho que deixaram o Dom Helder ressuscitar antes do Brizola, que


continuou ‘morto’ para a imprensa brasileira até começar a famosa aber-
tura lenta e gradual do general Geisel. E quando voltou ao Brasil depois
da anistia, vivíssimo, Brizola foi recebido por uma multidão que resistira
aos anos de silêncio forçado e inútil sem esquecê-lo. Seguiram-se anos de
triunfos e de mais algumas mortes entre aspas. Depois daquela eleição
presidencial em que ele chegou atrás do Enéas, fiz uma charge para o
‘Jornal do Brasil’ que era assim: uma multidão em torno da sepultura do
Brizola recém-enterrado, e no meio da multidão, sorrindo, o próprio Bri-
zola. Se sua vida e sua carreira ensinavam alguma coisa era que qualquer
notícia da sua morte política seria prematura.

Sua última morte não foi em sentido figurado. Foi sem aspas,
desta vez. Mas, sei não. Talvez seja prudente deixar uma cuia com
mate quente perto da sepultura, por via das dúvidas.”

Fonte: Luis Fernando Verissimo, Jornal Zero Hora, 24/6/2004.

b) Exemplos – a fim de desenvolver melhor e enriquecer a produção, expor


exemplos ocorridos no cotidiano será essencial. Vale salientar que a escolha de
bons exemplos determinará o sucesso do objetivo comunicativo do texto.

As pessoas leigas em folclore podem imaginar que as manifestações


dessa forma de cultura ocorrem mais no campo e nas pequenas cidades
do que nas metrópoles. Mas não é bem assim, como o demonstram as
expressões de folclore observadas na cidade de São Paulo, que exempli-
ficam a aculturação, e citadas a seguir: é hábito das famílias, no sábado à
noite, comerem pizza (aculturação italiana); no domingo, preparam, por
exemplo, churrasco à moda gaúcha (aculturação espanhola), que sabo-
reiam, tomando cerveja (aculturação alemã); na rua, a garotada organiza
um jogo de futebol (aculturação inglesa). Crianças empinam pipas, fazem
telefone-sem-fio e cata-ventos (que vieram através dos portugueses). (...)
A rua onde moram tem o nome de Alameda dos Tupinambás (nomencla-
tura Tupi), come-se pipoca (também do Tupi). Mães cantam, entre outras,
a canção de ninar (de aculturação africana bantu): Tutui Marambá / não
venha mais cá / que o pai da criança / te manda pegar. Jovens jogam
capoeira (também do bantu).

44
EaD
Leitura e Produção Textual

[...] É evidente que o processo de aculturação no Brasil é complexo,


quando se fala de folclore; não se pode aceitar a solução simplista de
contribuições apenas de portugueses, índios e africanos.

Fonte: Jornal Leitura. Adaptado.

c) Comparação/analogias – uma das formas de convencer o leitor sobre um


determinado ponto de vista é estabelecer comparação entre situações ou fazer
analogias, uma vez que usando tais estratégias é possível fazer o leitor visualizar
algumas questões que porventura não tenham sido percebidas por ele.

Não se pode imaginar contraste mais violento do que o existente


entre as duas regiões. De um lado, a terra escura, pegajosa, úmida, ca-
vada de sulcos ou embebida de água, com árvores frutíferas, canaviais,
rios luminosos. De outro lado, o caos de pedras cinzentas cravadas em
desordem no chão de argila seca, rachado pelo sol, e vastas extensões
de areia ardente. [...] À paisagem voluptuosa da cana-de-açúcar, em que
tudo é tentação de vadiar, de dormir, de sonhar, de amar, opõe-se esta
paisagem dura, angulosa, trágica.

Fonte: Roger Bastide, Brasil – terra de contrastes.

d) Citações ou argumentos de autoridade – defender um ponto de vista e


usar como recurso argumentativo as palavras de pessoas reconhecidas é uma
alternativa recomendada também, pois apenas consegue fazer isso quem tem
um bom repertório de leituras e capacidade de estabelecer relações.

Pelourinho moderno
Superlotado e em condições precárias, sistema prisional brasileiro é
símbolo dos equívocos da Justiça criminal e precisa de urgente revisão.
Como se deu com a escravidão, que somente décadas após o seu
fim passou a ser vista de maneira unânime como verdadeira aberração,
há de chegar o dia em que quase ninguém entenderá como o Brasil de
hoje pôde conviver com o atual sistema carcerário.
Enquanto esse futuro não chega, são ainda poucas as vozes que se
levantam contra o horror das cadeias brasileiras. Vez ou outra a prisão de
um cidadão mais ilustre rompe a pasmaceira, mas críticas pontuais não
bastam; logo o silêncio ressurge e se impõe, cúmplice.

45
EaD
Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani

Merece censura constante, entretanto, um sistema prisional que


abriga 548 mil pessoas (dados de 2012) onde cabem 311 mil. Não é preciso
visitar penitenciárias para verificar a superlotação – ela transparece já na
frieza das estatísticas.

Quem conhece a realidade carcerária mais de perto acrescenta


tons dramáticos a esse quadro. É o caso do ministro Gilmar Mendes, que,
quando presidiu o Supremo Tribunal Federal, visitou presídios em todos
os Estados do país.

Em entrevista a esta Folha, Mendes descreve uma situação “de


desmando completo, de abandono, de pessoas amontoadas”. Lembra
que, no Espírito Santo, em 2008, “presos estavam num contêiner. Os de
cima faziam necessidades nos que estavam embaixo”.

Iniciaram-se, naquele ano, os mutirões carcerários do Conselho


Nacional de Justiça. Desde então, foram soltas mais de 45 mil pessoas
que não deveriam estar detidas. Uma delas, no Ceará, era mantida presa
havia 14 anos sem sequer ter sido julgada, conta Mendes.

Quando não há sentença condenatória, a injustiça esfarela até os


discursos linha-dura que clamam pelo encarceramento sumário de ban-
didos – e existem quase 200 mil presos provisórios no Brasil.

Mesmo quando há decisão definitiva, cumpre anotar – como faz


o ministro – que a lei não permite outras sanções além da restrição da
liberdade. Penas cruéis e desumanas, em tese, ficaram para trás com as
masmorras medievais.

Os que não se sensibilizam com argumentos de direitos humanos


poderiam ao menos perceber que há também um problema de segurança
pública. Desamparados da Justiça, os presos são facilmente recrutados
pelo crime organizado, que lhes oferece advogados, proteção, assistência
à família.

Sem que sejam excludentes, ambas as perspectivas conduzem à


mesma conclusão: algo está muito errado na Justiça criminal, numa rede
que engloba penitenciárias, juízes, polícias, Ministério Público, Defensoria
Pública, além dos Executivos federal e estaduais.

Um serviço civil obrigatório para bacharéis egressos de universida-


des públicas, como sugere Gilmar Mendes, precisa ser considerado.

É imperativo que a sociedade também se mobilize. As eleições


de 2014 são oportunidade para saber o que partidos e candidatos têm a
propor sobre esse tema.

Fonte: Editorial (Jornal Folha de S.Paulo, 10/12/2013). Disponível em: <http://www1.


folha.uol.com.br/fsp/opiniao/142938-pelourinho-moderno.shtml>. Acesso em: 10 dez.
2013.

46
EaD
Leitura e Produção Textual

e) Dados estatísticos – o uso de dados estatísticos para comprovar uma tese


é um argumento incontestável, posto que são questões da realidade que se
colocam para reforçar uma ideia.

A África do Sul sem Mandela – Rodrigo Lopes

A história contemporânea da África do Sul pode ser dividida em


duas fases: antes e depois de Nelson Mandela. Como o mito, que sobrevive
à morte do homem, seu legado de construtor de pontes seguirá inspirando
discursos dentro e fora do país. O desafio é ir além da retórica. Mandela
fez a África do Sul evoluir de um Estado pária durante quatro anos – foi
considerado fora da lei pela comunidade internacional por causa do apar-
theid – para uma nação reconhecida como potência em ascensão em um
continente rico em déspotas e carente de estadistas. Mandela uniu negros
e brancos, mas durante seu governo precisou apagar tantos incêndios que
ele mesmo reconheceu que não conseguiu fazer muito pela economia.

Quando deixou o poder para entrar para a história, em 1998,


Mandela foi sucedido por governantes que, menos carismáticos e de
caráter duvidoso, envolveram-se em escândalos de corrupção. O país
viveu uma série de crises e brigas políticas dentro do partido do líder, o
CNA (Congresso Nacional Africano). Além de negligenciar a luta contra a
Aids, o sucessor de Mandela, Thabo Mbeki, criou um pacote de reformas
econômicas em grande parte responsável pelos altos índices de desem-
prego. Foi sucedido pelo extravagante Jacob Zuma, que se equilibra no
poder, apesar da corrupção e de acusações de estupro.

Ao desemprego que atinge um quarto da população e à corrupção


que corrói as estruturas do Estado, soma-se a criminalidade crescente – é
o país com a mais alta taxa de homicídios do mundo. Mas o mais preo-
cupante é o conflito agrário. A exemplo do que ocorreu no Zimbábue de
Robert Mugabe, o governo se apropriou de terras improdutivas. Agricul-
tores têm se armado e alegam que pretendem lutar para defender o que
acreditam ser deles.

Cerca de 20% dos lares não têm água corrente, e 10% vivem sem
luz. Quase 100% dos pobres são negros – isso não mudou. Mas há também
muitos brancos na miséria. Segundo o Conselho de Pesquisas de Ciências
Humanas da África do Sul, a proporção de pessoas na pobreza na África do
Sul não mudou de forma significativa desde 1994. “Na realidade, a camada
mais pobre está mais pobre e a diferença social entre pobres e ricos aumen-
tou”, diz a entidade. Mandela fez sua parte ao reconciliar negros e brancos. É
hora de começar a batalha para reduzir a desigualdades entre ricos e pobres.
Surgirão novos líderes capazes dessa façanha? Mais silencioso do que a cisão
racial, o apartheid econômico continua a segregar o país de Mandela.

Fonte: Disponível em: <http://wp.clicrbs.com.br/rodrigolopes/2013/12/08/a-africa-do-


sul-sem-mandela/?topo=13,1,1,,,13>. Acesso em: 10 dez. 2012. Adaptado.

47
EaD
Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani

f) Argumentação por causa/consequência – uma maneira eficaz de defender


um ponto de vista é explicar os motivos que levam o autor a se posicionar de
determinada forma. Esse é um dos tipos de argumentos mais frequentes e
eficazes, visto que argumentar é, justamente, dizer os porquês que sustentam
sua tese. Veja o trecho a seguir, retirado do artigo “Por um país da mala branca”,
de Mauro Chaves.

Já que os valores morais da sociedade brasileira se encontram tão


destroçados (pelo menos no momento), é preciso buscar novas formas
de conter os distúrbios de nosso convívio humano e as ameaças à nossa
já precária coesão social. E já que nossa sociedade se mostra tão avessa
à punição pelo desrespeito à lei (pois a cada eleição perdoa tantos nas
urnas), façamo-la, de vez, cumprir a lei apenas mediante incentivos.
Recente moda futebolística pode-nos apontar o caminho dessa
transformação, que troca a sanção pelo estímulo e a punição pela perda
de vantagem. É a chamada prática da “mala branca”, pela qual um clube
paga a outro para que este ganhe. É claro que isso nada tem que ver com
o suborno da “mala preta” – a execrável compra de goleiros, zagueiros e
outros de um time para que deixem a bola passar e percam o jogo. A “mala
branca”, ao contrário, é um saudável incentivo para que os profissionais do
esporte ajam corretamente, isto é, esforcem-se ao máximo para ganhar
um jogo.

Fonte: Disponível em: <http://redacaodescomplicada.blogspot.com.br/p/estrategias-


argumentativas.html>. Acesso em: 12 dez. 2013.

Seção 4.3
Adequação Vocabular
Possuir vocabulário diversificado e amplo é um dos requisitos para que as
pessoas conquistem um bom desempenho comunicativo, principalmente para
aquelas que usam a variedade formal e socialmente privilegiada. Quanto maior
o acervo de palavras, melhor será a atuação linguística entre seus pares.
Por isso, a leitura deve ser uma constante, pois ela permite o acesso a um
maior número de palavras e aos seus diferentes significados. Isso vai permitir
também que as pessoas ampliem seu conhecimento acerca de tudo o que o
homem produziu e produz.
Antunes (2010, p. 178), ao abordar a questão do léxico, assegura que a
seleção lexical contribui de forma contundente “para o estabelecimento, para a
definição de sua unidade semântica”. Afirma também que:

48
EaD
Leitura e Produção Textual

De fato, equivalências, contiguidades e associações semânticas em um texto


constituem a condição de sua unidade e de sua funcionalidade comunicativa.
Evidentemente, essa condição é assegurada pelo concurso do léxico e da
gramática. Mas não resta dúvida de que o léxico tem uma função significativa
na estrutura do texto, na construção de seus sentidos, na definição de sua
adequação às condições sociais de seus contextos de uso.

Dar atenção aos aspectos lexicais, além das questões de coesão, vão
permitir textos melhor elaborados e mais ricos.
Em qualquer situação de interação, a seleção vocabular constitui-se um
elemento importante, pois a imagem que se tem do “outro” é definida pelo que
é dito e vai balizar o que cada “eu” vai dizer. A constituição do sentido, assim, está
intimamente relacionada à seleção feita.

