Você está na página 1de 386

© 2021 by Simaia Sampaio

Gerente Editorial: Alan Kardec Pereira Editor: Waldir Pedro

Revisão Gramatical: Lucíola Medeiros Brasil Capa e Projeto Gráfico: 2ébom Design

Capa: Eduardo Cardoso Diagramação: Flávio Lecorny

Este livro foi revisado por duplo parecer, mas a editora tem a política de reservar a privacidade.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

S186c
Sampaio, Simaia
100 questões comentadas em Psicopedagogia: da teoria à prática. Simaia Sampaio; prefácio
Roberte Metring. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2021.
284p : 24cm

Inclui bibliografia
ISBN 978-65-86095-25-8

1. Psicologia educacional. 2. Distúrbios da aprendizagem. 3. Psicologia da aprendizagem.


4. Aprendizagem. 5. Prática de ensino. I. Título.

21-69421 CDD 370.15 CDU 37.015.3

2021

Direitos desta edição reservados à Wak Editora


Proibida a reprodução total e parcial.

WAK EDITORA

Av. N. Sra. de Copacabana, 945 – sala 107 – Copacabana

Rio de Janeiro – CEP 22060-001 – RJ

Tels.: (21) 3208-6095, 3208-6113 e 3208-3918

wakeditora@uol.com.br www.wakeditora.com.br
À minha família pelo incentivo diário ao meu trabalho e com quem aprendo todos os
dias.

Aos queridos alunos e ex-alunos, que persistem em manter a chama acesa da


curiosidade, cujas perguntas inspiraram-me na produção desta obra.

À equipe da Wak Editora pela parceria e pelo apoio e carinho de sempre.


SUMÁRIO

PREFÁCIO

APRESENTAÇÃO

INTRODUÇÃO

1 - O que é Psicopedagogia?

2 - Onde a Psicopedagogia surgiu?

3 - Que percurso Jorge Visca realizou até chegar à


Psicopedagogia?

4 - O que é Epistemologia Convergente?

5 - O que é esquema evolutivo da aprendizagem?

6 - O que é o Modelo Nosográfico?


7 - Quais são os obstáculos patológicos identificados por Visca
que dificultam a aprendizagem?

8 - O que é enquadramento?

9 - O que são causas históricas e a-históricas?

10 - Quem é Jean Piaget e por que conhecê-lo é tão importante


para nosso trabalho psicopedagógico e à educação como um
todo?

11 - Qual é objeto da Psicologia Genética de Piaget?

12 - Que outras explicações surgiram para justificar por que


crianças pequenas pensam diferente dos adultos em termos de
raciocínio?

13 - A Teoria de Piaget é uma teoria de aprendizagem ou de


desenvolvimento?

14 - Por que é importante conhecer o nível de desenvolvimento


cognitivo em que a criança se encontra?

15 - Quais os estágios de desenvolvimento cognitivo


identificados por Piaget?

16 - O que é o método clínico?

17 - Como psicopedagogos podem orientar educadores na


utilização do método clínico em sua prática?
18 - Como psicopedagogos podem utilizar o método clínico em
sua prática?

19 - O que são esquemas, definidos por Piaget?

20 - Qual é a relação entre o esquema e o conceito de


organização e de aprendizagem?

21 - O que são esquemas figurativos e operativos?

22 - O que é adaptação, assimilação, acomodação e


equilibração?

23 - Em Psicopedagogia, falamos de hipoassimilação,


hiperacomodação, hipoacomodação e hiperassimilação, mas o
que isto significa?

24 - Como se iniciou a Psicanálise?

25 - Por que a Psicanálise é importante para os estudos da


Psicopedagogia?

26 - Como a afetividade interfere na nossa relação com o


mundo?

27 - Qual a importância de Pichon-Rivière para a


Psicopedagogia?

28 - O que é ECRO?

29 - O que são Grupos Operativos?


30 - O que Pichon quer dizer com pré-tarefa, tarefa e projeto?

31 - O que é teoria dos três D elaborada por Pichon-Rivière?

32 - Quem é o profissional da Psicopedagogia que atua na


clínica?

33 - Por que é importante o conhecimento de informações da


Neurociência pelo psicopedagogo?

34 - O que são dificuldades de aprendizagem?

35 - Qual a diferença entre transtorno específico de


aprendizagem e dificuldades de aprendizagem?

36 - A aprendizagem estudada pela Psicopedagogia restringe-se


ao ambiente acadêmico?

37 - O que a pessoa deve fazer para se tornar um profissional da


Psicopedagogia?

38 - Onde o profissional da Psicopedagogia pode atuar?

39 - Como é realizado o trabalho do psicopedagogo


institucional nas escolas?

40 - Como é realizado o trabalho psicopedagógico em


consultórios?

41 - Posso abrir uma clínica como psicopedagoga(o)?


42 - O que devo fazer para começar a atuar em consultório de
Psicopedagogia?

43 - Como montar um consultório psicopedagógico e que


materiais são importantes?

44 - Qual é a importância do Diagnóstico Psicopedagógico


Clínico?

45 - Que recursos de avaliação o psicopedagogo poderá utilizar


na sua avaliação?

46 - O que é mais importante: ter uma boa técnica ou estabelecer


um bom vínculo entre terapeuta, paciente e cliente?

47 - O que é sintoma?

48 - Quando se inicia o Diagnóstico Psicopedagógico?

49 - O que é EOCA?

50 - O que é a hora do jogo?

51 - O que é Sessão Lúdica Centrada na Aprendizagem?

52 - Há uma rigidez no uso dos instrumentos de avaliação na


Psicopedagogia?

53 - Qual a diferença da Hora do Jogo para o jogo como


processo de intervenção psicopedagógica?
54 - Qual é a diferença entre Tarefa e Produção no fazer
psicopedagógico?

55 - O que é anamnese e qual sua importância no processo de


avaliação psicopedagógica?

56 - Por que alguns profissionais da Psicopedagogia optam por


realizar a anamnese ao final do processo diagnóstico?

57 - Quais são os dois grandes eixos de análise que devem ser


verificados no diagnóstico psicopedagógico?

58 - O que são Provas Operatórias de Piaget e como surgiu?

59 - Com as provas operatórias de Piaget, podemos avaliar o QI


(Quociente de inteligência)?

60 - O que pode ocasionar a defasagem cognitiva?

61 - Por que os vínculos afetivos devem ser alvo de investigação


do trabalho psicopedagógico?

62 - O que são Técnicas Projetivas?

63 - Qual é a diferença entre as Técnicas Projetivas


Psicopedagógicas e as Técnicas Projetivas Psicológicas?

64 - Por que é importante o encaminhamento para outros


profissionais após a finalização de um diagnóstico
psicopedagógico?
65 - Psicopedagogo dá diagnóstico de transtorno específico de
aprendizagem (com prejuízos na leitura, com prejuízos na
expressão escrita, com prejuízos na Matemática)?

66 - Além de causas neurológicas, que outras causas podem


explicar as dificuldades de cálculo, leitura e escrita?

67 - Psicopedagogo dá diagnóstico de TDAH?

68 - Psicopedagogo dá diagnóstico de autismo?

69 - A partir de que idade uma criança pode passar pela


avaliação psicopedagógica?

70 - Que instrumentos podemos usar para avaliar a criança pré-


escolar?

71 - Quais os motivos que levam um adulto a buscar


atendimento psicopedagógico?

72 - Como é realizada a avaliação de pacientes adultos?

73 - O que é laudo ou informe psicopedagógico?

74 - O que é Devolução?

75 - O que é Intervenção Psicopedagógica?

76 - O paciente chegou com diagnóstico do neurologista. Posso


iniciar o atendimento pela intervenção ou preciso fazer a
avaliação psicopedagógica?
77 - Que materiais devo ter no consultório para começar o
trabalho de intervenção?

78 - Quando se inicia a intervenção propriamente dita?

79 - O que esclarecer aos pais e ao sujeito desde o início da


intervenção?

80 - Com que trabalha um psicopedagogo na prática?

81 - O que é Caixa de Trabalho e como é utilizada?

82 - Quais as funções dos jogos no trabalho psicopedagógico?

83 - Como se dá o atendimento psicopedagógico com idosos e


qual sua importância?

84 - O que é Projeto de trabalho?

85 - O que é psicodrama e como é possível usá-lo na clínica


psicopedagógica?

86 - O que é o jogo de areia? Como pode ser utilizado no


consultório de Psicopedagogia clínica?

87 - O que é metacognição e qual a sua importância no processo


de aprendizagem?

88 - O que é Consciência fonológica e como este trabalho pode


ser realizado?

89 - Como a escola pode auxiliar o trabalho psicopedagógico?


90 - O que é disgrafia e como o psicopedagogo pode ajudar?

91 - Como intervir na ortografia?

92 - Por que é importante fazer os registros das sessões a cada


sessão e como devem ser feitos (papel, digital)?

93 - Por quanto tempo devemos guardar os registros do


paciente após o término de atendimento?

94 - De quanto em quanto tempo o psicopedagogo visita a


escola do paciente?

95 - Devemos cobrar pela visita à escola?

96 - O que fazer quando o sujeito não apresenta evolução na


intervenção psicopedagógica?

97 - Quando a criança ou o adolescente não quer participar da


atividade proposta, o que deve ser feito?

98 - Existe um relatório de intervenção? Qual o objetivo?

99 - Que cuidados devemos ter na comunicação com a família?

100 - Quando saber o momento de encerrar o atendimento, ou


seja, alta do paciente?

Referências
PREFÁCIO

Aceitar o convite para prefaciar uma obra como esta é uma


atitude de grande responsabilidade pelo alcance que provavelmente
terá, pois ela é permeada por três condições que julgo das mais
importantes e difíceis de serem alcançadas: simplicidade, objetividade
e profundidade, características já amplamente conhecidas da autora
por todos que leem suas obras, participam de suas aulas e palestras.
Quando essas três condições se unem ao profundo conhecimento
teórico e prático e ao certeiro compromisso com a disseminação do
conhecimento construído por seus estudos e empenho clínico na
Psicopedagogia, na Psicologia e na Neurociência, criam na obra a
aura necessária para energizar os desejosos de conhecimento.
Ao responder às 100 questões propostas pelo livro, Simaia
Sampaio não somente teve a competência de produzir uma obra
profunda – ladeada por nomes de grande conhecimento empírico e
científico dentro da Psicopedagogia e ciências afins, que usou como
referências – mas soube também, de forma inteligente e humilde,
oferecer do seu conhecimento e da experiência para que estudantes e
profissionais da área possam suplantar suas dúvidas e dificuldades.
Vivemos em época de grande produção acadêmica, com grande
avanço em número de pesquisas e com disseminação das informações
de forma fluida e imediata, mas nem sempre colocadas de maneira
que importe ao bom exercício da Psicopedagogia de forma geral e da
clínica em particular. Quem está em contato constante com as
atividades de orientação e supervisão bem sabe disso. Aqueles
profissionais da área em questão que estão mais distanciados da vida
acadêmica talvez sintam ainda mais profundamente essa dificuldade.
Simaia Sampaio debruçou-se nesta obra em ampla revisão de
literatura a cada resposta oferecida, sem deixar de colocar-se e de
oferecer préstimos intelectuais baseados em sua experiência imediata
e remota, o que torna a obra facilmente assimilável. A facilidade do
discurso permite que interpretação dos seus escritos conduza seus
leitores a amplas e profundas reflexões sobre suas práticas. Tornar um
discurso plenamente assimilável é uma tarefa que exige muito tempo,
muita experiência e muito conhecimento.
Muitas questões se debruçam sobre paradigmas importantes,
enquanto outras versam sobre conhecimentos específicos. Embora
seja um livro para ser lido na ordem em que se apresentam as
questões, pode também ser lido conforme a necessidade de quem
busca a informação, sem prejuízo de continuidade ou entendimento.
É uma obra que deve ser lida e estudada tanto pelos que ainda
estão em seus primeiros passos na vida acadêmica e profissional
como por versados no assunto, pois, certamente, se para uns vem a
ser uma fonte de novos saberes, para outros torna-se uma fonte de
revisão e reflexão sobre a práxis psicopedagógica sem precedentes.
Salvador, junho de 2020.
Roberte Metring
Psicólogo, psicopedagogo, escritor.
APRESENTAÇÃO

Embora ao longo da minha vida profissional, alguns anos após ter


concluído o curso de Psicopedagogia, eu tenha me dedicado aos
estudos da Neuropsicologia, nesta obra o leitor irá constatar que
faço, frequentemente, referências à Epistemologia Convergente criada
por Jorge Visca, psicopedagogo argentino e divulgador da
Psicopedagogia no Brasil. Isto se dá por dois motivos: primeiro,
porque foi esta minha formação teórica no curso de Psicopedagogia
e que fundamenta meu trabalho clínico; segundo, porque considero
que estes estudos oferecem o aprofundamento científico necessário
ao desenvolvimento do olhar sistêmico, essenciais à compreensão das
dificuldades de aprendizagem.
Entendo, desta forma, que todo profissional da Psicopedagogia,
ainda que tenha interesse mais pronunciado pelas pesquisas das
Neurociências, deverá realizar um estudo detalhado das obras de
Visca e dos teóricos por ele estudados, a fim de consolidar um amplo
conhecimento.
A flexibilidade e o desejo pelo conhecimento são habilidades
essenciais requeridas na atuação psicopedagógica. Isto posto, não
cabe o engessamento, ainda que se opte por uma linha específica de
atuação, sendo necessário buscar o conhecimento de tudo aquilo que
possa agregar o saber com o intuito de lograr uma compreensão
efetiva e integral do sujeito.
Diversos teóricos, ao longo dos anos, se debruçaram em estudos e
pesquisas com o objetivo de compreender como o sujeito constrói o
conhecimento e o transforma em aprendizagem. É, portanto,
indispensável ao psicopedagogo a leitura destes teóricos, que aqui
serão citados, para melhor compreensão e elucidação dos problemas
da aprendizagem.
Esta obra está dividida em três grandes partes:
- a primeira trata da fundamentação teórica, que aborda elementos constituintes da
Psicopedagogia, tendo como autor central Jorge Visca e teóricos por ele estudados e
requisitados para compor a Epistemologia Convergente: Piaget, Freud, Pichon-Rivière;
- a segunda parte trata de esclarecimentos sobre a atuação clínica durante o diagnóstico
psicopedagógico, dúvidas comuns de iniciantes e dúvidas que podem auxiliar mesmo
aqueles que já estão inseridos na prática psicopedagógica;
- a terceira e última parte trata da intervenção psicopedagógica, abordando recursos e
possibilidades de atuação.

O leitor irá se deparar com uma linguagem abrangente e


heterogênea, que se empenha em expor conhecimentos de áreas que
se cruzam com a Psicopedagogia. Tal diversidade é fruto da minha
formação e atuação clínica como psicopedagoga, psicóloga e
neuropsicóloga, sendo permanentemente fundamentada pelos
estudos psicopedagógicos e por pesquisas dos diferentes campos do
saber.
Apesar dos diversos recursos expostos, esta obra sinaliza
frequentemente a importância do entendimento da subjetividade na
atuação psicopedagógica, uma vez que o psicopedagogo não deve
apoiar-se apenas em testes e materiais para sua prática, mas
desenvolver o potencial de raciocínio, criticidade e olhar diferenciado
na busca pela compreensão dos entraves e bloqueios de
aprendizagem, considerando as particularidades de cada indivíduo.
O fazer psicopedagógico se constrói a partir das diversas leituras
realizadas, pela experiência e pela curiosidade que devemos
desenvolver continuamente, fomentando o raciocínio na práxis clínica
e nos diversos locais onde a Psicopedagogia poderá estar presente,
como veremos nesta obra.
Simaia Sampaio
INTRODUÇÃO

Nas duas últimas décadas, temos visto crescer, consideravelmente,


a divulgação de pesquisas médicas e psicológicas que, ultrapassando
os laboratórios da Neurociência, têm chegado até nós,
psicopedagogos, por meio de publicações em livros, periódicos e
congressos.
Constatamos que a opinião médica sobre as questões de
aprendizagem retornou com força. Ao contrário do que acontecia no
passado, cujo viés médico foi fortemente criticado por educadores e
por nós, psicopedagogos, atualmente, informações vindas da
Neurociência nos chegam com uma aura de encantamento. Mas o que
é diferente agora? Por que este viés tem sido amplamente aceito? Por
que tanta procura por cursos sobre funções executivas, Neurociência,
funções do sistema nervoso?
Médicos do passado se ocuparam em compreender o sistema
nervoso e as estruturas e funções, mas não dialogavam com
profissionais da educação que, embora compreendessem a
importância das pesquisas médicas, pareciam não se aproveitar destas
descobertas. Tais informações permaneceram até há pouco tempo
muito distantes da prática do educador.
A Psicopedagogia dialoga entre as áreas da Saúde e da Educação.
Para constituir-se em área do saber, absorveu conhecimentos que
pudessem explicar possíveis causas das dificuldades de aprendizagem.
Jorge Visca observou que os problemas de aprendizagem não
poderiam ser explicados apenas pelos estudos da Epistemologia
Genética, estudada por Piaget; também não poderiam ser explicadas
apenas por meio dos estudos da Psicanálise de Freud; também não
poderiam ser explicadas apenas pela Psicologia Social, estudada por
Pichon-Rivière. Sabiamente, Visca pesquisou a fundo estas três escolas
e obteve delas elementos significativos para explicar possíveis causas
dos bloqueios de aprendizagem, criando, assim, a Epistemologia
Convergente.
Como vimos nesta introdução e veremos ao longo desta obra, a
Psicopedagogia nasceu com um olhar psicanalítico sobre os
problemas de aprendizagem, considerando também as causas
orgânicas e as dificuldades em função das relações com o meio. No
entanto, as relações entre o funcionamento do cérebro e
aprendizagem não foram, inicialmente, objetivos da Psicopedagogia.
Os estudos das Neurociências envolvem três grandes áreas
Neurofisiologia (estudo das funções do sistema nervoso),
Neuroanatomia (estudo da estrutura do sistema nervoso, em nível
microscópico e macroscópico) e Neuropsicologia (estudo da relação
entre as funções neurais e psicológicas, envolvendo o estudo do
comportamento ou mudanças cognitivas). Nos últimos anos, surgiram
diversas pesquisas relacionando estruturas e funções cerebrais com a
aprendizagem. Neuropsicólogos e médicos neurocientistas se
encarregaram de preencher uma lacuna até então existente, para
explicar como se processa a aprendizagem no sistema nervoso
relacionando-a com funções importantes, como atenção, memória,
processos fonológicos, linguagem, funções executivas, dentre outros.
Tais estudos evidenciaram a importância de compreender a
funcionalidade cerebral e sua complexidade por parte de
profissionais, como psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas
ocupacionais, fisioterapeutas, psicopedagogos,
neuropsicopedagogos e educadores.
E como não se encantar com tais descobertas? É como se
concretizássemos o conhecimento que tínhamos antes apenas de
maneira abstrata. É natural o fascínio pelas informações que temos
recebido do campo das Neurociências, no entanto, ao mesmo tempo
que observo a importância da aquisição de todas estas informações,
penso que precisamos cuidar para que este encantamento não
posicione alguns conceitos psicopedagógicos originais, à sombra.
Como Piaget identificou, cada vez que nos deparamos com uma
nova informação, é natural que ocorra uma desorganização interna
no processo de assimilação. Novas informações são agregadas às
informações anteriores obrigando o sujeito a se posicionar diante do
novo. A acomodação é o processo posterior quando ocorre o
assentamento e a absorção das informações agora transformadas em
conhecimento. O ideal é que possamos agregar os novos
conhecimentos das Neurociências com os conceitos
psicopedagógicos que abarcam áreas fundamentais de compreensão
da subjetividade do sujeito, como as contempladas pela
Epistemologia Convergente, conforme veremos nesta obra.
Quando falamos em subjetividade, estamos falando da
singularidade do sujeito, da idiossincrasia, das escolhas que são
construídas a partir da história de cada um e integram as experiências
atuais vivenciadas. Para González Rey (apud TACCA, 2006), a
subjetividade é um sistema em contínuo desenvolvimento, em que
situações do passado são articuladas com o presente e com as
experiências vivenciadas nos diferentes contextos, levando-se em
conta as expressões e combinações emocionais.
Nas situações de aprendizagem, estão presentes todas estas
configurações, que constituem o universo particular do sujeito e que
envolvem experiências, emoções, maturidade e desejos. Cada
indivíduo permite que conteúdos de aprendizagem entrem em seu
universo de maneira muito particular e distinta. A forma de acesso a
estes conteúdos será realizada também de maneira muito singular.
Existem resistências que não constituem necessariamente dificuldades.
Na Psicopedagogia, é imprescindível a escuta. É pouco
producente ensinar apenas estratégias de aprendizagem se este
sujeito não puder ser ouvido naquilo que lhe causa resistência.
Sampaio (2009, p. 59) afirma que “tornar consciente o inconsciente
possibilita ao sujeito elaborar estratégias e táticas, para que possa
intervir nas situações, provocando transformações”.
Neste sentido, mais eficaz do que fazer o sujeito apenas
memorizar um determinado conteúdo é conhecer o significado que
este tem para sua vida. A escuta é o caminho da transformação,
possibilitando o início de desbloqueios. Respeitar o tempo que o
outro necessita para transformar informação em conhecimento é
respeitar sua subjetividade.
Não tenho a intenção de oferecer todas as respostas, pois este
nunca seria objetivo de uma ação psicopedagógica, mas desejo que
este livro sirva de guia para que o leitor se sinta motivado em buscar
mais informações e em um movimento contínuo de assimilação,
acomodação e equilibração, construa o seu próprio conhecimento e
seja autor da sua prática e construção de novos saberes.
1 - O que é Psicopedagogia?

A Psicopedagogia é uma área do saber, transdisciplinar e


interdisciplinar, que tem como objetivo estudar e compreender os
processos de aprendizagem do indivíduo, construídos a partir da
interação entre organismo e meio ambiente. Para tanto, busca
conhecer o processo de aprendizagem de maneira mais global,
observando o sujeito e os diversos aspectos da sua vida: cognitivos,
emocionais, orgânicos, familiares, escolares.
Uma análise mais aprofundada dos problemas de aprendizagem é
realizada por meio de uma avaliação criteriosa, buscando detectar
possíveis problemas existentes no âmbito escolar, familiar ou consigo
mesmo.
Esta análise é fundamental para identificarmos de onde parte o
problema: se de métodos defeituosos de ensino, se de um ambiente
caótico afetando o desenvolvimento da criança ou se há problemas
relacionados à funcionalidade do sujeito. Um plano de tratamento
(intervenção) é traçado, com o objetivo de auxiliar o sujeito tanto a
perceber suas potencialidades quanto a desenvolver habilidades que
auxiliem sua aprendizagem, e as orientações à família e escola são
realizadas.
O profissional da Psicopedagogia estuda e se especializa nos
assuntos relacionados à aprendizagem, cujo arcabouço teórico,
pautado em conhecimentos científicos, lhe permite instrumentalizar-
se, capacitando-o a desenvolver um trabalho tanto de prevenção
quanto de remediação das dificuldades de aprendizagem,
promovendo uma ação transformadora do sujeito no contexto de
aprendizagem.
Os vínculos que a criança estabelece com a aprendizagem é uma
das partes fundamentais da Psicopedagogia. A criança que é obrigada
a memorizar o conteúdo escolar mecanicamente não é uma criança
que está aprendendo. Memorizar não é aprender. Estimular a
memória é importante, mas, se não usamos essa estimulação a favor
do despertar do desejo pela aprendizagem, caímos no engano de
acreditar que a criança está aprendendo, quando na verdade ela
estará memorizando e, posteriormente, esquecendo. Aprender vai
muito além de armazenar e evocar informações.
Aprender envolve a construção significativa de um conhecimento,
as relações que o sujeito consegue estabelecer entre um conteúdo e
outro, desenvolvendo um raciocínio e uma criticidade. O mesmo
assunto que irá interessar a um não irá interessar a outro. A partir de
como este conteúdo nos toca, de como entra em contato com os
objetos já internalizados e conhecidos nossos, como bem identificou
Piaget sobre assimilação-acomodação-equilibração (veja questão 22),
podemos estabelecer um vínculo positivo ou negativo. Se a carga de
conteúdo que o sujeito recebe é encarada como ameaçadora para seu
equilíbrio, pode haver uma rejeição em função do medo de perder o
que já foi conquistado e internalizado. Iremos explorar um pouco
mais sobre isto ao citar Visca e os bloqueios de aprendizagem.
A práxis psicopedagógica não é um trabalho de treinamento
mecânico. Envolve o recrutamento da sensibilidade e competência do
profissional para conhecer sobre a constituição do sujeito, que
estratégias utiliza para aprender, como se aproxima do conhecimento,
como o produz e quais os limites que se impõe para aprender. Não
conseguiremos todas estas descobertas se não nos propormos a
realizar uma escuta sensível, que se inicia desde o primeiro contato
com a família no diagnóstico psicopedagógico e continua
acontecendo ao longo do tratamento. Portanto, o encontro com o
sujeito e sua família também é um momento de aprendizagem para o
profissional.
É fundamental que o psicopedagogo esteja em frequente contato
com leituras das mais diversas áreas que o auxiliem em uma
compreensão mais ampla e integrada dos processos que envolvem à
aprendizagem, dentre elas estão: a Epistemologia e a Psicologia
Genética, a Psicanálise, a Psicologia Social, a Psicolinguística, a
Pedagogia, a Neuropsicologia. Bossa (2000), no entanto, nos alerta
que nenhuma destas áreas surgiu para explicar os problemas de
aprendizagem humana, mas se prestam como meio de reflexão
científica que nos auxiliam a operar no campo psicopedagógico.
O que tanto esperamos de nossos aprendentes é o que também,
como profissionais, devemos colocar em prática, ou seja, as reflexões
e o raciocínio. Não se trata apenas de aprender como somar e
subtrair, mas como esta aprendizagem irá auxiliar este sujeito na
relação com o meio. Assim é também com a prática psicopedagógica:
não se trata apenas de aprender a aplicar as provas operatórias e
outros instrumentos, mas fazer as interligações necessárias para
compreender o significado do resultado desta avaliação,
relacionando-o a um significante mais amplo.
Esta é uma área que exige muito estudo, dedicação,
comprometimento, cuidado por parte do profissional com o outro e
com ele mesmo.
Compreender os processos de aprendizagem
do indivíduo, construídos a partir da interação,
entre organismo e meio ambiente, é objeto da
Psicopedagogia.
Anotações
2 - Onde a Psicopedagogia surgiu?

Antes de chegarmos à Psicopedagogia propriamente dita,


precisaremos relembrar o percurso de algumas pessoas que se
dedicaram à compreensão das possíveis causas das dificuldades de
aprendizagem.
Desde o século XIX, já havia estudos com o objetivo de
compreender os problemas que comprometiam a aprendizagem.
Alguns educadores e médicos se reuniram para atender pessoas com
deficiência mental, sensorial e outros problemas que interferiam na
aprendizagem. Citaremos alguns educadores que tiveram grande
influência na Pedagogia, cujos métodos e teorias foram
posteriormente estendidos a crianças que não apresentavam
deficiência mental, dentre eles estão: Pestalozzi, Itard, Seguin, Maria
Montessori.
Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), educador suíço, foi um
dos principais responsáveis pela reforma pedagógica, que apresentou
o amor como ideia central do seu trabalho. Para ele, o educador tinha
como função principal levar o aluno a desenvolver suas habilidades
inatas e naturais, compreendendo que o desenvolvimento se dá de
dentro para fora. Importava mais o desenvolvimento de habilidades e
valores do que o conteúdo em si. Por meio do “Instituto pedagógico”
que fundou, colocou em prática ideias relacionadas a uma educação
intuitiva e concreta, na qual a criança experimenta atividades
pedagógicas de maneira concreta, ao contrário das técnicas
dogmáticas da época. Em sua escola, não havia notas, recompensas,
nem castigos, e o objetivo final era que o próprio aluno pudesse
encontrar liberdade e autonomia moral (INCONTRI, 1996).
Jean-Marc Gaspard Itard (1774-1838), médico, dedicou-se à
educação de surdos-mudos e à compreensão da gagueira, audição e
educação oral. Utilizou métodos sistematizados no trabalho com
deficientes mentais. Dedicou-se por cerca de cinco anos à educação
de um deficiente grave, Victor, de 12 anos, criança que ficou
conhecida como “o selvagem de Averyon”, por ter sido capturada na
floresta de Averyon, no sul da França. Acreditava que a educação
poderia integrar Victor novamente à sociedade e tinha como plano
de ação trabalhar com atividades sensoriais, a estimulação da
linguagem e do pensamento abstrato (GALVÃO, 2017). Itard foi um
dos primeiros a se preocupar com a educação de pessoas com
limitações.
Edouard Séguin (1812-1880), discípulo de Itard, era médico
fisiologista e dedicou-se ao estudo de pessoas com deficiência
intelectual. Trabalhou inicialmente como professor de crianças que
tinham muitas dificuldades para aprender. A experiência como
professor o auxiliou na sua compreensão como médico, cuja
formação se deu aos 50 anos de idade, relacionando causas
hereditárias, ambientais e psicológicas (PESSOTTI, 1984). Fundou, em
Paris, a primeira escola para reeducação de surdos-mudos e
continuou seu trabalho na América quando se mudou em 1850. Foi
pioneiro por acreditar que seria possível que estas crianças pudessem
frequentar o espaço escolar, diferentemente da concepção da época,
que via o sujeito com deficiência intelectual como uma pessoa
incapacitada, limitada e inválida (MAZZOTA, 1996). Na reeducação,
ele via a importância do treinamento dos sentidos como
fundamentais para a reeducação do deficiente mental grave. Julgava
importante também o trabalho ser efetuado em pequenos grupos.
Maria Montessori (1870-1952), educadora e médica psiquiatra
italiana, trabalhou com crianças com deficiência mental, inspirada em
Itard e Séguin, e desenvolveu programas de treinamento para
crianças com deficiência nos internatos de Roma. Seus métodos
baseavam-se na estimulação da aprendizagem por meio dos órgãos
dos sentidos e os estendeu às crianças sem deficiência,
proporcionando uma aprendizagem mais eficaz. A autoeducação era
estimulada, e o professor incentivava o esforço do aluno, cuja ação
era baseada na liberdade de cada um. O educador deveria colocar-se
no mesmo nível da criança e o êxito pedagógico consistiria em que o
professor cuidasse de seus gestos e de sua pessoa, tornando-se uma
pessoa agradável, sedutora e atraente para os alunos (PESSOTTI,
1984).

Centros psicopedagógicos foram fundados na Europa em 1946


por J. Boutonier e Georges Mauco unindo conhecimento das áreas da
Psicologia, Psicanálise e Pedagogia, que atendiam crianças com
dificuldades de aprendizagem.

Em 1956, na Argentina, dá-se início à formação universitária em


Psicopedagogia com a psicanalista Arminda Aberastury, buscando
ampliar o entendimento de que o sujeito não era o único responsável
por suas dificuldades. Até esse período, havia o entendimento de que
as dificuldades de aprendizagem eram decorrentes de fatores
orgânicos, e os sujeitos eram encaminhados a consultórios médicos. O
fracasso escolar era, portanto, atribuído a causas endógenas.
Foi em Buenos Aires, Argentina, na década de 70, que esse
entendimento passou a ser ampliado, saindo das causas puramente
orgânicas e passando a considerar que o ambiente apresenta
interferência direta no desenvolvimento cognitivo da criança.
Surgiram os Centros de Saúde Mental, onde os primeiros profissionais
da Psicopedagogia, que se formavam em cursos de graduação em
Psicopedagogia, começaram a trabalhar com crianças com
dificuldades de aprendizagem realizando diagnósticos e intervenções.
Um olhar psicanalítico foi introduzido, mediante a percepção de
que as crianças que apresentavam dificuldades de aprendizagem
também desenvolviam problemas psicológicos.
Jorge Pedro Luiz Visca, conhecido como Jorge Visca, é o criador
da Epistemologia Convergente, linha teórica que propõe a integração
da Escola de Genebra (Psicogenética de Piaget), Escola Psicanalítica
(Freud) e Psicologia Social (Enrique Pichon-Rivière). Era psicólogo
social argentino. Graduou-se, também, em Ciências da Educação.
Mais adiante, abordaremos cada uma destas escolas.

A preocupação com as dificuldades de aprendizagem


não é um tema atual. Várias áreas se uniram para
compreender os problemas de aprendizagem desde
o século XIX.
3 - Que percurso Jorge Visca realizou até chegar à
Psicopedagogia?

De acordo com o relato de sua busca pela Psicopedagogia, Visca


(1991) diz que sua primeira referência foi sua mãe, professora, que
tinha mais de 40 anos quando ele nasceu e já era aposentada. Ela lhe
contava alguns casos da época que era diretora de uma escola, de
crianças que olhavam uma palavra e liam outra. Isso o intrigava e
ficava curioso em entender o que acontecia. Visca era muito
observador. Seu pai tinha um armazém, e ele observava os
empregados que trabalhavam em seu estabelecimento. Percebia que,
quando seu pai falava, alguns empregados não o entendiam. Visca
então começou a se perguntar o que acontecia com estes sujeitos,
que não entendiam a mensagem ou a entendiam erroneamente.
Ficava intrigado porque para ele a mensagem havia sido muito clara.
E então pensava: Como pode uma mensagem ser tão clara para
alguns e não para outros?
Visca começou a estudar advocacia por achar que, por meio das
leis, se podiam modificar as pessoas, “[...] mas depois de estar na
faculdade um certo tempo, compreendi que a lei fazia a coisa imposta
e não servia. Fiquei muito atrapalhado, muito deprimido diante desta
situação” (1991, p. 15).
Decidiu cursar o magistério na Escuela Normal de Profesores
Mariano Acosta em Buenos Aires. Queria ser professor e lá ficou
sabendo por alguns professores da existência do curso de Ciências da
Educação.
Foi então estudar Ciências da Educação. Nesse período, trabalhava
em uma escola para se sustentar e observava algumas crianças com
dificuldades e que, às vezes, não liam bem, mesmo estando em séries
adiantadas. Procurou o gabinete psicológico da escola e foi
convidado para trabalhar no hospital policlínico, com Dr.
Goldemberg. Ali ele começou a analisar o que acontecia com estas
crianças e passou a pesquisar o processo que o sujeito fazia na sua
aprendizagem.
Visca tinha alguns colegas judeus e, percebendo que a escrita
deles era diferente, pensou que, se ele mesmo aprendesse uma nova
língua, poderia perceber as dificuldades cognitivas e emocionais pelas
quais uma criança passa ao aprender a ler e escrever. Foi então
estudar Hebraico. Também aprendia Francês por ser membro de uma
colônia suíça.
Ao aprender um pouco de hebraico, foi convidado a ir até Israel
representando uma instituição. Ele conta que, na volta, passou pela
França e fez um seminário no Instituto Binet. Ficou maravilhado com o
fato de poder falar em Francês, comunicar-se e se fazer entender,
mesmo permanecendo com o sotaque estrangeiro. “Fiquei
emocionado ao sentir que eu tinha recebido um instrumento de
intercâmbio com a sociedade que me permitiu compreender o agir
dessas pessoas” (VISCA, p. 16, 1991).
E foi assim, observando e analisando como as pessoas constroem
sua aprendizagem e apreendem as informações do mundo, que Jorge
Visca começou o trabalho com a Psicopedagogia.

Desde muito cedo, Jorge Visca interessava-se


em compreender o que ocorria com pessoas que
apresentavam dificuldades em aprender e, assim,
criou a Epistemologia Convergente.
4 - O que é Epistemologia Convergente?

Linha teórica, construída por Jorge Visca, com o objetivo de


compreender as sucessivas etapas de construção da aprendizagem.
Sua construção teórica baseou-se em estudos das seguintes escolas
(VISCA, 1991):

• Escola de Genebra (Epistemologia genética, Jean Piaget) por


compreender que ninguém consegue aprender o que está acima
da sua estrutura cognitiva.
• Escola Psicanalítica (Freud) por compreender que dois sujeitos,
mesmo apresentando níveis cognitivos equivalentes,
apresentarão distintos investimentos afetivos, portanto,
aprenderão de maneiras diferentes.
• Escola de Psicologia Social (Pichon-Rivière), por compreender
que ainda que existissem dois sujeitos com mesmo nível
cognitivo e afetivo, mas sendo de culturas distintas, suas
aprendizagens seriam diferentes em relação a um mesmo objeto
por haver influências dos respectivos meios socioculturais.

Explicações mais detalhadas sobre cada teórico serão descritas em


questões posteriores.
De acordo com Visca (ibid.), a Epistemologia é um modelo
evolutivo, cuja aprendizagem depende das condições intrapsíquicas,
afetivas ou energéticas e cognitivas ou estruturais. Tudo isto
interagindo com as circunstâncias do meio que envolvem os
fenômenos grupais e socioculturais.
[...] para a compreensão do desenvolvimento infantil não bastam os dados fornecidos
pela psicologia genética, é preciso recorrer a dados provenientes de outros campos
de conhecimento, neurologia, psicopatologia, antropologia. (WALLON in GALVÃO,
1995, p. 32)

Portanto, é possível perceber que não há como compreender as


dificuldades de aprendizagem do sujeito com um olhar direcionado
apenas para os aspectos cognitivos, desconsiderando que há um
sujeito dotado de condições afetivas, tampouco é possível direcionar
o olhar apenas para os aspectos afetivos, desconsiderando um sujeito
cognitivo e com possíveis lesões neurológicas. Há ainda de se
considerar a enorme influência que o meio exerce na constituição do
sujeito e no desenvolvimento de sua personalidade, bem como a
genética.

Para a aprendizagem acontecer, são necessárias


adequadas condições intrapsíquicas, afetivas e
cognitivas.
5 - O que é esquema evolutivo da aprendizagem?

É um dos modelos ou esquemas de aprendizagem, concebidos


como uma construção intrapsíquica, que reconhece a interferência
genética e as circunstâncias do meio. Visca (1987) identificou quatro
níveis neste modelo evolutivo: a protoaprendizagem, a
dêuteroaprendizagem, a aprendizagem assistemática e a
aprendizagem sistemática.
Há necessidade de o psicopedagogo entender a importância de
investigar a história de vida do sujeito, como se deu esta evolução e
em que circunstâncias. Esta investigação o ajudará na identificação
das rupturas e fraturas que possam estar influenciando o momento
atual do sujeito.
PROTOAPRENDIZAGEM

Estende-se desde o nascimento até o início da interação com seu


grupo familiar. Diz respeito às primeiras relações entre a criança e sua
mãe, com a qual estabelece os primeiros vínculos, passando,
gradualmente, de uma situação de indiscriminação para de
discriminação. Posteriormente, irá desenvolver as relações com o
mundo externo. A mãe é a mediadora inicial entre a criança e o
mundo, tratando de inseri-la em um meio cultural e familiar,
constituindo a primeira matriz de aprendizagem.
Pesquisas e estudos em Psicologia do desenvolvimento apontam
a importância do contato inicial entre mãe e filho, para o
desenvolvimento psíquico saudável. Os cuidados, o aconchego, a
amamentação, o tom de voz, os gestos e o olhar são essenciais para a
formação da estrutura de personalidade do sujeito. Muitas patologias
têm sido relacionadas às rupturas, aos maus-tratos, à ausência de
cuidados essenciais nesta fase inicial.
DEUTEROAPRENDIZAGEM

Neste nível, a criança amplia seu universo que ultrapassa os limites


da relação entre mãe e criança, e são introduzidos outros elementos
do grupo familiar. Agora o objeto de interação da criança são os
demais membros da família e as relações deles entre si.
A etapa anterior, da protoaprendizagem, vai servir como base
para esta nova etapa, que vai sendo modificada à medida que o
sujeito é exposto a novas relações e estímulos.
De acordo com Visca (ibid.), a maneira como a família se trata,
atribui papéis e estabelece a comunicação terá grande impacto na
construção psíquica da criança, pois ocorre a identificação dela com
os diferentes membros dessa pequena comunidade com quem
convive. Esta fase será de acentuada importância para o
estabelecimento de vínculos positivos com a aprendizagem,
considerando que a maneira como a família se relaciona com
curiosidades, livros, cultura, será um diferencial na vida deste sujeito
em formação.
APRENDIZAGEM ASSISTEMÁTICA

Este é o terceiro nível citado por Visca e compreende as interações


entre o sujeito e a comunidade restringida. Neste nível, ele diz que há
uma relação entre o indivíduo e a sociedade, mas sem necessitar de
conhecimentos, atitudes e destrezas adquiridas por meio das
instituições educativas que exigem consciência, metodologia, ritmo e
graduação. Os esquemas são diversificados e ampliados para além
das relações familiares e passam a ser dirigidos a novos membros da
sociedade.
Neste nível, temos, como exemplo, o contato da criança com
pessoas de sua idade e idades mais avançadas, que não são do meio
familiar, em parques, aniversários, comemorações familiares.
APRENDIZAGEM SISTEMÁTICA

É o quarto nível e resulta da interação da criança com novos


objetos e situações pertencentes às instituições educativas. Visca
divide esse nível em subestágios, a partir do nível de educação
primária: o das aprendizagens instrumentais, o de conhecimentos
fundamentais, o de aquisições transculturais, o de formação técnica e
o de aperfeiçoamento profissional.

A aprendizagem do sujeito se dá em uma constante


evolução que depende diretamente das relações
entre fatores genéticos, neuropsicológicos,
emocionais e estímulos ambientais.
6 - O que é o Modelo Nosográfico?

Um modelo criado por Visca (1991) que classifica os estados


patológicos da aprendizagem em três níveis: o semiológico, o
patogênico e o etiológico.
É importante que todo psicopedagogo tenha noção destes
conceitos, já que a avaliação tem como função identificar as causas e
os bloqueios da aprendizagem. A razão fundamental pela qual
buscamos situar o sujeito em alguns destes níveis se dá pela
importância que esta identificação exerce no planejamento da
intervenção e nos encaminhamentos para outros profissionais.
Nem sempre, o profissional da Psicopedagogia será procurado
para avaliar/atender alguém somente por dificuldades acadêmicas,
embora este represente o percentual mais elevado pela busca de
atendimento psicopedagógico nos consultórios. É possível que o
psicopedagogo seja procurado pelos responsáveis de alguém ou pela
própria pessoa, por também apresentar dificuldades assistemáticas,
ou seja, dificuldades relacionadas a bloqueios de aprendizagem
evidenciados em situações do dia a dia e não apenas acadêmicas.
NÍVEL SEMIOLÓGICO

Este nível caracteriza os sintomas objetivos e subjetivos. Os


sintomas objetivos se agrupam em duas categorias: a aprendizagem
assistemática e a aprendizagem sistemática (Ibid.).
- Sintomas nas dificuldades de aprendizagem ASSISTEMÁTICA:

• detenção global – estancamento em todas as áreas;


• ausência total – ausência total em algumas situações (viajar,
comprar etc.);
• dificuldade parcial – limitações em determinadas situações
(viajar, mas de forma limitada).

- Sintomas nas dificuldades de aprendizagem SISTEMÁTICA:


Alexia, dislexia, agrafia, disgrafia, disortografia, discaligrafia, escrita
em espelho, dissintaxe, acalculia, discalculia, detenção na evolução do
desenho, sintomas combinados, lentificação e detenção global da
aprendizagem.
NÍVEL PATOGÊNICO

Este nível caracteriza as estruturas e os mecanismos que provocam


a sintomatologia. Neste modelo, considera-se a heterogeneidade
estrutural da personalidade e pluricausalidade gestáltica, envolvendo
aspectos afetivos e estruturais, com distintos níveis de
desenvolvimento, cujo sintoma emerge em resposta às informações
recebidas do meio. São considerados a afetividade, a estrutura
cognitiva, as funções e os mecanismos de regulação interna.
Visca considera as barreiras de aprendizagem que se configuram
como obstáculos: epistemofílico, epistêmico e funcional. (Veja questão
7.)
NÍVEL ETIOLÓGICO

O nível etiológico caracteriza-se por dois níveis: o biológico e o


psicológico. O biológico acredita no princípio construtivista, onde há
sucessão de níveis de integração. Por meio da interação com o meio e
os mecanismos de regulação interna, ocorre uma transformação do
nível anterior. No nível psicológico, são considerados: a psicose,
núcleos psicóticos, neurose, conduta reativa (Ibid.).
O profissional da Psicopedagogia poderá atuar tanto
nas dificuldades de aprendizagem sistemática quanto
nas dificuldades de aprendizagem assistemáticas,
avaliando e analisando as necessidades particulares
de cada sujeito.
7 - Quais são os obstáculos patológicos
identificados
por Visca que dificultam a aprendizagem?

Considerando que as barreiras de aprendizagem existem e são


manifestadas por meio dos sintomas, Visca (1991) observa um
conjunto de situações que se configuram como obstáculos à
aprendizagem envolvendo aspectos afetivos, cognitivos e funcionais.
Ao realizar uma investigação das causas das dificuldades de
aprendizagem, o psicopedagogo poderá localizar/identificar
possíveis obstáculos que estejam servindo de barreiras à
aprendizagem. As nomenclaturas propostas por Visca servem para
situar o profissional em sua investigação.
OBSTÁCULO EPISTEMOFÍLICO

É uma conceituação psicanalítica e caracteriza-se pela falta de


amor pelo conhecimento. O autor cita três configurações afetivas:
medo à confusão, medo ao ataque e medo à perda.

• Medo à confusão: há uma resistência em aprender por medo de


uma indiscriminação do que se sabia e do que se vai adquirir.
• Medo ao ataque: medo de que os conhecimentos anteriores
sejam atacados pelos novos, promovendo mecanismos
dissociativos.
• Medo à perda: consiste no medo de perder o que já foi
adquirido.
Um indivíduo que não consegue acompanhar as explicações de
um professor em sala de aula, por considerar haver um excesso de
informações, pode se autolimitar, bloqueando sua atenção e desligar-
se. Esta situação pode ser sentida por ele como se a sobrecarga de
novas informações fosse atacar informações que ele já adquiriu,
havendo um medo de perdê-las. É possível que ele não dê conta do
excesso de informações e se utilize de mecanismos de defesa como
proteção. Neste caso, a desatenção é um sintoma gerado por
aspectos afetivos.
OBSTÁCULO EPISTÊMICO

Há uma limitação do conhecimento em virtude de uma restrição


da estrutura cognitiva. Os estudos de Piaget explicam as relações
entre a lógica e a aprendizagem. Por meio das Provas Piagetianas, é
possível observar se o sujeito realiza operações lógicas de acordo
com o esperado para sua faixa etária ou se há uma defasagem
acarretando um obstáculo epistêmico.
Podemos perceber aqui que há uma grande diferença entre um
obstáculo epistemofílico e um obstáculo epistêmico. Enquanto, no
primeiro, há uma limitação por não haver um desejo em aprender,
embora o sujeito possa ter todas as suas funções cognitivas
preservadas, no segundo, pode apresentar dificuldades por uma
defasagem no raciocínio lógico e não conseguir compreender as
informações, mesmo o sujeito desejando aprender.
É fundamental chegar a esta conclusão ao final de um diagnóstico
psicopedagógico, pois haverá abordagens diferentes na intervenção
psicopedagógica.
OBSTÁCULO FUNCIONAL

Para Visca (1991; 1987), os obstáculos funcionais são percebidos


em pessoas, por exemplo, com dificuldades na discriminação visual,
mesmo não havendo alteração no órgão da visão, ou dificuldade para
antecipar, mesmo não havendo déficit intelectual.
Os obstáculos funcionais são heterogêneos, porque ora parecem
estar relacionados a causas emocionais e ora a motivos estruturais.
Portanto, são pensados como hipótese auxiliar, pois a situação não
pode ser explicada nem pelos estudos da Psicologia Genética, nem
pelos estudos da Psicanálise. De acordo com o autor, nenhuma dessas
duas escolas criou um instrumento específico para sua verificação. (É
aqui que o estudo da Neurociência contribui para explicar possíveis
causas.)
Podemos encontrar entre aqueles que apresentam obstáculos
funcionais pessoas com transtornos do neurodesenvovimento,
transtorno do processamento auditivo central (TPAC)1, por exemplo.

Um bom diagnóstico nos leva a conhecer a possível


causa dos bloqueios de aprendizagem. Os medos
e as inseguranças podem afetar a aprendizagem,
mas também existem causas orgânicas que levam o
sujeito a apresentar baixo rendimento.

1Em 2016, durante o 31o EIA (Encontro Internacional de Audiologia), profissionais reunidos
no Fórum definiram por maioria que o termo correto a ser utilizado é Transtorno do
Processamento Auditivo Central (TPAC), a fim de acompanhar as descrições das alterações
fonoaudiológicas que constam no CID (Código Internacional de Doenças).
https://blog.afinandocerebro.com.br/por-que-o-termo-dpac-foi-substitu%C3%ADdo-por-
tpac.
8 - O que é enquadramento?

Este termo, segundo Visca (1987), diz respeito às constantes do


atendimento clínico que servem de referência de como o profissional
irá operar na clínica: tempo, lugar, frequência, duração, interrupções
combinadas e honorários. Tais constantes auxiliam na compreensão
da situação e constituem instrumentos de mudança. O autor ressalta o
cuidado que todo psicopedagogo deve ter, durante o tratamento,
para não “cair na rigidez e no caos”, sendo importante haver uma
“flexibilidade operativa” levando-se em conta quatro conceitos de
Pichon-Rivière:

• logística: refere-se ao movimento, cujos déficits e capacidades


do indivíduo ou grupo devem ser levados em conta em função
das aptidões do psicopedagogo (traços de personalidade e
formação profissional);
• estratégia: refere-se à arte de dirigir as operações, que
envolvem categorias conceituais a serem utilizadas em dados
momentos, como tempo, lugar, frequência, duração, caixa de
trabalho etc.;
• tática: refere-se à implementação dos recursos na ação concreta,
ou seja, colocar o plano em prática;
• técnica: refere-se ao conjunto de procedimentos e à habilidade
para usá-los, estando ligada ao estilo particular com que cada
profissional opera.

Todo atendimento precisa de uma estrutura organizada, e Visca


chama a atenção para atuação por meio de “[...] uma situação
controlada mediante o método clínico” (1987, p. 15). (Veja questão
16.)
Cada profissional terá seu estilo particular de
atuação, mas deverá estar atento às constantes do
atendimento clínico, embora seja sempre necessário
haver flexibilidade.
9 - O que são causas históricas e a-históricas?

Ao realizar uma avaliação psicopedagógica, iniciamos uma


sondagem do que pode estar interferindo no bom andamento da
aprendizagem do sujeito. Nem sempre, as informações estarão claras,
e os aspectos subjacentes deverão ser investigados. Nesta
investigação, buscamos informações atuais e informações que fazem
parte da história de desenvolvimento do indivíduo.
Esta investigação faz parte da matriz de pensamento diagnóstica
(Epistemologia Convergente) e é definida por Visca (1987), como:
CAUSAS A-HISTÓRICAS

São causas intrapsíquicas e dizem respeito ao momento atual,


evidenciadas pelos sintomas e independem de sua origem. São
também chamadas de causas sistemáticas onde um corte horizontal é
realizado isolando os fatores atuais da evolução do sujeito. Esta
separação é temporária e, ao final do diagnóstico, serão vistas como
um todo, mas a razão deste corte, segundo o autor, é de que não se
pode explicar o presente exclusivamente pelo passado, embora as
causas a-históricas não neguem o passado.
Algumas questões emocionais, que se apresentam no presente,
podem interferir significativamente na aprendizagem, causando
desmotivação, falta de desejo pelo conhecimento. Dentre estas
causas, podemos citar separação dos pais, quando não bem
trabalhada com a criança ou o adolescente, morte de algum membro
da família ou animal de estimação, bullying, apaixonamento,
desorganização na rotina, dentre outros.
CAUSAS HISTÓRICAS
Estão relacionadas à gênese e evolução das causas que
culminaram nos sintomas atuais ou a-históricas. Esta investigação
normalmente acontece no momento da anamnese, com a família.
Neste retorno ao passado, são investigadas possíveis causas genéticas
e como se deu o desenvolvimento normal e/ou patológico.
Não se pode investigar as causas das dificuldades
de aprendizagem olhando apenas para o
passado, nem somente para o momento atual do
sujeito. Informação históricas e a-históricas se
complementam.
10 - Quem é Jean Piaget e por que conhecê-lo é tão
importante para nosso trabalho psicopedagógico e
à educação como um todo?

