Você está na página 1de 114

1

1 INTRODUÇÃO

O tema deste trabalho compreende o estudo do direito autoral, com ênfase no


contexto da música e da tecnologia digital, aplicando-se às licenças públicas 1 Creative
Commons, como solução para a regulamentação da proteção ao autor.

O ordenamento jurídico, além de restritivo é vago, quanto à tipificação da proteção


aos bens relativos à criação intelectual. Procuremos contextualizar a situação da obra musical
no âmbito histórico evolutivo, seu tratamento legal e soluções para a proteção do direito do
autor e sua obra.

No primeiro capítulo, é abordado o contexto legal, do surgimento do direito autoral


até o estágio atual. Foram analisadas as principais legislações (lei nº 9.610/98), a respeito do
assunto, bem como acordos internacionais (Convenção de Berna, TRIPS, WTTP, WTC), sua
relação com as Rodadas do GATT e OMC. Foram comentados, também, o Copyright é o fair
use.

A seguir, no capítulo 3, a situação fática da música é analisada, em seu contexto na


indústria musical. Como surgiram as primeiras fixações, em registros físicos e o reflexo na
sociedade e nas leis. A pirataria foi examinada e diferenciada do aspecto da limitação do
direito do autor. Colocaremos em questão, o ponto de vista da indústria fonográfica e o
posicionamento dos artistas. A problemática do download: ilegal ou não? Entidades
representativas, como o ECAD e UBC, foram postas em pauta. A instituição de licenças
públicas2, como o copyleft, também será analisada de modo a apresentar uma solução lógica
aos conflitos entre cessionário e público e cessionário e autor.

O trabalho, então, aborda, nos capítulos 4 e 5, o processo atual, citando autores


como CAPRA, LESSIG, LEMOS, ABRÃO, ASCENSÃO e outros, no intuito frisar os pontos
mais importantes, tais como: o advento da internet, da tecnologia digital e a incapacidade da
indústria fonográfica tradicional de superar os prejuízos provocados pela má interpretação

1
Licenças públicas nos sentido de serem autorizadas por iniciativa do criador da obra e direcionadas a um grande número de
pessoas não específicas.
2
Idem.
2

potencial do avanço da tecnologia, que se fazia notar, resultando em soluções de mercado que
nem mesmo a lei havia previsto, em tão pouco espaço de tempo.

A mudança de paradigma nos negócios musicais e a quebra de paradigma no


processo atual bem como o processo das inovações tecnológicas são comentados nos itens da
Revolução Digital, Formato Final da Internet e a Busca do Ponto de Equilíbrio.

Concomitantemente, a posição dos autores é sempre considerada, focalizando,


inclusive depoimentos de artistas do momento atual.

A Creative Commons é cuidadosamente descrita. Cada tipo desse modelo de licença


será explicado exaustivamente, com a finalidade de eliminar qualquer dúvida sobre sua
aplicação no dia-a-dia.

Por fim, o trabalho é concluído, com perspectivas e algumas sugestões sobre a


proteção do DIREITO AUTORAL, como ramo da PROPRIEDADE INTELECTUAL. A
finalidade será esclarecer e conscientizar o leitor quanto ao momento único em que vive a
sociedade, diante da mudança radical de paradigma que obriga a repensar o modo tradicional
de como são feitos os negócios envolvendo músicas e outras obras protegidas pelo Direito de
Autor, onde o próprio cidadão cria novas soluções, como a CREATIVE COMMONS,
proporcionando ao Direito e seus operadores as incorporem ao próprio ordenamento jurídico.
3

2 O DIREITO DE AUTOR E SEUS SISTEMAS DE PROTEÇÃO

2.1 SURGIMENTO DO DIREITO AUTORAL

O Surgimento do direito autoral se confunde com a história da própria Europa. Na


idade Média, existiam suseranos e vassalos. O senhor feudal era um nobre. Nobres não
sabiam ler e dificilmente sabiam utilizar algum instrumento musical, ou ler partituras
musicais. Esta tarefa era relegada aos servos, saltimbancos, andarinhos, nunca aos cavaleiros
dos castelos, certamente. A criação de músicas era atribuída popularmente a ralé ou ao até
mesmo ao clero, nos mosteiros. Quem criava cultura naquela época, ou “pertencia” aos
domínios e terras de um cavaleiro apoiador do rei, ou era um monge que vivia na estrutura
eclesiástica. Vivia-se num mundo onde o lucro era considerado pecado 3 e até o início da era
das grandes descobertas marítimas era esta a situação da música. Porém, antes de ser
inventada a imprensa, as riquezas (o status quo) eram os castelos, as glebas de terra, que eram
destinadas sempre aos nobres. E eles ocupados em manter os seus domínios. Os burgueses (os
que viviam nos burgos a volta dos castelos) eram “gratos” e eternos devedores de seus amos e
senhores que lhes garantiam a segurança contra ataque de mouros ou outros senhores feudais. 4

A música, então, era ouvida, naturalmente, entre a burguesia nas feiras, nos
casamentos e outros eventos alegres. Naturalmente, era uma atividade mal ou nada
remunerada ou, se remunerada, a autoria não era reconhecida. Nos mosteiros, havia a musica

3
“Na Idade Média, marcada pelo domínio eclesiástico com proibições canônicas referentes à usura, a atividade bancária
desenvolveu-se, primeiramente, de forma rudimentar, predominando na economia a troca de bens em substituição a
economia monetária (...) (com)o fim das invasões, criando segurança e permitindo a renovação da economia; o aumento
demográfico com o conseqüente aparecimento de consumidores e produtores; as cruzadas; o aparecimento das cidades, nas
quais se concentrou grande população; a criação de portos marítimos e fluviais; e as feiras comerciais nos grandes centros
como Champanhe e Flandres. (...) criando-se Bancos particulares por iniciativa de judeus e lombardos e, mais tarde,
quando o juro deixou de ser condenado pela Igreja, apareceram os banqueiros cristãos. (...) Mas não só os judeus
comercializavam o crédito. Também as ordens eclesiásticas o faziam. A Ordem Templária é exemplo disso. Fundada por
Hugo de Payns em 1119, embora criada com a finalidade de proteger os peregrinos que visitavam templo de Jerusalém,
conseguiu, no decorrer do século XIII, converter-se em verdadeiro estabelecimento de crédito, uma potência financeira
com agências espalhadas pelo Ocidente, assim como pelo Oriente. Os templários recebiam valores em depósito, alugavam
seus cofres ao Rei, aos príncipes e aos particulares, faziam empréstimos e realizavam antecipações, financiando a
navegação e a agricultura.” (COVELLO, Sergio Carlos. Contratos bancários. 4. ed. São Paulo: Leud, 2001, p. 22-24.)
4
“O Concílio de Nicéia, em 325, proibia aos sacerdotes a prática do empréstimo a juros, sob pena de destituição. O
Concílio de Paris, em 829, e o de Latrão, em 1139, estenderam a proibição aos leigos, obstaculizando, desta sorte, o
desenvolvimento do crédito e fomentando o câmbio monetário. Daí os judeus terem tomado a dianteira no comércio
bancário medieval, pois a proibição eclesiástica não os alcançava.”. (COVELLO, Sergio Carlos. Contratos bancários. 4.
ed. São Paulo: Leud, 2001, p. 24.)
4

sacra, os cantos gregorianos, nada que envolvesse os direitos patrimoniais, pois, ao final, viria
a pertencer a ordem religiosa como coletividade.
A preocupação com direitos autorais começa, realmente, quando torna-se possível
realizar cópias de obras mais velozmente que de modo manuscrito, com a invenção da prensa
de tipos móveis no século XVI.

NEHEMIAS GUEIROS JR. afirma em entrevista a revista Caros Amigos nº 34 de


Janeiro de 2000, que :
“Enquanto não houve o direito conexo, nem sua definição, não havia o direito
autoral; (...) Enquanto a sociedade não podia reproduzir em mais de um exemplar
qualquer obra do intelecto humano, não havia qualquer preocupação de proteger
nada. Os jograis da Idade Média, as performances saltimbancas daquela época, em
que não havia fronteiras nacionais, eram burgos, castelos e feudos, e você não tinha
como reproduzir, gravar aquilo. Não havia, então, proteção a nada, e nem essa
preocupação. Os escribas levavam dez anos para escrever um livro, molhando a
pena na tinta e escrevendo à luz de velas, e mesmo assim reduzidos aos monastérios
da Idade Média.”

GUEIROS afirma, também, nesta época que guardar livros era sinônimo de crime
que poderia custar a vida de seu possuidor. O Estado primitivo só começou a mudar essa
política quando Gutenberg (1452) começou a produzir a Bíblia em seu invento. Aí sim
começou a pirataria pois a Europa inteira foi inundada por “cópias ilegais” da Bíblia de
Gutenberg:

“Haviam já algumas nações sim, mas eram precárias, a aplicação da Lei era uma
coisa muito difícil. Então, houve o questionamento de proteger a criação, claro que
nunca em prol do autor senhores, isso eu posso garantir, que os 300 primeiros anos
de Direito de Autor foram uma desgraça (...) Os Editores pirateavam a si mesmos,
de certa feita apenas para ilustrar um caso, o grande escritor alemão Gutem, ainda na
Alemanha, não Alemanha, ainda nos cantões que viriam se transformar em
Alemanha e viriam a ser unificados por Bismarck, no Século XIX. Gutem teve que
circular por toda a região que hoje é parte da Alemanha porque geograficamente
mudou bastante o mapa europeu, para conseguir em trinta e seis cantões que
parassem de copiar a obra dele. Ele teve que fazer trinta e seis acordos, em outras
palavras, teve que pagar trinta e seis pilantras para que parassem de copiar o livro
dele. E pagar em moeda de ouro da época e não adiantou nada, bastava ele virar as
costas, sair da cidade, o pessoal começava a copiar de novo ...”5

Na mesma entrevista, o especialista, em direito autoral, explica os primórdios da


PROPRIEDADE INTELECTUAL. Ilustra sob sua ótica o Ato da Rainha Anne:

5
GUEIROS JR., Nehemias. Palestra realizada no RS MÚSICA 2001, em Porto Alegre, nos dias 9, 10 e 11 de Abril.
Disponível em: <http://trombeta.cafemusic.com.br/trombeta.cfm?CodigoMateria=1231&procura=nehemias%20gueiros>.
Acesso em: 12 dez 2007.
5

“(...) Mas o "copyright" começou com a Rainha Anne, em 1710, foi considerado o
primeiro ato, a primeira peça de lei que determinou algum tipo de comportamento
prazo e forma de pagamento por uma obra intelectual e como sempre só para o
editor, senhores. O autor nem compareceu ao ato, nem foi consultado, nem estava
presente. Era um ato dos editores, mas ele foi chamado de "copy right art", ou "art
and C", o C em letra maiúscula e esse C é que viria 200 anos depois influenciar uma
marca muita conhecida de todos nós, que vemos diariamente que é um C dentro de
um círculo, que hoje é o símbolo do "copyright" que foi adotado pela Convenção de
Berna 150 anos depois. Mas nós vamos chegar lá.
A Rainha então determinou um prazo: 14 anos de exploração exclusiva para os
editores de qualquer obra literária que viesse a ser reproduzida. Importante o
parênteses, porque era 1710, a obra literária era ainda a única forma de se reproduzir
em mais de um exemplar uma obra. Não se fixava sons ainda, muito menos
imagens, a eletricidade estava começando, Benjamim Franklin, não tinha tomado
um choque do relâmpago ainda. Estava muito longe de qualquer modalidade de
reprodução em número ilimitado de exemplares de obras intelectuais. Então, esse
ato protegia por 14 anos, os direitos exclusivos dos editores, renováveis por mais 14,
mais 14, "ad eternum" e assim transcorreu o século XVIII.” 6

O contexto do Ato da Rainha Anne era muito diferente do atual. Neste período, a
Corte aristocrática e a realeza desempenhavam papel “absoluto” na criação e aplicação do
Direito Estatal. Ressalte-se o fato que ocorreu com o próprio Kant em plena Prússia (que
integra atualmente a Alemanha), onde Kant, que dedicara sua vida a produzir filosofia, sofreu,
não obstante, com um “imperativo real”, podendo se chamar de censura, por parte do Rei
Frederico Guilherme II. O filósofo VALÉRIO ROHDEN, bem relata em artigo a revista IHU
ON-LINE Ano 4 - Nº 93 – 22 de março de 2004:

“O ensino não ortodoxo de religião de Kant, que era baseado no racionalismo mais
que na revelação, colocaram-no em conflito com o governo da Prússia e, em 1792,
ele foi proibido pelo rei Frederico Guilherme II de ensinar ou escrever sobre temas
religiosos. Kant obedeceu a essa ordem por cinco anos, até a morte do rei e então se
sentiu liberado dessa proibição. Em 1798, o ano que se seguiu a sua aposentadoria
da universidade, ele publicou um resumo de seus pontos de vista religiosos.” 7

Mas, não foi apenas com o Ato da Rainha Anne que os direitos intelectuais passaram
a ser reconhecidos, como ressalta GUEIROS:

“(...) Os autores reuniram-se em segredo, em sigilo, em suas pequenas associações,


movidos já por todos aqueles estudos e pela ebulição e efervescência política e
econômica que já viria desaguar 70 anos depois na queda da Bastilha e na
Revolução Francesa, por conseguinte no fim da Monarquia, ascensão da burguesia e
tudo mais que nós sabemos, desaguou na Revolução Industrial, no Capitalismo e no
mundo que hoje nós vivemos. Os autores começaram a se fortalecer em bares, em
teatros, após uma peça aqui e ali, etc. Sim, é importante lembrar já havia o teatro, já

6
GUEIROS JR., Nehemias. Palestra realizada no RS MÚSICA 2001, em Porto Alegre, nos dias 9, 10 e 11 de Abril.
Disponível em: <http://trombeta.cafemusic.com.br/trombeta.cfm?CodigoMateria=1231&procura=nehemias%20gueiros>.
Acesso em: 12 dez 2007.
7
ROHDEN, Valério. In: Kant: Razão, Liberdade e Ética . Editorial.Revista IHU ON-LINE Ano 4 - Nº 93 – 22 de março de
2004.
6

havia os saltimbancos, já havia os jograis, mas não havia como reproduzir a obra
deles. Quem quisesse assistir a uma peça teria que estar lá naquele momento,
naquele ato, quem quisesse assistir um concerto, música de câmara, um grupo
tocando, teria que estar ali naquele momento. Então, não se falava muito em
proteção de obras musicais, porque não havia como fixá-los. Mas o embrião estava
ali, a serpente havia nascido, acelerando então a exposição histórica, mais uma vez
peço desculpas se me torno muito maçante, mas é importante conhecermos esses
conceitos. A Revolução Francesa, então foi o empurrão fundamental que trouxe os
autores para a vanguarda.”8

Continuaram as mudanças e no período que abrange a Revolução Francesa,


constatou-se uma realidade: os nobres que tinham direitos (privilégios aristocráticos) de
berço, não mais possuíam riquezas (metais). E os burgueses (originários dos burgos – feudos),
agora citadinos, não possuíam direitos, porém exerciam atividades comerciais rentáveis nas
cidades que lhes garantiam os metais (riqueza). Logo, esses mesmos burgueses, desprovidos
de direitos em relação aos nobres e o clero, compravam privilégios, cargos ou favores com
estes seus metais. Bancavam, inclusive, estudos de jovens intelectuais que, mais tarde, lhes
retribuíam aplicando os conhecimentos científicos e filosóficos adquiridos nos negócios
comerciais e pré-industriais. Este processo revertia em mais riquezas para a florescente
burguesia9.