No exemplo supra, a escolha da palavra “evolução” imediatamente faz


lembrar a teoria de Darwin, a qual assegura que o homem evolui no sentido de
desenvolver-se, de crescer. O fato sobre o qual a charge faz referência, porém,
mostra torcedores que tomaram atitudes grotescas, agindo de forma irracional,
durante o jogo entre Vasco e Atlético Paranaense no dia 8/12/2013 em Joinvile/
SC. “A evolução da torcida organizada”, ao contrário do que se poderia esperar,
não acompanha o processo de desenvolvimento humano – o que é reforçado
pela parte visual do texto.
Vale destacar também que a língua dispõe de sinônimos, hiperônimos,
hipônimos, que podem ser usados ao longo dos textos produzidos, sejam orais,
sejam escritos. Os recursos morfossintáticos também auxiliam no processo de
produção, uma vez que a mera organização diferente das palavras pode cau-
sar sentidos diversos. É o que acontece com uma “falsa magra” e uma “magra
falsa”.

2
Disponível em: <http://www.chargeonline.com.br/>. Acesso em: 10 dez. 2013.

49
EaD
Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani

Seção 4.4
Coesão e Coerência Textuais
Coerência – o processo de leitura e produção textual envolve a questão
da produção de sentidos. Frequentemente, ao ler algo, mesmo que de forma
inconsciente, o sujeito vai se perguntando se aquilo faz sentido ou não. Isso
acontece porque o conhecimento que se tem de um tema e as relações que
podem ser estabelecidas são mobilizadas (ou não – às vezes, pelo fato de não
ter determinados conhecimentos o sujeito acredita que o texto lido é incoeren-
te), auxiliando na construção da unidade semântica. Percebe-se, então, que a
coerência não está unicamente no texto. Sobre essa questão, Koch e Elias (2006,
p. 184) asseveram:
Isso nos faz afirmar que a coerência não está no texto, não nos é possível
apontá-la, destacá-la, sublinhá-la ou coisa que o valha, mas somos nós, leitores,
em um afetivo processo de interação com o autor e o texto, baseados nas pis-
tas que nos são dadas e nos conhecimentos que possuímos, que construímos
a coerência.
A coerência pode ser entendida como aquilo que garante a unidade
semântica, estabelecendo correspondências entre elementos do texto e refe-
rências ao mundo real, inseridos em um contexto comunicativo. Assim, fatores
de ordem semântica, cognitiva, pragmática e interacional são a base sobre a
qual a coerência se efetiva.
Há, então, a necessidade de que haja um “amarramento” entre as ideias
do texto, formando uma unidade que se liga ao tema e ao título. Tudo o que for
usado no texto precisa apresentar uma relação lógica, caso contrário o mesmo
ficará incoerente.

50
EaD
Leitura e Produção Textual

Figura 1 – A coerência

Fonte: Disponível em: <http://acidasedoces.blogspot.com.br/2011/01/o-que-dizem-


dos-solteiros.html>.

O texto anterior, constituído de vários quadros, mostra-se coerente, uma


vez que fica claro o quanto as pessoas são preconceituosas e contraditórias. Na
primeira sequência percebe-se que, ao listar características do rapaz solteiro,
aparecem apenas questões positivas. Já sobre a moça solteira, o que é dito a
desmerece, como se o fato de não ter casado seja motivado por defeitos.
Essa é a visão corrente na sociedade, pois, apesar de todas as conquistas
femininas, a mulher ainda sofre com o preconceito, quando o homem é sem-
pre apresentado como alguém com boas características, enquanto a mulher é
desvalorizada.
Na segunda sequência, a personagem demonstra sua inconformidade
com o seu corpo e com as relações amorosas, evidenciando o descontentamen-
to como uma característica constante das mulheres. O que também se verifica
na última sequência, pois a mulher reclamava por não ganhar flores e, quando
ganhou, questionou o marido, achando que o que o motivara a presenteá-la era
ter feito algo errado.
Pensar a coerência de um texto é pensá-lo em sua macroestrutura, nas re-
lações de sentido construídas, na forma como o tema é desenvolvido e nas ideias
usadas a fim de desenvolvê-lo. Não se pode usar no texto argumentos que não es-
tejam devidamente relacionados ao tema e ao objetivo comunicativo do mesmo.

51
EaD
Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani

Coesão – é um elemento que completa o papel da coerência, uma vez


que tem como função estabelecer elos entre as orações, ideias e as partes do
texto. Isso acontece principalmente pela retomada de palavras já ditas no
texto, seja pela repetição de termos, seja pela substituição por outras palavras;
também ocorre pelo uso de conectivos entre frases, segmentos ou orações
presentes no texto.
Há a coesão referencial, a qual se constitui na retomada de termos por
meio da substituição (por pronomes, sinônimos, elipses), e a coesão sequen-
cial, que consiste no uso de elementos que relacionam/ligam palavras, frases,
expressões ou orações que compõem o texto.
a) Coesão referencial – acontece pela substituição de palavras ou ideias do
texto por pronomes, sinônimos, elipses. A fim de evitar a repetição, são usadas
alternativas que a língua dispõe, tornando o texto “limpo”, bem-organizado,
em que as ideias fluem. São casos desse tipo de coesão:
Quadro 1 – Coesão referencial
Pronomes ELE(s), ELA(s), O(s), Mandela uniu negros e bran- A palavra “ele” re-
pessoais e A(s), LHE(s) cos, mas durante seu governo fere-se a Mandela,
oblíquos precisou apagar tantos incên- citado anterior-
dios que ele mesmo reconhe- mente.
ceu que não conseguiu fazer
muito pela economia.
Pronomes SEU(s), SUA(s) “A história contemporânea da O pronome “seu”
possessivos África do Sul pode ser dividida refere-se a Nelson
em duas fases: antes e depois Mandela.
de Nelson Mandela. Como o
mito, que sobrevive à morte
do homem, seu legado de
construtor de pontes seguirá
inspirando discursos dentro e
fora do país”.
Pronomes QUE, QUEM, O(s) Ao desemprenho que atinge O primeiro “que”
relativos Q UA L ( i s ) , A ( s ) um quarto da população e se refere à palavra
QUAL(is), ONDE, à corrupção que corrói as “desempenho”, o
CUJO(s), CUJA(s), estruturas do Estado, soma-se segundo, retoma
Q U A N T O ( s ) , a criminalidade crescente – é a palavra “corrup-
QUANTA(s). o país com a mais alta taxa de ção”.
homicídios do mundo.
Pronomes de- ESTE(s), ESTA(s), “Tinha mencionado o Brizola O pronome “aqui-
monstrativos I S T O , E S S E ( s ) , numa crônica – nem a favor lo” refere-se ao
E S S A ( s ) , I S S O, nem contra, era só uma remi- fato de o cronista
A Q U E L E ( s ) , niscência – e o editor me cha- ter citado Brizola
AQUELA(s), AQUI- mou para dizer que a crônica em uma crônica.
LO não poderia sair e que eu não
fizesse mais aquilo”.

52
EaD
Leitura e Produção Textual

Quadro 2 – Coesão referencial

Sinônimos Fomos a um Seminário sobre aprendizagem. O evento


estava muito bom.
Hiperônimos/hipônimos Se cada pessoa sair de casa com seu carro, aumentará
a poluição. Por isso se deve pensar no uso racional dos
veículos.
Elipses João adora ler, Maria, assistir a bons filmes.

b) Coesão sequencial – uso de conjunções e preposições, objetivando rela-


cionar palavras e ideias, estabelecendo, entre elas, relações semânticas (de
sentido).

Obs.: Há autores, como é o caso de Adilson Citelli (1994), que preferem usar a
nomenclatura operadores argumentativos, uma vez que são elementos
linguísticos muito importantes no processo argumentativo. Koch (1993)
assegura que os operadores argumentativos servem para orientar as se-
quências discursivas, ou seja, para determinar os encadeamentos possíveis
com os demais enunciados. A autora entende que as conjunções, as pre-
posições, os advérbios e as palavras denotativas constituem os operadores
argumentativos.

Quadro 3 – Coesão sequencial

Conjunções Relação semân- Exemplo


tica
MAS, PORÉM, CONTUDO, NO EN- OPOSIÇÃO Ela tem boas ideias, porém
TANTO, ENTRETANTO, TODAVIA, não consegue colocá-las em
ETC. prática.
E, NEM, NÃO SÓ... COMO TAMBÉM, ADIÇÃO Não só a grande procura,
ALÉM DISSO, ETC. como também a baixa pro-
dutividade fizeram os preços
aumentarem.
A FIM DE, A FIM DE QUE, COM O FINALIDADE Ela preparou-se muito a fim de
INTUITO DE, PARA QUE, PARA, ETC. passar no concurso.
PORQUE, POIS, UMA VEZ QUE, JÁ C AU SA/ CO NSE - Como chovera muito, o jogo
QUE, POR MOTIVO DE, EM VIRTUDE QUÊNCIA foi transferido.
DE, COMO, POR ISSO, EM RAZÃO DE,
GRAÇAS A, ETC.
CASO, SE, DESDE QUE, CONTANTO CONDIÇÃO A programação será mantida,
QUE, A MENOS QUE, A NÃO SER a não ser que chova muito
QUE, ETC. forte.
PORQUE, POIS EXPLICAÇÃO O político parou de falar, por-
que percebeu o desinteresse
do público.
QUANDO, LOGO QUE, ASSIM QUE, TEMPO A palestra começará assim
DESDE QUE, ANTES QUE, DEPOIS que todos se sentarem.
QUE, ETC.
À MEDIDA QUE, À PROPORÇÃO PROPORÇÃO A temperatura aumenta à me-
QUE, AO PASSO QUE, TANTO QUAN- dida que os anos passam.
TO, TANTO MAIS, ETC.
CONFORME, SEGUNDO, DE ACOR- CONFORMIDADE Os brasileiros viverão mais, se-
DO COM, COMO, ETC. gundo estimativas do IBGE.

53
EaD
Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani

PORTANTO, ENTÃO, ASSIM, POR CONCLUSÃO Luana acordou tarde, não


ISSO, LOGO, EM VISTA DISSO, ETC. sabia, portanto, o que acon-
tecera.
OU, OU...OU, SEJA...SEJA, ORA...ORA, ALTERNÂNCIA Ou você viaja ou passa a vaga
OU ENTÃO, ETC. para outra pessoa.
COMO, MAIS...[DO]QUE, MENOS COMPARAÇÃO Ela se move suave como uma
QUE, TÃO...QUANTO, ASSIM COMO, borboleta.
ETC.
OU SEJA, QUER DIZER, ISTO É, VALE
ESCLARECIMEN- Os dados foram divulgados
DIZER, ETC. TO pelo IBGE, isto é, um dos insti-
tutos mais confiáveis do país.
ATÉ MESMO, INCLUSIVE, TAMBÉM, INCLUSÃO As altas temperaturas são tam-
ETC. bém causa de doenças.
SOMENTE, SÓ, APENAS, SENÃO, EXCLUSÃO Mariana trouxe apenas roupas
ETC. curtas.

Correção gramatical – conhecer e dominar a variedade linguística padrão


é exigência para acadêmicos e sua escrita deve estar adequada a isso. Fazer a con-
cordância verbal e nominal correta, usar regência de forma adequada, escrever
corretamente, utilizar as diferentes estruturas oracionais, com o devido respeito
à pontuação, é essencial para uma produção textual bem-feita.

Percebe-se, assim, que o processo de escrita exige conhecimento de várias


ordens, a fim de tornar os textos legíveis.

Seção 4.5
O Parágrafo
Além dos elementos apresentados anteriormente, para escrevermos bons
textos, garantindo a progressão do tema, bem como a clareza e organização das
ideias, é preciso escrevemos bons parágrafos. O parágrafo confere estrutura ao
texto, sendo que a maioria dos gêneros textuais organiza-se por meio deles.

Os parágrafos são blocos textuais que reúnem em si as ideias trazidas ao


longo do texto. Cada um dos parágrafos desenvolve uma das várias ideias a serem
trazidas pelo autor. Composto por frases, o parágrafo deve ter uma organização
lógica, encadeada, de forma que possua em si mesmo início, meio e fim.

Quando construímos o texto, é preciso atentar para o fato de que elege-


mos um tema ou uma ideia para cada parágrafo, não mais. Essa ideia ou tema
será uma espécie de eixo em torno do qual o bloco textual irá desenvolver-se e
deve estar ligado com o tema central do texto e com as ideias desenvolvidas nos
outros parágrafos (Goldstein; Louzada; Ivamoto, 2009). O ideal é deixarmos claro
o tema ou ideia que dará corpo ao bloco já no seu início, dedicando o restante
para a argumentação, quando se tratar de um texto argumentativo, ou para a
descrição e narração, no caso de textos desta tipologia.

