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Volume 04 - Hayama Hayato está ciente de todo mundo.

Yahari Ore no Seishun Love Come wa Machigatteiru


Volume 04

Capítulo 3: Hayama Hayato está ciente de todo mundo.


3-1
Os cumes das montanhas surgiram no horizonte.
– Nossa– Eu respirei.
– São as montanhas.
– De fato. São as montanhas– Yukinoshita e Hiratsuka-sensei responderam em uníssono
enquanto assentiam.
Para os cidadãos de Chiba residindo nas vastas e vazias planícies de Kanto, montanhas eram
uma visão rara. Em dias claros e ensolarados, você poderia ver o contorno do Monte Fuji no litoral,
mas você não conseguia ver outras montanhas, especialmente cordilheiras verdejantes como essa.
Como resultado, só de olhar para elas, meu entusiasmo aumentou bastante. Mesmo
Yukinoshita, que geralmente não liga para essas coisas, soltou um suspiro de admiração.
E com isso, o silêncio recaiu sobre o carro. Yukinoshita e eu olhamos pela janela para a
paisagem que se desdobrava.
Yuigahama roncou de leve. Sua cabeça repousava no ombro de Yukinoshita. Quando eu virei a
minha cabeça um pouco mais, Komachi e Totsuka também dormiam no fundo. Eles estavam se
divertindo jogando cartas, Uno e coisas assim desde o momento que saímos, mas parece que eles
se cansaram disso. E eu fiquei preso com a Hiratsuka-sensei esse tempo todo... oh céus, por que
nós tivemos que dizer nossos dez animes favoritos um para o outro?
Mesmo assim, essa cena me pareceu estranhamente nostálgica. É como voltar para casa no
ônibus após uma excursão ou após acampar. Meus colegas de classe ficavam em silêncio por causa
da exaustão depois de se divertirem, mas já que eu nunca tive a chance de usar muita energia, os
meus olhos eram os únicos que ficavam fixos nos arredores, sempre alertas.
A cordilheira de montanhas exercia sua grandiosidade, erguendo-se alta por sobre as paredes
da rodovia. Além da escuridão do túnel, cintilava uma brilhante luz laranja.
Conforme eu olhava para o cenário que fluía pela janela, uma forte sensação de déjà vu me
atingiu.

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...Eu subitamente me lembrei de uma coisa.


– Ah, certo... Eu vim pra Vila Chiba pra um acampamento no fundamental...
Esse é o centro de recreação da cidade de Chiba na prefeitura de Gunma, se eu não me
engano– Yukinoshita disse.
– Oh, então você também veio pra Vila Chiba?
– Desde o meu retorno no terceiro ano, eu nunca participei dos acampamentos. Eu sei da
existência do evento graças ao álbum de graduação.
– Você retornou? Para onde você foi? E mais importante, por que voltou?
– Eu posso sentir o desprezo na forma como você monta suas perguntas... não que eu me
importe.
Yukinoshita virou-se e olhou para a janela. Eu não consegui ver sua expressão graças ao seu
cabelo preto tremulante, atingido pelos ventos que vinham da pequena abertura da janela.
– Eu fiz intercambio. Talvez eu tenha esquecido de mencionar isso antes. Minha memória é
comparável à de um disquete.
– Não dá para armazenar muita coisa... não chegue perto de um imã nem nada. Ou você vai
esquecer tudo.
– Crianças da sua idade normalmente não conheceriam disquetes... – Hiratsuka-sensei disse,
admirada.
Os modelos de PCs um pouco mais antigos usavam leitores de disquete antes de deixarem de
ser fabricados.
– Nah, eu acho que eles ainda existiam quando eu nasci.
– Você tem boa memória. Você tem a memória de um MO1– Hiratsuka-sensei disse, dando
risinhos divertida pela sua própria sagacidade.
Mas usar um MO como O exemplo de alta capacidade de armazenamento realmente mostra a
idade dela.
– Nah, crianças da nossa idade normalmente não conhecem MOs...
– Eu suponho que eu saberia sobre MiniDiscos... – Yukinoshita interrompeu, parecendo tão
perturbada quanto eu.
Hiratsuka-sensei empalideceu.

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MO ou Disco Magneto-Óptico é uma forma de armazenamento introduzida no mercado em 1985. Eram
comuns em alguns países, como o Japão, mas caiu em desuso.

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– E pensar que vocês não conhecem os MOs... essa é a nova geração... – ela chorou
pateticamente.
Por eu sentir um pouco de pena dela, eu decidi ajuda-la. Eu sou tão legal.
– Pronto, pronto. Aqueles MOs eram usados em negociações em coisas assim, então eles não
eram populares em residências comuns. Não é porque você é antiquada nem nada.
– Então você sabe sobre eles!
Hiratsuka-sensei levantou seu pulso para me socar!
– Cuidado! O volante!
– Eu espero que eu me lembre disso quando chegarmos...
– Por favor não armazene isso na sua mente com a capacidade de armazenamento de um MO.
– Quero dizer, MOs ganhavam de lavada de disquetes quando se tratava de capacidade de
armazenamento.
Nossa van se dirigia para a Vila Chiba certeira como uma flecha. Era um dia comum, mas a
estrada estava lotada de carros. Ocasionalmente, alguns engarrafamentos surgiam, abrangendo
um quilometro por vez.
– A estrada está surpreendentemente cheia– Eu comentei.
– Isso porque há muitos locais para se acampar aqui na região. Eles têm até fontes termais. Eu
achava que fosse um costume para alunos do fundamental da cidade de Chiba virem para área de
Sarugakyo Onsen2.
– Uou, eu não fazia ideia que essa área é tão conhecida...
– Entendo... deve ser porque é um lugar de memórias ruins para você, Hikigaya... é
compreensível que você esqueceria.
– Por favor não corrompa as memórias das pessoas. Do jeito que eu vejo, viagens escolares são
uma grande oportunidade.
– Você fala como um viciado em festivais. Bom, acho que muitos estudantes realmente se
animam durante esse tipo de evento.
– Er, não... Eu quis dizer passar o tempo sem ter pensamentos obstrutivos é uma grande
oportunidade...

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Onsen significa termas ou águas termais.