Como denunciava o abade SIEYES10:

“... o Terceiro Estado (burguesia) não teve, até agora, verdadeiros representantes nos
Estados Gerais. Desse modo, seus direitos políticos são nulos’’.

No momento da Revolução Francesa, então, o citadino transcende e arvora-se ao


patamar de cidadão. Ali, lhe são reconhecidos o direito à vida, à liberdade e à propriedade
inclusive intelectual, transcritos no próprio texto da Declaração de Direitos do Homem e do
Cidadão admitidos pela Convenção Nacional em 1793:

“(...)VI - A liberdade é o poder que pertence ao Homem de fazer tudo quanto não
prejudica os direitos do próximo: ela tem por princípio a natureza; por regra a
justiça; por salvaguarda a lei; seu limite moral está nesta máxima: - " Não faça aos
outros o que não quiseras que te fizessem"; VII - O direito de manifestar seu
pensamento e suas opiniões, quer seja pela voz da imprensa, quer de qualquer
outro modo, o direito de se reunir tranqüilamente, o livre exercício dos cultos, não
podem ser interditos. A necessidade de enunciar estes direitos supõe ou a presença
ou a lembrança recente do despotismo; (...) XVI - O direito de propriedade é
aquele que pertence a todo cidadão de gozar e dispor à vontade de seus bens, rendas,

8
GUEIROS JR., Nehemias. Palestra realizada no RS MÚSICA 2001, em Porto Alegre, nos dias 9, 10 e 11 de Abril.
Disponível em:< http://trombeta.cafemusic.com.br/trombeta.cfm?CodigoMateria=1231&procura=nehemias%20gueiros>.
Acesso em 12 dez 2007.
9
SIEYES, Emmanuel Joseph. A constituinte burguesa - que é o terceiro estado?. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 1997. p. 56.
10
Idem. p. 61.
7

fruto de seu trabalho e de sua indústria; XVII - Nenhum gênero de trabalho, de


cultura, de comércio pode ser proibido à indústria dos cidadãos.”11
Na atualidade, em 10 de dezembro de 1948, as Nações Unidas proclamaram, em
Assembléia Geral a Declaração Universal dos Direitos Humanos que consagra em seu artigo
27, o direito intelectual patrimonial e moral:

“Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da


família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade,
da justiça e da paz no mundo,
Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultam em
atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um
mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade
de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta
aspiração do homem comum,
Considerando essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de
Direito, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião
contra a tirania e a opressão

A Assembléia Geral proclama: (...)


Artigo XXVII
 Toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da
comunidade, de fruir as artes e de participar do processo científico e de seus
benefícios.
 Toda pessoa tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes
de qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor.” 12

Ocorreu, porém, que dois sistemas evoluíram independentemente neste ínterim, com
interesses antagônicos, entre si. Um sistema visava à proteção à obra editada. O outro, tratava
da proteção à personalidade do autor. Respectivamente, são o sistema anglo-saxônico e o
sistema continental europeu.

Logo, verificamos que o primeiro visou à proteção das obrigações reais e o outro
deu ênfase as obrigações pessoais privilegiando, consequentemente, os direitos morais do
autor, além dos direitos patrimoniais.

A defesa dos direitos morais teve reflexos oriundos da força da Revolução Francesa,
inclusive, na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, como também, da
atuação e produção dos filósofos da época.

11
DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO. Centro Federal de Educação Tecnológica
de São Paulo. Disponível em: <http://www.cefetsp.br/edu/eso/cidadania/declaracao1793.html>. Acesso em: 20 mai. 2008.
12
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. Ministério da Justiça do Brasil. Disponível em: <
http://www.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>. Acesso em: 20 mai. 2008.
8

ELIANE YACHOUH ABRÃO13, falando sobre copyright e direito autoral, registra


que a primeira proteção à obra editada foi em 1586. A partir deste momento, já começava a
reivindicação de direitos sobre a venda e reprodução da obra sob a forma de direito autoral de
propriedade. Na França, em 1777, embora se mantivessem os privilégios de comercialização,
foram reconhecidos os direitos dos autores de editar e vender suas obras.

Produziu-se, assim, uma diferenciação jurídica tangível. Reconheceram-se dois tipos


de prerrogativas: o direito do autor, que versava sobre propriedade de direito, e do editor que
possuía uma liberalidade. Já, em 1793, os artistas tiveram regulamentada sua proteção por um
decreto-lei francês, que abrangia os escritores de todos os gêneros, dos compositores de
música, dos pintores e dos desenhistas.

ELIANE YACHOUH ABRÃO relata, que em 1886, reunidos principalmente os


países europeus, as nações, então civilizadas, se reuniram em Berna, Suíça, para
regulamentarem em âmbito internacional, a proteção das obras literárias, artísticas e
científicas e de seus titulares (autores). Esta foi a primeira Convenção Internacional sobre o
direito autoral. Tornou-se assim referencial para todas as legislações nacionais a partir daí
existentes.

A autora também registra que “em 1950, surgiu uma nova Convenção Internacional,
participando os mesmos países da Convenção de Berna, e mais os Estados Unidos. Desta feita, na
cidade de Genebra, para adequar os sistemas voltados prioritariamente às obras (copyright), com
aqueles os que legitimavam aos autores direitos de caráter pessoal, com a mesma importância dada
às obras”.14

Já o copyright, sistema anglo-saxônico, foi criado voltado para a proteção da obra.


Marcadamente, surge no século XVI quando o Rei Felipe e a Rainha Maria Tudor concedem
o monopólio real para garantir a comercialização de livros à associação de donos de livrarias e
livreiros na Inglaterra. Embora fossem os livreiros comerciantes, em troca do privilégio,
exerciam a censura sobre as publicações que não fossem de acordo com a posição da realeza.
Assim, o surgimento deste direito assegurou proteção aos livreiros e não ao autor. Tal direito
constou das Leis na Inglaterra e foram herdadas pelos Estados Unidos da América.

13
ABRÃO, Eliane Yachouh. Direitos de autor e direitos conexos. São Paulo: Editora do Brasil, 2002. p. 29.
14
Idem. p. 32-33.
9

Em seu livro, HENRIQUE GANDELMAN15 bem registra:

“Na Inglaterra, começa-se a reconhecer formalmente o copyright – e daí, também, a


palavra royalty: o rei, isto é, a Coroa, concedia uma regalia (protegendo por 21 anos,
e após registro formal) para as cópias impressas de determinada obra. O prazo de
proteção era contado da data da impressão, e as obras não impressas somente eram
protegidas por 14 anos. Estamos nos referindo ao Copyright Act, de 1709, da Rainha
Ana. Antes, contudo, o Licensing Act, de 1662, já proibia a impressão de qualquer
livro que não estivesse licenciado ou registrado devidamente. Desta maneira,
exercia-se sutilmente, também, uma forma de censura prévia, pois só eram
licenciados aqueles livros que não ofendessem os interesses (políticos,
principalmente) dos licenciadores.”

A censura implícita sobre os autores termina no início do século XVIII. É o fim do


Licensing Act de 1662. O célebre Ato de Anne (1710) contém segundo ELIANE ABRÃO três
méritos a serem destacados:

“a) transformou o direito de cópia dos livreiros (monopólio e censura) em um


conceito de regulação comercial, mais voltado à promoção do conhecimento e à
diminuição dos respectivos poderes (limitação no tempo, liberdade de cessão do
copyright e controle de preços);
b) criou o domínio público para a literatura (cada livro poderia ser explorado por
catorze anos, podendo esse prazo ser prorrogado por uma única vez) acabando com
a perpetuidade, porque, no velho sistema, toda literatura pertencia a algum livreiro
para sempre, e somente a literatura que se enquadrasse nos padrões censórios deles
poderia ser impressa;
c) permitiu que os autores depositassem livros em seu nome pessoal, tirando-os,
por um lado, do anonimato e por outro criando a memória intelectual do país com a
doação de livros às universidades e bibliotecas públicas.”16

Trata-se aqui do início do reconhecimento da identidade do artista como criador,


pelo Estado. É a descoberta do poder da circulação das idéias. Estas, exteriorizadas, em um
suporte físico começavam a ser valoradas e reconhecidas sua paternidade. As obras, no caso,
literárias se tornam fonte de conhecimento. O know-how inserido nestas obras teria preço?

2.2 PROTEÇÃO E OBJETO DO DIREITO AUTORAL (LEI Nº 9.610/98)

Na atualidade, o Direito Autoral se ocupa com a proteção à criação artística,


científica ou literária de todo indivíduo pertencente à sociedade, capaz ou não juridicamente,
que vier a exteriorizar suas idéias / pensamentos / sentimentos. O Direito autoral ”protege”
15
GANDELMAN, H. De Gutenberg à internet. Direitos autorais na era digital. 2. ed. ampl. e atual. São Paulo: Record,
1997. p. 29.
16
ABRÃO, Eliane Yachouh. Direitos de autor e direitos conexos. São Paulo: Editora do Brasil, 2002. p. 29.
10

quem for suficientemente capaz expressar de alguma forma, o espírito humano e sua
produção.

Intencionalmente, foi utilizado o termo protege. Mais preciso seria dizer que o
Estado apenas reconhece a existência de direitos na atividade de criação. Se o indivíduo que
cria uma obra intelectual obterá suas prerrogativas morais e patrimoniais efetivamente
respeitadas por seus pares, e se o Estado pode de garanti-las, isto é, assegurar sua efetividade
dos direitos, já é outra etapa.

O Presidente da Comissão de Direitos da Propriedade Intelectual do Instituto dos


Advogados Brasileiros e Membro da Comissão Estadual de Defesa da Propriedade do Rio de
Janeiro, JOÃO CARLOS DE CAMARGO EBOLI17, entre outros tópicos destacou que:

“(...) O autor será sempre uma pessoa física e só ele ou seus herdeiros poderão
exercer o direito moral. Já o direito patrimonial poderá também ser exercido por
pessoas distintas, físicas ou jurídicas, na qualidade de sucessoras do autor, quer
como herdeiras, legatárias, cessionárias ou licenciadas. (...)
A Lei brasileira define com precisão os três tipos ou modalidades genéricas de
direitos essencialmente compreendidos no campo dos direitos patrimoniais: o direito
de reprodução, o direito de distribuição e o direito de comunicação ao público.
Ao definir a distribuição e a comunicação ao público, a nossa Lei consagra o
princípio da disponibilidade, ou seja, a máxima de que a simples disponibilização
da obra ao público já tipifica uma nova modalidade de utilização, que
obviamente dependerá da prévia e expressa autorização do autor. Quando expõe o
conceito de reprodução, a Lei de regência abarca expressamente a cópia por meios
eletrônicos, referindo-se a qualquer forma de armazenamento permanente ou
temporário. (...)
Para se ter uma idéia da importância econômica desse conceito, citamos o fato de
que, só no primeiro trimestre deste ano, o hit Festa no Ap, de Latino e Dalmo Beloti,
foi alvo de mais de dois milhões e setecentos mil downloads, correspondentes ao
número de chamadas –ringtones – em que foi executada em telefones celulares em
todo o país. Como o direito cobrado por cada chamada é, atualmente, de vinte e
quatro centavos de real, a respectiva retribuição autoral equivalerá a
aproximadamente R$ 576 mil. Estamos falando em uma única obra, em um espaço
de apenas três meses !
(...) O prazo de proteção estabelecido em nossa Lei é de 70 anos, contados do dia 1º
de janeiro do ano subseqüente ao do falecimento do autor. A partir daí a obra cairá
em domínio público. Será de 70 anos o prazo de proteção dos direitos patrimoniais
sobre as obras anônimas e pseudônimas, contado do dia 1º de janeiro do ano
imediatamente posterior ao da primeira publicação. De 70 anos será também o prazo
de proteção das obras audiovisuais e fotográficas, a contar de 1º de janeiro do ano
subseqüente ao de sua divulgação. Igualmente de 70 anos será o prazo de proteção
aos direitos conexos, contados a partir de 1º de janeiro do ano subseqüente à
fixação, para os fonogramas, à transmissão, para as emissões das empresas de
radiodifusão, e à execução e representação públicas, para os demais casos. (...) As
obras folclóricas são consideradas de domínio público. (...)
17
EBOLI, João C. C.. In: SEMINÁRIO SOBRE PROPRIEDADE INTELECTUAL E DIREITO DE IMAGEM, -
CODEPIN – Comissão Estadual de Defesa da Propriedade Intelectual, no Rio de Janeiro, em 19 de agosto de 2005.
Disponível em: < http://www.vivercidades.org.br/publique222/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm? infoid=949&sid=21>. Acesso
em: 20 mar. 2008.
11

Felizmente a legislação nacional não acolhe os institutos da licença legal,


compulsória, e do domínio público remunerado – pagante –, que podem se prestar
ao cerceamento da difusão cultural e ao indesejável controle da criação intelectual
pelo Estado. (...) Os negócios jurídicos sobre direitos autorais interpretam-se
restritivamente e se presumem onerosos, razão por que a gratuidade, se existir,
deverá ser expressamente declarada no respectivo instrumento.
Utilize, exiba, divulgue, mas, antes, consiga o sinal verde da autorização.”