54
EaD
Leitura e Produção Textual

Tradicionalmente identificados pelo recuo na primeira linha, a partir


da margem esquerda de um texto, o parágrafo atualmente pode ser também
marcado por uma linha em branco entre um bloco de texto e outro. Nesse caso,
opta-se por não fazer o recuo na primeira frase. Já quanto a sua extensão, essa
varia, mas o ideal é que não seja muito longo, o que pode gerar ideias confusas
e repetidas. A objetividade e clareza devem sempre ser o norte na organização
da extensão do parágrafo.
Outro aspecto de extrema importância, o qual é esquecido por muitos
produtores de textos, é o próprio conceito de parágrafo e como isso fica implicado
em sua organização formal. Define-se parágrafo como a união de períodos, ou
seja, para que tenhamos um parágrafo, necessariamente precisamos ter mais de
um período no bloco textual. Nesse caso, é preciso saber que o período constitui-
se a partir da relação entre frases, sendo marcado pelo ponto.
Logo, preciso relacionar frases e períodos nos parágrafos, de forma que
exista no mínimo um ponto em meio a ele. Muitos são o que produzem várias
frases encadeadas entre si, mas não pontuam adequadamente seu bloco textual,
o que gera um período único, não um parágrafo.
Vejamos um exemplo de parágrafo que faz corretamente o encadeamento
entre os períodos e partes. Observe que, para isso, são utilizadas palavras de
coesão textual:

Desde o início do século XXI, os governos e organizações do mundo


inteiro têm tentado colaborar entre si, fechando acordos de preservação
ambiental que visam melhorar a nossa utilização do planeta nos anos
que virão. Porém, infelizmente, a tentativa de preservar o planeta tem
tido pouco sucesso entre governos. Os grandes encontros ambientais,
como o Rio+20, têm gerado muito pouco resultado em termos de ações
de preservação ambiental.

Fonte: Disponível em <Http://sustentabilidade.esobre.com/preservacao-ambiental>.


Acesso em: 16 dez. 2013.

No exemplo citado, o tema – preservação ambiental – é mantido do


início ao fim do parágrafo, não tendo nenhum outro ponto sendo trazido. Além
disso, temos inúmeras frases encadeadas que nos dão três períodos, os quais
estruturam o parágrafo.
Embora pareça fácil a escrita de um parágrafo, considerando que a grande
parte dos produtores de textos faz isso desde os primeiros anos escolares, muitos
não têm clareza de como distribuir e organizar o conteúdo em um parágrafo.
Nesse caso, o estudo da estrutura do que Othon Garcia chamou de parágrafo-
padrão, em seu livro Comunicação em prosa moderna – aprendendo a escrever,
aprendendo a pensar (Garcia, 1960 apud Goldstein; Louzada; Ivamoto, 2009), pode
ser de grande valia. Segundo o autor, o parágrafo-padrão segue a estrutura de

55
EaD
Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani

um pequeno texto, contendo introdução, desenvolvimento e conclusão. Além


disso, “o parágrafo apresenta uma frase-núcleo que desencadeia um conjunto
de ideias complementares na sua sequência” (Goldstein; Louzada; Ivamoto,
2009, p. 31).
A frase-núcleo pode ser também chamada de tópico frasal e geralmente
está localizada no início do parágrafo, nas primeiras linhas. O parágrafo-padrão
fica assim distribuído, seguindo basicamente essa proporção em termos de
texto:

INTRODUÇÃO – TÓPICO FRASAL

DESENVOLVIMENTO

CONCLUSÃO

Vejamos agora um exemplo de parágrafo apresentado por Goldstein,


Louzada e Ivamoto (2009, p. 32), a fim de ilustrar a frase-núcleo:

A nova riqueza das nações repousa atualmente sobre a informação,


o conhecimento, a pesquisa, a capacidade de inovação, as inteligências...
Informação, informação, informação – essa é a necessidade imperativa
no jogo dos ambientes de trabalho, de estudo e lazer, isto é, em todas as
dimensões da vida cotidiana. A informação muda a natureza da compe-
tição porque indivíduos e grupos interesseiros não podem se beneficiar
da ignorância do outro.

Fonte: Costa Longa, 2004, p. 75.

O tópico-frasal ou frase-núcleo apresenta a temática a ser tratada ao


longo do parágrafo e, nesse caso, o foco recai sobre a informação e como essa
é importante em um mundo competitivo. Do tópico à conclusão do parágrafo;
é disso que se fala, não de outro aspecto. Não temos novas ideias sendo apre-
sentadas, somente as colocações sobre a informação e por que ela pode ser
considerada uma riqueza.
O parágrafo-padrão auxilia no processo de escrita por possibilitar a organi-
zação do conteúdo em momentos distintos, evitando a repetição de informações
ou a presença de inúmeras colocações sobrepostas. Existem, contudo, diversas
maneira de organizar e escrever parágrafos e essa é apenas uma delas, pois
quanto maior a experiência do escritor, maior será sua habilidade em produzir
bons parágrafos, o que provavelmente fará com estilo próprio.
Para Goldstein, Louzada e Ivamoto (2009), o parágrafo deve possuir
as seguintes características, sendo ele padrão ou não: unidade, coerência e
clareza.

56
EaD
Leitura e Produção Textual

• unidade: cada parágrafo deve ter apenas uma ideia principal à qual
as demais ideias devem estar relacionadas, sem desvios que possam
quebrar a unidade;

• coerência: a ideia principal do parágrafo deve ficar evidente, bem


como a relação de sentido entre ela e as demais informações presentes
no mesmo parágrafo;

• clareza: o parágrafo deve apresentar com clareza as informações


necessárias para a compreensão do assunto tratado (Goldstein;
Louzada; Ivamoto, 2009, p. 32).

No processo de escrita de um texto devemos estar conscientes destes as-


pectos. Por exemplo, a unidade do texto e do parágrafo só ficará garantida se o
produtor/escritor tiver em mente o seu projeto textual, sabendo de onde partir e
aonde quer chegar com a escrita, bem como seu objetivo. Dar unidade ao texto é
delimitar o assunto que tratará. Por exemplo, quando estou diante de um assunto
como educação tenho vários aspectos que podem ser abordados a partir dele.
Logo, é preciso fazer o que chamamos de recorte. Nesse caso, pode-se abordar
aspectos como: 1) a educação e a formação do caráter de crianças e jovens; 2)
os investimentos realizados em educação no Brasil; 3) o sistema educacional
brasileiro e suas falhas; 4) os investimentos dos recursos do pré-sal em educação;
5) educação escolar versus educação familiar; 6) educação e instrução, etc.

São muitos os aspectos que decorrem de um único tema gerador, por isso
é sempre necessário deixar muito claro na proposta inicial do texto qual aspecto
será abordado e sobre que ponto de vista. Uma vez delimitado o assunto, é hora
de eleger que ponto será desenvolvido em cada parágrafo do texto; assim, será
preciso recortá-lo ainda mais.

Após delimitarmos o assunto, é necessário eleger uma maneira para a


abertura do parágrafo. Goldstein, Louzada e Ivamoto (2009, p. 39) nos trazem,
como possibilidades de abertura de parágrafo, as seguintes formas:

1) Declaração inicial: a qual abre o parágrafo por meio de uma frase curta, que,
logo em seguida, é justificada.

2) Pergunta ou interrogação: por meio de uma pergunta o autor do texto


busca despertar o interesse e a atenção do leitor, respondendo a pergunta no
desenvolvimento do parágrafo.

3) Alusão: fazer referência a acontecimentos ou fatos históricos, localização


geográfica, dados estatísticos, etc.

4) Definição: utiliza-se a definição de um termo ou ideia em uma frase curta.

5) Citação: recorre-se à citação de um trecho do texto de uma autor renomado


no assunto; o desenvolvimento do parágrafo segue a partir das colocações
trazidas pela citação.

57
EaD
Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani

6) Contraste: podemos colocar duas informações de forma paralela, estabele-


cendo um contraste, uma comparação entre elas.
Já para o desenvolvimento do corpo do parágrafo, os autores destacam
as seguintes estratégias, algumas delas já mencionadas como possibilidade de
abertura do parágrafo:
1) confronto ou contraste;
2) comparação;
3) citação;
4) enumeração ou descrição de detalhes;
5) definição;
6) relação de causa e efeito.
Certamente poderemos propor outras formas de abertura e desenvol-
vimento de um parágrafo. Muitos seguem naturalmente a proposta textual e o
seu conteúdo, os quais já conferem um tom específico aos parágrafos. É válido
entendermos, contudo, algumas possibilidades e estratégias de organização
textual, principalmente quando ainda não temos maturidade na produção de
textos. Nesse caso, o parágrafo-padrão e as formas de iniciar e desenvolver o
texto nos auxiliam a manter a unidade temática e a clareza nos blocos textuais,
garantindo, consequentemente, a comunicação por meio do texto escrito.

Síntese da Unidade 4
Nesta Unidade estudamos acerca do processo
de produção textual e vimos que escrever exige
conhecimentos sobre o tema a ser abordado,
mas também conhecimentos de outras ordens,
como propósito comunicativo, clareza, coerên-
cia, coesão, estratégias argumentativas, uso de
vocabulário adequado e correção gramatical.
Estudamos, também, que o desenvolvimento da
argumentação torna necessário o uso de estraté-
gias que enriqueçam o texto, fazendo com que o
produtor demonstre sua capacidade de mobilizar
e relacionar diferentes ideias, a fim de convencer
o leitor sobre aquilo que se quer defender. Além
dos elementos apresentados anteriormente, para
escrevermos bons textos, garantindo a progressão
do tema bem como a clareza e organização das
ideias, é preciso escrevermos bons parágrafos. O
parágrafo confere estrutura ao texto, e a maioria
dos gêneros textuais organiza-se por meio deles.

58
Unidade 5

A ARGUMENTAÇÃO COMO
PRÁTICA DE LINGUAGEM

OBJETIVOS DESTA UNIDADE


• Propiciar ao aluno uma melhor competência comunicativa, a partir
da ampliação das habilidades de ler, de compreender, de falar e de
produzir textos orais e escritos da ordem do argumentar, no contexto
universitário e fora dele, a fim de que possa adequar seu discurso em
diferentes situações de comunicação.
• Estimular o papel de autor/coautor de textos argumentativos median-
te práticas de escrita, a fim de estimulá-las e qualificá-las.

AS SEÇÕES DESTA UNIDADE


Seção 5.1 – O Texto Argumentativo
Seção 5.2 – Argumentos
Seção 5.3 – Gêneros Textuais da Ordem do Argumentar
Seção 5.4 – Defendendo um Posicionamento por Meio da Expressão Oral

É válido reconhecer que existem fatores que estão implicados em todo e


qualquer ato de comunicação, posto que comunicar não é pura e simplesmente
transmitir uma informação a alguém, mas tencionar fatores indispensáveis ao ato
comunicativo. Esses fatores são: o emissor (aquele que transmite a mensagem),
o receptor (para quem a mensagem é transmitida), a mensagem (o que se quer
transmitir), o código (a língua em que a mensagem é produzida), o canal (meio
pelo qual a mensagem é emitida) e o referente (situação a que a mensagem se
refere) (Platão; Fiorin, 2005, p. 283).

59
EaD
Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani

Como se vê, comunicar algo não é simplesmente dizer, imaginando que a


recepção da mensagem já esteja garantida, mas mobilizar estruturas textuais de
forma consciente para agir sobre o outro, garantir a aceitação, modificar formas
de pensar, persuadir, convencer, enfim, ter a adesão do interlocutor.

Seção 5. 1
O Texto Argumentativo
Entre as várias maneiras de organizar um texto temos a argumentação
como uma das mais desafiantes. Isso se dá pelo fato de que argumentar não é
impor uma ideia ou posicionamento a respeito de um assunto, mas desenvolvê-lo
de forma clara, estruturada e com base em informações e ideias relevantes sobre
a temática a ser comunicada, além do uso de estratégias argumentativas, como
as vistas anteriormente na Unidade sobre a estrutura textual.
Inicialmente, é preciso considerar que a forma de nos relacionarmos com
a linguagem está intimamente relacionada à maneira de nos relacionarmos com
o mundo a nossa volta. Não utilizamos a escrita e não falamos aleatoriamente,
mas fazemos isso como prática social, ou seja, sempre falamos ou escrevemos
algo com um fim claro, um objetivo, mesmo que, muitas vezes, não tenhamos
consciência disso. Assim, os textos que produzimos, falados ou escritos, cumprem
diversas funções sociais, tais como: informar, vender, instruir, persuadir, convencer,
sensibilizar, chocar, contar, opinar, etc.
Logo, a prática social está toda organizada por meio de textos. Assim,
para estarmos atuantes no universo social em que nos inserimos, precisamos
comunicar nossas ideias e convicções por meio de diferentes estruturas textuais,
as quais são denominadas gêneros textuais ou gêneros do discurso, como fora
conceituado anteriormente.
É importante que o usuário de uma língua tenha clareza de que o fenô-
meno da linguagem se dá para que possamos interagir socialmente. É ele que
estrutura nossas relações e organiza nossa prática social.
Por isso, saber comunicar algo que deseja e interagir com alguém em um
determinado contexto sociodiscursivo, é de extrema importância para o nosso
trânsito em um mundo textualizado. De fato, “a língua só se atualiza a serviço da
comunicação intersubjetiva, em situações de atuação social e através de práticas
discursivas, materializadas em textos orais e escritos” (Antunes, 2003, p. 42).