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Se você examinasse meu álbum de graduação atentamente, você ficaria surpreso com o quão
morto meu rosto parecia. Talvez meus colegas de classe ficaram mais surpresos que uma pessoa
assim exista para começar.
– Isso vai ser como um acampamento educacional, então o plano é ficar três dias e duas noites.
Você vai ficar bem?
– Três dias e duas noites? O que, nós vamos passar a noite? Eu não trouxe nada!
– Você vai ficar bem. Parece que Komachi-san fez as malas– Yukinoshita me disse.
Eu acabei de me dar conta. Ah, então era para isso que as bagagens serviam. O motivo para ter
duas é que uma era para mim e a outra era pra Komachi.
– Sua irmã é incrivelmente boa em conseguir as coisas– Hiratsuka-sensei disse, admirada.
– Eu sei, né? Minha irmã é o meu orgulho. Ela tem a grande tríade: fofura, beleza e boa
aparência.
– Isso é uma coisa só... – Yukinoshita interrompeu. Suas palavras eram impressionantes.
Agora que desaceleramos e deixamos a área suburbana, nós adentramos ainda mais na estrada
montanhosa. A minivan subiu o caminho que se estreitava sem nenhum problema.

3-2
Quando eu saí do carro, eu senti uma lufada da grama grossa. Eu senti como se tivesse muito
espaço para respirar por algum motivo. Eu me pergunto se são as florestas verdejantes que te
fazem sentir-se assim.
Em um lugar ao ar livre, alguns ônibus estavam parados. Esse era o estacionamento da Vila
Chiba. Hiratsuka-sensei estacionou seu carro lá.
Yuigahama pisou para fora do carro e se alongou com todo seu vigor.
– Mm! Que agradável!
– Se tudo o que você faz é dormir e usar alguém de travesseiro, eu imagino que seja agradável–
Yukinoshita disse azedamente.
Yuigahama choramingou.
– D-Desculpa! De verdade– ela se desculpou, unindo as mãos.
– Uou... nós estamos mesmo nas montanhas– Totsuka admirou a paisagem, tardiamente.
Maravilhar-se com as montanhas é uma consequência natural de viver em uma área plana,
assim é um cidadão de Chiba.
Mesmo Komachi tendo dito,
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– Eu já vim aqui ano passado! – ela parecia estar se divertindo muito, julgando pela forma
como ela inspirou profundamente.
Eu posso não ser Yuigahama, mas eu tinha que admitir que o vento fresco vindo do planalto e a
deleitosa luz do sol filtrada pelas árvores eram bem agradáveis mesmo. Como os outros, eu estava
ansioso para ter meu contato com a humanidade cortado pelos próximos dias. Talvez eu possa
comprar coisas por correspondência ou algo assim.
– Hmph, o ar está estranho. – Hiratsuka-sensei disse enquanto começava a inalar a fumaça do
seu cigarro.
Eu imagino como ela pode sentir o cheiro do ar dessa forma.
– Vamos andando. Peguem suas malas. – Ela disse, soltando um longo suspiro que,
honestamente, parecia de satisfação.
Conforme retirávamos nossas bagagens de dentro do carro como instruído, outra minivan
chegou. Eu suspirei. Para a minha surpresa, parece que visitantes comuns também vinham para
cá, o que faz sentido considerando os locais para acampar e coisas assim próximos daqui. Já que é
um local público, a viagem não sai muito cara, então aqui talvez seja, inesperadamente, um
paraíso oculto.
Quatro pessoas saíram do carro: dois garotos e duas garotas.
De fato, eles carregavam o cheiro de frutas maduras e dramas bregas. Esse tipo de pessoa
provavelmente faria um churrasco perto de um rio ou algo assim e chamariam as sobras de
“resgate”3.
– Olá, Hikitani-kun.
– ...Hayama?
Eu estava surpreso. Hayama faz parte daquele grupo. Na verdade, Hayama não foi o único que
eu reconheci. Quando eu olhei com mais atenção, o grupo de Hayama reunia: Miura, aquele loiro
idiota, Tobe e a fujoshi hardcore, Ebina-san4.
...huh? Onde está aquele virgem arroz de festa, Ooka?
– O que vocês estão fazendo aqui...? Um churrasco? – Eu perguntei. – Se for o caso, eu
recomendo as proximidades de um rio.

3
Isso é um trocadilho. ‘Churrasco’ e ‘Resgate’ em japonês são similares.
4
Fujoshi é uma mulher fã de Boys Love, Yaoi, etc. Ou seja, fã de relacionamentos homossexuais entre
homens.

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– Nah, não viemos até aqui pra um churrasco. Se fosse só isso, meus pais não nos trariam até
aqui. – Hayama deu um sorriso sarcástico.
Então eu estava errado, hein. Então eu recomendo que vocês vão escalar a montanha com
roupas casuais, eu pensei, quando subitamente Hiratsuka-sensei esmagou seu cigarro na grama.
– Hmph. Parece que estão todos aqui.
Com ‘todos’, ela quis dizer que Hayama e os outros estavam inclusos desde o início?
– Agora, vocês sabem porque eu chamei vocês aqui? – Ela nos perguntou.
Nós trocamos olhares.
– Você nos chamou para realizar atividades voluntárias. – Disse Yukinoshita.
Totsuka assentiu.
– Sim, nós vamos ajudar, eu acho.
Do lado deles, Yuigahama inclinou a cabeça, confusa.
– Hã? Não é pra acampar?
– Eu ouvi dizer que era um acampamento. – Komachi disse, incerta.
– Eu não ouvi nada desde o início... – Eu disse.
Ei, quem estava certo? Esses caras seriam péssimos no telefone sem fio.
Hayama sorriu.
– Eu ouvi dizer que nós vamos conseguir crédito extra por isso... – ele disse com um sorriso
desconfortável.
– Hã. Eu só vim porque eu ouvi, tipo, que a gente ia acampar, sabe? – Miura brincou com seus
cachos.
– Eu sei, né? Mas cara, to torcendo pra não ser só isso. – Tobe coçou a nuca.
– Quando eu ouvi que Hayama-kun e Tobe-kun iriam acampar juntos, eu ernnnti.
Só Ebina-san tinha um motivo estranho. E também, o que ela disse ali no final?
Hiratsuka-sensei colocou a mão no rosto e suspirou.
– Nossa. Bom, pelo menos vocês pegaram a ideia. Vocês vão realizar atividades voluntárias por
um tempo.
– Hã, no que isso implica...? – Eu perguntei.
– Por algum motivo, o diretor me instruiu a dirigir as atividades regionais do Clube de
Serviços... e então eu trouxe vocês aqui. Vocês vão estar trabalhando como um grupo de apoio
para as crianças do fundamental no acampamento educacional deles. Vocês vão ser empregados