O objeto do Direito Autoral está disposto no artigo 7º da Lei 9.610/98 18. Garante
este proteção para aquelas criações do espírito humano exteriorizadas em qualquer suporte,
conhecido ou que se invente no futuro, tangível ou intangível. Basicamente, são os textos de
obras literárias, artísticas ou científicas (nas ciências, a proteção recairá sobre a forma literária
ou artística, não abrangendo o seu conteúdo científico ou técnico, sem prejuízo dos direitos
que protegem os demais campos da propriedade imaterial conforme §3º do mesmo artigo); as
conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza; as obras dramáticas e
dramático-musicais; as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por
escrito ou por outra qualquer forma; as composições musicais, tenham ou não letra; as obras
audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas; as obras fotográficas e as
produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia; as obras de desenho, pintura,
gravura, escultura, litografia e arte cinética; as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da
mesma natureza; os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia,
topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência; as adaptações, traduções e outras
transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova; os programas
de computador (estes são protegidos por lei especifica 9.609/98); e as coletâneas ou
compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por
sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual
(embora a proteção à criação seja independente dos direitos autorais dos dados ou materiais
nela contidos). Este rol é meramente exemplificativo, pois em ocorrendo alguma outra
possibilidade que se enquadre no caput do artigo também será protegida de igual maneira.

As idéias, os procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos


matemáticos, esquemas, planos regras para realizar atos mentais, jogos ou negócios não são
protegidos, conforme o artigo 8º da LDA. Os formulários em branco para serem preenchidos
com qualquer tipo de informação, científica ou não, e suas instruções, os textos de tratados e
convenções, leis, decretos, regulamentos, decisões judiciais e demais atos oficiais também não

18
BRASIL. Lei n 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá
outras providências. “Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou
fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro...”.
12

são alvo da proteção do direito de autor. Assim como calendários, agendas, cadastros 19, os
nomes e títulos isolados nem o aproveitamento de forma industrial ou comercial das idéias na
criação. Porém, em se tratando de base de dados, conforme o artigo 87 da LDA, o titular de
seus direitos patrimoniais poderá exclusivamente, autorizar ou proibir a reprodução da base
(total ou parcial) em qualquer meio ou processo. Também, este titular, controlará a tradução,
adaptação, reordenação ou outra modificação na base de dados, inclusive a reprodução,
distribuição (ou comunicação ao público) dos trabalhos derivados. Autorizará ou não, a
distribuição do original ou cópias dessa base de dados, bem como sua comunicação ao
público.

O registro de obras intelectuais em nosso país é facultativo. A proteção legal


independe de formalidades. Vale o registro, apenas como uma prova. Porém, o registro é
aconselhável, para lastrear o princípio da anterioridade, quando existir alguma dúvida quanto
à autoria da obra.

2.3 O CONTEÚDO DO DIREITO AUTORAL E A QUEBRA DE PARADIGMA

O direito autoral presume que o autor seja remunerado toda vez que alguém quiser
empreender ou obter lucro através de sua obra. Na Lei nº 9.610/98, são respeitados os direitos
ou prerrogativas dos dois tipos: os morais e os patrimoniais:

“Art. 22. Pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que
criou.”

O conteúdo do direito autoral é o conjunto de prerrogativas que os autores têm em


relação às suas criações. Algumas prerrogativas são de ordem moral, enquanto outras são de
ordem patrimonial. Segundo BITTAR20, estas prerrogativas que são traduzidas em direitos
morais e direitos patrimoniais, estão entrelaçadas:

“São direitos unos e incindíveis quanto à respectiva textura, ou seja, enquanto


componentes do acervo patrimonial do autor – caráter unitário do Direito do Autor –
podendo, no entanto, merecer divisão na medida do interesse do titular, sob aspecto
19
A menos que seja um Banco de Dados específico que arquive ou processe de forma peculiar as informações nele contidas,
regido pelo artigo 87 da LDA.
20
BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. – 2.ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1994. p 43.
13

patrimonial, para efeito de possibilitar a circulação da obra e a percepção, por ele,


dos proventos correspondentes, exatamente como se previu quando da sua
consagração legislativa, como direito ligado à criação e não dependente de outorga
da autoridade vigente no sistema dos privilégios...”

Diante de sua natureza sui generis, a obra sendo imaterial (embora plasmada em
algum suporte), não pertence ao direito de propriedade (direito real das coisas), devido a suas
características personalíssimas, porém é suscetível da comercialização.

Logo, para se explorar economicamente uma obra, alguém que não seja autor deverá
negociar com o artista-criador (ou titular do direito) a autorização/cessão dos direitos
patrimoniais. Os direitos patrimoniais são prerrogativas que produzem muitos recursos no
mundo: execução de músicas, publicação de livros, venda de CDs, etc.

Apenas os direitos patrimoniais podem ser negociados ou cedidos a terceiros.


Entende-se que tanto pessoas físicas como jurídicas (fundações ou produtoras fonográficas
através da cessão) podem ser titulares dos direitos patrimoniais.

Diferentemente dos patrimoniais, os direitos morais são de cunho personalíssimo.


Dizem respeito a aspectos próprios da pessoa que criou com a paternidade da obra, direito da
integridade do suporte, direito a ineditude21, direito de arrependimento, direito de acesso,
direito a recolher a obra quando julgar necessário, o direito de sentir prejudicado por mau-uso
da obra ou prejudicial à dignidade do próprio autor.

2.3.1 Direitos morais de autor

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso IX, reconhece o direito moral de
autor, decorrente da liberdade de expressão da atividade intelectual, artística e científica22.

A Constituição Federal, também, em seu artigo 5º, incisos XXVII e XXVIII,


assegura os direitos morais e vizinhos perante a sociedade23.
21
Neologismo para expressar o direito ao inédito como sendo uma qualidade da obra.
22
BRASIL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 – “Art. 5º
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura
ou licença;”
23
BRASIL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 – “Art. 5º
14

Na Lei 9610/98, em seu artigo 24, estão explicitados os direitos morais24.

O Estado cuidará das obras, e principalmente das prerrogativas morais, quando não
existirem mais sucessores, conforme artigo 24, §2º c/c artigo 45, I25 da LDA. A Lei não faz
referência de prazo de proteção dos direitos morais, só dá prazo para os direitos patrimoniais,
conforme artigo 41: 70 anos contados de 1° de janeiro do ano subseqüente ao falecimento do
autor.

2.3.2 Direitos patrimoniais de autor

XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível
aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;
XXVIII - são assegurados, nos termos da lei:
a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive
nas atividades desportivas;
b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos
criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas;”
24
BRASIL. Lei n 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá
outras providências. “Art. 24. São direitos morais do autor:
I - o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra; (Direito a paternidade)
II - o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na
utilização de sua obra; (Direito à nominação – plágio)
III - o de conservar a obra inédita; (Direito ao inédito)
IV - o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer
forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra; (Direito de manter a integridade
da obra)
V - o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada; (Direito de modificar a sua obra)
VI - o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a
circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e imagem; (Direito ao arrependimento)
VII - o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre legitimamente em poder de outrem, para o
fim de, por meio de processo fotográfico ou assemelhado, ou audiovisual, preservar sua memória, de forma que cause
o menor inconveniente possível a seu detentor, que, em todo caso, será indenizado de qualquer dano ou prejuízo que
lhe seja causado ... (Direito ao acesso)(...)
§ 2º Compete ao Estado a defesa da integridade e autoria da obra caída em domínio público. (O Estado defenderá a
integridade de obra em domínio público)
§ 3º Nos casos dos incisos V e VI, ressalvam-se as prévias indenizações a terceiros, quando couberem.(...) (Indenização a
terceiros)
Art. 27. Os direitos morais do autor são inalienáveis e irrenunciáveis.
Art. 24(...) § 1º Por morte do autor, transmitem-se a seus sucessores os direitos a que se referem os incisos I a IV.
25
BRASIL. Lei n 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá
outras providências.
Art. 24 § 2º Compete ao Estado a defesa da integridade e autoria da obra caída em domínio público. (...)
Art. 33. Ninguém pode reproduzir obra que não pertença ao domínio público, a pretexto de anotá-la, comentá-la ou
melhorá-la, sem permissão do autor. (...)
Art. 45. Além das obras em relação às quais decorreu o prazo de proteção aos direitos patrimoniais, pertencem ao
domínio público:
I - as de autores falecidos que não tenham deixado sucessores;
II - as de autor desconhecido, ressalvada a proteção legal aos conhecimentos étnicos e tradicionais.
15

Habitualmente, quem cria e produz, o faz, pode fazê-lo a partir daquilo que
consumiu anteriormente. Ou então transcender e realizar obras que nos espantem justamente
porque inexplicáveis de compreender como o autor alcançou “aquilo” que parece divino.
Incrivelmente, o nada também é algo. Lembremos que um copo vazio está cheio de ar.

Basicamente e metaforicamente, um criador que produz arte poderá metabolizar


aquilo que lhe foi anteriormente exteriorizado por outros artistas/criadores. Embora seja
“consumidor” de cultura, o artista, neste caso, transcende e exterioriza um algo novo e
original que se somará a cultura (algo que passará a ser de todos e pertencer ao binômio:
coletivo - cultural).

Por mais óbvio que pareça, vivemos numa a sociedade de consumo, onde tudo o que
é divulgado, é inteiramente consumido. Neste novo canal de mídia, a internet, o consumo
tornou-se direto. Pois, algumas empresas conseguiram romper com o paradigma anterior
(onde a contabilidade da arrecadação é arcaica e diretamente proporcional ao número de
cabeças como eram coletados os impostos desde a antiguidade) e conectam (linkam) “criador”
e “consumidor”, desvinculando o lucro direto com o usuário através de contratos de
patrocínio comercial indireto.

Dentro do tradicional e convencional pensamento dos direitos patrimoniais, se é


adquirido um exemplar de uma obra musical, BRUNO HAMMES sabiamente afirma:

“O autor continua com seu direito exclusivo sobre a obra ainda que o substrato
material pertença a outrem. Somente assim é possível compreender que o
proprietário de um exemplar da obra não o pode utilizar irrestritamente. Ainda que
tenha direito de transferir a propriedade desse exemplar, não pode dispor do
conteúdo intelectual da obra. Não pode produzir novos exemplares da obra. Não
pode utilizar a obra em público, mesmo que o faça imaterialmente: execução,
representação, declamação, recitação, etc. O direito patrimonial é o mais amplo
possível.”26

Contudo, existem limitações ao direito do autor enunciadas no corpo da lei de


proteção autoral brasileira:

“Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais: (...) V - a utilização de obras
literárias, artísticas ou científicas, fonogramas e transmissão de rádio e televisão
em estabelecimentos comerciais, exclusivamente para demonstração à clientela,
desde que esses estabelecimentos comercializem os suportes ou equipamentos que
permitam a sua utilização; (...)
26
HAMMES, Bruno Jorge. O direito de Propriedade Intelectual. 3 ed. Editora Unisinos: São Leopoldo. 2002. p.82.
16

Art. 49. Os direitos de autor poderão ser total ou parcialmente transferidos a


terceiros, por ele ou por seus sucessores, a título universal ou singular, pessoalmente
ou por meio de representantes com poderes especiais, por meio de licenciamento,
concessão, cessão ou por outros meios admitidos em Direito, obedecidas as
seguintes limitações: I - a transmissão total compreende todos os direitos de autor,
salvo os de natureza moral e os expressamente excluídos por lei; (...)”

É recomendável, sempre, que os direitos patrimoniais devam ser transferidos através


de documento escrito27, conforme determina o artigo 49, inciso III da LDA. Se por um lado,
as prerrogativas morais não podem ser objeto de transferência, já as patrimoniais, em caso de
negociação, cessão ou concessão, presumem-se onerosas, com cláusulas específicas sobre o
preço, lugar e tempo, conforme os artigos 50 §2° e 49 incisos V e VI 28. A cessão de direitos
será sempre interpretada de maneira restritiva29, ou seja, a favor do autor ou titular do direito.

Há artistas/autores que criam obras com tamanha originalidade que não sabemos
como puderam fazer nascer tamanha obra do espírito, e outros que aproveitam-se e se
inspiram em obras já existentes, criando novas. Outros fazem adaptações, traduções, arranjos,
produzindo verdadeiras obras derivadas que dependem de autorização da obra primígena.
Mas, muito comumente encontramos o oposto: aqueles que consomem simplesmente a arte,
sem nada produzir a partir da criação inicial.

De forma direta, percebe-se que o foco do direito autoral patrimonial deslocou-se da


arrecadação quantitativa de cópias emitidas, para quantidade de usuários-consumidores
conectados em rede. Este deslocamento aconteceu à revelia dos princípios tradicionais do
direito autoral até agora vigentes. De agora em diante, as modernas empresas promotoras
ganham com a quantidade links (P2P) que estabelecem, não importando se o conteúdo das
conexões é autorizado pelo autor ou não30.

27
BRASIL. Lei n 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá
outras providências. “Art. 49-...
II - somente se admitirá transmissão total e definitiva dos direitos mediante estipulação contratual escrita;”
28
BRASIL. Lei n 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá
outras providências. “Art. 49 – (...)
V - a cessão só se operará para modalidades de utilização já existentes à data do contrato; VI - não havendo
especificações quanto à modalidade de utilização, o contrato será interpretado restritivamente, entendendo-se como
limitada apenas a uma que seja aquela indispensável ao cumprimento da finalidade do contrato.
Art. 50 - (...)
§ 2º Constarão do instrumento de cessão como elementos essenciais seu objeto e as condições de exercício do direito
quanto a tempo, lugar e preço.”
29
BRASIL. Lei n 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá
outras providências. “Art. 4º Interpretam-se restritivamente os negócios jurídicos sobre os direitos autorais.
30
“LUCRO DA UOL: No último trimestre de 2007, o lucro líquido totalizou 17,5 milhões de reais, queda de 38% em
comparação com o mesmo período do ano anterior, enquanto a receita líquida de serviços cresceu 13%, e saltou para
146,4 milhões de reais. A receita bruta de publicidade caixa (incluindo links patrocinados, publicidade de marca e
novos produtos) impulsionou os resultados anuais. Ela cresceu 28% em relação ao ano anterior, chegando a 191,7
17

2.3.3 Direitos conexos

Normalmente, são três os titulares dos direitos conexos: o artista intérprete, em


relação a sua execução musical; o produtor de fonogramas, quanto a produção de sons
musicais; e o canal de mídia utilizado para difusão (radiodifusão) quanto ao programa.