60
EaD
Leitura e Produção Textual

No que diz respeito aos gêneros da ordem do argumentar, precisamos ter


plena clareza de que, ao produzi-los, estamos agindo socialmente, de forma que
nossas ideias, convicções, ideologia sobre uma problemática social seja aceita e
validada por nosso interlocutor, mas jamais imposta.
Entre os gêneros da ordem do argumentar, os mais utilizados e conhe-
cidos são: o artigo de opinião, o editorial, a carta argumentativa, a resenha, o
artigo científico, a carta do leitor, o debate, discursos de defesas ou acusação,
plenárias, entre outros.
É preciso ter em mente que a aceitabilidade de uma mensagem depen-
de de uma série de fatores, tais como a visão de mundo, a ideologia, os valores
pessoais, os sentimentos e emoções, etc. Assim, quando produzimos um texto,
falado ou escrito, precisamos estar atentos à reação do interlocutor, prever pos-
síveis reações ao que está sendo comunicado e trabalhar em nível textual para
atingirmos nosso objetivo comunicativo.
Quando estudamos a argumentação, percebemos que muitos a colocam
somente no nível da razão, ou seja, pensa-se que argumentar é unicamente con-
duzir alguém de forma lógica e racional a uma “verdade”, partindo de algumas
“premissas”.
Na prática social, contudo, percebemos que a argumentação ganha um senti-
do mais amplo, posto que muitas vezes uma pessoa é convencida de algo por meio de
outras estratégias como a persuasão, muito utilizada na publicidade, e que também
leva o interlocutor a uma mudança de comportamento (Platão; Fiorin, 2005).

Figura 1

Fonte: Publicidade veiculada no Jornal Estado de Minas, cad. “Divirta-se”, em 21/1/2010.

61
EaD
Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani

Ao observarmos o texto, percebemos de imediato que há uma estrutura


organizacional que nos permite constatar um enunciador, representado pela em-
presa Tramontina, um enunciatário (público-alvo), que está explícito no subtítulo
“Lançamento exclusivo para leitores Estado de Minas” e um produto que está
sendo divulgado – uma coleção de panelas. A informação não verbal é essencial
para a produção de sentidos, pois, além de chamar a atenção do consumidor
para realizar a leitura das informações verbais, contribui para dar credibilidade
ao discurso, legitimando e dando a conhecer o produto anunciado.
Além disso, no subtítulo, a palavra “exclusivo” evidencia a importância do
público-alvo e contribui para aguçar a sua vaidade. Afinal, transmite a ideia de que
a empresa Tramontina pensou nesse público e projetou um produto unicamente
para ele. Ademais, abaixo das informações verbais e não verbais, são expostos ao
público-alvo contatos (telefones/site) e formas de pagamento. Essas informações
denotam ao consumidor facilidade e comodidade na hora de realizar a compra.
São utilizadas, portanto, diferentes estratégias de persuasão, a fim de permitir
uma mudança de comportamento no leitor/consumidor.
Seja em seu sentido mais amplo ou mais restrito, a argumentação é
responsável por conduzir o interlocutor de tal forma que aquilo que estamos
dizendo seja visto e entendido como “verdade”, como algo plausível e aceitável.
Quando conseguimos a adesão de nosso interlocutor, certamente devemos isso
ao bom uso de estratégias argumentativas.

Seção 5. 2
Argumentos
Dentre as práticas textuais realizadas na universidade, a argumentativa e
opinativa encontra-se no centro das produções. Isso porque as práticas discursi-
vas na universidade não podem ser ingênuas, superficiais. Diferente disso, elas
devem contribuir pelo viés da reflexão para problematizar e buscar solucionar
assuntos polêmicos e de difícil resolução advindos do entorno social.
Quando temos uma polêmica instaurada, temos também várias formas
de conceber, explicar e pensar tal assunto, o que se deve ao fato de que cada um
de nós tem um ponto de vista diferenciado sobre o mesmo. Pode-se atribuir a
formação de pontos de vista diferentes a, no mínimo, três aspectos: a bagagem
cultural, o lugar ou grupo social a que se pertence, e as relações entre o que se
pensa e o que as outras pessoas pensam (Goldstein; Louzada; Ivamoto, 2009).
Como se vê, é natural que tenhamos maneiras diferentes de ver e enten-
der os assuntos a nossa volta, mas jamais poderemos impor algo a alguém na
tentativa de termos sua adesão. Precisamos argumentar e, para isso, conhecer
estratégias textuais próprias ao discurso argumentativo e opinativo é de extrema
importância, assim como conhecer e utilizar esquemas argumentativos, tendo
clareza de como se estrutura o discurso argumentativo.

62
EaD
Leitura e Produção Textual

Pensemos inicialmente sobre esse ponto: Qual a estrutura textual presente


no texto argumentativo de forma geral? Nesse caso, o produtor de textos argu-
mentativos deve estar atento para o fato de que este tipo de texto parte de uma
tese, passa por argumentos que dão suporte à tese e ruma para uma conclusão
e avaliação do assunto. Logo, o que temos é o seguinte fluxo textual:

TEMA

TESE

ARGUMENTOS

CONCLUSÃO/ PROPOSTA DE INTERVENÇÃO

Assim, opinar é revelar um ponto de vista sobre um assunto polêmico,


uma tese sobre o tema a ser debatido, não aleatoriamente, mas com base em
colocações seguras, fortes, plausíveis e comprováveis, as quais chamamos de
argumentos. Dentre os principais tipos estão: o argumento de autoridade, o
argumento de provas concretas, o argumento de consenso ou princípio, o
argumento por exemplificação e o argumento de competência linguística.
Em Unidades anteriores pode-se pensar a respeito das estratégias argumentati-
vas. Essas complementam e realizam o processo de argumentação juntamente
com os argumentos. Vejamos cada um deles:

Tipos de argumentos:

1. Argumento de autoridade
Caracteriza-se pela citação de autores conhecidos no assunto, autorida-
des naquele domínio de saber, a fim de validar nossa tese. Ao aliarmos o que
pensamos ao pensamento de alguém renomado no assunto, fortalecemos nosso
discurso, é como se o autor que lemos e estudamos “assinasse embaixo” do que
estamos dizendo. Esse é um dos argumentos mais utilizados nas práticas textu-
ais universitárias, como em monografias, artigos científicos, dissertações, teses,
palestras, etc. Mesmo sendo um dos argumentos de grande força, contudo, é
preciso ter cuidado para que a colocação citada esteja realmente “costurada”
com nossas ideias e nossa proposta textual.

63
EaD
Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani

Vejamos parte de um artigo de Eliane Brum sobre a polêmica da vinda


de médicos estrangeiros para o Brasil e os poucos investimentos do governo
brasileiro no SUS. No texto, a autora não somente expõe claramente a sua tese,
mas também recorre à Organização Mundial da Saúde para validar seu posicio-
namento e fortalecer a argumentação:

Para resolver o problema do SUS é preciso assumir, de fato, o


compromisso com a saúde pública gratuita e universal. O que significa
investir muito mais recursos. Em 2011, segundo dados da Organização
Mundial da Saúde (OMS), o Brasil gastou US$ 477 per capita em saúde.
Menos do que vizinhos como Uruguai (US$ 817,8) e Argentina (US$ 869,4),
por exemplo. E quase seis vezes menos do que o Reino Unido (US$ 2.747),
cujo sistema de saúde tem sido apresentado como referência do projeto
do governo. Hoje, falta dinheiro e falta gestão eficiente. Sem dinheiro e
sem eficiência, duas obviedades, não se constrói um sistema decente. Mas,
para investir mais dinheiro no SUS, é preciso tocar também em questões
sensíveis, como o financiamento da saúde privada. Falta dinheiro no SUS
também – mas não só – porque o Estado tem subsidiado a saúde dos
mais ricos via renúncia fiscal.

Fonte: Disponível em: <http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/eliane-brum/


noticia/2013/07/ser-bdoutorb-e-mais-facil-do-que-se-tornar-bmedicob.html>. Acesso
em: 17 jul. 2013.

Neste parágrafo, além do argumento de autoridade, marcado pela ex-


pressão “segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS)”, temos o uso
de argumentos com base em provas concretas, quando a autora menciona os
valores gastos pelo Brasil em saúde, juntamente com uma estratégia argumen-
tativa baseada na comparação entre os investimentos realizados pelo Brasil e
por outros países, assim como a exemplificação marcada pelo uso do operador
argumentativo “por exemplo”.

2. Argumento de provas concretas


Esse tipo de argumento apoia-se em dados, fatos, valores estatísticos
para validar a tese. É considerado um forte argumento, pois dificilmente, diante
das provas, alguém contestará o que está sendo dito. Os dados apresentados,
contudo, devem ser pertinentes, adequados e suficientes para sustentar o que
se diz. Não basta trazer dados que em nada contribuem para validar a tese e
o ponto de vista ou que sejam falsos. É preciso demonstrar domínio e certeza
ao utilizar um argumento de provas concretas. Vejamos novamente o texto de
Eliane Brum. No artigo, a autora faz uso de inúmeros dados para validar sua
tese:

64
EaD
Leitura e Produção Textual

[...]
Um recente estudo do IPEA (leia aqui) mostrou que, em 2011,
último ano avaliado, quase R$ 16 bilhões de reais deixaram de ser arreca-
dados pelo governo, por dedução no imposto de renda de pessoas físicas
e jurídicas e desoneração fiscal da indústria farmacêutica e de hospitais
filantrópicos. O que é, de fato, renúncia fiscal? Um pagamento feito pelo
Estado: ele não desembolsa, mas paga, ao deixar de receber. Assim, quase
R$ 16 bilhões, o equivalente a 22,5% do gasto público federal em saúde,
deixaram de ser investidos no SUS para serem transferidos para o setor
privado, numa espécie de distribuição de renda para o topo da pirâmide.
Para ter uma ideia do impacto, é mais do que os R$ 13 bilhões que o mi-
nistro da Saúde, Alexandre Padilha, afirma que o governo está investindo
em unidades básicas de saúde, pronto-atendimento e hospitais. Não é
a toa que, entre 2003 e 2011, o faturamento do mercado dos planos de
saúde quase dobrou e o lucro líquido cresceu mais de duas vezes e meia
acima da inflação. 
[...]

Fonte: Disponível em: <http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/eliane-brum/


noticia/2013/07/ser-bdoutorb-e-mais-facil-do-que-se-tornar-bmedicob.html>. Acesso
em: 17 jul. 2013.

3. Argumento de consenso ou princípio


É constituído de colocações evidentes por si mesmas, princípios e valores
aceitos como verdades, os quais são dificilmente contestados. Geralmente esses
princípios e valores são compartilhados com o interlocutor e aceitos socialmen-
te. É preciso, entretanto, ficar atento para não confundir colocações evidentes
e aceitas com outras de cunho preconceituoso. Por exemplo, eu posso afirmar
tranquilamente que a educação garante um futuro melhor aos jovens, mas ja-
mais afirmar que todo brasileiro gosta somente de samba e futebol. Observe o
fragmento a seguir, retirado de um artigo de opinião sobre educação, intitulado
“Não maltratem a educação”:

O Brasil é mesmo um país de contrastes. Ao mesmo tempo em que


quer estar entre as grandes e desenvolvidas nações, age na contramão. A
má qualidade da educação brasileira é um exemplo típico. Sabe-se que a
educação e a produtividade são irmãs siamesas. Com baixo investimento
em educação, o Brasil não consegue avançar.

Fonte: Ricardo Russowsky – presidente da Federasul – Jornal Zero Hora, 13 dez. 2013.

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EaD
Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani

No texto, o autor faz uso de uma expressão com base no consenso geral
sobre o assunto: “Sabe-se que a educação e a produtividade são irmãs siamesas.
Com baixo investimento em educação, o Brasil não consegue avançar”. Diante
dessa colocação, dificilmente alguém contestará o que ele afirma, uma vez que,
como ele mesmo mostra, “Sabe-se” que a educação necessita de investimento,
isso já está dado, já é aceito pela maioria.

4. Argumento por exemplificação


Esse argumento tem caráter ilustrativo; ocorre quando validamos o que
estamos afirmando em um texto por meio de um exemplo compatível com o que
está sendo dito e defendido. Além disso, esse tipo de argumento auxilia o inter-
locutor a percorrer a teia textual e a proposta discursiva do autor, considerando
que o conduz por meio da exemplificação e ilustração, fatores que contribuem
para o entendimento da mensagem. Eliane Brum faz isso em seu artigo ao utilizar
a expressão “Menos do que vizinhos como Uruguai (US$ 817,8) e Argentina (US$
869,4), por exemplo.” como mencionamos anteriormente.

5. Argumento de competência linguística


Consiste basicamente no uso da linguagem adequada à situação de in-
terlocução. A forma como escrevemos ou dizemos algo pode ou não convencer
alguém, por isso é preciso ficar atento ao contexto em que estamos inseridos,
se é menos formal ou mais formal, e produzirmos um discurso compatível com
esse grau de formalidade. Assim estaremos atentos ao interlocutor, à recepção
e à aceitação da mensagem.
Um clássico exemplo desse argumento é o discurso de um advogado, que,
para convencer o júri, deve usar os termos e a linguagem própria a esse domínio
discursivo. Da mesma forma quando falamos para alguém com baixa escolari-
dade: devemos estar atentos para a adequação do registro, senão dificilmente
nossas colocações serão entendidas e aceitas. Veja na sequência o texto extraído
de um vídeo, realizado pela TV Cultura, que fora exibido na Casa de Detenção de
São Paulo em 1998. Nele, o ator Plínio Marcos busca convencer o interlocutor
utilizando a linguagem própria dos presos:

66
EaD
Leitura e Produção Textual

Ei, amizade!
(Vídeo exibido na Casa de Detenção, em São Paulo, realizado pela
agência Adag e pela Tv Cultura)

Aqui é Plínio Marcos, bandido também. Atenção, malandragem!