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da Vila Chiba, professores à espera e apoio para as crianças. Para simplificar, vocês vão fazer
tarefas ocasionais.
Ela pausou.
– Mais importante, vocês serão escravos.
Eu quero ir para casa... ela poderia simplesmente chamar isso de trabalho escravo. Afinal, ela
mesma disse que seremos escravos.
– Isso conta como um campo de treinamento para o Clube de Serviços, e eu estou mais que
disposta a dar créditos extras pelo trabalho de vocês como Hayama mencionou. Vocês também
vão ter um tempo para si mesmos.
Ahá, agora eu entendo. Todo mundo entenderia quando dito assim. Nós só ouvimos a parte
que nos interessava, só isso.
– Agora, vamos indo. Vocês começam assim que colocarem suas malas no edifício principal. –
Hiratsuka-sensei disse enquanto mostrava o caminho.
Todos começamos a segui-la de perto.
Eu posso até dizer isso, mas nosso grupo não era exatamente unido. Yukinoshita e eu
estávamos logo atrás dela, enquanto Komachi e Totsuka andavam atrás da gente. Eles eram
seguidos por Yuigahama, enquanto o grupo de Hayama estava ainda mais atrás. Já que Yuigahama
estava bem no centro, de alguma forma parecia como se fossemos um único grupo.
Um caminho asfaltado nos guiava do estacionamento até o edifício principal. No meio do
caminho, Yukinoshita fez uma pergunta com um olhar sombrio no rosto.
– Com licença... se não se importa de eu perguntar, por que Hayama-kun e os outros estão
inclusos nisto?
– Hm? – Hiratsuka-sensei olhou por cima do ombro. – Ah, você está perguntando para mim.
– Bem, com quem mais ela seria educada? – Eu perguntei.
Nessa situação, eu imagino que a única pessoa que justifique essa formalidade toda é alguém
com a autoridade da Hiratsuka-sensei. Mas quando eu comentei isso, Yukinoshita mostrou
brevemente um sorriso estranhamente brilhante.
– Ei, isso não é necessariamente verdade. Mesmo que você não esteja falando com alguém
socialmente acima de você, é possível usar linguagem polida para evocar um senso de distância.
Não é mesmo, Hikigaya-san? – Ela deu uma risadinha.
– Ora, de fato, Yukinoshita-san. – Eu dei um risinho.
Hiratsuka-sensei interrompeu nossa troca de risadas fingidas.
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– Vocês nunca mudam. Certo, você me perguntou o motivo de eu ter convidado o grupo do
Hayama. Parece que faltava pessoal, então eu coloquei um comunicado no quadro de avisos da
escola. Apesar de que vocês provavelmente não viram. Não que eu honestamente pensasse que
alguém ia se candidatar para algo assim...
– Então para que colocar um comunicado no quadro de avisos?
– É questão de formalidade. Se eu só vigiasse vocês, não seria muito interessante. Então eu fiz
isso tudo pelo bem das aparências. Quero dizer, lidar com esses alunos bonitos e populares não é
o meu forte. Só de olhar para eles, meu coração dói.
Ouvir isso é que faz meu coração doer. Por favor! Alguém peça ela em casamento de uma vez!
– Mas apesar de esse ser o caso, eu sou uma professora. Eu preciso tratar todos da maneira
mais igualitária possível.
Eu suspirei.
– Deve ser difícil ser uma professora.
Se tratamento preferencial significa ser socado pela minha própria professora, eu
definitivamente não quero.
– Você é uma professora, não, isso provavelmente é verdade para todos os adultos. Esse tipo
de situação deve acontecer frequentemente em locais de trabalho. – Eu disse.
Eu pude ver uma sombra surgir no rosto de Hiratsuka-sensei.
Servir uma organização também significa tolerar o seu lado ruim. Sem falar que você precisa
pensar no futuro quando você assina um contrato à longo prazo. Você tem que trabalhar com
babacas que você não gosta e olhar para seus rostos todos os dias. Se você quer evitar isso, sua
única saída é se tornar um marido dono-de-casa ou um NEET.
Além de ser forçado a trabalhar, você tem que suportar o fardo de manter seus
relacionamentos com outras pessoas? Você ganha um salário extra pelo inconveniente? É
estranho como isso não garante taxas adicionais, sério. Isso apenas fortalece minha vontade de
não trabalhar.
Enquanto ela olhava por cima do ombro para Yukinoshita e eu, Hiratsuka-sensei sorria
gentilmente.
– Isso também é uma boa oportunidade para vocês. Vocês podem aprender como lidar com
pessoas de outros grupos.
– Não, não vai acontecer. Eu não consigo me dar bem com esses caras.

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– Você está enganado, Hikigaya. Não precisa se dar bem com eles. Eu disse lidar com eles.
Aprenda a não antagoniza-los ou ignorá-los mas sim passar pela experiência intacto casual e
profissionalmente. É isso que significa adaptar-se à sociedade.
– Mais fácil falar do que fazer. – Se mesmo ignorá-los não era uma opção, então acabou para
mim.
Silêncio.
Yukinoshita não disse nada. Ela não respondeu ou refutou, nem mesmo um murmúrio de
concordância.
Hiratsuka-sensei riu sarcasticamente da nossa atitude.
– Bom, vocês podem não conseguir logo de cara, só mantenham isso em mente para o futuro.
– Ela nos disse.
Novamente, nós andamos juntos sem falar nada.
Lidar com pessoas, hein...
Talvez não seja tão difícil quanto parece. Se dar bem com os outros é questão de emoção, mas
lidar com eles é questão de habilidade.
Você apresenta um assunto, tem uma conversa com a outra pessoa e reage às respostas delas
de acordo. No decorrer desse processo, você diminui a zona de ataque da outra pessoa enquanto
indiretamente diz a elas o alcance da sua própria defesa. Fazendo isso, você pode lidar com elas
efetivamente.
Já que eu duvido da minha habilidade de iniciar uma conversa suavemente, a conversa
provavelmente ficaria travada rapidamente. Eu posso dar uma resposta mal calculada.
Mesmo assim, eventualmente você consegue se praticar por tempo suficiente, assim como
qualquer habilidade.
Afinal, o ato de lidar com as pessoas só pode ser descrito como uma infinita cadeia: você se
engana, você engana a outra pessoa, a outra pessoa permite que você as engane, e então você
permite que ela te engane. Não tem nada demais. No fim, é colocar em prática o que garotos e
garotas aprendem na escola.
É uma habilidade necessária para aqueles que pertencem à uma organização ou grupo, e a
única coisa que separa os adultos dos estudantes é a diferença na proporção.
No fim, tudo se resume a falsidade e traição.