Os direitos conexos são resultado da nova realidade surgida no século XIX: a


tecnologia possibilitou a fixação de sons e imagens. Daí, a necessidade de reconhecerem-se os
direitos dos intérpretes e ainda dos produtores fonográficos como se reconhecem os direitos
originários aos organizadores de obras coletivas.

Diante da nova realidade, na Europa, surgiu a lei alemã de 1901, a lei húngara em
1921, a lei suíça em 1922, a britânica em 1925, a portuguesa, a finlandesa, ambas em 1927 e a
italiana em 1941, todas disciplinando os direitos conexos. Na América Latina, o México e a
Argentina bem como a Colômbia trouxeram até 1946 a proteção aos direitos dos artistas,
intérpretes e executantes incluindo também os direitos dos produtores de fonogramas.

Houve também durante a Revisão da Convenção de Berna em Roma (1928) e


também em Bruxelas (1948) a preocupação quantos a proteção dos direitos dos produtores de
fonogramas.

Foi, então, construída uma doutrina que possibilitava a proteção de pessoas e


entidades que embora não fossem propriamente autores, participavam do processo criativo de
outras maneiras. Por se assemelharem aos direitos autorais foram chamados de direitos
vizinhos, análogos, afins ou conexos.

milhões de reais em 2007. Também auxiliaram os bons resultados do provedor os assinantes pagantes de banda larga, que
chegaram a 973 mil em dezembro de 2007, representando crescimento de 23% sobre igual período em 2006. A banda
larga equivale a 58% da base de assinantes do provedor. A receita bruta de assinaturas, no quarto trimestre do ano
passado, cresceu 5%, saltando para 132,3 milhões de reais. Segundo o balanço, o número de visitantes únicos do portal
aumentou 45% em dezembro de 2007, comparado com o mesmo período de 2006. O UOL registrou ainda 1,66 milhão de
páginas vistas, com tempo médio de permanência de 1 hora e 4 minutos no neste mês. O custo total dos serviços
prestados em 2007 ficou em 216,5 milhões de reais, e no quarto trimestre, em 62,1 milhões de reais, graças ao aumento
dos custos relacionados aos novos produtos e banda larga.” (Lucro líquido do UOL cresce 18% graças a publicidade e
banda larga. IDG NOW!). Disponível em: <http://idgnow.uol.com.br/mercado/2008/02/25/lucro-liquido-do-uol-cresce-
18-gracas-a-publicidade-e-banda-larga>. Acesso em: 10 mar. 2008.
18

Assim, com a participação da FIM – Federação Internacional de Músicos e da FIA –


Federação Internacional de Artistas, aprovou-se a CONVENÇÃO INTERNACIONAL
SOBRE A PROTEÇÃO DOS ARTISTAS INTÉRPRETES OU EXECUTANTES, DOS
PRODUTORES DE FONOGRAMAS E DOS ORGANISMOS DA RADIODIFUSÃO, sob os
auspícios da OMPI, OIT e UNESCO.

A lei forjou, assim, uma proteção internacional forte para os intérpretes e produtores
de fonogramas. Porém, não se imaginava transformações tão radicais do mundo. 31

Os direitos conexos, agora, podem ficar reunidos na pessoa do artista. Isto é algo
que muitos músicos perseguiam durante décadas, simplificando a interpretação do artigo 89
da Lei 9610/98:

“Art. 89 – As normas relativas aos direitos de autor aplicam-se, no que couber, aos
direitos dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores fonográficos e das
empresas de radiodifusão.”

Na internet, os músicos têm a visibilidade que necessitam. E continuam a vigorar os


artigos que prevêem a proteção dos direitos conexos quando ocorrerem execuções públicas
em shows, rádios TVs convencionais, as quais continuarão necessitando de autorização para

31
“(...) não se pode deixar de atribuir ao artista, intérprete ou executante a titularidade originária de um direito conexo
(moral e patrimonial) ao dos autores.(...) em sua primeira fase, a publicação fonográfica era conhecida como “edição
fonomecânica”. A segunda fase, a da gravação elétrica, veio revolucionar os métodos anteriores e fez surgir no cenário
artístico a figura do “Produtor Fonográfico que – diversamente do seu antecessor, o “fabricante” – não se limita à
captação de sons, porém “produz” estes sons valendo-se de meios técnicos e artísticos para obter um todo indivisível
composto de uma obra musical, de uma interpretação e de um conjunto de efeitos artísticos, que trazem o selo de sua
personalidade, como elaboração intelectual, autônoma e independente: o fonograma .
(...) a eletrônica revolucionou a técnica de gravação. Foram introduzidos distorcedores, equalizadores, filtros, câmaras
de eco, canais múltiplos de gravação, toda uma gama, enfim, que corresponde a uma infinidade de recursos que,
artisticamente empregados, transformam o estúdio de gravação em um imenso e complexo instrumento musical,
confiado ao talento de intérpretes, executantes, arranjadores, diretores de produção, maestros, regentes, técnicos de som,
montagem, mixagem, corte etc. Mais recentemente, novas tecnologias vieram revolucionar ainda mais a atividade
fonográfica. Paulatinamente, o processo digital vem substituindo o analógico, que hoje (século XX) é utilizado apenas
em aproximadamente 10% da produção sonora. Cresce também, em escala quase exponencial, inclusive graças ao
advento da internet, a reprodução e distribuição de fonogramas por meios eletrônicos, que, em um futuro não muito
distante, substituirá total ou quase totalmente a tradicional reprodução por meios físicos, por intermédio de suportes
materiais, como é o caso dos CDs.
(...) a atribuição de um direito conexo originário, de cunho patrimonial, ao produtor de fonogramas justifica-se
amplamente, inclusive para assegurar a praticidade e a celeridade na comercialização dos fonogramas, o que vem ao
encontro dos interesses econômicos de todos os demais titulares de direitos autorais, em sentido amplo, que participam
das produções, aí compreendidos os artistas, intérpretes, executantes, autores das obras musicais e lítero-musicais
utilizadas, assim como os produtores musicais e artísticos.”. Henry Jessen In: EBOLI, João Carlos de Camargo. Os
Direitos Conexos Revista CEJ, Brasília, n. 21, p. 31-35, abr./jun. 2003. Disponível em: <http://www.jf.jus.br/>. Acesso
em 20 abr 2008.
19

cada exibição das obras ao público, são casos eventuais em que o artista não pode fazê-lo por
meios próprios.

Dessa forma, também a radiodifusão ficará de fora do processo (espoliativo), como


refere o músico LOBÃO em entrevista do ano de 2000, a Revista Caros Amigos:

“No caso das independentes (gravadoras), além de não ter o poderio econômico para
distribuição, você não tem poderio econômico para divulgação, você não pode nem
tocar em rádio. Porque se sabe que o preço do jabá oficial é 1 dólar a unidade.
Então, se vender 150.000 cópias, eles ficam com 150.000 dólares por executar sua
música. (...)
um radialista do Rio Grande do Sul me disse: 'Adoro seu disco, tenho até em casa,
mas a gravadora não me dá jabá, não vou tocar'." (...)
Edson Natale - Mas como é que você vai combater o jabá se quem deve fazer a lei é
o deputado e o deputado é o dono da rádio? O dinheiro vai para ele.”32

Em entrevista seguinte, em 2001, LOBÃO já antevia uma solução para a situação-


problema do músico ...

“(...) (a música) tem uma demanda, ... no Brasil inteiro que existe uma demanda. Eu
estou recebendo milhares de CDs de todo mundo, solicitando coisas, (...) numa rádio
não de muita audiência no Rio de Janeiro, o cara pediu R$ 30,00 mil reais para tocar
três vezes por dia, numa semana. (...) Então, o projeto é juntar justamente meios de
comunicação via INTERNET, eu uso muito, o próprio site, o uol, a intelig, enfim
todos esses veículos, boto música em MP3, faço uma série de processos de
viabilização ali, conectar com as rádios comunitárias e televisões universitárias e
comunitárias, enfim conectar com todo esse universo, porque uma coisa tende a
potencializar a outra, muito. Porque elas não estão conectadas ainda está
entendendo, elas estão muito avizinhadas. Mas não estão articuladas Então, quando
isso der uma liga,... está prestes a acontecer,... eu acredito piamente nisso.”33

Nesta mesma oportunidade NEHEMIAS GUEIROS JR. e LOBÃO explicam a


situação dos direitos dos editores fonográficos e dos autores:

“Nehemias Gueiros Jr.: o produtor fonográfico ele é titular sim, (...) ele não é
proprietário intelectual, ele é titular intelectual, do que ele fixou e ponto. E aí
ele coloca o decênio de proteção, nós temos brigado, temos conseguido sete anos de
proteção, a gente pede cinco anos, eles colocam sete, e no contrato padrão durante
10 anos, após o lançamento você não pode regravar a sua própria obra, para não
competir com ele. Passou dez anos você pode regravar a vontade. Pegou a mesma
obra colocou um triângulozinho, já é uma outra obra, um outro fonograma.
Lobão: Mas é isso que eu estou fazendo, Nehemias. Eu não estou regravando, eu
estou copiando do que foi gravado na gravadora. Eu estou piratiando a obra deles,
com a maior cara de pau e na lei. Porque eles abriram o precedente da propriedade
intelectual, então vou gravar.

32
GUEIROS JR., Nehemias; ZECA BALEIRO; LOBÃO. O som da ética. Revista Caros Amigos. São Paulo,
janeiro/2000 – p.22-28. Debate sobre gravadoras, o jabá nas rádios, o ECAD.
33
GUEIROS JR., Nehemias; LOBÃO. Trombeta – Cafémusic Especial - O Direito Autoral no Show Business - A
Música - 25/04/01. RS MÚSICA 2001 em Porto Alegre nos dias 9, 10 e 11 de Abril. Disponível em: <http://trombeta.
cafemusic.com.br/trombeta.cfm?CodigoMateria=1231&procura=nehemias%20gueiros>. Acesso em: 10 dez 2007.
20

Dr. Nehemias Gueiros Jr.: Você não está pirateando, Lobão, porque os caras
sentaram em cima do teu catalogo e foram passear.” 34

Devemos observar que vivemos numa sociedade de consumo. Sem esquecermos que
o consumidor é a parte vulnerável da relação. É a parte frágil. O espírito da lei era
proporcionar a manutenção do canal de acesso do público a cultura, embora este, até aqui,
fosse lento e viciado. Hoje, com o sistema digital (internet) o antigo modelo de produção e
distribuição musical tradicional tornou-se superado. O modelo ruiu. Implodiu.

2.4 CONVENÇÃO DE BERNA E ACORDO TRIPS/ADIPC - WIPO

Antes da Convenção de Berna de 1886 (a União Internacional para a Proteção das


Obras Literárias e Artísticas), ocorriam tentativas internacionais com tratados bilaterais em
matéria de reconhecimento do direito do autor entre os países. Berna foi e continua sendo um
instrumento-padrão internacional. Embora iniciada entre países europeus, perdeu este âmbito
com a entrada de muitos outros países, inclusive Estados Unidos, Rússia e China.

Segundo ASCENSÃO35 o problema atual são “veículos de comunicação de obras


que ultrapassam as fronteiras, como seja a radiodifusão por meio de satélites artificiais e as
auto-estradas da comunicação.”

A Convenção de Berna36 é fortemente protecionista, sendo atualmente administrada


pela Organização Mundial da Proteção Intelectual (OMPI). Tem como um princípio
fundamental o princípio do tratamento nacional, em seu artigo 5º. 37 A garantia dos mínimos

34
GUEIROS JR., Nehemias; LOBÃO. Trombeta – cafémusic Especial - O Direito Autoral no Show Business - A Música -
25/04/01. RS MÚSICA 2001 em Porto Alegre nos dias 9, 10 e 11 de Abril. Disponível em: <http://trombeta.
cafemusic.com.br/trombeta.cfm?CodigoMateria=1231&procura=nehemias%20gueiros>. Acesso em 10 dez 2007.
35
ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito autoral. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1997-2007. p.635.
36
Convenção de Berna. Ministério da Justiça. Disponível em: <http://www.mj.gov.br/services/DocumentManagement
/FileDownload.EZTSvc.asp?DocumentID=%7BC88A55A9-A88D-41B5-88A2-8EF37A27129F%7D&ServiceInstUID=%7B
B78EA6CB-3FB8-4814-AEF6-31787003C745%7D >. Acesso em: 20 mar. 2008.
“- Princípios fundamentais:
I - o princípio do tratamento nacional;
II – Garantia dos mínimos convencionais;
III - a determinação do país de origem da obra; e
IV – o princípio da conformidade da legislação interna.”
37
Convenção de Berna. – “Artigo 5
(1) Os autores gozam, no que concerne às obras quanto às quais são protegidos por força da presente Convenção, nos
países da União, exceto o de origem da obra, dos direitos que as respectivas leis concedem atualmente ou venham a
conceder no futuro aos nacionais, assim como dos direitos especialmente concedidos pela presente Convenção.
21

convencionais, se refere às regras mínimas de proteção que não podem ser postergadas pelas
legislações dos países membros. Regras essas que vão sendo incluídas a cada nova revisão da
Convenção. A determinação do país de origem da obra também é determinada no artigo
5º(4)38. E temos, também, o princípio da conformidade da legislação interna. Este princípio é
o mais atingido, pois exige que as legislações internas dos países incluam o direito pessoal. A
despeito de nem todos os países respeitarem os direitos pessoais, também o copyright é avesso
a tal prerrogativa39.

Em 1952, em Genebra, ocorreu a CONVENÇÃO UNIVERSAL DO DIREITO DO


AUTOR, que foi revista em 1971. Foi uma tentativa de oposição a Berna, que até então teria o
cunho extremamente europeu. Embora ligada a UNESCO não vingou, pois a Convenção de
Berna continha um dispositivo que diante do abandono da “União” por algum país-membro,
todas as suas obras não seriam mais protegidas internacionalmente40. Diante de tal coerção,
poucos países ratificaram esta Convenção.