Eu não vou pedir nada, só vou dar um alô. Te liga aí!
Aids é uma praga que rói até os mais fortes. E rói devagarinho,
deixa o corpo sem defesa contra a doença. Quem pega essa praga está
ralado de verde e amarelo, do primeiro ao quinto, sem vaselina. Não tem
doutor que dê jeito. Nem reza brava. Nem choro, nem vela. Nem “ai Jesus”.
Pegou Aids, foi pro brejo... Agora, sinto o aroma da perpétua: Aids passa
pelo esperma e pelo sangue. Entendeu? Pelo esperma e pelo sangue. Eu
não estou te dando este alô pra te assombrar. Então, se toca! Não é porque
tu tá na tranca que virou anjo. Muito pelo contrário, cana dura deixa o
cara ruim. Mas é preciso que cada um se cuide. Ninguém pode valer pra
ninguém esse negócio de Aids.
Então, já viu, transar, só de acordo com o parceiro e de camisinha. Tu
aí que é metido a esculachar os outros, metido a ganhar o companheiro na
força bruta, na congesta: para com isso, senão tu vai acabar empesteado.
Aids não toma conhecimento de macheza, pega pra lá e pega pra cá. Pega
em homem, pega em bicha, pega em mulher, pega em roçadeira. Pra essa
peste não tem bom: quem bobeia fica premiado. E fica um tempão sem
saber... Daí, o mais malandro, no dia de visita, recebe mamão com açúcar
da família e manda pra casa o Aids. E não é isso que tu quer, né, vago mes-
tre? Então, te cuida! Sexo, só com camisinha. Quem descobre que pegou a
doença se sente no prejuízo e quer ir à forra, passando pros outros. Sexo,
só com camisinha. Não tem escolha, transar, só com camisinha.
Quanto a tu, mais chegado ao pico... Estou sabendo que ninguém
corta o vício só por ordem da chefia. Mas escuta bem, vago mestre, a
seringa é o canal pro Aids. No desespero, tu não se toca, não vê, não quer
nem saber. Ás vezes, a seringa vem até com um pingo de sangue e tu mete
ela direto em ti. Às vezes ela parece que vem limpona e vem com a praga.
E tu, na afobação, mete ela direto na veia. Aí, tu dança. Tu, que se diz mais
tu, mas não pode aguentar a tranca sem pico, te cuida. A farinha que tu
cheira e a erva que tu barrufa enfraquecem o corpo e deixa tu chué da
cabeça e dos peitos, e aí tu fica moleza pro Aids. Mas o pico é canal direto
pra essa praga que está aí.
Então, malandro, se cobre! Quem gosta de tu é tu mesmo. A saúde
é como liberdade. A gente só da valor pra ela quando ela já era.

Fonte: Disponível em: <http://www.pliniomarcos.com/teatro/teatro-eiamizade.htm>.


Acesso em: 13 dez. 2013.

67
EaD
Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani

De fato, existem inúmeras formas de argumentar, sendo essas apenas


algumas delas. O que temos de ter claro é que quando escrevemos ou falamos
para convencer alguém de algo, marcar a nossa opinião, devemos fazer isso
com base em informações, colocações plausíveis e estratégias, para que aquilo
que estamos dizendo não seja contestado, mas aceito. Para reforçar nosso en-
tendimento e bom uso da argumentação, é preciso também visualizar proce-
dimentos ou estratégias argumentativas, as quais reforçam e reiteram os tipos
de argumentos descritos anteriormente. Vale relembrar, conforme exposto em
Unidade anterior, quais são as estratégias argumentativas que podem estruturar
nosso texto de opinião:

1. alusão histórica
2. comparação/analogias
3. citação ou argumentos de autoridade
4. dados estatísticos
5. causa e consequência

É preciso reiterar que, com base no estudo e domínio da argumentação,


podemos produzir textos embasados, ricos em conteúdo e informações. Sem ela,
é bem provável que nosso texto fique superficial, atrelado unicamente ao que
nos diz o senso comum. É imprescindível, portanto, no universo acadêmico, que
saibamos defender nosso ponto de vista, além de trabalharmos com os dados
e conteúdos estudados para agirmos nos diferentes contextos sociais em que
estamos inserimos. Como se vê, escrever não é somente uma questão de domínio
gramatical, pelo contrário, envolve aspectos da cultura, do conhecimento de
mundo, da intenção de quem diz, escreve, assim como a expectativa de quem
ouve ou lê.
Por meio de um bom texto argumentativo temos a possibilidade de agir
sobre o mundo e defender-nos dele; reconhecer a intencionalidade dos textos;
interagir por meio de uma proposta comunicativa clara e eficaz; saber utilizar
textos de informação e textos de opinião a nosso favor, reconhecendo os tipos
de argumento e os usando de forma adequada para uma determinada situação
de uso e comunicação.

Seção 5.3
Gêneros Textuais da Ordem do Argumentar
Os gêneros da ordem do argumentar variam de acordo com os domínios
discursivos em que são produzidos. Assim, os textos produzidos em um domínio
podem não ser produzidos em outro. A universidade configura-se como um
domínio discursivo específico, e é por isso que muitos textos que circulam no
âmbito universitário não transitam e não são elaborados fora dele. Exemplo disso
são as dissertações e teses, muito próprias às práticas acadêmicas.

68
EaD
Leitura e Produção Textual

Nesse sentido, dentre alguns dos gêneros textuais utilizados no contexto


acadêmico ou úteis para a inserção crítica dos futuros profissionais em contex-
tos diversos, destacamos, para fins de estudo, a resenha crítica e acadêmica,
o artigo de opinião e o artigo científico, embora existam muitos outros. Para
tanto, pensemos brevemente a respeito de sua estrutura e organização:

1. Artigo de Opinião
Presente na maioria das revistas e jornais, o artigo de opinião é um gênero
breve que possibilita ao autor opinar sobre assunto polêmico e atual. Organizado
em parágrafos e escrito geralmente com uma linguagem cuidada e formal, o
que possibilita maior aproximação com os leitores diversos, aparece em seções
como “opinião”, “ponto de vista”, “ensaio”, etc. As colocações e informações feitas
pelo colunista são de sua inteira responsabilidade, o que difere do editorial, o
qual traz a opinião do jornal ou revista, e não de um autor.
De acordo com Goldstein, Louzada e Ivamoto,

[... ] o artigo de opinião é, portanto, um gênero que possibilita ao autor expor


livremente o seu modo de pensar, o seu ponto de vista sobre uma questão
controversa, e que se destina a convencer o leitor por meio de uma argumen-
tação sustentada sobre essa posição (2009, p. 97).

É também importante salientar que, para escrever um bom artigo de opi-


nião, o autor deve ter domínio do assunto para ser capaz de comentar a questão
polêmica por ele proposta. Além disso, o texto deve apresentar progressão
temática, o que significa que o tema a ser tratado aparece no parágrafo de
introdução e vai sendo desenvolvido ao longo dos demais parágrafos, tendo
como base para as colocações os argumentos trazidos pelo autor. A tese deve
aparecer no início do texto, assim como a temática, e ambas permanecem no
foco até a conclusão.
A fim de organizar o discurso argumentativo no artigo de opinião, o
autor deve fazer uso de operadores argumentativos, os quais são palavras de
coesão responsáveis por conduzir o discurso e a proposta de desenvolvimento
do tema trazida e sustentada pelo autor, como visto anteriormente. Os opera-
dores argumentativos auxiliam para a organização e clareza do texto, o que é
de grande importância no artigo de opinião, uma vez que seu maior objetivo é
convencer o interlocutor e provocar uma mudança em seu comportamento e
modo de pensar.
No que se refere a sua estrutura, podemos dividi-lo em três partes:
a) Situação/problema – configura o que conhecemos como introdução do
texto; geralmente limita-se a um parágrafo ou dois. Por ser a abertura do
texto, é quando o autor deve apresentar qual problemática será discutida e
desenvolvida, qual tese possui sobre ela e como será a proposta textual do
artigo para o desenvolvimento e defesa da tese.

69
EaD
Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani

b) Discussão – constitui o desenvolvimento do artigo; geralmente estrutura-se


por meio de dois a três parágrafos, dependendo da extensão e proposta do
texto. É na discussão que o autor deve apresentar os argumentos que sustentam
a tese e o ponto de vista já apresentados no parágrafo introdutório. É preciso
observar a proposta e construção textual de cada parágrafo da discussão
para não repetir informações e deixar o artigo sem progressão no tema e na
proposta defendida. Por isso, deve-se procurar organizar o texto de forma que
cada parágrafo da discussão desenvolva um aspecto do tema e traga algum
tipo de argumento.
c) Solução/avaliação – marca a conclusão do texto de opinião. É o momento
final para reforçar o que está sendo defendido. É também de bom tom avaliar
o assunto e, se possível, fechar o texto com um tom propositivo para o pro-
blema discutido.
Vejamos a seguir um exemplo de artigo de opinião, publicado no jornal
Zero Hora, em 13 de dezembro de 2013:

70
EaD
Leitura e Produção Textual

Observe a estrutura textual apresentada pelo autor do artigo. Inicialmente


temos um título, o qual já dá ao leitor a ideia da temática e da proposta a ser
defendida pelo autor que, nesse caso, está centrada nos sujeitos: agricultores e
nós, consumidores de alimentos com agrotóxicos. O tema já aparece no título:
agrotóxicos.
O texto está organizado em quatro parágrafos. O primeiro parágrafo é
dedicado à situação/problema, quando o autor situa o leitor sobre o assunto a
ser discutido, fazendo o que chamamos de contextualização, o que fica evidente
na frase inicial: “Muito embora tenham causado surpresa e espanto as recentes
reportagens sobre o uso indiscriminado de agrotóxico na produção agroali-
mentar, este não é um assunto novo.” O tema em questão está situado, ou seja,
advém de acontecimentos recentes, os quais levaram o autor a manifestar-se
sobre o assunto. É um tema que está sendo debatido; é atual e extremamente
polêmico. Essas são as características do artigo de opinião: ele possibilita ao autor
a discussão de um assunto que está sendo debatido no momento.
Em seguida, temos o uso de um argumento, pois, por meio de uma alusão
histórica, o autor demonstra conhecimento de que, de fato, esse não é um assunto
novo, mostrando para o leitor quando isso começou. A estratégia utilizada é o
contraponto histórico da questão, o que já fora apontado como proposta textual
na introdução ao mencionar que o assunto não é novo. A partir disso, o autor
traz argumentos para provar o que diz.
No terceiro parágrafo o autor faz uso de outro argumento, apontando
para “Estudos realizados”. Nesse parágrafo focalizará um dos sujeitos diretamente
envolvido com os defensivos químicos e que fora apresentado por ele já no título
do texto: o agricultor. Já no parágrafo de conclusão do texto, o autor menciona
o consumidor, reforçando que esse “tem tudo a ver com o problema”. Por fim,
reforça sua tese e, como solução, traz a pressão que o consumidor pode fazer
para alterar os padrões de produção dos alimentos.
Enfim, no texto, temos um assunto que vai progredindo desde o seu título
até a sua conclusão; temos uma posição assumida por um autor declarado. Se
estivéssemos diante de outro autor, possivelmente teríamos também outra po-
sição e outras colocações sobre o tema. O que ele nos traz não é uma “verdade”
incontestável, mas colocações plausíveis e argumentadas que, tranquilamente,
podem nos levar a concordar com ele. Esse é o objetivo maior do artigo de
opinião, ou seja, conduzir o leitor por meio da argumentação, levando-o a uma
mudança na forma de pensar o assunto.
Em resumo, o artigo de opinião:
• responde a uma questão polêmica e atual;
• expõe o ponto de vista de um autor declarado;
• usa argumentos consistentes para a defesa da tese;
• visa a obter a adesão e mudança de comportamento do leitor;
• emprega uma linguagem comum e cuidada;
• está constituído em situação/problema – discussão – solução/avaliação.

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Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani

2. Resenha
A fim de entendermos a estrutura desse gênero de texto e sua função
social, é preciso saber, de antemão, que existe também o resumo, e quais as
diferenças entre eles. Vejamos:

Resumo
Caracteriza-se pela concisão de informações. É o processo de reduzir um
texto qualquer aos seus principais tópicos e elementos, sem alteração alguma em
seu conteúdo e sem avaliações críticas e comentários por parte de quem resume.
Resumir é voltar ao plano do texto, ao eixo que estrutura sua proposta, deixando
de lado informações mais detalhadas que compõem o seu desenvolvimento.
Para fazer um bom resumo é preciso ter capacidade de síntese e seleção
de conteúdos, posto que resumir não é meramente copiar partes de um texto,
mas reelaborá-las com palavras próprias, como em uma paráfrase, selecionando
quais as informações são essenciais e quais são secundárias. Algumas estratégias
para a elaboração de bons resumos podem ser seguidas, tais como:
• leitura integral do texto, anotando as informações mais importantes,
procurando assimilar as ideias do autor e eliminando tudo que não
for essencial;
• seleção das ideias ou informações mais importantes: assunto, obje-
tivo, conclusão;
• produção de um texto conciso, objetivo e claro, mantendo-se fiel ao
original (Pereira; Neves, 2012, p. 22).