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Após deixarmos nossas malas no edifício principal, fomos levados até um lugar chamado “Praça
de Reuniões”. Quase cem alunos do fundamental nos esperavam lá.
Eles provavelmente estavam todos na sexta série, mas eles eram uma multidão heterogênea
com bastante variação física. Sendo um grupo de estudantes do ensino médio usando uniforme ou
de assalariados em ternos, é possível identificar um elemento unificante não importa quantos
sejam, então não é nenhum incomodo. Mas quando se tem um grupo disforme de alunos do
fundamental vestidos em qualquer coisa que eles gostem, o resultado é bem desnorteante.
Não acaba aqui. Quase todos eles estavam tagarelando ao mesmo tempo, e isso, mais do que
irritante, era completamente caótico.
Garotas guinchando e garotos gritando, o ruído era absurdamente alto.
Agora que eu sou um aluno do ensino médio, eu raramente vejo grupos de alunos do
fundamental de perto. A força deles (esse é um bom jeito de dizer isso) me pegou de surpresa.
Esse lugar é um maldito zoológico?
À minha esquerda, Yuigahama estremecia de espanto, e à minha direita, Yukinoshita estava
empalidecendo levemente. Mesmo que os professores estivessem em pé logo atrás dos
estudantes, não havia indicação de que as coisas estavam prestes a mudar. E eu simplesmente
encarava vigorosamente meu relógio.
Os estudantes também devem ter notado que algo incomum estava acontecendo, porque eles
começaram a se acalmar após alguns minutos.
Grilos chilreavam...
Eu podia jurar que eu vi uma daquelas plantas de filmes de velho oeste passando...
– Certo, crianças. Levou três minutos para vocês pararem de falar.
A-a-a-aqui está! Aquelas palavras lendárias comumente usadas antes de discursos em
assembleias escolares e reuniões de classe. Nossa, e pensar que eu as ouviria novamente com essa
madura idade...
Como esperado, o professor deu o pontapé inicial com um discurso. Para começar, eles
reforçaram os procedimentos esperados de crianças em um acampamento. Eu me lembro de ter
que lidar com essas coisas também quando estava no fundamental.
Uma vez que o discurso terminou, os planos para o resto da viagem foram apresentados.
Orientação seria o evento de abertura. Todos abriram seu Guia Educacional ao Ar-Livre e
ouviram a explicação. A capa de seus guias tinha ilustrações estilo anime. Ah, aquele estilo de arte
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com certeza foi feito por uma garota. Eu aposto que a garota mais artística desenhou (“E-Eu não
me importo de desenhar nem nada...” ela disse na hora), enquanto a garota organizando o comitê
ficou com o crédito. Um dia num futuro distante, aquela garota vai se arrepender amargamente
do seu passado obscuro.
– Por último, mas não menos importante, esses são os garotos e garotas gentis que vão ajudar
vocês crianças. Vamos dar um olá adequado para começar. Prazer em conhece-los.
– Prazer em conhece-los. – Eles disseram sem sincronia.
Era um cumprimento arrastado, muito parecido com o “Ita-da-ki-maaaaasu!” que eles
deveriam dizer durante a hora do lanche.
É como a minha despedida da graduação. Estou falando sobre frases como, “Isso vai ficar pra
sempre gravado no meu coração” ou “Viagem escolar!”. Eu posso ter sido forçado a dizer essas
baboseiras também, mas para ser honesto, eu imagino que memórias traumáticas realmente
ficam para sempre gravadas em nossos corações.
Os olhos inquisitivos dos alunos do fundamental se viraram para nós todos ao mesmo tempo.
Aproveitando a deixa, Hayama rapidamente deu um passo à frente.
– Nós vamos ajudar vocês pelos próximos três dias. Não sintam medo de nos chamar a
qualquer momento se precisarem de alguma coisa. Vamos fazer esse acampamento de verão ser
memorável, ok? Nós estamos ansiosos para passar o tempo com todos vocês.
Todos aplaudiram. As garotas do fundamental gritaram e deram risinhos para ele. Os
professores também aplaudiram silenciosamente.
Uou, esse Hayama certamente é bom nisso. Ele parece totalmente acostumado. Eu dificilmente
conseguiria acreditar que alguém poderia improvisar uma mensagem de boas-vindas para alunos
do fundamental sem nenhuma preparação.
Pensando só nos atributos dele, eu duvido que Yukinoshita seja páreo para ele.
– Você é a líder do Clube de Serviços, você não vai dar as boas-vindas também?
– Eu particularmente não gosto de ficar em pé em frente aos outros.
Nenhuma surpresa, sério. Quero dizer, essa garota se destacaria em uma multidão não importa
o que fizesse. Ela parece achar isso doloroso de alguma forma. Talvez ela não goste de todo o peso
que a atenção trás.
– Mas eu gosto bastante de ficar em pé sobre os outros...
Ah, certo...
– Ok. – Os professores falaram. – Vamos começar a competição!
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Os alunos se juntaram em grupos de cinco ou seis. Julgando pela facilidade com que eles se
dividiram em grupos, eles devem ter decidido isso de antemão. Muito provavelmente, eles iriam
realizar as atividades com esses mesmos grupos até o fim do acampamento.
Eu suponho que não há muitos estudantes do primário que associem divisão em grupos com
emoções negativas. Toda criança tem a mesma expressão feliz no rosto. Eles ainda iriam expressar
o conceito da casta escolar em termos concretos. Do ensino fundamental em diante, essas
demarcações cruéis seriam gravadas em pedra. Seu tempo como estudante do primário é uma
bolha feliz. Cara, estudantes do primário são incríveis5!
Sobre nosso próprio grupo recaiu um silêncio arrastado. Enquanto ele olhava para um dos
grupos de estudantes, Tobe coçou a cabeça e abriu a boca.
– Cara, esses estudantes do fundamental são novos demais. A gente do ensino médio é, tipo,
velhotes agora.
– Ei, Tobe, dá pra parar? É como se eu fosse uma bruxa velha. – Miura disparou, advertindo-o.
Tobe ficou afobado.
– Uoa, eu totalmente não quis dizer isso! Não, senhora!
Por um momento, eu podia jurar que eu senti o olhar de Hiratsuka-sensei sobre nós, mas talvez
seja apenas minha imaginação. Seria bom se fosse.
– Mas sabe, quando eu estava no fundamental, os estudantes do ensino médio me pareciam
enormes. – Totsuka disse melancolicamente, tendo prestado atenção na conversa à frente dele.
Ao ouvir Totsuka, Komachi colocou o dedo indicador no queixo e inclinou a cabeça.
– Alunos do ensino médio parecem grandes da minha perspectiva, sabe? Tirando meu irmão.
– ...Ei. Eu sou praticamente um adulto. Eu reclamo e me queixo, conto mentiras sujas e torno
as coisas injustas.
– Pensar como um emo não conta como um adulto, onii-chan.
– Quem diria que sua imagem mental dos adultos era tão triste, Hikki?
Ao ouvir as palavras severas de Komachi e Yuigahama, Totsuka deu tapinhas nas minhas costas.
– Eu posso não saber como você é em casa, mas você parece um adulto na escola, Hachiman. –
Ele riu. – Você é muito calmo e sereno, sabe?
– T-Totsuka... – Eu estava à beira das lágrimas.
Naquele momento, eu ouvi uma voz fria misturada com uma risada desdenhosa.