Embora tenha natureza sui generis e ser um bem imaterial, a partir de 1979, a
propriedade intelectual foi alvo de discussão pelo comércio internacional com a criação do
GATT - General Agreement of Tariffs and Trade. Na instauração da OMC - Organização
Mundial do Comércio em 1994, durante a Rodada do Uruguai, materializou-se a intenção de
estabelecer-se um Acordo Relativo aos Aspectos da Propriedade Intelectual Relacionados ao
Comércio (TRIPs/ADPICs). Este acordo foi fruto, em parte, da obsolescência dos debates das
Convenções de Berna e Genebra circunscritos à soberania e território dos Estados-membros.

(2) O gozo e o exercício desses direitos não estão subordinados a qualquer formalidade; esse gozo e esse exercício
independem da existência da proteção no país de origem das obras. Por conseguinte, afora as estipulações da presente
Convenção, a extensão da proteção e os meios processuais garantidos ao autor para salvaguardar os seus direitos
regulam-se exclusivamente pela legislação do País onde a proteção é reclamada.
(3) A proteção no pais de origem é regulada pela legislação nacional. Entretanto, quando o autor não pertence ao país
de origem da obra quanto à qual é protegido pela presente Convenção, ele terá nesse país, os mesmos direitos que os
autores nacionais.”
38
Convenção de Berna – “Artigo 5
(4) Considera-se país de origem:
a) quanto às obras publicadas pela primeira vez num dos países da União, este último país; entretanto, se se
tratar de obras publicadas simultaneamente em vários países da União que concedam prazos de proteção
diferentes, aquele entre eles cuja lei conceda prazo de proteção menos extenso;
b) quanto às obras publicadas simultaneamente num país estranho à União e num país da União, este último
país;
c) quanto às obras não publicadas ou quanto às obras publicadas pela primeira vez num país estranho à União,
sem publicação simultânea num país da União, aquele a que pertence o autor; entretanto:
i)se se tratar de obras cinematográficas cujo produtor tenha sua sede ou sua residência habitual num país
da União, o país de origem será este último; e
ii) se se tratar de obras de arquitetura edificadas num país da União ou de obras de artes gráficas e
plásticas incorporadas num imóvel situado em um país da União, o país de origem será este último país.
39
ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito autoral. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1997-2007. p.640.”
40
Ibidem. p.642.
22

ELAINE ABRÃO41 explica sobre o acordo TRIPs/ADPICs que

“(...) Deu-se, então, a grande guinada, no trato internacional da matéria: de obras do


espírito, de caráter estético, cultural, artístico passaram a ser consideradas como
mercadoria, de alta aceitação e consumo no mundo inteiro (a linguagem musical e
virtual da arte entendidas sem necessidade de tradução), posto que fixadas em
suporte mecânico. A razão da mudança residia na percepção por parte dos países
sede de multinacionais da propriedade intelectual da ocorrência: a) de um aumento
brutal nos rendimentos internos e externos em virtude das licenças e concessões de
uso de obras intelectuais (royalties); b) no aumento dos respectivos níveis de
emprego; c) no aumento paralelo da pirataria, que provocava escapes consideráveis
de renda.”

O novo acordo em nada muda a Convenção de Berna. Assim em seu artigo 3º, ele
estabelece o princípio do tratamento nacional42. Elege, também, o princípio do tratamento da
nação mais favorecida no artigo 4º43. O princípio da prevenção de abusos, no qual o Estado
tem a possibilidade de tomar as medidas necessárias que evitem o abuso ou restrinjam o
comércio internacional de tecnologia dispõe o artigo 8º, 2 44. Anuncia o princípio da exaustão
de direitos disposto no artigo 6° dita que após a primeira utilização pública consentida do
exercício do direito sobre a propriedade intelectual os titulares esgotam, não podendo

41
ABRÃO, Eliane Yachouh. Direitos de autor e direitos conexos. São Paulo: Editora do Brasil, 2002. p. 50.
42
Convenção de Berna. – “Artigo 3 - Tratamento Nacional
1. Cada Membro concederá aos nacionais dos demais Membros tratamento não menos favorável que o outorgado a seus
próprios nacionais com relação à proteção (3) da propriedade intelectual, salvo as exceções já previstas, respectivamente,
na Convenção de Paris (1967), na Convenção de Berna (1971), na Convenção de Roma e no Tratado sobre Propriedade
Intelectual em Matéria de Circuitos Integrados. No que concerne a artistas-intérpretes, produtores de fonogramas e
organizações de radiodifusão, essa obrigação se aplica apenas aos direitos previstos neste Acordo. Todo Membro que faça
uso das possibilidades previstas no Artigo 6 da Convenção de Berna e no parágrafo 1 (b) do Artigo 16 da Convenção de
Roma fará uma notificação, de acordo com aquelas disposições, ao Conselho para TRIPS.
2. Os Membros poderão fazer uso das exceções permitidas no parágrafo 1 em relação a procedimentos judiciais e
administrativos, inclusive a designação de um endereço de serviço ou a nomeação de um agente em sua área de
jurisdição, somente quando tais exceções sejam necessárias para assegurar o cumprimento de leis e regulamentos que não
sejam incompatíveis com as disposições deste Acordo e quando tais práticas não sejam aplicadas de maneira que
poderiam constituir restrição disfarçada ao comércio”
43
Convenção de Berna. – “Artigo 4 - Tratamento de Nação Mais Favorecida
Com relação à proteção da propriedade intelectual, toda vantagem, favorecimento, privilégio ou imunidade que um
Membro conceda aos nacionais de qualquer outro país será outorgada imediata e incondicionalmente aos nacionais de
todos os demais Membros. Está isenta desta obrigação toda vantagem, favorecimento, privilégio ou imunidade concedida
por um Membro que:
(a) resulte de acordos internacionais sobre assistência judicial ou sobre aplicação em geral da lei e não limitados em
particular à proteção da propriedade intelectual;
(b) tenha sido outorgada em conformidade com as disposições da Convenção de Berna (1971) ou da Convenção de
Roma que autorizam a concessão tratamento em função do tratamento concedido em outro país e não do tratamento
nacional;
(c) seja relativa aos direitos de artistas intérpretes, produtores de fonogramas e organizações de radiodifusão não
previstos neste Acordo;
(d) resultem de Acordos internacionais relativos à proteção da propriedade intelectual que tenham entrado em vigor
antes da entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC, desde que esses acordos sejam notificados ao Conselho
para TRIPS e não constituam discriminação arbitrária ou injustificável contra os nacionais dos demais Membros.
44
Convenção de Berna. – “Artigo 8 - Princípios
2. Desde que compatíveis com o disposto neste Acordo, poderão ser necessárias medidas apropriadas para evitar o abuso
dos direitos de propriedade intelectual por seus titulares ou para evitar o recurso a práticas que limitem de maneira
injustificável o comércio ou que afetem adversamente a transferência internacional de tecnologia.”
23

terceiros de a utilizarem sob remuneração45. O princípio da obrigatoriedade ou adesão sem


reservas na qual nenhum Estado-Membro poderá pertencer a OMC se opuser reservas ou
condições46. O princípio da cooperação técnica e financeira consta do artigo 6747.

Significativamente, o acordo quanto aos direitos conexos de radiodifusão possibilita


o impedimento da radiodifusão de obras protegidas não autorizadas em países que não
reconhecem tais direitos, tanto a partir dos autores, quanto (música, imagem fotográfica,
textos) como pela empresa de radiodifusão48.

Em 1996, a OMPI – Organização Mundial da Propriedade Intelectual (WIPO)


autorizada pela OMC e ONU, institui o WIPO Copyright Treaty, ou WCT, que versa sobre
direitos de autor, e o WIPO Performances and Phonograms Treaty, ou WPPT, que versa sobre
os direitos conexos dos artistas e dos produtores de fonogramas. Eles são chamados de
“Tratados da OMPI sobre a Internet”, devido, obviamente, as conseqüências do
desenvolvimento da tecnologia digital na pratica, principalmente, do comércio internacional.
Como mencionado anteriormente, embora esses tratados tentem regulamentar ou reconhecer
os direitos como o de locação de programas de computador, obras cinematográficas,
fonogramas e a comunicação ao público, o princípio básico da técnica que desenvolve-se
exponencialmente (quase instantaneamente), tornando tais regras quase ineficazes, pois a cada
restrição imposta, ocorre o contorno por parte de hardwares ou softwares que colocam em
xeque qualquer construção jurídica que demorou anos para se implementada.

O WIPO Copyright Treaty - WCT, reafirma basicamente o acordo TRIPs/ADPICs.


Reafirma, também, Berna, abrindo espaço para os programas de computação e compilação de
dados, bem como a exclusividade para o autor nos direitos de distribuição de sua obra.

45
Convenção de Berna. – “Artigo 6 - Exaustão
Para os propósitos de solução de controvérsias no marco deste Acordo, e sem prejuízo do disposto nos Artigos 3 e 4, nada
neste Acordo será utilizado para tratar da questão da exaustão dos direitos de propriedade intelectual.
46
ABRÃO, Eliane Yachouh. Direitos de autor e direitos conexos. São Paulo: Editora do Brasil, 2002. p. 51.
47
Convenção de Berna. – “Artigo 67- Cooperação Técnica
A fim de facilitar a aplicação do presente Acordo, os países desenvolvidos Membros, a pedido, e em termos e condições
mutuamente acordadas, prestarão cooperação técnica e financeira aos países em desenvolvimento Membros e de menor
desenvolvimento relativo Membros. Essa cooperação incluirá assistência na elaboração de leis e regulamentos sobre
proteção e aplicação de normas de proteção dos direitos de propriedade intelectual bem como sobre a prevenção de seu
abuso, e incluirá apoio ao estabelecimento e fortalecimento dos escritórios e agências nacionais competentes nesses
assuntos, inclusive na formação de pessoal.
48
ABRÃO, Eliane Yachouh. Direitos de autor e direitos conexos. São Paulo: Editora do Brasil, 2002. p. 52.
24

O WIPO Performances and Phonograms Treaty – WPPT, também preserva as


Convenções de Berna e Roma (Direitos Conexos) e dá novas diretrizes para a radiodifusão de
fonogramas bem como sua comunicação pública. Os produtores de fonogramas (sejam eles os
próprios intérpretes ou executantes) continuam com os direitos de produção, distribuição,
aluguel, além do direito de disponibilizar à pessoas (usuários) em geral o acesso e utilização
do fonograma a qualquer hora, local ou meio de transmissão49. Reconhece-se, pela primeira
vez, direitos morais aos artistas interpretes e executantes como dita o texto do artigo 5º50.

ABRÃO51 é veemente: a adesão aos tratados não admite reservas. E, embora o


Brasil não tenha aderido a eles, a Lei 9.610/98, já os recepcionava em suas disposições nos
artigos 80, 86, 87, 90, 92, 93 e 9352.
49
WPPT – OMPI. Disponível em: < http://www.wipo.int/treaties/es/ip/wppt/trtdocs_wo034.html > . Acesso em 20 abr
2008. “Art 14 :
Los productores de fonogramas gozarán del derecho exclusivo a autorizar la puesta a disposición del público de sus
fonogramas ya sea por hilo o por medios inalámbricos, de tal manera que los miembros del público puedan tener acceso a
ellos desde el lugar y en el momento que cada uno de ellos elija.”
50
WPPT – “Art 5°:
(1) Con independencia de los derechos patrimoniales del artista intérprete o ejecutante, e incluso después de la cesión de
esos derechos, el artista intérprete o ejecutante conservará, en lo relativo a sus interpretaciones o ejecuciones sonoras en
directo o sus interpretaciones o ejecuciones fijadas en fonogramas, el derecho a reivindicar ser identificado como el artista
intérprete o ejecutante de sus interpretaciones o ejecuciones excepto cuando la omisión venga dictada por la manera de
utilizar la interpretación o ejecución, y el derecho a oponerse a cualquier deformación, mutilación u otra modificación de
sus interpretaciones o ejecuciones que cause perjuicio a su reputación.
(2) Los derechos reconocidos al artista intérprete o ejecutante de conformidad con el párrafo precedente serán mantenidos
después de su muerte, por lo menos hasta la extinción de sus derechos patrimoniales, y ejercidos por las personas o
instituciones autorizadas por la legislación de la Parte Contratante en que se reivindique la protección. Sin embargo, las
Partes Contratantes cuya legislación en vigor en el momento de la ratificación del presente Tratado o de la adhesión al
mismo, no contenga disposiciones relativas a la protección después de la muerte del artista intérprete o ejecutante de todos
los derechos reconocidos en virtud del párrafo precedente, podrán prever que algunos de esos derechos no serán
mantenidos después de la muerte del artista intérprete o ejecutante.
(3) Los medios procesales para la salvaguardia de los derechos concedidos en virtud del presente Artículo estarán regidos
por la legislación de la Parte Contratante en la que se reivindique la protección.”
51
ABRÃO, Eliane Yachouh. Direitos de autor e direitos conexos. São Paulo: Editora do Brasil, 2002. p. 54.
52
BRASIL. Lei n 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá
outras providências. “Art. 80. Ao publicar o fonograma, o produtor mencionará em cada exemplar:
I - o título da obra incluída e seu autor;
II - o nome ou pseudônimo do intérprete;
III - o ano de publicação;
IV - o seu nome ou marca que o identifique. (...)
Art. 86. Os direitos autorais de execução musical relativos a obras musicais, lítero-musicais e fonogramas incluídos em obras
audiovisuais serão devidos aos seus titulares pelos responsáveis dos locais ou estabelecimentos a que alude o § 3º do art. 68
desta Lei, que as exibirem, ou pelas emissoras de televisão que as transmitirem.
Art. 87. O titular do direito patrimonial sobre uma base de dados terá o direito exclusivo, a respeito da forma da expressão
da estrutura da referida base, de autorizar ou proibir:
I - sua reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo;
II - sua tradução, adaptação, reordenação ou qualquer outra modificação;
III - a distribuição do original ou cópias da base de dados ou a sua comunicação ao público;
IV - a reprodução, distribuição ou comunicação ao público dos resultados das operações mencionadas no inciso II deste
artigo. (...)
Art. 90. Tem o artista intérprete ou executante o direito exclusivo de, a título oneroso ou gratuito, autorizar ou proibir:
I - a fixação de suas interpretações ou execuções;
II - a reprodução, a execução pública e a locação das suas interpretações ou execuções fixadas;
III - a radiodifusão das suas interpretações ou execuções, fixadas ou não;
IV - a colocação à disposição do público de suas interpretações ou execuções, de maneira que qualquer pessoa a
elas possa ter acesso, no tempo e no lugar que individualmente escolherem;
V - qualquer outra modalidade de utilização de suas interpretações ou execuções. (...)
25

2.5 DIREITOS AUTORAIS NA COMUNIDADE EUROPÉIA

Os tratados da OMPI disciplinaram várias matérias referentes aos direitos de autor.