A Epistemologia Genética, criada por Jean Piaget, é uma das


vertentes da Epistemologia Convergente criada por Jorge Visca. Não
podemos falar de Piaget sem antes relembrar o início de sua vida e o
caminho que percorreu para resolver seus problemas epistemológicos
sobre o conhecimento, que desde muito cedo o inquietavam.
É preciso ressaltar que a obra de Piaget é muito vasta e não será
possível abordar todo conteúdo de uma vida inteira de pesquisas e
descobertas. Aqui serão citados alguns conceitos importantes, que
servem de apoio à compreensão da atuação psicopedagógica.
Jean William Fritz Piaget nasceu em 9 de agosto de 1896 em
Neuchâtel na Suíça e faleceu aos 84 anos em Genebra, Suíça, no dia
16 de setembro de 1980. Seu pai era professor de literatura medieval
e sua mãe era descrita por ele como inteligente, enérgica, mas de
temperamento bastante neurótico que tornou a vida familiar muito
difícil, levando-o a abandonar muito cedo os brinquedos pelo
trabalho sério (DOLLE, 1987).
Foi um menino precoce, interessando-se desde os sete anos pela
vida animal: pássaros, fósseis e conchas marinhas. Aos 11 anos, Piaget
escreveu um artigo de uma página, com observações feitas sobre um
pardal albino, e o enviou a um jornal de História Natural de
Neuchâtel. Piaget chamou a atenção por seu interesse precoce na vida
científica e, antes mesmo da sua adolescência, recebeu autorização do
diretor do Museu de História Natural de Neuchâtel, Dr. Paul Godet,
especialista em moluscos, para trabalhar duas vezes por semana,
ajudando-o a colar etiquetas nas coleções de conchas terrestres de
água doce (ibid.). Lá ele observou moluscos por quatro anos e
escrevia suas percepções sobre a adaptação dos animais. Seria o início
dos seus estudos posteriores sobre a importância do processo de
adaptação, tão importante para a aprendizagem.
Em sua adolescência, em uma de suas férias no lago de Annecy,
conversava com seu padrinho sobre Filosofia e começou a perceber
as relações entre Biologia e conhecimento. Essa descoberta foi um
choque imenso, segundo suas palavras, tendo tido o insight sobre o
problema do conhecimento – a epistemologia – em uma nova
perspectiva. A partir dali, consagrou sua vida à explicação biológica
do conhecimento (ibid.).
Frequentou a Universidade de Neuchâtel onde estudou Ciências
naturais, concluindo seu doutorado aos 22 anos de idade. Piaget
queria fundar uma teoria do conhecimento baseando-se na
investigação biológica. Aos 30 anos, já havia publicado mais de 20
artigos, a maioria relacionado a moluscos (LEFRANÇOIS, 2015).
Após formar-se, foi para Zurique (Suíça). Ouviu conferências de
Jung, Pfister e lia sobre Freud, mas não conseguiu encontrar nesta
investigação solução para resolver seus problemas acerca da gênese
do conhecimento.
Em outono de 1919, viajou para Paris onde foi convidado a
trabalhar no laboratório de Alfred Binet, psicólogo infantil, que
desenvolveu testes de inteligência padronizados para avaliação de
crianças. Lá, sob a orientação de Théodore Simon, deveria aplicar um
antigo teste de inteligência, os testes de raciocínio de Burt, em
crianças pequenas para padronizar os itens (ibid.).
Nesta experiência, Piaget começou a perceber que as crianças
cometiam sempre os mesmos “erros” quando tinham que resolver
problemas lógicos. Ele estava mais interessado em saber como estas
crianças pensavam do que padronizar respostas certas e erradas,
como acontece nos testes de inteligência. Para a Psicologia
Experimental, não era importante saber sobre os erros das crianças,
pois estava mais interessada nos acertos. Piaget, ao contrário, queria
descobrir por que as crianças davam respostas erradas aos problemas.
Disse ele em um discurso de recepção do prêmio Erasmo:
... desde minhas primeiras entrevistas, observei que, embora os testes de Burt, tivessem
méritos indubitáveis quanto ao diagnóstico, já que se fundamentavam sobre o
número de êxitos e fracassos, era muito mais interessante tentar descobrir as razões
dos fracassos. Desse modo, empreendi com meus sujeitos conversas do tipo das
entrevistas clínicas com a finalidade de descobrir algo sobre os processos de
raciocínio que estavam por trás de suas respostas corretas, com um interesse
particular pelo que ocultavam as respostas falsas. (PIAGET, 1966, p. 136-137)

Em 1921, Piaget retornou à Suíça como diretor do Instituto


Rousseau da Universidade de Genebra, onde iniciou um trabalho de
observação de crianças brincando. Registrava com cuidado tudo o
que podia: ações, palavras, raciocínio e as relações lógicas que faziam.
Piaget casou-se com Valentine em 1923, uma estudante que se
interessou em ajudar Piaget nas suas pesquisas. Com o nascimento de
seus filhos, Jaqueline, Lucienne e Laurent, ele pôde iniciar uma etapa
de observações que foram mais tarde publicadas em livros, tais como:
“O nascimento da inteligência na criança” (1936); “A construção do
real na criança” (1937) e “A formação do símbolo na criança: imitação,
jogo e sonho, imagem e representação” (1946). Ao longo de sua vida,
escreveu mais de 75 livros e inúmeros artigos.

Piaget recebeu ajuda da psicóloga Barber Inhelder. Na época em


que Piaget a conheceu, ela ainda era estudante universitária e Piaget a
convidou para colaborar em suas pesquisas, estudando as respostas
das crianças sobre a questão da dissolução do açúcar na água. Em
seguida, vieram os estudos sobre conservação. Juntos escreveram
mais de nove livros. O doutorado de Inhelder foi sobre os processos
de raciocínio de crianças mentalmente retardadas, como eram
chamadas na época, termo hoje não recomendado. 

Com estas experiências, Piaget concluiu que o raciocínio lógico


não é inato, e que o conhecimento vai desenvolvendo-se a partir da
interação da criança com o meio, levando-a a desenvolver a
capacidade de adquirir o conhecimento. Ele estava mesmo
interessado em saber o caminho que a criança realizava para adquirir
o conhecimento e como este evolui, ou seja, queria descobrir a
gênese do conhecimento. A Biologia o ajudou a perceber que o
desenvolvimento cognitivo é uma evolução gradativa e os dividiu em
estágios de desenvolvimento. (Veja questão 15.)

É na interação entre sujeito e objeto que se constrói


o conhecimento. Não há um sujeito passivo e outro
ativo, os dois são ativos no processo.
11 - Qual é objeto da Psicologia Genética de
Piaget?

O objeto da Psicologia Genética é o sujeito cognoscente ou


sujeito epistêmico, compreendendo as estruturas cognitivas comuns
que se apresentam em um dado momento do desenvolvimento e o
processo de formação dessas estruturas, bem como a psicogênese
nos indivíduos.
A Psicologia Genética se interessou em saber como se constrói o
conhecimento, desde o nascimento até a adolescência.
Em seus estudos, Piaget percebeu que a forma como as crianças
adquirem o conhecimento e conhecem o mundo é similar à forma
como os cientistas constroem suas teorias. As crianças, por meio de
curiosidades e perguntas, vão formulando hipóteses na tentativa de
explicar a realidade. Piaget trouxe um novo olhar sobre o ensino, ao
investigar como a criança constrói seu pensamento.
Na medida em que compreendemos isto, como educadores,
entendemos que é necessário realizar uma escuta adequada sobre as
hipóteses que a criança levanta e que devem ser estimuladas a pensar,
raciocinar e chegar a conclusões como pequenos cientistas.
A criança obtém informações de seu ambiente que vão sendo
agregadas a informações que já possuem, e estas vão sendo
modificadas ou acrescidas. Se a criança tem uma informação e surge
outra informação que gera um conflito, as ideias ficam incompatíveis
entre si, e a criança acaba substituindo uma hipótese por outra. Esse
percurso de recebimento de informações do ambiente, levantamento
de hipóteses, sustentação das hipóteses e modificação das hipóteses,
a partir das informações que recebe do meio, é o que leva a criança a
construir seu conhecimento. Piaget denominou esse processo de
assimilação, acomodação e equilibração, que são subprocessos da
adaptação e serão explicados em outra questão mais adiante. (Veja
questão 22.)
Se um professor oferece a informação pronta, já como verdadeira,
sem permitir que a criança questione, ela apenas assimilará a
informação, mas sem a chance de construir hipóteses e chegar por si
mesma a uma conclusão. Quando a criança é estimulada a pensar, ela
consegue transpor esta experimentação para qualquer outra situação.
O raciocínio vai desenvolvendo-se e seus esquemas vão sendo
gradativamente ampliados. As crianças precisam de ajuda com suas
hipóteses. Esta é a função do educador, ajudar as crianças a pensarem
por si e organizarem as ideias e não oferecer respostas prontas.
Assim, Piaget interessava-se em entender o mecanismo
psicológico que a criança utilizava para estabelecer relações causais
entre os fatos e a realizar operações lógicas.
É importante entender que as crianças não compreendem muitas
coisas ditas pelos adultos porque lhes faltam estruturas intelectuais
necessárias para incorporar o sentido do que querem dizer. As
crianças pré-operatórias podem interpretar mal o que os adultos
querem dizer porque elas são egocêntricas, e, assim sendo, não
podem descentrar-se do seu ponto de vista, não conseguem colocar-
se no lugar do outro e perceber suas intenções. Este conhecimento é
importante para que pais e educadores compreendam que há
limitações do que deve ser exigido de uma criança, já que o
desenvolvimento cognitivo é gradual e ocorre em determinados
períodos.
Compreender os estágios de desenvolvimento, como
se dá a evolução do pensamento e interessar-se
inclusive em entender os erros da criança são
atitudes de um verdadeiro educador interessado na
formação psíquica saudável do sujeito.
12 - Que outras explicações surgiram para
justificar
por que crianças pequenas pensam
diferente dos adultos em termos de raciocínio?

Atualmente, as explicações de Piaget sobre os estágios de


pensamento ainda são bastante aceitas para elucidar por que crianças
pequenas não conseguem raciocinar logicamente da mesma maneira
que os adultos.
Atualmente, dispomos de estudos da Neurociência que
complementam os estudos de teóricos como Piaget. Case (apud
WOOD, 2000) explica que, conforme as crianças amadurecem, a
velocidade de processamento mental vai aumentando, permitindo
codificar e recuperar informações da memória mais rapidamente à
medida que a idade avança.
A mente da criança trabalha mais lentamente que a mente dos
adultos devido à sua menor velocidade de processamento e memória
de trabalho limitada. A mente dos adultos pode processar
simultaneamente mais informações, o que permite resolver problemas
que não poderiam ser resolvidos pelas crianças, devido a pouca
capacidade de retenção e menor velocidade de processamento
(HALFORD apud WOOD, 2000).
No senso comum, chamamos a isto de imaturidade. O cérebro
está em amadurecimento, e isto é incontestável, mesmo para aqueles
que nunca estudaram Neurociência. Todo educador sabe que deverá
haver uma exigência gradual, que as crianças respondem de maneira
divergente nas diferentes faixas etárias, que as informações devem ser
simples para crianças pré-operatórias e à medida que a linguagem
evolui, o pensamento também evolui, e doses maiores de informações
poderão ser absorvidas.
À medida que a criança cresce, e é submetida a novos estímulos,
novas conexões sinápticas vão sendo realizadas entre os neurônios,
possibilitando maior raciocínio e aprendizagem.
Atualmente, contamos com a explicação da
Neurociência sobre a importância das funções
executivas no desempenho escolar, dentre elas
a velocidade de processamento que evolui com a
maturidade.
13 - A Teoria de Piaget é uma teoria de
aprendizagem ou de desenvolvimento?

Pelo fato de Piaget ser muito estudado e citado na educação,


muitos confundem acreditando que sua teoria é uma teoria da
aprendizagem, mas não é. É uma teoria do desenvolvimento
cognitivo. Por longos anos dedicados a observações, Piaget (2002)
identificou estágios ou períodos sucessivos de desenvolvimento: 1º -
o estágio dos reflexos; 2º - o estágio dos primeiros hábitos motores e
das primeiras percepções organizadas e dos primeiros sentimentos
diferenciados; 3º - o estágio da inteligência sensório-motora ou
prática; 4º - o estágio da inteligência intuitiva (dois aos sete anos); 5º
- o estágio das operações intelectuais concretas (7 a 11 ou 12 anos);
6º - o estágio das operações intelectuais abstratas. Estes estágios
foram resumidos a quatro e, assim, são mais conhecidos: estágio
sensório-motor, estágio pré-operatório, estágio operatório concreto
e estágio do pensamento formal. (Descrição mais detalhada poderá
ser encontrada na questão 15.)
Também não devemos confundir dizendo que Piaget criou um
método Construtivista. Ele utilizou o método clínico em suas
investigações epistemológicas, pois tinha a intenção de construir uma
teoria do conhecimento (VISCA, 2008).
A partir das pesquisas de Piaget, educadores passaram a
compreender que o conhecimento é construído pela criança e que ela
não é um sujeito passivo ou um depósito de informações, e então
surgiu o método educacional chamado Construtivismo. O
Construtivismo ampliou a necessidade de se olhar para as relações
que o sujeito estabelece entre o que aprende e o meio em que vive.
Nisto consiste uma forma mais efetiva de aprendizagem, em
detrimento de uma educação tradicional e arcaica, que levava o
sujeito a decorar de forma mecânica conceitos sem sentido e sem
significado para o aprendente.
Este conhecimento favoreceu uma nova Pedagogia, que passou a
levar em consideração os aspectos subjacentes de cada etapa do
desenvolvimento.
A teoria de Piaget é uma teoria do desenvolvimento
e não da aprendizagem, que utilizou o método clínico
em suas investigações.
14 - Por que é importante conhecer o nível de
desenvolvimento cognitivo em que a criança se
encontra?

Os estudos de Piaget trouxeram grandes contribuições aos


educadores e a nós, psicopedagogos. Quando nos deparamos com
um sujeito com dificuldades, é necessária uma profunda investigação
para identificarmos as causas.
Algumas crianças, mesmo não tendo déficit intelectual, podem
apresentar atraso no raciocínio. Isso, de maneira geral, confunde os
pais que nos relatam que não compreendem por que seus filhos tiram
notas baixas se, para outras situações, parecem ser inteligentes. Com
esta queixa, partimos para uma investigação.
As provas operatórias piagetianas nos oferecem um
direcionamento para identificarmos em que nível de pensamento a
criança se encontra, com a finalidade de perceber a lógica do
pensamento. Como vimos anteriormente, Piaget identificou que
existem estágios de desenvolvimento, e, em sua investigação, ele
identificou que as crianças oferecem respostas mais ou menos
parecidas quando estão em determinado estágio e modificam suas
respostas quando passam para um próximo estágio.
Se, na aplicação das provas de Piaget, o sujeito nos oferece uma
resposta que seria típica de um estágio anterior, podemos perceber
que seu raciocínio lógico não está acompanhando o que é esperado
para sua idade. Por exemplo, uma criança com nove anos de idade,
que já se espera que tenha alcançado noções de conservação, mas
ainda oferece respostas típicas do pensamento pré-operatório,
poderá apresentar dificuldades na compreensão de conteúdos
escolares que são próprios para sua idade.
A velocidade de processamento deste sujeito mostra-se mais lenta
para compreensão de conteúdos mais complexos, necessitando de
tempo adicional, repetições e explicações mais concretas. Sendo
assim, espera-se que o professor tenha mais paciência e compreensão,
estimulando, repetindo de outras maneiras que favoreçam a sua
aprendizagem.
O psicopedagogo clínico irá trabalhar com o objetivo de
estimular o raciocínio, utilizando-se de instrumentos de intervenção
psicopedagógica, orientando os pais para a importância de também
estimularem seus filhos.
Sabemos que muitos pais, independentemente da classe social,
apresentam pouca ou nenhuma noção de como é possível realizar
esta estimulação. Convidar os pais para participarem de algumas
sessões de orientação é de grande valia.
Piaget identificou estágios de desenvolvimento
que deverão ser estudados e compreendidos pelo
psicopedagogo. Estudo aprofundado sobre as provas
operatórias também deverá ser realizado.
15 - Quais os estágios de desenvolvimento
cognitivo identificados por Piaget?

SENSÓRIO-MOTOR

É o período que vai do nascimento até cerca de um ano e meio


aos dois anos de idade, que constitui o período de latência. Segundo
Piaget (2002), engloba três estágios: o 1º estágio que ele chama de
estágio dos reflexos ou mecanismos hereditários, que envolve as
primeiras tendências instintivas (nutrição) e as primeiras emoções; o
2º estágio chamado de primeiros hábitos motores, que envolve
também as primeiras percepções organizadas e os primeiros
sentimentos diferenciados; o 3º estágio chamado de senso-motora
ou prática, anterior à linguagem, que envolve as regulações afetivas
elementares e as primeiras fixações exteriores da afetividade.
Quando a criança nasce, não consegue discriminar seu eu e o
mundo que a cerca, tendo seu corpo como referência. Tudo consiste
em uma extensão do seu corpo, onde tudo gira em função dela. É o
chamado egocentrismo (MOREIRA, 1999).
Ainda não existe uma representação mental, e seu
comportamento é baseado no aqui e agora (LEFRANÇOIS, 2015), ou
seja, nos objetos que pega e nas pessoas que surgem na sua frente.
Na metade deste período, a criança começa a descentralizar suas
ações em relação ao próprio corpo e vai percebendo que as coisas
existem independentes dela. Antes ela não se percebia como sujeito
dotado de desejos, mas, ao final desta etapa, ela já consegue
manipular objetos para satisfazer suas vontades, para satisfazer sua
fome, para conseguir alguma coisa e imita comportamentos. Já é
capaz de saber que um objeto existe mesmo sem estar na sua frente,
pois tem a representação mental dele.
PRÉ-OPERATÓRIO

Este período é também chamado por Piaget de “Estágio da


inteligência intuitiva, dos sentimentos interindividuais espontâneos e
das relações sociais de submissão ao adulto” (PIAGET, 2002, p. 15).
Neste período, já existe uma representação simbólica, cuja ação
motriz da etapa anterior é transformada em pensamento (VISCA apud
SAMPAIO, 2009).
O primeiro subestágio que vai dos dois aos quatro anos, é
chamado de função simbólica. Neste estágio, a criança consegue
realizar uma representação mental da realidade externa percebida,
que permite compreender o mundo por meio da representação de
narrativas, cenas assistidas, jogo simbólico, mímicas (ibid.). Ela agora é
capaz de compreender as propriedades de classe (de forma limitada),
pois já consegue associar um objeto com outro que viu
anteriormente, exemplo: viu um lápis pela primeira vez, quando olha
outro lápis saberá que pertence à mesma classe, mas ainda tem
dificuldades de compreender a que classe maior pertence. Este
pensamento é chamado de preconceitual, pois, embora consiga
perceber as classes, a compreensão é limitada, como, por exemplo,
acredita em Papai Noel, mas não questiona o fato de vê-lo em vários
lugares em um só dia, no período de Natal (LEFRANÇOIS, 2015). Isso
só acontecerá mais tarde.
Dos dois aos quatro anos, o raciocínio é transdutivo, ao invés de
dedutivo (raciocínio que parte do geral para o específico) ou indutivo
(parte do específico para o geral). No raciocínio transdutivo, a criança
tem uma lógica falsa, no qual faz inferências de uma situação
específica para outra, por exemplo: meu gato tem pelo e aquela outra
coisa tem pelo, portanto aquela outra coisa é um gato (ibid.). Ele pode
acertar algumas vezes, mas outras não.
O segundo subestágio vai dos quatro aos sete anos e é chamado
de pensamento intuitivo, porque, para Piaget, as crianças parecem ter
certeza de seu conhecimento e compreensão, mas ainda não usam o
pensamento racional (SANTROCK, 2009).
O pensamento torna-se mais lógico, embora a percepção
predomine sobre a lógica. O pensamento é essencialmente simbólico
e pré-lógico (DOLLE, 1987). Ainda há ausência de conservação, de
compreender que objetos podem ser inseridos em categorias maiores
e o pensamento é egocêntrico.
Este período pré-operatório tem como aspecto central o
egocentrismo, que Piaget entende como sendo um fato intelectual (L.
P. apud DOLLE, 1987). O egocentrismo é um fenômeno inconsciente e
diz respeito a um pensamento centrado apenas no ponto de vista da
criança, que não consegue perceber o ponto de vista do outro, muito
menos colocar-se em seu lugar.
É incapaz de descentrar o pensamento e centra-se em apenas um
traço. Não consegue acompanhar as transformações, como no
exemplo de uma das provas piagetianas chamada de conservação de
matéria ou de massa: diante de duas bolas, consegue perceber que
tem a mesma quantidade de massa, mas, se transformamos uma delas
em salsicha (transformação feita na frente da criança), o sujeito pré-
operatório não é capaz de conservar a mesma quantidade e pode
afirmar que a salsicha tem mais ou que tem menos quantidade de
massa que a bola. O pensamento conservador só acontecerá a partir
da etapa seguinte chamada de operatório concreto.
OPERATÓRIO CONCRETO
Piaget chamou este período de “Estágio das operações
intelectuais concretas (começo da lógica) e dos sentimentos morais e
sociais de cooperação” (PIAGET, 2002, p. 15). Neste período, que vai
aproximadamente dos 7 aos 11 ou 12 anos de idade, o pensamento
da criança deixa de ser essencialmente simbólico, como na etapa
anterior, no qual prevalecia a percepção e o egocentrismo. Agora, o
pensamento torna-se mais lógico, com uso de regras, envolvendo uso
de operações, porém ocorre apenas diante das situações concretas,
pois ainda não consegue raciocinar de forma abstrata.
Neste estágio, a criança já consegue reverter, mentalmente,
operações concretas. Já consegue descentrar o pensamento
concentrando-se em mais de uma característica do objeto. No
exemplo da prova piagetiana de quantidade de matéria, na qual
inicialmente existem duas bolas de mesma quantidade de massa e
uma delas transformamos em salsicha, a criança, neste período, já
apresenta a noção de conservação dizendo que há a mesma
quantidade, e consegue utilizar alguns argumentos: a) reversibilidade
– quando afirma que, se pegarmos a salsicha e voltarmos a fazer uma
bola, continuará com a mesma quantidade; b) identidade – quando
afirma que tem a mesma quantidade porque não tirou nem colocou
nada; c) compensação – quando reconhece uma equivalência dizendo:
“este copo é mais alto, porém é mais fino ou essa bola pode ter o
formato que for continuará com a mesma quantidade” (VISCA,
2008b). Na prova piagetiana de dicotomia ou pequenos conjuntos
discretos de elementos, já é capaz de combinar fichas observando
características, tais como: separar as azuis das vermelhas,
independentemente da forma e tamanho; separar as quadradas das
redondas, independentemente das cores e tamanhos; separar as
grandes e as pequenas, independentemente das formas e cores.
Já consegue realizar a lógica da transitividade combinando as
relações de forma lógica, por exemplo: ao ver três crianças, percebe
que João é maior do que Pedro e Pedro é maior do que Maria, então
João é maior que Maria, mas ainda é necessário ter os objetos à sua
frente, de maneira concreta, para perceber a lógica. Este tipo de
pensamento não ocorre em crianças pré-operatórias (SANTROCK,
2009).
LÓGICO-FORMAL OU HIPOTÉTICO-DEDUTIVO

Este período foi chamado por Piaget de “Estágio das operações


intelectuais abstratas, da formação da personalidade e da inserção
afetiva e intelectual na sociedade dos adultos” (PIAGET, 2002, p. 15). A
partir dos 12 anos, o indivíduo deixa de utilizar o pensamento
estritamente concreto e passa a realizar um pensamento abstrato e
lógico. No exemplo anterior, a criança precisa do concreto para
perceber a relação lógica entre a altura de João, Maria e Pedro. No
estágio formal, ele já consegue resolver este problema sem a
necessidade de visualizar o objeto concreto.
Visca (2002) observa que, enquanto no nível operatório concreto
as operações funcionam somente sobre o que se pode comprovar e
sobre as representações, o sujeito que alcançou o pensamento
hipotético-dedutivo pode raciocinar sobre proposições que não
acredita, ou seja, que considera como puras hipóteses.
A pessoa que alcançou o pensamento formal consegue combinar
de maneira exaustiva e sistemática, bem como pode, posteriormente,
permutá-los de acordo com diferentes ordens possíveis. Pode
combinar hipóteses, negando ou afirmando, e pode utilizar
proposições: a implicação, a disjunção, a exclusão, a
incompatibilidade, a implicação recíproca etc. (ibid.).
Compreender os estágios de pensamento é
imprescindível a todo educador, para que não exija
além do que a criança pode oferecer e incorrer
no risco de rotulá-la como tendo dificuldades de
aprendizagem.
16 - O que é o método clínico?

O método clínico foi adotado por Visca (1987) para ser utilizado
na Psicopedagogia tanto individualmente quanto em grupo.
Inicialmente, o autor lembra que o método clínico se originou na
Medicina e recebeu esse nome porque kliné, em Grego, significa leito,
que era o lugar de atendimento dos pacientes. O termo passou a ser
utilizado na Psiquiatria e, posteriormente, na Psicanálise. Na
Psicanálise de crianças concebidas por Ana Freud e Melaine Klein, o
atendimento deixa de ser na posição recostada (leito), já que a criança
apresenta movimento corporal mais intenso. Todavia, Visca observa
que as características do método clínico permanecem conservadas. A
partir do momento que o atendimento se amplia para o atendimento
grupal, como trabalhado por Pichon-Rivière (veja questão 27), o
método clínico deixa de ser exclusivamente individual para ser
também grupal.
O método clínico utilizado por Piaget em suas pesquisas tinha
como objetivo a investigação do pensamento infantil. Por meio de
atividades propostas pelo experimentador, pretendia-se identificar
como as crianças assimilavam, acomodavam e construíam seu
conhecimento. O erro passou a ser visto não como um problema, mas
como uma oportunidade de observar como a criança pensava.
Identificou que aquilo que se acreditava ser dificuldade, na realidade,
eram respostas próprias de etapas que identificou como estágios de
pensamento.
Piaget percebeu que as crianças possuem um pensamento lógico
e que, muitas vezes, não são compreendidas pelos adultos. Há uma
construção no pensamento da criança, que se amplia à medida que
entra em contato com novas informações do ambiente.
Desde o início, eu estava convencido de que o problema das relações entre
organismo e meio colocava-se também no domínio do conhecimento, aparecendo
então como o problema das relações entre o sujeito atuante e pensante e os objetos
de sua experiência. Apresentava-se a mim a ocasião de estudar esse problema em
termos de psicogênese. (C.V.P. apud Dolle, 1987, p.21)

Ele queria descobrir qual é a gênese das estruturas lógicas do


pensamento da criança, quais os processos de conhecimento que a
criança utiliza e coloca em ação (DOLLE, 1987).
Emprestado do método experimental da Psicologia Clínica, do
método de interrogação clínica dos psiquiatras (ibid.) e da Psicanálise
(LEFRANÇOIS, 2015), é um termo que se refere a uma técnica de
entrevista semiestruturada, cujas respostas dos sujeitos às perguntas
que lhe são feitas vão determinando a pergunta posterior (ibid.). Não
há uma ordem de perguntas predeterminadas, tudo depende da
resposta anterior. Exige bastante escuta por parte do entrevistador,
bem como que este se deixe conduzir pelas explicações e perguntas
formuladas pelas crianças.
Nas questões seguintes, falaremos sobre o método clínico na
atuação educacional e psicopedagógica.

O método clínico tem grande vantagem por ser


flexível, o que proporciona ao entrevistador
descobertas surpreendentes, porém demanda
paciência por parte de quem aplica e posterior
interpretação.
17 - Como psicopedagogos podem orientar
educadores na utilização do método clínico em
sua prática?

Alícia Fernández (2001) lembra que o adjetivo “clínica” da


chamada Psicopedagogia clínica, se deve à psicopedagoga Blanca
Tarnopolsky, que utilizava este termo desde a década de 70 por
reconhecer a existência de fenômenos inconscientes e, portanto, a
Psicanálise deve fazer parte do enfoque clínico.
O enfoque clínico não está apenas em consultórios, mas deve
fazer parte também da educação, porque clínica não se restringe a
patologias, ao que a autora chama atenção para este mal-entendido.
Para ela, é necessário diferenciar enfermidade de patologia e ainda de
sofrimento, pois todo ser humano sofre no sentido existencial, e o
professor induz, inevitavelmente, a um sofrimento psíquico do sujeito,
o que não quer dizer enfermidade. Portanto, “o adjetivo “clínica” faz
referência a uma postura, a uma ética, a um modo de ler as situações e
de intervir (vir “entre”), sem interferir (ferir-entre)” (FERNÁNDEZ, 1991,
p. 51).
Esta postura e o estar atento ao modo de intervir relaciona-se
com o método clínico proposto por Piaget, que abordamos na
questão anterior. A escuta à construção do pensamento da criança
deve fazer parte da postura do educador, que deverá permitir que a
criança observe, analise e chegue a algumas hipóteses. Infelizmente,
ainda observamos que, em algumas escolas, esta escuta existe de
forma precária e limitada, mesmo naquelas que se dizem
construtivistas. Em geral, o pensamento da criança é imediatamente
corrigido com a informação dita “correta”. Professores se queixam da
grande quantidade de conteúdo curricular a ser cumprido, sobrando
pouco tempo para esta exploração cognitiva.
De maneira mais prática, tomemos como exemplo as provas
escolares. Quando a criança dá uma resposta diferente daquela
esperada pelo professor, esta é marcada como errada e não é
oferecida a oportunidade de explicar o que estava pensando quando
produziu sua resposta. O que observamos é que são registradas várias
correções na prova, com a resposta que o professor acredita ser a
correta. Certamente, haverá uma lógica na resposta do aluno, e aquilo
que parece errado aos olhos do adulto não será errado na lógica da
criança.
Mas não há tempo! Não há tempo para revisões mais minuciosas,
não há tempo para retomadas, não há tempo de compreender cada
sujeito que não alcança o objetivo proposto. Não há tempo para
ofertar a escuta.
A avaliação quantitativa continua sendo mais valorizada que a
qualitativa, e alunos são afetados em sua autoestima, acreditando-se
incapazes. Há anos estudiosos da educação e da psicologia vêm
questionando os métodos de ensino e de avaliação impostos nas
escolas, mas poucas mudanças são realizadas na prática, e devemos
nos perguntar o que sustenta este sistema ameaçador, castrador e
punitivo? Quais as reais dificuldades para a promoção de mudanças
no sistema em prol de uma educação com mais qualidade de escuta,
mais tempo de elaboração, mais tempo de investigação? Não
estariam as escolas exagerando na quantidade de conteúdo, em uma
corrida desenfreada para alcance de notas mais altas, para que fotos
dos aprovados em faculdades sejam divulgadas em outdoors e mais
matrículas sejam captadas?
Se os professores registrassem as falas das crianças, que parecem
sem lógica, e as analisassem pela perspectiva da criança, conseguiriam
compreender que não se trata de bobagens. Devem-se considerar a
imaturidade própria do sistema nervoso e a falta de conhecimento
suficiente para pensar como um adulto, e, portanto, não cobrar
respostas tão elaboradas.
Se uma criança é submetida a uma informação, e se esta não tiver
problemas de memória, ela poderá ser capaz de memorizar, porém
cabe ao professor levantar o máximo de situações e hipóteses sobre
esta informação, durante a explicação da criança, para provocar
reflexões e desenvolver a lógica.
Ferreiro (2001) nos orienta que, para interrogar a criança como
Piaget fazia, é necessário não focar nos resultados, mas no caminho
que a criança percorre para chegar a este resultado: “[...] recuperar a
curiosidade frente ao desconhecido, o desembaraço de lhe dizer: “não
entendo nada, explique-me de novo‟, o desejo de compartilhar as
razões de um modo de raciocinar” (ibid., 2001, p. 24).
Uma criança pode não ter oportunidade de elaborar suas
hipóteses quando outro aluno, que já compreendeu mais
rapidamente a explicação, deu a resposta “certa” e corrigiu o colega
que ainda estava construindo seu raciocínio.
Algumas crianças apresentam maior velocidade de processamento
que outras, e o professor precisa estar atento para que
atropelamentos não aconteçam, afetando a autoestima e
desestimulando a participação de alunos que ainda estão construindo
o raciocínio.
Situações como estas podem levar a criança a sentir-se pouco
capaz, por não ter alcançado a expectativa do professor e dos
colegas, culminando em retraimento e ausência de participação nas
aulas. As crianças com raciocínio mais rápido, tidas como “mais
espertas”, avançam, mas outras vão ficando para trás, e são estas que
necessitam de mais tempo e mais dedicação do mediador, antes
mesmo de ser encaminhada para consultórios. Os alunos mais
“rápidos” no raciocínio não têm culpa, mas cabe aos professores
mediarem estas situações a fim de se evitar que crianças com
dificuldades entrem em um casulo.
O psicopedagogo institucional será um dos profissionais que
estará atento a estas situações. Poderá trazer reflexões com os
professores, para que pensem em possibilidades de investimento com
um olhar mais qualitativo sobre as respostas oferecidas pela criança,
fazendo jus ao que Piaget sinalizou por meio de seus estudos sobre a
construção do pensamento da criança.
Interessar-se pelas estratégias que o sujeito utiliza, para tentar
resolver uma tarefa específica, deverá ser uma efetiva preocupação de
todo professor que deseja proteger a criança da nociva sensação de
impotência cognitiva.

O método clínico não está restrito ao trabalho na


clínica. Ele pode e deve ser utilizado, inclusive por
professores em salas de aula, porque tem como
objetivo investigar a construção do pensamento da
criança, a partir das relações com o meio.
Anotações
18 - Como psicopedagogos podem utilizar o
método clínico em sua prática?

Tanto psicopedagogos clínicos quanto psicopedagogos


institucionais podem utilizar o método clínico para compreender o
pensamento lógico da criança.
O posicionamento clínico faz parte do psicopedagogo e de suas
ferramentas conceituais, independentemente de estar trabalhando em
uma escola, em uma faculdade, em um consultório, na televisão ou
em um hospital. (FERNÁNDEZ, 1991)
Em Psicopedagogia Clínica, não damos respostas prontas.
Levamos o sujeito a pensar, buscar informações, a refletir, a levantar
hipóteses e chegar a uma conclusão. Podemos estimulá-lo a buscar na
Internet, assistir a videoaulas ou buscar o conhecimento em outras
fontes. Este modo de agir é difícil, sobretudo para pedagogos que se
acostumaram a passar conhecimento, e requer muito treino.
É tão difícil não falar quando questionamos uma criança, sobretudo quando se é
pedagogo! É tão difícil não sugestionar! É sobretudo muito difícil evitar tanto a
sistematização devido a ideias preconcebidas como a incoerência decorrente da
ausência de toda hipótese diretriz! (PIAGET, 1924/2005, p. 15)

E sugere:
O bom experimentador deve, efetivamente, reunir duas qualidades muitas vezes
incompatíveis: saber observar, ou seja, deixar a criança falar, não desviar nada, não
esgotar nada e, ao mesmo tempo, saber buscar algo de preciso, ter a cada instante
uma hipótese de trabalho, uma teoria, verdadeira ou falsa, para controlar. (PIAGET,
1975, p.11)

Dolle (1987) ressalta que é perigoso quando o profissional


acredita em tudo que as crianças respondem, não lhes dando
oportunidade de pensar por intermédio de perguntas que o
profissional lhe fará a partir de suas respostas. Mas, tão perigoso
quanto é quando se utiliza o método e não se dá crédito a estas
respostas.
Portanto, o método clínico deve ser utilizado conversando
livremente com o sujeito sobre um determinado tema, realizando a
escuta dos seus pensamentos e, posteriormente, reconduzi-lo ao tema
procurando obter justificativas, testar a constância e realizar as
contra-argumentações.
Macedo (1994) sinaliza a importância da utilização do método
clínico nos procedimentos de avaliação e intervenção
psicopedagógica, valorizando o conhecimento do sujeito,
preocupando-se mais com o caminho que a criança trilha, do que
julgar as respostas.
Na aplicação das provas operatórias, percebemos a aplicação do
método clínico, onde não há a estatização de um questionário fixo. O
sujeito oferece respostas espontâneas e livres, pelas quais o
profissional tem a oportunidade de observar seu raciocínio.
Mais do que enquadrar a criança em uma nomenclatura, baseado
nos níveis de desenvolvimento identificados por Piaget como pré-
operatória (não conservadora), operatória concreta (conservadora),
espera-se que a “ênfase principal seja dada ao sujeito, suas tentativas
de solucionar um problema, seus bloqueios, dificuldades recorrentes,
contradições e/ou flutuações de seu raciocínio” (DAMI; BANKS apud
LANJONQUIÈRE, 1992).
Aplicar as provas operatórias piagetianas deve ter a função de
conhecer a criança, não de rotulá-la! A função de conhecer o
pensamento da criança e compreender que as aprendizagens se
constroem por meio de um processo de assimilação ativa, e que este
processo é, em si mesmo, carregado por conflitos, erros e
reformulações (LANJONQUIÈRE, 1992).
Não é raro acontecer de uma criança iniciar o processo de
avaliação psicopedagógica com um pensamento pré-operatório e, ao
final, família e escola nos dizer que a criança começou a apresentar
melhoras na escola. O próprio questionamento que fazemos à criança,
no momento das provas operatórias, gera reflexões. Algumas dizem:
“Sabe aquilo que você me perguntou na outra vez que vim aqui?
Acho que não era aquela resposta”. A avaliação já é, podemos dizer, o
início da intervenção.

O método clínico é utilizado dentro da Psicopedagogia


por permitir uma investigação, utilizando-se de
entrevista semiestruturada, que tem a característica
de ser mais flexível, permitindo ao sujeito evidenciar
a construção do seu pensamento.
19 - O que são esquemas, definidos por Piaget?

Em seus estudos, Piaget percebeu que as crianças adquirem o


conhecimento por meio de ações mentais ou físicas. As ações
humanas são para Piaget a base do comportamento humano, ou seja,
tudo no comportamento parte da ação (MOREIRA, 1999). Portanto,
cada ação é um esquema onde a criança categoriza os elementos
fazendo relações entre eles. Ações físicas como ouvir, olhar, pegar
também são consideradas esquemas (BEE e BOYD, 2011). Todo
comportamento, seja este motor, verbal ou mental, é uma
estruturação dos movimentos do organismo em esquemas (LIMA
apud MOREIRA, 1999).
Os bebês nascem com esquemas, apesar de limitados, também
são considerados esquemas sensório-motores, como cheirar, lamber,
olhar, tocar, estender os braços e é por meio destas ações que a
criança entra em contato com o mundo. À medida que cresce, a
criança passa a adquirir esquemas mentais mais complexos,
procurando categorizar os objetos ou compará-los entre si e continua
a adquirir novos esquemas por toda a vida, realizando análises
dedutivas e raciocínio esquemático.
Falaremos mais sobre esquemas nas questões a seguir.

À medida que cresce, a criança passa a adquirir


esquemas mentais mais complexos, procurando
categorizar os objetos ou compará-los entre si e
continua a adquirir novos esquemas por toda a vida.
Anotações
20 - Qual é a relação entre o esquema e o
conceito de organização e de aprendizagem?

Os esquemas ajudam a organizar nossos pensamentos por


categorias para auxiliar nossos comportamentos, sobretudo na
tomada de decisões (BEE e BOYD, 2011).
Organização é um processo identificado por Piaget que diz
respeito a um processo mental inato, pelo qual produzimos deduções
de esquemas generalizáveis de experiências específicas (ibid.). Por
exemplo, se uma criança vê uma estrela na árvore de Natal, e nunca
viu o formato de uma estrela antes, ao entrar em contato com uma
foto de uma estrela do mar, ela se lembrará da estrela da árvore de
Natal e tentará fazer uma relação entre a imagem nova recebida e
aquela que está em sua representação mental, ou seja, seu esquema.
Neste caso, a criança generaliza a imagem da primeira experiência
para a segunda experiência e levanta algumas hipóteses, concluindo
que se trata de estrelas diferentes, com funções e características
diferentes, apesar de ambas pertencerem à mesma categoria: estrela.
Essas relações lógicas ocorrem de forma intensa nos anos iniciais e
continuam a se desenvolver nos anos seguintes. Quanto mais as
crianças são expostas a novas experiências que lhes permitam pensar,
raciocinar, levantar hipóteses e chegar a conclusões, mais esquemas
são ampliados, mais conexões sinápticas são produzidas.
O professor tem como função ser um mediador deste processo e
não ditar como a criança deverá pensar. Se a criança não conseguiu
fazer a relação lógica adequada, cabe ao mediador oferecer
perguntas que a motivem a buscar mais respostas e fazer mais
relações, sendo construtora do seu processo de aprendizagem.
São os esquemas que facilitam a organização dos
nossos pensamentos, categorizando as informações.
As relações lógicas podem ser ainda mais
desenvolvidas por meio da estimulação e exposição a
experiências, que levam o sujeito a pensar e ampliar
seu raciocínio.
21 - O que são esquemas figurativos e
operativos?

Este conceito de Piaget refere-se às representações mentais das


propriedades básicas dos objetos do mundo (BEE e BOYD, 2011). A
criança registra mentalmente características dos objetos, animais,
pessoas etc. Observa que cadeiras e mesas têm pernas para sustentar,
e isso constitui o formado do objeto. Os esquemas figurativos servem
tanto para saber que aquele objeto faz parte de uma mesma
categoria (móveis, neste exemplo), quanto para saber que cadeiras e
mesas são tipos diferentes dentro da grande categoria de móveis.
Também são esquemas figurativos saber que móveis representam
categorias diferentes de outras, como animais, roupas, transporte etc.
As crianças naturalmente vão desenvolvendo esta percepção a
partir das novas experiências. Aquelas que apresentam mais
dificuldades precisam ser mais estimuladas pelo mediador para que
conquistem esta noção.
Os esquemas operativos requerem um raciocínio mais elaborado
e permitem à criança raciocinar e realizar conexões e associações
lógicas entre os diferentes objetos no mundo. Um exemplo de
quando a criança está usando esquemas operativos é quando
percebem que: onças são felinos, felinos são mamíferos, mamíferos
são animais ou quando aprendem que tal cidade faz parte de tal
estado, que faz parte de tal país, que faz parte de tal continente.
Os esquemas são adquiridos pelo contato com informações
recebidas do meio em que vive, educacional, familiar, mas é
necessário respeitar o nível cognitivo em que a criança se encontra. A
introdução de informações, que exigem maior raciocínio, deve ser
gradual.
Crianças com déficit intelectual, em geral, apresentam limitações
na aquisição dos esquemas operativos, mas deverão estar em
contínuo envolvimento com informações e manipulação de objetos
concretos que auxiliem na sua evolução.
Naturalmente, a exposição a novas experiências
viabiliza a aquisição dos esquemas figurativos.
Quanto mais for a estimulação, mais
desenvolvimento a criança terá, ampliando seus
esquemas operativos.
22 - O que é adaptação, assimilação, acomodação
e equilibração?

Lembram dos esquemas que falamos anteriormente? Segundo


Piaget, nem sempre, eles funcionam como deveriam. Então, o
processo mental conhecido como adaptação irá auxiliar na
organização para que os esquemas sejam modificados (BEE e BOYD,
2011).

Adaptação

Segundo Piaget, a inteligência é uma adaptação e, portanto, um


equilíbrio entre o organismo e o meio (N.I. apud DOLLE, 1987).
Dizemos que houve adaptação quando o organismo se transforma
em decorrência do contato com o meio, onde ocorrem trocas
favoráveis entre o organismo e o meio para a conservação do
organismo. Para que a adaptação aconteça, é necessário o
envolvimento de três subprocessos: assimilação, acomodação e
equilibração. A adaptação é, portanto, um equilíbrio entre assimilação
e acomodação (ibid.).

Assimilação

Diante das demandas do ambiente, o sujeito assimila e ajusta a


realidade à sua maneira, conforme sua estrutura interna (PIAGET apud
METRING, 2018). A partir de esquemas já existentes, o sujeito classifica
os eventos novos e passa a ampliar seus esquemas. Não há uma
modificação, mas um ajustamento, no qual o sujeito filtra a
informação e a interpreta de acordo com sua capacidade cognitiva
(GOMES apud METRING, 2018).
No caso de os conhecimentos internos da criança não serem
suficientes para resolver o problema novo, a criança modificará o
esquema, diante da nova realidade. Ocorre um desequilíbrio, e dá-se
início a uma nova construção cognitiva, no qual o organismo se vê
obrigado a se mobilizar para criar uma solução, ocorrendo
posteriormente a modificação do seu esquema e a acomodação.
Nossa assimilação não é indiscriminada. Não saímos por aí
absorvendo tudo ao nosso redor até porque nosso cérebro não
suportaria. A primeira coisa que devemos saber é que assimilamos de
forma seletiva a experiência, seja uma informação recebida
auditivamente, ou pela percepção visual de um objeto ou mesmo o
contato tátil, no caso das pessoas que não enxergam.
O que nós assimilamos depende dos esquemas que já possuímos,
pois iremos associar uma nova informação a algum conceito já
incorporado. Portanto, a assimilação ocorre quando absorvemos a
informação e a tornamos parte de um esquema existente. E assim
vamos acumulando informações úteis, que vão se sobrepondo,
tornando-se cada vez mais elaboradas e refinadas.

Acomodação

A acomodação acontece quando nosso esquema é modificado a


partir da nova informação recebida e, de acordo com Piaget (apud
BEE e BOYD, 2011), é nesse ponto que a criança se desenvolve, pois há
uma reorganização dos pensamentos para compreensão da
informação e posterior adaptação.
A criança que entra em contato com um gato amarelo, pela
primeira vez, cria um esquema de um bicho peludo, com quatro
patas, rabo, orelhas, bigode, nariz, olhos e que mia. Ao entrar em
contato com um gato cinza, compara com o esquema que já possui
do primeiro gato e começa a perceber que são semelhantes, mas um
era amarelo e este é cinza. A cada novo gato que ela encontrar, vai
ampliando seus esquemas e percebendo que existem gatos de várias
cores. Em algum momento, percebe que não existem gatos azuis,
verdes e rosas, por exemplo, e caso encontre algum poderá levantar
várias hipóteses: Será que é um novo tipo que nunca vi? Será que foi
pintado? Será que está doente? Continuando, a criança que até hoje
só teve contato com gato e vê um cachorro pela primeira vez, irá
perceber semelhanças como a mesma quantidade de patas, e o fato
de ambos terem rabo, olhos e orelhas, mas irá perceber características
divergentes, como o som diferente que cada um emite. Ao se deparar
com outros tipos de cães, ocorrerá o mesmo processo.
Da mesma forma, acontece com o que aprendem na escola. As
informações vão sobrepondo-se e os esquemas vão ampliando-se.
Por exemplo, compreender as funções da adição 2+3 envolve o
conhecimento anterior de número, noção de 2 isoladamente e noção
de 3 isoladamente. Quando entram em contato com a informação de
que essas quantidades podem ser somadas para se transformarem em
outro número, as crianças precisarão do esquema anterior de noção
do número. Elas também vão fazendo generalizações e percebendo
que muitas outras coisas podem ser somadas. Necessitarão deste
esquema inicial para compreenderem a subtração, a multiplicação, a
divisão e os demais conteúdos da matemática, que deverão ser
oferecidos gradualmente.
Cada criança cria seus esquemas de forma muito particular e em
um tempo diferente. Por isso, é necessário que as informações sejam
repetidas quantas vezes forem necessárias, para que o aluno possa
assimilar e fazer as modificações necessárias em seus esquemas,
acomodando a nova informação.
Equilibração

Diz respeito ao equilíbrio entre assimilação e acomodação.


Quando isto não acontece, ocorre um desequilíbrio. Havendo muita
assimilação, não haverá uma nova aprendizagem e, se houver muita
acomodação, também não haverá aprendizagem pelo fato de a
criança realizar muitas modificações, muitas vezes indiscriminadas
(LEFRANÇOIS, 2015).
Em Psicopedagogia, chamamos a este evento de hiperassimilação,
hiperacomodação, hipossimilação, hipoacomodação, que
abordaremos na próxima questão.

Profissionais da Psicopedagogia e educadores


deverão ter profundo conhecimento sobre os
conceitos de adaptação, assimilação, acomodação e
equilibração, se pretendem compreender e intervir
na aprendizagem do sujeito.
Anotações
23 - Em Psicopedagogia, falamos de
hipoassimilação, hiperacomodação,
hipoacomodação e hiperassimilação, mas o que
isto significa?

A aprendizagem saudável acontece quando a assimilação e a


acomodação se encontram em equilíbrio. Havendo o predomínio de
um sobre o outro, haverá um desequilíbrio no processo de
aprendizagem.
Paín (1985) descreve diferentes modalidades no processo de
assimilação e acomodação da realidade quando ocorre o predomínio
de um sobre o outro.
Todo psicopedagogo deverá ter conhecimento desses desvios,
buscando compreender a forma como o sujeito está operando em
sua aprendizagem e o que necessita ser modificado para que
apresente melhor rendimento na aprendizagem.

Hipoassimilação

Há uma pobreza de contato com o objeto, cujos esquemas


encontram-se empobrecidos, ocorrendo em um déficit criativo (PAÍN,
1985; FERNANDEZ, 1991; SAMPAIO, 2009).
Crianças hipoassimilativas realizam pouco contato com o objeto e
há uma pobreza lúdica e criativa. Na EOCA (Entrevista Operativa
Centrada na Aprendizagem), esses sujeitos apresentam um
comportamento mais retraído, tímido, não explora os objetos,
permanecendo, geralmente, em uma mesma atividade (SAMPAIO,
2009). Na caixa lúdica, costumam não elaborar criativamente, com
pobreza no contato com os objetos e na execução.

Hiperassimilação

Segundo Paín (1985), há uma internalização prematura dos


esquemas, havendo um predomínio lúdico. São pessoas que podem
se mostrar até questionadoras, mas apresentam dificuldades para
integrar as novas informações aos seus esquemas. Apresentam
dificuldades em ouvir e, mal fazem uma pergunta, já estão elaborando
novos questionamentos.
Podem apresentar um comportamento impulsivo, com
dificuldades em selecionar, classificar e ordenar os fatos mais
importantes (SAMPAIO, 2009). Podemos encontrar pessoas com
TDAH (Transtorno do Deficit de Atenção e Hiperatividade) nesse
grupo, que, embora sejam inteligentes e questionadoras, apresentam
dificuldades na aprendizagem pela desorganização, impulsividade,
falta de planejamento, dificultando seguir um passo a passo
elaborado para uma compreensão mais ampla.
Na EOCA (Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem),
podem apresentar comportamento questionador, verborrágico,
ansioso, trazendo vários assuntos. Mal ouvem a resposta, após uma
pergunta, já estão elaborando outra (SAMPAIO, 2009).
São pessoas que, embora inteligentes, apresentam dificuldades na
organização dos estudos e com poucos recursos de estratégias de
aprendizagem.