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Referência à frase infame de Subaru em Ro-Kyu-Bu!, que se tornou um meme entre os fãs japoneses.

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– Ele só parece assim porque ele não fala com ninguém. Na verdade, ele é uma alma solitária e
miserável.
Quando eu me virei, ela estava ali. Yukinoshita tinha um sorriso gélido no rosto. Eu retaliei com
um sorriso frio.
– ...como você conhece minha conduta na sala de aula, eu me pergunto? Você é uma
perseguidora? Você está ciente das leis contra a perturbação da paz? Você deseja morrer
socialmente?
– Você ficou ainda melhor do que antes... – Yuigahama sorriu impressionada.
Do lado dela veio um som de um galho sendo esmagado.
– ...você por um acaso... está tentando imitar alguém?
Deveria ser verão, mas eu poderia jurar que eu vi uma tempestade de neve atrás de
Yukinoshita!
Seu sorriso distorcido estava me matando de medo! Deus, me perdoe!
Hayama, que esteve ouvindo nossa disputa verbal à distância, assentiu algumas vezes como se
tivesse acabado de entender alguma coisa.
– Ah, entendi. Então essa garota é a irmãzinha do Hikitani-kun, hein? Eu não achei que ela
lembrasse o Totsuka. – Hayama disse enquanto parava em frente à Komachi.
Ei, não se aproxime demais da Komachi...
– Eu sou o colega do Hikitani-kun, Hayama Hayato. Prazer em conhece-la, Komachi-chan.
– Hã, oi. Prazer em conhece-lo. Obrigada por ajudar meu irmão.
Komachi recuou surpresa e escondeu seu rosto atrás de Yuigahama. De sua posição estratégica,
ela olhou Hayama da cabeça aos pés.
– Hayato-kun, não tem como ela ser a irmãzinha do Sai-chan. – Yuigahama disse. – Ela parece
mais com a Yukinon.
Só os cabelos se parecem...
Hayama balançou a cabeça negativamente ao ouvir as palavras de Yuigahama.
– Nah, eu sei que a Yukinoshita-san não tem uma irmãzinha.
– Ah, é mesm... hã? Como você sabe disso, Hayato-kun?
– Como, você pergunta...? – Hayama olhou de relance para Yukinoshita.
Ao invés de cruzarem olhares, Yukinoshita estava olhando diretamente para os alunos do
fundamental.
– Eu me pergunto o que devemos fazer.
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– Ah, boa pergunta. Vou chamar Hiratsuka-sensei rapidinho. – Hayama recuou, captando os
sinais de perigo.
Yukinoshita era irritadiça com Hayama a despeito de si mesma. Ela era assim comigo também,
mas ela empunhava seus chifres como uma espada no meu caso. No caso de Hayama parecia mais
passivo, como se ela tentasse evita-lo. Eu me pergunto se ela tem alergia à riajuu. Quero dizer, eu
com certeza também tenho alergia à riajuu. Será que anti-histamínicos funcionariam?
Uma vez que Hayama recuou, Komachi esgueirou-se para perto de mim.
– Onii-chan, péssimas notícias!
– O que foi?
– Se você competir contra aquele garoto bonito, suas chances de vencer são zero, onii-chan!
Alerta vermelho!
– Quieta. Me deixe em paz.
Ela veio até aqui só para relatar isso para mim, essa minha irmã imbecil? Eu nunca tive a menor
intenção de lutar com ele por alguma coisa de qualquer forma. Enquanto ele não tiver fraquezas a
serem exploradas, eu não vou fazer nada com Hayama.
Mas um ataque surpresa surgiu de onde eu menos esperava.
– Isso realmente podem ser péssimas notícias... você tem um ar extremamente uke, sem falar
que eu acho que você seria um uke tsundere, então se Hayama-kun viesse atrás de você, você se
submeteria a ele logo de cara6.
– Er, certo... Vou tomar cuidado com isso.
Quando eu parei para pensar, essa foi a minha primeira conversa com a Ebina-san. Eu
sinceramente espero que a segunda não envolva coisas indescritíveis. O que é esse ar de uke que
ela diz que eu tenho? Eu não tenho ar de porcaria nenhuma.
Enquanto tudo isso acontecia, Hayama retornou trazendo consigo Hiratsuka-sensei. Ela
explicou o que deveríamos fazer hoje.
– Eu creio que vocês vão terminar isso durante a competição. O que vocês têm que fazer é
preparar o almoço no ponto de chegada. Montem a mesa com lancheiras e bebidas. Eu vou trazer
eles de carro.
– Você não pode nos dar uma carona também?
– Não temos tanto espaço. Se apressem. E se certifiquem de chegar lá antes das crianças.

6
Para resumir, Uke é o passivo e Seme é o ativo.

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Volume 04 - Hayama Hayato está ciente de todo mundo.

Nós realmente estaríamos com problemas se não chegássemos ao nosso destino antes das
crianças, visto que tínhamos que preparar a comida e tal. Várias crianças já partiram. Melhor
começarmos logo.