E foram recepcionados, na Europa, pela Diretiva 96/9/CEE, de 11 de Março de 1996 53. O seu
conteúdo previa o âmbito de aplicação, as restrições deste âmbito; o objeto da proteção.
Também especificava a qualidade de autor da base de dados, suas exceções, atos sujeitos a
restrições. Estabelecia a definição de DIREITO SUI GENERIS e no artigo 7º - conferia qual o
objeto da proteção. Direitos e obrigações do utilizador legítimo; as exceções desse direito sui
generis; o prazo de proteção; os beneficiários. No artigo 12º, constavam as sanções: - Os
Estados-membros preverão sanções adequadas, contra a violação dos direitos previstos na
presente diretiva”, simplesmente, sem nada explicita e concretamente.

O direito autoral e conexo já eram, anteriormente, regulamentados, também, pela


DIRETIVA 92/100/CEE do Conselho da União Européia, de 19 de Novembro de 1992,
relativa ao direito de aluguel, ao direito de comodato e a alguns direitos conexos do direito de
autor. Sendo que o prazo de tal direito era regulamentado pela Diretiva 93/98/CEE 54 do
Conselho, de 29 de Outubro de 1993, bem como parte dos direitos conexos.

Ensina ASCENSÃO55, que a Comunidade Européia “pretendeu que se fosse mais


longe, nomeadamente na consagração dum direito de reprodução que reservasse ao autor as
reproduções meramente tecnológicas, como as que se processam no interior dum sistema
informático: mas não conseguiu. (...) Na ânsia de tudo reservar, abandona-se o princípio de
que as operações meramente técnicas não são faculdades reservadas; só o são as utilizações

Art. 92. Aos intérpretes cabem os direitos morais de integridade e paternidade de suas interpretações, inclusive depois
da cessão dos direitos patrimoniais, sem prejuízo da redução, compactação, edição ou dublagem da obra de que tenham
participado, sob a responsabilidade do produtor, que não poderá desfigurar a interpretação do artista.
Art. 93. O produtor de fonogramas tem o direito exclusivo de, a título oneroso ou gratuito, autorizar-lhes ou proibir-lhes:
I - a reprodução direta ou indireta, total ou parcial;
II - a distribuição por meio da venda ou locação de exemplares da reprodução;
III - a comunicação ao público por meio da execução pública, inclusive pela radiodifusão;
IV - (VETADO)
V - quaisquer outras modalidades de utilização, existentes ou que venham a ser inventadas.
Art. 94. Cabe ao produtor fonográfico perceber dos usuários a que se refere o art. 68, e parágrafos, desta Lei os proventos
pecuniários resultantes da execução pública dos fonogramas e reparti-los com os artistas, na forma convencionada entre eles
ou suas associações.”
53
DIRECTIVA COMUNITÁRIA 96/9/CEE. GABINETE DO DIREITO DE AUTOR. Disponível em:
<www.gda.pt/legis lacao_directivas/directiva_05.html>. Acesso em: 20 abr. 2008.
54
DIRECTIVA COMUNITÁRIA 93/98/CEE. GABINETE DO DIREITO DE AUTOR. Disponível
em:<www.gda.pt/le gislacao_directivas/directiva_04.html> . Acesso em: 20 abr 2008.
55
ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito da internet e da sociedade da informação : estudos. Rio de Janeiro: Forense,
2002. p.45-46.
26

que essas operações permitam. Assim, não é reservada a transmissão por ondas hertzianas,
mas sim a recepção da emissão de radiodifusão, que consubstancia o momento da
comunicação ao público.”

Contudo, com o advento da DIRETIVA 2001/29/CE, a Comunidade Européia


tomou para si além das disposições recepcionadas, e aplicando mutatis mutandis às
DIRETIVAS 92/100/CE e 96/9/CE, como referido no artigo 6º, incluiu, também, a previsão
de tutela jurídica que careciam as Diretivas e os Tratados até então ratificados. É o que
verifica-se no conteúdo do artigo 7º da diretiva 56 em tela, quando se explicita que os Estados-
Membros assegurarão a proteção dos direitos do autor contra qualquer pessoa que agir sem
autorização e com conhecimento de causa na manipulação de informações eletrônicas, ou na
distribuição, radiodifusão ou comunicação ao público. Neste ponto fica expresso o que é
ilegal concretamente e não de forma vaga ou abstrata como até então.

Segundo KAMINSKY57, a proteção ao direito do autor é ampliada


consideravelmente em sua eficácia, pois baseado no artigo 6º, notadamente, se o detentor dos
direitos autorais (indicando que nem sempre será o próprio autor) se utilizar de medidas
tecnológicas para impedir a reprodução e usuário insistir no uso desautorizado, configurará
ato ilegal sendo discutida provável punição de três anos de reclusão ou multa de meio milhão
de euros. É o caso da incorporação dos Gerenciadores de Direitos Digitais: os DRMs (Digital
Rights Management).

56
DIRECTIVA 2001/29/CE - PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 22 de Maio de 2001.
Artigo 7°. Obrigações em relação a informações para a gestão dos direitos
1. Os Estados-Membros assegurarão uma protecção jurídica adequada contra qualquer pessoa que, com conhecimento de
causa, pratique, sem autorização, um dos seguintes actos:
a) Supressão ou alteração de quaisquer informações electrónicas para a gestão dos direitos;
b) Distribuição, importação para distribuição, radiodifusão, comunicação ao público ou colocação à sua
disposição de obras ou de outro material protegido nos termos da presente directiva ou do capítulo III da
Directiva 96/9/CE das quais tenham sido suprimidas ou alteradas sem autorização informações electrónicas para
a gestão dos direitos,sabendo ou devendo razoavelmente saber que ao fazê-lo está a provocar, permitir, facilitar
ou dissimular a violação de um direito de autor ou de direitos conexos previstos por lei ou do direito sui generis
previsto no capítulo III da Directiva 96/9/CE.
2. Para efeitos da presente directiva, por "informações para a gestão dos direitos", entende-se qualquer informação,
prestada pelos titulares dos direitos, que identifique a obra ou qualquer outro material protegido referido na presente
directiva ou abrangido pelo direito sui generis previsto no capítulo III da Directiva 96/9/CE, o autor ou qualquer outro
titular de direito relativamente à obra ou outro material protegido, ou ainda informações acerca das condições e
modalidades de utilização da obra ou do material protegido, bem como quaisquer números ou códigos que representem
essas informações.O primeiro parágrafo aplica-se quando qualquer destes elementos de informação acompanhe uma
cópia, ou apareça no contexto da comunicação ao público de uma obra ou de outro material referido na presente directiva
ou abrangido pelo direito sui generis previsto no capítulo III da Directiva 96/9/CE.
57
KAMINSKY, Omar. Introdução à Gestão de Direitos Digitais (Digital Rights Management – DRM). Verba-Iuris:
Revista Jurídica Eletrônica. Cidade do México. Disponível em: <http://www.cem.itesm.mx/verba-iuris
/articulos/080203.htm> . Acesso em 10 mar 2008.
27

Embora possa ser assumido por algum outro titular a prerrogativa patrimonial, o
direito de autor nas Diretivas é tratado de forma una, sendo distinguido do direito conexo,
apenas.

2.6 DIREITOS AUTORAIS NA LEI DO COPYRIGHT

2.6.1. Conteúdo do Copyright

Os direitos autorais tendem as ser confundidos com o copyright, especificamente, no


sistema da Common law. Copyright traduze-se, inicialmente, como direito de produção da
copia. O mesmo recebido pelos livreiros na Inglaterra para poderem imprimir as obras
literárias. Mas de acordo com o sistema americano, para obter-se o reconhecimento da autoria
e a proteção de uma obra (titularidade) é preciso fixá-la em algum suporte. Ou seja,
exteriorizar a obra e registrá-la devidamente, diferentemente da LDA brasileira, por exemplo.

58
A OMPI , em seu curso de propriedade intelectual, destaca sobre o sistema
americano:

“(...) o direito de reprodução constitui a pedra angular do sistema, o que


incidentemente vem refletido na palavra inglesa ‘copyrights’. O direito de
reprodução aplica-se, por exemplo, à edição de livros – assim como à realização de
fotocópias – mas também aos métodos mais modernos de reprodução, tais como a
gravação de fitas e a reprodução dessas gravações. É aplicável à armazenagem de
obras em memórias de computador e, é claro, à reprodução de programas de
computador em disquetes, CD-ROMS, CD-ROMS re-graváveis, etc.(...)
Nos Estados Unidos ... desde há muito existem exigências a serem cumpridas,
constituídas de um lado, pelo registro da obra no Departamento de Direitos Autorais
(Copyright Office), que pertence à Biblioteca do Congresso, e de outro lado, pela
reivindicação dos direitos reservados, a letra ‘c’ com um círculo em redor, que você
provavelmente já deve ter visto em muitos livros, acompanhada do ano da primeira
publicação.”

Diferentemente do Direito Autoral o qual da proteção ao criador e a obra, Copyright


é direcionado à proteção da obra, especificamente. Assim, os direitos patrimoniais
(exploração econômica da obra) do autor ou titular (na maioria das vezes) são o foco dessa
legislação que regula o direito de reprodução.
58
Academia Mundial da OMPI. Curso de propriedade intelectual. DL-101. Disponível
em:<http://www.wipo.int/academy/ es/courses/distance_learning/catalog/c_index.html>. Acesso em: 10 jan. 2008.
28

A Lei do Copyright também conhecida como Circular 9259, contém 13 capítulos que
enfocam a questão da proteção da obra autoral. O juiz ALEX KOZINSKI60, Presidente do
Tribunal Federal de Apelações para o 9º Circuito, declarou em 1993:

“Proteção demais para a propriedade intelectual é tão nocivo como sub-protegê-la.


Cultura torna-se impossível sem um rico domínio público. Nada hoje, como desde
que domamos o fogo, é verdadeiramente novo. Cultura, como ciência e tecnologia,
cresce por acreção (acúmulo). Cada novo criador edifica com as obras daqueles que
vieram antes. Proteção demasiada impede a grande força criativa que suponha
alimentar"

A Seção 10661 prescreve que, sem o prejuízo do disposto nas seções 107(fair use), a
122, o proprietário dos direitos de autor, sob este título, tem o direito exclusivo de autorizar:
a reprodução do trabalho original, em cópias ou gravações; a confecção de trabalhos
derivados baseados no trabalho com direito autoral (copyright); a distribuição de cópias ou
gravações do trabalho original ao público por venda ou outra transferência de propriedade, ou
59
“Preface: Amendments to Title 17 since 1976 / Chapter 1: Subject Matter and Scope of Copyright / Chapter 2: Copyright
Ownership and Transfer / Chapter 3: Duration of Copyright / Chapter 4: Copyright Notice, Deposit, and Registration /
Chapter 5: Copyright Infringement and Remedies / Chapter 6: Manufacturing Requirement and Importation / Chapter 7:
Copyright Office / Chapter 8: Proceedings by Copyright Royalty Judges / Chapter 9: Protection of Semiconductor Chip
Products / Chapter 10: Digital Audio Recording Devices and Media / Chapter 11: Sound Recordings and Music Videos /
Chapter 12: Copyright Protection and Management Systems / Chapter 13: Protection of Original Designs”
TRANSITIONAL AND RELATED STATUTORY PROVISIONS
Appendix A: The Copyright Act of 1976 / Appendix B: The Digital Millennium Copyright Act of 1998 / Appendix C: The
Copyright Royalty and Distribution Reform Act of 2004 / Appendix D: The Satellite Home Viewer Extension and
Reauthorization Act of 2004 / Appendix E: The Intellectual Property Protection and Courts Amendments Act of 2004 /
Appendix F: Title 18—Crimes and Criminal Procedure, U.S. Code / Appendix G: Title 28—Judiciary and Judicial
Procedure, U. S. Code / Appendix H: Title 44—Public Printing and Documents, U. S. Code / Appendix I: The Berne
Convention Implementation Act of 1988 / Appendix J: The Uruguay Round Agreements Act of 1994 / Appendix K:
GATT⁄Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights (TRIPs) Agreement, Part II / Appendix L: Definition of
“Berne Convention Work”. (In: U.S.A..CIRCULAR 92 - Copyright Law of the United States and Related Laws -
Contained in Tıtle 17 of the United States Code - october 2007. Disponível em: < http://www.copyright.gov/title17>.
Acesso em: 10 jan. 2008.)
60
“So too it is with intellectual property. Overprotecting intellectual property is as harmful as underprotecting it.
Creativity is impossible without a rich public domain. Nothing today, likely nothing since we tamed fire, is genuinely
new: Culture, like science and technology, grows by accretion, each new creator building on the works of those who
came before. Overprotection stifles the very creative forces it's supposed to nurture.” (In: KOZINSKI, ALEX - VANNA
WHITE, Plaintiff-Appellant, v. SAMSUNG ELECTRONICS AMERICA, NC.; DAVID DEUTSCH
ASSOCIATES, Defendants-Appellees. No. 90-55840 UNITED STATES COURT OF APPEALS FOR THE NINTH
CIRCUIT - 989 F.2d 1512; 1993 U.S. App. LEXIS 4928; 26 U.S.P.Q.2D (BNA) 1362; 21 Media L. Rep. 1330; 93
Cal. Daily Op. Service 1933; 93 Daily Journal DAR 3477 - March 18, 1993, Filed. Disponível em:
<http://www2.bc.edu/~yen/Torts/Vanna%20White% 20Koz%20ed.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2008.)
61
“Section 106 of the Act provides: Subject to sections 107 through 122, the owner of copyright under this title has
the exclusive rights to do and to authorize any of the following: (1) to reproduce the copyrighted work in copies or
phonorecords; (2) to prepare derivative works based upon the copyrighted work; (3) to distribute copies or phonorecords of
the copyrighted work to the public by sale or other transfer of ownership, or by rental, lease, or lending; (4) in the case of
literary, musical, dramatic, and choreographic works, pantomimes, and motion pictures and other audiovisual works, to
perform the copyrighted work publicly; (5) in the case of literary, musical, dramatic, and choreographic works,
pantomimes, and pictorial, graphic, or sculptural works, including the individual images of a motion picture or other
audiovisual work, to display the copyrighted work publicly; and (6) in the case of sound recordings, to perform the
copyrighted work publicly by means of a digital audio transmission.” (In: U.S.A..CIRCULAR 92 - Copyright Law of the
United States and Related Laws - Contained in Tıtle 17 of the United States Code - october 2007. Disponível em: <
http://www.copyright.gov/title17>. Acesso em: 10 jan. 2008.)
29

por aluguer, arrendamento ou empréstimo; e m caso de obras literárias, musicais, dramáticas e


de obras coreográficas, representações, e de filmes e outras obras audiovisuais, a execução do
trabalho original publicamente; também em caso de obras literárias, musicais, dramáticas e de
obras coreográficas, representações, e pictóricas, gráficas, ou esculturais obras, incluindo as
imagens individuais de um filme ou outra obra audiovisual, a apresentação de cópia de
trabalho corrigido publicamente, e em caso de gravações de som, a execução do trabalho
original publicamente por meio de uma transmissão digital de áudio.