Além disso, para resumir adequadamente é preciso considerar aspectos


como a linguagem, a ordem em que as informações aparecem, o conteúdo do
texto original, etc. Segundo Pereira e Neves (2012), o resumo deve:

• ser redigido em uma linguagem impessoal, sem qualquer juízo ou apreciação


crítica sobre o mérito ou as falhas do trabalho (isso compete às resenhas
críticas);
• ser inteligível por si mesmo, como se fosse uma peça autônoma, evitando
assim expressões do tipo “o autor deste trabalho...”, “o assunto desta tese...” e
outras equivalentes;
• evitar tanto quanto possível repetição de frases integrais do original [...];
• [...];
• respeitar a ordem em que as ideias ou fatos são apresentados, dando o devido
destaque para a ideia central, sem se descuidar das ideias secundárias;
• omitir exemplos e explicações;
• substituir os termos específicos pelos genéricos (ex. homem, gato, cachorro
= mamíferos);
• ser feito, enfim, de tal forma que, oferecendo ao leitor uma visão sucinta do
assunto, possa levá-lo à compreensão do original (p. 22).

72
EaD
Leitura e Produção Textual

É importante ter em mente esses pontos e como o resumo se diferencia


da resenha, sendo parte dela, mas diferente dela. Por fim, é preciso destacar que
não podemos deixar marcas de autoria no resumo, por exemplo, “entendo que o
autor trata de...”; o resumo deve manter-se em tom imparcial. Além disso, deve ser
elaborado de forma coerente com o texto base, utilizando palavras de coesão para
encadear a ideia que está sendo resumida. A partir do entendimento de resumo,
é possível visualizar melhor a estrutura da resenha, sabendo diferenciá-los.

Resenha
Separemos, para fins de estudo, a resenha em resenha crítica e resenha
acadêmica, segundo a proposta trazida por Goldstein; Louzada; Ivamoto (2009).
Embora a resenha acadêmica também seja uma resenha de cunho crítico e ava-
liativo, é preciso perceber as diferenças de uso e função social entre as resenhas
realizadas na universidade e aquelas destinadas à avaliação de uma obra, seja
um livro, um filme, um disco, um evento, etc. É importante destacar, também,
que além dessas existem outras possibilidade de resenha, como a descritiva e a
temática, as quais não serão foco desta abordagem.
A resenha crítica é um gênero textual encontrado em jornais, revistas,
blogs. Geralmente traz temáticas de cunho artístico-cultural, uma vez que ava-
lia objetos culturais, tais como filmes, peças teatrais, shows, livros, exposições,
eventos. Sua função é apresentar informações sintetizadas sobre o objeto rese-
nhado, ampliando, contudo, as colocações para a avaliação crítica e a valoração
do que está sendo resenhado (Goldstein; Louzada; Ivamoto, 2009). Quanto a
sua função social:

A resenha exerce uma importante função social: formar opinião e, até mesmo,
delinear valores estéticos sobre diferentes manifestações artísticas e campos
do conhecimento. É um tipo de texto muito procurado pelos leitores que
consideram a opinião da crítica especializada antes de se decidir por um
espetáculo, um livro, um evento, um filme, etc. (Goldstein; Louzada; Ivamoto,
2009, p.113).

As resenhas aparecem em jornais e revistas em seções especiais, assim


como o artigo de opinião. No caso da resenha, geralmente não temos a seção in-
titulada RESENHA, mas Crítica ou outros títulos que remetam ao objeto resenhado
ou à temática artístico-cultural como Teatro, Dança, etc. Quanto a sua extensão,
na grande maioria temos textos breves, entretanto podemos ter resenhas mais
longas e detalhadas, com um aprofundamento na análise. Nesse caso, estamos
diante de um ensaio.
De qualquer forma, o foco de uma resenha em contextos como jornais,
revistas, blogs é a avaliação, a crítica, a valoração do objeto a ser resenhado. Sua
função é chamar a atenção do leitor para o conteúdo do texto e despertam-lhe
o interesse pela leitura ou pelo evento que está sendo avaliado. A seguir um
exemplo de resenha publicada em um blog, veículo de publicação bastante
comum desse gênero atualmente.

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Resenha do Filme: O Tempo e o Vento (2013)


Monique Queiroz | 21 de setembro de 2013

Sinopse:
A história da família Terra Cambará e de sua rival, a família Amaral,
durante 150 anos, começando nas Missões até o final do século 19. Sob o
ponto de vista da luta entre essas duas famílias, o filme retrata a formação
do Rio Grande do Sul, a povoação do território brasileiro e a demarcação
de suas fronteiras, forjada a ferro e espada pelas disputas entre as coroas
portuguesa e espanhola.
Resenha:
Ultimamente, a indústria cinematográfica tem lançado cada vez
mais adaptações de livros para as telas. Muitos são sucessos de bilhete-
ria, mesmo quando o livro é péssimo. Outros são tão ruins como o livro.
Existem os que são perfeitos: livro e filme. E tem aqueles filmes que não
conseguem superar a genialidade de seu livro pois, geralmente, não foi
feito para ser visto, e sim para ser lido. O tempo e o vento faz parte deste
último grupo.
A história se passa no Rio Grande do Sul, final do século XIX. As
família Amaral e Terra-Cambará são inimigas históricas na cidade de Santa
Fé. Quando o sobrado dos Terra-Cambará é cercado pelos Amaral, todos
os integrantes da família são obrigados a defender o local. Entre eles está
Bibiana, matriarca da família que, junto com seu falecido esposo, Capitão
Rodrigo, relembram a história não apenas de seu amor, mas de como
nasceu a própria família Terra-Cambará.
Uma obra tão significante para a literatura brasileira conta com
um elenco de grandes talentos. Na pele da matriarca Bibiana temos Mar-
jorie Estiano e Fernanda Montenegro. O boa praça Capitão Rodrigo é
interpretado por Thiago Lacerda. Cleo Pires e Suzana Pires dividem a
personagem Ana Terra, uma mulher que sobreviveu a grandes perdas e
conseguiu reconstruir sua vida em Santa Fé.  Luiz Carlos Vasconcelos
interpreta o pai de Ana, Maneco Terra. Ainda contamos com Paulo Gou-
lart, Leonardo Medeiros e José de Abreu que representam a família
inimiga: os Amaral.

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Leitura e Produção Textual

O filme começa tentando demais. Os primeiros enquadramentos


lembram os filmes cultuados, como Amélie Poulain e O Segredo dos Seus
Olhos. Esses enquadramentos diferenciados, quando bem posicionados
na história, trazem uma identidade para a estética que é constante no
decorrer do filme. Porém, quando mal posicionados, acabam distanciando
o espectador da história que está sendo contada. É o que ocorre aqui, ao
invés de seguir a primeira proposta apresentada, o diretor, Jayme Monjar-
dim, volta às suas origens telenovelísticas e o vai e vem de closes começa
a acompanhar o diálogo. Essa quebra acaba afetando a relação do filme
com o público.
No meio do filme outro problema: Capitão Rodrigo. Thiago Lacerda
é um galã: bonito, alto, olhos claros, encanta qualquer um e se encaixa
perfeitamente com seu personagem. Capitão Rodrigo é um herói com
direito a fraquezas: vícios, inquietude, entre outros. Um bom moço que
não é sempre bom. Não deveria incomodar, mas incomoda. No filme,
dentre tantos acontecimentos, a constante camaradagem do personagem,
junto com o enredo prolongado, acaba cansando o espectador. Chega
um momento em que o encanto de Thiago Lacerda não é suficiente para
agradar.
Não há dúvidas de que a leitura de O tempo e o vento não é fácil. O
livro conta com três partes e sete livros. Só o filme foi baseado na primeira
parte, O Continente, que são dois volumes. Esse seria o primeiro alarde
para não adaptá-lo ao cinema. Um livro difícil de ler é uma história difícil
de ser contada para as telas. Sua adaptação dá a sensação de que o filme
é interminável. As horas passam, os clímax são apresentados, o desfecho
acontece e a história continua. Se dada a opção, teria encarado os sete
livros da coleção e não ter visto o filme.

Fonte: Disponível em: <http://www.cinemadetalhado.com.br/2013/09/resenha-do-


filme-o-tempo-e-o-vento-2013.html>. Acesso em: 15 dez. 2013.

É preciso perceber que, nesta resenha, o resenhista faz uma crítica des-
favorável ao filme, elencando diversos fatores para comprovar e dar base a sua
avaliação. A crítica, portanto, está embasada em argumentos, não é aleatória,
superficial. Geralmente quem se propõe a resenhar um objeto artístico ou
cultural possui domínio no assunto. Outra característica da resenha crítica é a
autoria declarada, uma vez que a opinião e avaliação do objeto são de inteira
responsabilidade do resenhista. Vejamos outra resenha do mesmo objeto a fim
de observarmos a diferença de ponto de vista:

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O TEMPO E O VENTO, RESENHA E TRAILER DO FILME


September 26, 2013 · Por: Tiago Canavarros

A construção do estado do Rio Grande do Sul a partir do enclave


político, conhecido como a Guerra dos Farrapos, documentada pela saga
literária de Érico Veríssimo, é revista pelo épico cinematográfico, O Tempo
e O Vento, de Jayme Monjardim.
Com o contorno romântico do relacionamento entre a personagem
Bibiana Terra (Marjorie Estiano  e  Fernanda Montenegro) e Rodrigo
Cambará (Thiago Lacerda), 150 anos do inicio da história gaúcha são
narrados no embate de republicanos da família Terra Cambará contra os
federados da família Amaral.
“O Tempo e o Vento”: técnica e atuações impecáveis em uma nar-
rativa resumida. Monjardim explora a região de Santa Fé, entretecendo-a
com grandes planos gerais vistos pelas belas lentes fotográficas de Afonso
Beato (com quem já trabalhou com Almodóvar, Stephen Frears e o próprio
Jayme Monjardim), e preenchidas com músicas magnificentes, em uma
trama bastante resumida e contada de maneira mais simplória possível.
É neste contexto de singela grandiosidade – entre o agrado popular e
erudito – que O Tempo e o vento se estabelece.
A transposição da literatura em imagem é personificada pelo
excelente elenco, notadamente a atriz Fernanda Montenegro, em mais
uma grande atuação, além de Cléo Pires, no papel de Ana Terra, embora
apareça brevemente. Com a narrativa sintetizada, justamente este e
outros tantos personagens interessantes acabam por sucumbir, quando
se começa a se apegar a eles, a trama se segue, perdendo a identificação
junto ao público.
Contudo, o compêndio não deixa escapulir os quatro símbolos cru-
ciais da trama, bem explícitos em tela; a cruz simbolizando a defesa, o punhal
o ataque, a tesoura o nascimento e a roca a passagem do tempo. Tal travessia,
somada ao vento, vem e passa. Exato como no texto e filme: “Uma geração
vai, e outra geração vem; porém a terra para sempre permanece”.

Fonte: Disponível em: <http://cartazdacultura.com/2013/09/26/o-tempo-e-o-vento-


resenha-e-trailer-do-filme/>. Acesso em: 15 dez. 2013.