Hiperacomodação

Na hiperacomodação, há uma pobreza de contato com a


subjetividade (FERNÁNDEZ, 1991). Há um predomínio da imitação,
preferem a cópia à criatividade, são submissas, obedientes, acríticas às
normas e regras e possuem pouca iniciativa. Estes alunos são queridos
no nosso sistema de ensino por não serem desobedientes, aceitam
tudo passivamente, não questionam nenhum tipo de ordem ainda
que se sintam injustiçados. Mas, para educadores mais atentos, são
alunos que merecem atenção, por entenderem que alunos passivos,
poucos críticos e submissos podem apresentar déficit na aquisição do
conhecimento.
Alunos hiperacomodativos podem apresentar pouca autonomia
nos estudos. São alunos que geralmente se acomodam com o que o
professor ensinou em sala de aula e não correm atrás de
aprendizagens complementares em outras fontes de informação. Eles
até estudam, mas memorizam mais do que elaboram um pensamento
crítico, portanto não se saem bem em avaliações que exigem
raciocínio abstrato, apresentando dificuldades em fazer relações
lógicas e criativas. São alunos com dificuldades em ampliar seus
esquemas. Na vida adulta, poderão ter dificuldades em uma empresa
que exija iniciativa e criatividade.
Na prática clínica psicopedagógica, na sessão da EOCA (Entrevista
Operativa Centrada na Aprendizagem), podem apresentar
comportamento submisso, obediente. Não se negam a fazer as tarefas
solicitadas, mas procuram referências para ajudar em sua produção
como copiar um desenho da caixa dos lápis de cores ou da capa de
um gibi. Observamos, durante a avaliação, a dificuldade que esta
criança apresenta para construir algo com sucatas, na caixa lúdica,
varrendo com os olhos o consultório em busca de uma ideia que
possa ser copiada.

Hipoacomodação

Nesta modalidade, há também uma pobreza de contato com o


objeto, pela dificuldade em estabelecer vínculos tanto em nível
emocional quanto em nível cognitivo (ANDRADE apud SAMPAIO,
2009). O novo assusta, causando uma sensação de que será
machucado, e a aprendizagem passa a representar perigo, preferindo
evitar o contato.
Segundo Fernandez (1991), são crianças que sofreram falta de
estímulo ou abandono. Na EOCA (Entrevista Operativa Centrada na
Aprendizagem), podem apresentar comportamento evitativo diante
dos objetos, também preferindo não variar muito o material
(SAMPAIO, 2009) ou nem os toca. São crianças que ouvimos repetir
com frequência “Não sei”, “O que é para fazer mesmo?”, “Não sei
fazer nada!”. São mecanismos de defesa utilizados para proteger o
ego e evitar a exposição de suas dificuldades.

O desequilíbrio no processo de aprendizagem


decorre de inúmeros fatores. Cabe ao psicopedagogo
investigar as causas e identificar se a modalidade
de aprendizagem, utilizada pelo sujeito, auxilia ou
bloqueia seu desenvolvimento diante da absorção de
conhecimentos.
Anotações
24 - Como se iniciou a Psicanálise?

Da mesma forma que fizemos com Piaget, falaremos um pouco da


vida de Freud2 e seus estudos para compreender por que a Psicanálise
foi escolhida por Jorge Visca para compor os estudos da
Psicopedagogia. As obras psicanalíticas de Freud são extensas e não é
objetivo desta obra um estudo aprofundado, sendo importante que o
leitor busque informações nas obras originais.
Freud nasceu em 6 de maio de 1856, em Freiberg na Morávia, na
época pertencente ao Império Austríaco e hoje pertence à República
Tcheca. Faleceu em 23 de setembro de 1939, aos 83 anos, em sua casa
em Londres. Era o primeiro dos oito filhos do casal, Jacob e Amália.
Seu pai era judeu e comerciante de lã e enfrentava dificuldades
econômicas. Quando Freud tinha quatro anos, sua família mudou-se
para Viena.
Freud sempre foi muito estudioso, tirava boas notas e muito
precocemente já lia obras de Shakespeare desde sua adolescência e
escrevia um diário de seus sonhos.
Ingressou na Faculdade de Medicina da universidade de Viena em
1873, aos 17 anos. Formou-se em 1881 e desejava trabalhar com
pesquisa, mas precisava ganhar dinheiro e passou a atender em um
consultório, onde hoje se localiza o Museu Freud de Viena.
Aos 30 anos, casou-se com Martha Bernays, com quem teve seis
filhos.
Em 1938, quando os nazistas chegaram à Áustria, Freud e sua
família fugiram para Londres. Em consequência da guerra, Freud
perdeu quatro irmãs nos campos de concentração, e alguns de seus
livros foram queimados.
Formado em Medicina, Freud foi trabalhar no Hospital Geral de
Viena, em várias especialidades. Trabalhou com Meynett, grande
especialista em anatomia do cérebro, mas a relação foi cortada
quando Freud passou a expor suas ideias contrárias às de
neuropatologia da época. Freud identificou que a histeria não era um
mal que afetava apenas às mulheres, como acreditavam nessa época
(histeria vem do Grego hystería que quer dizer útero).
Ainda interessado nos estudos sobre histeria, em 1885, Freud
viajou à Paris para conhecer Jean-Martin Charcot, cientista, médico
neurologista e psiquiatra francês, considerado o pai da Neurologia,
que pesquisava sobre o assunto da histeria e o tratamento por meio
da hipnose. Com o tempo e com os estudos aprofundados na
Psicanálise, Freud superou seu mestre Charcot, questionando suas
ideias.
Freud iniciou sua carreira como médico neurologista, atendendo
pessoas acometidas de “doenças nervosas” (termo da época). Nesta
época, século XIX, doenças como esquizofrenia, psicose e histeria
eram tratadas com eletroterapia, banhos, massagens, hidroterapia,
internação e hipnose. Freud recebia, com mais frequência, pessoas
acometidas pela histeria, a maioria mulheres, cujos sintomas eram
vômitos, contrações, paralisias parciais, convulsões, ataques nervosos,
perturbações da visão. Ele estava interessado em encontrar as origens
da causa da histeria por meio da análise e observação, em vez de
submeter estas pessoas aos tratamentos convencionais da época.
Passou a ouvir os relatos de suas pacientes sem interrompê-las,
marcando, assim, o início da forma de fazer Psicanálise: “Livre
associação”. O ano era 1896. A inauguração deste método
terapêutico permitiu a Freud abandonar a hipnose e a sugestão,
métodos até então utilizados para tratar a histeria.
Deixar o paciente falar livremente, por meio de cadeias
associativas, era o caminho para o paciente conseguir recordar-se dos
traumas infantis e tornar consciente o inconsciente. Além da
associação livre, é fundamental na psicanálise que haja transferência e
que o terapeuta interprete a fala do paciente interessando-se,
principalmente, sobre as primeiras relações de objeto trazidas pelo
paciente. Constituiu-se assim, os três pilares da psicanálise: associação
livre, transferência e interpretação.
Freud identificou que o fator desencadeante do sintoma seria
causado pela repressão, sendo assim afastado da consciência devido à
natureza insuportável do trauma. Identificou que a vida sexual se
presta como conteúdo para a formação desses traumas e pela
impossibilidade de expor as ideias de conteúdo sexual, por meio da
fala, por exemplo. Identificou o ego (estrutura psíquica encarregada
de defender o aparelho psíquico de perturbações perigosas à sua
integridade), como agente responsável pela expulsão da ideia
insuportável para fora da consciência.
Freud identificou que as primeiras causas dos transtornos mentais
tinham sua origem na infância, nas primeiras fases de
desenvolvimento. Identificou a existência da sexualidade infantil, o
que causou grande escândalo na época, mas continuou firme nas suas
ideias. Identificou que adultos resistentes às ideias da sexualidade
infantil ignoram, inventam histórias e mentem para as crianças,
proibindo que estas expressem suas curiosidades, sendo tais atitudes
fontes geradoras de conflitos.
Inicialmente, Freud desenvolveu a teoria da sedução a partir da
escuta de pacientes histéricas, acreditando ter encontrado a etiologia
das neuroses dos adultos em experiências sexuais traumáticas que
ocorreram na infância, porém abandonou esta teoria. Ele percebeu
que, nem sempre, as cenas de sedução recordadas haviam
necessariamente acontecido e concluiu que os sintomas histéricos
decorriam das fantasias impregnadas de desejo e o que era realmente
relevante não eram os fatos da infância e sim a realidade psíquica
(COSTA, 2007). Esta realidade psíquica seria constituída de desejos
inconscientes e pelas fantasias vinculadas a este desejo.
Com o livro “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, Freud
elabora teses sobre a sexualidade infantil e apresenta ao mundo uma
nova criança, dotada de uma sexualidade perverso-polimorfa. “A
sexualidade infantil é pré-genital – oral e anal – e as pulsões tendem
isoladamente à satisfação autoerótica” (COSTA, 2017, p. 15).
A teoria de Freud deixa claro que a criança utiliza uma parte de
seu corpo como fonte de prazer, e o corpo como um todo se
comporta como uma zona erógena.
Freud, ao observar uma criança de 18 meses, identificou na
atividade lúdica os significados psicológicos, percebendo que a
criança brinca tanto com o que lhe dá prazer quanto com situações
desprazerosas, que lhe causam dor, por meio de jogos de repetição
(ABERASTURY, 1982). É desta forma que o ego é capaz de elaborar
situações dolorosas que lhe causam sofrimento, para que haja um
alívio do sintoma.
Quando a Psicanálise surgiu, era difícil pensar no tratamento de
crianças, pois, já que o tratamento se dá pela livre associação, o que
fazer com crianças que ainda não conseguiam se expressar?
Psicanalistas como Anna Freud, Melaine Klein e Sophie Morgenstern
iniciaram seus estudos e publicações. Por meio de desenhos infantis,
jogos, sonhos diurnos, contos, é possível realizar o tratamento infantil
buscando o conteúdo latente oculto sob o conteúdo manifesto (ibid.).
2Informações sobre a biografia de Freud foram colhidas do livro “Freud por ele mesmo”,
Ed. Martin Claret.
Por meio do brincar, a criança expressa seus
conflitos. Por intermédio dos jogos, sonhos e
fantasias, o profissional observa diferentes jogos
simbólicos que uma criança realiza para lidar com
situações de angústia.
25 - Por que a Psicanálise é importante para os
estudos da Psicopedagogia?

Jorge Visca escolheu a Psicanálise para compor uma das três


vertentes da Epistemologia Convergente, por reconhecer que os
estudos da Psicanálise são de fundamental importância para o
profissional da Psicopedagogia, que deve compreender os
determinantes psíquicos da aprendizagem, analisando os aspectos
inconscientes envolvidos.
Alguns teóricos psicanalíticos como Oskar Pfister e Hans Zulliger,
na Suíça, no início do século XX, tentaram criar a Pedagogia
Psicanalítica por acreditar na importância que a Psicanálise teria para
a Pedagogia. Anna Freud, filha de Freud, fez esforço para que a
Psicanálise fosse compreendida por pais e professores, no intuito de
“evitar que as neuroses se instalassem em seus filhos e alunos”
(KUPFER, 1997, p. 62). Melaine Klein, também, acreditava na
importância de divulgar a Psicanálise para os pais.
No entanto, o próprio Freud não se debruçou sobre uma
investigação dos processos envolvidos na aprendizagem, não
escreveu nenhum texto específico sobre o tema aprendizagem, mas
pensava nos determinantes psíquicos que levavam uma pessoa a ser
“Desejante do saber” (ibid.).
Em Psicologia do Colegial, Freud analisa os comportamentos de
um rapaz em relação aos seus professores e identificou que se trata de
repetições das relações com os pais, o que permitiu a compreensão
das dificuldades de aprendizagem, das dificuldades com adaptação e
da falta de motivação e descaso diante do conhecimento
(ABERASTURY, 1982).
Lanjonquière nos diz que “os paradoxos do desejo inibem o
mecanismo inteligente de (re)equilibração majorante que visa
virtualmente a (re)construção do conhecimento socialmente
compartilhado” (1992, p. 106). O sujeito pode inibir-se
cognitivamente inviabilizando um processo de abertura necessário à
aprendizagem, fato que desencadeia uma inteligência aprisionada
como se refere Fernández (1991).
O erro, em uma visão psicanalítica, é considerado um disfarce, e
são indícios de tensões cujos acidentes de constituição de uma
subjetividade terminam por prescrever as vicissitudes nas
aprendizagens (LANJONQUIÈRE, 1992).
Quando a criança vem ao mundo, ou antes mesmo de nascer, este
sujeito já se constitui em objeto do desejo do outro, das fantasias e
discursos de seus genitores (ibid.). Esta mãe, que carrega a criança por
cerca de nove meses, está carregada e impregnada de expectativas,
ansiedades, medos, fantasias, desejos, anseios ou mesmo rejeições.
Portanto, este filho é produto de todos estes processos conscientes e
inconscientes da mãe, do social e que é incorporado como verdade.
A criança nasce com necessidades que precisam ser satisfeitas pelo
outro, em geral a figura mais próxima, a mãe. É esta mãe que procura
interpretar tais necessidades, e a criança é vulnerável e dependente de
seus cuidados. As crianças privadas dos cuidados iniciais podem
sofrer o que o autor chama de “morte subjetiva” (ibid., p. 155),
futuramente detectadas como psicoses infantis, que farão parte do
grupo das crianças com deficiências mentais. A criança privada de
cuidados experimenta uma tensão orgânica que coloca em risco sua
integralidade. Se suas necessidades são percebidas pelo cuidador, por
meio de choro e gritos, e se este o acolhe em seus braços e lhe
oferece o seio, o aconchego, o cobertor, então sua demanda é
convertida de um estado de inanição a um estado de satisfação.
À medida que cresce e descobre a separação do corpo da mãe, a
criança deve experimentar a frustração. Tolerar frustrações é condição
necessária para o desenvolvimento de operações mentais complexas.
Winnicott nos fala da mãe suficientemente boa, que é aquela que
permite à criança tolerar a frustração realizando adaptações às suas
necessidades. Assim, a mãe ajuda a criança a construir a saúde mental
do indivíduo oferecendo um ambiente facilitador, auxiliando na
integração do eu da criança, na construção de força do caráter e da
personalidade do sujeito.
Não há possibilidade alguma de um bebê progredir do princípio de prazer para o
princípio de realidade [...] a menos que exista uma mãe suficientemente boa. A “mãe”
suficientemente boa (não necessariamente a própria mãe do bebê) é aquela que
efetua uma adaptação ativa às necessidades do bebê, uma adaptação que diminui
gradativamente, segundo a crescente capacidade deste em lidar com o fracasso da
adaptação e em tolerar os resultados da frustração. (WINNICOTT, 1971a/1975, p. 25)

Os cuidados iniciais são importantes para o fortalecimento do


ego, porém, ao avançar da idade, a criança depara-se com uma série
de situações perturbadoras do ambiente que pode causar ansiedade,
fazendo “com que o ego infantil desenvolva fobias, neuroses
obsessivas, sintomas histéricos e traços neuróticos” (ANNA FREUD,
1974, p. 48).
O ego é uma estrutura que tem como objetivo estabelecer
contato entre a realidade psíquica e a realidade externa. É observador,
isto significa dizer que está atento e procura reprimir os impulsos do
id (para obtenção do prazer) adotando medidas defensivas para
manter o id sob controle. Interessa ao analista identificar os
mecanismos de defesa utilizados pelo ego e, posteriormente,
“desfazer o que tiver sido feito pela defesa, isto é, descobrir e repor
em seu lugar o que foi omitido através da repressão, corrigir os
deslocamentos e devolver ao seu verdadeiro contexto o que tiver
sido isolado” (ibid., p. 12).
O analista contará com a transferência que são os impulsos
experimentados pelo paciente, referentes a experiências passadas
afetivas e que são agora revividos sob a influência da compulsão de
repetição na sua relação com o analista. Não é uma tarefa fácil trazer
o inconsciente para a consciência, já que o ego se esforça
continuamente para controlar a vida instintiva, por meio de medidas
defensivas para evitar a experiência da dor.
O ego não tenta combater apenas os estímulos instintivos
internos, mas também as condições ameaçadoras do mundo exterior.
Ainda que a ansiedade do indivíduo pareça estar relacionada ao
mundo externo na verdade, há um medo de seus conteúdos internos.
Desta forma, utiliza-se de mecanismos de defesa para proteger-se.
Estes mecanismos de defesa podem vir por meio de episódios
imaginários, envolvendo objetos ou animais como substituto de
alguém que considera ameaçador, pai, mãe etc., e tais fantasias são a
forma que o paciente encontra para tornar as coisas mais confortáveis
para ele. Os contos das crianças podem parecer muito agressivos para
um profissional despreparado, e este pode não fazer as devidas
relações e, até mesmo, inibir o conto com uma censura.
Anna Freud alerta que este mecanismo é normal no
desenvolvimento do ego infantil, mas deve-se ficar atento para as
repetições, em fases posteriores, podendo indicar quadros agudos de
psicose, desencadeados pela negação de fatos desagradáveis
substituindo a realidade por uma ilusão agradável. Neste estágio, o
ego perde o poder de superar quantidades repetidas de dor, e a
fantasia é a saída, negando a realidade.
Algumas crianças apresentam muita dificuldade em ligar com a
realidade e podem não desenvolver uma psicose, mas podem
mergulhar fundo em uma inibição e evitação de situações. Neste
sentido, percebemos alguns alunos que evitam mostrar o que sabem
por medo de não suportar o que receberão do mundo externo.
Receiam a crítica e, com isso, não revelam o que sabem. Preferem
adotar o papel de espectador. Impõem-se tal restrição como defesa.
Crianças na fase de alfabetização, que percebem o quanto está sendo
difícil aprender, podem comportar-se com agitação, circulam
continuamente pela sala, mexem com o colega atrapalhando a
concentração do outro, recusam-se a participar de atividades
propostas pelo educador.
Em consultório, percebemos algumas crianças que não aguentam
jogar com receio de perder, evitam desenhar e evitam qualquer
situação que exponha a fraqueza que acreditam possuir. Desta forma,
perdem o interesse rapidamente em qualquer situação que as deixem
vulneráveis.
São crianças inteligentes, mas que renunciam a situações externas
que possam desencadear sofrimento, tornando-se neuroticamente
inibidas, como sinaliza Anna Freud (1974). Relutam em fazer as
atividades escolares, e a percepção de não estarem acompanhando
pode desencadear conflitos com outras crianças que estão
produzindo e tendo sucesso na aprendizagem.
Pais e professores que costumam comparar estas crianças a outras
com bom desempenho só estão contribuindo para reforçar o
comportamento desadaptativo, pois não suportam a comparação.
Anna Freud nos diz que “isso sugere a desesperada rivalidade da fase
de Édipo ou a desagradável percepção da diferença entre os sexos”
(ibid., p. 83).
Faz-se necessário muito manejo e prática do profissional da
Psicopedagogia, necessitando estudos da Psicanálise para ampliar a
compreensão das demandas e dos conhecimento mais amplo do
sujeito.

A Psicanálise abarca conceitos importantes para


a compreensão do funcionamento psíquico, da
personalidade e do desenvolvimento, que servem
de suporte para atuação clínica do profissional da
Psicopedagogia diante da compreensão dos sintomas
dos problemas de aprendizagem.
26 - Como a afetividade interfere na nossa
relação com o mundo?

Piaget centrou suas pesquisas no sujeito epistêmico, ou seja, no


que é comum a todos os sujeitos de um mesmo nível de
desenvolvimento, independentemente das diferenças individuais. No
entanto, ele não deixou de reconhecer a importância de outros
teóricos terem se ocupado deste estudo para a compreensão do
sujeito em sua individualidade. Como já mencionamos, Freud também
não se debruçou no tema aprendizagem/afetividade, mas deixou um
legado na compreensão dos processos psíquicos que
compreendemos afetar diretamente os processos de aprendizagem.
Citaremos aqui um trecho que Lanjonquière nos concede sobre a
fala de Piaget no seu curso da Sorbonne (1953) sobre as relações
entre a inteligência e a afetividade:
Em um primeiro sentido, pode-se dizer que a afetividade intervém nas operações da
inteligência; que ela estimula ou perturba; que ela é a causa de aceleração ou de
atrasos no desenvolvimento intelectual; mas que ela não será capaz de modificar as
estruturas da inteligência enquanto tal. [...] Em um segundo sentido, pode-se dizer, ao
contrário, que a afetividade intervém nas estruturas de inteligência; que ela é a fonte
de conhecimentos e de operações cognitivas originais. [...] Numerosos autores têm
sustentado este ponto de vista (...); e a continuação, cita os nomes de Wallom, Malrieu,
Ribot e Perelman. (1992, p. 128)

Esta fala nos indica a importância da análise individual sobre cada


sujeito, por não haver a possibilidade de as dificuldades de
aprendizagem serem explicadas apenas pelo conhecimento da
Epistemologia Genética. Não foi à toa que Visca escolheu também a
Psicanálise para compor a Epistemologia Convergente, acrescentando
a Psicologia Social que citaremos adiante.
Há de se ter um entendimento transdisciplinar, compreendendo
que cada campo de estudo oferece uma conceitualização do sujeito
(epistêmico ou do desejo inconsciente), convocando-nos, como
psicopedagogos, a fazer as interligações necessárias para a
compreensão da problemática da aprendizagem.
A carência de afeto pode desencadear consequências psicológicas
devastadoras. O organismo pode viver em constante estado de alerta,
ao atribuir perigo acima do normal às situações ao seu redor, vivendo
em constante ansiedade e estresse.
Estudiosos do sistema nervoso têm pesquisado as relações entre
tensões emocionais e desempenho cognitivo chegando à conclusão
que pessoas que passam por conflitos e tensões emocionais
prolongadas podem debilitar o sistema imunológico deixando o
organismo vulnerável.
Os avanços da psiconeuroimunologia confirmam a tese dos especialistas em
Psicologia do Desenvolvimento sobre a importância do afeto e do cuidado materno
para o desenvolvimento normal, tanto psicológico quanto físico. (GRIFFA e MORENO,
2008, p. 65)

O bebê nasce em um estado de desamparo, pois não é dotado de


instintos como os animais nem de um sensor que lhes permite
resolver os problemas de adaptação. Nasce vulnerável, tanto
fisicamente quanto psicologicamente. Em razão da imaturidade do
sistema nervoso, carece de um sistema motor que somente após um
ano começa a ganhar força. Há naturalmente uma necessidade de ser
acolhido e servido em suas necessidades incluindo o afeto. É esperado
que a mãe cumpra seu papel materno desempenhando funções, como
alimentar, vestir, banhar, brincar, ninar e oferecer afeto. Na
impossibilidade de a mãe ou o pai estar presente, um substituto
cumprirá este papel, que serão os pais adotivos.
René Spitz (apud GRIFFA e MORENO, 2008) realizou pesquisas em
instituições e observou bebês, cujas mães estavam ausentes e que
dispunham de substitutos inadequados ou inexistentes. Observou
profundos danos psíquicos, ao que chamou de “depressão anaclítica”,
“privação emocional total” ou “marasmo emocional”. Na depressão
anaclítica, alguns bebês haviam tido contado com a mãe até os seis
ou oito meses e, depois, foram privados desse contato. No primeiro
mês, choravam e apegavam-se a quem se aproximasse; no segundo
mês, paravam de chorar e passavam a gemer, perdendo peso e se
evidenciava um desenvolvimento lento; no terceiro mês, passavam a
rejeitar qualquer contato com pessoas, tinham insônia e contraíam
doenças facilmente. Se não sanada a privação, estas crianças
apresentavam rigidez facial e entravam em estado de letargia. Este
estado depressivo pode ser amenizado se a mãe retornar ou se
houver uma mãe substituta bem-aceita, mas ainda assim correndo-se
o risco de não haver uma recuperação total.
O marasmo emocional ocorre em crianças privadas do contato
materno nos primeiros meses de vida, por período maior que cinco
meses, podendo gerar psicopatologia e contrair doença por
debilidade do sistema psicoimunológico.
Estas crianças que não recebem um substituto afetuoso e
dedicado perdem a confiança no mundo, percebendo-o persecutório
(ansiedade paranoide). A agressividade é exteriorizada para o mundo.
Crianças que crescem privadas de afeto, seja do pai ou da mãe,
ainda que estes estejam presentes fisicamente, podem ter sérios
problemas na constituição da sua personalidade.
Desavenças entre os pais, lares perturbados e punição excessiva
podem causar conflitos na personalidade da criança. Podem
apresentar irritabilidade, nervosismo, medos, insegurança, inibidas
cognitivamente ou mesmo comportamento antissocial (Griffa e
Moreno, 2008).
A afetividade estabelecida no lar, o apoio e cuidado que os pais
oferecem à criança contribuem para o desenvolvimento da
personalidade, da maturidade cognitiva, da independência, da
confiança e da responsabilidade. Tais atributos serão dirigidos ao
mundo incluindo as relações com a aprendizagem.

Sem afetividade, sem vínculo positivo, sem desejo,


a aprendizagem fica comprometida. A produção
do conhecimento é parcial e limitada, se não
houver uma forte ligação entre sujeito e objeto do
conhecimento.
Anotações
27 - Qual a importância de Pichon-Rivière para a
Psicopedagogia?

Enrique Pichon-Rivière, nasceu em Genebra, Suíça, em 25 de junho


de 1907, falecendo em Buenos Aires em 16 de julho de 1977. Filho de
Alfonso, boxeador, esgrimista e militar, expulso da Academia por suas
ideias políticas, era o caçula de seis irmãos. Seus pais foram morar na
Argentina, na região do Chaco, onde conseguiram concessão de
terras do Estado, mas perderam tudo após inundações e pragas.
Nesta época, Pichon colaborava na evacuação de pessoas e,
posteriormente, procurava incluí-las em tarefas de grupo, como jogos
de futebol, na tentativa de aliviar as tensões. Estas experiências lhe
serviram para estudos posteriores sobre as reações psicológicas
diante de desastres.
Sua família mudou-se para Corrientes (Goya), plantando algodão
e tabaco, e seu pai passou a trabalhar dando aulas e como contador,
estabilizando sua situação financeira. Sua mãe, Josefina, fundou
escolas primárias, a primeira escola profissional e o Colégio Nacional.
Sua adolescência foi marcada por intenso interesse por esportes,
como ciclismo, natação, futebol, tênis, sendo campeão de box peso-
pena. Ainda na adolescência, escrevia versos.
Foi estudar Medicina em Rosário, aos 18 anos. Antes disso, pensou
em ser antropólogo ou advogado. Enquanto era estudante de
Medicina, trabalhou como jornalista no jornal Crítica. Era atraído pela
curiosidade e pelo saber escutar.
Logo no início dos seus estudos na Medicina, contraiu pneumonia
que o fez retornar para Buenos Aires. No retorno aos estudos da
Medicina, teve problemas com os professores, questionando a
metodologia de ensino com as aulas práticas com cadáveres, pois não
via relação com o propósito de cura e concluiu que os alunos estavam
sendo preparados para lidar com os mortos e não com os vivos. O
interesse pela Psiquiatria aconteceu mesmo antes de estudar
Medicina, pois queria compreender a tristeza. Em seus estudos, vê a
importância da integração entre o físico e o psíquico.
Pichon dizia que suas opções profissionais tinham marcas em comum. Tanto no
jornalismo, quanto na psiquiatria, na psicanálise, na arte e nos esportes, reencontrava
o caminho da busca da verdade, seu modo particular de penetrar no esclarecimento
da tristeza e da melancolia, do grande mistério da perda e da morte. Dizia que todo
ato criador resulta da elaboração de perda e de morte. (VELOSO; MEIRELES, 2007, p.
71)

A tristeza era uma marca que se destacava em Pichon. Os anos nas


terras do Chaco e a convivência com seu pai deixaram marcas, mas ele
não tentou negar a tristeza, pelo contrário, buscou compreendê-la
(ibid.). Desse traço depressivo, surgiram muitas contribuições
literárias.
Iniciando sua prática no Asilo de Torres, inseriu o futebol como
tarefa de ressocialização para os pacientes e foi observando que 60%
deles não apresentavam retardo por lesões orgânicas, mas sim
afetivas, e entende que a enfermidade é um sintoma de conflitos e
tentativas de se adaptar ao meio. O futebol surge então como terapia
grupal dinâmica.
Fundou a Escola de Psicologia Social em 1959, na cidade de
Buenos Aires, tendo seus estudos voltados para a compreensão de
grupos operativos e grupo em tarefa. Em sua prática clínica como
psiquiatra e psicanalista, observava a influência que o grupo familiar
exercia em seus pacientes e se dedicou a estudar a compreensão de
angústias da vida social, como o medo da perda (perder o que já se
tem) e o medo do ataque (temor diante do desconhecido), dois
conceitos importantes que Visca explorou dentro da Epistemologia
Convergente.
Na década de 60, enuncia o ECRO – Esquema Conceitual
Referencial e Operativo (ver questão 28), constituído por três grandes
campos: Ciências Sociais, Psicanálise e Psicologia Social.
Pichon-Rivière foi psiquiatra e psicanalista e deixou muitas
contribuições úteis para a compreensão de conceitos importantes da
Psicopedagogia.

Pichon-Rivière deixou um trabalho riquíssimo para


a compreensão do sujeito em sua individualidade e o
sujeito inserido em grupos
Anotações
28 - O que é ECRO?

O ECRO (Esquema Conceitual Referencial e Operativo) é um


conceito criado por Pichon-Rivière que surgiu a partir de uma visão
dialética entre o novo e o velho, o individual e o social, o particular e
o geral, da relação entre ecologias externas e internas, que se
apresenta como processo de mudança nos grupos (VELOSO;
MEIRELES, 2007). O ECRO representa uma confluência envolvendo o
mundo psíquico do indivíduo e dos grupos.
Cada integrante do grupo é constituído por seu ECRO. As
diferenças proporcionam enriquecimento ao grupo no qual cada um
traz as suas contribuições, a partir de suas vivências pessoais,
possibilitando mais cooperação para a construção do ECRO grupal e
realização da tarefa. Quando há conflito de ECROs, surgem
resistências, podendo ocorrer a desestabilização do grupo.
O trabalho com grupos operativos possibilita a identificação do
esquema conceitual referencial operativo (ECRO) grupal. Um tema é
identificado, que, em geral, se constitui como âncora do grupo
(família, religião etc.) e, a partir dessa identificação, vai-se delineando
o ECRO. Quando este é identificado, é possível ocorrer intervenções
para modificação do comportamento do grupo (SANTOS; SILVA,
2011).
Pichon (1995) refere que, como terapeutas, temos nosso esquema
referencial, e é com este esquema que nos aproximamos do paciente
buscando compreendê-lo. Este esquema é, no entanto, dinâmico e
muda na medida em que somos submetidos a novas experiências,
como uma leitura, a participação em um congresso, uma terapia. Ao
encontrar nosso paciente novamente, estaremos com outros
esquemas, ou seja, novas experiências nos obrigam a retificar e
atualizar nossos esquemas. “Podemos considerar nosso esquema
como um esquema que se vai integrando permanentemente com
elementos novos” (Ibid., p. 117).
Pichon ressalta que rupturas do esquema podem gerar ansiedade
devido à perda de pontos de referência, e estas ansiedades podem
afetar tanto terapeuta quanto paciente. Alerta ainda que, quando o
terapeuta não conhece bem um esquema referencial, pode apresentar
dificuldades na tarefa.
Situação similar é percebida nos processos de aprendizagem.
Cada sujeito tem seu esquema referencial e é com este esquema que
ele se aproxima da aprendizagem. Como dissemos, o esquema é
dinâmico e vai atualizando-se na medida em que entra em contato
com novas informações. Todavia, renunciar ao velho conhecimento e
permitir que o novo entre sempre gera um desequilíbrio, como foi
observado por Piaget (veja sobre assimilação, adaptação,
acomodação na questão 22). Os conteúdos vão sendo assimilados,
ocorrendo posteriormente a adaptação. Algumas dificuldades de
aprendizagem podem ocorrer em função da dificuldade no abandono
do velho e o medo do novo, por não suportar a ruptura, surgindo
ansiedades depressivas e paranoides (PICHON-RIVIÈRE, 1995).
Quando o vínculo não se estabelece, surge um obstáculo
epistemofílico. (Veja questão 7.)
Outros conceitos criados por Pichon Rivière, em trabalhos com
grupos operativos, serão abordados nas questões seguintes.

Algumas dificuldades de aprendizagem podem


ocorrer em função da dificuldade no abandono do
velho e o medo do novo, por não suportar a ruptura.
29 - O que são Grupos Operativos?

Pichon-Riviére (1994) realizou um extenso estudo sobre grupos,


nomeando de grupo operativo um conjunto restrito de pessoas,
ligadas por uma constante de tempo e espaço, que se propõem a
uma tarefa. O indivíduo é um resultante dinâmico de um interjogo
estabelecido entre sujeito e objeto, e a estrutura dinâmica e complexa
que sustenta esta interação dialética é chamada de vínculo, que se
expressa em dois campos psicológicos: o interno e o externo. Esta
mútua inter-relação, que está em constante movimento, inclui
processos de comunicação e aprendizagem. A aprendizagem da
realidade externa é determinada pelos aspectos da realidade interna
(dinâmica entre o sujeito e o objeto interno).
Para Pichon-Rivière (ibid), o grupo se forma a partir das
necessidades semelhantes de pessoas que se unem para a realização
de uma atividade específica, que passam a iniciar uma comunicação e
cooperação mútua. Quando se unem, inicialmente, estas pessoas não
têm ainda como prever o que irá acontecer. No decorrer do processo,
surgem aspectos inconscientes que poderão contribuir ou dificultar o
desenvolvimento deste grupo.
O objetivo de todo grupo em tarefa é a mudança. Seus membros
passam a assumir diferentes papéis, de forma consciente ou
inconsciente, e diferentes posições diante da tarefa. Esses papéis não
são fixos, mas sim passíveis de mudanças, e não estão relacionados
necessariamente à personalidade de cada um, mas à posição que cada
membro assume diante da tarefa, influenciado por sua história
pessoal e pela história do grupo.
Pichon-Rivière (1994) identificou alguns papéis assumidos pelos
membros do grupo:

• Coordenador ou líder é aquele que observa e analisa o


movimento do grupo, percebe o grupo como um espaço de
aprendizagem e cria condições para que os conflitos sejam
discutidos e se busquem soluções de superação.
• Porta-voz é aquele que fala pelo grupo, manifestando o que o
grupo está pensando, as angústias, os conflitos, as incertezas, as
tensões. É aquele que se incomoda e denuncia as dificuldades
percebidas no grupo que impedem a realização da tarefa. Se
tudo sair bem, se o porta-voz for ouvido, ele consegue inclusive
se posicionar como líder, e os membros passam a cooperar para
a finalização da tarefa. Se o que ele diz for percebido como
hostilidade, pode se transformar em bode expiatório. O grupo
passa a sinalizar que as dificuldades apontadas são apenas dele e
que não se referem ao grupo como um todo.
• Bode expiatório assume o papel de depositário das angústias
do grupo, cujos defeitos do grupo são assumidos por ele e,
invariavelmente, assume o papel de culpado pelos problemas
que é do grupo como um todo.
• Sabotador é aquele que procura desviar o grupo da tarefa e dos
objetivos comuns que o grupo se propôs. Ele desvia a atenção
do grupo criando outras necessidades, gerando dispersão. O
grupo precisa de um líder forte ou um porta-voz que perceba e
que denuncie o que está acontecendo, fazendo o grupo refletir,
relembrar os objetivos e retornar à tarefa.

Existe um processo gradativo pelos quais os membros passam.


Inicialmente, ocorre a pré-tarefa, surgindo as resistências diante do
contato com o outro e consigo mesmo, pois o novo gera ansiedade e
medo de que seus antigos conhecimentos sejam atacados e lhe
causem desequilíbrio. Passado este primeiro momento de conflito
inicial, as ansiedades vão diminuindo e, o sujeito vai abrindo-se para
o desconhecido, as resistências vão sendo reduzidas, e o grupo vai
entrando na tarefa.
Esta dinâmica é percebida pela maioria dos professores em sala de
aula. Os alunos assumem determinados papéis, de líder, de mediador
de conflitos, de bode expiatório e assim por diante. Alguns assumem
determinados papéis, sem ter energia e força para confrontar
situações que lhe causam sofrimento.
Professores precisam estar atentos a esta dinâmica e assumir o
papel de mediador quando houver conflitos em sala que atrapalhem
a dinâmica das aulas, oportunizando a expressão do grupo. A
abertura para o novo irá exigir de cada membro maior flexibilidade,
para que se permitam compartilhar suas necessidades em relação aos
objetivos comuns do grupo. Somente após os membros entenderem
que compartilhar suas fantasias e problemáticas é saudável e
necessário para a realização dos objetivos, é que o grupo entra em
tarefa, podendo agora operar em um objetivo comum.
O mesmo ocorre nas relações familiares, cujos membros assumem
e aceitam determinados papéis, causando-lhes prejuízos e conflitos
emocionais. Um membro da família pode assumir o papel de bode
expiatório e servir de depositário das angústias dos membros desta
família. Isto sendo identificado pelo psicopedagogo é recomendável
o encaminhamento do sujeito e da família para a psicoterapia
sistêmica.
É natural cada membro do grupo assumir diferentes
papéis, todavia, quando os papéis assumidos causam
prejuízo ao grupo e ao próprio desenvolvimento do
indivíduo, a comunicação entre os membros precisa
ser ressignificada.
Anotações
30 - O que Pichon quer dizer com pré-tarefa,
tarefa e projeto?

PRÉ-TAREFA
A pré-tarefa é o período inicial de um grupo, onde se podem
observar medos, ansiedades, conflitos e resistência a mudanças. São
mecanismos de defesa, ou seja, técnicas defensivas que estruturam a
resistência às mudanças, caracterizados pela postergação da entrada
na tarefa.
Toda aprendizagem exige mudança, no entanto algumas pessoas
apresentam maior resistência pelo medo inconsciente de ser atacado
por novas informações ou de perder o que já adquiriu (VISCA, 1987).
Pichon (1994) observa que há um jogo de dissociações do pensar,
atuar e sentir, que desestrutura o sujeito, tendo como resultado
mecanismos de postergação que dificultam o início da tarefa. Alguns
pais nos relatam como seus filhos “dão trabalho” para realizar o
estudo em casa, não respeitam o combinado do horário e, enquanto
fazem a tarefa, levantam-se a todo momento para beber água, comer,
ir ao banheiro, deixam cair material no chão, quase dormem em cima
dos livros.
Em sala de aula, aquele que apresenta dificuldade para entrar na
tarefa, por medo do enfrentamento, geralmente assume o papel de
sabotador. É aquele que, enquanto todos estão trabalhando para
produzir, ele está trazendo piadas ou outros assuntos alheios à tarefa.
Logo, são chamados à atenção pelo líder.
Neste grupo, estão alguns alunos que apresentam dificuldades de
aprendizagem e que passam a apresentar comportamento de esquiva
diante das tarefas quando percebem que sua fragilidade será
evidenciada.

TAREFA

O momento da tarefa é aquele em que o grupo superou a fase


inicial de resistência à mudança, de ansiedades e medos que
funcionavam como fator de estancamento da aprendizagem e
deterioração da rede de comunicação (SAMPAIO, 2009). O grupo
passa a trabalhar com maior operatividade e criatividade, projetando
suas ações para o futuro e finalização do projeto.
Superada a fase inicial de resistência, observamos alguns alunos
sentindo-se mais confiantes, mais seguros em relação às suas atitudes
e dispostos a colaborar para a realização da tarefa. O mediador tem
importante papel na superação das dificuldades do grupo. Podemos
fazer aqui um link com a Zona de Desenvolvimento Proximal,
estudada por Vygotsky (1994), que refere-se à distância entre o nível
de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial, na
qual o sujeito, que ainda não amadureceu determinadas funções,
poderá ter suas dificuldades superadas com a ajuda do mediador ou
coordenador do grupo.
No momento da tarefa, o grupo elabora ansiedades e se dispõe a
pensar em resolver o problema. Este é o momento de criatividade,
onde o grupo decide estancar os medos e bloqueios e pôr em prática
habilidades para alcançar o objetivo.
No momento da tarefa, podem surgir fantasias inconscientes, que
podem funcionar como obstáculo distorcendo a leitura da realidade,
mas podem funcionar também como incentivo ao trabalho do grupo.
Situações de conflito podem surgir a partir destas fantasias, que
devem ser esclarecidas para que o grupo avance em seu objetivo
(FABRIS, 2014). Há uma constante reestruturação e desestruturação
do grupo.

PROJETO

O projeto é o resultado que começa a surgir a partir das reflexões


da etapa anterior à tarefa.
Essa etapa pode ser percebida com a mudança de atitude do
sujeito ou do grupo (VISCA, 1987). “O projeto é o que aparece
emergindo da tarefa e que permite o planejamento para o futuro”
(FISCMANN, 1997).

O psicopedagogo pode identificar o papel que é


atribuído ao aprendente, dentro do grupo familiar ou
do grupo escolar, auxiliando-o na conscientização
sobre os papéis atribuídos e assumidos que possam
estar inviabilizando a aprendizagem.
31 - O que é teoria dos três D elaborada por
Pichon-Rivière?

O funcionamento de um grupo baseado em uma dinâmica


operativa inclui objetivos e finalidades comuns, cujos membros
trabalham como uma equipe centrada na realização de uma tarefa. Há
uma mobilização para modificações de dificuldades de comunicação
e de aprendizagem, em virtude de ansiedades geradas em
consequência de qualquer mudança. Faz-se necessário haver certa
homogeneidade diante da heterogeneidade do grupo para haver
produtividade (PICHON-RIVIÈRE, 1994).
Falamos anteriormente dos papéis que cada membro de um
grupo pode assumir. Estes papéis estão relacionados ao conceito de
depositante, depositário e depositado.

• Depositante – pode ser o grupo ou o próprio sujeito que realiza


a projeção.
• Depositário – é aquele que recebe o conteúdo projetado pelo
depositante. Este conteúdo é inconsciente e não assumível, uma
vez que é transferido. O depositário é aquele que assume o papel
de doente, recebe a carga dos anseios, das angústias que não são
suportados pelo outro.
• Depositado – é o conteúdo transferido, aquele que o sujeito ou
o grupo não pode assumir e que é colocado no outro.

Ao entendermos esses conceitos, podemos estar mais atentos


para perceber qual o papel que nosso paciente assumiu dentro do
grupo familiar. Pais ansiosos podem depositar seus conteúdos no
depositário, a criança, que assume o papel de bode expiatório. A
criança, sendo aquela que recebe toda carga de conteúdos
ansiogênicos, pode evidenciar sintomas de adoecimento psíquico ou
mesmo de problemas de aprendizagem, considerando que o meio
exerce grande influência na subjetividade do sujeito.
A teoria de Pichon-Rivière sobre grupos operativos
evidencia o que pode acontecer em qualquer grupo,
seja este familiar, escolar e empresarial, e nos
traz importantes conhecimentos sobre os papéis
assumidos e atribuídos.
32 - Quem é o profissional da Psicopedagogia
que atua na clínica?

É o profissional que, após ter concluído o curso de


Psicopedagogia, trabalha com pessoas de todas as idades, com
dificuldades de aprendizagem sistemáticas, que desejam melhorar o
desempenho acadêmico, e com pessoas com dificuldades de
aprendizagem assistemáticas, cujas relações com o conhecimento
encontram-se bloqueadas, independentemente de estarem ou não
em uma escola ou faculdade. Para tanto, busca conhecer o sujeito e
suas demandas afetivas, cognitivas e sociais, identificar sua
modalidade de aprendizagem, verificar as estratégias que são eficazes
e ineficazes para, posteriormente, traçar um plano de intervenção.
O profissional da Psicopedagogia poderá trabalhar em diversos
setores, como escolas, empresas, hospitais, conforme esclareceremos
mais adiante.
Pode ainda trabalhar com estimulação cognitiva em pessoas com
déficit intelectual, portadoras de síndromes, utilizando-se de
diferentes recursos, com o objetivo de melhorar a qualidade do
raciocínio e tomada de decisões.
Os idosos também são beneficiados por meio de tarefas
cognitivas, visando postergar o declínio cognitivo natural da idade,
além de ser um momento prazeroso, mesmo para aqueles que se
encontram em plenas faculdades mentais, mas que desejam continuar
trabalhando a mente e prosseguir aprendendo.
O profissional da Psicopedagogia poderá trabalhar
em diversos setores, como escolas, empresas e
hospitais.
33 - Por que é importante o conhecimento
de informações da Neurociência pelo
psicopedagogo?

Quando a Psicopedagogia surgiu, apesar de se ter conhecimento


e não se desconsiderar a importância dos processos
neuropsicológicos, não havia um estudo integrativo entre estas
ciências. Jorge Visca não se ocupou em estudar e relacionar a
Epistemologia Genética, a Psicologia Social e a Psicanálise (áreas que
integram a Epistemologia Convergente) com os estudos da
Neurociência.
A Psicopedagogia, inicialmente, estava mais preocupada em
compreender como se dá o processo de aprendizagem nas inter-
relações entre o meio em que o sujeito vive e o organismo,
preocupando-se em avaliar e intervir nos bloqueios de aprendizagem,
mas sem realizar um estudo aprofundado das áreas cerebrais.
Nos últimos anos, a Neurociência ganhou força, por meio de
pesquisas que relacionavam fortemente problemas estruturais ou
funcionais do sistema nervoso com dificuldades de aprendizagem,
mas também elucidou áreas neurológicas que poderiam ser ainda
mais estimuladas como auxiliar do desenvolvimento integrativo,
melhorando as capacidades intelectuais dos indivíduos.
A estimulação precoce já existe há algum tempo, sendo indicada
para crianças que apresentam, já nos primeiros meses, atraso
locomotor e da linguagem, sendo realizada pelos profissionais de
diversas áreas: Fonoaudiologia, Terapia Ocupacional, Fisioterapia,
dentre outras. Hoje já se tem uma visão mais ampliada desta
estimulação, relacionando cada estímulo a áreas neurológicas, ou seja,
o profissional já sabe que não está estimulando apenas um corpo,
mas áreas específicas de um cérebro plástico, capaz de se regenerar e
superar, se não totalmente, mas em parte.
Com o tempo, algumas crianças evidenciam dificuldades, que só
são percebidas mais tarde. Algumas funções, como atenção, memória,
consciência fonológica, percepção visual e auditiva, praxia, só se
mostram atrasadas ou com déficits, à medida que a criança entra em
contato com o ensino formal e passa a não responder conforme o
esperado para a idade, cujas dificuldades ficam cada vez mais
evidentes a partir da alfabetização. Atualmente, já sabemos que
algumas áreas cerebrais podem ser estimuladas como medida
preventiva, reduzindo o impacto dos transtornos do
neurodesenvolvimento.
Pesquisas foram mostrando como áreas neurológicas defasadas
afetavam diretamente a aprendizagem, e o profissional da
Psicopedagogia passou a compreender a importância de estudar e se
apropriar deste saber, buscando relacionar os processos
neuropsicológicos com os estudos originais da Psicopedagogia.
No Brasil, surgiu a Neuropsicopedagogia advinda de outras áreas
já preexistentes, com o intuito de estudar, compreender e relacionar
as áreas neurológicas com os processos de aprendizagem. A
Neuropsicopedagogia é uma especialização, oferecida em diversas
instituições do Brasil, tendo como objetivo formar profissionais para
atuarem de forma preventiva e remediativa nas dificuldades de
aprendizagem, relacionando os estudos da Neurociência, da
Psicologia Cognitiva e da Pedagogia.
A Psicopedagogia sempre trabalhou com intervenções
envolvendo estímulos da cognição, raciocínio, inteligência, atenção,
memória, percepção, porém não tinha a preocupação em identificar
que áreas cerebrais estariam sendo estimuladas no momento da
intervenção, já que ressignificar a aprendizagem e fortalecer os
vínculos que o sujeito estabelece com o aprender, seria o foco mais
determinante da atuação do psicopedagogo.
Atualmente, ainda que o psicopedagogo não tenha a formação
em Neuropsicopedagogia ou Neuropsicologia da Aprendizagem ou
Neuropedagogia, ele se apropriou de algum conhecimento sobre
informações da Neurociência, já que o assunto tem circulado de
maneira fortalecida em congressos, cursos e periódicos. Aqueles que
se interessam em ampliar seu conhecimento sobre assuntos da
Neurociência, têm buscado complementar sua formação em cursos de
pós-graduação em Neuropsicopedagogia ou Neuropsicologia da
Aprendizagem.
O que o psicopedagogo deve compreender é que as dificuldades
de aprendizagem podem ter como causa aspectos emocionais,
sociais, pedagógicos, hereditários e orgânicos. Tal compreensão
suscitará intervenções direcionadas e mais assertivas. Vamos a um
exemplo:
Posso receber uma criança com dificuldades de leitura e escrita e
percebo que o vínculo com esta aprendizagem é ruim, mal
estabelecido. Como percebo? Por meio do comportamento, já que
rejeita ler e escrever, podendo apresentar comportamento brincalhão
para evitar entrar em contato com a dificuldade. Pode ainda
apresentar comportamento desatento, agitado ou choroso, pois o
enfrentamento desta dificuldade lhe desorganiza. Então, a minha
intervenção será para fortalecer este vínculo com a leitura e escrita,
oferecendo situações de aproximação que possam estimular sua
confiança, apesar da dificuldade. Este é o caminho que nós,
psicopedagogos, seguimos entendendo que é bastante adequado
para a evolução do sujeito, pois o aproxima do desejo e, sem desejo,
não há aprendizagem.
Mas, também é útil termos um entendimento que vai além. Se
estamos lidando com uma criança com diagnóstico de dislexia, além
de estimular os vínculos com a aprendizagem, poderemos introduzir
nas intervenções jogos que estimulem a consciência fonológica, pois
sabemos que não se trata apenas de uma má vontade para aprender,
mas de uma disfunção que inviabiliza uma leitura fluente por parte do
sujeito. Portanto, validaremos a sua dificuldade, compreendendo que
ela tem uma razão de ser.
Com uma visão mais ampliada, compreenderemos que, para
aprender a ler adequadamente, estão envolvidas oportunidades
socioculturais, socioeconômicas, psicológicas, pedagógicas,
integridade das vias sensoriais, como audição e visão. Além disso, é
necessário o bom funcionamento de áreas corticais e subcorticais
responsáveis pela cognição, atenção, memória, percepção e
linguagem. Quando existem falhas em uma ou mais destas áreas, a
aprendizagem da leitura e escrita poderá ser afetada.
O profissional interessado em compreender atrasos de leitura,
como a dislexia, por meio de pesquisas da Neurociência, aprenderá
que uma pessoa com distúrbio de leitura apresenta falhas nas
habilidades fonológicas, de memória e no desenvolvimento da
linguagem. Compreenderá também que a maior parte dos substratos
neurais da leitura está localizada no hemisfério esquerdo do cérebro
incluindo as regiões occipital (visualização da palavra), temporal
posterior; os giros angular e supramarginal do lobo parietal (onde
ocorre o processamento linguístico, a associação grafema e fonema e
as segmentações em unidades menores); os giros lingual e fusiforme
(leitura global e interpretação da palavra); a área de Wernick, uma
área responsável pela compreensão e interpretação simbólica da
linguagem, junto com a integração do estímulo visual e auditivo e
que está localizada no córtex das bordas posteriores do sulco
temporal superior; e a área de Broca, que participa do processo de
decodificação fonológica, da articulação da fala localizada no giro
frontal inferior (SHAWITZ, 2006).
Este é apenas um exemplo entre tantos outros, para que o
profissional perceba o que conhecerá ao estudar as funções cerebrais
envolvidas.
O profissional da Psicopedagogia poderá
aprofundar-se em estudos que relacionam a
Neurociência e os processos de aprendizagem,
por meio de cursos como a Neuropsicopedagogia,
por exemplo.
34 - O que são dificuldades de aprendizagem?