3-4
Orientação é um esporte competitivo que envolve passar por pontos de verificação pré-
determinados e alcançar o objetivo dentro de um tempo limite. De fato, é um esporte.
A versão original do esporte, que envolvia correr com um mapa e uma bússola, parece ser bem
séria. Mas nesse caso, os alunos estavam participando da versão recreativa, não a séria. Eles
andam pelas montanhas em pequenos grupos, respondem perguntas nos pontos de verificação
escritos em seus mapas, e competem pelo melhor tempo e número de respostas corretas.
Eu me lembro de ter participado de uma competição assim também. Meu grupo teve
problemas com as respostas, não graças a eles serem completos idiotas. Eu me lembro de como
eu era o único que sabia as respostas certas e que ninguém usava as respostas que eu sussurrava,
então nós acabamos perdendo feio e todo mundo ficou tipo, “Aaaah...”
O planalto estava fresco mesmo agora no meio do verão, e toda vez que o vento soprava,
folhas farfalhavam no ar. Já que não estávamos participando nem nada, nós fomos direto para o
objetivo. Conforme olhávamos ao redor por placas, nós cruzamos com alguns estudantes do
fundamental colando pequenos pedaços de papel nas testas um do outro para tentar resolver um
quebra-cabeça.
Mais do que tudo, eles pareciam estar se divertindo.
Toda vez que Hayama e Miura encontravam um aluno, eles falavam “Boa sorte!” ou
“Estaremos esperando vocês no objetivo!” ou algo assim. Eles estavam totalmente imersos no
papel de voluntários. Quando Hayama fazia esse tipo de coisa, sinceramente, parecia natural. Mas
quando Miura fazia, era meio surpreendente.
– Ei, ei, Hayato. Eu gosto mais de crianças do que eu imaginava. Crianças não são super fofas?
...então é apenas o velho truque do “Eu sou fofa porque eu berro por coisas fofas”. Eu pensei
em tentar ser fofo eu mesmo, mas por ser um cara, eu simplesmente seria taxado como lolicon,
então eu abandonei a ideia.
Quando Hayama e Miura se acostumaram ao hábito de falar com as crianças, Tobe, Ebina-san,
Totsuka e Yuigahama também começaram a indiretamente iniciar conversas com eles. Mas que
jovens sociáveis. E a cereja do bolo, as crianças instantaneamente se tornavam amigos deles.
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Nós trombamos com grupos assim frequentemente, mas para mim pareceu que nós
encontramos as mesmas crianças duas ou três vezes. Já que eu não estava prestando muita
atenção nem conversando, eu não me lembro muito bem deles. Sério, é difícil diferenciar esses
alunos do primário. Eles eram todos igualmente animados e barulhentos, e a única coisa marcante
para mim foi que eles pareciam estar se divertindo.
Quando o caminho acabou em curva, nós encontramos um grupo de cinco garotas.
Eles eram um grupo ainda mais animado e alegre. Sendo garotas, elas tinham noção de moda,
e elas conversavam alto de um jeito meio feminino. Eu tenho a impressão de que quando essas
garotas ficarem mais velhas, elas provavelmente vão se tornar socialites. Elas eram riajuus
incubados, por assim dizer.
Parece que esse tipo de garotas, alunas do ensino médio, particularmente os chamativos como
Hayama e Miura, eram objetos de admiração. Elas não precisavam de nenhum empurrão para
começar a falar com a gente. As garotas se aproximaram da gente quase como uma investida em
um jogo de basquete. Que infelicidade, nenhuma veio perto de mim ou Yukinoshita, como
esperado.
Quando eu ouvi a conversa delas, elas começaram com um cumprimento, antes de iniciar uma
discussão sobre moda e esportes e colégio e coisas assim. Elas continuavam a conversa enquanto
andavam com a gente, procurando por pontos de verificação enquanto o faziam.
– Certo, vamos ajudar vocês só dessa vez. Mas vocês não podem contar para os outros, ok? –
Hayama disse, induzindo as garotas a responderem animadas.
Compartilhar um segredo. Eu tenho a estranha sensação de que essa é uma das técnicas para
se dar bem com os outros.
Você poderia dizer que essas garotas são tão felizes e sinceras, mas uma coisa me incomodava.
A maioria dos grupos estava firmemente unido ou folgadamente conectado em um único grupo
mesmo enquanto eles estavam divididos em subgrupos, mas eu pude ver algo de irregular nesse
grupo em particular.
Era um grupo de cinco, e apenas uma das garotas estava dois passos atrás dos outros.
Ela tinha membros fortes, esguios e flexíveis, e um cabelo preto tingido com mechas violetas.
Comparada às outras garotas, ela tinha um ar maduro. Suas roupas femininas também eram mais
refinadas que às das outras. Francamente falando, eu diria que ela já é bem fofa. Ela é uma garota
que chama a atenção quando comparada às outras.
Mesmo assim, ninguém parecia se importar muito com o fato de ela estar um pouco atrás.
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Volume 04 - Hayama Hayato está ciente de todo mundo.

Não, ninguém percebeu, eu estou certo disso. De vez em quando, eu notava que as garotas
olhavam por cima dos ombros e davam risos abafados entre si.
A distância de um metro das garotas não mostrou sinais de diminuir. Para o olhar do
espectador, elas pareciam um único grupo, não algo fora do comum. Mas no filme indetectável
pelo olho humano, uma parede invisível estava entre elas.
Aquela garota carregava uma câmera digital em volta do pescoço, e de tempos em tempos ela
a envolvia com as mãos, mergulhada em pensamentos profundos. Mas ela não parecia
particularmente com vontade de tirar fotos.
Uma câmera, hein? Câmeras digitais não eram populares quando eu ainda tinha essa idade,
então todo mundo usava câmeras descartáveis com lentes acopladas, como QuickSnap e afins.
Você precisava comprar uma toda vez que saía.
Já que eu não tinha muitos amigos, eu não tirava muitas fotos, o que significa que eu nunca
usava as vinte e quatro disponíveis. A maioria das minhas fotos mostrava Komachi e nosso cão (na
época) de estimação. Eu tirava elas quando eu voltava para casa da escola para usar o resto do
filme da câmera. O lado bom das câmeras digitais é que o oposto é verdadeiro. Não tem um limite
de fotos para você tirar.
A garota andava no canto da parte de trás do grupo. Ela olhava em uma direção diferente das
outras. Assim como usuários de Stand7 são atraídos um pelo outro, os solitários também são
muito bons em detectar outros como eles, aparentemente.
O silêncio reinou por um momento.
Yukinoshita soltou um suspiro. Parece que ela também percebeu a anormalidade.
Bom, não que fosse algo ruim, sério. As pessoas experimentariam a solidão pelo menos uma ou
duas vezes na vida. Não, elas têm que experimentar. A ideia de ser estar acorrentado a outra
pessoa sem nenhuma pausa é bem mais anormal e inquietante. As pessoas não têm escolha
exceto aprender sobre a solidão. Eu tenho certeza que algumas coisas não podem ser vividas sem
ela.
Se há coisas que você aprende com amigos, também deve haver coisas que você aprende sem
amigos. Elas devem ter um valor equivalente, dois lados da mesma moeda.
Então nesse momento eu também trouxe algo de valor para essa garota.
Na minha convicção, eu pretendia não saber de nada. Não é da minha conta.

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Referência a Jojo.

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Mas, sabe, muitas pessoas lá fora não pensam da mesma forma.


– Você encontrou o ponto de verificação? – Alguém chamou a garota.
Era Hayama.

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– ...não. – Ela respondeu com um sorriso incomodado.