As músicas, na lei norte-americana, são protegidas na categoria “sound recordings”,


que trata a seção 101 do USC 17, como afirma o Prof. CARLOS ALBERTO
ROHRMANN62. Assim a gravação eletrônica ou magnética da música é protegida. Também
são protegidas a letra da música e sua harmonia (a música verdadeiramente anotada em forma
de notas musicais), em uma categoria chamada “musical composition”. Relata o professor
ROHRMANN que aí ocorre a distinção entre as duas categorias. Pois existem as licenças
compulsórias. Ou seja, no sistema americano, as “musical compositions” servem ao sistema
de licenciamento compulsório. Os artistas podem quebrar a licença, podem gravar as músicas
desde que paguem o seu valor legal(§ 115). Já com a proteção às “sound recordings” não é
possível, pois não existe este recurso legal ... Ficaria até mesmo estranho alguém “revender”
uma gravação-fonograma, simplesmente, pagando por uma licença compulsória legal
mínima ... pensemos numa canção original do Caetano Veloso, por exemplo...

Outro tipo de obra que recebe proteção jurídica do copyright é a obra derivada
(derivate works- 17 U.S.C. §101). Aquela definida legalmente como baseada em uma ou mais
pré-existentes, como uma tradução, dramatização, ... transformação ou adaptação. Em casos
de divergência os Tribunais verificarão a “quantidade de criatividade” que envolve a obra
derivada em relação à obra original. Quanto maior a contribuição o novo autor, maiores a
chances de proteção da obra independentemente da obra original.

ROHRMANN63 maiores explica como se dá o fato gerador para existir a proteção a


obra no sistema jurídico americano :

62
ROHRMANN, Carlos Alberto. A PROTEÇÃO DOS DIREITOS AUTORAIS NOS ESTADOS UNIDOS EM FACE
DA DIGITALIZAÇÃO: O CASO NAPSTER.2001. Disponível em: <http://www.direitodarede.com.br/Nap.pdf >. Acesso
em: 29 abr. 2008.
63
Idem.
30

“... A resposta é simples: basta que o autor faça a "fixação em uma cópia ou
fonograma, sendo que tal fixação é suficientemente permanente ou estável a fim de
permitir que seja percebida, reproduzida ou de alguma outra forma comunicada por
um período de tempo maior do que uma duração meramente transitória. Na prática,
a maioria dos meios tangíveis é considerada suficientemente estável para
caracterizar o requisito da fixação. As exceções ficam por conta das improvisações,
conversas e lições (aulas) dadas sem gravações. A definição legal ainda considera
que a obra que consiste de imagens ou sons, ou ambos, é considerada "fixada" (em
outras palavras, é protegida por copyright) quando está sendo transmitida e a fixação
está sendo realizada ao mesmo tempo que a transmissão.”

Pormenorizada e minuciosamente, o texto da lei do Copyright faz a descrição dos


tipos e conceituação de termos técnicos como, por exemplo, cópia de gravação de áudio
digital (digital audio copied recording)64, dispositivo de interface de audio digital (digital
audio interface device), dispositivo de audio para gravação digital (digital audio recording
device digital), meio de gravação de áudio (audio recording médium), gravação de musica
digital (digital musical recording), a parte interessada no copyright (interested copyright
party), a fabricação emanufaturamento (manufacture), editor/distribuidor (music publisher),
produto profissional (professional model product) e a partir deles definindo, como toda a
norma, o que é, e o que não é permitido realizar em relação a proteção da obra e seu uso lícito.

2.6.2 O “Fair use”

Basicamente, o fair use consiste em alguém poder, legalmente, citar uma música,
imagem ou palavras sem pagar ou pedir permissão, mas se isto beneficiar a sociedade como
um todo mais que ferir a proteção ao titular do copyright.

O CENTER FOR SOCIAL MEDIA da SCHOOL OF COMMUNICATION


AMERICAN UNIVERSITY, em sua publicação: Copyright & Fair Use in Documentary,
explica o funcionamento da limitação ao copyright:

“Fair use65 é o direito de, em algumas circunstâncias, citar material protegido


[diferente da citação do art.46 da LDA, é mais ampla] por direitos autorais sem
pedir permissão ou pagar por isso. É uma característica fundamental do direito de
autor e é o que faz dos direitos autorais serem censura. Você pode invocar fair use

64
17 U.S.C. Circular 92. § 1001 · Definitions.
65
“Fair use is the right, in some circumstances, to quote copyrighted material without asking permission or paying for it. It
is a crucial feature of copyright law and what keeps copyright from being censorship. You can invoke fair use when the
value to the public of what you are saying outweighs the cost to the private owner of the copyright.” (In: Copyright &
Fair Use in Documentary Film . Center for Social Media. School of Communication American University. Disponível
em: <http://www.centerforsocialmedia.org/>. Acesso em: 20 abr. 2008.)
31

quando o valor para o público do que você está dizendo supere o custo para o
proprietário do direito de autor.”

Determina, a Circular 92, em seu Capítulo 1: Objeto e Âmbito do Copyright


(Direito Autoral), seção 107 – Limitações sobre direitos exclusivos: Fair use, os fatores que
norteiam essa limitação:

“Apesar das provisões das secções 106 e 106A, a utilização justa de um trabalho sob
direito de autor (copyright), incluindo a sua reprodução em cópias ou registros
sonoros ou por qualquer outra forma especificada nesta secção, para fins de crítica,
comentário, reportagem de notícias, ensino (incluindo múltiplas cópias para uso em
sala de aula), ou investigação não é uma infração no direito de autor. Para
determinar se a utilização feita de um trabalho para um caso particular é “fair use” 66
os fatores a serem considerados são os seguintes:
1. o propósito e tipo de utilização, se ele é de natureza comercial ou educacional
sem fins lucrativos;
2. a natureza do trabalho a ser copiado;
3. a quantidade e a substancialidade do que foi copiado em relação ao todo; e
4. o efeito do uso relativamente sobre o mercado potencial ou sobre o valor do
trabalho original sob direito de autor. Se a obra for inédita, não e obstáculo para
o uso justo se forem considerados os fatores acima.”

66
U.S.A.-CIRCULAR 92 – TITLE 17 –CAP.1 –“Subject Matter and Scope of Copyright
§ 107 · Limitations on exclusive rights: Fair use
Notwithstanding the provisions of sections 106 and 106A, the fair use of a copyrighted work,
including such use by reproduction in copies or phonorecords or by any other means specified by
that section, for purposes such as criticism, comment, news reporting, teaching (including
multiple copies for classroom use), scholarship, or research, is not an infringement of copyright. In
determining whether the use made of a work in any particular case is a fair use the factors to
be considered shall include—
(1) the purpose and character of the use, including whether such use is of a commercial
nature or is for nonprofit educational purposes;
(2) the nature of the copyrighted work;
(3) the amount and substantiality of the portion used in relation to the copyrighted work as a
whole; and
(4) the effect of the use upon the potential market for or value of the copyrighted work. The
fact that a work is unpublished shall not itself bar a finding of fair use if such finding is made
upon consideration of all the above factors.
§ 108 · Limitations on exclusive rights: Reproduction by libraries and archives
(a) Except as otherwise provided in this title and notwithstanding the provisions of section 106, it
is not an infringement of copyright for a library or archives, or any of its employees acting within
the scope of their employment, to reproduce no more than one copy or phonorecord of a work,
except as provided in subsections (b) and (c), or to distribute such copy or phonorecord, under
the conditions specified by this section, if—
(1) the reproduction or distribution is made without any purpose of direct or
indirect commercial advantage;
(2) the collections of the library or archives are
(i) open to the public, or
(ii) available not only to researchers affiliated with the library or archives or with the
institution of which it is a part, but also to other persons doing research in a specialized
field; and
(3) the reproduction or distribution of the work includes a notice of copyright that appears on the copy or phonorecord
that is reproduced under the provisions of this section, or includes a legend stating that the work may be protected by
copyright if no such notice can be found on the copy or phonorecord that is reproduced under the provisions of this
section. (…)”
32

Estes quatro fatores foram arguidos, primeiramente, no caso Folsom v. Marsh67, 9


F.Cas. 342, de 1841. Resultaram do fato da obra de Jared Sparks que consistia em 12 volumes
sobre a vida de George Washington. O primeiro volume constava da biografia do presidente
americano sendo os demais uma coletânea dos artigos e cartas escritos ao longo da vida pelo
Presidente americano. Ocorreu que um outro autor, o Reverendo Charles Upham, escreveu
outra biografia de Washington também, em forma de narrativa, extraindo informações dos
onze volumes da obra de Sparks. Resultando, então, nova obra em dois volumes, que
perfizeram 866 paginas. Fora constatado, pela Corte americana, que destas 866 páginas de
Upham, “apenas” 353 páginas haviam sido copiadas da obra de Jared Spark . Nesta ocasião,
então, a Corte, não aceitou a limitação de direito fair used, diante da grande distancia entre
citar uma obra alheia eventualmente, com o intuito de análise crítica, e pura e simplesmente
agregar texto alheio colocando-o no lugar de sua opinião (crítica):

“...Assim, por exemplo, ninguém pode duvidar que um crítico ou comentarista possa
citar de maneira justa, grandes passagens de uma obra original, se sua proposta é
real e verdadeiramente usa–las com a finalidade de fazer de uma crítica justa e
razoável. Por outro lado, é tão claro neste caso, que ele cita as mais importantes
partes do trabalho, tendo em vista, não criticar, mas para substituir a utilização da
obra original, e substituir a crítica por ele, um tal uso será considerado na lei uma
pirataria. Uma grande distancia poderá, obviamente, existir entre estes dois
extremos, o que exige uma grande prudência, e que envolvem grandes dificuldades,
onde o tribunal estar aproximando-se da linha mediana divisória que separa uma da
outra.(...)”

ROHRMANN descreve com clareza, como o fair use pode ser utilizado em matéria
de defesa:

“A principal defesa que pode ser articulada em face da violação de copyright é


conhecida como fair use. Para que se possa fazer uso da defesa em análise, faz-se
mister que o réu apresente alguns fatores caracterizadores do fair use. Tais fatores
estão estabelecidos na lei(§107*). São fatores que somam a favor do fair use: uso
preferencialmente não comercial; maior transformação da obra protegida por parte
do réu e uso por entidades de educação sem fins lucrativos. Paródias, críticas e
comentários tendem a ser mais protegidos.
Em relação à natureza da obra protegida, quanto maior a originalidade da obra,
menor a tendência de o réu poder ser amparado pela defesa do fair use, ao passo que
obras predominantemente factuais estão mais sujeitas a sofrer a defesa do fair use. O
uso de obras ainda não publicadas também é menos sujeito à defesa em questão. A
67
“Thus, for example, no one can doubt that a reviewer may fairly cite largely from the original work, if his design be really
and truly to use the passages for the purposes of fair and reasonable criticism. On the other hand, it is as clear, that if he
thus cites the most important parts of the work, with a view, not to criticise, but to supersede the use of the original work,
and substitute the review for it, such a use will be deemed in law a piracy. A wide interval might, of course, exist between
these two extremes, calling for great caution and involving great difficulty, where the court is approaching the dividing
middle line which separates the one from the other.” (In: FOLSOM v. MARSH, 9 F.Cas. 342, 6 Hunt Mer. Mag. 175, 2
Story 100, No. 4901, Case No. 4,901, 2 Story, 100; [FN1] 6 Hunt, Mer. Mag. 175 FN1 Reported by William W. Story,
Esq. Circuit Court, D. Massachusetts. FOLSOM et al. v. MARSH et al. Oct. Term, 1841.)
33

quantidade que o réu usou da obra protegida também conta contra a defesa do fair
use, bem como a substância (se se usa o principal, o núcleo da obra, dificilmente a
defesa poderá ser aproveitada). Nota-se que outros fatores também podem ser
levados em consideração pelos tribunais ao apreciar a defesa em questão. Dentre
eles podemos citar a relevância do mercado (maior mercado leva a menor
possibilidade do manejo da defesa).”

Na prática, o fair use confere ao autor da obra, a inversão do ônus da prova. Ou


seja, o réu é quem deve provar, em juízo, que fez uso justo da obra de outrem. Diante deste
inconveniente que pode custar tempo e muito dinheiro nos tribunais e ainda ameaçar a obra.
Os artistas executantes se sujeitam a pagar por licenças de uso mesmo sabendo que é
permitido pelo fair use.