É toda e qualquer dificuldade sentida pelo sujeito no seu processo


de conhecimento de informações sobre o mundo. Verificam-se as
dificuldades de aprendizagem, de maneira mais acentuada, quando o
sujeito está inserido em um contexto acadêmico. Todavia, a
Psicopedagogia não se limita apenas às pessoas que estão nas escolas
e universidades mas também àquelas que queiram desenvolver
melhor seu potencial cognitivo.
Com os deficits de aprendizagem me refiro tanto aos do campo da educação
sistemática: escrever, operar matematicamente, ler etc., como aos do campo da
educação assistemática: cozinhar, tecer, dirigir um automóvel etc. (VISCA, 1987, p. 31)

O estudo da Psicopedagogia está voltado para a compreensão do


sujeito e identificação das causas das dificuldades de aprendizagem
para, posteriormente, oferecer intervenções adequadas às
necessidades de cada um. É, portanto, uma investigação. Isto significa
pensar, já em um primeiro momento, que a Psicopedagogia considera
fatores extrínsecos, além dos intrínsecos, que possam explicar as
dificuldades.
Considerar causas extrínsecas e não apenas intrínsecas significa
entender que o ambiente exerce forte influência nesta caminhada de
sujeito aprendente. É considerar que ele não é o único responsável
pelo seu fracasso e que a intervenção psicopedagógica deverá estar
para além de tratar apenas o sujeito em um consultório,
isoladamente. O sujeito manifesta os sintomas e, de certo modo, é o
sintoma dos outros. É o portador do acúmulo de situações
assimiladas, introjetadas, incorporadas das experiências vivenciadas
na família, no bairro, na escola. No entendimento de Pichon-Rivière
(1994), pode estar assumindo o papel de depositário. Galaburda
afirma que “nem sempre o que o cérebro funciona mal é por culpa de
uma falha cerebral: pode ser resultado de um ambiente nocivo” (apud
COLL et al., 2004, p.68).
O sintoma ou inibição interfere na dinâmica de articulação entre
inteligência, desejo, organismo e corpo e se constitui no que
Fernández (1991) chama de “aprisionamento da inteligência” por
parte da estrutura simbólica inconsciente. A autora ressalta que é
necessário descobrir a função do sintoma dentro da estrutura familiar
e conhecer a história do sujeito. O tratamento psicopedagógico
constitui-se na libertação da inteligência e mobilização da estrutura
patológica do conhecimento na família.
Podemos considerar o problema de aprendizagem como um
sintoma, no sentido de que o não aprender não configura um quadro
permanente, mas ingressa em uma constelação peculiar de
comportamentos, nos quais se destaca como sinal de
descompensação. (PAÍN, 1985, p. 28)
O problema não é a criança nascer com um défice neurológico,
isto não se configura necessariamente um problema de
aprendizagem, mas a maneira como este fato será visto pela família e
a ênfase que a escola colocará neste aspecto, isso sim poderá ser um
problema.
Uma criança com um antecedente de cianose no parto, leve imaturidade perceptivo-
motora, certa rigidez nos traços, não cria por isto um problema de aprendizagem,
desde que sua personalidade lhe permita assumir suas dificuldades, desde que os
métodos tenham se ajustado às deficiências para compensá-las, e desde que as
exigências do ambiente não tenham colocado ênfase justamente no aspecto
danificado (prestigiando a caligrafia, por exemplo). Mas se somamos ao pequeno
problema neurológico uma mãe que não tolera o crescimento do filho e uma escola
que não admite a dificuldade cria-se um problema de coexistências que parcialmente
poderiam ter sido compensadas. (PAÍN, 1985, p. 28)
Algumas dificuldades manifestam-se no sujeito em consequência
do que Fernández nomeia de “choque entre o aprendente e a
instituição educativa” (1990, p. 87). Estes casos não necessitam, em
geral, de intervenção psicopedagógica com o sujeito, mas sim com a
instituição educativa que deverá rever a metodologia e as formas de
ensino.
As causas intrínsecas são aquelas entendidas como causas
orgânicas, adquiridas por hereditariedade, más-formações genéticas,
subnutrição, problemas do neurodesenvolvimento, cujo indivíduo
poderá receber intervenção assim que identificado o problema. Ao
serem identificados, poderão receber intervenção de estimulação. No
entanto, é preciso compreender que, a depender do grau de
dificuldade, não conseguimos a remediação completa por meio de
treinamentos, sendo importante e necessário respeitar os limites para
que as neuroses não se instalem. Neste sentido, a citação anterior de
Sara Paín é claríssima e bem explicada. Há de se haver compreensão
por parte da família e da escola, realizando as adaptações necessárias
e ofertas de apoio, ressaltando as habilidades mais do que os
problemas.

O sujeito deve ser compreendido em suas


dificuldades, e forçar uma aprendizagem diante de
um caso de transtorno, sem que o sujeito esteja
pronto, no sentido de desejar aprender, é aumentar
ainda mais a barreira de aprendizagem.
Anotações
35 - Qual a diferença entre transtorno
específico de aprendizagem e dificuldades de
aprendizagem?

Apesar de as dificuldades de aprendizagem e os transtorno


específico da aprendizagem serem similares nas manifestações dos
sintomas, existem diferenças principalmente relacionadas à questão
do tempo de permanência das manifestações e dificuldades de
superação.
Transtorno de aprendizagem são dificuldades específicas na
leitura, na escrita e/ou no cálculo e tem causa neurológica. Para que o
indivíduo seja diagnosticado com dislexia (transtorno da leitura),
disgrafia/disortografia (transtorno da escrita) e discalculia (transtorno
da matemática), é preciso descartar deficiência intelectual, atraso
global do desenvolvimento, deficiência auditiva ou visual, problemas
neurológicos, falta de oportunidades escolares, metodologia
inadequada e outras condições que possam justificar o mal
desempenho nestas áreas (APA, 2014). Todas as pessoas com
transtorno específico da aprendizagem terão, em maior ou menor
grau, alguma dificuldade de aprendizagem em tarefas que dependam
da leitura (se disléxico) ou do cálculo (se portador de discalculia). São
pessoas absolutamente capazes de aprender por outras vias, que não
dependam exclusivamente daquela afetada.
As dificuldades de aprendizagem dizem respeito às causas
exógenas, ou seja, quando há algum fator no ambiente que interfere
na aprendizagem, tais como: má alfabetização, metodologia
inadequada, fatores emocionais, ambiente familiar conturbado,
vínculo inadequado com o professor, dentre outros. Pessoas com
transtornos do comportamento, como TDAH (Transtorno do Deficit
de Atenção e Hiperatividade), podem apresentar dificuldades de
aprendizagem devido ao comportamento hiperativo/impulsivo e/ou
déficit de atenção, mas estes não são fatores impeditivos para
aprendizagem. Pessoas com síndromes, como autismo, síndrome de
Down e com déficit intelectual, poderão apresentar dificuldades em
acompanhar o ensino formal e necessitarão de apoio escolar com
adaptações necessárias para seu desenvolvimento.
O transtorno específico de aprendizagem relacionase
a fatores intrínsecos, e o diagnóstico será sempre
multidisciplinar. As manifestações dos sintomas
não são passageiras como nas dificuldades de
aprendizagem.
36 - A aprendizagem estudada pela
Psicopedagogia restringe-se ao ambiente
acadêmico?

Embora a visão comum seja a de que a Psicopedagogia esteja


voltada para sanar ou amenizar os problemas de aprendizagem que
interferem no bom desempenho acadêmico e elaborar meios para
prevenir os entraves na aprendizagem, é preciso corrigir este engano.
A Psicopedagogia também está voltada para a aprendizagem que
ultrapassa os muros da instituição acadêmica, tendo como objetivo
despertar no sujeito o desejo pelo conhecimento de mundo, ou como
Visca nomeia aprendizagem assistemática. Esta aprendizagem refere-
se ao resultado das interações entre o sujeito e a comunidade
restringida, ou seja, uma aprendizagem
“[...] que permite o sujeito desempenhar-se na sociedade sem possuir conhecimentos,
atitudes e destrezas que o desenvolvimento atual da cultura impõe aos seus membros,
através das instituições educativas de nível primário. (VISCA, 1991, p. 28)

Encontramos dentre alguns adultos, que não estão frequentando


nenhuma instituição acadêmica, algumas dificuldades de raciocínio ou
mesmo carências de determinadas informações. Estas limitações
podem deixar a pessoa em situação constrangedora, afetando sua
autoestima.
Vamos a um exemplo. Uma conhecida, que atualmente está
morando na Europa, ligou-me dizendo estar sentindo-se
constrangida, porque a família do marido tinha o hábito de, aos finais
de semana, jogar um jogo de perguntas relacionadas ao país em que
estava morando e perguntas relacionadas a fatos do mundo. Ao
jogar, percebeu o quanto estava limitada, pois, apesar de ter
formação em nível superior, passou muito tempo da sua vida longe
dos estudos, já que tinha de trabalhar para se sustentar, e os trabalhos
nos quais se envolveu não requisitavam leitura. Ela passou a evitar
estes momentos familiares e o jogo, inventando sempre uma desculpa
para não participar. Travamos algumas conversas, por telefone, na
qual levantei algumas reflexões que a fizeram perceber a necessidade
de retomar leituras e conhecimentos sobre fatos e curiosidades do
mundo, que podem ser encontrados na Internet ou outras leituras,
sem necessariamente precisar retornar à vida acadêmica, se não
desejar.
Outro exemplo de alguém com limitações na aprendizagem
assistemática seria aquela que deseja realizar uma viagem, mas não
sabe por onde começar, apresenta dificuldades em se localizar em um
mapa geográfico, dificuldades básicas para conseguir informações de
como efetivar seu desejo.
O profissional da Psicopedagogia poderá trabalhar em qualquer
ambiente, com todos aqueles que percebem dificuldades na aquisição
de novas aprendizagens, ou percebam limitações na compreensão de
informações.

A Psicopedagogia é a profissão que auxilia pessoas


nas dificuldades de aprendizagem, inclusive com
demandas fora do âmbito acadêmico.
37 - O que a pessoa deve fazer para se tornar um
profissional da Psicopedagogia?

Atualmente, os cursos de Psicopedagogia, no Brasil, são


oferecidos, em sua grande maioria, em nível de pós-graduação, mas
existem cursos de graduação. Os interessados deverão ter nível
superior, preferencialmente nas áreas relacionadas à Saúde e
Educação.
Alguns cursos de Psicopedagogia são oferecidos a distância. É
importante ter cuidado, pois alguns cursos de modalidade on-line
não ofertam uma parte fundamental que é o estágio clínico. Portanto,
antes de ingressar em um curso de Psicopedagogia e se desejar atuar
em clínica, esteja atento se a instituição oferece esta última etapa, que
é imprescindível para a prática clínica.
Vejamos o que diz o Projeto de Lei da Câmara n.º 31, de 20103
(aguardando aprovação) sobre quem pode exercer a profissão:
Art. 2º Poderão exercer a atividade de Psicopedagogia no país:
I - os portadores de diploma em curso de graduação em
Psicopedagogia expedido por escolas ou instituições devidamente
autorizadas ou credenciadas nos termos da legislação pertinente;
II - os portadores de diploma em Psicologia, Pedagogia ou
Licenciatura que tenham concluído curso de especialização em
Psicopedagogia, com duração mínima de 600 (seiscentas) horas e
carga horária de 80% (oitenta por cento) na especialidade;
III - os portadores de diploma de curso superior que já venham
exercendo ou tenham exercido, comprovadamente, atividades
profissionais de Psicopedagogia em entidade pública ou privada, até
a data de publicação desta lei.
O código de ética do psicopedagogo em seu artigo 6º nos diz
que:
Estarão em condições de exercício da Psicopedagogia os profissionais graduados
e/ou pós-graduados em Psicopedagogia como também, os profissionais com direitos
adquiridos anteriormente à exigência legal e os profissionais reconhecidos pela ABPp.
(2019)

3https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/96399. Acesso em
11/07/2020.
Antes de ingressar em um curso de Psicopedagogia
e, se desejar atuar em clínica, esteja atento se a
instituição oferece estágio clínico.
38 - Onde o profissional da Psicopedagogia pode
atuar?

Este profissional poderá atuar em qualquer lugar que se observem


limitações na aprendizagem ou que se queira desenvolver melhores
estratégias de aprendizagem, melhorar o desempenho ou mesmo
como forma de prevenção reduzindo riscos de surgimento de
dificuldades. São exemplos destes locais: escolas, faculdades,
consultórios, hospitais ou em outras instituições com as pessoas que
necessitem desenvolver o potencial cognitivo.
A atuação de psicopedagogos tem sido cada vez mais
reconhecida pela sociedade, que tem demonstrado confiança no
trabalho deste profissional por observar efetivas mudanças naqueles
que buscam o atendimento.
Nas questões posteriores, abordaremos a atuação do profissional
da Psicopedagogia, de maneira mais específica.

Cada vez mais, a sociedade reconhece a importância


do psicopedagogo por observar reais mudanças
naqueles que buscam o atendimento.
Anotações
39 - Como é realizado o trabalho do
psicopedagogo institucional nas escolas?

O psicopedagogo institucional trabalha tanto de forma


preventiva quanto remediativa dentro da instituição.
De maneira preventiva, atua com os professores nas questões
didáticas e metodológicas, realizando treinamento de educadores,
auxiliando nos projetos educacionais para um ensino mais dinâmico e
significativo. Esclarece aos professores a importância da escuta
permanente ao aluno, do diálogo, na tentativa de compreender suas
angústias, desejos e identificação de possíveis dificuldades. Realiza
ainda orientação aos pais, que são vistos como parceiros,
encaminhando o aluno a especialistas quando necessário. Poderá
propor palestras aos pais sobre hábitos de estudo, limites necessários
para efetivação de uma rotina e tudo aquilo que possa contribuir para
o desenvolvimento do processo de aprendizagem.
De maneira remediativa, procura amenizar problemas já
instalados originados de má adaptação escolar, vínculo inadequado
de aluno e professor, metodologia inadequada, organizando,
reestruturando o ambiente ou os métodos de ensino (o trabalho é
feito em parceria com os docentes). Auxilia, ainda, na adaptação
curricular dos alunos de inclusão com transtornos do
neurodesenvolvimento e outras síndromes que afetam as funções
cognitivas, comportamentais ou psicomotoras.
O psicopedagogo institucional não irá tratar do transtorno
específico de aprendizagem, pois os alunos que apresentam este
quadro deverão ser encaminhados ao profissional que trabalha em
clínica/consultório em ambiente externo à escola, para um trabalho
com técnicas específicas. Todavia, há muito o que se fazer na escola
para auxiliar estes alunos, antes mesmo de encaminhá-los a um
profissional externo.
O psicopedagogo institucional não irá tratar do
transtorno específico de aprendizagem, pois os
alunos que apresentam este quadro deverão ser
encaminhados ao profissional que trabalha em
clínica/consultório em ambiente externo à escola.
40 - Como é realizado o trabalho
psicopedagógico em consultórios?

O psicopedagogo clínico trabalha realizando inicialmente um


diagnóstico, que tem como finalidade identificar as causas das
dificuldades de aprendizagem. Nesta etapa, utiliza instrumentos que
possam orientar sua investigação, levantando hipóteses que, ao final
do processo, serão confirmadas ou refutadas. Após a conclusão da
avaliação, estabelece-se uma proposta de intervenção terapêutica e
inicia-se a intervenção psicopedagógica, na qual o profissional
utilizará recursos para trabalhar as relações vinculares de desejo pelo
aprender, estimular a cognição, auxiliar no processo de alfabetização,
ensinar estratégias de aprendizagem que incluam desejo e motivação
para buscar outras fontes e recursos de aprendizagem. O objetivo
será o de desenvolver as potencialidades para que evolua em seu
processo de construção de sujeito aprendente.
Atualmente, a Psicopedagogia ampliou seu campo de atuação,
graças às informações oferecidas pela Neurociência, possibilitando
recursos de intervenção mais efetivos, com a finalidade de superar ou
amenizar as dificuldades de aprendizagem. Refiro-me à estimulação
cognitiva da atenção, da memória, por meio de jogos, tanto de
tabuleiro quanto eletrônicos. Os jogos sempre existiram e, há anos,
profissionais reconhecem a sua importância. A diferença é que, hoje,
os profissionais que estudam o sistema nervoso conhecem as áreas
que estão sendo estimuladas.
Na atuação psicopedagógica, diversos recursos são
utilizados, e outras áreas se prestam como fonte
auxiliar para a compreensão das dificuldades de
aprendizagem.
41 - Posso abrir uma clínica como
psicopedagoga(o)?

O profissional da Psicopedagogia não pode abrir uma clínica


sozinho, porque, quando for celebrado o instrumento de constituição
da sociedade civil, ele deverá ser averbado no conselho regional da
respectiva profissão e como a Psicopedagogia ainda não é
regulamentada e, portanto, não tem um conselho, não poderá
averbar. Caso queira abrir uma clínica, deverá fazê-lo com um
profissional que tenha registro em um conselho de classe, como um
psicólogo, por exemplo, que será o responsável técnico.
Todavia, poderá abrir um espaço, que poderá chamar de
consultório, em sala própria ou alugada, e realizar o atendimento,
preferencialmente com o registro de autônomo na Prefeitura. Alguns
psicopedagogos também abrem uma MEI (Microempreendedor
individual), mas é de caráter individual.
Para mais informações, o leitor deverá realizar consulta na
Associação Brasileira de Psicopedagogia – ABPp Nacional ou ABPp de
sua região.

O psicopedagogo poderá abrir um espaço, que


poderá chamar de consultório, preferencialmente
com o registro de autônomo na Prefeitura.
Anotações
42 - O que devo fazer para começar a atuar em
consultório de Psicopedagogia?

O primeiro passo é ter concluído o curso de Psicopedagogia,


passando pelo estágio em Psicopedagogia Clínica. Temos visto alguns
cursos que não oferecem esta última etapa tão importante. Se você
fez um curso que não lhe ofereceu estágio, sugiro que procure uma
instituição para complementar seu curso.
O segundo passo é estudar, estudar muito. Leia tudo que puder
sobre Psicopedagogia, tanto os livros teóricos quanto aqueles que
abordam a atuação prática e leia também livros de outras áreas.
O terceiro passo é adquirir alguns materiais para iniciar os
atendimentos. Além de livros para o estudo da prática, um material
indispensável para a avaliação são as Provas Operatórias de Piaget,
vendidas em sites na Internet, mas que poderão ser produzidas
seguindo as medidas corretas. Neste último caso, o profissional
deverá estar atento à qualidade do material para que não prejudique
a aplicação e os resultados. Por exemplo, as duas bases da prova de
superfície podem ser feitas com madeira ou EVA. Ambas devem estar
com as mesmas medidas, do contrário não haverá possibilidade de o
sujeito estabelecer a igualdade inicial impossibilitando a aplicação. O
material em EVA. deverá ser grosso, pois o fino poderá ficar com as
pontas dobradas, dificultando a percepção sobre a igualdade de
tamanhos. São pequenos detalhes, mas que fazem toda diferença na
hora da aplicação, inclusive nos resultados. Outras provas também
possuem detalhes importantes a serem observados.
Além das provas operatórias, existem instrumentos vendidos no
mercado que serão úteis para a avaliação da leitura, escrita, aritmética,
dentre outros.
O profissional também deverá investir em jogos para a
intervenção psicopedagógica. Muitos materiais poderão ser
produzidos pelo próprio profissional.
O quarto passo é fazer supervisão, que deverá ser realizada com
um profissional experiente. Cabe ao supervisor auxiliar no raciocínio
clínico psicopedagógico, tanto na avaliação quanto na intervenção.
Ele poderá lhe dar dicas de boas leituras que irão subsidiar seus
estudos e auxiliar na confirmação ou refutação de suas hipóteses.
Poderá lhe indicar instrumentos que você deixou de utilizar e que
poderão ser úteis na avaliação. A experiência do supervisor é de
grande auxílio não só para quem está começando mas também para
quem já está atuando há algum tempo.
Com o tempo, estudo e experiência, o supervisionando vai
liberando o supervisor do lugar de detentor do saber, que,
inicialmente, se fazia necessário para o estabelecimento da confiança
e do vínculo. Quando o supervisionando passa a atuar sem a
dependência antes requerida, o supervisor saberá que fez um bom
trabalho.
Não transmitimos conhecimento. Como supervisor, transmitimos
informações. O conhecimento vai sendo construído por cada um, a
partir de desconstruções, incertezas, reconstruções, encaixes e
alinhamentos, em um constante processo entre assimilação,
acomodação e equilibração.
Jamais conseguiremos passar o conhecimento, ele é de cada um,
foi construído a partir das experiências subjetivas. Na supervisão,
comentamos sobre as informações e auxiliamos no raciocínio, mas a
construção será feita sempre pelo supervisionando.
Em alguns casos, pode ser útil fazer supervisão com um psicólogo
ou neuropsicólogo quando existem componentes emocionais ou
suspeita de transtorno. Este tipo de supervisão pode contribuir para a
ampliação do nosso olhar e auxiliar no direcionamento do
encaminhamento para outros profissionais.
O quinto passo é fazer Psicoterapia, mas poderia ser o primeiro
passo. Não é possível cuidarmos bem do outro sem aprender a cuidar
bem de nós mesmos.

Concluir o curso de Psicopedagogia clínica


com estágio, estudar muito, adquirir materiais
apropriados, realizar supervisão com profissional
experiente e cuidar de você mesmo em Psicoterapia
são passos importantes a serem seguidos para
atuação psicopedagógica.
43 - Como montar um consultório
psicopedagógico e que materiais são
importantes?

A sala de atendimento deve ser montada de maneira a atender


crianças, adolescentes, adultos e pessoas da família, atendendo aos
critérios de “comodidade, segurança, seleção de reativos, não
modificação de ancoragens e ancoragens diferenciais” (VISCA, 1987,
p. 26).

• Lugar: o lugar é onde se efetua o atendimento. Deve ser um


local onde serão oferecidos recursos e situações que possibilitem a
livre expressão do paciente e que proporcionem avanços na sua
aprendizagem. Visca cita três tipos de consultório:

- consultório de crianças – neste espaço, o autor sugere atender


não só crianças mas também sujeitos pouco evoluídos, como
pessoas com deficiência intelectual, alguns psicóticos e adultos
com aspectos muito infantis;
- consultório de adultos – neste espaço, são atendidas crianças
cujas dificuldades e condutas não são altamente significativas e
adultos com elementos não demasiadamente regressivos. O estilo
de construção, de organização e de mobiliário é diferente do
primeiro espaço citado;
- rua etc. – um terceiro tipo de atendimento seria em outro lugar,
como ruas, lojas, supermercados, a depender da dificuldade que se
apresente nos sujeitos com déficits na aprendizagem assistemática.
A razão de Visca sugerir diferentes tipos de consultórios para
crianças e adultos é que diferentes situações e diferentes tipos de
pacientes exigem objetos e locais adequados. Todavia, devido aos
altos custos de se manter um consultório, parece inviável para a
maioria dos profissionais manter duas salas, uma para atender
somente crianças e outra para atender somente adultos. Então,
podemos fazer as adaptações necessárias para atendermos os
diferentes tipos de sujeitos no mesmo ambiente, garantindo que a
disposição dos móveis e elementos sejam estáveis atendendo ao que
o autor ressalta sobre a não modificação de ancoragens (não realizar
modificações, retirar, ou acrescentar elementos). O mesmo autor
sugere também atender ao critério de ancoragens diferenciadas, ou
seja, dispor de elementos e móveis que o paciente possa perceber a
distinção entre este espaço e de outros, como um consultório de
psicoterapia ou mesmo um consultório médico.
No que se refere à segurança, Visca não se refere apenas às
questões físicas de evitar acidentes, mas que o paciente se sinta
seguro de que seus déficits não serão desvendados ou conhecidos por
outras pessoas que frequentam aquele ambiente.
A comodidade diz respeito a criar um ambiente onde o paciente
sinta-se acolhido, sem julgamentos, que não lhe imponha condições.

• Mesas: basicamente você irá precisar de uma mesa para


trabalhar com jogos, leitura e escrita. Considero uma mesa retangular,
com um tampo de vidro muito útil para a criança expressar-se,
utilizando canetas de quadro branco (que podemos apagar depois
com álcool e pano). É útil também para o profissional fazer mapas
mentais ou esquemas ao dar algumas explicações ao paciente ou aos
pais. Também a utilizo para trabalhar tarefas de consciência
fonológica, leitura e escrita, por exemplo.
Não é aconselhável mesas com tampo de vidro sem o suporte de
madeira embaixo, pois recebemos crianças hiperativas ou sem
percepção do perigo, e que podem querer subir, podendo ocasionar
acidentes.
Se a mesa tiver quina, é importante colocar proteção
emborrachada vendida em lojas de produtos para bebês.
Frequentemente, temos em nossas salas crianças com dificuldades no
controle corporal, e estes protetores são úteis para evitar acidentes.
Weiss (2002) chama a atenção para a posição do terapeuta e do
paciente que deve ser frontal e não lateral, o que permite que as
expressões faciais e corporais do paciente sejam vistas, além de não
confundir com a usual posição de intimidade doméstica.
Uma mesa vazada embaixo serve para observarmos o movimento
das pernas, o que pode refletir conduta de ansiedade ou de
hiperatividade.
• Cadeiras: uma poltrona para o profissional e uma cadeira para o
paciente junto à mesa de trabalho. Poltronas confortáveis para
entrevista com pais ou responsáveis, adolescentes ou pacientes
adultos.
A cadeira do paciente deve ser confortável e deve permitir que
consiga apoiar os pés no chão. É sempre bom ter um banquinho de
apoio para os pés, no caso de receber crianças pequenas, para que
não forcem a coluna e se cansem rapidamente. Esta deve ser uma
recomendação também oferecida aos pais para implementarem em
casa no momento dos estudos.

• Armários: você irá precisar de um armário para guardar seus


livros de estudo e materiais, como jogos, revistas, caixas com
materiais recicláveis, que podem ficar expostos em prateleiras, e a
decisão de o paciente ter ou não livre acesso dependerá do que o
profissional pretende desenvolver.

É recomendável que algumas partes do armário sejam fechadas


para a guarda de pastas e documentos dos pacientes e garantia do
sigilo.

• Decoração: a decoração deve ser baseada no bom senso, sem


exageros que poderão causar dispersão dificultando efetivar o
trabalho pretendido.

• Almofadas: gosto de ter almofadões em um canto,


propositalmente próximo a uma estante de livros de histórias e de
curiosidades. Os pacientes fazem as mais diversas elaborações com as
almofadas: recostam-se para ler, as utilizam para sentar-se enquanto
jogamos no chão, usam a imaginação dizendo que são montanhas,
lagos, ao brincar com miniaturas ao mesmo tempo que contam uma
história, ou podem servir simplesmente para relaxar um pouco e falar
do seu cansaço dos estudos ou desabafar sobre o que desejar.

• Tapetes e carpetes: estes materiais devem ser evitados, ou pelo


menos não deverão ser colocados em toda extensão da sala.
Trabalhamos com areia, argila, tintas e cola, e os tapetes dificultam
esse trabalho. Isso não significa dizer que terão livre acesso para
pintarem onde quiserem, pois os limites devem ser estabelecidos, mas
garantir que não fiquem tensos e preocupados se sujarem aquele
local onde estão desenvolvendo o trabalho. Caso seja percebida
alguma tensão, mesmo em um local sem tapete, o sujeito deve ser
informando que pode ser limpo depois, inclusive com a ajuda deles,
mas é um comportamento que devemos analisar. Além disso, muitas
crianças apresentam rinite alérgica e é importante que tenhamos um
piso de fácil limpeza.

• Quadro branco: além da tampa de vidro na mesa para a livre


expressão ou explicações, como já mencionado, tenho disponível um
quadro branco, com pilotos de cores diversas e um apagador. São
muito úteis para diversas situações: dramatizações (colocando-se no
lugar do professor, por exemplo); tentar explicar o que acabou de ler
a fim de conferir se compreendeu ou não o assunto (uso de
estratégias cognitivas); desenhar uma situação que não consegue
explicar com palavras; treino de atividades de alfabetização como
manipulação fonêmica e silábica (se mudar uma ou mais letras da
palavra temos outra palavra VALE-VELA, BOTA-BOTE etc.) são úteis
para perceber as mudanças semânticas.

• Relógio: este é um objeto indispensável no meu consultório.


Dou preferência ao relógio analógico do que os digitais por
permitirem maior visualização do funcionamento do tempo (quantos
minutos faltam para terminar a sessão é melhor de se visualizar do
que no digital). Um relógio em um consultório não serve apenas para
identificar que acabou a sessão mas também para trabalhar a
organização do tempo nas atividades, ou seja, autorregulação. Muitos
pais se queixam que crianças, inclusive adolescentes, não têm noção
de quanto tempo usam para tomar banho, comer, fazer as tarefas
escolares, uso de redes sociais. Alguns alunos com transtorno
específico de aprendizagem ou de comportamento apresentam
dificuldades em identificar horas no relógio. Ter este instrumento de
medida de tempo auxilia não só na aprendizagem das horas, mas
também na tomada de consciência e percepção de como o tempo, se
bem utilizado, favorece muito no nosso cotidiano.

Algumas crianças ansiosas podem inicialmente utilizar o relógio


de forma negativa aumentando ainda mais sua ansiedade,
principalmente quando estão em uma atividade prazerosa. Este não
deve ser um motivo para o profissional não utilizar o relógio, mas um
motivo para conversar sobre a organização do tempo e trabalhar a
tolerância à frustração. É satisfatório perceber como crianças que
começam assim, ansiosas, conseguem posteriormente se orientar no
tempo e aceitar que a sessão terminou, respeitando esse e outros
limites.

• Um computador é muito útil, pois existe uma variedade de


jogos eletrônicos vendidos que poderão servir para o trabalho
psicopedagógico, além dos recursos de editor de texto e pesquisa na
Internet. Estimular o conhecimento, o saber, a curiosidade e a
criticidade é o objetivo da Psicopedagogia, e a busca de informações
em sites favorece esta descoberta.

• Caixa de trabalho: se o profissional optar por trabalhar com a


Caixa de Trabalho (veja questão 81), deverá reservar um canto da sala
para guardá-las, uma sobre as outras, pois cada caixa pertence a um
paciente.

• Uma caixa com materiais recicláveis de todo tipo deverá


estar disponível em um canto, na estante ou bancada, que servirá para
diferentes projetos.
Materiais e mobília deverão ser escolhidos com
cuidado, de forma consciente para o propósito do
trabalho clínico, evitando exageros na decoração e
informações visuais excessivas e dispersoras.
44 - Qual é a importância do Diagnóstico
Psicopedagógico Clínico?

Diferentemente do que acontecia até meados do século passado,


quando o fracasso escolar era atribuído basicamente ao sujeito,
prevalecendo um enfoque médico, a Psicopedagogia, desde seu
surgimento, estabeleceu questões relevantes sobre outras
possibilidades para explicar o insucesso escolar questionando,
inclusive, a instituição escolar, governamental e familiar. A partir daí,
foi necessário pensar em uma forma de identificar as causas do
fracasso escolar e propor modificações socioambientais,
metodológicas, cognitivas, metacognitivas, que favorecessem a
aprendizagem.
A etapa de diagnóstico ou avaliação é importante para todos os
envolvidos: sujeito, família, escola e profissional. A partir dos
resultados, será possível implementar um plano de intervenção a fim
de proporcionar a evolução do sujeito. Tais mobilizações,
invariavelmente, causam impacto no ambiente escolar e/ou familiar,
cujos membros são convidados a refletir sobre as variáveis
intervenientes à evolução e o desenvolvimento do aprendiz.
A escuta deverá ocorrer, por parte do profissional da
Psicopedagogia, desde o primeiro contato com a família e com o
sujeito. Observamos a fala, os gestos, as expressões, o movimento
corporal e a forma de comunicação.
O diagnóstico é este momento de descoberta. Constatamos que,
durante este período, o sujeito já inicia um processo de
ressignificação em relação à sua aprendizagem. Embora ainda não
seja a etapa de intervenção psicopedagógica propriamente dita,
verificamos que os nossos questionamentos, por si só, geram
reflexões cognitivas e colocam o sujeito diante de uma autoavaliação
sobre os métodos de estudo adotados ou não utilizados.
Toda avaliação é, em si, uma intervenção. A partir do momento em
que dirigimos a fala ao outro e geramos reflexões por meio de
questionamentos, já estamos intervindo. Cada frase direcionada
afetará o outro de alguma forma.
O intuito da avaliação psicopedagógica é, portanto, conhecer o
sujeito para intervir de maneira adequada. Com muito estudo e um
olhar apurado, o profissional experiente poderá perceber quando não
se trata apenas de uma dificuldade de aprendizagem, mas talvez de
um transtorno específico de aprendizagem, reconhecendo a
importância de encaminhar para profissionais, de outras áreas, a fim
de aprofundarem a avaliação. Este encaminhamento é importante
porque o estudante que apresenta mais do que uma dificuldade de
aprendizagem ou de “ensinagem” irá necessitar da compreensão e do
apoio da escola, do contrário, há chance deste sujeito não obter
sucesso escolar, ocasionando sofrimento e marcas profundas na sua
autoestima.
O transtorno específico de aprendizagem pode ter consequências
funcionais negativas ao longo da vida, incluindo baixo desempenho
acadêmico, taxas mais altas de evasão do ensino médio, menores
taxas de educação superior, níveis altos de sofrimento psicológico e
pior saúde mental geral, taxas mais elevadas de desemprego e
subemprego e renda menor. Evasão escolar e sintomas depressivos
comórbidos aumentam o risco de piores desfechos de saúde mental,
incluindo suicidalidade, enquanto altos níveis de apoio social ou
emocional predizem melhores desfechos de saúde mental. (APA, 2014,
p. 73)
O bom profissional não é aquele “fechado em uma caixa” e que
desconsidera todas as descobertas das Neurociências, mas sim aquele
que se abre ao conhecimento e considera outras possibilidades,
reconhecendo o papel importante da avaliação de outros
profissionais.
Portanto, o diagnóstico psicopedagógico é limitado para
identificação de todas as causas, pois, em alguns casos,
dependeremos de outras avaliações. Mas, isto não significa dizer que
o profissional deve esperar a criança passar por todos os profissionais
antes de iniciar o tratamento. Alguns pais não dispõem de recursos
financeiros suficientes para realizar, em um curto período, todas as
avaliações que seriam necessárias. Com a finalização do diagnóstico
psicopedagógico, o psicopedagogo já poderá iniciar a intervenção
baseado nas necessidades da criança, orientando pais e escola quanto
à melhor maneira de ajudar a criança.

O diagnóstico psicopedagógico serve como base de


conhecimento do modelo de aprendizagem do sujeito
e é importante para implementar um adequado plano
de intervenção.
45 - Que recursos de avaliação o psicopedagogo
poderá utilizar na sua avaliação?

O profissional da Psicopedagogia dispõe de instrumentos de


avaliação que são utilizados para identificar as dificuldades que o
sujeito apresenta na sua aprendizagem. São utilizados recursos
variados para se chegar a uma conclusão, todavia sua aplicação não
pode ser aleatória e indiscriminada, sendo necessário que o
psicopedagogo saiba o que está buscando ao utilizar um
determinado instrumento de avaliação.
No consultório psicopedagógico, não utilizamos provas
psicométricas, pois estas são de uso restrito de psicólogos. Todavia
para os psicopedagogos, que são também psicólogos, é possível
utilizar provas psicométricas como o Wisc IV (Escala Wechsler de
Inteligência para Crianças – aplicado em crianças de 6 a 16 anos e
11 meses) com o objetivo de conhecer forças e fraquezas dos
componentes de inteligência avaliados e não apenas determinar o QI
de forma mecânica, como muitos erroneamente pensam.
Independentemente da utilização de instrumentos prontos, a
escuta clínica é uma parte fundamental do nosso trabalho. Fernández
afirma que não se deve “perder de vista o sujeito para convertê-lo em
objeto (de quantificação, de rotulação, de manipulação)” (1991, p.
193). Enfatiza que os instrumentos poderão ser utilizados se
exercerem a função de prestar-nos algum serviço. E conclui afirmando
que, se chegar a uma conclusão de que se trata de uma patologia
como oligofrenia ou oligotimia, deve-se procurar perceber quais as
vias de compensação que este sujeito desenvolveu.
As potencialidades também deverão ser identificadas para servir
de ponto de apoio e de partida na intervenção. Devemos ficar atentos
na tentativa de identificar que estratégias este sujeito desenvolveu ao
longo de sua vida para compensar suas dificuldades.
Faz parte do diagnóstico psicopedagógico observar a motivação
e energia que o sujeito deposita no seu processo de aprender. Avalia-
se sobretudo as relações que o sujeito estabelece com o objeto do
conhecimento iniciando com a EOCA (Entrevista Operativa Centrada
na Aprendizagem) e continuamos a observação durante todo o
processo de avaliação. As técnicas projetivas, referidas nos estudos de
Jorge Visca, favorecem a identificação dos vínculos de aprendizagem
do sujeito consigo mesmo, com a escola e com a família. Esta
avaliação é útil para verificarmos se os bloqueios de aprendizagem se
dão em função de um obstáculo epistemofílico (veja questão 7), que
estão relacionados aos aspectos afetivos estudados por meio dos
aportes da Psicanálise.
Em uma avaliação psicopedagógica, é válido verificarmos em que
estágios de desenvolvimento cognitivo o sujeito se encontra, de
acordo com os estudos da Psicologia Genética. Para tanto, são
utilizadas as Provas Operatórias de Piaget. Esta avaliação tem como
objetivo verificar se os bloqueios de aprendizagem se dão em função
de um obstáculo epistêmico (veja questão 7).
Verificamos o desenvolvimento da linguagem do sujeito na sua
forma expressiva e compreensiva. Alterações na linguagem podem
estar relacionadas a problemas emocionais, neurológicos, fonéticos,
distúrbios do processamento auditivo e a depender do
comprometimento, será necessário encaminhar para outros
profissionais ampliarem a investigação, a partir da hipótese levantada.
O processo de construção do conhecimento depende da
integração de percepções, sensações e representações mentais, cujo
cérebro constitui-se em um sistema aberto que transforma seus
mecanismos de funcionamento a partir da interação com o mundo
(LURIA, 1976; VYGOTSKY, 1994). Desta forma, é importante verificar,
de forma qualitativa pela observação ao longo das sessões, como
estão algumas funções cognitivas, como atenção, memória,
percepção, embora já existam instrumentos no mercado, de uso não
restrito, que psicopedagogos poderão utilizar para avaliar de maneira
também quantitativa. Esta investigação é útil para sondarmos se os
bloqueios de aprendizagem podem estar relacionados ao que Visca
chamou de obstáculo funcional (veja questão 7) e realizar o
encaminhamento para outros profissionais ampliarem a investigação,
como profissionais da Neuropsicologia (psicólogos) e/ou Neurologia
(médicos).
Os aspectos psicomotores também são avaliados como
orientação espacial, lateralidade, equilíbrio dinâmico e estático,
motricidade fina, motricidade global. Estudos mostram a estreita
relação entre problemas psicomotores e dificuldades de
aprendizagem devido à integração entre funções neurofisiológicas e
psíquicas. Quando são detectados problemas, o encaminhamento
para um especialista em Psicomotricidade será necessário.
Faz parte da avaliação psicopedagógica observar os vínculos que
o indivíduo estabelece com a leitura, se a realiza com prazer, se é
curioso ou se lê por obrigação. Em se tratando de queixa específica de
aprendizagem da leitura, em uma idade em que esta competência já
deveria ter sido estabelecida em função das oportunidades
acadêmicas vivenciadas, podemos utilizar alguns instrumentos de
avaliação da leitura vendidos no mercado, com estudos padronizados
como TDE II, PROLEC, AFLET, dentre outros. A investigação com
instrumentos quantitativos é particularmente importante em
hipóteses de transtorno específico de leitura4. Da mesma forma,
procedemos com as queixas de escrita e cálculo. É necessário lembrar
que nenhum instrumento irá substituir a necessidade de uma boa
entrevista de anamnese, por meio da qual poderemos identificar
fatores que podem interferir no desenvolvimento cognitivo/afetivo:
doenças, internamentos, perdas, faltas de oportunidades acadêmicas,
desorganização familiar, deficiências metodológicas, desnutrição,
negligência materna, exposição a fatores de risco durante a gravidez,
genética, dentre outros.
Avaliamos as estratégias de aprendizagem utilizadas pelo sujeito.
Costumo pedir que simule como estuda para a prova da escola ou
faculdade, oferecendo alguma leitura e deixando ao seu alcance
objetos como marcador de texto e lápis. Em geral, observo que os
alunos com dificuldades de aprendizagem não utilizam estratégias
eficazes nem durante a leitura, nem na organização de sua rotina de
estudo. Tais problemas podem estar relacionados à desmotivação, de
ordem emocional e/ou dificuldades de leitura ou de compreensão
leitora que, por si só, podem causar desmotivação. Eles podem
mostrar leitura rápida demais, sem pontuação, não verificam se
conseguiram absorver a informação e mostram técnicas ineficientes
de retenção da informação. Não utilizam o exercício da metacognição
para aferir se estão preparados para a prova, se distraem com jogos
eletrônicos quando estão em casa e não estabelecem uma disciplina
de horário.
O instrumento EAVAP-EF (Escala de Avaliação das Estratégias de
Aprendizagem para o Ensino Fundamental) (OLIVEIRA, 2010) pode ser
utilizado para verificação das estratégias cognitivas e metacognitivas
ou estratégias disfuncionais. É um questionário de perguntas onde o
sujeito deverá marcar sua resposta na coluna de: nunca, às vezes ou
sempre. Apesar de a tabela de correção do manual referir-se aos anos
escolares do 1º ao 9º ano, também a utilizo com adultos, alunos de
faculdade, pois as questões são úteis para observarmos estratégias
que não estão sendo usadas ou que estão falhas e onde podem
melhorar.
Faz parte também do nosso trabalho de investigação, uma
avaliação ecológica. Trata-se de verificar a funcionalidade do sujeito
no seu cotidiano, e investigar de que maneira estes aspectos podem
interferir na sua aprendizagem. Nesta avaliação, utilizamos
questionários e entrevistas com professores e pais ou mesmo
simulação de situações do dia a dia.
A anamnese é de fundamental importância para o conhecimento
da historicidade e do momento atual da vida do sujeito e deve fazer
parte da avaliação clínica. (Falaremos mais sobre a anamnese na
questão 55.)

4 Mais uma vez precisamos deixar claro que psicopedagogo não fornece diagnóstico de
transtornos.
Não devemos nos apoiar apenas em testes
quantitativos. As entrevistas e a avaliação qualitativa
são parte fundamental da avaliação psicopedagógica.
46 - O que é mais importante: ter uma boa
técnica ou estabelecer um bom vínculo entre
terapeuta, paciente e cliente?

As duas qualidades são importantes e devem acontecer de


maneira simultânea. Se o profissional da Psicopedagogia é bastante
hábil na aplicação e avaliação dos instrumentos, estudou bastante e
demonstra muito conhecimento técnico, porém é pouco simpático na
relação com o sujeito avaliado, é possível que algumas dessas
situações possam acontecer: o sujeito pode não sentir desejo de
retornar nas próximas sessões; pode ser pouco colaborativo e não
haver engajamento; pode não sentir desejo de continuar com o
mesmo profissional na etapa seguinte, a de intervenção.
O contrário também não é positivo. O profissional poderá ser
extremamente amoroso, solícito demais, podendo ser confundido
com alguém da família, o que dificultará um distanciamento
necessário para que o profissional consiga realizar as observações
necessárias.
O ideal é que o profissional da Psicopedagogia tenha um bom
conhecimento da teoria e prática psicopedagógica, mas que consiga
estabelecer uma relação de empatia, respeito e confiança com o
paciente. Exageros devem ser evitados. Algumas crianças se assustam
com expressões em tom de voz muito alto. É necessário ter cuidado
com excesso de elogios, que é diferente de incentivar na colaboração
durante a avaliação, por exemplo.
O vínculo que se estabelece com a família é fundamental na
evolução da criança. É por meio da família que poderemos conseguir
modificações essenciais e benéficas ao paciente. Não conseguimos
este vínculo de outra forma se não realizando um trabalho sério,
empático e ético.
Conhecer teoria e prática e desenvolver um bom
vínculo com o paciente, a família e a escola são
peças fundamentais da atuação psicopedagógica.
47 - O que é sintoma?

Sintoma é o que se manifesta no sujeito, por meio de alterações


físicas ou psicológicas, podendo ser percebido pelo próprio sujeito
ou pelas pessoas com quem convive. Ocorre que alguns sintomas
podem manifestar-se em um determinado ambiente e não se
manifestar em outro e, portanto, nem sempre estarão evidentes.
Visca nos diz que “[...] o sintoma de aprendizagem é uma conduta
desviada que se expressa somente quando o meio o exige” (1987, p.
53). Uma criança que nasce com uma predisposição genética para
dislexia, em consequência de um ou ambos os pais serem disléxicos,
não manifestará sua dificuldade (sintoma) até entrar em contato com
a aprendizagem da leitura e escrita. Uma senhora analfabeta que
mora na Zona Rural, e consegue um emprego de cozinheira na cidade,
poderá não ter seu sintoma manifestado até ser solicitada a seguir
uma receita que seu chefe lhe entrega por escrito.
Fernández compreende o sintoma como aquilo que
[...] toma forma em um indivíduo, afetando a dinâmica de articulação entre os níveis
de inteligência, o desejo, o organismo e o corpo, redundando em um aprisionamento
da inteligência e da corporeidade por parte da estrutura simbólica inconsciente.
(1991, p. 82)

A ruptura do desejo de saber e de aprender é evidenciada por


meio do embotamento cognitivo que pode manifestar-se por
comportamentos de rejeição, fuga, inquietação, desatenção,
empobrecimento no contato com eventos de aprendizagem.
O sintoma é, geralmente, o que motiva a busca pelo atendimento
psicopedagógico. Conhecer o sintoma não significa conhecer a causa
do problema, e este é um dos objetivos de se iniciar uma investigação
por meio do diagnóstico psicopedagógico.
O sintoma é expresso por intermédio da queixa na entrevista
inicial com a família. Nem sempre, o que é percebido pela família é
percebido da mesma forma pelo sujeito. Alguns negam a existência
do problema e dizem não compreender o motivo de estarem
passando por uma avaliação.
O que o profissional conhece, a princípio, é o que é dito pelos pais
e professores, que, invariavelmente, colocam o sujeito como sendo o
causador do seu problema, “não gosta de estudar”, “não colabora”,
“dá trabalho na hora das tarefas da escola”. Este é um dos motivos
que levou Visca a realizar a anamnese ao final do diagnóstico,
evitando a contaminação de informações trazidas por outros. (Veja
questão 56.)
A investigação vai delineando motivos e causas dos problemas de
aprendizagem e trazendo outros aspectos a serem mais bem
investigados.
Para esta investigação, o psicopedagogo irá contar com:
- a escuta clínica sensível durante todo o processo investigativo;
- o uso de instrumentos, comprados ou produzidos, selecionados
a partir da queixa e após o levantamento do primeiro sistema de
hipóteses;
- habilidade do profissional na aplicação dos instrumentos;
- utilização de questionários e entrevistas;
- conhecimento técnico e teórico da avaliação psicopedagógica;
- conhecimento de teorias que fundamentam a Psicopedagogia.
O sintoma é a manifestação mais evidente de que
algo não vai bem no curso da aprendizagem e é o que
motiva a busca pelo atendimento psicopedagógico.
48 - Quando se inicia o Diagnóstico
Psicopedagógico?

A partir do momento que a família entra em contato para agendar


um encontro, ali já se inicia a observação das ansiedades da família,
das expectativas e dos desejos de cura. Este primeiro momento pode
se dar por meio de uma secretária, por contato telefônico, ou
diretamente com o profissional que disponibiliza seu contato pessoal
para escolas ou Internet.
Considero importante nos atentarmos para quem entra em
contato. A mãe para marcar uma sessão para um filho já adulto? A
secretária da empresa dos pais? A tia que se sensibiliza com a situação
do sobrinho? A avó que irá pagar a avaliação? Cada situação desta
merece reflexão por parte do profissional e pode refletir situações de
dependência, atribuição ao outro de seu papel de pai/mãe, grau de
importância que os pais dão sobre as dificuldades do(a) filho(a). São
aspectos que poderão ser esclarecidos na medida em que o
profissional passa a compreender o funcionamento da família.
O primeiro encontro, também chamado de entrevista inicial ou
entrevista contratual, tem como objetivo escutar a queixa da família,
colher os dados de identificação do sujeito e dos familiares, explicar
como se dá a avaliação, esclarecer a diferença entre o serviço
psicopedagógico e outros serviços como o de psicoterapia ou reforço
escolar, realizar o enquadramento acertando horários, honorários e
avisos de falta e frequência.
Neste momento, é importante que o profissional esteja atento às
falas dos membros da família, no que concordam, no que discordam,
se estão ali porque a escola exigiu, se discordam da indicação da
escola, a mãe que domina a comunicação e não deixa o pai se
posicionar ou vice-versa. Gestos e posturas também devem ser
observados: o pai que não desliga o celular e olha frequentemente
mensagens, a mãe que parece desligada, aquele que parece mais
autoritário na relação ou mais submisso, o que apresenta inquietação
corporal, aquele que se mostra impulsivo interrompendo
frequentemente o profissional, dentre outros aspectos.
O profissional da Psicopedagogia deverá desenvolver
um sentido investigativo e utilizar de todos os
recursos de que dispõe: perceptivos, visuais,
auditivos, cognitivos, metacognitivos e materiais.
49 - O que é EOCA?