Hayama respondeu com um sorriso amigável.
– Entendo. Então vamos procurar juntos. Qual é o seu nome?
– Tsurumi Rumi. – Ela disse, hesitante.
– Eu sou Hayama Hayato, prazer em conhece-la. Você acha que pode estar escondido ali? –
Hayama disse enquanto dava um tapinha nas costas de Rumi e apontava o caminho.
...HAYAMA, VOCÊ É FODA!
– Você viu isso? – Eu disse. – Isso que é habilidade. Ele só foi lá e perguntou casualmente o
nome dela.
– Eu vi. Foi um feito que você nunca vai conseguir reproduzir na sua vida. – Yukinoshita disse
com a voz cheia de escárnio.
Mas então uma expressão dura tomou seu rosto.
– Apesar de que eu particularmente não acho esse um jeito bom de fazer as coisas.
Enquanto Rumi seguia Hayama, ela acabou bem no meio do grupo. Mas ela não parecia muito
contente. Assim como antes, seu olhar se dirigia a ninguém, penetrando no espaço entre as
árvores e as pequenas pedras no caminho em vez disso.
Rumi não era a única que não parecia contente.
No momento em que Rumi adentrou, a tensão cresceu naquele grupo antes tão animado. Sua
presença não despertava aversão, mas ela era a deslocada.
Elas não a ignoraram abertamente. Elas não demonstraram seus sentimentos estalando a
língua ou chutando o chão em frustração. Elas não mostraram nenhum sinal de culpa-la pela
intrusão.
Mas eu podia dizer apenas pela atmosfera.
A inimizade cresceu sem nenhuma necessidade de palavras acaloradas. Era agressividade
passiva, não-verbal e não-física. Era opressão.
Yukinoshita deixou escapar um suspiro resignado.
– Nenhuma surpresa aqui...
- Então esse tipo de coisa também acontece no primário. – Eu disse.
Yukinoshita me olhou de relance.
– Não há diferença entre alunos do primário e alunos do médio. Somos todos humanos, afinal.

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Elas podem tê-la deixado entrar, mas antes que desse para perceber, o grupo ejetou Rumi
novamente. Não falar com ninguém e ninguém falar com você naturalmente leva à exclusão. À
distância, eu conseguia ver Rumi esfregando sua câmera discretamente novamente.
De acordo com o mapa, uma placa estava em algum lugar próximo daqui. Se tantos adultos
procurarem por ela, nós logo a encontraremos. Dito e feito, nós encontramos a placa levemente
encardida debaixo da sombra de uma árvore. A placa em si um dia foi branca, mas após vários
anos suportando as intempéries, agora era tão marrom quanto chá. Um pedaço de papel branco
estava preso na placa.
Tudo que faltava para os estudantes do primário era responder à pergunta escrita ali.
– Muito, muito obrigada! – As garotas nos agradeceram alegremente enquanto seguíamos
nosso caminho.
Parece que aquelas estudantes ainda precisavam buscar o próximo ponto. Nós acabamos indo
até o objetivo antes delas.
Quando eu olhei por cima do ombro, Rumi estava desaparecendo nas sombras das árvores,
exatamente um passo atrás de todas as outras.

3-5
Assim que escapamos do bosque, chegamos em um local aberto. Parece que a linha de
chegada estava posicionada na metade do caminho que seguia montanha acima.
Então esse é o lugar, hein? Agora nós precisamos usar nosso tempo nos preparando para a
chegada dos alunos.
– Cara, vocês estão atrasados. Vocês vão ter que ser rápidos. Eu quero que vocês tirem isso
daqui e arrumem a mesa.
Hiratsuka-sensei saiu da minivan. O percurso do evento e a estrada da montanha
provavelmente estão conectados por diferentes direções.
Quando abrimos o porta-malas, nós encontramos uma montanha de lancheiras e bebidas
dentro de recipientes dobráveis. O ar frio vazando de dentro do carro tocou nossos corpos
levemente suados.
Os garotos carregaram os recipientes dobráveis com grande esforço.
– Ah, e resfriem as peras para sobremesa. – Hiratsuka-sensei disse enquanto apontava com o
polegar por cima do ombro.

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Nós conseguíamos ouvir o murmúrio da corrente conforme a água corria para baixo. Parece
que as peras estavam submersas em água corrente de alguma fonte.
– Aqui estão as facas de cozinha, então eu vou deixar a parte de descascar e cortar pra vocês.
Hiratsuka-sensei deu um tapinha em uma cesta. Dentro, algumas facas de frutas estavam
abarrotadas em uma mini tábua de cortar, junto com pratos de papel, palitos de dente e um
conjunto de dividir frutas.
Mais fácil falar do que fazer. Descascar peras para uma série inteira de crianças dá um baita
trabalho. E não vamos esquecer de preparar as lancheiras e as preparações para arrumar a mesa.
– Parece uma boa ideia dividir o trabalho. – Hayama disse enquanto olhava para a verdadeira
montanha de trabalho.
Miura examinou suas unhas atentamente enquanto realizava sua contribuição verbal.
– Vou deixar a parte de cozinhar para vocês.
– Eu sou uma negação cozinhando também, yo. – Tobe acrescentou.
– Por mim tanto faz. – Ebina tomou parte.
Hayama pensou um pouco.
– Hmm, o que fazer? Nós não precisamos de tanta gente para arrumar as mesas, então... certo,
nós quatro fazemos isso.
– Ok, então nós cuidamos das peras. – Yuigahama respondeu.
O grupo se dividiu em dois.
– ...não é melhor você arrumar a mesa? – Eu perguntei à Yuigahama enquanto íamos até a
corrente pegar as peras.
– Hã, por quê? – Ela perguntou no início. Mas então ela disse – Ah, entendi. Você quer dizer
que eu não sou boa na cozinha! Eu sou perfeitamente capaz de descascar peras, sabe!
– Nah, não foi isso que eu quis dizer.
Eu só quis dizer que já que ela se dá bem com Miura e os outros, talvez ela devia ter ido com
eles ou algo assim. Ah, tanto faz.
Assim que carregamos as peras e organizamos as diferentes facas de cozinha, nós prontamente
começamos o nosso trabalho. Totsuka, Komachi e eu decidimos alinhar os pratos e perfurar as
peras com os palitos de dente, deixando a parte de descascar para Yukinoshita e Yuigahama.
Yukinoshita descascava as peras com uma facilidade consumada. Ao lado dela, Yuigahama
fingiu arregaçar as mangas, repleta de confiança. Seu único problema é que ela estava usando
uma camiseta de manga curta.
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Volume 04 - Hayama Hayato está ciente de todo mundo.

– Heheh, eu melhorei minhas habilidades para a ocasião.