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Leitura e Produção Textual

Na resenha supra, tem-se uma avaliação mais favorável do objeto rese-


nhado, além de mais sucinta e mais contida na crítica realizada. Nesse caso, o
leitor poderá, após a leitura das resenhas, fazer sua avaliação do filme a partir
de pontos de vista variados.
Diferente da resenha crítica, a resenha acadêmica não é publicada em
jornais, sites e revistas de circulação geral, mas em revistas e sites acadêmicos,
as quais possuem como público o leitor especializado do âmbito científico e
universitário. Mesmo mantendo a estrutura da resenha crítica, composta por
descrição e avaliação da obra, na resenha acadêmica tem-se maior rigor na
abordagem do conteúdo e composição. Em seu conteúdo, encontram-se dados
bibliográficos da obra resenhada, bem como informações sobre o autor, a obra,
o tema, a estrutura e o conteúdo. Utiliza, além disso, uma linguagem técnica, por
isso difere de um campo do saber para outro. No exemplo a seguir temos uma
resenha da área da educação:

Avaliação, impasses e desafios da educação básica


José Roberto Rus Perez
Campinas: Unicamp, 2000, 241p.
O livro retrata 23 anos de história da rede pública estadual paulista,
realizando uma criteriosa análise sob a perspectiva de avaliação de políti-
cas, mas sem abrir mão de “uma avaliação política da política” (p. 22).
O estudo busca desenvolver uma distinção entre as fases da policy:
a constituição da agenda; sua formulação, implementação e avaliação,
enfatizando tanto o momento em que as propostas conquistam forma e
estatuto de política ao serem definidas as metas, os objetivos e os recur-
sos, quanto à sua implementação, isto é, quando a política se transforma
em programa de governo. Ao contemplar a política educacional numa
perspectiva histórica enfatizando seus principais programas, tipos de
processo decisório, estrutura organizacional, mecanismos de captação
e critérios para destinação de recursos financeiros, o estudo se insere
num conjunto restrito de análises realizadas sobre a política educacional
estadual paulista, com ênfase na avaliação de políticas.
Ao lançar mão de diferentes fontes — dados censitários; indica-
dores sociais; dados primários obtidos por meio de pesquisa realizada
pelo Núcleo de Estudos de Políticas Públicas — NEPP — em um número
significativo de escolas da rede pública; documentos oficiais e legislação
— Rus Perez realiza amplo diagnóstico de uma instituição que, ao que
tudo indica, vem apresentando dificuldade de aprendizagem.
Há diversas abordagens teóricas que analisam as políticas sociais
e que sublinham a capacidade de aprendizagem institucional das organi-
zações públicas e do quanto essa capacidade está relacionada ao modus
operandi do Estado, refletindo, dessa forma, os níveis de centralização,
burocratização e institucionalização do organismo estatal.
Pois é exatamente essa capacidade institucional da Secretaria
de Estado da Educação de São Paulo que o autor procura analisar. Ao
discutir, no primeiro capítulo, as características estruturais e a dinâmica
do sistema, manipula com maestria as fontes primárias e secundárias,

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Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani

para analisar a expansão maciça da rede de ensino pública entre 1960


e 1975, seguida de retração entre 1975 a 1985, e retomando o ritmo de
atendimento até 1990.
No segundo capítulo, são avaliadas as propostas e medidas im-
plementadas de 1967 a 1990, abrangendo os governos Abreu Sodré
(1967-1971); Laudo Natel (1971-1975); Paulo Egydio Martins (1975-1979);
Paulo Maluf (1977-1983); Franco Montoro (1983-1987); Orestes Quércia
(1987-1991).
Cada gestão é analisada com base nas diretrizes políticas, nos
programas principais, em recursos financeiros alocados, na política de
recursos humanos e na avaliação de efetividade e eficácia, identificando o
contexto em que as ações foram formuladas e implementadas, quais alter-
nativas se colocavam nesse contexto e suas estratégias de implantação.
O capítulo três dedica-se a avaliar a concretização das medidas
políticas da última gestão (1987-1991), em escolas da rede pública de
ensino, com base em dados colhidos no ano de 1991, em 248 unidades.
Os dados se referem às características de funcionamento dos serviços, à
qualificação dos recursos humanos e às formas de gestão, considerando-
se a seleção das variáveis de dependência administrativa, pedagógica e
assistencial; equipamento pedagógico e de cozinha; mobiliário; material
pedagógico; professor efetivo; funcionário no período noturno; condições
de infraestrutura e recursos financeiros.
Daí emerge toda a riqueza de análise, tendo em vista a confronta-
ção da política como discurso, com a realidade da rede de escolas. Os da-
dos indicam que não há possibilidade de homogeneizá-las, pois surge, no
interior do sistema, uma diferenciação de unidades cuja singularidade só
pode ser captada quando se olha para cada uma delas com sua dinâmica
própria, suas possibilidades de ação, seus limites, sua cultura local. Nesse
sentido, o autor refuta os discursos homogeneizadores que enfatizam
apenas a má qualidade do ensino público, pois no universo pesquisado
aparecem escolas com bom desempenho, embora em número inferior
(13%), contra 64% que apresentam desempenho médio e 23% de escolas
cujo desempenho é ruim.
Considerando essa singularidade, Rus Perez aponta possíveis
fatores que interferem na diferenciação da rede escolar: o tempo de
construção (as escolas mais novas possuem prédios cujas construções são
mal-acabadas); a localização em regiões mais centrais ou menos centrais
(esse fator interfere na infraestrutura da escola tendo em vista as comu-
nidades mais carentes ou menos carentes que as frequentam e subsidiam
pela Associação de Pais e Mestres — APM); quadro docente mais estável
ou menos estável; escolas da região metropolitana e escolas do interior
(invariavelmente, estas últimas podem contar com o apoio das prefeituras,
mas possuem menos professores estáveis/efetivos do que as escolas da
região metropolitana e das grandes cidades do interior).
No entanto, os dados apontam que a heterogeneidade das escolas
possui um vetor que se sobrepõe aos demais: está intimamente associada
à extração social dos alunos. A maioria das escolas ruins é frequentada
por alunos de origem social baixa. Isso não significa, no entanto, que as
escolas das periferias sejam piores do que as escolas de regiões centrais,
pois mesmo dentro dos bairros periféricos há uma discriminação — por
parte dos moradores locais — entre escolas frequentadas por aqueles que
são pobres, daquelas que são frequentadas por segmentos considerados
muito mais pobres.

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EaD
Leitura e Produção Textual

Esse mecanismo perverso distorce os objetivos universais das po-


líticas educacionais e de seus programas, pois as escolas mais carentes,
efetivamente, pouco se apropriam e se beneficiam das inovações propos-
tas. Essa constatação corrobora análises realizadas sobre a dificuldade de
se efetivar equalização das oportunidades educacionais. Nesse sentido,
os dados revelam que os ideais universais não se confirmam na realidade
e no cotidiano das escolas, pois a política educacional vem consolidando,
ao que tudo indica, escolas de “segunda categoria”, sacralizando uma
dualidade na rede de ensino. Segundo Rus Perez, “uma vez implantada,
essa escola se transforma numa arena, onde se renovam continuamente
os conflitos e as contradições decorrentes da macro-orientação da polí-
tica, acrescidos das microquestões surgidas no dia-a-dia da vida escolar”
(p. 178).
O autor sublinha que essa heterogeneidade deixa de ser captada
pelo discurso da política educacional que vem buscando, historicamen-
te, formular programas de forma centralizada e sem a participação dos
demais atores no processo. No entanto, o discurso que apela à raciona-
lização, à modernização e à descentralização do sistema tem sido reite-
rado à exaustão no período analisado, particularmente dos anos 1980
em diante. De acordo com o autor, tudo indica que há uma “correlação
entre a forte presença de tais propostas no discurso e o reduzido grau
de sua concretização” (p. 219), pois a cultura institucional privilegia o
“conservadorismo dinâmico”: ao mesmo tempo que o discurso demonstra
coerência em relação aos reclamos das bandeiras mais democráticas no
âmbito das lutas pela educação, ele é depositado, na forma de programas
e projetos, em fluxos burocráticos que entravam parte do processo de
sua implementação.
Assim é que as inovações propostas esbarram nos limites da própria
cultura da organização, pois não ocorreu, ao longo do período analisado, a
necessária correlação entre estratégia e estrutura organizacional. As duas
únicas reformas administrativas foram a de 1969 e a de 1975, ambas sob o
regime militar. No período democrático, duas tentativas frustradas — em
1985 e 1990 — não permitiram a mudança de estrutura da organização,
necessária para que as estratégias inovadoras fossem acolhidas em solo
mais fértil.
Nesse sentido, o autor propõe a introdução de formas organizacio-
nais de democracia participativa no desenho dos programas propostos
visando equacionar o pluralismo pedagógico da rede de escolas, pois
apenas a participação dos demais atores — técnicos, professores, alunos
e pais — no processo de implementação das medidas governamentais
pode diminuir o risco de se potencializar as diferenças entre as escolas.
Trata-se, na realidade, de reorientar a própria ação do Estado, pela intro-
dução de novos mecanismos de gestão que proporcionem maior agili-
dade institucional e flexibilidade, incorporando, sobretudo, as demandas
oriundas de parcelas significativas da população alijadas, historicamente,
de participação na formulação e implementação das políticas públicas.
Angela Maria Martins
Fundação Carlos Chagas

Fonte: Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S01001


5742001000100011&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt>. Acesso em: 15 dez. 2013.

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Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani

Em geral, as resenhas acadêmicas seguem a seguinte estrutura:

APRESENTAR > DESCREVER > AVALIAR > (NÃO) RECOMENDAR A OBRA

Por fim, a resenha destaca-se como um gênero de texto que “é usado na


academia para avaliar – elogiar ou criticar – o resultado da produção intelectual
em uma área do conhecimento” (Motta-Roth; Hendges, 2010). Geralmente,
dedica-se a publicações novas, ainda não muito conhecidas na área, é escrita em
linguagem formal, normalmente por meio de verbos no presente do indicativo,
com marcas de avaliação, além de exemplos e ilustrações para dar suporte às
colocações feitas. Embora tenha características que se repetem, cada área do
saber possui estruturas determinadas para suas resenhas.

3. Artigo Científico
De acordo com Motta-Roth e Hendges (2010), podemos conceituar o
artigo científico da seguinte forma:

é um texto, de aproximadamente 10 mil palavras, produzido com o objetivo


de publicar, em periódicos especializados, os resultados de uma pesquisa
desenvolvida sobre um tema específico. Esse gênero serve como via de comu-
nicação entre pesquisadores, profissionais, professores e alunos de graduação
e pós-graduação. (Motta-Roth; Hendges, 2010, p. 65).

De fato, o artigo científico tem como principal função fazer circular as


informações, estudos e pesquisas geradas a partir das práticas acadêmicas e
científicas. Escrito em uma linguagem formal, deve seguir uma estrutura também
relativamente fixa, sendo dividido em três momentos: introdução – desenvol-
vimento – conclusão.
É claro que, assim como a resenha, o artigo varia em sua estrutura e
apresentação, dependendo da área do conhecimento. Dentre as maneiras de
organizar e produzir um artigo, encontramos as seguintes distinções: artigo de
revisão teórica, artigo experimental, artigos científicos empíricos.
O artigo de revisão teórica possibilita ao autor fazer um estudo a partir
do levantamento teórico sobre a área em questão e, em específico, sobre o tema
de pesquisa. Já o artigo experimental surge como resultado de um experimento
científico, geralmente testado para validar hipóteses. Por fim, o artigo científico
empírico relata uma pesquisa de observação da realidade, não em laboratório,
mas no contexto de estudo propriamente.
A fim de podermos produzir artigos, vejamos, de forma geral, o que com-
põe sua estrutura, embora tenhamos distinção e particularidade em cada área
do conhecimento, bem como dependendo do propósito de artigo a ser escrito.
Segundo Motta-Roth e Hendges (2010), para a produção de artigos científicos
deve-se:

80
EaD
Leitura e Produção Textual

(1) selecionar as referências bibliográficas relevantes ao assunto;


(2) refletir sobre estudos anteriores na área;
(3) delimitar um problema ainda não totalmente estudado na área;
(4) elaborar uma abordagem para o exame desse problema;
(5) delimitar e analisar um conjunto de dados representativo do universo sobre
o qual deseja alcançar generalizações;
(6) apresentar e discutir os resultados da análise desses dados;
(7) finalmente, concluir, elaborando generalizações a partir desses resultados,
conectando-as aos estudos prévios dentro da área de conhecimento em
questão. (p. 68).
Tal conteúdo vai sendo explorado por meio das seções do artigo. Como
apontamos anteriormente, essas seções marcam os três momentos: introdução,
desenvolvimento e conclusão. Nos artigos, contudo, as seções são nomeadas
de forma distinta; por exemplo, em artigos experimentais e empíricos as seções
podem ser divididas e intituladas da seguinte forma, o que nem sempre ocorre
em artigos de revisão teórica:

1. Introdução/Considerações iniciais
2. Metodologia
3. Resultados
4. Discussões
5. Considerações finais

Já em artigos de revisão teórica, não temos itens de análise como metodo-


logia, resultados e discussões, mas temos o item de revisão da literatura. Também
se pode subdividir o corpo do artigo – o desenvolvimento – em quatro ou cinco
itens, usando para eles títulos de acordo com o estudo. Por fim, é preciso destacar
outro item importante que deve estar presente nos artigos: o resumo acadêmico.
Diferente de um resumo qualquer, esse item possui linguagem e estrutura própria.
No artigo, geralmente antecede o item introdução, escrito em língua portuguesa
e em língua estrangeira, seguidos de palavras-chave. Vejamos um exemplo:

O ARTIGO ACADÊMICO-CIENTÍFICO: COMO ELABORAR?


Juliana Alles de Camargo de Souza1
Resumo: Alunos nos cursos de Graduação e Pós-Graduação demonstram
profundas dificuldades para escreverem os artigos solicitados por seus professores.
Mesmo alguns professores, em vista desse tipo de problema, mantêm uma certa
distância da comunicação da ciência que produzem. Por tais razões, este estudo

1
Professora das Faculdades Integradas de Taquara (FACCAT); doutoranda em Linguística Aplicada –
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos); revisora do Núcleo de Revisão de Textos (NRT), Unisinos;
pesquisadora dos projetos DCEROT (Divulgação Científica: Estratégias Retóricas e Organização Textual.
julianaacs@gmail.com

81
EaD
Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani

pretende instrumentalizar, minimamente, um leitor interessado em escrever um


artigo acadêmico-científico, mediante uma caracterização simples e breve deste
gênero textual. Revisam-se os estudos já concretizados por Motta-Roth (2009),
Feltrim et al. (2000) e materiais elaborados pela articulista deste texto em cursos
sobre escrita acadêmica. As seções e os procedimentos básicos da escrita do gê-
nero em foco são enumerados e caracterizados brevemente, para resultar num
roteiro simples de auxílio à ação de escrever o artigo acadêmico-científico.
Palavras-chave: Gênero textual. Artigo acadêmico-científico. Roteiro
simples.