A sigla EOCA significa Entrevista Operativa Centrada na


Aprendizagem. É uma técnica de avaliação idealizada por Jorge Visca
baseada no método clínico de Piaget, na Psicanálise e na Psicologia
Social de Pichon-Rivière, diferenciando-se por ter foco na
aprendizagem. Visca refere que o foco é “...sobre a investigação do
modelo de aprendizagem, vale dizer naquilo que alguém aprende e
aprende a aprender” (1987, p. 72).
A EOCA é realizada, geralmente, na primeira sessão individual com
o sujeito e tem como objetivo investigar os vínculos que este
estabelece com a aprendizagem, buscando identificar as defesas,
condutas evitativas e como enfrenta novos desafios (SAMPAIO, 2009).
Posteriormente a este encontro, formulamos o primeiro sistema de
hipóteses sobre possíveis causas (VISCA, op. cit.).
Esta entrevista diz respeito a ações verbais e não verbais. Antes de
mencionar a consigna que dará início à ação não verbal do sujeito,
sobre os materiais dispostos sobre a mesa, é recomendado que o
profissional dialogue a fim de averiguar se o sujeito compreende o
motivo de estar ali, quais as possíveis fantasias que a criança tem
sobre o espaço, sobre o profissional, sobre os materiais e sobre o que
se espera dela. É necessário esclarecer algumas ideias que a criança
pode fazer sobre o profissional, como imaginar que este é um médico
e que lhe oferecerá um remédio para curar seus problemas de
aprendizagem. Antes de iniciar os trabalhos, é recomendável
esclarecer quem é o profissional da Psicopedagogia e o que faz.
Feito isto, é o momento de apresentar o material da EOCA à
criança, que deverá ser simples e deixado sobre a mesa (ibid.). Após
solicitar que nomeie os materiais, o profissional dá a seguinte
instrução: “Gostaria que você me mostrasse o que sabe fazer, o que
lhe ensinaram e o que aprendeu”, e continua: [...] “Este material é para
que você o use se precisar para mostrar-me o que te falei que queria
saber de você” (ibid., p. 72).
Selecionamos materiais diversos como lápis de cor deixados na
própria embalagem, papéis lisos e pautados, régua, cola, borracha,
apontador, lápis novo e sem ponta, caneta, tesoura, marcadores, livro
ou revista, jornais.
Além destes materiais sugeridos por Visca, apresento alguns jogos
com regras que não sejam tão demorados (uma abordagem que
remete à Sessão Lúdica Centrada na Aprendizagem, que veremos na
questão 51). Esta adaptação me possibilita observar se a criança
consegue sentir interesse por materiais utilizados na escola, mesmo
diante de algum jogo, mostrando um vínculo positivo, ou se recusa a
utilizá-los escolhendo apenas jogos demonstrando uma conduta de
fuga e um possível vínculo negativo com a aprendizagem sistemática.
Durante a EOCA, as crianças podem apresentar os mais variados
comportamentos:
- iniciam explorando o material e decidindo iniciar por um desenho, ou escrevendo algo;
- começam a falar demasiadamente sobre assuntos diversos e produzem pouco;
- iniciam alguma produção, mas não concluem e trocam frequentemente de atividade;
- algumas perguntam o que fazer, sendo que o profissional já lhe deu a consigna e
mencionou que havia entendido;
- algumas crianças verbalizam que não sabem fazer nada e podem apresentar uma
produção pobre sem organização e planejamento.
- podem ainda permanecer paralisadas e nada produzirem, não modificando o
comportamento, mesmo que o profissional repita a consigna.

Cada uma destas condutas deve ser analisada, e um primeiro


sistema de hipóteses deverá ser levantado.
Caso a criança não saiba o que fazer ou nada produza, Visca
sugere empregar um recurso que ele chamou de “modelo de
alternativa múltipla” cujo objetivo é incentivar o sujeito a produzir:
“Você pode desenhar, escrever, fazer alguma coisa de matemática ou
qualquer outra coisa que lhe venha à cabeça...” (1987, p. 73).
Mais informações sobre procedimentos da EOCA poderão ser
encontradas nos livros de Visca e de Sampaio, referenciados nesta
questão 49.

Antes de iniciar os trabalhos, é recomendável


esclarecer quem é o profissional da Psicopedagogia
e o que faz.
50 - O que é a hora do jogo?

A hora do jogo é uma técnica lúdica desenvolvida por Sara Paín e


utilizada por alguns psicopedagogos, no momento do diagnóstico
psicopedagógico, para observar os esquemas, em um nível
representativo, que a criança utiliza para organizar e integrar o
conhecimento. A autora sinaliza que devemos prestar mais atenção ao
processo de construção do simbólico do que as projeções da criança
sobre o objeto.
Paín (1985) sinaliza que a hora do jogo é indicada para a avaliação
diagnóstica de crianças até nove anos de idade, pois observa que, a
partir dos dez anos, as crianças já preferem jogos de regras e podem
se sentir envergonhadas com a utilização da caixa a hora do jogo.
Todavia, percebo que isto não é uma regra e que algumas crianças
maiores, de até 12 ou 13 anos, também aproveitam este momento.
Isto se dá, muitas vezes, em função de terem pouca oportunidade, em
casa, de compartilhar um momento lúdico.
Com adolescentes, a autora sugere substituir este momento por
uma entrevista do tipo “motivo da consulta”, e o que seria analisado
na hora do jogo poderia ser analisado com o TAT5. Sendo este um
instrumento restrito de psicólogos, o psicopedagogo pode realizar
uma sessão mais dialógica com o adolescente ou o adulto,
procurando compreender, de forma mais livre e espontânea, como ele
se vê em relação às dificuldades que vem apresentando. É possível
utilizar algumas imagens, recortes de revistas e solicitar que escolha a
que lhe chama mais atenção e crie algo com estas imagens,
dialogando posteriormente.
Como geralmente este momento é o primeiro contato com o
profissional, é indicado que seja efetuada uma entrevista antes do
jogo, no intuito de perceber as fantasias que giram em torno do
motivo da consulta, da presença deste profissional em sua vida, quem
é o profissional da Psicopedagogia. Algumas crianças dizem que não
sabem por que estão ali, outras acham que somos professores e
algumas pensam que somos médicos. É importante levar a criança a
dar-se conta do que motivou a sua vinda:
De todas as formas, antes de dar as instruções é necessário levar a criança à situação
atual na qual ela é uma criança com um problema que consiste em não aprender,
enquanto que a gente vai tentar saber por que isto lhe acontece e vai tentar ajudá-la.
(PAÍN, 1985, p. 51)

Usa-se uma caixa com tampa móvel, onde são colocados


elementos que sirvam de construção do simbólico do sujeito. Paín
sugere que sejam colocados materiais, como
[...] paralelepípedos de construção, cartões, fita adesiva, clips, tesouras, cordões,
cartolina, papéis coloridos, tintas, esponjas, massinha, percevejos etc. Eventualmente
podem acrescentar-se algumas miniaturas de personagens e animais. (ibid.)

O psicopedagogo poderá colocar outros elementos que se


prestam a servir de elementos disparadores da criatividade:
barbantes, fitas coloridas, cola, massinha de modelar, argila, revistas,
jornais, parte cilíndrica de papelão do papel higiênico ou do papel-
toalha, novelo de lã, caneta de hidrocor, lápis de cera etc.
Podemos chamar os materiais que compõem a caixa da hora do
jogo de semiestruturados, porque, apesar de terem uma forma e uma
função originalmente destinada, podem servir para a criança como
função simbólica de representação que, a partir de sua criatividade,
darão outra forma e outra função ao objeto. Por exemplo: uma pilha
(bateria) poderá servir como base de um abajur em miniatura e ser
complementada com um molde de massinha para a cúpula do objeto.
A pilha em si é um objeto estruturado, mas, na “Hora do jogo”, ele se
torna semiestruturado, pois poderá servir para qualquer finalidade
dependendo do destino que a criança lhe oferecer.
A caixa poderá estar em uma mesa firme, com espaço suficiente
para que o jogo seja realizado, no chão ou banco baixo, e o
psicopedagogo deverá se colocar no mesmo nível da criança. Damos
a consigna de que, dentro da caixa, existem materiais que ela pode
brincar como quiser e avisar que iremos fazer algumas anotações. As
crianças apresentam os mais variados comportamentos. Algumas
querem que o profissional as ajude, outras querem ditar papéis no
jogo envolvendo o profissional. Paín sugere que “[...] neste caso faz-se
necessário repetir a instrução fazendo com que a criança retorne à
realidade do diagnóstico” (ibid., p. 52). Caso a criança não queira
pegar nos materiais, podemos analisar junto com ela o material e
questionar sobre o que é possível fazer, com o intuito de descobrir
como a criança brinca. No caso de crianças que não queiram entrar
sozinhas no espaço clínico, pode-se convidar a mãe para entrar e o
psicopedagogo poderá observar a relação na brincadeira: se a criança
consegue brincar ou não, e como acontece a interação com a mãe.
Paín identifica três momentos em que a criança, sem problemas de
aprendizagem, utiliza no momento da hora do jogo:
1) o Inventário, no qual a criança tende a classificar o conteúdo da
caixa, manipulando os objetos, experimentando a maneira como
funciona, realizando uma avaliação e analisando como irá realizar
sua ação;
2) o segundo momento é o de postulação do jogo, no qual a
criança começa a dar forma ao material, por meio de uma
organização simbólica, conforme suas hipóteses, escolhe o papel
dos personagens, combinando e adequando os materiais,
podendo aceitar e descartar episódios;
3) e um último momento de integração, no qual é realizada a
aprendizagem propriamente dita, no qual a experiência atual
integra-se ao sujeito como conhecimento. Para que isto aconteça,
há uma vinculação deste novo esquema com os esquemas
anteriores por meio da assimilação.
Não importa apenas o produto final, mas importa observar o
caminho que a criança percorreu para criar: se de forma organizada
ou desorganizada; se desmancha muitas vezes por achar que não está
bom o suficiente ou se produz com rechaço; se a criança, ao pensar
em um objeto, consegue observar os materiais e selecioná-los para
compor o produto de sua imaginação e seguir um plano.
São inúmeras as possibilidades de ação, e o profissional deverá
estar atento para identificar se a criança utiliza sua criatividade de
maneira a solucionar problemas. Entenda-se solucionar problemas
como colocar em prática seu planejamento mental, pois pensar em
construir um boneco é um problema a ser resolvido, e a criança deve
pensar em como resolvê-lo escolhendo os materiais que darão forma
ao seu planejamento.
Segundo a autora, crianças com dificuldades de aprendizagem
podem apresentar os seguintes comportamentos na “Hora do jogo”:
- o sujeito confunde-se com o objeto não apresentando uma distância ótima para que o
objeto se torne diferenciado de si. Algumas crianças não conseguem realizar
construções, misturando-se aos objetos, pulando, jogando-os para cima, atitudes que
podem ser encontradas em psicóticos, hipercinéticos, pós-encefalíticos;
- o sujeito pode permanecer paralisado, sem atitude, podendo tratar-se de uma
evitação fóbica ou desligamento da realidade. Autistas podem apresentar
hipermobilidade, estáticos ou permanecer manipulando o próprio corpo, não
interagindo com os objetos;
- algumas crianças realizam um bom inventário, mas permanecem nesse estágio
fixando-se nele e não avança para a construção e finalização do produto de construção.
Classifica e ordena, no entanto não há combinação entre eles. Alguns fixam-se no
funcionamento dos objetos investigando se a tesoura corta, se a borracha apaga, se o
lápis escreve, permanecendo na etapa de inspeção e demonstram um bloqueio na
capacidade de coordenação para a aprendizagem;
- algumas crianças com dificuldades de aprendizagem apresentam noção de
antecipação superficial. Os jogos são pobres e não há construção verbal criativa. Os
elementos são escassos e permanecem estáticos e isolados. Não há uma criação
antecipatória, autocorreção, coerência do relato. Crianças com estes obstáculos
apresentam dificuldades para encontrar soluções para resolver problemas, formular
hipóteses e testá-las e dificuldades no raciocínio lógico;
- outras crianças não conseguem realizar uma “síntese cognitiva” (ibid., p. 54), ou seja,
não conseguem finalizar o jogo, porque o destroem quando estão perto de alcançar a
organização, atitude que a autora lembra o que Freud chamou de “fracasso diante do
êxito”. São crianças que acumulam experiências, mas não conseguem coordená-las para
alcançar um objetivo, acarretando desperdício de energia. Algumas crianças também
apresentam dificuldades para modificar seus esquemas (veja questão 19),
permanecendo em uma atitude rígida diante de sua construção.

Percebemos que, ao contrário da EOCA, na qual Visca sugere


apresentar materiais que lembram situações acadêmicas, sobre a
mesa, na Hora do Jogo, os materiais utilizados referem-se a situações
mais lúdicas, com uma interpretação psicanalítica e são apresentados
dentro de uma caixa. As duas formas se prestam para a observação de
como a criança utiliza seus esquemas para integrar e organizar o
conhecimento, mas uma tem uma apresentação mais acadêmica e
outra uma apresentação com objetos lúdicos. A partir desses
extremos, Weiss idealizou a Sessão Lúdica Centrada na Aprendizagem
que veremos a seguir.

O profissional deverá estar atento para identificar


se a criança utiliza sua criatividade de maneira a
solucionar problemas.
5 TAT – Teste de Apercepção Temática, de uso restrito da Psicologia.
51 - O que é Sessão Lúdica Centrada na
Aprendizagem?

É uma técnica de diagnóstico psicopedagógico, idealizado por


Weiss (2002), após ter experimentado, por muitos anos, tanto a EOCA
quanto a Hora do jogo, citados anteriormente.
Ela observou que, na EOCA, algumas crianças sentiam este
momento como excessivamente formal e tocava mais diretamente em
seu ponto fraco escolar, como situações de leitura, escrita ou cálculo.
Em seu ponto de vista, as crianças manifestam mais ansiedade, e o
pouco vínculo com o profissional impede-a de mostrar coisas que
sabem, o que ela confirmou por meio de atividades que repetia ao
final do diagnóstico, cujos resultados eram melhores do que aqueles
apresentados no contato inicial com a criança, na EOCA.
Weiss observou que a aplicação da Hora do Jogo lhe oferecia
informações sobre os aspectos afetivos gerais da aprendizagem,
porém observava limitações, por não haver espaço para observações
relacionadas à aprendizagem escolar formal que pudessem revelar o
nível pedagógico da criança, o que a obrigava a avaliar de maneira
formal estes aspectos em sessões posteriores.
Ao idealizar a sessão lúdica centrada na aprendizagem, Weiss
procurou integrar as técnicas da EOCA e da Hora do Jogo, com o
objetivo de que este momento fosse mais espontâneo. Para tanto,
acrescentou jogos formais como ela cita: “Dominó, Memória, Contra-
ataque, Lig-4, Lego etc.” (2002, p. 74).
O que a autora identificou a surpreendeu. Além de perceber que
as crianças apresentavam mais espontaneidade na brincadeira, era
possível perceber as rejeições em relação aos objetos de
aprendizagem escolar, pouco ou nenhum contato com livros
deixados propositalmente ao seu alcance. Desta forma, ela percebeu
que conseguiu reduzir o tempo do diagnóstico e o número de
instrumentos, pelas observações que conseguia fazer desde esse
momento, já sendo possível levantar hipóteses.
Em meu trabalho psicopedagógico, gosto muito desta sugestão
de Weiss, e, embora eu considere toda a fundamentação e
importância da EOCA, ao acrescentar alguns jogos, consigo perceber,
de maneira mais clara, os vínculos que o sujeito estabelece com
situações de aprendizagem. Algumas crianças passam toda a sessão
em contato com jogos em detrimento de pegar em materiais que
remetam a uma aprendizagem formal e percebemos os vínculos
empobrecidos com a aprendizagem sistemática. Outras crianças
mostram sua escrita, sua leitura e, desde este momento, já
conseguimos perceber algumas dificuldades.
Weiss deixa mais livre a forma de disposição dos materiais,
podendo o profissional optar por três formas:
1 - materiais dentro de uma caixa;
2 - materiais colocados sobre a mesa;
3 - forma mista: alguns materiais dentro da caixa e alguns
materiais sobre a mesa.
O profissional deve observar:

• a escolha do material e da brincadeira que a criança


realiza: se remete a situações de aprendizagem escolar, se há escolhas
que se relacionam com brincadeiras de guerra, de fazenda etc.;

• o modo de brincar: se explora ou não o material; se há fixação


em algum objeto; se há planejamento quando escolhe um material; se
consegue estruturar uma brincadeira com início, meio e fim; se há
coerência na linguagem; se há flexibilidade no uso do mesmo objeto
para diferentes situações; se há classificação por categoria das coisas;
se há brincadeiras estereotipadas e perseveração; se há repetições das
brincadeiras sem evolução; se troca de brincadeira frequentemente,
abandonando e sem concluir; se realiza jogos dramáticos atribuindo
papéis a personagens; se resolve problemas que surgem;

• a relação com o terapeuta: se solicita demais o profissional


para participar revelando dependência; se consegue evoluir sozinha;
se solicita ajuda quando necessário.

Desde esse primeiro encontro, já é possível perceber


os vínculos que o sujeito estabelece com situações
da aprendizagem. É importante que o psicopedagogo
esteja atento a todas as condutas, seguindo um
raciocínio clínico baseado no referencial teórico.
52 - Há uma rigidez no uso dos instrumentos de
avaliação na Psicopedagogia?

Visca (1987) sinaliza que não se deve haver uma bateria de testes
preestabelecida que deva ser aplicada com todos os sujeitos, sendo
inclusive muitas vezes necessário utilizar outros instrumentos não
conhecidos ou mesmo criar novos procedimentos para confirmar ou
refutar as hipóteses levantadas. Desta forma, podemos observar que
deve haver flexibilidade no momento do diagnóstico, e a escolha do
que se vai utilizar se dará em função das particularidades do paciente,
que vão se apresentando ao longo das sessões.
Mais importante do que a aplicação de uma grande quantidade
de testes, é o profissional desenvolver um olhar apurado para a
identificação das causas dos bloqueios de aprendizagem e saber
selecionar os instrumentos que poderão ser utilizados como objeto
complementar para esclarecer as hipóteses do profissional.
Acho válido, no entanto, o profissional ter anotado, nomes de
instrumentos, com a idade de aplicação e o objetivo. Isto facilita no
momento de precisar lançar mão de algum instrumento avaliativo.

Os instrumentos de avaliação são escolhidos a partir


da queixa, da idade, do que foi observado na EOCA e
do que se vai observando ao longo das sessões.
Anotações
53 - Qual a diferença da Hora do Jogo para o jogo
como processo de intervenção psicopedagógica?

Como citado anteriormente, a Hora do Jogo é um momento do


diagnóstico, que inclui atividades lúdicas, para investigar os esquemas
utilizados pela criança, como organiza e integra o conhecimento.
A utilização de jogos, como processo de intervenção
psicopedagógica, continua tendo um caráter investigativo, já que
temos a compreensão de que o sujeito está em contínua
transformação. Todavia, nesta etapa de intervenção, a função principal
do jogo é de mobilizar as estruturas cognitivas, desenvolver o
raciocínio lógico, autonomia, além da tomada de decisões,
flexibilidade cognitiva, desenvolvimento de estratégias.
Mais detalhamento sobre a função dos jogos poderá ser
encontrada na questão 82.

Não se pode confundir a Hora do Jogo com os jogos.


O primeiro refere-se a um momento na etapa de
diagnóstico, o segundo são materiais de intervenção
psicopedagógica.
Anotações
54 - Qual é a diferença entre Tarefa e Produção
no fazer psicopedagógico?

Fernández sinaliza que, em seu trabalho, ela não propõe tarefas,


mas sim produções, pois é desta forma que o sujeito terá a
oportunidade de “[...] fazer pensável, de falar, de olhar. Porque depois
o sujeito pode reconhecer-se autor daquilo que foi produzido” (2001,
p. 107).
Quando a criança está com dificuldades em aprender a ler,
podemos trabalhar alfabetização, se tivermos capacitação para este
fim, todavia, em Psicopedagogia, o profissional não pode esquecer
que o trabalho dele não é apenas pedagógico. Não se pode oferecer
um material puramente pedagógico (Tarefa) sem trabalhar
juntamente o desejo e a autoria de pensamento (Produção). Qual o
significado que tem para este sujeito, criança, adolescente ou adulto,
conhecer as letras? Há um desejo manifesto? O desejo de conhecer é
dele ou dos pais e professores? Haveria um bloqueio nesta
aprendizagem que o impede de aprender a ler?
Certa vez, atendendo uma criança de nove anos, que já estava
comigo há alguns meses, diagnosticado com dislexia, começou a me
relatar o tanto de coisas que via o irmão tendo de estudar. Este irmão
estava indo para o Ensino Médio. Na conversa, deixou escapar: “É
muita coisa que ele tem para estudar, eu não quero ter tanta coisa
assim para estudar quando eu crescer!” O que ele estava querendo
dizer era: “Se eu aprender a ler, eu vou ter mais e mais coisas para
estudar”. Esta previsão assombrosa do futuro contribuía para não
desejar avançar. É fato que existia uma dificuldade maior do que as
crianças da sua idade, ele realizava trocas v/f, p/b, t/d, m/n, omissões,
acréscimos, mas sobretudo ele não desejava aprender, deitava-se na
mesa, sentia sono e rejeitava qualquer intervenção de alfabetização.
Ainda que eu tenha conhecimento de como alfabetizar, de trabalhar
com o método fônico, não seria muito produtivo que eu introduzisse
essas intervenções sem estimular antes o desejo de aprender para
produzir.
Ao usar os livros de minha autoria de “Atividades
Psicopedagógicas” volumes 1, 2, 3 e 4 (Wak Editora), ou os jogos em
mídia (loja.psicopedagogiabrasil.com.br), nunca trabalho uma
atividade de leitura e escrita isoladamente, sempre procuro observar
os comportamentos que emergem daquela atividade, as negações, as
resistências, se o que existe é uma dificuldade ou um medo de não
conseguir. A partir de uma atividade do livro, podemos propor uma
série de outras produções que podem manifestar-se por meio da
atividade lúdica, dramatização, criação de jogos.

Observe sempre os comportamentos que emergem


das atividades. As negações, as resistências, se o
que existe é uma dificuldade ou um medo de não
conseguir.
55 - O que é anamnese e qual sua importância
no processo de avaliação psicopedagógica?

A anamnese é uma entrevista que consiste em uma das


ferramentas mais importantes da avaliação psicopedagógica. É neste
momento que podemos identificar quando e como se iniciaram as
dificuldades de aprendizagem, colhendo informações do histórico de
vida do sujeito que possam estar relacionadas aos problemas atuais.
Verificamos como a família percebe o sujeito em diversas situações e
contextos de sua vida.
As causas históricas nem sempre são determinantes das
dificuldades atuais, mas, em alguns casos, podem explicar alguns
sintomas a-históricos (momento atual). Avaliar apenas a criança em
consultório sem recorrer a informações do seu passado e sem colher
informações do seu ambiente familiar e social, passado e presente, é o
mesmo que dizer que a culpa pelo baixo rendimento na
aprendizagem é apenas da criança.
Os problemas de aprendizagem estão frequentemente ligados a perturbações
precoces que determinam a inibição dos processos ou o predomínio de um dos
momentos sobre o outro, impedindo a integração que possibilita a aprendizagem.
(PAÍN, 1985, p. 46)

A criança quando bebê conhece o mundo por meio das sensações,


período sensório-motor, em uma dança entre a assimilação e a
acomodação, construindo e modificando seus esquemas a partir de
novas experiências. Se o meio exige a aquisição de determinadas
habilidades precocemente, o desenvolvimento afetivo/cognitivo da
criança poderá ser afetado, por haver uma aceleração e um não
respeito ao seu tempo, impedindo a integração de algumas
experiências. Exigir precocemente o controle dos esfíncteres
impossibilita que a criança consiga reconhecer os sinais de suas
necessidades e, acrescidos de ameaças, poderá ocorrer uma inibição.
Este fato Paín (ibid) relaciona a possíveis interferências e inibições
cognitivas, ocasionado um desequilíbrio entre assimilação e
acomodação. O mesmo pode ocorrer com o ensino precoce da
alfabetização, em um período em que a criança ainda está integrando
elementos, que servirão de apoio à alfabetização.
O profissional deverá ser capaz de colher as informações, analisar,
fazer as relações, integrar e interpretar os conteúdos evidenciados na
anamnese.
Elementos que buscamos conhecer nesta entrevista6:
- Pré-natal: condições psicológicas maternas, traumas e quedas
sofridas pela gestante, nutrição materna, medicamentos ingeridos,
uso de álcool e drogas, suporte familiar.
- Perinatal: circunstâncias do parto, prematuro ou a termo,
necessidade de internamento e o porquê, nota do apgar, se chorou
ao nascer, se houve sofrimento fetal, cianose, lesão, se houve alguma
doença identificada ainda no hospital, incompatibilidade de RH,
condições psicológicas maternas pós-parto.
- Condições afetivas: se houve provisão de afeto pelos pais ou
abandono, se houve sobrecarga de um dos pais nos cuidados com a
criança gerando estresse. Procure perceber se houve suspeita de
depressão pós-parto, como é a qualidade e quantidade de afeto que
a criança recebe atualmente.
- Alimentação: se foi amamentado no seio e até quando, as
condições psicológicas maternas ao amamentar, se precisou
complementar com leite não materno, se houve alergias, como se deu
a passagem para a alimentação sólida, se a mãe relata que a criança
não mastigava mesmo já tendo dentes e se batia o alimento no
liquidificador (procure investigar o motivo), qualidade da alimentação
atual: se é uma criança seletiva, como são feitas as refeições se em
família ou não e onde, se a criança é distraída por alguém para comer
melhor assistindo à televisão, por exemplo.
- Como os pais ou responsáveis lidam com os limites: quem
os dá, como são dados, se os pais se desautorizam na frente da
criança, se pensam diferente sobre as regras da casa, se há divergência
entre os limites estabelecidos na casa dos pais e na casa dos avós, por
exemplo.
- Possíveis doenças contraídas na infância: quais doenças se
apresentaram, se houve doenças ou traumas relacionados ao sistema
nervoso, perda de consciência, epilepsia, convulsões, sonambulismo.
O significado da doença para a família, se a doença ocasionou
superproteção, se a criança precisou ficar afastada da escola e por
quanto tempo, se nesse período de afastamento havia alguém para
continuar estimulando a aprendizagem.
- Controle dos esfíncteres: como se deu esta educação e como a
criança respondeu às intervenções.
- Antecedentes genéticos: se há alguém na família que
apresenta dificuldades de aprendizagem com ou sem diagnóstico de
transtorno específico de aprendizagem, se os pais apresentaram
dificuldades na escola, se há alguém na família com algum
diagnóstico psiquiátrico.
- Desenvolvimento da linguagem: com que idade começou a
falar, se houve atraso, se havia trocas, se compreendia ordens e como
as compreende hoje, se buscou ajuda nos casos de alteração na fala,
por quanto tempo se deu o tratamento, se houve alta do tratamento.
- Desenvolvimento psicomotor: quando sustentou a cabeça, se
engatinhou e como, quando começou a andar, se andava na ponta do
pé por um período além do esperado, se caía ou se esbarrava nos
móveis com frequência, quando começou a andar de bicicleta e, se
não aprendeu, qual foi o motivo, como observa a coordenação
atualmente tanto a fina quanto a global, se faz algum esporte e como
é o desempenho.
- Aprendizagem escolar: quando entrou na escola; qualidade da
adaptação; se as dificuldades de aprendizagem estiveram presentes
desde a pré-escola ou se são atuais; desde quando as dificuldades
foram percebidas pelos pais e sinalizadas pela escola; como era a
socialização; como a professora percebia a participação, a atenção, a
memória, o raciocínio e como os professores atuais percebem estas
habilidades.
- Atuação de outros profissionais: se buscou ajuda consultando
outros profissionais, quais e quanto tempo durou o tratamento, se
houve alta ou se abandonou e por quê.
- Autonomia: o que a criança consegue fazer sozinha e no que
ainda é dependente, se alguém faz coisas por ela que já consegue
fazer sozinha. No caso de pais separados, como cada um estimula a
autonomia ou a dependência.
A anamnese é uma sessão mais demorada com os pais ou
responsáveis, por isso é adequado reservar duas sessões para o caso
de não conseguir finalizar dentro de uma hora. São muitos elementos
a serem colhidos e revelados. Exige a atenção plena do profissional
sobre a fala de cada um, gestos, posturas.
O profissional deverá ser capaz de perceber o clímax da anamnese
e explorar um pouco mais determinado assunto que perceba ser um
elemento-chave para a compreensão dos problemas de
aprendizagem.
A utilização de um gravador nem sempre se faz necessária, mas, se
o utilizar, os entrevistados deverão assinar uma autorização.
Esta é uma entrevista que deve ser o mais livre possível, evitando
transformar em um questionário rígido de perguntas e respostas. A
espontaneidade com que cada um dos entrevistados expõe a sua
percepção da história de vida e dos sintomas de aprendizagem, é
altamente reveladora para a compreensão do problema e não
poderia ser notada, de forma tão expressiva, sob controle rígido do
profissional.
Paín (1985) ressalta que podemos encontrar dois tipos de mães,
com dois extremos: uma lacônica, que necessita do profissional uma
abordagem que a inclua afetuosamente na historicidade, com
perguntas do tipo se havia alguém para ajudá-la nos cuidados com a
criança; por outro lado, podemos encontrar uma mãe verborreica,
com piadas e falas sobre outros assuntos que nos distancia do sujeito
avaliado e não responde diretamente às perguntas.
O profissional deverá conduzir a entrevista de maneira que possa
deixar a família falar livremente, mas saber a hora de retornar ao foco
da entrevista quando houver o distanciamento, por meio de falas
sobre elementos que não nos ajuda a compreender o problema,
embora este fato pode-nos revelar condutas de fuga.

Não se deve ter pressa na sessão de anamnese. É


um momento revelador cujas informações serão
relevantes para a compreensão final das dificuldades
de aprendizagem.
6Um modelo de entrevista de anamnese poderá ser encontrado no livro da autora Simaia
Sampaio: Manual Prático de Diagnóstico Psicopedagógico Clínico, Wak Editora.
56 - Por que alguns profissionais da
Psicopedagogia optam por realizar a anamnese
ao final do processo diagnóstico?

O profissional que trabalha com a abordagem Epistemologia


Convergente concorda com Visca quando este sugere que a
anamnese seja realizada ao final do Diagnóstico Psicopedagógico.
Suas observações levaram à compreensão que, quando as
informações são fornecidas no início, o profissional pode deixar-se
contaminar por elementos revelados pela ótica dos responsáveis. Isto
impediria que o profissional visse o sujeito de uma forma mais pura,
com as informações trazidas por ele mesmo.
Contrariamente à modalidade tradicional em que a abertura do diagnóstico se inicia
com a anamnese, eu o início com a EOCA (entrevista operativa centrada na
aprendizagem). Isto responde a diferentes motivos. Um deles é que os pais,
invariavelmente ainda que com intensidades diferentes, durante a anamnese tentam
impor sua opinião, sua ótica, consciente ou inconscientemente. Isto impede que o
agente corretor se aproxime “ingenuamente” do paciente para vê-lo tal como ele é
para descobri-lo. (VISCA, 1987, p. 70)

Sem informações prévias sobre o histórico, o sujeito vai


mostrando-nos, ao longo das sessões, seu modo de ser, de agir, de
pensar. Isso nos permite conhecê-lo por meio dele mesmo, a partir da
sua verdade e de como se percebe.
Weiss é flexível e diz que realizar a anamnese no início ou
posteriormente, depende da situação.
Há situações em que opto por entrevista inicial de anamnese com os pais, quando,
por exemplo, me é dito que o paciente já teve ou tem outros tratamentos; quando há
dúvidas sobre um diagnóstico anterior; quando há discordância de posição entre os
pais e a escola; quando pais separados estão em atrito; quando há um desvio muito
grande entre a idade cronológica e a série escolar. (2002, p. 50)

A autora informa que, dificilmente, realiza a primeira entrevista


com a criança, preferindo iniciar com a EFES (Entrevista Familiar
Exploratória Situacional), uma entrevista realizada com os pais e com
a criança ou o adolescente, todos juntos. A autora ressalta que é
possível iniciar o diagnóstico com o próprio paciente, no caso
de  adolescente, quando ele mesmo expressa o desejo de ir sozinho
neste primeiro encontro, ou quando se trata de um adulto que marca
a própria consulta.
Paín chama o momento da anamnese de “reconstrução da história
vital” e sugere ser realizado com a mãe após alguns atendimentos
com a criança.
Uma segunda entrevista com a mãe estará dedicada à reconstrução da história da
criança. É conveniente realizá-la depois de conhecer um pouco o paciente, através da
hora do jogo e algumas provas psicométricas, a fim de orientar o interrogatório para
aquelas áreas mais relevantes e não abrir oportunidade à emergência de ansiedades e
deslocamentos. (PAÍN, 1985, p. 42)

Realizar a anamnese posteriormente ao atendimento com a


criança apresenta a vantagem de, após algumas sessões, o profissional
já ter estabelecido suas impressões sobre o sujeito, sobre a maneira
de funcionamento, modalidades de aprendizagem, algumas hipóteses
já levantadas. Desta forma, o profissional, ao realizar a anamnese com
os pais, poderá perceber, de maneira mais efetiva, as contradições
entre os elementos revelados pelo paciente e sobre as impressões
trazidas pelos pais. Poderá também tirar dúvidas sobre algumas
observações realizadas, tendo o cuidado de não revelar falas da
criança ou do adolescente, em função do sigilo.
Fazer a escuta da fala da criança sem a interferência
de situações reveladas pela família desde o início
permite que o profissional faça uma análise
sem contaminações e dê crédito aos elementos
evidenciados pela criança.
57 - Quais são os dois grandes eixos de análise
que devem ser verificados no diagnóstico
psicopedagógico?

- Eixo Horizontal – também chamado de a-histórico, refere-se aos sintomas


manifestados no momento presente, aqui e agora. Se a abordagem profissional for a
Epistemologia Convergente, no primeiro encontro com a família, colhemos os dados do
sujeito, e o motivo da consulta, ou seja, o que está acontecendo no momento presente,
sem entrar na história do sujeito. Como já vimos na questão anterior sobre anamnese,
Visca nos orienta realizá-la ao final do diagnóstico. Este procedimento é um cuidado do
avaliador para evitar a contaminação do seu olhar, por meio das informações trazida
pelos pais.
O eixo horizontal, portanto, corresponde à queixa colhida na Entrevista Inicial, ao
comportamento manifestado na EOCA e às demais sessões onde serão utilizados
instrumentos para testagens: sessões lúdicas, técnicas projetivas, provas operatórias de
Piaget, análise do material escolar, entrevista com a escola, aplicação de outros testes.
“A linha horizontal mostra o observador que de sua posição percebe o paciente no
momento do diagnóstico” (VISCA, 1987, p. 67).
- Eixo Vertical – refere-se às informações sobre a história de vida do sujeito, seu
desenvolvimento nas áreas cognitivas, de linguagem, psicomotoras, afetivas e sociais.
Para a coleta de informações, realizamos entrevistas com a família (anamnese), com a
escola e perguntamos à família se existem laudos e relatórios de outros profissionais
que atenderam o sujeito.

Não é possível realizar um diagnóstico psicopedagógico sem


considerar os dois eixos de análise. Sem dúvida, optar somente por
um ou por outro acarretará um diagnóstico falho e inconclusivo. É
imprescindível que o sujeito seja considerado em sua dimensão
histórica e a-histórica, levando-se em conta as variáveis implicadas no
seu desenvolvimento, considerando que o sujeito é parte integrante
de um tempo e espaço subjetivos.
Tomemos como exemplo uma criança que chegou a mim, com seis
anos de idade, cujos pais verbalizaram na entrevista inicial: “Temos
outro filho de dez anos que não dá trabalho nenhum! Criamos ele e o
irmão do mesmo jeito, sem diferença nenhuma. Não podemos
compreender como são tão diferentes! O mais novo é tão desatento,
inquieto e impulsivo, já o mais velho é muito centrado, estudioso e
calmo”.
Quando a anamnese foi realizada, os pais relataram que, antes da
gravidez desta criança que apresenta dificuldades de aprendizagem, a
mãe sofreu um aborto espontâneo. De alguma forma, esta perda
gerou impacto na vida deste casal. A mãe vivia ansiosa com receio de
outra perda, não fazia atividades físicas para não correr nenhum risco,
o sono permaneceu alterado e ela vivia irritada. Quando a criança
nasceu, a ansiedade materna continuou durante a amamentação e nos
anos subsequentes, padrão este de comportamento repetido pela
criança e manifestado no presente.
Esta informação foi importante para compreender os
determinantes psíquicos e o impacto que este evento de sua história
gerou na vida desta família e que ainda permanece em estado
ansiogênico, causando dificuldades no desenvolvimento da criança.

Relacionar fatos da história e do momento atual


é fundamental no processo de investigação para
a compreensão das causas de dificuldades de
aprendizagem.
58 - O que são Provas Operatórias de Piaget e
como surgiu?

São provas criadas por Piaget para serem utilizadas na busca em


descobrir a gênese das estruturas lógicas do pensamento da criança
(DOLLE, 1987). Para seus experimentos, utilizou o método clínico (veja
questão 16) ou método crítico que tinha como objetivo verificar o
nível de pensamento da criança (VISCA, 2008).
Antes de Piaget enveredar por estas descobertas, contava apenas
com o método de testes que consistia
[...] em submeter a criança a provas organizadas de maneira a satisfazer às duas
condições seguintes: de uma parte, a questão permanece idêntica para os sujeitos e é
colocada sempre nas mesmas condições; de outra parte, as respostas dadas pelos
indivíduos são referidas a uma tabela ou a uma escala que permite compará-las
qualitativa ou quantitativamente. (R. M. apud DOLLE, 1987, p. 23)

Aplicando o teste de Burt, no laboratório de Alfred Binet, nas


crianças parisienses, Piaget percebeu a importância de fazer uma
escuta para além dos testes padronizados. Como sua intenção era
conhecer a lógica do pensamento da criança, esses testes não
serviriam para seu propósito e concluiu que “o único meio de evitar
essas dificuldades é fazer que as questões variem, fazer
contrassugestões, em suma, renunciar a todo questionário fixo” (ibid.,
p. 23).
Por outro lado, havia a possibilidade de aplicar um outro método,
o de observação pura, porém constatou-se que é um método
laborioso dentre outros inconvenientes.
Piaget queria então resolver esse impasse: evitar os inconvenientes
dos testes e dos métodos de pura observação, mas conservar as
vantagens de ambos. Surgiu então o método clínico:
O método clínico é, portanto, um método de conversação livre com a criança sobre
um tema dirigido pelo interrogador que segue as respostas da criança, que lhe pede
que justifique o que diz, explique, diga por que, que lhe faz contrassugestões etc. (ibid.
p. 25)

A partir de experiências utilizando materiais concretos, Piaget e


seus colaboradores puderam observar e registrar as respostas
espontâneas das crianças diante das indagações do entrevistador, e
percebeu um modo de operar que foi além da observação baseada
exclusivamente no verbal (VISCA, 2008). Ao contrário dos testes
psicológicos estandardizados, este método de Piaget vai mais fundo.
Diante do erro, não abandona simplesmente passando
imediatamente para a próxima pergunta, ao contrário, continua
questionando a fim de observar a estrutura de pensamento.
Foi Barber Inhelder que utilizou pela primeira vez o método
clínico como instrumento de diagnóstico psicológico em débeis
mentais (termo utilizado na época). A partir daí, a observação e
investigação passaram do sujeito epistêmico (comum a todos os
sujeitos) para o sujeito psicológico (individual) (VISCA, 2008).
A aplicação das provas operatórias deve obedecer alguns
critérios, como local adequado, material adequado, conhecimento do
entrevistador sobre cada prova, sobre as indagações a serem feitas,
ter estabelecido um vínculo com o sujeito (por isso, não é
recomendado aplicar no primeiro encontro), ter conhecimento dos
aspectos que não interferem no resultado como o vocabulário, ou
seja, para Visca tanto faz o sujeito chamar de bola, círculo, discos,
redondas. O autor recomenda respeitar e não corrigir.
São utilizadas provas de Conservação, Provas de Seriação, Provas
de Classificação, Provas Espaciais.7

Provas de Conservação:
Conservação de Pequenos Conjuntos Discretos de Elementos (a
partir de 7 anos);
- Conservação de Superfície (a partir de 7 anos)
- Conservação de Líquido (a partir de 7 anos)
- Conservação da Matéria (a partir de 7 anos)
- Conservação de Comprimento (a partir de 7 anos)
- Conservação de Peso (a partir de 8 anos)
- Conservação de Volume (a partir de 10 anos)

Provas de Classificação:
- Mudança de Critério ou Dicotomia (a partir de 8 anos)
- Quantificação da Inclusão de Classes (a partir de 8 anos)
- Intersecção de Classes (a partir de 8 anos)

Provas Espaciais:

- Espaço Unidimensional (a partir de 7 anos)


- Espaço Bidimensional (a partir de 8 anos)
- Espaço Tridimensional (a partir de 12 anos)

Provas de Pensamento Formal:

- Combinação de Fichas (a partir de 12 anos)


- Permutação de Fichas (a partir de 12 anos)
- Predição (a partir de 12 anos)

As provas operatórias são fruto do método clínico de


investigação que Piaget utilizou para descobrir como
pensam as crianças. Interessava-se pelos erros
mais do que pelos acertos e, assim, identificou os
estágios de desenvolvimento cognitivo.

7O leitor poderá encontrar a descrição das Provas Operatórias no livro da autora Simaia
Sampaio: “Manual Prático do Diagnóstico Psicopedagógico Clínico”, Wak Editora e no livro
“O diagnóstico operatório na prática psicopedagógica”, Jorge Visca, Editora Pulso.
Anotações
59 - Com as provas operatórias de Piaget,
podemos avaliar o QI (Quociente de
inteligência)?

Não. O QI é avaliado pelo profissional da Psicologia, por meio de


testes padronizados e restritos, isto significa que não podem ser
utilizados por profissionais de outras áreas. O teste chamado de
“padrão ouro” da Psicologia, mais usado para esta avaliação é o WISC
IV – Escala de Inteligência Wechsler para crianças (aplicado em
pessoas com idade entre 6 a 16 anos) e o WAIS – Escala de
Inteligência Wechsler para Adultos (aplicado em pessoas a partir dos
17 anos). Existem outros testes de inteligência como o Colúmbia 3
(CMMS-3) e Matrizes Progressivas de Raven (testes não verbais),
porém também são restritos a psicólogos.
Piaget entendeu que testes padronizados de inteligência
apresentam as mesmas perguntas para todos os sujeitos e que não
levavam em conta a construção de pensamento da criança. Ele se
preocupou em entender mais os erros das crianças do que os acertos.
Observou que crianças da mesma idade pensam mais ou menos da
mesma forma, mediante a aplicação de provas operatórias,
identificando estágios de pensamento. (Veja questão 15.)
Se uma criança não teve oportunidades escolares adequadas,
poderá não conseguir responder a algumas perguntas de testes
verbais padronizado de inteligência, e o resultado quantitativo do QI
verbal poderá dar rebaixado. Neste caso, não se trata de déficit
intelectual, mas sim de uma criança que não teve oportunidade de
entrar em contato com informações sistemáticas. Certamente, um
bom profissional de Psicologia levará isto em consideração e irá
mensurar a inteligência a partir dos instrumentos não verbais.
Com as provas operatórias piagetianas, podemos observar como
a criança está raciocinando, como está construindo seu pensamento.
Em algumas situações, pode ser necessário encaminhar a criança para
avaliação do QI, por meio do WISC IV no intuito de observar forças e
fraquezas que precisam ser melhor desenvolvidas. A intenção é utilizar
o resultado a favor da criança, desenvolvendo um plano de
intervenção mais direcionado.
É preciso compreender a intenção de Piaget quando
se afastou dos testes padronizados e criou as provas
operatórias. Estas provas são instrumentos muito
ricos aos profissionais da Psicopedagogia, e jamais
podem ser confundidos com avaliação de QI.
60 - O que pode ocasionar a defasagem
cognitiva?

Inúmeras situações podem ocasionar defasagem no raciocínio


lógico. Ameaças, abusos, lar hostil ou muito facilitador, carência
alimentar, más condições de higiene sanitária, saúde frágil, lesão
neurológica, genética, dentre outras. Ao averiguar tratar-se destas
possibilidades, o profissional da Psicopedagogia deverá encaminhar a
criança a outros profissionais, para que sejam realizadas avaliações
complementares e intervenções necessárias. Psicopedagogos,
psicólogos, médicos e outros profissionais da saúde trabalharão
juntos para auxiliar no seu desenvolvimento físico/mental e
desenvolvimento de motivações necessárias para a aprendizagem.
Crianças ou adolescentes que passaram por situações difíceis
emocionalmente, mesmo sendo dotados de um cérebro sem lesão,
podem ter circuitos neuronais alterados em virtude da sobrecarga
psíquica, causando embotamento cognitivo ou transtornos mentais
mais graves. O aparelho psíquico se utiliza de mecanismos de defesa
para sua proteção, como inibição, retração, fuga na tentativa de evitar
mais sofrimento. Há uma economia psíquica para evitar o sofrimento.
Uma criança que tem problemas em casa vive em um lar caótico e
de agressões, não apresenta uma reserva intelectual favorável para
aprendizagens. Suas preocupações ocupam bastante espaço em sua
mente, desviando a atenção dos conteúdos de aprendizagem escolar.
Diante de uma ameaça, o organismo libera hormônios na corrente
sanguínea, deixando-o em estado de alerta contínuo, que se
manifesta por meio do sintoma ansiedade. O sujeito fica disperso, e
não há armazenamento adequado das informações dificultando a
evocação mnemônica posterior.
Como as causas podem ser diversas, Visca foi
sábio ao integrar três correntes para compor a
Psicopedagogia: Epistemologia Genética, Psicanálise
e Psicologia Social, ampliando o olhar do profissional
para pensar em diversas possibilidades.
61 - Por que os vínculos afetivos devem ser alvo
de investigação do trabalho psicopedagógico?

Os vínculos afetivos que estabelecemos são importantes para nos


relacionarmos de maneira saudável e positiva com pessoas, com o
trabalho, com a escola/faculdade, com nós mesmos, com o mundo.
Somente quando conseguimos estabelecer um vínculo positivo é que
aparece o desejo traduzido como o ato de querer, de sentir vontade,
surgindo a expectativa de possuir algo. Sem desejo, não há
aprendizagem, há apenas um enorme esforço para “decorar”
informações, fazer provas e passar de ano, esquecendo o conteúdo
tão logo se realizem as avaliações. O próprio organismo impõe o
limite, há resistência, a mente trava e o corpo resiste. Não há energia
depositada no objeto de conhecimento.
Existem quatro níveis implicados no processo de aprendizagem,
de acordo com Fernández (1991): organismo, corpo, inteligência e
desejo. Os quatro níveis estão implicados nos problemas de
aprendizagem em diferentes graus de comprometimento. Ocampo
(2009) ressalta que o nível de maturação para a aprendizagem está
diretamente relacionado aos fatores intelectuais, emocionais e ao
equipamento biológico que carrega desde o nascimento.
Para se ter boa aprendizagem, não é suficiente ter uma grande
inteligência (ibid.). A aprendizagem depende de uma estrutura de
personalidade sadia, emocionalmente madura, e do contato
adequado com a realidade externa.
Neste sentido, não é possível avaliar apenas a inteligência para
compreender as dificuldades de aprendizagem. É necessário buscar
identificar as potencialidades deste sujeito e o que o impede de
utilizá-las ao seu favor.
Ao falar de inteligência, Fernández lembra que devemos nos
referir a uma estrutura lógica, que, de acordo com Piaget, é uma
estrutura genética, cujo conhecimento é construído a partir dos
esquemas de ação. Para que a criança progrida na estruturação de sua
inteligência, é necessário que ela viva experiências onde possa realizar
ações com os objetos vendo, tocando, movendo, do contrário “[...] vai
encontrar sérias dificuldades no processo de organização de sua
inteligência” (FERNÁNDEZ, 1991, p. 72).
Ainda falando de estruturas cognitivas, observamos por meio dos
estudos de Piaget, que as mudanças de níveis cognitivos estudados
por ele, não dependem simplesmente da vontade de ascender à
próxima etapa, ou seja, irá acontecer mais ou menos em idades que,
correspondem aos estágios estudados por Piaget. Isto significa dizer
que por mais que uma criança de quatro anos ouça falar sobre
conservação, reversibilidade, não compreenderá o processo, e tal
compreensão se dará por volta dos sete anos, se tudo correr bem.
Por outro lado, o desejo é subjetivante, individual, original de
cada sujeito e, neste sentido, Fernández aduz que a dimensão
desejante é simbólica e alógica, e menciona o conceito de nível
simbólico:
Parte dos aspectos que nós incluímos no que denominamos nível simbólico, às vezes é
chamado de emoções, afetividade e inclusive de inconsciente. (1991, p. 74)

Busca-se, na avaliação psicopedagógica, identificar os vínculos


que o sujeito estabelece com a aprendizagem por meio de
solicitações de desenhos (Técnicas Projetivas); observar como o
sujeito se relaciona com os objetos (na sessão da EOCA ou caixa
lúdica e demais sessões do diagnóstico psicopedagógico); perceber
como recebe as solicitações do profissional para a realização da
tarefa. É necessário observar como a família participa e influencia no
desenvolvimento dos vínculos afetivos que a criança estabelece com a
aprendizagem.
É intenção, também, do trabalho psicopedagógico, no momento
da intervenção, resgatar o desejo de aprender, por meio do
desenvolvimento da criatividade, da motivação e da autonomia, que
são âncoras necessárias no processo de construção do saber. É
necessário que o sujeito descubra que sua aprendizagem faz sentido e
que pode aplicá-la no mundo, sendo atuante, participativo e fazendo
diferença:
Nossa intenção é que, ao terminar uma sessão na qual o sujeito exercitou, digamos, a
multiplicação do cinco, não conclua simplesmente dizendo “hoje aprendi a multiplicar
por cinco”, mas que saia dizendo “eu sou o que sabe multiplicar por cinco”. Entretanto
este poder é inútil se o sujeito não compreende também que mundo é aquele no qual
vale a pena multiplicar por cinco, se ele não entende que transformações possibilita o
cálculo, se os problemas que se resolvem por seu intermédio lhe são alheios. (1985, p.
81)

O desejo passa por uma consciência social e pela percepção da


possibilidade de ser um agente transformador.
É na família que a criança começa a ensaiar e se arriscar a
comunicar suas dúvidas e incertezas sobre o mundo. Ao mesmo
tempo que a família deseja o desenvolvimento cognitivo da criança,
ela também pode ser capaz de podar, castrar, inibir, tornando
inevitável o embotamento cognitivo, anulando ou reduzindo o desejo
pela aquisição de novos conhecimentos. A ignorância (no sentido de
ausência do conhecimento e pouca estimulação), a impaciência e o
pouco tato diante das adversidades constituem-se em elementos
desfavoráveis à promoção do desejo de saber.
Por meio das técnicas projetivas, podemos perceber
projeções de conteúdos inconsciente, pré-consciente
e consciente. Pretende-se identificar os vínculos que
o sujeito estabelece com a aprendizagem nos três
grandes domínios: vínculo escolar, vínculo familiar e
vínculo consigo mesmo.
Anotações
62 - O que são Técnicas Projetivas?

Refere-se a um recurso que o psicopedagogo utiliza no momento


da avaliação psicopedagógica e que permite investigar os vínculos
que o sujeito estabelece com a aprendizagem em três grandes
domínios: consigo mesmo, familiar e escolar.
Para Visca (2008), a aprendizagem não se restringe somente à
escolar (vínculos que o sujeito estabelece com a sala de aula, docentes
e colegas de classe), mas abrange os vínculos que o sujeito estabelece
com pessoas da família e comunidade que lhe oferecem modelos de
aprendizagem.