– Entendo, então estou ansiosa para ver. Ver suas habilidades, quero dizer. – Yukinoshita olhou
para ela, sorrindo gentilmente... mas no instante seguinte, seu rosto anuviou.
Yuigahama descascou a pera em uma silhueta sexy de violão. Que diabos de escultura de Buda
é essa? Como isso acabou tão caroçudo...? Sua habilidade anti-culinária atingiu o ápice...
– P-Por que?! Eu olhei minha mãe fazendo isso!
– Você apenas olhou, hein...
Desespero se alastrou pelos arredores, mas quando ela terminou de suspirar, Yukinoshita
agarrou a faca e a pera com determinação nos olhos. A casca da pera saiu perfeitamente.
– Yuigahama-san, segure a faca com firmeza e gire a pera nela.
– A-Assim?
– Não. A lâmina precisa estar no mesmo nível da pera. Se o ângulo for muito fundo, o corpo da
pera vai ser cortado junto.
Yukinoshita pausou por um curto momento.
– Você é lenta. Se não fizer rapidamente, o calor da sua mão vai ser transferido para a pera e
ela vai acabar pingando.
– Você é minha sogra?! Segurar uma faca é assustador, Yukinon!
– Me desculpe, mas nós não temos tempo para isso. Faça sua aula de culinária na próxima vez.
Eu peguei a pera e dei para Komachi.
– Komachi.
– Entendido. – Ao pegar a pera, Komachi começou a descascar a casca suavemente com a faca
de frutas restante.
– Deixa com a gente. – Eu disse. – Vá colocar os palitos de dente.
– Awww...
Yuigahama não pareceu convencida, mas ela relutantemente cedeu a faca a mim.
Agora que trocamos de lugar, eu não queria demonstrar nenhuma fraqueza. Faça com mais
cuidado do que o normal, eu disse a mim mesmo.
Conforme as camadas eram retiradas uma a uma tão relutantemente quanto as roupas de uma
donzela inocente, a pera se revelou suculenta e madura. Na minha cabeça, eu cantarolava
Mantenha a elegância! Mantenha a elegância!
Isso é bom, meu braço não parece estar desacelerando. Eu não era um futuro marido dono-de-
casa só nas aparências. Eu não pouparia esforços para não ter que trabalhar.
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Volume 04 - Hayama Hayato está ciente de todo mundo.

Totsuka encarava minhas mãos com olhos brilhantes.


– Hachiman, você é incrível. Você é muito bom nisso.
– Ugh! Ele está certo! – Yuigahama lamentou. – Hikki, você é bom demais nisso... repugnante.
– Por que ‘ugh’...? Espera, eu sou repugnante? – Por dentro, eu estava chocado.
– ...Eu devo admitir que você é bem habilidoso para um garoto. – Yuigahama me elogiou, o que
é incomum vindo dela.
Espera, essa não foi a primeira vez na vida? Meu rosto se virou para ela involuntariamente.
– ...no entanto.
Quando eu olhei, as peras em frente à Yukinoshita se tornaram um grupo de coelhos.
– Você ainda tem muito o que aprender.
O sorriso vitorioso dela cegava de tanto brilho. Ela fez todos esses coelhos extravagantes em
um período tão curto pelo único propósito de demonstrar nossa diferença de habilidade... ela é
competitiva demais...
– Já que as peras têm uma pele dura, definitivamente é melhor comer sem ela... Eu já entendi.
Eu perdi.
– Mas o que te deu a ideia de que eu planejava competir com você?
Mas que coisa para se dizer logo após eu reconhecer minha derrota. Ela pode dizer o contrário,
mas sua voz transparecia sua felicidade.
Eu fiquei levemente puto, mas graças ao bom humor de Yukinoshita, nós prosseguimos sem
problemas, então eu deixei passar.
Yukinoshita falou com a Komachi, que estava ao seu lado, talvez graças à tensão crescente
entre nós.
– Komachi-san, você vai fazer os exames de admissão do ensino médio esse ano, não vai?
Então eu tenho uma pergunta para você. Qual cidade tem a maior taxa de produção de peras?
– Yamanashi8!
– Ei, não tente chutar quando você é uma idiota. – A resposta de Komachi me deixou triste. –
Pelo menos pense um pouco.
Ela vai mesmo prestar provas esse ano? Parece que ela precisa estudar direito quando
chegarmos em casa.
Yukinoshita olhou para Komachi com um sorriso pesaroso no rosto.

8
Nashi é japonês para pera.

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Volume 04 - Hayama Hayato está ciente de todo mundo.

– Bom, é melhor você aprender em algum momento. Faltam só alguns dias até sua prova,
afinal... continuando.
Ela tentou provocar interesse em Yuigahama.
– Yuigahama-san, qual a resposta certa?
– Heh heh... A cidade de Tottori! – Yuigahama respondeu cheia de confiança, aparentemente
antecipando a pergunta.
– Errado, – disse Yukinoshita. – Refaça o fundamental, por favor.
– Você me repreendeu ainda mais do que repreendeu a Komachi-chan!
Isso porque ela é uma estudante do ensino médio enquanto a Komachi é do fundamental... é
completamente compreensível que Yukinoshita observaria a diferença. Mesmo assim, Tottori é
relativamente próximo. Provavelmente foi a número um uns dez anos atrás. Agora era por volta
da terceira.
Ao ouvir a resposta de Yuigahama, Komachi subitamente deu uma risada trêmula.
– Heheheheh. Eu descobri a resposta agora. Se não é Tottori, então... por processo de
eliminação, a resposta certa é a cidade de Torine!
– Incorreto. Eu não entendo o que você quer dizer com processo de eliminação...
– Bom, eles soam parecido. Tottori e Torine...
Cidadãos de Chiba são fracos em geografia que não seja de Kanto. E por geografia, eu quero
dizer que eles só estão interessados no ranking de Chiba em Kanto. Tokyo e Kanagawa são os dois
mais fortes, enquanto uma luta feroz ocorre pelo terceiro lugar contra Saitama. É uma batalha
trabalhosa.
– Yukinoshita-san, qual é a resposta? – Totsuka perguntou.
Yukinoshita apresentou a resposta correta.
– A cidade de Chiba.
– Nada mais que o esperado da Yukipedia-san. Ou deveria ser Chibapedia-san agora?
– Meu nome nem está mais aí... – Yukinoshita disse, enjoada.
Que estranho. Eu falei como o maior dos elogios.
– Ohhh, então Chiba é a primeira. – Totsuka disse, admirado. – Então as peras de Chiba são
famosas?
De alguma forma, parece que as pessoas que vivem em Chiba têm um conhecimento bem
unilateral de Chiba.

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– Talvez não na cidade em si, mas elas são bem famosas fora dela. Quero dizer, elas são tão
famosas que você pode levar uma suspensão da escola se colhê-las. Por falar nisso, ouvi dizer que
você é expulso se comê-las.
– Esse conhecimento de Chiba com certeza não estará na prova... – Parece que nem mesmo a
grande Chibapedia-san sabia disso.
E então a partida decisiva do Campeonato Indisputado de Trivialidades de Chiba estava a meu
favor.
Graças à nossa conversa enquanto trabalhávamos, terminamos o serviço sem maiores
problemas. Quando eu olhei, os alunos estavam chegando um após o outro.
Por um tempo após isso, nós existimos unicamente para distribuir lancheiras e peras para
crianças famintas.

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