Abstract: Students in undergraduate and graduate courses show pro-


found difficulties to write the articles requested by their teachers. Even some
teachers, given this type of problem, keep a distance from the communication of
science they produce. For these reasons, this study aims to minimally instrumen-
talize a student or professional interested in writing an academic and scientific
article through a simple and brief characterization of this genre. Furthermore, it
is reviewed the studies already implemented by Motta-Roth (2009), Feltrim et al.
(2000), and materials prepared by the writer of this text in courses on academic
writing. The sections and the basics of the writing genre in focus are listed and
briefly characterized to result in a simple roadmap to assist the action of writing
an academic and scientific article.
Keywords: Textual genre. Academic and scientific article. Simple roadmap.

Este artigo, publicado pela professora Juliana Alles de Camargo de Souza, é


um ótimo roteiro de como elaborar artigos científicos. Após os elementos iniciais
do artigo, que são: o título, o autor e sua titulação e informações acadêmicas,
o resumo em língua portuguesa e em língua estrangeira, temos os itens que
compõem o corpo do texto: introdução, seis subdivisões, as considerações fi-
nais e as referências. Para aprofundar o estudo da estrutura do artigo científico,
recomenda-se a leitura do artigo completo publicado pela professora, o qual está
disponível em: <https://saga.faccat.br/p907/c_arquivo.php?chave>.

Seção 5.4
Defendendo um Posicionamento
por Meio da Expressão Oral

Texto escrito versus texto falado


Como já foi tratado em Unidades anteriores, o texto apresenta uma es-
trutura que permite a comunicação, estando sempre atrelado a um contexto e
tendo como foco a interação. Quando se fala em texto, contudo, a maioria das

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Leitura e Produção Textual

pessoas lembra-se apenas do texto escrito, não considerando a fala como texto.
É preciso considerar, no entanto, que ambos são textos e que basicamente o que
difere um de outro é a forma como a interação ocorre.

O texto escrito configura-se por meio do distanciamento entre o produtor


e o seu interlocutor. De acordo com Koch e Elias,

no caso do texto escrito, ao contrário do que acontece com o texto falado,


contexto de produção e contexto de recepção, de maneira geral, não coin-
cidem nem em termos de tempo, nem de espaço, já que escritor e leitor
normalmente não se encontram copresentes. Por isso o produtor do texto
tem mais tempo para o planejamento, a execução mais cuidadosa do texto
e a revisão (2012, p.14).

Como se vê, o tempo de produção do texto escrito difere do texto falado,


posto que o texto falado surge simultaneamente à interação. Tanto o produtor
quanto o receptor estão presentes e ativos, o que ocasiona uma produção com-
partilhada. De acordo com Koch e Elias (2012), essa produção conjunta ganha
graus distintos conforme a situação de comunicação e a formalidade, “em textos
mais informais, como a conversação face a face, a coprodução se manifesta em
grau máximo, ao contrário do que acontece em situações formais, como palestras,
conferências, discursos públicos” (Koch; Elias, 2012, p. 14).

Isso nos mostra que, diferentemente do que muitos acreditam, a fala não
é unicamente informal e mais fácil de ser produzida, nem a escrita é unicamente
formal e mais difícil, mas ambas possuem graus de formalidade e informalidade,
assim como de necessidade maior de planejamento e organização textual. Por
exemplo, um bilhete e um e-mail familiar aproximam-se mais da fala, mesmo
sendo textos escritos, enquanto uma palestra e uma entrevista profissional estão
próximas ao grau de formalidade de gêneros escritos.

Luiz Antonio Marcuschi (2010) define isso como um continuum tipológico.


Segundo ele,

Quando se olha para a escrita tem-se a impressão de que se está contemplando


algo naturalmente claro e definido. Tudo se passa como se ao nos referirmos
à escrita estivéssemos apontando para um fenômeno se não homogêneo,
pelo menos bastante estável e com pouca variação. O contrário ocorre com
a consciência espontânea que se desenvolveu a respeito da fala. Esta se
apresenta como variada e, curiosamente, não nos vêm à mente em primeira
mão a fala padrão. É o caso de dizer que fala e escrita são intuitivamente
construídas como tipos ideais concebidos com princípios opostos e que não
correspondem à realidade alguma, a menos que identifiquemos um fenômeno
que as realize.

A hipótese que defendemos supõe que: as diferenças entre fala e escrita se dão
dentro do continuum tipológico das práticas sociais de produção textual e não
da relação dicotômica de dois pólos opostos (sic) (2010, p. 37).

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Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani

É claro que o texto falado possui características próprias que devem ser
consideradas, principalmente quando estamos diante de produções formais
por meio da fala, o que ocorre frequentemente na universidade e no espaço
profissional.

Por fim, no texto falado, por termos a interação imediata, temos também
o que Koch e Elias (2012) definem como pressões de ordem pragmática, as quais
dão origem a falsos começos, truncamentos, correções, hesitações, inserções,
repetições e paráfrases. Isso ocorre, seja para ganhar tempo, como nas pausas
e hesitações, seja para fazer esclarecimentos, como nas repetições e paráfrases.
Como se vê, o texto falado não é completamente caótico como muitos imaginam
e, dependendo do grau de formalidade da situação comunicativa, ele exigirá de
seu produtor planejamento e atenção a sua estrutura. Vejamos a seguir como se
dá a estrutura textual de uma exposição oral, seja ela uma palestra, uma plenária,
um debate, etc., em uma situação formal.

2. A expressão oral em contexto formal


Com frequência, precisamos nos posicionar sobre certos temas que circu-
lam socialmente. Por exemplo: A diminuição da maioridade penal é uma medida
eficiente para conter a violência? Os médicos têm o direito de interromper a vida
de um paciente em estado terminal? Os programas de televisão devem sofrer
algum tipo de controle?

Para nos posicionarmos, podemos fazê-lo por meio de textos escritos,


como o artigo de opinião, ou por meio da oralidade. No caso do posicionamento
oral, nem sempre essa será uma tarefa fácil, pois, dependendo da situação de
comunicação em que estamos inseridos, teremos de adotar uma postura formal,
assim como uma linguagem cuidada e adequada para a situação vivida.

Para nos posicionarmos sobre um assunto polêmico devemos sempre


fazer uso de argumentos concretos, válidos, a fim de persuadir e convencer o
nosso interlocutor, seja no texto escrito ou oral. Não é, contudo, somente a ar-
gumentação que está em jogo; é preciso pensar também sobre como adequar
a postura à situação formal de fala, como em uma palestra, uma plenária, um
debate, uma entrevista, etc.

Itens a serem considerados em uma


exposição oral em contextos formais:

1) A abertura – dá-se quando se cumprimenta o ouvinte, assim como quando


se diz sobre o que será a fala, qual o foco, a opinião defendida e qual o desen-
volvimento da exposição. Na abertura, o orador deve se preocupar em causar
uma boa impressão desde o início da fala. Além disso, o tempo de introdução
e de cumprimento é muito importante para superar o nervosismo e conhecer
o público.

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Leitura e Produção Textual

2) O olhar – o orador deve sempre olhar nos olhos de seu interlocutor; caso não
consiga, deve olhar para o fundo da sala, mas sempre evitar olhar para o teto
e para o chão, uma vez que o diálogo é estabelecido e reafirmado pelo olhar.

3) Tom de voz – em situações formais de oralidade é preciso regular o tom de


voz para que não fique baixo, nem alto demais. Também é interessante alternar
o tom, de baixo para alto e vice-versa, pois isso prende a atenção do ouvinte,
não o deixando cansado e desatento.

4) Postura – observar a postura é imprescindível em uma situação formal. A


cabeça e os ombros devem estar erguidos, voltados para o público. É preciso
evitar posturas relaxadas como mãos nos bolsos, nas costas. Também não é
de bom tom escorar-se em classes, mesas, cadeiras. O ideal é ficar em pé, em
uma postura reta, mas suave, sem parecer artificial.

5) Posição – em pé, voltado para o público. Nunca deve-se dar completamente


as costas para quem está ouvindo. Se for preciso olhar para slides, isso deve
ser feito de forma que o orador fique em meio corpo, ou seja, fique apenas
parcialmente voltado para estes. Também é adequado ocupar o centro da sala,
ou o espaço reservado para o orador, sempre em um local onde todos possam
vê-lo com tranquilidade. Os cantos das salas ou o fundo devem ser evitados.

6) Uso de roteiros e esquemas – é preciso evitar papéis nas mãos. O orador


deve apenas utilizar um roteiro, com itens a serem seguidos, mas jamais deve
ficar preso a ele. Também é preciso evitar textos longos nos roteiros, pois eles
podem conduzir à leitura. Ler não é se apresentar oralmente! Somente podem
ser lidos pequenos trechos ou citações para serem comentadas ao longo da
exposição.

7) Ensaio – o ensaio faz parte do preparo do orador. É sempre bom ensaiar a


apresentação, cronometrando o tempo e o uso adequado dele, assim como
observando a postura e o domínio do assunto. Algumas pessoas costumam
fazer isso em frente ao espelho.

8) Tempo – observar o tempo que se tem para a exposição é imprescindível. O


tempo não deve ser extrapolado, assim como não se pode deixar muito tempo
sem ser ocupado. É preciso usar adequadamente o tempo para a exposição,
por isso o ensaio é de grande ajuda. É desaconselhável deixar a plateia cansada,
tendo que ouvir alguém por mais tempo do que estava previsto.

9) Uso de Data show – deve ser usado com muita cautela! Muitas pessoas têm
utilizado erroneamente esse recurso, fazendo slides muito longos, repletos de
imagens e palavras (poluição visual), assim como exageram no seu número.
Também é importante observar que o orador NÃO pode ler slides simples-
mente, mas usá-los unicamente como um ROTEIRO para a sua fala. O bom é
utilizarmos esse recurso como apoio, levando conosco mídias, como músicas,
vídeos, fotos, gráficos, etc.

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10) Domínio do assunto – aquele que fala é visto como um conhecedor do


assunto abordado, por isso é preciso preparar-se antes de falar em público.
O orador deve estudar bem o assunto e ensaiar a apresentação, prevendo
possíveis perguntas.
11) Linguagem – esse é um dos pontos principais que precisa ser observado
com cautela: a linguagem. Para falar publicamente, temos de adequar a nossa
linguagem à situação de fala e ao nosso interlocutor. Evitar gírias, hesitações
e vícios de linguagem como: “tipo assim”, “cara”, “tipo”, “né?”, “tá?” e “ahnn...”,
faz a diferença entre quem está preparado de quem não está. Também é
importante estar atento às pronúncias de termos estrangeiros; caso não se
tenha certeza da pronúncia de uma palavra, o melhor é não utilizá-la. É sempre
bom usar uma linguagem simples, pois tentar falar “difícil” pode transparecer
o nervosismo e não ficar nada natural. É muito importante observar o plural
das palavras e os erres finais, pois em situação de fala informal a maioria de
nós tende a suprimi-los das frases. Por fim, a coesão textual também deve
aparecer nos textos orais; é preciso encadear a fala por meio de expressões
como: além disso, por outro lado, outro aspecto, nesse sentido, apesar disso,
enfim... A linguagem é muito importante em uma situação formal de expres-
são oral, mas muitas pessoas a tem deixado de lado, preocupando-se pouco
com ela, esquecendo-se que uma linguagem não cuidada pode depor contra
a nossa imagem!

Por fim, deve-se estar atento ao fato de que argumentar não é jamais impor
a opinião a alguém, considerando que todos nós pensamos de forma diferente.
Argumentar, portanto, é usar nossa inteligência para convencer o outro de que
o nosso modo de ver as coisas é logicamente mais adequado do que outros. É
usar estratégias, exemplos, citações, alusões, dados, estatísticas para convencer
o interlocutor, levando-o à mudança de comportamento e pensamento. Para
isso, seja no texto oral ou escrito, deve-se usar de silogismos, raciocínio lógico,
deduções, não imposições meramente. Principalmente para a vida acadêmica e
profissional, saber se posicionar com clareza e propriedade fará toda a diferença,
por isso é preciso trabalhar para isso, lembrando que a prática de linguagem diz
muito do sujeito e de sua atuação social.

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Leitura e Produção Textual

Síntese da Unidade 5

Nesta Unidade estudamos que entre as várias


maneiras de organizar um texto temos a argu-
mentação como uma das mais desafiantes. Isso se
dá pelo fato de que argumentar não é impor uma
ideia ou posicionamento a respeito de um assun-
to, mas desenvolvê-lo de forma clara, estruturada
e com base em informações e ideias relevantes
sobre a temática a ser comunicada, além do uso
de estratégias argumentativas. Ademais, vimos
que, no que diz respeito aos gêneros da ordem
do argumentar, precisamos ter plena clareza de
que, ao produzi-los, estamos agindo socialmen-
te, isso de forma que nossas ideias, convicções,
ideologia a respeito de uma problemática social
seja aceita e validada por nosso interlocutor, mas
jamais imposta. Entre os gêneros da ordem do
argumentar, estudamos mais profundamente o
artigo de opinião, a resenha, o artigo científico e
as exposições orais em plenárias. Na prática social,
percebemos que a argumentação ganha um sen-
tido mais amplo, uma vez que, muitas vezes, uma
pessoa é convencida de algo por meio de outras
estratégias, como a persuasão, muito utilizada na
publicidade, e que também leva o interlocutor a
uma mudança de comportamento.

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