As técnicas projetivas estudadas e divulgadas por Jorge Visca


como parte do diagnóstico psicopedagógico referem-se a desenhos
gráficos. Cada desenho tem um título e uma consigna verbalizada
pelo profissional. A partir daí, o sujeito é livre para expressar-se como
desejar. Terminado o desenho, o profissional lhe fará
questionamentos a fim de elucidar os vínculos que o sujeito
estabelece com sua aprendizagem.
As técnicas projetivas sugeridas pelo autor pertencem a três
domínios: escolar, familiar e consigo mesmo, e possuem três níveis:
inconsciente, pré-consciente e consciente. Resumidamente são eles.8
• Vínculo Familiar:
- A planta da minha casa
- Os quatro momentos do dia
- Família Educativa
• Vínculo Escolar:
- Par educativo
- Eu com meus companheiros
- A planta da sala de aula
• Vínculo consigo mesmo:
- O dia do meu aniversário
- Minhas férias
- Fazendo aquilo de que mais gosta
- O desenho em episódios
As técnicas projetivas são qualitativas, isto significa dizer que são
testes “não métricos e interpretáveis em função de teorias e da
experiência” (VISCA, 2008). As interpretações têm como base original
a teoria psicanalítica, em face dos aspectos inconscientes identificados
por Freud e estudados pela Psicanálise.
Todos nós utilizamos, de alguma maneira, mecanismos de defesa a
fim de evitar contato com o sofrimento, descrito por Anna Freud
como sendo a “[...] luta do ego contra ideias ou afetos dolorosos ou
insuportáveis” (1974, p.36). O organismo vale-se de condutas
evitativas para sua proteção, bloqueando o acesso a determinados
conteúdos.
Há um nível inconsciente, no qual um conjunto de conteúdos não é reconhecido, e
apesar de sua tentativa de emergir para o campo pré-consciente ou consciente,
permanece ignorado. (VISCA, 2008, p. 21)

As técnicas projetivas, por permitirem maior liberdade, são


altamente reveladoras dos aspectos emocionais, e mais
particularmente de aspectos relacionados à aprendizagem, que é
nosso objetivo. Permitem-nos perceber condutas evitativas,
aproximações, negações e qualidade dos vínculos.
Além do nível inconsciente, as técnicas projetivas permitem
revelar outros níveis:
Um nível pré-consciente, cujos conteúdos e mecanismos, sem ser estritamente
inconscientes, escapam ao campo de consciência e podem ter acesso ao mesmo. E
um nível consciente, no qual os conteúdos e mecanismos, as percepções internas e
externas são conhecidas e representáveis em pensamento, palavras, desenhos etc.
(ibid., p. 21)

Na interpretação, leva-se em consideração: a posição dos


desenhos na folha; o tamanho dos personagens e objetos; a posição e
distância dos personagens e dos objetos entre si e em relação à
representação do objeto de aprendizagem; os nomes e as idades dos
personagens oferecidas pelo sujeito sobre seu desenho; o título; o
relato do desenho; as correspondências entre o título, o desenho e o
relato (ibid.).
Por meio dos desenhos, tomamos conhecimento sobre os vínculos
afetivos e o desenvolvimento cognitivo, social e emocional. É possível
perceber aproximações e distanciamentos do processo de aprender, e
como o sujeito usa os recursos cognitivos para expressar as emoções
(WEISS, 2002).
Tais recursos devem ser utilizados com cuidado, sem que haja o
equívoco de enveredar para interpretações psicológicas, lembrando
sempre que o foco é a aprendizagem. Esclareceremos a diferença na
questão seguinte.
Por meio dos desenhos, tomamos conhecimento
sobre os vínculos afetivos e o desenvolvimento
cognitivo, social e emocional. É possível perceber
aproximações e distanciamentos do processo
de aprender, e como o sujeito usa os recursos
cognitivos para expressar as emoções.

8O leitor poderá encontrar a descrição das técnicas projetivas no livro: “Manual Prático do
Diagnóstico Psicopedagógico Clínico”, autora Simaia Sampaio, Wak Editora e no livro
“Técnicas Projetivas Psicopedagógicas e pautas gráficas para sua interpretação”, autor Jorge
Visca, Editora: Visca & Visca.
Anotações
63 - Qual é a diferença entre as Técnicas
Projetivas Psicopedagógicas e as Técnicas
Projetivas Psicológicas?

Vimos na questão anterior que as técnicas projetivas estudadas e


divulgadas por Jorge Visca têm como objetivo identificar os vínculos
que o sujeito estabelece com a aprendizagem por meio da solicitação
de desenhos com temas preestabelecidos. Em estudos mais recentes,
a caixa de areia também tem sido utilizada como estratégia de
diagnóstico psicopedagógico.
As construções dos cenários são uma projeção de seus desejos. Elas expressam a
condição afetivo-cognitiva que o sujeito possui naquele momento e adquire a
possibilidade de desenvolver o seu pensamento de forma lúdica. (ANDION, 2010, p.
68)

Assim como fazem no papel, as crianças depositam na caixa de


areia suas projeções, os seus medos de saber e de não saber. Revelam
sua modalidade de aprendizagem, evidenciam com quais objetos
(miniaturas) conseguem entrar em contato e quais evita, que símbolos
escolhem para representar suas vivências conscientes e inconscientes
relacionadas à aprendizagem.
Observamos, pois, que os recursos projetivos psicopedagógicos
deverão ter como foco o conhecimento sobre a aprendizagem do
sujeito.
Já as Técnicas projetivas psicológicas são instrumentos que
estimulam a projeção de elementos inconscientes da personalidade,
da dinâmica emocional, revelando áreas de conflito. Os estímulos
oferecidos pelo profissional são pouco ou nada estruturados
facilitando a livre expressão da sua maneira de sentir.
São exemplos de Técnicas projetivas psicológicas: técnicas de
manchas de tintas como o Teste de Rorscharch e o Teste de Zulliger;
técnicas pictóricas como Teste de Apercepção Temática (TAT) e o Teste
de Apercepção Temática para Crianças (CAT); técnicas de desempenho
como o Teste das Pirâmides Coloridas de Pfister e HTP (House, Tree,
Person). É importante lembrar que são testes de uso restrito de
psicólogos e só poderão ser utilizados pelos psicopedagogos que
tiverem graduação em Psicologia.
Existem alguns livros vendidos no mercado sobre interpretação de
desenhos. O profissional da Psicopedagogia deverá ter cuidado com
as interpretações de viés psicológico, não deixando de ter um olhar
sobre situações que notoriamente apontam para uma situação mais
patológica. Neste caso, é recomendado realizar o encaminhamento
para o profissional da Psicologia.

Existem inúmeras técnicas projetivas, porém nem


todas de uso do psicopedagogo. O psicopedagogo
deve ater-se àquelas que são capazes de
investigar os vínculos que o sujeito estabelece com
aprendizagem.
64 - Por que é importante o encaminhamento
para outros profissionais após a finalização de
um diagnóstico psicopedagógico?

O diagnóstico psicopedagógico é a etapa em que buscamos


conhecer a funcionalidade do sujeito observando-o sistemicamente,
uma vez que o objetivo é descobrir o que está inviabilizando o
avanço na absorção do conhecimento. Nem sempre, o
psicopedagogo conseguirá identificar a(s) causa(s) do problema, por
existirem possíveis comorbidades confluindo com o sintoma
dificuldades de aprender. Neste caso, será necessário encaminhar para
outros especialistas ampliarem a investigação.
Dentre inúmeros exemplos, citaremos alguns:
- Problemas endócrinos podem levar a atrasos físicos e
cognitivos. Nosso sistema endócrino é responsável por produzir
hormônios, substâncias químicas secretadas no sangue e que regulam
diversas células e tecidos. Se algo não vai bem, esta desregulação
hormonal pode acarretar diversos sintomas que variam de
intensidade em cada organismo. Disfunção na tireoide pode afetar a
aprendizagem, pois há influência sobre a cognição, a linguagem, as
habilidades psicolinguísticas, a atenção, a concentração, a memória, o
raciocínio, o humor, a disposição (ANASTÁCIO-PESSAN; LAMÔNICA,
2014).  O hipotireoidismo nos recém-nascidos, quando não
diagnosticado a tempo, é acompanhado de atraso mental e no
amadurecimento. Nos adultos, pode haver lentificação dos processos
mentais (GRIFFA e MORENO, 2008).
- Problemas oftalmológicos podem ser uma das causas de
dificuldades na alfabetização. Podem não ser identificados pelos pais
porque, nem sempre, a criança sabe dizer que não está enxergando
bem. Esse é um dos exames que, sem dúvida, devemos solicitar logo
no início da avaliação psicopedagógica.
- Carência de vitaminas – muitas crianças e adolescentes que
apresentam seletividade alimentar podem ter carência nutricional. É
importante que esta investigação seja feita por meio de exames
laboratoriais solicitados por médicos. A carência de determinadas
vitaminas pode ocasionar diversos problemas que afetam a
aprendizagem, como anemia, fadiga, fraqueza, falta de ânimo,
depressão, confusão, demência, alterações no humor, alterações no
sono, inclusive cegueira. Pode haver o rebaixamento imunológico,
abrindo caminho para doenças (BRASIL. Ministério da Saúde, 2007).
- Percepção auditiva – algumas crianças podem apresentar
DPAC (Distúrbio do Processamento Auditivo Central), atualmente
chamado de TPAC (Transtorno do Processamento Auditivo Central),
uma desordem no Sistema Nervoso Central, que acarreta falha na
capacidade do cérebro para processar e interpretar os sons, sem que
haja lesão no aparelho auditivo (OLIVEIRA apud SAMPAIO e FREITAS,
2014). De acordo com o Comitê de direção dos profissionais médicos
do Reino Unido, em pesquisa sobre TPAC, os prejuízos desta função
neural são caracterizados pelo “[...] reconhecimento pobre à
discriminação, separação, agrupamento, localização ou ordenação
dos sons da fala” (ibid., p. 121). Quem tem o transtorno pode
apresentar dificuldades no processo de alfabetização, na
compreensão da fala do interlocutor, na localização dos sons,
incômodos com barulho ou mesmo sintomas de desatenção. A
pessoa com este diagnóstico é inteligente, mas, em função da
inabilidade de discriminar, reconhecer, recordar e compreender
funções auditivas (KEITHE PENSAK apud CAPOVILLA, 2002), pode
apresentar problemas de aprendizagem devido à dificuldade em
acompanhar a explicação do professor. O exame e tratamento são
realizados pelo serviço de Fonoaudiologia.
- Problemas nas funções executivas – funções executivas são
processos cognitivos que permitem o indivíduo adaptar-se a novas
situações e resolver problemas visando alcançar objetivos. Tais
processos permitem ao indivíduo o controle de suas emoções,
pensamentos e ações, favorecendo a tomada de decisões (MIYAKE et
al., apud Fonseca; Prando; Zimmermann, 2016). As funções executivas
são compostas pelas seguintes habilidades: inibição ou controle
inibitório, memória de trabalho, flexibilidade cognitiva, planejamento
e resolução de problemas (DIAMOND apud Fonseca; Prando;
Zimmermann, 2016). Déficits nas funções executivas são verificados
em sujeitos com comprometimentos nos circuitos pré-frontais, e as
manifestações ocorrem de maneira variada, dependendo dos circuitos
com maior nível de comprometimento. Dificuldades cognitivas
relacionadas ao planejamento, solução de problemas, memória
operacional, monitoração da aprendizagem, flexibilização cognitiva
estariam mais relacionadas a déficits no circuito da região dorsolateral
pré-frontal (BRADSHAM apud MALLOY-DINIZ et al., 2010). Tais déficits
comprometem a aprendizagem uma vez que, para aprender,
necessitamos da integralidade destas funções. O sujeito com
problemas nas funções executivas estarão sempre realizando esforço
a mais do que sujeitos sem comprometimento. A avaliação é realizada
pelo profissional na Neuropsicologia (psicólogo) e avaliação médica
com neurologista.
- Problemas na atenção – a atenção é uma função cognitiva,
responsável por selecionar informações do ambiente, e que recruta
recursos para processar aquilo que foi selecionado. É um sistema
complexo de processos neurais, que permitem o indivíduo filtrar
informações relevantes. Este filtro permitirá a manipulação de
informações, monitoramento e modulação das respostas diante dos
estímulos (SEABRA et al, 2012). Diferentes fatores do cotidiano
podem afetar sua qualidade e precisam ser considerados durante a
avaliação, tais como: cansaço, sonolência, uso de substâncias
psicoativas, álcool, desmotivação, depressão, ansiedade, dor, déficits
senso-perceptivos, dentre outros (COUTINHO, MATTOS e ABREU in
MALLOY-DINIZ et al., 2010). Déficits atencionais afetam outras funções
cognitivas como a memória, por exemplo. Problemas na atenção
causam prejuízo direto na aprendizagem. As causas da desatenção
são multifatoriais e precisam ser investigadas por meio de uma
avaliação neuropsicológica.

Diversos fatores podem provocar dificuldades


de aprendizagem. O profissional deverá estudar
muito e estar atento a suspeitar de outras
possibilidades que poderão ser
investigadas por outros profissionais.
Anotações
65 - Psicopedagogo dá diagnóstico de transtorno
específico de aprendizagem (com prejuízos na
leitura, com prejuízos na expressão escrita, com
prejuízos na Matemática)?

É objetivo do diagnóstico psicopedagógico identificar os vínculos


que o sujeito construiu com sua aprendizagem, identificar as
modalidades de aprendizagem, compreender a estrutura do seu
pensamento, podendo aplicar alguns testes (não restritos) para
melhor compreensão do problema. Poderá levantar hipótese
diagnóstica de transtorno específico da aprendizagem, pois é
conhecedor dos sintomas, mas não tem condições de oferecer o
diagnóstico. Existem outras variáveis que precisam ser investigadas
por outros profissionais, sendo este é um diagnóstico médico.
Quando estudamos muito, é natural conhecermos os sinais do
transtorno específico da aprendizagem, que faz parte dos transtornos
do neurodesenvolvimento (APA, 2014). Todo profissional deve
conhecer os critérios do DSM-5, a partir dos quais levamos em conta
a idade da criança, as oportunidades de aprendizagem que já
vivenciou, se há fatores emocionais graves, se há rebaixamento
intelectual, se houve métodos defeituosos de ensino, se há déficits
sensoriais.
O profissional que atua na Psicopedagogia Clínica deve preparar-
se para conhecer assuntos de diversas áreas. Isso o ajudará, durante a
avaliação, a pensar em algumas possibilidades. O psicopedagogo
poderá levantar uma hipótese diagnóstica e encaminhar para outros
profissionais ampliarem a investigação, mas nunca dizer que a criança
tem um transtorno do neurodesenvolvimento. Tal avaliação é
multidisciplinar, sendo necessário que este indivíduo seja avaliado
também por profissionais da Neurologia, Fonoaudiologia, Psicologia,
Oftalmologista, em alguns casos, da Psiquiatria.
O diagnóstico de transtorno específico da
aprendizagem é multidisciplinar e cabe ao
psicopedagogo apenas suspeitar do transtorno, mas
nunca oferecer diagnóstico.
66 - Além de causas neurológicas, que outras
causas podem explicar as dificuldades de cálculo,
leitura e escrita?

Com o avanço de pesquisas da Neurociência, que revelaram os


caminhos neurais da leitura, diversos resultados foram publicados e
informações estão cada vez mais disponíveis em fontes como livros e
periódicos on-line. É preciso, no entanto, ter cuidado ao suspeitar de
um possível transtorno específico da aprendizagem. Faz parte do
nosso trabalho levar em consideração variáveis que podem influenciar
negativamente a aprendizagem, como exposição a ambientes
familiares hostis, rejeição materna, mudanças demasiadas de escola,
falta de estimulação, privação acadêmica, metodologia inadequada,
bullying são alguns dentre tantos fatores que podem causar prejuízos
na atenção, memória, e aprendizagem em geral.
Levando em consideração a dificuldade em detectar um
transtorno específico da aprendizagem, o DSM-5 cita o critério de
persistência, que significa dizer que o indivíduo com o transtorno
persiste com suas dificuldades, evidenciando limitado progresso,
apesar de ser submetido a ajuda em casa ou na escola (APA, 2014).
Crianças com dificuldade de aprendizagem, mas sem transtorno,
evidenciam avanços tão logo sejam sanados os problemas, ao
contrário das pessoas com transtorno de aprendizagem que
continuam com algum grau de dificuldade ao longo da sua vida.
Algumas dificuldades na Matemática podem estar relacionadas a
um déficit no raciocínio lógico. A criança que não alcançou ainda o
nível de pensamento operatório concreto poderá apresentar
dificuldades de conservação e de reversibilidade, operações
importantes na realização de cálculos. Para que a criança some
3+2+6=11, é preciso que ela some inicialmente 3+2 e conserve o 5
para depois somar com o 6. A flexibilidade e memória de trabalho são
itens importantes para que possa realizar todo um raciocínio e
perceber que, para chegar ao 11, existem outros números que
poderão ser somados além do 3+2+6, por exemplo: 5+4+2, 4+4+3,
8+2+1 e assim por diante. Situações como estas não necessariamente
sugerem que a criança tem discalculia, sendo necessário considerar os
critérios apontados pelo DSM-5 e favorecer a exposição frequente
desta aprendizagem.
Quanto mais compreendemos a amplitude de
situações que podem explicar as causas das
dificuldades de aprendizagem, mais constatamos a
importância do diagnóstico psicopedagógico e outras
avaliações complementares.
67 - Psicopedagogo dá diagnóstico de TDAH?

TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade) é um


transtorno do neurodesenvolvimento (APA, 2014), cujo diagnóstico é
dado pelo médico, mais especificamente pelo médico psiquiatra ou o
médico neurologista, após avaliação criteriosa com o sujeito e a
família. Portanto psicopedagogo não é o profissional habilitado para
este diagnóstico.
Para se chegar a este diagnóstico, o médico faz uma avaliação
clínica por meio da observação e coleta de informações com os pais
e/ou responsáveis, seguindo os critérios do DSM-5. O ideal é que
médicos solicitem à família que busquem o profissional da
Neuropsicologia (psicólogo) para realizar uma avaliação, com o
objetivo de identificar habilidades e déficits presentes por meio de
testes padronizados e restritos da Psicologia, o que certamente
auxiliará o diagnóstico do médico.
TDAH não é um transtorno de aprendizagem, então, por que
tantos psicopedagogos têm se ocupado de estudar e buscar cursos
para compreender o problema?
É na escola que aparecem as maiores manifestações do transtorno,
tanto do subtipo desatento quanto do subtipo
hiperatividade/impulsivo. O primeiro revela-se preocupante em
função do baixo rendimento escolar, que geralmente apresenta,
devido ao rebaixamento atencional; o segundo mostra-se
preocupante, principalmente pela agitação que a criança causa na sala
de aula, envolvendo-se em conflitos devido à imaturidade nas
funções executivas, podendo também apresentar baixo rendimento
escolar.
Desta maneira, muitos casos são encaminhados a psicopedagogos
pela escola, para uma avaliação e posterior encaminhamento aos
demais profissionais. O objetivo é que a escola possa receber
orientação dos profissionais e auxiliar a criança em seu
desenvolvimento escolar.
Problemas de comportamento de sujeitos com
TDAH são tratados pelo profissional da Psicologia.
Problemas cognitivos de sujeitos com TDAH, que
interferem na aprendizagem, podem ser tratados
pelo profissional da Psicopedagogia e, a depender da
gravidade, com profissional da Neuropsicologia.
68 - Psicopedagogo dá diagnóstico de autismo?

Transtorno do Espectro Autista (TEA) está classificado no DSM-5


como Transtornos do Neurodesenvolvimento (APA, 2014). É um
diagnóstico médico geralmente fornecido por psiquiatra ou
neurologista. Além de solicitar exames, o médico fará uma avaliação
criteriosa por meio da escuta da família sobre o histórico e como
observam o comportamento da criança, utilizando-se de escalas e
questionários que auxiliarão no diagnóstico. Outros especialistas em
desenvolvimento infantil, como psicólogos, poderão ser consultados
para uma avaliação mais ampla por meio de testes padronizados.
Portanto, mais uma vez, frisamos que não é de competência do
psicopedagogo diagnóstico de transtornos.
Existem alguns instrumentos e escalas, de uso não restrito, que
podem ser utilizados como uma sondagem ou triagem, quando
houver suspeita de autismo, mas jamais ter o intuito de diagnóstico.
Citarei algumas mais usadas, mas vale ressaltar que existem outras
escalas além destas: PROTEA-R, DENVER II, Bayley III, M-CHAT
(Modified Checklist for Autism in Toddlers – M-CHAT-R/F – Escala para
Rastreamento de Autismo Revisada), CARS (Childhood Autism Rating
Scale – Escala de avaliação para Autismo Infantil), ATA (Escala de
Traços Autísticos – Avaliação de Traços Autísticos), ABC (Autism
Behavior Checklist – Lista de Checagem de Comportamento
Autístico), ADOS2 (Autism Diagnostic Observation Schedule –
Protocolo de Observação para Diagnóstico de Autismo), ADI-R
(Autism Diagnostic Interview – Revised – Entrevista Diagnóstica para
Autismo Revisada).
O autismo aparece em diferentes graus e com manifestações
diferentes. Enquanto alguns autistas apresentam limitação na fala,
outros não apresentam dificuldades em se fazerem entender por meio
da linguagem. Enquanto alguns apresentam comprometimento grave
na interação social, outros não evitam o contato, mas observa-se uma
inabilidade. Enquanto alguns apresentam “flapping” (esvoaçar das
mãos), outros apresentam estereotipias na fala (por exemplo,
alteração na prosódia, discurso pedante). Não é um diagnóstico fácil e
exige o envolvimento de múltiplos profissionais.
Sabemos que, quanto mais cedo a criança receber o tratamento
adequado, melhores chances de evolução ela terá. Portanto, uma
indicação correta poderá fazer toda diferença no prognóstico desta
criança.
É difícil uma criança chegar ao consultório de Psicopedagogia,
sem antes ter passado por um médico que levantasse a suspeita ou
que forneceu o diagnóstico de autismo. No entanto, existem famílias
que negam o diagnóstico, principalmente nos casos leve do
transtorno, ou existem sintomas muito leves de autismo que podem
passar despercebidos em uma consulta médica porque os pais não
relataram problemas maiores no comportamento. Em algumas
situações, o problema se agrava na adolescência quando fica evidente
a inabilidade na interação social, e o sujeito passa a ser excluído das
rodas de convivência. A exclusão pode causar perturbação e interferir
ainda mais na aprendizagem. Estabelecer uma parceria com os
diversos profissionais que atendem o sujeito, como psicólogos,
terapeutas ocupacionais, médicos e a própria escola, é fundamental
para auxiliar este indivíduo em seu desenvolvimento.
O papel do psicopedagogo com o autista não será
o de diagnosticar, mas de intervir nos déficits de
aprendizagem, melhorando o prognóstico.
69 - A partir de que idade uma criança pode
passar pela avaliação psicopedagógica?

A partir do momento em que a criança manifesta atraso em


relação às crianças da sua faixa etária, é importante passar por uma
avaliação que pode ser médica, psicológica, fonoaudiológica ou
psicopedagógica.
Na idade de cinco anos, a escola faz rodinhas para as crianças
ouvirem historinhas, realizam pinturas, começam a aprender as letras
e seus sons, aprendem a escrever seus nomes. Nestes momentos, os
professores observam que algumas crianças já se apresentam
bastante dispersas e não conseguem acompanhar o ritmo da classe,
não se concentram para realizar as atividades mesmo aquelas lúdicas,
sendo difícil manter a atenção ainda que por períodos curtos,
condizentes com a idade.
Algumas escolas podem achar que é cedo para fazer o
encaminhamento, mas a experiência clínica tem evidenciado que,
quanto mais cedo forem identificados os prejuízos neurológicos,
psicológicos ou fonoaudiológicos, e estes forem tratados
precocemente, melhor será o prognóstico nos anos subsequentes.
Problemas de desenvolvimento neurológico atingem cerca de 5% a 15% dos pré-
escolares e podem ter consequências adversas a longo prazo, se não forem
detectados e tratados precocemente. (DEMIRCI e KARTAL apud MUSZKAT e RIZZUTTI,
2018)

Em Psicopedagogia, percebo que a idade de cinco anos é


favorável para a avaliação psicopedagógica, pois geralmente o ano
seguinte será o ano de alfabetização e, se algumas habilidades não
estiverem bem estabelecidas, poderão ocorrer atrasos na
aprendizagem. A avaliação serve para identificarmos as áreas
defasadas e iniciar a intervenção antes que os problemas se agravem.
Desta forma, reduz-se a possibilidade de a criança passar por maior
sofrimento, em um momento em que a aprendizagem deveria ocorrer
de forma divertida. Isto não significa de forma alguma alfabetizar
precocemente.
Muszkat e Rizzutti (2018) alertam para os cuidados que se deve
ter neste período, definindo-o como um período crítico para o
desenvolvimento cognitivo e emocional, sinalizando que a
identificação precoce de problemas de desenvolvimento pode
melhorar a qualidade de vida futura do desempenho cognitivo e
emocional das crianças.
Na idade pré-escolar, notamos rápidas mudanças no
desenvolvimento do sistema nervoso central. Ocorrem intensas
conexões sinápticas na região pré-frontal e uma remodelação
cerebral, por meio da apoptose (morte neuronal programada),
seguida do surgimento de novos neurônios, que ultrapassam os
limites da programação genética (Ibid.). Neste período, ocorre uma
explosão no desenvolvimento da linguagem e das funções motoras e,
pelo desenvolvimento da região pré-frontal, as crianças passam a agir
com intencionalidade, o que irá auxiliar na autorregulação emocional.
Dos quatro aos sete anos, ocorre maior maturação das áreas cerebrais
dos lobos parietal e temporal, que irá auxiliá-la no desenvolvimento
das habilidades fonoaudiológicas auxiliando na aprendizagem da
leitura e escrita (Ibid.).
As dificuldades ocorridas na idade pré-escolar poderão receber
apoio do psicopedagogo nas demandas de atraso cognitivo,
concentração, podendo ser estimuladas por meio de jogos de
atenção, jogos pedagógicos, jogos de construção, com o objetivo de
estabelecer um vínculo mais efetivo com a aprendizagem e
estimulação do raciocínio. Inclusive é nesta idade que a consciência
fonológica já deverá ser avaliada e estimulada, para que não inicie a
alfabetização com dificuldades. Ao identificar que a criança não está
avançando em sua aprendizagem devido ao comportamento agitado,
irritadiço, agressivo seja por hiperatividade ou problemas familiares, o
encaminhamento deverá ser realizado para o profissional da
Psicologia.

Não se pode mais ignorar a importância da


estimulação da criança em fase pré-escolar,
principalmente aquelas que notoriamente não
estão respondendo conforme os marcos de
desenvolvimento.
70 - Que instrumentos podemos usar para
avaliar a criança pré-escolar?

Como citado anteriormente, a partir da idade de cinco anos, já é


possível perceber dificuldades que podem interferir no
desenvolvimento escolar. Para avaliar esta idade, o profissional deverá
ter conhecimento sobre o desenvolvimento da criança, em cada faixa
etária, e propor atividades lúdicas para perceber se há atrasos.
Recomendo a leitura destes livros de Psicologia do Desenvolvimento
que podem auxiliar neste estudo:
- Desenvolvimento Humano, autora Diane Papalia, Editora Artmed.
- A Criança em Desenvolvimento, autoras Helen Bee e Denise Boyd.
Editora Artmed.
- Desenvolvimento Psicológico e Educação. São três volumes:
Volume 1 (Psicologia Evolutiva), Volume 2 (Psicologia da Educação
Escolar), Volume 3 (Transtornos de Desenvolvimento e
necessidades educativas especiais). Autores: César Coll, et al.
Editora Artmed.
Nenhum instrumento citado aqui substitui a entrevista de
anamnese realizada com os pais, para identificação de fatores
ambientais que poderão interferir no desenvolvimento.
As provas operatórias de Piaget, na sua maioria, não devem ser
aplicadas nesta idade com exceção da prova de Pequenos Conjuntos
Discretos de Elementos, que, segundo Visca (1995), a criança já pode
mostrar-se conservadora a partir dos cinco anos de idade, podendo já
oferecer explicações e justificativas conservadoras utilizando-se de um
ou mais argumentos: de identidade, de reversibilidade ou de
compensação. A aplicação das provas operatórias é indicada a partir
dos sete anos de idade.
Alguns testes de avaliação da linguagem oral podem ser aplicados
em crianças a partir dos três anos de idade para sondagem de
possíveis atrasos: Teste de Nomeação Infantil, Teste de Discriminação
Fonológica, Teste de Consciência Fonológica por Produção Oral, Teste
de Consciência Fonológica por Escolha de Figuras, Teste de Repetição
de Palavras e Pseudopalavras, Prova de Consciência Sintática (SEABRA
e DIAS, 2012). A aplicação destes testes pode nos indicar hipóteses de
problemas de linguagem. Posteriormente, indicamos para avaliação
completa e aprofundada pelo serviço de Fonoaudiologia, e
intervenções precoces deverão ser realizadas para prevenção do
agravamento das dificuldades.
A Escala Bayley de desenvolvimento infantil (Bayley III) é indicada
para avaliar crianças de 1 a 42 meses de idade. A escala avalia cinco
domínios: Cognição, Linguagem (comunicação expressiva e receptiva),
Motor (grosso e fino), Social-emocional e Componente
adaptativo.  Sua aplicação permite a identificação precoce de
problemas ou atrasos no desenvolvimento, e sinaliza a necessidade de
indicar para outro profissional realizar uma avaliação aprofundada.
Escala não restrita a psicólogos.
DENVER II – é um Teste de Triagem do Desenvolvimento utilizado
para avaliar crianças desde o nascimento até os seis anos de idade,
que parecem estar com o desenvolvimento atrasado. As áreas
avaliadas são: pessoal-social, motor fino-adaptativo, motor grosso e
linguagem. Teste não restrito a psicólogos.
A EDM – Escala de Desenvolvimento Motor (NETO, F. R.) é um
recurso utilizado por profissionais que desejam investigar a evolução
motora. Avaliar a motricidade é importante, pois muitas crianças com
dificuldades de aprendizagem apresentam funções motoras
desorganizadas e pouco amadurecidas e apresentam perfil
psicomotor dispráxico. Fonseca (apud SAMPAIO e METRING, 2019)
cita alguns problemas que são encontrados frequentemente em
crianças com dificuldades de aprendizagem: organização tônica
diferente ou hipertônica; paratonias; disdiadococinesias; sincinesias;
dificuldades no equilíbrio estático e dinâmico; falta de integração
corporal; discriminação da lateralidade direita/esquerda;
desorganização espaço-temporal. Esta escala pode ser aplicada em
crianças dos três aos dez anos. Pode ser aplicada por psicólogos,
pedagogos, psicopedagogos, terapeutas ocupacionais, profissionais
de Educação Física, médicos, fisioterapeutas e fonoaudiólogos
(http://www.motricidade.com.br/kit-edm.html).
Ressalta-se que não se devem aplicar testes sem conhecimento
teórico e sem realizar um raciocínio clínico, devendo o profissional
realizar cursos e supervisão com profissional experiente.

É importante que o psicopedagogo tenha


conhecimento sobre o desenvolvimento da criança
em cada faixa etária e proponha atividades lúdicas
para perceber se há atrasos.
71 - Quais os motivos que levam um adulto a
buscar atendimento psicopedagógico?

Adultos com dificuldades de aprendizagem podem ter sido


crianças e adolescentes com dificuldades de aprendizagem. Muitos
não tiveram a oportunidade de passar por uma avaliação e
intervenção e seguiram com suas dificuldades na faculdade. Outros
não procuraram ajuda por acreditar que as dificuldades seriam
superadas com o tempo. Mais especificamente, adultos com
distúrbios de aprendizagem, seguem com suas dificuldades mesmo
no Ensino Superior. Este é o período em que normalmente se sentem
mais envergonhados, uma vez que existe a percepção de que muitas
das suas dificuldades já deveriam ter sido superadas, comparando-se
com seus pares. Baixa autoestima, sensação de fracasso e até
depressão podem acometer adultos com transtorno específico de
aprendizagem (APA, 2014), e muitos abandonam o Ensino Superior
ou nem mesmo conseguem concluir o Ensino Médio.
Inquestionavelmente, percebemos a importância do profissional
da Psicopedagogia atuando em faculdades. Estes profissionais
poderão ser de grande ajuda para estes acadêmicos, sendo
orientados a procurarem um profissional clínico, ou mesmo
conversando com o aluno para tentar compreender melhor seu
problema.
Nos casos de suspeita de transtorno específico de aprendizagem
(dislexia, discalculia, disgrafia, disortografia), indica-se que seja
realizada uma avaliação neuropsicológica, neurológica,
psicopedagógica para verificar forças e fraquezas do processo de
aprendizagem. Com o laudo em mãos, é possível conversar com a
coordenação e dialogar com os professores, para possíveis
adaptações.
A psicopedagoga, Lilian Rinaldi Ibanhez, que atua em São João da
Boa Vista/SP, na UNIFEOB – Centro Universitário, com
aproximadamente 5.000 alunos, 16 cursos de graduação, pós-
graduação, cursos on-line e projetos sociais, fala sobre sua
experiência9.
Ela atua há seis anos como psicopedagoga no Centro
Universitário e julga imprescindível o atendimento psicopedagógico
aos estudantes universitários, tendo em vista as necessidades que
apresentam na graduação, sejam transtornos ou dificuldades diversas
que possam interferir em seus estudos e seu desenvolvimento.
Ela explica que o trabalho psicopedagógico ocorre de diferentes
formas: acolhimento, prevenção, atendimento, intervenção e
encaminhamento. Como prevenção, são palestras, oficinas ou
discussões sobre hábitos de estudo e desafios de ser universitário,
como enfrentar o medo de falar em público, interpretação de texto e
outros temas solicitados, de acordo com a demanda das queixas dos
docentes e coordenadores de curso.
Para o atendimento psicopedagógico, o estudante é encaminhado
pelos professores ou coordenadores ou pode procurar
voluntariamente, com acesso direto ao Núcleo de Apoio
Psicopedagógico, por meio do link na página do site da área do
aluno. Assim, ele terá um horário agendado e passará por uma
avaliação diagnóstica breve, e o psicopedagogo dará as orientações,
fará o acompanhamento do aluno e as intervenções que se fizerem
necessárias. Dependendo do caso, a equipe envolvida com o
universitário recebe apoio e orientações para saber como agir, avaliar
e promover um melhor desenvolvimento do graduando.
Há casos que o estudante será encaminhado para outros
profissionais, como, por exemplo, fonoaudiólogo, psicólogo,
psiquiatra, psicopedagogo clínico para avaliação e intervenção, e, em
outros casos, pode haver a necessidade também de um trabalho de
orientação aos familiares.
Lilian afirma que o psicopedagogo na universidade faz a conexão
dos estudantes com a vida universitária, visando à sua futura atuação
profissional, incentivando-os a aprender a aprender, desenvolver-se e
crescer no seu espaço acadêmico, superando suas dificuldades, em
busca não só de uma formação acadêmica mais sólida, mas também
de uma vida mais feliz.

A atuação do psicopedagogo nas faculdades é


imprescindível, visto que muitos adultos apresentam
dificuldades de aprendizagem. O trabalho envolve:
acolhimento, prevenção, atendimento, intervenção e
encaminhamento.

9 Entrevista concedida por e-mail e autorizada para ser publicada nesta obra.
72 - Como é realizada a avaliação de pacientes
adultos?

A avaliação de adultos também tem como objetivo identificar as


causas das dificuldades de aprendizagem, que podem derivar de
causas emocionais – obstáculo epistemofílico, do nível de
pensamento – obstáculo epistêmico, de diferenças funcionais ou de
alterações no desenvolvimento das funções – obstáculos funcionais
(VISCA, 1995). (Veja questão 7.)
Em geral, espera-se que o sujeito adulto seja aquele que entra em
contato com o psicopedagogo e marque a consulta, mas, nem
sempre, é assim que acontece. Em alguns casos, são os pais que não
só ligam para marcar a consulta, mas também acompanham o(a)
filho(a) adulto(a) e aguardam na recepção até o término da sessão.
Esta atitude pode revelar-nos o grau de dependência existente nesta
família, tanto da parte dos pais quanto da parte do sujeito.
É compreensível que o paciente adulto esteja acompanhado pelos
pais ou responsáveis quando apresenta atraso no desenvolvimento,
condições físicas ou psicológicas que impossibilitem maior
autonomia. Do contrário, este grau de dependência pode revelar-nos
um possível obstáculo epistemofílico, causando impedimento no
desenvolvimento sem que haja um obstáculo funcional. A falta de
autonomia é cultivada em algumas famílias que, inconscientemente,
apresentam dificuldades em realizar o corte necessário para o
desenvolvimento do sujeito. Algumas mães sentem necessidade de
realizar tarefas pelos filhos, pois é desta forma que se sentem úteis e
importantes. Não percebem que esta atitude pode desencadear
insegurança, provocando impedimento na tomada de decisões.
Verificamos que mães de crianças com distúrbios de
aprendizagem sofrem com as dificuldades de aprendizagem dos
filhos e, em vez de se tornarem parceiras promovendo a estimulação e
propondo desafios, acabam sentindo pena, sentimento que pode
provocar no sujeito sensação de incompetência, ocasionando
autoestima rebaixada e desmotivação.
Já recebi alguns adultos nesta condição. Atendi um rapaz por
volta dos seus 23 anos, que sempre vinha acompanhado pela mãe.
Durante todo o período da avaliação, ambos chegavam juntos. Ela
aguardava na recepção até o final do atendimento e iam embora
juntos. A avaliação apontou para nível cognitivo em perfeitas
condições, mas uma dislexia severa, agravada pela falta de tratamento
em todos estes anos. Sua leitura era silábica-alfabética, a consciência
fonológica mostrava-se muito prejudicada e apresentava déficits
atencionais. Na anamnese, colhi alguns dados sobre a interação
familiar, e a mãe revelou que era superprotetora e que tinha medo de
que ele se perdesse ao andar de ônibus sozinho porque não sabia ler.
Evidenciava um sentimento profundo de pena pelas dificuldades do
filho, em relação à leitura e escrita, que tinha um histórico de muito
sofrimento acadêmico.
Na devolutiva, conversei com a mãe sobre como esta atitude
estava criando obstáculos no desenvolvimento do filho, pois achava-
se incompetente até mesmo para conseguir um emprego. Solicitei
que, nas próximas sessões, que já seriam de intervenção, ela o
deixasse vir sozinho. Também conversei com ele para procurar
informar-se como pegar ônibus até meu consultório. Iniciamos o
trabalho de alfabetização, por meio do método fônico, alternado com
tratamento pelo serviço de Fonoaudiologia. Em pouco tempo,
conseguiu um trabalho que não dependia de leitura e estava feliz por
estar ganhando seu dinheiro. Apesar das trocas comuns da dislexia,
aprendeu a ler e estava feliz por estar conseguindo conversar com os
amigos digitando em redes sociais e compreendendo o que estava
lendo. O processo rápido surpreendeu a todos e serviu para confirmar
que situações ambientais estavam causando interferência no seu
desenvolvimento.
Este relato é importante para que o profissional da
Psicopedagogia possa perceber que não se deve ficar preso a testes e
instrumentos. É preciso ampliar o olhar e prestar bastante atenção nas
atitudes dos envolvidos, nos gestos, no tom de voz que são tão ou
mais reveladores do que aquilo que nos é dito explicitamente.
A avaliação com adultos inicia-se com a entrevista contratual, em
que já podemos observar o grau de dependência ou independência
em relação à família. Se for a família que irá pagar, a entrega do
dinheiro ao profissional poderá ser acertada por meio do próprio
adulto, pois esta ação contribui tanto para a valorização do
atendimento quando para sua autonomia.
A família poderá ser chamada para a anamnese, mas isto deverá
ser acertado com o avaliado, que poderá decidir ele mesmo colher as
informações sobre sua vida desde o nascimento, atitude esta que
deve ser valorizada.
Após a entrevista contratual, realizamos a sessão da EOCA
(Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem), que tem os
mesmos objetivos daquela aplicada com crianças e adolescentes,
porém difere na forma. Com a EOCA, pretendemos detectar os
sintomas e levantamos hipóteses sobre causas a-históricas ou
patogênicas (VISCA, 1987). (Veja questão 49.)
Na EOCA com adultos, acontece uma interação bastante dialógica.
“[...] com os adultos a EOCA pode adotar as características de uma conversação, que
pode ser complementada com outras atividades. Quando um adulto comenta o que
faz revela, entre outros aspectos, seu nível de competência e desempenho, seus
temores e satisfações etc.” (VISCA, 1987, p. 74)

Além da conversação, é possível disponibilizar sobre a mesa


recursos concretos, como papéis, lápis, revistas, tesoura, cola,
borracha, apontador, para que o avaliado possa mostrar coisas que
sabe fazer e que aprendeu a fazer, sempre tendo cuidado de não
infantilizar este momento. A iniciativa e decisão de produzir algo
devem ser sempre do sujeito.
As Provas Operatórias de Piaget, para pensamento formal, são aplicadas para investigar
o nível cognitivo e observar se há atraso no raciocínio lógico que esteja interferindo em sua
aprendizagem. Algumas provas são indicadas para investigar se o sujeito já alcançou o
nível formal ou hipotético-dedutivo. Provas como Permutação de fichas, Predição,
Combinação de fichas e Conservação de Volume são as mais utilizadas10. Outras provas são
explicadas por Visca (2012) no livro Diagnóstico Operatório de Adolescentes e Adultos
parte II, tais como: Prova do Açúcar, Prova do Pêndulo, Combinação de Líquidos, Prova da
Balança, Prova das Ilhas, Prova de Flutuação dos Corpos.

As Técnicas Projetivas são recursos indispensáveis para observarmos os vínculos que o


sujeito estabelece com a aprendizagem. (Veja questão 62.)

Outras provas pedagógicas poderão ser aplicadas para observar


as dificuldades na leitura, na escrita e no cálculo, se houver queixa.
Existem diversos instrumentos e testes vendidos no mercado, de
uso livre para psicopedagogo, que podem ser utilizados para
avaliação na leitura, escrita e matemática como o TDE-II (Teste de
Desempenho Escolar) e PROLEC, por exemplo. Ainda que estes testes
tenham tabelas de normatização somente para crianças e
adolescentes, é possível utilizá-los de forma qualitativa como
sondagem dos níveis de dificuldades de pessoas com idades
posteriores.
Atendi um rapaz de 22 anos, com sérias dificuldades na leitura e
escrita, mas com cognição normal, já alcançando o nível formal,
conforme provas piagetianas. Estudos mostram que habilidade de
nomeação rápida tem sido relacionada à habilidade de leitura fluente.
Desta forma, apliquei o Teste Infantil de Nomeação (SEABRA, 2012)
como sondagem, mesmo não havendo tabela de correção para esta
idade. Pude perceber a grande dificuldade, não conseguindo
recordar-se do nome da maioria dos animais e de vários objetos. Este
resultado revelou severo prejuízo no acesso ao sistema de memória
de longo prazo que armazena os nomes dos objetos.
Quando conhecemos o que o teste se propõe a avaliar, é possível
utilizá-lo mesmo com pessoas que estão fora das tabelas de
normatização do manual, como avaliação qualitativa, porque
qualquer resultado pior do que a última tabela de correção do
manual já revela dificuldades.
O novo TDE-II, por exemplo, agora avalia até o 9º ano (o anterior
avaliava até a antiga 6ª série, atual 7º ano). Se recebo um adulto com
queixa de muita dificuldade com cálculo, posso aplicar o teste de
aritmética do TDE II, para investigar a qualidade de suas dificuldades.
Devemos sempre lembrar que o objetivo maior do diagnóstico
psicopedagógico é conhecer o sujeito para propor uma intervenção
direcionada.

Em uma avaliação, é importante observar a


linguagem, o comportamento, a produção, as
rejeições e não ficar preso a instrumentos e testes,
embora também sejam importantes, pois compara
seu desempenho com pessoas da mesma idade em
estudos normatizados.
10A descrição das provas operatórias pode ser encontrada no livro “Manual Prático do
Diagnóstico Psicopedagógico Clínico”, Simaia Sampaio, Wak Editora e no livro de Jorge
Visca: “Diagnóstico Operatório na Prática Psicopedagógica”, Editora Pulso.
73 - O que é laudo ou informe psicopedagógico?

Antes de mais nada é importante esclarecer que a palavra laudo


não é de exclusividade médica como muitos pensam. Vários
profissionais podem emitir laudo sobre uma avaliação realizada na
sua área Engenharia, Mecânica, Psicologia, Fonoaudiologia etc. O
Laudo é o resultado de um processo investigativo de avaliação, com
fins de diagnóstico, que exige fundamentação e conclusão.
O laudo ou informe psicopedagógico tem como finalidade resumir as conclusões a
que se chegou na busca de respostas às perguntas iniciais que motivaram o
diagnóstico. (WEISS, 2002, p. 138)

Caso não se sinta confortável em usar a palavra laudo, poderá


utilizar a palavra Informe Psicopedagógico ou mesmo Avaliação
Psicopedagógica.
Todavia alguns utilizam a palavra relatório sendo importante
esclarecer que o relatório tem como objetivo informar/comunicar o
trabalho desenvolvido pelo profissional, a evolução do paciente, não
tendo como finalidade expor o resultado de um diagnóstico.
Nem todo profissional da Psicopedagogia trabalha com um
documento escrito como resultado da avaliação, mas aqueles que o
fazem deverão estar atentos a alguns princípios norteadores para sua
elaboração.
O laudo é um documento escrito, elaborado pelo profissional ao
final do diagnóstico psicopedagógico, no qual constará os dados
pessoais do avaliado, o motivo da avaliação, o período da avaliação,
os instrumentos utilizados pelo profissional, a descrição dos
resultados e, por fim, a conclusão.
A redação deste documento deverá ser bem estruturada,
ordenada de maneira a favorecer a compreensão do leitor (pais,
escolas, outros profissionais). O profissional deverá ter preocupação
com a correção gramatical, estrutura de parágrafos, pontuação
adequada.
A linguagem deve ser clara, concisa e inteligível, utilizando-se de
termos próprios da Psicopedagogia. Devem-se evitar textos prolixos
e informações repetitivas.
Os princípios do Código de ética do psicopedagogo deverão ser
seguidos. O sigilo profissional deverá ser respeitado, evitando
comentários que exponham falas do avaliado e comentários que
possam expor a família a situações de constrangimento. Conforme
orientações do Código de Ética da Psicopedagogia:
Artigo 7º: O psicopedagogo está obrigado a respeitar o sigilo profissional,
protegendo a confidencialidade dos dados obtidos em decorrência do exercício de
sua atividade e não revelando fatos que possam comprometer a intimidade das
pessoas, grupos e instituições sob seu atendimento. (Código de Ética da
Psicopedagogia, 2019)

Antes da entrega do documento à escola, a família deverá ter


conhecimento do seu conteúdo e concordar com o que ali foi escrito
pelo profissional. Jamais se deve ir à escola fazer a devolutiva, antes
da devolutiva aos pais.
Artigo 8º: Os resultados de avaliações só serão fornecidos a terceiros interessados,
mediante concordância do próprio avaliado ou de seu representante legal. (Código
de Ética da Psicopedagogia, 2019)

As pessoas que podem ter acesso ao documento escrito são as


pessoas responsáveis pela criança que contrataram o serviço e
aquelas que a família autorizou o acesso.
Artigo 9º: Os prontuários psicopedagógicos são documentos sigilosos cujo acesso não
será franqueado a pessoas estranhas ao caso. (Código de Ética da Psicopedagogia,
2019)
A elaboração do laudo ou informe psicopedagógico é de inteira
responsabilidade do profissional que o produziu e deve conter seus
dados de identificação e assinatura.

O laudo ou Informe Psicopedagógico é um documento


escrito, elaborado pelo psicopedagogo ao final do
diagnóstico, que deve ser escrito com cuidado e
ética profissional.
74 - O que é Devolução?

Ao iniciarmos um Diagnóstico Psicopedagógico, deveremos ter


em mente que este procedimento tem um início, um meio e um fim.
Qualquer avaliação que se inicie e não tenha um final já revela falhas
no processo. Os pais, a escola e o próprio paciente criam uma
expectativa a respeito do resultado e há de se ter um fechamento.
Este ciclo que se abre (o do diagnóstico) deve ser finalizado para que
outro se inicie, neste caso, a Intervenção Psicopedagógica como a
próxima etapa.
Chamamos de devolução ou devolutiva o momento de comunicar
à família os resultados obtidos no Diagnóstico Psicopedagógico.
Iniciamos lembrando o motivo pelo qual buscaram o atendimento e
convidamos o paciente a lembrar-se do que fizemos durante as
sessões, trazendo alguns exemplos.
Algo que considero importante é sempre iniciar pelas habilidades
observadas. Neste sentido, Weiss nos diz:
[...] toco nos aspectos mais positivos do paciente, nos aspectos que levam à
valorização do que faz melhor, nas relações desses pontos com a perspectiva de
melhoria escolar ou de seu futuro em geral. (2002, p. 131)

Iniciar a conversa, ressaltando os aspectos positivos observados, é


favorável para o desenvolvimento do vínculo com a família e
possibilita que esta reduza as ansiedades e se abra para a escuta.
Posteriormente, sigo um roteiro, que geralmente corresponde à
sequência do meu documento escrito, informando os resultados
quanto aos aspectos cognitivos, pedagógicos, emocionais, sociais, de
linguagem observados. Isso posto, faço as relações com as
dificuldades observadas e o que poderia estar causando bloqueios na
aprendizagem.
A organização de um roteiro para a devolutiva é importante, mas
não é tudo. O momento continuará requerendo de nós uma
sensibilidade e escuta, pois o resultado do diagnóstico costuma
mobilizar emoções na família que podem ser expressas: pelo choro e
verbalização de conteúdo de culpa a si mesmo ou outro membro da
família; pela raiva, culpando a antiga escola ou a atual; pelo medo de
um futuro incerto quando a criança apresenta muitas dificuldades; e
tantos outros motivos que podem surgir neste momento revelando
fragilidade emocional para lidar com o problema.
O psicopedagogo não deverá ser apenas o portador da revelação
dos problemas, mas, sobretudo, criar uma atmosfera de esperança e
ânimo, não deixando de sinalizar a importância das mudanças
necessárias para se alcançar êxito na superação dos problemas, pois
eis aí o principal veículo de transformação a que o diagnóstico se
propõe.
O psicopedagogo deve compreender que muitos pais precisarão
de tempo maior para a elaboração do resultado. O profissional
poderá marcar outra sessão para esclarecer melhor o problema,
sinalizando sugestões de mudanças na tentativa de redução das
dificuldades e evolução do paciente, principalmente quando houver
entraves na comunicação entre os membros da família que dificultam
o processo.
A finalização do diagnóstico é o fechamento de um ciclo para que
outro se inicie. Refiro-me à continuidade do processo agora com a
Intervenção Psicopedagógica. O ideal é que o paciente continue com
o mesmo profissional, pois já estabeleceu um vínculo. Para isso, é
muito importante que, desde o início do diagnóstico, o profissional
estabeleça uma comunicação positiva e de confiança com a família.
Podemos dizer tudo, mas não de qualquer jeito. É necessário ter
cuidado com as afirmações, validando o esforço dos pais que atuaram
da melhor forma que puderam na educação dos filhos. Se iniciarmos
validando suas tentativas de acerto, conseguiremos uma escuta mais
aberta desta família para alcançar nosso objetivo que é tê-los como
parceiros no processo.
A ansiedade do profissional poderá atrapalhar o momento,
trazendo uma fala precipitada ou mesmo arrogante. Por isso, insisto,
veementemente, que todo psicopedagogo deve fazer psicoterapia e
trabalhar suas ansiedades antes e durante o trabalho
psicopedagógico. Uma fala ansiosa deixará o ambiente ansioso,
desorganizado emocionalmente, gerando insegurança na família. Por
outro lado, uma fala tranquila permite um ambiente tranquilo e
harmônico, propício para que os pais se sintam seguros neste
trabalho com o profissional.
Segue um exemplo de diálogo:
Mãe: Eu sabia que tinha algo errado, mas eu tentava de tudo para
estar ao lado dele para ajudá-lo, mas não percebia que eu
funcionava como uma muleta.
Psicopedagogo: Estou certa de que suas ações foram as melhores
possíveis e que tentou tudo que estava ao seu alcance com o
objetivo de acertar. Percebemos agora, neste trabalho que
fizemos, que J é inteligente e tem condições de caminhar sozinho
se assim o ambiente permitir. Como você é a pessoa que o
acompanha nos estudos, será importante, a partir de agora,
trabalharmos para que ele acredite em seu próprio potencial,
solicitando sua presença apenas quando tiver dúvidas e depois de
ter tentado sozinho. Vamos trabalhar nisso e, aos poucos, veremos
resultados. Estarei junto com você nesta caminhada.
Todo psicopedagogo precisa trabalhar suas
angústias e ansiedades em Psicoterapia. Assim,
proporcionará a si mesmo e ao atendido melhor
produtividade nos atendimentos.
Anotações
75 - O que é Intervenção Psicopedagógica?

A intervenção psicopedagógica tem como objetivo reduzir ou


sanar as dificuldades de aprendizagem, sejam estas de ordem
cognitiva, metacognitiva ou afetiva. Para tanto, utiliza-se de uma
abordagem construtivista, na qual o sujeito é convidado a atuar
ativamente no seu processo de aprender.
Promover o vínculo positivo com a aprendizagem é o objetivo
primeiro de qualquer intervenção psicopedagógica. É difícil ensinar
uma criança que esteja desmotivada, com medo ou com raiva.
Igualmente, é laborioso alfabetizar uma criança que tenha raiva ao ler
e escrever. Ela pode até aprender a decodificar, mas não sentirá prazer
na leitura e há grande chance de seguir assim por toda sua vida
acadêmica.
Quem se propõe a atuar na clínica psicopedagógica para apenas
alfabetizar está indo por um caminho equivocado de atuação. Na
Psicopedagogia, propomos descobertas, brincadeiras e ludicidade.
Obviamente, o trabalho com leitura e escrita estará envolvido em
algum momento, mas não será a figura do processo, será fundo, e, em
algum momento, este fundo irá emergir, tornando-se figura, e a
criança aprenderá com prazer a partir daí.
Hoje temos inúmeras informações da Neurociência, da
Fonoaudiologia, da Psicologia, sinalizando importantes descobertas,
e psicopedagogos bebem destas fontes, agregando ao seu trabalho o
que pode servir de auxílio para a aprendizagem de seu paciente.
Entretanto, devemos sinalizar, e até alertar, que fazer treino de
memória, atenção e consciência fonológica não é o objetivo primeiro
da Psicopedagogia. Isto estará dentro do trabalho, mas não será o
foco.
Vamos pensar: Como trabalhar consciência fonológica com uma
criança que não quer aprender a ler e escrever? Quando há resistência,
a criança apresenta comportamentos evidentes de esquiva, como
jogar-se nas almofadas, esconder-se embaixo da mesa, levantar-se
continuamente para ir até a estante pegar brinquedos. Estes são
comportamentos que revelam condutas evitativas ao processo de
aprendizagem. A criança não é um robô que colocamos na nossa
frente e pedimos a ela que repita ou reproduza. É preciso desvendar o
que este comportamento quer nos dizer. Para algumas crianças, a
leitura e escrita é algo que fere, machuca e dói. Se não somos capazes
de compreender e lidar com esta demanda, nosso trabalho não fará
sentido.
Às vezes, fico bastante tempo escutando o que a criança está
querendo me mostrar. Escutar no sentido de perceber com meus
ouvidos, com meus olhos e com minha sensibilidade. O que essa
criança está querendo me mostrar com toda esta agitação? Que
medos se escondem ali e que não são ditos ou nem mesmo são
percebidos por ela?
Uma paciente de oito anos não queria saber de ler e escrever. Em
casa, rasgava, furava e cuspia nas atividades que vinham da escola. Na
escola, apresentava comportamento hiperativo, desafiador e opositor.
Quando chegou ao consultório, iniciei o diagnóstico
psicopedagógico e, logo no primeiro encontro, percebi que não
responderia aos instrumentos de avaliação que eu havia selecionado,
devido ao comportamento. Avaliar a consciência fonológica em
crianças com dificuldades de leitura é uma das primeiras coisas que
faço após a EOCA, mas com esta criança não foi possível com o
instrumento formal (avaliação de rimas, aliterações, manipulação
silábica e fonêmica, transposição silábica e fonêmica etc.). Ela me deu
as costas e disse que não queria fazer. A criança estava tão irritada,
com todas as cobranças escolares, que não queria entrar em contato
com nada que lembrasse aprender a ler. Fui então para a caixa de
areia (veja jogo de areia na questão 86) e escolhi algumas miniaturas,
pedindo a ela que escolhesse também. Os olhinhos já estavam
curiosos. Inicialmente fui fazendo os sons iniciais do nome de cada
miniatura e falando comigo mesma, fui “adivinhando” com que som
começava. Ela entrou na brincadeira e fui percebendo sua dificuldade
com a identificação dos sons. Depois peguei as letras em madeira do
alfabeto móvel e fui colocando junto às miniaturas que eu havia
escolhido. Ela foi me imitando, pegando e colocando ao lado
daquelas escolhidas por ela e logo percebi a dificuldade que sentia
em fazer a relação da grafia com o fonema. E assim avaliei sua
consciência fonológica de forma lúdica e sem sofrimento. Não pedi
nada a ela. Eu iniciei a brincadeira comigo mesma e despertei nela a
curiosidade, que quis fazer também. O vínculo começou a se
estabelecer. As sessões seguintes foram todas na caixa de areia, onde
observei lateralidade, orientação espacial, temporal, memória visual e
auditiva, criatividade com a construção e linguagem expressiva com a
contação de história, cognição com a sequência lógica dos fatos,
linguagem compreensiva, planejamento, controle da impulsividade e
vínculos com a aprendizagem.
Iniciamos a intervenção, e o trabalho com a caixa de areia
continuou. Em pouco tempo, estava arriscando a escrita, com
plaquinhas em papel grosso que criamos para cada miniatura. Ora eu
escrevia, ora ela escrevia. O desafio era ler a placa e identificar a
miniatura colocando a placa junto. Ela se divertia cada vez mais e
saboreava o gosto da brincadeira e da aprendizagem. Em três meses,
estava lendo. Só precisava desbloquear e ressignificar o vínculo com o
aprender. Em um primeiro momento, solicitei à escola que reduzisse
as tarefas de casa e enviasse atividades em nível de alfabetização,
pois, como estava no 2º ano, as tarefas já envolviam textos maiores
que a deixavam irritada por não dar conta.
Não há receita pronta para a atuação na intervenção
psicopedagógica. Cada um chega com uma demanda, uma história de
vida, uma personalidade e cabe a nós o respeito pela subjetividade de
cada um. O psicopedagogo deverá exercitar sua criatividade e
intuição. Em algumas situações, não teremos instrumentos prontos
para aquela demanda, mas se estudamos e nos aprofundamos no
caso, será possível perceber as necessidades e construir instrumentos.
Esta construção será muito rica se realizada com quem estamos
atendendo. A criança fará parte desta construção e será ativa no
processo.
Neste sentido, gosto muito da ideia de Projeto de Trabalho
proposto por Laura Monteserrat. (Veja questão 84.)

O exercício do planejar e do construir é um exercício


do pensar e de estimular a criatividade. São
elementos que devem ser agregados ao trabalho de
intervenção psicopedagógica.
Anotações
76 - O paciente chegou com diagnóstico do
neurologista. Posso iniciar o atendimento
pela intervenção ou preciso fazer a avaliação
psicopedagógica?

A avaliação neurológica é diferente da neuropsicológica, que é


diferente da fonoaudiológica, que é diferente da psicopedagógica.
Cada profissional realiza sua avaliação baseando-se na
fundamentação teórica e prática da sua profissão. Isto significa que
uma avaliação neurológica servirá para o psicopedagogo no sentido
de conhecer possíveis danos neurológicos que poderão interferir na
aprendizagem, como transtornos ou lesões que afetam a
aprendizagem, ou mesmo para que o psicopedagogo saiba que não
há danos estruturais que possam estar interferindo na aprendizagem.
Alguns pais nos procuram informando que a criança foi avaliada
por um neurologista e que recebeu o diagnóstico de TDAH
(Transtorno do Deficit de Atenção e Hiperatividade), sendo indicado o
tratamento com psicopedagogo. Todavia, a avaliação neurológica
não informa os prejuízos na aprendizagem apresentados por este
sujeito. O que interessa ao psicopedagogo não é o diagnóstico de
TDAH em si, até porque este é um transtorno de comportamento e
deverá ser tratado com psicoterapia e, em alguns casos, com
neurologista ou psiquiatra. O que interessa ao psicopedagogo são os
vínculos que o sujeito estabeleceu ou não com a aprendizagem até o
momento, assim como as possíveis perdas de oportunidades
pedagógicas que ocorreram em decorrência do transtorno.
Informações sobre as demandas de aprendizagem, em geral, não
são oferecidas pelo médico, portanto é de competência do
profissional da Psicopedagogia conhecer as dificuldades de
aprendizagem que se apresentam neste sujeito. O que iremos tratar se
não conhecemos as demandas do paciente? Apoiar-se apenas no que
os pais trazem é dizer que a culpa é só da criança. O momento do
diagnóstico é o momento de conhecer também a influência que a
família exerce sobre as questões de aprendizagem, tanto positivas
quanto negativas.
A avaliação psicopedagógica é o momento de o
profissional conhecer o sujeito e identificar as
dificuldades para traçar um plano de intervenção
direcionado.
77 - Que materiais devo ter no consultório para
começar o trabalho de intervenção?

Qualquer material pode ser usado quando se sabe o que quer


alcançar. Muitos profissionais ficam bastante preocupados em
comprar os mais diversos materiais, mas é possível produzir muita
coisa sem precisar gastar muito. Produzir inclusive com o sujeito, o
que sugere uma experiência riquíssima envolvendo criatividade,
planejamento para seleção de material e execução, tomada de
decisões, uso de medidas ao produzir um tabuleiro, por exemplo,
coordenação motora para confecção do material, pesquisa de regras,
leitura e escrita, compreensão leitora, estratégias no momento de
jogar.
É importante que o profissional da Psicopedagogia tenha um
perfil investigativo para descobrir possibilidades que se adaptem às
necessidades de cada sujeito.
Jogos diversos de estratégias, planejamento e raciocínio não
podem faltar no consultório. O objetivo destes jogos é mobilizar as
estruturas cognitivas do sujeito que está com raciocínio lógico em
defasagem, desenvolver a flexibilidade cognitiva, a atenção, memória
de trabalho, dentre outras habilidades que compõem as Funções
Executivas e que são importantes para o processo de aprendizagem.
Em meus cursos de jogos de raciocínio, mostro e explico diversos
jogos e possibilidades de trabalho de intervenção psicopedagógica.
Os interessados poderão acompanhar a divulgação dos meus cursos
no Instagram @psicosimaiasampaio ou no site
www.psicopedagogiabrasil.com.br.
Jogos pedagógicos para trabalhar a leitura e escrita só devem ser
introduzidos quando o sujeito compreender a importância desta
aprendizagem, portanto, quando a criança apresenta resistência
nestes aspectos, não é viável o profissional iniciar o trabalho tocando
no ponto de maior dificuldade. A leitura e escrita podem ser
introduzidas em uma proposta lúdica após a criação de um jogo, por
exemplo, onde se terá de registrar as regras ou ler as regras para jogar
depois, mas nunca deverá ser utilizado em uma proposta meramente
pedagógica.
Da mesma forma, livros de alfabetização, de textos e de ortografia
só deverão ser utilizados quando o sujeito diminuir as resistências e
compreender a importância desta aprendizagem. Criei quatro livros
de atividades para trabalhar atividades de leitura e escrita e atividades
neuropsicopedagógicas, todos da Wak Editora, vendidos no meu site
loja.psicopedagogiabrasil.com.br ou no site da própria editora e que
devem ser utilizados como apoio complementar a outros jogos
psicopedagógicos.
Jogos para desenvolver a consciência fonológica são importantes
e poderão ser criados pelo profissional com a criança, pois estará
dentro da proposta de alfabetização, mas é importante ressaltar que
qualquer dificuldade que a criança tenha na pronúncia dos fonemas
deverá ser acompanhada pelo profissional da Fonoaudiologia e não
ser tratada apenas pelo psicopedagogo.
Jogos de computador são ricos em conteúdo, e os pacientes
tendem a gostar muito deste trabalho, por serem atrativos e
dinâmicos. Faço apenas uma ressalva que não deve haver uso abusivo
destes jogos no consultório, uma vez que muitas crianças e
adolescentes já fazem uso no seu dia a dia de jogos eletrônicos,
embora, na maioria das vezes, não tenha uma finalidade
psicopedagógica. Elaborei, até o momento, cinco jogos em CD e
pendrive para trabalhar diversas dificuldades na leitura, na
matemática, na ortografia e em funções executivas, são eles: dois
jogos de alfabetização volume 1 e 2, PREFEX (Programa de
Reabilitação das Funções Executivas e outras Habilidades), PROORT
(Programa de Ortografia), PAM (Programa de Aprendizagem da
Matemática). Todos vendidos no meu site
loja.psicopedagogiabrasil.com.br.
A caixa de trabalho criada por Visca também é uma proposta de
intervenção interessante e será citada na questão 81.

O profissional deve também exercitar a própria


criatividade, pensando em como criar jogos que
favoreçam o desenvolvimento do sujeito. O exercício
do pensar vale para ambos, psicopedagogo e sujeito
em atendimento.
78 - Quando se inicia a intervenção
propriamente dita?

A partir do momento em que a família e o próprio sujeito, no caso


de adultos, manifestam o desejo de continuar o atendimento, após a
devolutiva do diagnóstico, já podemos iniciar a intervenção.
O primeiro passo é o contrato, que pode ser oral ou escrito, e se
inicia com o enquadramento do processo corretor (veja questão 8),
que diz respeito a como serão conduzidas as sessões, quantidade de
sessões por semana, horários, honorários, forma de pagamento, alerta
sobre como as faltas prejudicam o atendimento.
O psicopedagogo deverá perceber o engajamento da família no
processo. Se, durante as sessões de avaliação, a família chegava
atrasada, faltava muito, a tendência é que este comportamento se
repita durante a intervenção, prejudicando o trabalho. No momento
do enquadramento da intervenção, o profissional deverá salientar
todas as questões observadas que podem prejudicar a evolução da
criança e chamar a família ao comprometimento.

Família e profissional devem ser parceiros no


processo de intervenção. Recontratos poderão
ser realizados sempre que houver algo que esteja
inviabilizando a evolução da criança.
Anotações
79 - O que esclarecer aos pais e ao sujeito desde
o início da intervenção?

Uma das circunstâncias que julgo importante serem esclarecidas,


desde o início da intervenção, é sobre a importância da participação
da família no processo. Deverá esclarecer que o psicopedagogo não é
o único responsável pela boa evolução do sujeito e pela eliminação
dos sintomas, e que a parceria com a família será indispensável. Isto
significa dizer que a família deverá engajar-se colocando em prática
as sugestões oferecidas pelo profissional, comprometendo-se com o
trabalho de intervenção.
Nesta etapa de intervenção, trabalhamos bastante com as
atividades lúdicas por meio de jogos, dramatizações, contação de
histórias e outros instrumentos. Desta forma, deve-se esclarecer aos
pais sobre o nosso trabalho, a importância dos instrumentos que
utilizamos e a abordagem, para que não fique a impressão de que a
criança está indo ao consultório apenas para brincar e, apesar de
sabermos a importância do brincar, alguns pais não compreendem
isto como um trabalho sério e podem retirar a criança do
atendimento. Enfatizar que, por meio da ludicidade, podemos acessar
uma parte muito importante, identificando as fantasias inconscientes,
o sentir-se incapaz, os medos subjacentes no processo de
aprendizagem.
Neste início, muitos pais querem saber quanto tempo vai durar o
tratamento. É importante esclarecermos que não há um período igual
para todos e que a alta depende de todos os envolvidos para a
evolução do paciente: sujeito, família, escola e profissionais.
Com o paciente, também iremos esclarecer o que foi percebido na
avaliação e qual o plano de tratamento a seguir. A linguagem deve
ser acessível à idade da criança. Esclarecer que haverá momentos
lúdicos, mas que, às vezes, iremos trabalhar com situações mais
sistemáticas que o ajudarão a se fortalecer e evoluir no seu processo
de aprendizagem. Salientar que não somos médicos e que eles não
serão curados, pois não estão doentes. Esclarecer que também não
somos seus professores tampouco somos mágicos, fadas ou santos
que faremos as coisas melhorarem rapidamente. É preciso ser realista
chamando atenção para o engajamento e que iremos trabalhar juntos
para sua evolução.
Esclarecimentos no início da intervenção com a
família podem evitar distorções na comunicação e
eliminar fantasias depositadas no psicopedagogo.
80 - Com que trabalha um psicopedagogo na
prática?

Já mencionamos que os jogos são uma parte importante, mas não


só isso. Falaremos adiante de alguns instrumentos que usamos como
caixa de trabalho, matrizes lógicas, caixa de areia.
Também faz parte do nosso trabalho observar as ansiedades
relacionadas à aprendizagem. Muitas crianças ficam ansiosas por não
conseguirem aprender, apresentando dificuldade em alguma área:
leitura, escrita ou aritmética. Trabalhar pedagogicamente também faz
parte do nosso trabalho, sempre envolvendo a atividade lúdica.
Alguns conteúdos escolares poderão ser trazidos e iremos trabalhar
estratégias de aprendizagem para que possam assimilar melhor a
informação e desmistificar que aprendizagem é algo difícil.
Lembro-me de uma criança de seis anos e meio, cujo processo de
avaliação psicopedagógico foi bastante trabalhoso porque era uma
criança inquieta e pouco colaborativa. Não conseguia me mostrar
nada de sua aprendizagem de leitura e escrita por meio de lápis e
papel. Lembro que, em uma das sessões de avaliação, peguei as letras
do alfabeto móvel e fui pedindo a ela para que identificasse as letras.
Conseguiu identificar algumas e outras não conseguiu se lembrar. Até
que formei a palavra PATO e ela leu. Segue adiante o diálogo que
estabeleci com esta criança que chamarei de G:
G - É pato (falou sério e emburrado).
Pp - Uau! Você acertou! Você escondeu de mim que já sabia ler!
Não acredito! (Falei em tom de alegria e satisfação, sorrindo).
Ele deu uma gargalhada e me pediu que colocasse outra palavra,
desafiando-se, e então formei gato.
G - É gato (disse ele sorrindo).
Pp - Fala sério! Você conseguiu ler esta também e estava
escondendo o jogo!
Deu outra gargalhada e me pediu que formasse outra palavra.
Coloquei VELA com o alfabeto móvel. Teve um pouco de dificuldade
no V e então fiz o som com minha boca e ele gritou:
G - É V!
Pp - Isso mesmo!
Peguei algumas miniaturas de animais e continuamos brincando.
Até que terminamos a sessão, e ela me disse:
G - Hoje eu aprendi a ler. Você me ensinou! Obrigado!
E se dirigiu à mãe na recepção contando o que havia descoberto.
Em verdade, o que ele queria me dizer era: “Você teve paciência
comigo, de me ensinar brincando que é a melhor forma de eu
aprender porque a minha atenção não é muito boa. E eu descobri que
já sabia algumas coisas, só precisava que alguém me ajudasse, no meu
tempo. Todos estão muito impacientes comigo porque sou agitado, e
as coisas se tornam ainda mais difíceis para mim”.
Iniciamos a intervenção, trazendo um conteúdo pedagógico
necessário para sua alfabetização, porém sempre na ludicidade, pois
percebi que era importante para ele aprender a ler, mas não da
maneira imposta como todos estavam fazendo. Em outros momentos,
trabalhei com jogos também, pois atenção era bastante flutuante,
porém o mais importante foi ter criado um vínculo positivo com a
aprendizagem, e eu não poderia conseguir isto de outra forma que
não fosse por meio da brincadeira.
As crianças nos surpreendem em sua aprendizagem
quando investimos em uma interação lúdica e
dinâmica. Elas se sentem acolhidas e respeitadas e
assim evoluem.
81 - O que é Caixa de Trabalho e como é
utilizada?

A Caixa de trabalho é um recurso psicopedagógico, idealizado


por Jorge Visca, e mais conhecida por psicopedagogos clínicos, que
fizeram sua formação na abordagem Epistemologia Convergente.
Visca buscou inspiração na caixa individual utilizada pelos
psicanalistas com crianças. Esta caixa representa o mundo interno,
pois nela são depositadas suas fantasias inconscientes perante o
mundo.
Segundo Visca (1987), cada caixa é única, por ser manipulada
apenas por um único paciente e porque nunca serão construídas duas
caixas iguais, já que não existem dois sujeitos iguais nem dois
diagnósticos iguais. Cada uma com sua subjetividade.
Sendo a caixa de trabalho voltada para o trabalho
psicopedagógico, Barbosa (2002) destaca que a caixa tem como
objetivo promover a superação ou a redução das dificuldades de
aprendizagem.
A caixa é simples em sua aparência, mas rica em significados para
o aprendente. Nela, o sujeito depositará suas produções e
construções, como escritas, pinturas, desenhos etc., que entendemos
ser conteúdos simbólicos.
A caixa deverá ser manipulada apenas por seu dono, e o sujeito
aprenderá a ter confiança no profissional por meio do vínculo
estabelecido, que deverá garantir que ninguém irá mexer nela. Afinal,
a caixa é um depositário de conteúdo do saber e do não saber (ibid.).
O material é escolhido pelo profissional a partir do que foi
observado ao longo do diagnóstico, como afirma Visca, “cada caixa é
a réplica do seu diagnóstico” (1987, p. 29), tendo como objetivo
proporcionar a superação das dificuldades.

Ao final do diagnóstico, a caixa é preparada e apresentada ao


sujeito na primeira sessão de intervenção. Este deverá identificar sua
caixa, que normalmente é de papelão com tampa (como as
encontradas em lojas de xerox) e forrada com papel metro branco. À
criança, é permitido identificar como quiser, desenhar, escrever seu
nome, colar adesivos etc. Assim deve ser feito para que ela não
precise abrir as caixas de outras crianças, já que garantimos o sigilo.

Para a composição dos materiais, é preciso ter identificado a


modalidade de aprendizagem predominante. Crianças com
predomínio da assimilação, com maior interesse no lúdico, deverão
entrar em contato com mais materiais estruturados, como jogos de
regras e materiais semiestruturados. Nestes casos, materiais não
estruturados, como argilas e tintas, deverá haver o mínimo possível
para que não disperse do foco de intervenção, convidando-o a
experimentar mudanças por meio dos materiais estruturados. Já para
as crianças com predomínio na acomodação, que estão sempre
modificando seus esquemas e apresentam uma tendência de
copiar/imitar mais do que criar, é recomendado haver mais materiais
não estruturados do que estruturados, tendo como objetivo trabalhar
a criatividade.
Além disso, é importante levar em conta outros aspectos para a
seleção dos materiais observados no diagnóstico: estágios de
pensamento, déficits de aprendizagem, interesses e motivação, sexo,
idade, meio sociocultural, prognóstico e grau de focalização da tarefa
(VISCA, 1987).
Outros materiais deverão fazer parte da caixa: tesoura, régua, cola,
lápis, lápis de cor, borracha, apontador, revistas, cadernos, pasta,
folhas de ofício que sirvam de apoio para produção.
A utilização da caixa de trabalho tem inúmeras vantagens. Percebo
que funciona muito bem com qualquer tipo de criança, mas
especialmente com crianças ansiosas, pois, conhecendo previamente
o conteúdo da caixa, a ansiedade é reduzida, além de ajudar a
aumentar o vínculo com a aprendizagem, já que, desde sua casa,
passa a elaborar o que irá produzir quando chegar ao consultório.
Outra grande vantagem que percebo é o respeito pelo tempo da
criança. Algumas crianças rejeitam nossa sugestão por estar
demasiadamente difícil para ela, tanto em nível cognitivo quanto
emocional.
Na prática clínica é fácil observar como um sujeito submetido a situações superiores à
sua estrutura cognoscitiva responde com condutas que revelam ansiedades
confusionais, esquizoparanoides ou depressivas, com os consequentes inconvenientes
que isto provoca. (VISCA, 1987, p. 30)

O sujeito é livre para escolher dentro da sua caixa o que irá


trabalhar na sessão, isto permite, além de reduzir a sua ansiedade,
iniciar pelos objetos mais fáceis e, posteriormente, arriscando-se a
descobrir os mais difíceis para ela. Quando indicamos o objeto a ser
trabalhado, estamos fazendo a escolha por ela e não permitindo que
desenvolva e responsabilize-se por suas decisões.
É preciso sinalizar que existem algumas variáveis externas que
podem dificultar o trabalho com este material. Psicopedagogos que
realizam trabalho social, em locais com pessoas socialmente
desfavorecidas, deparam-se com dificuldades financeiras pelo custo
em comprar jogos e materiais para serem colocados dentro da caixa,
já que cada criança deve ter a sua, composta de materiais escolhidos
para ela de maneira muito particular. Isto não deve ser um
impedimento para trabalhar com a caixa, podendo ser contornado
pela construção de jogos pelo profissional.
Uma dificuldade que observo é quando o profissional divide a
sala com outros profissionais. Neste caso, a sala precisa ter espaço
suficiente para acomodá-las em um canto e deverá haver um estado
de confiança entre os profissionais, pois não devem ser mexidas por
outras pessoas.

Cada caixa de trabalho é única, por ser manipulada


apenas por um único paciente e porque nunca serão
construídas duas caixas iguais, já que não existem
dois sujeitos iguais nem dois diagnósticos iguais.
Cada uma com sua subjetividade.
Anotações
82 - Quais as funções dos jogos no trabalho
psicopedagógico?

Os jogos se prestam como instrumento de trabalho


psicopedagógico e alcançam uma grande variedade de objetivos
dentro da Psicopedagogia.

• Desenvolvimento do raciocínio lógico – os desafios que o


próprio jogo apresenta, aliados à intervenção verbal do
profissional, possibilitam que o sujeito estabeleça comparações,
relações matemáticas e desenvolva noção espaço-temporal.
Diversas situações de contagem são exigidas nos jogos quando
se tem de realizar somas para descobrir a própria pontuação.
Comparações com a pontuação do adversário são realizadas
utilizando-se da subtração para descobrir quem fez mais pontos.
Noção de posição primeiro, segundo e terceiro lugar também
são trabalhados.
• Desenvolvimento motor – alguns jogos ajudam no
desenvolvimento de habilidades práxicas, coordenação
visomotora, lateralidade, organização interna, noção de
quantidade e de força que deve ser imprimida no objeto
(MACEDO, 2000). São inúmeros os jogos que se prestam a
desenvolver estas funções. O jogo Jenga é um bom exemplo.
Trata-se de uma torre construída com peças de madeira. O jogo
começa quando um jogador, na sua vez, tenta retirar uma peça e
colocá-la no topo da torre, procurando manter o controle motor
para não a derrubar. A regulação do tônus, o controle da força e
a praxia são habilidades bastante exigidas. A atenção e o
raciocínio também são recrutados, já que não se pode tirar
qualquer peça, devendo ser especialmente escolhida.
• Socialização – aprender a esperar, respeitar o tempo do outro,
aprender a conviver, observar o adversário e com ele descobrir
novas formas para se alcançar a vitória são benefícios que os
jogos proporcionam. Em geral, as crianças aprendem
rapidamente que devem respeitar a vez do outro, e aquela que
tenta quebrar esta regra social, logo é chamada atenção e
obrigada a assumir uma nova postura para permanecer no jogo.
Os limites são dados pelos próprios participantes, e a criança
imatura no comportamento vai desenvolvendo maior controle
inibitório.
• Antecipação e planejamento – antecipar uma jogada
mentalmente exige um pensamento abstrato e se constitui em
planejamento mental. Algumas crianças ansiosas e impulsivas são
movidas pela impulsividade da ação e não realizam o
planejamento acarretando más jogadas. Antecipar a jogada é
também se colocar no lugar do outro, pensando nas
possibilidades de jogadas do adversário, e esta condição só é
alcançada quando a criança supera o egocentrismo, próprio da
fase pré-operatória.
• Flexibilidade cognitiva – muitos jogos favorecem o
desenvolvimento desta habilidade que faz parte das funções
executivas. Aprender a flexibilizar o pensamento será muito útil
para diversas situações na aprendizagem acadêmica. Um
pensamento rígido é pouco produtivo para perceber as diversas
possibilidades que a situação impõe. Alguns indivíduos com
transtornos do neurodesenvolvimento, como autismo, TDAH e
outros transtornos mentais, apresentam dificuldades com esta
habilidade. Alguns jogos estimulam o desenvolvimento da
flexibilidade cognitiva, uma vez que favorecem a percepção de
que a maneira como se está jogando não está funcionando,
sendo necessário mudar a estratégia, para alcançar a vitória.
Favorecem ainda adaptar-se rapidamente a novas situações, por
meio da jogada do outro. A depender de como o adversário
jogue, ele desconstrói totalmente sua jogada planejada e é
obrigado a flexibilizar o raciocínio para pensar em uma nova
estratégia.
• Tomada de decisões – para algumas pessoas, é difícil analisar e
realizar escolhas dentre algumas alternativas. Às vezes, é um
verdadeiro sofrimento decidir para qual caminho seguir, pois
temem que sua decisão não seja a mais assertiva. Neste sentido,
tomar uma decisão exige responsabilizar-se e assumir as
consequências dos erros. No jogo, o sujeito acaba percebendo
que, nem sempre, tomará as melhores decisões e perceberá, a
cada jogada errada, que não deve repeti-la posteriormente.
Escolher significa abandonar as outras opções, e este conflito
nem sempre é fácil de se lidar, pois envolve um sentimento de
perda. Com o tempo, o sujeito passa a perceber que um bom
planejamento possibilita melhores decisões, mas que ainda assim
não é garantia de sucesso absoluto, pois deve considerar que a
decisão do outro poderá mudar totalmente sua jogada, exigindo
maior flexibilidade cognitiva.
• Tolerar frustração – muitas crianças emocionalmente
comprometidas apresentam dificuldades em aceitar que
perderam e manifestam sua frustração por meio de birras, choro,
agressividade verbal ou física, bagunçam o jogo, derrubam
peças, quebram regras. No conhecido jogo de cartas, rouba
monte, por exemplo, algumas crianças entendem que estamos
tirando dela algo que ela conquistou e não aceitam que seu
monte seja levado embora. São crianças que já passaram por
muitas perdas afetivas e sentem dificuldades em lidar com mais
perdas. À medida que o jogo evolui, a criança vai flexibilizando e
percebendo que o adversário também perde, que faz parte do
jogo, e, neste movimento de perder e ganhar, a criança vai
fortalecendo-se.
• Registro – aprender a registrar a quantidade de pontos que
conquistou, ao final do jogo, é um processo que envolve
organização e deve ser construído pela criança. As anotações são
úteis para continuidade do jogo em outro momento e permite,
segundo Macedo (2000), a reconstrução fidedigna do que
aconteceu, em qualquer momento que se deseje consultar.
• Persistência – à medida que repetimos o jogo, a criança vai
fortalecendo-se e observamos o desenvolvimento da
persistência. Nasce o desejo de superar-se e superar o outro. O
que antes era visto como imposição externa, passa a ser um
desejo interno de aprimoramento. Crianças com autoestima
rebaixada são pouco persistentes, é como se antecipassem a
derrota e pensam que seria melhor não se arriscar. Esta é a
importância de não trocarmos de jogos com frequência. A
criança ao jogar o mesmo jogo, várias vezes, vai descobrindo
novas possibilidades e colocando em prática o que lhe ocorreu
no campo mental.
• Análise das jogadas – o profissional deverá ser aquele que
convida a criança ou o adolescente a refletir e analisar as
consequências das jogadas. Macedo refere-se às situações-
problema como sendo:

[...] desafios relativos à prática do jogo em que a criança é convidada a analisar suas
ações ou rever fragmentos da partida previamente selecionados pelo adulto. (2000, p.
26)
A escolha dos jogos não deve ser aleatória. Os jogos são
escolhidos previamente e devem ser concernentes às demandas
daquele sujeito, especificamente, a partir das necessidades observadas
durante o diagnóstico. Os jogos podem ser guardados na caixa de
trabalho (veja questão 81) ou podem permanecer na estante, mas a
escolha do jogo deve ser condizente com a demanda.
Os jogos se prestam a inúmeras possibilidades
de intervenção, podendo auxiliar na estimulação
cognitiva, afetiva, comportamental e social.
83 - Como se dá o atendimento psicopedagógico
com idosos e qual sua importância?

A Psicopedagogia trabalha com dificuldades de aprendizagem em


qualquer idade. Ainda há pouca divulgação sobre o trabalho
psicopedagógico com a terceira idade, mas já existem profissionais
dedicando-se a este público e realizando um trabalho bastante
efetivo, com o objetivo de realizar estimulação cognitiva, já que nesta
idade ocorre um declínio em níveis variados, de memória, atenção,
raciocínio e psicomotricidade.
Recebi um relato de um profissional que estava realizando
estimulação cognitiva em sua mãe, que tinha Alzheimer, utilizando o
Jogo PREFEX (Programa de Reabilitação das Funções Executivas e
outras habilidades) e o livro “Atividades Neuropsicopedagógicas”,
ambos de minha autoria. Emocionado, ele me dizia como conseguiu
frear um pouco os avanços da doença, e que os médicos notaram
significativa melhora, não de reverter o Alzheimer, mas de não evoluir
tão rapidamente como vinha acontecendo. Naturalmente, fiquei
emocionada com o relato, porque inicialmente o material não foi
pensado para esta faixa etária, mas saber que profissionais têm
adaptado recursos para trabalhar com esta idade causou-me grande
satisfação. Como sabemos, o Alzheimer não tem cura, mas
estimulações tanto da cognição quanto atividades físicas conseguem
amenizar os danos causados por esta doença.
https://www.evaluate.com/vantage/articles/news/corporate-strategy/novo-takes-plunge-alzheimers

Estimulação por meio de jogos reduz a ansiedade e são excelentes


para que idosos consigam ocupar-se com atividades lúdicas e
prazerosas, ativando neurotransmissores responsáveis pela sensação
de bem-estar e melhora dos processos cognitivos. Jogar está
relacionado a prazer, envolve, portanto, emoção, o que permite a
ativação do sistema límbico, que ativa a liberação de dopamina. A
dopamina está relacionada à aprendizagem, pois melhora o
funcionamento da área pré-frontal melhorando, por conseguinte, os
processos atencionais. Gentile (2005) explica que jogos e brincadeiras
ativam o sistema límbico, ocorrendo a liberação de
neurotransmissores facilitando o armazenamento e a recuperação de
informações guardadas.
Ao trabalhar com idosos, envolvendo situações lúdicas, seja com
jogos, cantos, conto de histórias, artesanato, música, estaremos
promovendo a plasticidade cerebral. O cérebro, quando estimulado,
aumenta as conexões neurais e propicia o desenvolvimento das
capacidades cognitivas, viabilizando o surgimento de novas sinapses
e a construção de redes neuronais.
O psicopedagogo poderá atender tanto no seu espaço em
consultório quanto na residência do idoso, ou mesmo em casas de
abrigo de idosos.
A estimulação cognitiva no idoso proporciona
benefícios que podem retardar o declínio cognitivo
natural, aliado à prática de atividade física, boa
alimentação e cuidado emocional.
84 - O que é Projeto de trabalho?

Projeto de Trabalho é um recurso idealizado pela psicopedagoga


Laura Monte Serrat Barbosa e se constitui em um instrumento de
intervenção psicopedagógica que propõe a superação da inibição da
aprendizagem. A proposta do Projeto de Trabalho iniciou-se a partir
de seus estudos sobre Método de Projeto, criado por William Heard
Kilpatrick, que tinha como objetivo desenvolver o espírito de
pesquisa envolvendo a utilização de várias disciplinas e os estudos da
Escola Ativa estudados por Piaget e Freinet. Tais estudos
relacionavam-se ao processo de ensino e aprendizagem, que
deveriam envolver o interesse do aluno, sua ação, reflexão, em um
trabalho intelectual, artístico e de comunicação (BARBOSA, 1998).
A proposta do projeto de Trabalho na Psicopedagogia
proporciona o desenvolvimento da habilidade de planejamento, por
meio de situações que o aproximem das situações de aprendizagem.
Ao final, o aprendiz deverá avaliar se tudo saiu conforme o planejado,
e o psicopedagogo deverá observar se o projeto foi eficiente no
auxílio à superação das dificuldades.
O Projeto de Trabalho envolve vários aspectos como a integração
de diversas áreas do conhecimento, desenvolvimento de habilidades
metacognitivas, busca de conhecimentos prévios para a execução,
desenvolvimento da criatividade, utilização de leitura e escrita,
avaliação dos resultados.
Barbosa (ibid.) relata que o que a motivou a criar este projeto foi a
dificuldade que sentia em trabalhar com crianças com dificuldades de
aprendizagem, de toda ordem, devido a uma enorme desmotivação
por parte delas. Como ela, todos nós, psicopedagogos, passamos por
esta situação e procuramos buscar recursos variados para ajudar o
sujeito a superar suas dificuldades.
Quando estamos diante de uma criança com dificuldades de
leitura e escrita, que se recusa a ler e escrever, é improdutivo colocar
situações que a forcem e que não partam do seu desejo. A maioria
dos profissionais lança mão de jogos pedagógicos com letras, sílabas
e palavras para estimular a criança. Isso é válido, mas percebemos que
não funciona para todos. A criança que se sente desmotivada precisa
de algo mais, e a proposta é despertar nesta criança o desejo.
Barbosa sugere inicialmente um procedimento que ela chama de
“Painel do que eu gosto”, no qual o sujeito terá oportunidade de
lembrar e registrar todas as coisas de seu interesse. A partir daí,
escolhe-se o objeto do Projeto de Trabalho e ambos, aprendiz e
psicopedagogo, buscarão informações para sua confecção. Nesta
busca, ocorrerão, naturalmente, situações em que o sujeito precisará
ler, algumas vezes em alternância com o profissional, e que precisará
escrever registrando o que será necessário para a produção.
Diversos projetos podem ser criados envolvendo a construção de
um livro de poesia, a construção de um avião com sucatas, construção
de algum jogo que já é de conhecimento público como damas,
xadrez, construção de um jogo com regras criadas pelo sujeito,
construção de um teatro com fantoches, e muitas outras criações que
partam do desejo.
Trabalhar com o Projeto de Trabalho11 favorece o
desenvolvimento da metacognição, motricidade, atenção, percepção,
memória, auxiliando a autorregulação e o desenvolvimento das
funções executivas cognitivas, como planejamento, organização,
tomada de decisões, flexibilidade cognitiva, memória de trabalho,
bem como trabalhar com leitura, escrita, cálculo, criatividade,
autonomia, desejo de busca por informações. Tudo isto leva o sujeito
a desenvolver um vínculo afetivo com a aprendizagem, pois estará no
exercício de autor do seu conhecimento.

Não confunda projeto de trabalho com caixa de


trabalho. Ambos são instrumentos de intervenção
psicopedagógica, mas, apesar de terem objetivos
similares, que é despertar no sujeito o gosto
pela aprendizagem, eles possuem apresentações
diferentes.

11Para conhecer mais, sugiro a leitura do livro “Projeto de Trabalho: uma forma de atuação
psicopedagógica”. Autora: Laura Monte Serrat Barbosa, Editora Mont.
85 - O que é psicodrama e como é possível usá-lo
na clínica psicopedagógica?

Segundo Fernández (2001), o psicodrama permite ao sujeito


construir o passado e reconhecer-se nele, dando-se conta, no
presente, das situações cujos obstáculos foram transformados em
impedimento. Para a autora, a dramatização das cenas favorece o
trabalho de autoria, na medida em que, quando o outro interpreta a
sua história, ela deixa de ser propriedade privada do relator inicial da
história, o que permite que este se coloque como autor de sua
própria cena e saia do lugar de objeto passivo do sofrimento.
Quando situações não elaboradas são colocadas em cena, a
tendência é que tais situações patológicas percam força e sejam
transformadas em potência criativa.
A autora afirma que o psicodrama produz uma potência
recordativa que é ao mesmo tempo uma potência reconstrutiva e
uma potência construtora de autoria de pensamento. Enquanto no
teatro a cena está montada antes de ser relatada, no psicodrama,
diferentemente, a cena é construída a partir da recordação permitindo
a evocação desta autoria.
Visca chama a técnica dramática de “rol playing” que permite
trazer para o presente situações passadas e futuras e ocupa um lugar
importante dentro da atuação psicopedagógica, já que permite a
revisão do que foi feito e do que será feito. O autor relata algumas
situações em que utiliza a técnica:
[...] percepção parcial da situação; negação do passado; falta de antecipação da
situação futura; preparação para uma situação futura; falta de vivência para
compreender um conteúdo. (VISCA, 1987, p. 100)
Utilizo o recurso do psicodrama também em situações que o
sujeito parece perceber apenas o seu lado da situação. Vejamos um
exemplo: Quando os pais se queixam que seu filho ou filha, criança ou
adolescente está conversando muito em sala de aula e que têm
recebido frequentes reclamações dos professores, eu o questiono
diretamente sobre o assunto. Muitos não conseguem perceber como
seu comportamento afeta a classe e seu rendimento escolar.
Proponho um jogo de dramatização, onde eu sou a aluna (que
conversa muito) e meu paciente é o professor. Preparamos o
consultório como uma sala de aula, com quadro branco, piloto,
caderno, livros etc. Peço ao meu paciente que eleja o tema da sua
aula, que fica a seu critério. Após a escolha, ele fará o papel de
professor. Eu e algumas almofadas representaremos os alunos. Ao
iniciar sua explicação eu me comporto conversando com a almofada,
dando risada, olhando para trás e é nítido o incômodo do “meu
professor”. Seguimos com a atuação, ele me chamando atenção e eu
conversando. Após a dramatização, conversamos sobre o que
aconteceu, o que percebeu, como é estar no lugar de um professor
que tenta dar aula e os alunos não permitem.
Não se trata aqui de educar a criança para que ela fique
“quietinha” na sala, mas de que este momento seja um disparador de
um estado de consciência para que perceba como seu
comportamento pode prejudicá-la e prejudicar outros colegas. Mas
também é um momento de compreendermos o porquê da sua
agitação, na medida em que ela pode dar-se conta de que talvez a
explicação do professor esteja muito difícil para ela, ou que alguma
outra questão a incomode ou lhe tira a atenção. Abre-se espaço para
escuta de um problema bastante subjetivo.
A dramatização, segundo Visca, permite que “[...] vivam
ativamente o que sofreriam passivamente, ou também que tomem
consciência dos fenômenos interpsíquicos ou intrapsíquicos” (1987, p.
101).
Jogos de dramatização representando situações familiares são
úteis para compreendermos o papel atribuído ao nosso aprendente
no contexto familiar.
Devido às limitações na linguagem, a maioria das crianças
apresenta dificuldades em relatar situações de maneira descritiva e a
dramatização possibilita a participação do corpo, além da linguagem,
neste jogo que permite inúmeras descobertas, inclusive a
autodescoberta ou autoconhecimento. A criança sai do papel passivo
para o papel ativo, tomando a fala do outro para si, o que permite
relacionar ideias e organizar-se. Neste jogo, torna-se autor e agora é
possível falar sobre o que foi abafado, o que não pôde ser dito nem
elaborado.

Colocar em cena o corpo e a linguagem favorece a


redução de situações patológicas, transformando a
crise em criatividade.
86 - O que é o jogo de areia? Como pode ser
utilizado no consultório de Psicopedagogia
clínica?

Jogo de areia ou Sandplay é um método psicoterapêutico, não


verbal, com características psicodramáticas, desenvolvido inicialmente
por analistas junguianos (FRANCO e PINTO, 2003). É chamado de jogo
de areia, pois o trabalho é realizado utilizando-se como recurso uma
caixa de areia e miniaturas variadas, que são utilizadas para
representar cenas, favorecendo a abordagem de assuntos diversos.
Uma das precursoras que temos conhecimento é a pediatra
Margaret Lowenfeld, nascida em Londres. Em 1929, deixou seu
trabalho em hospitais e criou umas das primeiras clínicas psicológicas
em Londres para trabalhar com crianças com problemas emocionais
mais graves. Inicialmente, seu trabalho era com caixas contendo
objetos diversos e somente um ano depois iniciou o trabalho com a
caixa de areia, mas não utilizava o nome Sandplay, pois este foi mais
tarde adotado por Dora Kalff, analista suíça. Utilizava uma bandeja de
zinco contendo água e outra contendo areia (ANDION, 2010). Esta era
uma experiência bem aceita pelas crianças por ser ludicamente
atrativa, possibilitando a expressão de seus sentimentos e emoções,
sem necessariamente usar a fala.
Lowenfeld, a partir da caixa de areia, conseguia identificar o
estado psíquico destas crianças e o que se passava em seu mundo
interno. Em 1930, sua clínica ChildInstitute Psychologic passou a se
chamar Centro de Pesquisas e Treinamento, onde proporcionava
formação para outros psicoterapeutas infantis.
Lowenfeld realizou apresentações internacionais e, em uma delas,
em 1937, apresentou sua técnica chamada World Technique ou
Técnica dos Mundos, sendo assistida por Carl Gustav Jung. Em outra
apresentação, em 1954, foi assistida por Dora Kalff, discípula de Jung,
que se interessou imensamente pela técnica, partindo para Londres
para estudar com Margaret Lowenfeld.
Dora Kalff estudou a caixa de areia entre 1954 e 1956 e observou
que este era um excelente recurso para que as crianças pudessem
expressar-se livremente e liberar as resistências. Após este período,
realizou adaptações, com o apoio e as as sugestões de Jung e criou
então um método chamando Sandplay, com orientação junguiana.
Para Kalff, a caixa de areia é um lugar livre e, ao mesmo tempo,
protegido. O sujeito tem a liberdade de criar qualquer cena na caixa
de areia, mas é também limitado oferecendo uma sensação de
segurança e proteção na situação terapêutica (ANDION, 2010).
Embora inicialmente ela tenha sido idealizada para trabalhar com
crianças com conflitos emocionais, e continua sendo utilizada por
muitos psicólogos e terapeutas junguianos, passou também a ser
utilizada por psicopedagogos em situações específicas para trabalhar
as relações de aprendizagem.
Uma das funções do atendimento psicopedagógico é trabalhar os
vínculos do sujeito com a aprendizagem. A caixa de areia é um ótimo
recurso na medida em que o psicopedagogo poderá solicitar
representações, com temas dirigidos, intencionando trabalhar os
vínculos. Há uma dimensão emocional no ato de aprender ou na
recusa em aprender. As crianças conseguem expressar-se com mais
facilidade quando utilizam recursos lúdicos, e a caixa de areia
proporciona esta interatividade entre sujeito e aprendizagem.
A caixa tem formato retangular, geralmente feita de madeira, com
dimensões em média de 72cm de comprimento, 50cm de largura e
7,5cm de profundidade. O fundo é pintado de azul-claro para
favorecer a fantasia de água ao fundo (AMMANN apud FRANCO e
PINTO, 2003).
Disponibilizam-se miniaturas variadas que representem o que há
no universo: pessoas de diferentes raças, pessoas vestidas de
profissionais diversos, pessoas de diferentes idades, personagens;
figuras religiosas; figuras mitológicas; animais diversos; natureza:
vegetação, pedras, conchas, árvores; utensílios domésticos; móveis;
castelos; igrejas; diferentes meios de transportes; moradias; pontes;
parque infantil; cercas; objetos de aprendizagem etc.
Por intermédio da construção simbólica, o sujeito vai delineando
entendimentos acerca de sua subjetividade e da compreensão do ser-
estar no mundo. As miniaturas servem como representação simbólica
de situações imaginadas ou representações de acontecimentos reais
em sua vida. Portanto, são ferramentas de expressão e projeção que
serão escolhidas pelo sujeito para representar cenários, por meio do
qual poderão emergir conteúdos inconscientes.
A caixa de areia como recurso psicopedagógico também poderá
ser utilizada para trabalhar alfabetização, consciência fonológica por
meio das miniaturas, construção de histórias, produção de texto a
partir da cena representada, classificação, inclusão de classes, seriação,
noções de quantidade, de volume, de distância, lateralidade etc.
É benéfica para trabalhar planejamento e execução, flexibilidade
cognitiva, orientação espacial, organização, percepção.
Além de todos esses benefícios, há uma dimensão significativa
com o construir, dar forma a algo, transformar, modelar. O que era
apenas um monte de areia passa a ter uma construção que vai se
moldando, crescendo e se transformando. As crianças ficam muito
entusiasmadas pelo que conseguem construir, mesmo aquelas
chamadas pelos pais de desorganizadas. É incrível como conseguem
ser organizadas nas suas produções, tendo muito cuidado na escolha
dos objetos e no posicionamento das miniaturas.
A narrativa sobre as angústias diante do processo de não
aprender, sobre as dificuldades enfrentadas, poderão ocorrer
naturalmente, e é parte importante do trabalho psicopedagógico.
Deixo a caixa de areia exposta na minha sala, em cima de uma
bancada, porém com as miniaturas guardadas na estante.
Utilizo a caixa de areia, também durante o diagnóstico
psicopedagógico, em algumas destas situações abaixo:
a) quando o sujeito se recusa a desenhar revelando condutas
evitativas com o material escolar (lápis e papel) ou quando se
recusa por autodepreciação respondendo com evasivas (“Não sei
o que desenhar”, “Não sei fazer”). Pode acontecer também de
atender à solicitação do avaliador para desenhar alguns temas e
recusar-se em outros, revelando aspectos de negação e um ego
fragilizado que sente sua integridade ameaçada e atacada. Nestes
casos, faço o registro da recusa em desenhar e proponho a
representação na caixa de areia. A produção é, muitas vezes,
altamente reveladora;
b) quando apresenta uma dispraxia grave ou lesão nas mãos que a
impede de segurar o lápis para desenhar;
c) com crianças hiperativas, que se cansam rapidamente,
possibilito o contato com a caixa de areia para alguma produção
livre, para depois continuarmos a avaliação com outros
instrumentos. É um momento lúdico que ajuda a fortalecer o
vínculo com o paciente.

Os benefícios do trabalho com a caixa de areia


ultrapassam as fronteiras da terapia junguiana.
É um excelente recurso lúdico de intervenção
psicopedagógica para estimular a aprendizagem.
87 - O que é metacognição e qual a sua
importância no processo de aprendizagem?

A metacognição está diretamente relacionada ao


autoconhecimento, auto-observação, ou seja, perceber-se em seu
processo de aprendizagem. Estas habilidades exigem autonomia e
devem ser estimuladas no ambiente familiar e escolar. Estes ambientes
devem ser facilitadores deste processo de autoconhecimento,
possibilitando o sujeito refletir, pensar, analisar e perceber se há
necessidade de introduzir mudanças naquilo que não está
funcionando bem.
Podemos entender então que metacognição é o conhecimento
sobre o nosso conhecimento, é o pensar sobre o pensar. Flavell (apud
PORTILLO, 2006), especialista em psicologia cognitiva infantil, foi um
dos primeiros a utilizar o termo no início da década de 70. Ele refere
metacognição como o conhecimento que uma pessoa tem sobre seus
próprios processos cognitivos, como o reconhecimento das
informações que são relevantes para a aprendizagem. É essencial que
a metacognição seja aplicada quando temos dificuldades para
aprender algo.
Metacognição está diretamente relacionado às funções executivas,
na medida em que o indivíduo necessita perceber, avaliar, regular e
organizar os próprios pensamentos, a fim de direcionar o
comportamento para alcançar um objetivo.
Burón (apud PORTILLO, 2006) refere-se à metacognição como o
“conhecimento e a regulação de nossas próprias cognições e nossos
processos mentais”, chamado de conhecimento autorreflexivo.
Segundo Barbosa (2003), crianças, adolescentes e adultos com
dificuldades de aprendizagem apresentam falhas metacognitivas, tais
como:

• dificuldades para aprender a estratégia necessária para a


realização de determinada tarefa;
• dificuldades para generalizar a estratégia aprendida;
• dificuldades para selecionar e colocar em prática a estratégia
mais apropriada;
• dificuldades para aplicar a estratégia aprendida em uma nova
situação;
• dificuldades para mudar de estratégia conforme exigência do
problema;
• dificuldades em analisar um problema sob diferentes pontos de
vista.

A metacognição, no processo de aprendizagem, possibilita o


sujeito avaliar as variáveis que estão dificultando o alcance de seus
objetivos. Avaliar envolve a autorreflexão e monitoramento dos
próprios pensamentos e comportamentos no desempenho de tarefas.
Este automonitoramento leva o sujeito a um processo de
conscientização e controle de suas ações direcionadas ao alcance dos
propósitos estabelecidos.
Faz parte do trabalho psicopedagógico auxiliar o sujeito neste
processo de conscientização, levando-o a aprender a monitorar os
pensamentos e comportamentos que estejam atrapalhando seus
estudos, ajudando-o a criar estratégias para cumprir rotinas de
estudo, horários, tempo de dedicação, divisão de tarefas, perceber a
disciplina escolar que deve investir mais tempo de estudo, perceber
sua modalidade de aprendizagem e quais recursos deverá utilizar
para alcançar as metas.

Como recurso auxiliar para estimulação do desenvolvimento da


metacognição, o psicopedagogo pode utilizar este livro em forma de
caixinha, de minha autoria, “Aprendendo a Aprender”12, Editora
Matrix, contendo 100 perguntas disparadoras para reflexão sobre
situações envolvendo a aprendizagem.

Metacognição está diretamente relacionado às


funções executivas, na medida em que o indivíduo
necessita perceber, avaliar, regular e organizar
os próprios pensamentos, a fim de direcionar o
comportamento para alcançar um objetivo.
12 À venda em loja.psicopedagogiabrasil.com.br e em outros sites ou na própria editora.
88 - O que é Consciência fonológica e como este
trabalho pode ser realizado?

Consciência fonológica é a habilidade em perceber tanto


características sonoras das palavras, tais como: tamanho, diferenças e
semelhanças, como para isolar, manipular e segmentar fonemas e
sílabas. Existe, portanto, uma consciência de que a fala pode ser
segmentada e, a partir daí, a criança vai adquirindo a capacidade de
manipular estes segmentos (CAPOVILLA e CAPOVILLA, 2000).
Esta habilidade vai desenvolvendo-se à medida que a criança
entra em contato com a língua, tomando consciência do seu sistema
sonoro, ou seja, das unidades identificáveis como palavras, fonemas e
sílabas.
As habilidades de análise silábica parecem desenvolver-se
naturalmente, enquanto as habilidades de análise e manipulação
fonêmica exigem contato com o código escrito, sendo resultado do
processo de alfabetização. Para o domínio da escrita alfabética, é
importante a habilidade de análise de segmentação fonêmica, que
inclui regras de associação entre grafema e fonema, e para que os
fonemas possam ser representados por meio das letras, é necessário
isolá-los (MALUF e BARRERA, 2003).
Quando pré-escolares começam a desenvolver a capacidade de
manipular elementos fonológicos, sendo ou não por instrução direta,
as habilidades metafonológicas vão desenvolvendo-se. Por este
motivo, é importante que o trabalho de consciência fonológica seja
direcionado e ensinado de maneira explícita aos alunos em processo
de alfabetização (PINHEIRO et al., 2013).
É por volta dos três aos quatro anos que esta habilidade começa a
se desenvolver, quando a criança passa a se tornar mais sensível às
regras fonológicas da língua, reconhecendo rimas e aliterações. Por
volta dos seis anos, a criança já está com esta habilidade bastante
desenvolvida, principalmente quando exposta a poesias e cantigas
com rimas e a outras atividades que envolvam tarefas de consciência
fonológica.
Este desenvolvimento depende de diversos fatores como
adequada cognição, acuidade auditiva preservada e exposição à
estimulação da linguagem. Isto significa que, se a criança apresentar
dificuldades em alguma destas áreas, a aprendizagem poderá ser
lenta ou comprometida, sendo necessário treino mais intenso.
Quando recebemos uma criança, em consultório, na idade de seis
anos, por exemplo, com queixa de dificuldades na aprendizagem das
letras e que não está conseguindo acompanhar o ritmo da classe, uma
das primeiras avaliações que devemos fazer é a da consciência
fonológica.
Há evidências de que algumas habilidades de linguagem oral, como consciência
fonológica, consciência sintática, vocabulário, memória fonológica e nomeação são
importantes indicadores de distúrbios de linguagem, bem como importantes
preditores do desempenho posterior em leitura e escrita. (SEABRA e DIAS, 2012, p.19)

Estudos mostram que disléxicos apresentam dificuldades no


componente fonológico, e o mais agravante é que as dificuldades de
consciência fonológica são muitas vezes identificadas tardiamente
(SILVA, 2013), levando a uma série de dificuldades e sofrimento na
aprendizagem da leitura e escrita. A aplicação de tarefas de
consciência fonológica na pré-escola facilita a identificação precoce
de problemas de identificação, e um treinamento poderá ser realizado
para que os impactos na alfabetização sejam reduzidos ou sanados.
São crianças de risco para diagnóstico de dislexia aquelas que
apresentam baixo desempenho em tarefas fonológicas.
[...], apesar de o deficit na linguagem escrita ser um critério fundamental para o
diagnóstico, a principal característica causal da dislexia está relacionada a distúrbios
da linguagem oral, mais especificamente a distúrbios de processamento fonológico,
ou seja, a alterações na decodificação dos sons.

Desta forma, é necessário que as escolas compreendam que tal


verificação deverá ser realizada antes de a criança chegar ao período
da alfabetização, uma vez que, identificado antes, é possível introduzir
tarefas que irão estimular o desenvolvimento de tais competências.
De acordo com Silva (2013), um programa de intervenção deve
incluir estímulo da percepção sonora em tarefas de atividades
suprafonêmicas (rimas e aliterações), aprendizagem das letras do
alfabeto relacionando grafema e fonema, atividades envolvendo
sílabas e fonemas, manipulação, análise e síntese dos fonemas. O
trabalho deve ser frequente e sistemático, envolvendo memorização,
percepção dos fonemas e a letra correspondente e o
desenvolvimento da ampliação lexical para acesso rápido à
informação.
Algumas tarefas da avaliação da consciência fonológica são
difíceis para crianças que apresentam prejuízos na memória de
trabalho, um dos componentes das funções executivas e que,
geralmente, está prejudicada em pessoas com TDAH. Por exemplo,
exercícios de transposição fonêmica ou silábica exigem que a criança
manipule mentalmente os fonemas ou as sílabas e os coloque de trás
para frente, exemplos: VELA – LAVE (em nível da sílaba) e SOFÁ –
AFOS (em nível do fonema). Tal tarifa exige que a criança trabalhe
mentalmente a informação e, por isso, é chamada de memória de
trabalho ou operacional. Pode ocorrer de, em uma avaliação, a criança
ir bem em todas as tarefas de consciência fonológica e não ir bem nas
de transposição. Portanto, é possível que suas dificuldades não
estejam relacionadas necessariamente a dificuldades na consciência
fonológica, devendo ser avaliada de forma mais cuidadosa,
considerando prejuízos na memória de trabalho.

Quanto mais cedo for introduzido um programa


de intervenção precoce, com instrução da
consciência fonológica combinadas com o ensino da
correspondência grafema e fonema, mais chances
de reduzir as dificuldades futuras na aprendizagem
da leitura e escrita.
Anotações
89 - Como a escola pode auxiliar o trabalho
psicopedagógico?

Talvez esta seja uma das partes mais trabalhosas da nossa


profissão. Enquanto algumas escolas se disponibilizam a ajudar no
que for preciso, ainda percebemos de outras, certa resistência ao
trabalho psicopedagógico.
Nem nós, psicopedagogos, nem as escolas somos detentores do
“saber como fazer”. Esta deve ser uma relação de apoio mútuo, onde
ambas as partes deverão estabelecer um diálogo franco, aberto, de
parceria e de respeito. Não há uma receita pronta. O que há são
sugestões que podem ser colocadas em prática para observarmos
juntos se funcionam ou não para aquele sujeito especificamente.
A escola é uma instituição capacitada para promover o
conhecimento e se utiliza de diferentes formas, lúdicas e/ou
tradicionais para os alunos alcançarem este objetivo. Observamos,
porém, que o ensino é o mesmo para todos os alunos, sem que haja
uma adequação aos diferentes estilos de aprendizagem ou aos
diferentes transtornos. Aqueles que não conseguem acompanhar, vão
ficando para trás, enquanto os demais avançam.
Professores sinalizam dificuldades metodológicas, estruturais e
temporais para o ensino diferenciado. Em função de leis de inclusão,
têm sido oferecido apoio para que estes alunos não sejam
prejudicados por não conseguirem acompanhar o ritmo de
aprendizagem dos demais.
Alunos com transtornos de aprendizagem, sem apoio, podem
sofrer graves prejuízos:
• Primeiro, porque há uma discriminação inicial, já, que em um
primeiro momento, o atraso é quase sempre encarado como
“preguiça”. Após várias tentativas, sem sucesso na aprendizagem,
estes alunos vão sentindo-se desmotivados e passam a falsa
impressão de não se importar. Na verdade, estes alunos se
importam, e muito, sofrem, justamente por não conseguirem
corresponder às expectativas dos pais, dos professores, além do
sofrimento ao se compararem com os colegas. Aqueles que têm
um ou mais Transtornos do Neurodesenvolvimento, como TDAH,
Transtorno Específico de Aprendizagem, Autismo, Transtorno de
Linguagem, podem apresentar comportamento agressivo ou
apático, ou até mesmo haver uma evolução do quadro para
outros transtornos mentais.

• Segundo, porque o transtorno específico da aprendizagem


existe em níveis diferentes e de diferentes tipos, o que exige da
escola diferentes abordagens. Já ouvi de algumas escolas que os
professores não ganham um valor extra para fazer provas
diferenciadas; já ouvi de uma coordenadora que este não é um
aluno que interessa à escola, pois é muito trabalhoso fazer
provas diferenciadas. Neste caso, ela não tem muita opção em
aceitar ou não aceitar, porque existem leis que garantem a
permanência destes alunos na escola, mas observo que o
desgaste é tão grande que a família acaba tirando o filho da
escola, na esperança de encontrar outra que esteja mais
disponível a compreender o problema e a colaborar.
Estamos falando de crianças inteligentes, mas que
[...] podem, porém, não apresentar resultados escolares satisfatórios, provavelmente
porque a metodologia pedagógica não se adapta às suas necessidades peculiares. [...]
O professor em geral deve ter consciência do problema, na medida em que tem de
contar sempre com 10% das crianças da sua classe com problemas de aprendizagem.
(FONSECA, 1995, p. 23)

O trabalho psicopedagógico não deve ser solitário, restringindo-


se ao atendimento no espaço clínico, mas deve ser altamente
comunicativo e dialógico com os mais diferentes profissionais que
atendem a criança, com os pais e com a escola.
O diálogo com a escola é peça fundamental do nosso trabalho.
Percebemos evolução quando nos colocamos como parceiros e
disponíveis para escutar e opinar, e quando a escola também se
coloca disponível para escutar, acatar sugestões ou mesmo
argumentar sobre alguma sugestão trazida pelo psicopedagogo para
discutirem juntos.

Não existe trabalho psicopedagógico sem parceria


com a escola e a família. Todos trabalharão
juntos auxiliando o sujeito na superação das suas
dificuldades.
90 - O que é disgrafia e como o psicopedagogo
pode ajudar?

Disgrafia é um distúrbio de escrita caracterizado por uma letra


defeituosa e de difícil compreensão em pessoas que não apresentam
déficit intelectual. Este transtorno da escrita pode estar relacionado a
transtornos psicomotores, as chamadas dispraxias, mas podem
acometer pessoas sem problemas psicomotores maiores, cujas
dificuldades podem refletir somente na escrita. As dificuldades da
escrita também podem estar relacionadas à:
• má postura por falta de desejo: debruçar-se sobre a mesa pode
ser sinal de fadiga, desânimo, desmotivação, vínculo inadequado
com a aprendizagem. Muitas crianças com TDAH apresentam
dificuldade em se manter concentrada por um período mais
prolongado de tempo, cansando-se rapidamente. Crianças que
não foram estimuladas desde cedo a ler e a entrar em contato
com situações que exigem maior tempo de concentração podem
sentir-se fadigada diante das exigências acadêmicas.
É fácil reconhecer estas crianças: elas podem deitar-se totalmente
sobre a mesa, podem sentar-se na cadeira com o corpo afastado
da mesa, podem continuamente segurar a cabeça com uma mão e
o lápis com a outra ocasionando uma letra tremida, pois o papel
não fica firme. Tais situações podem levar o sujeito a cansar-se
rapidamente. Ao ser obrigado a permanecer sentado, realizando
as tarefas por exigência do adulto, naturalmente debruça-se sobre
a mesa produzindo um trabalho gráfico desarmonioso. Esta
postura é um sinal de alerta, que evidencia a falta de desejo.
Nestes casos, não há muito sucesso em apenas corrigir a postura
da criança, embora seja necessário para evitar problemas físicos
futuros, mas a intervenção psicoterapêutica será fundamental a fim
de realizar a escuta de suas aversões, chateações e dificuldades
diante das exigências;
• à pressão no lápis: diz respeito às letras escritas com muita força
ou com muita leveza. Esse tipo de problema pode estar
relacionado a questões de ordem emocional, tensão, estresse ou
insegurança. O psicopedagogo pode dar a orientação e realizar
um treinamento de consciência para que se observe, mas se
forem identificadas questões emocionais, a criança deverá ser
encaminhada ao serviço de Psicologia;
• aos problemas oftalmológicos: crianças podem apresentar
alterações na acuidade visual e não saber comunicar o que está
acontecendo. Em geral, elas realizam zoom ocular, aproximando-
se muito da página buscando maior nitidez, tanto para ler
quanto para escrever. Tais problemas são mais facilmente
resolvidos após a correção com uso de óculos. É altamente
recomendado o exame anual;
• à posição da mão: giram a mão em forma de gancho
dificultando a visualização do papel; não fazem o giro do papel
para a esquerda ou direita, a depender da sua lateralidade,
mantendo a folha no centro e obrigando-se a girar a mão. Esse
tipo de ação ocasiona fadiga nos músculos da mão. São crianças
que até começam com a letra bonita, mas vão declinando o
desempenho ao longo da tarefa pelo cansaço;
• à preensão do lápis: a maneira como a criança aprende desde
pequena a segurar o lápis é como, provavelmente, continuará a
segurar ao longo de sua vida. Algumas crianças não aprendem a
fazer a pinça triangular e seguram o lápis com mais dedos ao
redor do lápis do que o necessário, dificultando uma boa
visualização da sua escrita, além de cansar-se mais rapidamente.
É mais fácil corrigir a maneira como a criança pega no lápis no
início da sua escrita do que corrigir em crianças mais velhas.

Com o advento do construtivismo, muitos professores não acham


correto corrigir a criança neste início, deixando-a livre para
experimentar sua escrita. No entanto, uma maneira de pega errada
instalada e não corrigida, no período da alfabetização, poderá
gerar mais tarde uma série de problemas, desde dor ao escrever
até dificuldades com a legibilidade da letra.
Há um sofrimento muito grande por parte dessas crianças mais
velhas, pois se tornam lentas ao copiar do quadro em sala de aula
e lentas em realizar as atividades em casa. O que era um problema
apenas gráfico passa a ter uma dimensão de ordem psíquica, que
gera ainda mais angústia.
O treino pode ser realizado pelo psicopedagogo, ensinando o
movimento das letras de maneira que estas fiquem mais abertas e
legíveis, principalmente as letras circulares, cujo giro é feito
geralmente invertido (sentido horário) por crianças disgráficas.
Neste início de reeducação, as caligrafias em papel não deverão
ser introduzidas para não gerar ainda mais condutas evitativas. O
ideal é trabalhar de forma lúdica na caixa de areia, escrevendo no
vidro ou quadro branco com caneta de hidrocor.
Os problemas de escrita disgráfica não estão restritos a letras
feias. Afetam também a organização do papel e das margens. Quando
a desorganização interfere na compreensão do que se escreve, por
parte do próprio sujeito e de outros, é necessário realizar orientações
e treinamento. O treino pode ser feito pelo psicopedagogo, com
orientações para que a criança observe as margens no início e, ao final
da linha, pular uma linha, se necessário, até conseguir maior
uniformização das letras.
O mais importante é despertar na criança um estado de
consciência como auxiliar da autorregulação. Os professores têm
papel fundamental no acompanhamento diário, realizando as
orientações necessárias à criança, sempre de maneira compreensiva e
afetuosa.

Os problemas de escrita disgráfica não estão


restritos a letras feias. O mais importante é
despertar na criança um estado de consciência
como auxiliar da autorregulação.
Anotações
91 - Como intervir na ortografia?

O sistema de escrita da Língua Portuguesa é caracterizado pela


transparência (quando a correspondência grafema e fonema possui
uma relação direta entre o som e sua representação gráfica) e é
caracterizado também pela opacidade ortográfica (uma relação mais
complexa na qual um fonema pode ter várias representações gráficas).
Erros ortográficos podem ser classificados de diferentes formas,
de acordo com Cervera-Mérida e Ygual Fernández (2006):
- Correspondência unívoca: [bota] por [pota] ; [cavalo] por
[gavalo];
- Omissão ou adição de segmentos: [alguém] por [algem]; [rã] por
[ran];
- Alteração na ordem dos segmentos: [fruta] por [furta];
- Junção ou separação indevida de palavras: [foi na casa] por [foi
nacasa], [alegre] por [a legre].
São erros normais em crianças no período de alfabetização e são
superados à medida que são expostas a novas experiências de leitura.
Todavia, existem alguns erros ortográficos, com prejuízos mais
severos e que seguem com o sujeito ao longo de sua vida.
Alguns adolescentes ou mesmo adultos são incapazes de escrever
corretamente, mesmo após treino frequente. Podem realizar trocas,
como, por exemplo: [açúcar] por [asucar], [professora] por [profesora],
[fixação] por [fiquisação]; [certeza] por [certesa]; [acesa] por [assesa];
[auxiliar] por [ausiliar]; [sucção] por [suquição].
O disléxico apresenta dificuldade na decodificação das palavras e
processamento fonológico, acarretando a dificuldade na conversão
entre grafema e fonema e no desmembramento das palavras para
separá-las em unidades menores. As dificuldades envolvem défices
nas habilidades fonológicas, de memória e desenvolvimento da
linguagem (LOIS, 2008).
Durante o processo da leitura são ativadas diversas áreas no
hemisfério cerebral esquerdo, onde estão localizados, na maioria das
pessoas, os substratos neurais da linguagem. Estão envolvidas: a
região occipital, temporal posterior, giros angular e supramarginal do
lobo temporal e o giro frontal inferior
Há três caminhos neurais envolvidos na leitura: parietotemporal
(análise das palavras), frontal e occiptotemporal (forma das palavras).
Há ainda a área de Broca (articulação e análise das palavras)
(DEUSCHLE, 2009).
Nos leitores disléxicos, há uma falha na ativação deste circuito,
onde as partes posteriores mostram-se subativadas em estudos
realizados por meio de exame de ressonância magnética. A
consequência disto é a dificuldade de converter as letras em sons e o
difícil reconhecimento automático das palavras. (SHAYWITZ, 2006).
Como a região posterior occiptotemporal, responsável pela forma
das palavras, está afetada, o indivíduo com dislexia apresentará
dificuldade em guardar a forma da palavra, procurando utilizar a rota
fonológica. Isto significa que a palavra louça poderá ser escrita como
loussa, caracterizando uma disortografia.
Nestes casos, além da exposição à leitura, é necessário realizar
treinamento frequente de regras ortográficas e não apenas exposição
de palavras. Considerando que é difícil para a pessoa com
disortografia recordar-se da forma da palavra, será necessário o
ensino explícito das regras ortográficas.
O treinamento completo poderá ser encontrado no jogo em
multimídia que desenvolvi chamado PROORT – Programa de
Ortografia13. Este jogo foi criado a partir da minha necessidade, em
consultório, de ter um instrumento que pudesse ensinar aos meus
pacientes disléxicos e disortográficos regras ortográficas de maneira
interativa e menos cansativa. Os avanços têm sido promissores.
É importante lembrar que uma pessoa com disortografia terá
sempre problemas na escrita em maior ou menor grau. O trabalho
por meio da exposição às regras ortográficas é de enorme ajuda e
percebemos grande evolução, mas é preciso lembrar que nem todas
as palavras da nossa língua possuem regras ortográficas. A
memorização da forma global da palavra é difícil para pessoas com
transtorno específico da escrita.

A disortografia se dá por uma falha no sistema


neural da leitura, dificultando o reconhecimento
rápido e inviabilizando a leitura automática e
ortografia correta. Quando há privações culturais ou
déficit intelectual, as dificuldades são secundárias a
estes prejuízos.

13Autora Simaia Sampaio, que poderá ser adquirido no site


loja.psicopedagogiabrasil.com.br.
92 - Por que é importante fazer os registros das
sessões a cada sessão e como devem ser feitos
(papel, digital)?

Os registros dos atendimentos têm como objetivo acompanhar a


evolução do sujeito, comparando o início do tratamento com o
desempenho atual. Isto é útil para que o profissional possa observar
se seu plano de intervenção está sendo eficiente ou se precisa ser
modificado.
Os registros também têm como finalidade oferecer mais detalhes
quando o profissional levar o caso à supervisão, ou mesmo para
discutir o caso com outros profissionais que atendem o paciente.
A cada final de sessão, o profissional deverá registrar o
instrumento que foi trabalhado com o paciente, qual o objetivo, o
desempenho, o comportamento, se ele achou fácil ou difícil, as
angústias que emergiram, as ansiedades manifestadas e registrar a
evolução.
Com todas estas anotações em dia, ficará mais fácil elaborar um
relatório de acompanhamento e evolução quando for solicitado pela
escola ou por outro profissional que acompanha a criança.
Existem alguns programas vendidos no mercado para facilitar
estes registros desde a avaliação até a intervenção, tais como o
GPSystem, que poderá ser adquirido no site
www.psicologoroberte.com.br. O Psiqueasy adquirido em
https://psiqueasy.com.br/ e o PRO-AMIC (Programa de
Acompanhamento Multidisciplinar Integrado Clínico) encontrado em
https://casadopsicopedagogosp.com.br/.
As anotações dos atendimentos devem estar sempre
em dia para que o psicopedagogo avalie a evolução
e para que o profissional tenha disponível anotações
importantes caso outro profissional necessite.
93 - Por quanto tempo devemos guardar
os registros do paciente após o término de
atendimento?

O Código de Ética do Psicopedagogo, em seu artigo 9º diz:


Os registros de atendimento psicopedagógico são documentos sigilosos cujo acesso
é restrito ao profissional psicopedagogo responsável. O material deve ser guardado
por um período de cinco anos.

Parágrafo 1º - Os registros psicopedagógicos, em suporte de papel ou em eletrônico,


deverão permanecer arquivados por um período de cinco anos após o encerramento
do atendimento. (2019)

Não é raro acontecer de a família entrar em contato, algum tempo


depois do encerramento dos atendimentos, solicitando novamente o
laudo. Não podemos negar a entrega, mas reflito com a família sobre
algumas situações:
Levar um laudo desatualizado para uma nova escola exige
algumas reflexões e cuidados. A criança não é mais a mesma do
período em que fez a avaliação, e levar este documento escrito à
escola pode ser entendido pela nova coordenação como se a criança
ainda possuísse tais déficits, correndo o risco de ser rotulada. Sinalizo
estes cuidados com a família e oriento sobre as vantagens de se
realizar uma avaliação atualizada.
O profissional deverá permanecer em posse dos
documentos do paciente por um período de cinco
anos após o encerramento dos atendimentos. Isto
envolve registros do diagnóstico e da intervenção.
94 - De quanto em quanto tempo o
psicopedagogo visita a escola do paciente?

Normalmente faço visita à escola, ao final do diagnóstico, para


devolutiva do resultado do diagnóstico psicopedagógico,
informando habilidades e dificuldades encontradas, com as
orientações/sugestões para adaptação física, metodológica ou
curricular, quando necessário.
Durante a intervenção, a visita é realizada sempre que o
profissional necessita conversar sobre a criança, ou quando a escola
necessita dialogar com o profissional.
Esta interação é muito importante para o desenvolvimento da
aprendizagem do aluno, portanto um diálogo aberto, franco e
respeitoso deverá ser cultivado.
O profissional não deve chegar à escola, sem marcar previamente
uma reunião, para que sua visita não interfira ou interrompa a
programação da coordenação ou do professor.
É importante estar atento aos cuidados sobre o sigilo profissional
como consta no Código de Ética do Psicopedagogo em seu artigo 7º:
O psicopedagogo deve manter o sigilo profissional e preservar a confidencialidade
dos dados obtidos em decorrência do exercício de sua atividade.
Parágrafo 1º - Não se entende como quebra de sigilo informar sobre os sujeitos e
sistemas a especialistas e/ou instituições comprometidos com o atendido e/ou com o
atendimento, desde que autorizado pelos próprios sujeitos e/ou seus responsáveis
legais e sistemas. (2019)

Tudo aquilo que será informado à escola deve ser de


conhecimento dos pais. Informações de fórum mais íntimo, como
adoção, diagnóstico médico de algum transtorno, utilização de
alguma medicação, devem ser autorizadas pelos pais,
preferencialmente por escrito.
As visitas à escola fortalecem a parceria e
favorecem os vínculos, possibilitando avanços na
aprendizagem da criança.
95 - O que fazer quando o sujeito não apresenta
evolução na intervenção psicopedagógica?

Geralmente, cobramos da família o valor de uma sessão para a


visita à escola. Neste valor, estão embutidos o deslocamento, o
tempo utilizado e o atendimento. Esta informação deverá ser
oferecida aos pais desde o início, ou seja, no enquadramento da
avaliação e no enquadramento da intervenção.
Os pais deverão estar cientes de que, eventualmente, estas visitas
poderão acontecer, mas que serão informados com antecedência. Ao
agendar, os pais deverão estar de acordo em relação ao conteúdo
que o profissional levará para discussão.

As cobranças relacionadas às visitas à escola deverão


ser informadas no contrato inicial, para que os pais
não sejam pegos de surpresa com esta cobrança.
Anotações
96 - O que fazer quando o sujeito não apresenta
evolução na
intervenção psicopedagógica?

Quando iniciamos a intervenção psicopedagógica, a expectativa é


sempre de que o paciente apresente evolução e, para isso,
procuramos fazer um bom diagnóstico que nos aponte os melhores
recursos de intervenção. Mas é importante que o profissional da
Psicopedagogia tenha consciência de que ele não é onipotente e que
seu trabalho dependerá de muitos outros fatores atuando em
conjunto: familiares, escolares, cognitivos, sociais e os vínculos que o
sujeito estabelece com a aprendizagem e consigo.
Isto significa dizer que o trabalho do psicopedagogo em seu
consultório é apenas uma parte de um todo muito maior. As
orientações do psicopedagogo à família e à escola serão uma parcela
importante para a evolução do sujeito.
Uma avaliação crítica do seu próprio trabalho deverá ser
eventualmente realizada pelo profissional, a fim de perceber o
andamento do processo. No caso de o sujeito não estar mostrando
evolução, o profissional deverá analisar se isto está acontecendo
porque ele, como profissional, não está conseguindo oferecer os
recursos necessários ou se a estagnação está ocorrendo porque a
escola ou a família não estão colaborando com o tratamento.
Desde o início do processo de intervenção, a família deverá ser
convidada a refletir que o trabalho do psicopedagogo dependerá de
outras variáveis. Para tanto, a família deverá estar ciente de que não
basta levar a criança ao consultório e achar que tudo vai se resolver. A
família precisa chegar ao entendimento de que as estimulações em
casa deverão ser contínuas, que a maneira como os pais lidam com a
situação fará toda diferença na evolução da criança e que o
psicopedagogo está ali para orientá-los em um trabalho de parceria.
Em se tratando de transtorno específico de aprendizagem
(dislexia, discalculia, disgrafia, disortografia), todos os envolvidos,
sujeito, família, escola e o próprio profissional, deverão estar cientes
de que o processo de evolução será muitas vezes lento e que, quanto
mais todos tiverem esta compreensão e tomarem as medidas
necessárias para auxiliar este sujeito, mais este se fortalecerá para lidar
com o problema.
As orientações do psicopedagogo à família e à escola
serão uma parcela
importante para a evolução do sujeito.
97 - Quando a criança ou o adolescente não quer
participar da atividade proposta, o que deve ser
feito?

Em geral, o profissional da Psicopedagogia trabalha escolhendo o


material que acredita ser importante para o desenvolvimento do
sujeito. Este material, geralmente, está sobre a mesa quando este
entra na sala, mas não raro acontece de a criança ou o adolescente
rejeitar o material escolhido e mostrar-se opositor. Isto pode
acontecer por alguns motivos:
- porque o sujeito ainda não apresenta maturidade para
compreender o trabalho que está sendo realizado;
- porque o vínculo com o espaço ou o profissional ainda não está
bem estabelecido;
- por medo de enfrentar um material que, para ele, é
aparentemente difícil e que deixará evidente suas dificuldades.
Neste caso, é importante que o profissional não force a criança a
trabalhar com um material porque acredita ser importante para seu
desenvolvimento. O diálogo é muito importante antes do início de
cada sessão para perceber o grau de disposição do sujeito. Quando o
psicopedagogo está lidando com uma criança ou adolescente com
um ego fragilizado, o mais indicado é que este seja encaminhado para
um serviço de Psicologia, associado ao trabalho psicopedagógico.
A intervenção com a caixa de trabalho possibilita o respeito ao
tempo de cada um, pois tudo que está na caixa foi escolhido, ao final
do diagnóstico, para promover o desenvolvimento do sujeito. (Veja
questão 81.).
O mais importante diante das resistências é mostrar-se sensível às
dificuldades e não forçar. A condução será sempre feita pela via da
escuta e do diálogo para compreendermos suas motivações de fuga.
Assim, será possível propor tarefas possíveis de serem suportados
pelo sujeito e, aos poucos, irmos introduzindo tarefas mais
desafiadoras.
O tempo do outro deverá ser sempre respeitado.
O psicopedagogo é a via de transformação, cujas
mudanças são consequência do trabalho contínuo de
dedicação, interpretação e análise do processo.
98 - Existe um relatório de intervenção? Qual o
objetivo?

Sim. É um relatório escrito, mais breve que o laudo diagnóstico,


que tem como objetivo informar ao interessado sobre o trabalho que
está sendo realizado e a evolução observada. Poderá constar
orientações e indicações para consultas com outros profissionais, se
foi percebida a necessidade, durante o período de intervenção.
Poderão ser também sugeridas algumas adaptações escolares.
Este relatório poderá ser preparado para ser entregue ao
neurologista em uma reavaliação, ou outro profissional que solicite.
Poderá ser preparado para ser entregue também à escola para
justificar a necessidade da continuidade com as adaptações em um
trabalho de inclusão escolar.
Neste relatório, deverão constar as informações:
- Cidade, Data.
- Título: Relatório de Intervenção Psicopedagógica
- Nome:
- Data de nascimento:
- Idade:
- Escola atual:
- Série escolar:
- Descrever há quanto tempo está realizando o acompanhamento
psicopedagógico.
- Descrever brevemente o trabalho que está sendo realizado.
- Citar evoluções observadas.
- Indicações de profissionais, se necessário, ou citar a continuidade
de atendimento com algum profissional que já esteja acompanhando.
- Sugestões à escola de adaptação, se necessário.
- Nome do psicopedagogo, assinatura, número de associado.
- Carimbo.
Um relatório informa sobre o trabalho que está
sendo realizado e a evolução observada.
99 - Que cuidados devemos ter na comunicação
com a família?

Uma das partes mais delicadas do trabalho psicopedagógico é a


comunicação com a família, seja presencial ou por meios eletrônicos.
Isso porque nem sempre as famílias apresentam uma comunicação
muito fácil demonstrando, às vezes, dificuldades no entendimento do
que é dito ou apresentando dificuldades em se fazerem entender.
Em geral, lidamos com mais de um membro da família, pai, mãe
ou avós, e é comum apresentarem opiniões divergentes quanto à
educação da criança. De qualquer maneira, é importante respeitar
estas divergências, evitando críticas, compreendendo que os pais
estão aprendendo a lidar com a situação.
Percebendo que existe respeito da parte do profissional, fica mais
fácil a escuta e, aos poucos, vão aprendendo a confiar. Não é indicado
nenhum tipo de imposição de mudanças, mas será necessário sinalizar
que alguns aspectos ambientais podem estar interferindo na
aprendizagem. A melhor forma de ganharmos uma escuta é fazermos
os pais refletirem, por meio de perguntas, em vez de ditarmos o que
devem ou não fazer. Aos poucos, vamos percebendo mudanças.
Atendi uma mãe bastante ansiosa e superprotetora. Apesar de
perceber este comportamento, não lhe indiquei psicoterapia de início,
porque, na anamnese, já havia me dito que tinha passado por
psicólogos e que não havia dado certo. Percebendo resistência à
terapia, iniciei um trabalho com a criança e a convidava algumas
vezes, em outro horário, a me falar sobre o ambiente e sobre como
lidava com a criança em termos de autonomia, ou seja, como
incentivava a responsabilidade da criança sobre sua mochila, sobre a
organização dos materiais, da agenda. Aos poucos, ela foi
percebendo o quanto não contribuía para que a criança tivesse
autonomia nos estudos, pois estava sempre oferecendo ajuda e não
deixava a criança tentar esforçar-se ou mesmo errar. Com o tempo, foi
percebendo a necessidade de ela mesma iniciar psicoterapia com
outro profissional e, assim, todos evoluíram.
É importante não utilizar parte da sessão da criança para falar de
algo que os pais achem importante quando levam a criança para a
sessão. É indicado marcar um outro horário para este atendimento.
Deve-se evitar também conversar sobre o andamento dos
atendimentos por meios eletrônicos. Muitos pais querem utilizar este
canal para desabafar e pedir conselhos, até mesmo em horários
inapropriados como no turno da noite e finais de semana. Deve-se
esclarecer, pessoalmente, que isto deve ser evitado e que os meios
eletrônicos somente serão usados para marcar ou desmarcar sessões.
Esta ação evita mal-entendidos e desgastes na relação, cujo vínculo
deverá ser preservado para o bom andamento do tratamento.

É importante preservar a boa comunicação com os


pais, deixando clara a sua forma de trabalhar desde
o início. Mal-entendidos muitas vezes acontecem
a partir da falta de clareza sobre a condução do
tratamento.
100 - Quando saber o momento de encerrar o
atendimento, ou seja, alta do paciente?

Os objetivos mais óbvios do tratamento psicopedagógico


consistem em fazer com que as dificuldades de aprender sejam
superadas, ou ao menos que estas sejam amenizadas, em se tratando
de condições orgânicas. Além disto, o tratamento consiste em levar o
sujeito a realizar-se no seu processo de aprender, que se torne um
sujeito desejante do conhecimento, que se torne cônscio de suas
capacidades, do seu poder como sujeito epistêmico e transformador.
Neste nível o sujeito se realiza na medida em que é capaz de perguntar, de colocar-se
alternativas e finalmente propor. (PAÍN, 1985, p. 81)

Vamos percebendo um crescimento em sua autonomia, postura,


busca e forma de relacionar-se com o mundo. Paín descreve que o
objetivo do tratamento psicopedagógico “[...] é conseguir uma
aprendizagem independente por parte do sujeito” (ibid.).
O vínculo mais importante inicialmente é com o psicopedagogo,
por ser a via de intermédio, de mediação para a superação das
dificuldades. Na fase final, o profissional espera que o vínculo maior
seja com o objeto de conhecimento, que este se torne tão fortalecido
de maneira que o sujeito não necessite mais dele como mediador.
Se esta autonomia não acontece e a dependência ao
psicopedagogo permanece, a alta não pode ser pensada, ou é
possível que o problema precise ser resolvido com outro profissional
“[...] se durante o transcurso das sessões a dependência não diminui, é
necessário passar a um tratamento psicoterapêutico e corrigir o
diagnóstico” (ibid.).
Quando o despertar acontece, o sujeito não está mais ansioso
pela nota, ou em atender às expectativas dos pais ou do professor. Ele
atingiu um estado de consciência, e o saber será buscado com
satisfação, a nota será uma consequência. Ele aprendeu a reconhecer
este “sinal interno de satisfação” como pontua Paín (ibid.).
Dada a mobilidade que a intervenção proporciona nos esquemas
do sujeito, este vai abandonando formas antigas e infrutíferas de
interagir com a aprendizagem, adotando formas mais produtivas e
autônomas. O dar-se conta de suas potencialidades pode ser
expandido para outras áreas de sua vida, como no âmbito familiar. O
sujeito agora já não aceita ser o depositário das angústias desta
família (veja questão 31), aprendeu a questionar e buscar conhecer.
Este movimento demonstra evolução, mas, em muitos casos, é mal
compreendido por algumas famílias que, não suportando não contar
mais com um bode expiatório, retira o sujeito do atendimento. Nestes
casos, a alta não se constitui e é sempre importante solicitar um
fechamento do trabalho com o sujeito, com alguns últimos encontros.

A alta é oferecida quando percebemos que o sujeito


alcançou um nível de independência tanto para a
execução das atividades escolares quanto para a
independência do psicopedagogo. O vínculo com a
aprendizagem deverá estar fortalecido.
REFERÊNCIAS

ABERASTURY, A. Psicanálise da criança: teoria e técnica. Trad. Ana Lúcia Leite de Campos.
Porto Alegre: Artmed, 1982.
ANASTÁCIO-PESSAN, F.L.; LAMÔNICA, D. A. C. Hipotireoidismo congênito: influência para as
habilidades linguísticas e comportamentais: estudo de revisão. Rev. CEFAC.  vol.16  n.6,  São
Paulo nov./dez. 2014.
ANDION, T. M. Jogo de areia: intervenção psicopedagógica à luz da teoria piagetiana na
caixa de areia. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2010.
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION.  Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais (DSM-5). Porto Alegre: Artmed, 2014.
BARBOSA, L. M. S. Projeto de Trabalho: uma forma de atuação psicopedagógica. Curitiba:
Mont, 1998.
________. Caixa de trabalho: uma ação psicopedagógica proposta pela Epistemologia
Convergente. In:________. Psicopedagogia e Aprendizagem. Coletânea de reflexões. Curitiba:
2002.
BEE, H.; BOYD, D. A criança em desenvolvimento. Tradução de Cristina Monteiro; revisão
técnica de Antônio Carlos Amador Pereira. Porto Alegre: Artmed, 2011.
BOSSA, Nadia A. A psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática. 2. ed. Porto
Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
BRASIL. Ministério da Saúde. Unicef. Cadernos de Atenção Básica: Carências de
Micronutrientes / Ministério da Saúde, Unicef; Bethsáida de Abreu Soares Schmitz. Brasília:
Ministério da Saúde, 2007.
https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/pdfs/Cadernos_Micronutrientes_MS.pdf.
Acesso em 3 de julho de 2020.
BRASIL. Projeto de lei da Câmara n.º 31, de 2010. Dispõe sobre a regulamentação do
exercício da atividade de psicopedagogia. TEIXEIRA, R., 2010.
<https://www.abpp.com.br/plc031-10.pdf>. Acesso em 2 de maio de 2020.
CAPOVILLA, A.; CAPOVILLA, F. Problemas de Leitura e Escrita: como identificar, prevenir e
remediar, numa abordagem fonológica. São Paulo: Memnon, 2000.
CAPOVILLA, F. C. Triagem de processamento auditivo central em crianças de 6 a 11 anos.
Rev. Bras. Cresc. Des. Hum., S. Paulo, 12(2), 29-41, 2002.
CERVERA-MÉRIDA, J. F.; Ygual-Fernández, A. Una propuesta de intervenciónentrastornos
disortográficos atendiendo a lasemiología de loserrores. Revista de Neurologia, ISSN 0210-
0010, Vol. 42, Nº Extra 2, 2006, p. 117-126.
CLARET, M. (Org.) Autobiografia 1925. In: Freud por ele mesmo. São Paulo: Martin Claret,
1999.
CÓDIGO DE ÉTICA da ABPp. Conselho Nacional da ABPp triênio 2017/2019, aprovado em
Assembleia Geral realizada em 26/outubro 2019.
COLL, C. et al. Desenvolvimento Psicológico e Educação – Transtornos do Desenvolvimento e
Necessidades Educativas Especiais. Porto Alegre: Artmed, 2004, 3v.
COSTA, T. Psicanálise com Crianças. Coleção passo a passo. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.
COUTINHO, G.; MATTOS, P.; ABREU, N. Atenção. In: MALLOY-DINIZ, L.; FUENTES, D.; MATTOS,
P.; ABREU, N. Avaliação Neuropsicológica. Porto Alegre: Artmed, 2010.
DEUSCHLE, V.P.; CECHELLA, C.O deficit em consciência fonológica e sua relação com a
dislexia: diagnóstico e intervenção, 2009. Disponível em
<http://www.scielo.br/pdf/rcefac/v11s2/16-08>. Acesso em 19 set. 2019.
DOLLE, J. M. Para compreender Jean Piaget: uma iniciação à Psicologia Genética Piagetiana.
Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.
FABRIS. F. A noção de tarefa, pré-tarefa e trabalho na teoria de E. Pichon-Rivière. Cad.
Psicol. Soc. Trab. São Paulo, v. 17, n. spe. 1, p. 111-117, 2014.
FERNÁNDEZ, A. Psicopedagogia em psicodrama: morando no brincar. Petrópolis, RJ: Vozes,
2001.
________.A inteligência aprisionada. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991
FERREIRO, E. Atualidade de Jean Piaget. Porto Alegre: Artmed, 2001.
FISCMANN, J. B. Como agem os grupos operativos? In: ZIMERMEN, D. E.; OSORIO, L. C. et al.
Como trabalhamos com grupos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. p. 95-101.
FONSECA, R. P.; PRANDO, M. L.; ZIMMERMANN, N. Tarefas para avaliação neuropsicológica:
avaliação de linguagem e funções executivas em crianças. São Paulo: Memnon, 2016.
FONSECA, V. da. Introdução às Dificuldades de Aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas,
1995.
FRANCO, A.; PINTO, E. B. O mágico Jogo de Areia em pesquisa. On-line  version  ISSN  1678-
5177. Psicologia USP, vol.14, n.2, São Paulo, 2003.
FREUD, Anna. O ego e os mecanismos de defesa. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira,
1974.
GALVÃO, Izabel. Henri Wallon: uma concepção dialética do desenvolvimento infantil.
Petrópolis: Vozes, 1995.
GALVÃO, I. (orgs.). O Garoto selvagem e o Dr. Jean Itard: história e diálogos contemporâneos.
Campinas: Mercado de Letras, 2017.
GENTILE, P. É assim que se aprende. Nova Escola, São Paulo, n. 179, p. 52-57, jan./fev., 2005.
GRIFFA, M. C.; MORENO, J. E. Chaves para a psicologia do desenvolvimento: vida pré-natal,
etapas da infância. 4. ed. São Paulo: Paulinas, 2008.
INCONTRI, D. Pestalozzi: educação e ética. Pensamento e Ação no Magistério. São Paulo:
Scipione, 1996.
KUPFER, M.C. Freud e a educação: o mestre do impossível. São Paulo: Scipione, 1997.
LANJONQUIERE, L. De Piaget a Freud: para repensar as aprendizagens. Petrópolis, RJ: Vozes,
1992.
LEFRANÇOIS, G. R. Teorias da aprendizagem. Tradução Vera Magyar. São Paulo: Cengage
Learning, 2015.
LOIS, F.A.R. Aspectos Neurobiológicos da Dislexia do Desenvolvimento: Revisão Sistemática.
Rio de Janeiro, 2008. Disponível em:<https://bvssp.icict.fiocruz.br/pdf/LoisFabriciaAR.pdf>.
Acesso em 28 abr. 2020.
LURIA, A. El Cérebro em Acción. Barcelona: Fontanella, 1976.
MACEDO, L. Ensaios construtivistas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1994.
________. Aprendendo com jogos e situações problema. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
MALLOY-DINIZ, L.; FUENTES, D.; MATTOS, P.; ABREU, N. Avaliação Neuropsicológica. Porto
Alegre: Artmed, 2010.
MALUF, M. R.; BARRERA, S. D. Consciência Metalinguística e Alfabetização: Um Estudo com
Crianças da Primeira Série do Ensino Fundamental. Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 16, n.3,
2003. P. 491-502.
MAZZOTA, M. J. S. Educação especial no Brasil, histórias e políticas públicas. São Paulo: Cortez,
1996.
METRING, R. A. Psicologia para a aprendizagem: o ensino baseado em evidências
psicológicas. Curitiba: Juruá, 2018.
MOREIRA, M. A. Teorias de aprendizagem. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária,
1999.
Muszkat, M.; Rizzutti, S. Desenvolvimento neurológico no período pré-escolar e suas
alterações. In: SEABRA, A. G.; DIAS, N. M. Neuropsicologia com pré-escolares: avaliação e
intervenção. São Paulo: Pearson Clinical Brasil, 2018, p. 31-58.
NETO, F. R. Escala de Desenvolvimento Motor. <http://www.motricidade.com.br/kit-
edm.html>. Acesso: 3 de julho de 2020.
OCAMPO, M. L. S. et al. O processo psicodiagnóstico e as técnicas projetivas. São Paulo:
Martins Fontes, 2009.
Oliveira, K.L.; Boruchotvitch, E.; Santos, A.A.A. Escalas de avaliação das estratégias de
aprendizagem para o ensino do fundamental: EAVAP-EF. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2010.
PAÍN, S. Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1995.
PESSOTTI, I. Deficiência Mental: da superstição à ciência. São Paulo: T. A. Queiroz, 1984.
PIAGET, J.; INHELDER, B.A psicologia da criança. São Paulo: Diefel, 1966/1974.
________. Seis estudos de psicologia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.
________. A representação do mundo na criança. (Trad. Adail Ubirajara Sobral). Aparecida/SP:
ideias e letras, 2005 (Original de 1924).
________. Os problemas e os métodos. In: PIAGET J. A representação do mundo na criança. Rio
de Janeiro: Record, 1975. p. 5-32.
PICHON-RIVIÈRE, E. Teoria do Vínculo. (Trad. Eliane Toscano Zamikhouwsky). São Paulo:
Martins Fontes, 1995.
________. O processo grupal. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
PINHEIRO, F. H. et al. Estratégias de intervenção com habilidades metafonológicas para
escolares do ensino fundamental. In: PINHEIRO, F.H.; GERMANO, G. D.; CAPELLINI, S. A.
(Org.). Manual de Estratégias para Dificuldades de Aprendizagem. Marília: FUNDEPE, 2013, p.
19-32.
PORTILHO, E. Como se aprende? Estratégias, estilos e metacognição. Rio de Janeiro: Wak
Editora, 2006.
SAMPAIO, S. Manual Prático do Diagnóstico Psicopedagógico Clínico. Rio de Janeiro: Wak
Editora, 2009.
________. Dificuldades de aprendizagem: a psicopedagogia na relação sujeito, família e escola.
Rio de janeiro: Wak Editora, 2009.
________. Atividades corretivas de leitura e escrita: guia prático para disléxicos e pré-escolares.
Rio de janeiro: Wak Editora, 2012.
________. Atividades corretivas de leitura e escrita, grafia e ortografia: guia prático para
crianças, adolescentes e adultos com dislexia, disgrafia e disortografia e outras dificuldades
na escrita. Rio de janeiro: Wak Editora, 2015.
________. Atividades corretivas de compreensão leitora, produção textual e escrita. Rio de
Janeiro: Wak Editora, 2018.
________. Atividades neuropsicopedagógicas de intervenção e reabilitação. Rio de janeiro: Wak
Editora, 2018.
SAMPAIO, S.; FREITAS, I. B. (Org.).Transtornos e dificuldades de aprendizagem: entendendo
melhor os alunos com necessidades educativas especiais. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2014.
SAMPAIO, S; METRING, R. Relação entre dificuldades psicomotoras e dificuldades de
aprendizagem. In: SAMPAIO, S; METRING, R. (Org.) Neuropsicopedagogia e aprendizagem. Rio
de Janeiro: Wak Editora, 2019.
SANTOS, F. A.; SILVA, M. M. da. O Esquema Conceptual Referencial Operativo (ECRO) e os
caminhos da ressocialização: uma proposta interventiva baseada no modelo de grupo
operativo de Pichon-Rivière. In: 16º encontro nacional ABRAPSO. Recife: Campus UFPE, 12-
15 de novembro de 2011.
SANTROCK, J. W. Psicologia educacional. Porto Alegre: Artes Médicas, 2009.
Seabra, A. G., Dias, N. M., orgs. Avaliação neuropsicológica cognitiva: Linguagem oral. São
Paulo: Memnon, 2012.
SHAYWITZ, S. Entendendo a dislexia: um novo e completo programa para todos os níveis de
problemas de leitura. Porto Alegre: Artmed, 2006.
SILVA, C. Estratégias fonológicas como proposta de intervenção precoce para escolares de
risco para a dislexia. In: PINHEIRO, F.H.; GERMANO, G.D.; CAPELLINI, S.A. (Org.). Manual de
Estratégias para Dificuldades de Aprendizagem. Marília: FUNDEPE, 2013, p. 33-47.
TACCA, M.C.V.R. Relações sociais na escola e desenvolvimento da subjetividade. In: MALUF,
M. I. (coord.) Aprendizagem: tramas do conhecimento, do saber e da subjetividade.
Petrópolis/RJ: Vozes; São Paulo: ABPp Associação Brasileira de Psicopedagogia, 2006.
VELOSO, M. A. F.; Meireles, M. M. Seguir a aventura com Enrique José Pichon-Rivière: uma
biografia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007.
VISCA, J. Clínica psicopedagógica: epistemologia convergente. Porto Alegre: Artes Médicas,
1987.
________. Psicopedagogia: novas contribuições. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991.
________. Técnicas projetivas psicopedagógicas e as pautas gráficas para sua interpretação.
Buenos Aires: Visca&Visca, 2008a.
________. O Diagnóstico Operatório na Prática Psicopedagógica: Parte I. São José dos Campos:
Pulso, 2008b.
________. O Diagnóstico Operatório na Prática Psicopedagógica: Parte II. São José dos Campos:
Pulso, 2012.
VYGOTSKY, L. S. A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes 1994.
WEISS, M. L. Psicopedagogia clínica: uma visão diagnóstica dos problemas de aprendizagem
escolar. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
WINNICOTT, D. W. (1975). Objetos transicionais e fenômenos transicionais. In: D.
WINNICOTT, O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em
1971a).
WOOD, D. Cómopiesan y aprendenlosniños. Mexico: Siglo Veintiuno Editores, 2000.

Você também pode gostar