Um precedente de fair use na jurisprudência norte-americana68, é o famoso caso


BETAMAX (SONY CORPORATION OF AMERICA ET AL. v. UNIVERSAL CITY
STUDIOS, INC., ET AL. No. 81-1687), onde a Suprema Corte dos Estados Unidos julgou em
Janeiro de 1984 a questão dos usuários de VCR poderem copiar programas transmitidos pelas
emissoras de TV. A Corte levou em consideração o fator não-comercial e sim privado da
utilização do aparelho. As companhias cinematográficas tiveram que provar o dano ao seu
mercado. A Corte não aceitou que houvesse tal dano:

“... O Tribunal Distrital concluiu que uso doméstico não comercial em gravação de
material difundidos ao grande público por meio hertziano é um uso justo (fair use)
de direitos autorais e de obras, e que não se trata de uma infração a direitos autorais.
A Corte enfatizou o fato de que o material foi transmitido gratuitamente para o
grande público, o caráter não comercial da utilização, bem como o caráter privado
da atividade realizado inteiramente dentro de casa. Além disso, o tribunal
considerou que o objetivo do presente recurso serviu ao interesse público no
aumento do acesso à programação televisiva, um interesse que "é consistente com a
política da Primeira Emenda de proporcionar o acesso mais completo possível às
Informações através do meio hertziano. Columbia Broadcasting System, Inc. v.
Comitê Democrático Nacional, 412 E.U. 94, 102. "Id., Em 454. N8 Mesmo quando
todo um trabalho original é gravado, o Tribunal Distrital considerada a copia um
uso justo "porque não há redução do mercado do "autor da obra original." Ibid. n8
O tribunal considerou também que este "acesso não é apenas uma questão de
68
“The District Court concluded that noncommercial home use recording of material broadcast over the public
airwaves was a fair use of copyrighted works and did not constitute copyright infringement. It emphasized the fact that
the material was broadcast free to the public at large, the noncommercial character of the use, and the private character
of the activity conducted entirely within the home. Moreover, the court found that the purpose of this use served the
public interest in increasing access to television programming, an interest that "is consistent with the First Amendment
policy of providing the fullest possible access to information through the public airwaves. Columbia Broadcasting
System, Inc. v. Democratic National Committee, 412 U.S. 94, 102." Id., at 454. n8 Even when an entire copyrighted
work was recorded, the District Court regarded the copying as fair use "because there is no accompanying reduction in
the market for 'plaintiff's original work.'" Ibid.n8 The court also found that this "access is not just a matter of convenience, as
plaintiffs have suggested. Access has been limited not simply by inconvenience but by the basic need to work. Access to the better
program has also been limited by the competitive practice of counterprogramming." 480 F.Supp., at 454.” (In: SONY
CORPORATION OF AMERICA ET AL. v. UNIVERSAL CITY STUDIOS, INC., ET AL. No. 81-1687 -
SUPREME COURT OF THE UNITED STATES. - 464 U.S. 417- January 18, 1983, Argued - January 17, 1984.- 464
U.S. 417- January 18, 1983, Argued - January 17, 1984, Decided - Disponível em:
<http://w2.eff.org/legal/cases/betamax/betamax_supreme _ct.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2008.)
34

conveniência do consumidor, como os demandantes teriam sugerido. O acesso tem


sido limitado pela inconveniência, não simplesmente pela necessidade básica para o
trabalho. O acesso ao melhor programa também tem sido limitada pela prática
competitiva da counterprogramming (contra-programação)."480 F. Supp., em 454.”

Em 7 de março de 1994, a Suprema Corte dos Estados Unidos reconheceu no caso


Campbell v. Acuff-Rose Music69, a paródia, como um fair use, mesmo quando feita com
intuito de lucro. A empresa Acuff-Rose Music, Inc., do editor Roy Orbison, peticiona contra os
membros do grupo de música rap 2 Live Crew e sua gravadora, alegando que a canção do 2
Live Crew, "Pretty Woman", violara o copyright da AcuffRose na balada-rock de Roy Orbison,
"Oh, Pretty Woman". Embora o tribunal distrital decidisse sumariamente contra, pois o grupo
2 Live Crew, não apresentara provas que não influenciava o mercador da obra original e que
além de ser uma paródia também era uma música rap portanto obra derivada, negou sua
titulação de fair use. Mas a Suprema Corte dos Estados Unidos reviu o caso, tornando-o um
precedente. No Brasil, a paródia é livre no Brasil, nos termos do artigo 47 da LDA , desde que
não provoque o descrédito.

Na internet o fair use, foi aplicado no caso Kelly v. Arriba Soft Corporation em
2003. O caso consistia no fato da empresa Arriba Software Corporation utilizar um buscador
de informação na web utilizando como resultado da pesquisa imagens miniaturizadas de fotos
dos sites. A princípio foi derrotada ... Porém, através da Eletronic Fronteir Foudation foi revista
à possibilidade de fair use. O argumento para desclassificar o uso justo residia não no uso das
miniaturas das fotos, mas no momento que se acionava a miniatura, aparecia a foto em tamanho
natural e aí se calçava a argumentação de infringimento do copyright. Esta imagem não tinha
qualquer autorização ou licença do autor, no caso, Kelly. A Suprema Corte julgou que as
imagens inclusive as do site de Kelly já estavam na internet antes mesmo da empresa começar
o seu programa de buscas com imagens. A 9th Circuit Court of Appeal" julgou os thumbnails
como uso justo70:

69
510 U.S. 569 CAMPBELL, AKA SKYYWALKER, ET AL. V. ACUFFROSE MUSIC, INC. certiorari to the united
states court of appeals for the sixth circuit - No. 921292. Argued November 9, 1993--Decided March 7, 1994. Disponível
em: <http://supreme.justia.com/us/510/569>. Acesso em: 01 fev. 2008.
70
“We hold that Arriba's reproduction of Kelly's images for use as thumbnails in Arriba's search engine is a fair use
under the Copyright Act. However, we hold that the district court should not have reached whether Arriba's display of
Kelly's fullsized images is a fair use because the parties never moved for summary judgment on this claim and Arriba
never conceded the prima facie case as to the fullsize images. The district court's opinion is affirmed as to the thumbnails
and reversed as to the display of the full-sized images.” (In: 336 F.3d 811 United States Court of Appeals, Ninth
Circuit. Leslie A. KELLY, an individual, dba Les Kelly Publications, dba Les Kelly Enterprises, dba Show Me The
Gold, Plaintiff-Appellant, v. ARRIBA SOFT CORPORATION, an Illinois Corporation, Defendant-Appellee.No. 00-
55521. Disponível em: <http://homepages.law.asu.edu/~dkarjala/cyber law/KelllyvArriba(9C2003).htm>. Acesso em: 10
abr. 2008.)
35

“Entendemos que a reprodução de Arriba de imagens do Kelly para o uso como


miniaturas (thumbnails) no buscador de Arriba é um uso justo (fair use) sob o ato de
copyright. Entretanto, entendemos que a corte do distrito não deveria ter julgado se
a exibição de imagens em tamanho natural de Kelly por Arriba é um uso justo
porque as partes nunca se manifestaram nesse sentido para que houvesse o
julgamento sumário e Arriba nunca alcançou inicialmente as imagens em tamanho
real (fullsize). A opinião de corte de distrito é confirmada a respeito das miniaturas
(thumbnails) e invertida a respeito da exposição das imagens em tamanho natural...”

No cenário internacional, apenas as Filipinas além dos EUA, fazem uso do fair use
com este nome. Nos países com a tradição da common-law, como Austrália, Canadá, Nova
Zelândia, Singapura, Inglaterra, África do Sul, usa-se uma doutrina semelhante:
o fair dealing. Conforme afirma ADOLFO71, o sistema britânico surgiu no século XVIII sob
forma de princípios destinados a regular o uso da obra de um autor por outro sem necessidade
de consulta diante de pressupostos de boa-fé e comportamento razoável.

3 ANÁLISE DA SITUAÇÃO DA MÚSICA

3.1 COMO FUNCIONA A INDÚSTRIA MUSICAL FONOGRÁFICA

Pelo que já foi analisado até aqui, verificamos que os Estados (países) fomentaram a
criatividade através da propriedade intelectual, mediante a manutenção do tradicional canal de
71
ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Obras privada, benefícios coletivos: a dimensão pública do direito autoral na sociedade
da informação. Porto Alegre: Ségio Antônio Fabris Ed., 2008,. p.158.
36

ligação entre o autor e o grande público. Com o advento da tecnologia digital, esse canal de
comunicação da cultura, hoje, não faz mais sentido.

Tradicionalmente, este setor monopolizou o acesso dos artistas e autores ao grande


público. Pois, logicamente, quem exerce a atividade de editor, de distribuidor comercial e de
divulgador, controla e decide sobre quem irá gravar o que e quando, ou mesmo quem será
divulgado para as grandes massas.

Assim é o modelo tradicional montado privativamente. Embora atendesse aos


interesses dos governos, em conservar a cultura de seus povos, gerou distorções cruéis. A
indústria musical deteve até aqui o poder de vida e morte das carreiras musicais dos artistas.
Alguns poucos foram projetados ao estrelato, outros, a grande maioria, conservada em
“geladeiras”. Os que fazem sucesso, ganham milhões são famosos e respeitados. Os outros,
que nada ganham pois vivem nas sombras das estrelas, quase nada ganham. As gravadoras
praticamente aliciam os novos talentos, com promessas inebriantes de sucesso e
reconhecimento público. Em verdade, estes jovens assinam contratos de exclusividade
vitalícios com as gravadoras, sendo que estas não assumem a responsabilidade, nem de
distribuir os trabalhos dos artistas. É a geladeira. Tal é o caso registrado pelo compositor
ALMIR SATER72. Ele diz que os novos talentos assinam contratos com as gravadoras que
prometem muito, mas que, ao final, não lançam um disco sequer do artista. Porém, estas
mesmas gravadoras não liberam o artista para seguir sua carreira em outra empresa musical,
perpetuando indefinidamente o vínculo.

Realmente temos que concordar que as gravadoras realizaram um trabalho de


conservação da cultura popular e clássica. Mas de que nos adianta toda essa cultura musical
preservada e guardada dentro de algum chip ou arquivo de computador de propriedade de
alguma gravadora inacessível ao grande público?

Devemos concordar que essa indústria investiu milhões em tecnologias avançadas,


desde as primeiras fixações musicais em acetato com cera de abelha. Mas, também é verdade
que a mesma indústria “engordou” bilhões, devido ao modelo feudal herdado, desde a idade
72
“Pode ser considerado legal um contrato de edição que tenha duração indeterminada? O autor pode rescindi-lo
unilateralmente sem ser penalizado por isso, considerando que a quase totalidade desses contratos é assinada por jovens
músicos e artistas mal entrados nos vinte anos? ...” (SATER, Almir In: chat em site de direito autoral de VANISA
SANTIAGO. Disponível em: <http://www2.uol.com.br/direitoautoral/almir.htm>. Acesso em: 10 dez. 2007.)
37

média. Nos referimos ao modelo da cobrança de impostos. A indústria musical moldou-se,


neste nicho, onde a magnitude da riqueza é medida linear e diretamente pelo número de
cópias vendidas e relativamente depende do número de pessoas existentes na sociedade
(modelo per capta). Comprar e ouvir – comprar e ouvir – comprar e ouvir, analogamente, à
arrecadação de impostos, onde a riqueza possível é avaliada pelo número de habitantes de
uma localidade.

Essa mesma filosofia norteou THOMAS EDSON ao projetar o fonógrafo ou o


cinetoscópio, em 1900. O cinetoscópio era um aparelho de uso individual. Ou seja, apenas
uma pessoa podia assistir a um pequeno filme por vez. Era algo parecido com a utilização dos
fliperamas antigos. Para funcionar, o cinetoscópio “aguardava” que o interessado colocasse
uma moeda na fenda do aparelho. Este aparelho desapareceu praticamente, quando surgiu o
cinematógrafo dos irmãos Lumiere. Por meio deste novo dispositivo, então, muitas pessoas
poderiam assistir as projeções de filmes de longa metragem em um salão amplo como um
teatro, a um custo ínfimo.

Mas este princípio, feudal, valeu por todo o século XX, para a indústria musical.
Esta maneira de captar recursos financeiros “gota a gota” (moeda por moeda), obrigando o
ouvinte (pessoa do povo) a comprar algo que nunca poderia vir a ser seu (vide 1.4.2). A
indústria da música tinha o “negócio da china”. Vendia o mesmo produto (a música) milhares
ou milhões de vezes e, ainda, continuava titular (ou cessionário) da obra produzida (o
original).

Porém, como lembramos antes, a função social desempenhada por essa indústria
deveria ser protegida pelos governos a qualquer custo, pois tratava-se da cultura dos povos,
mesmo gerando monopólios dominantes praticantes de injustiças e distorções.

Para exemplificar os efeitos, faço referência ao “escargô”, o molusco-iguaria que


serve como base para pratos da culinária francesa, mais popularmente chamado de “caracol”.
Ora, o caracol, para ser consumido, precisa ser purificado antes do preparo. O método é
simples. Para livrá-lo das impurezas que por ventura traga consigo, ele é posto em um
recipiente (barril) que contenha farinha de milho (vulgo fubá). Neste local, ele (ou eles, os
caracóis) fica(m) isolado(s) por algumas semanas, só consumindo o fubá. Depois desse
tempo, só teremos caracóis dentro do barril e mais nada. A pergunta é: Qual será o gosto do
38

petisco que só comeu fubá? Assim, analogamente, também somos nós. Neste caso, nosso
“alimento” é a informação. Com ela nos nutrimos e fazemos tudo. Assim se nos “nutrinos” de
uma música de boa qualidade pensaremos qualitativamente, sentiremos com qualidade,
viveremos com mais qualidade. Se, porém, nos alimentar-mos somente de fubá ....

O “efeito fubá” nos oportuniza, então, a visualização da circularidade, envolvendo a


pré-interpretação da linguagem. Ao consumirmos um tipo de informação cultural (música)
que não corresponda aos nossos valores coletivos reais, estaremos mudando o caráter da nossa
cultura original, que circulará capilarmente pela sociedade. E, principalmente, se
consumirmos, somente o que for programado por essas mentes que tem como valor único, o
econômico, estaremos sendo manipulados, pois estaremos longe de nossa cultura real.
Atingiremos, então, o degrau dos aculturados.

Até aqui, após contratar os artistas, produzir os fonogramas, através dos seus
editores, e duplicar as matrizes, a informação musical quase sempre trafegou por um meio
físico (os CDs, suportes dos fonogramas, eram distribuídos por caminhões e vendidos em
lojas físicas). Também, transmitiam-se músicas, via rádio por ondas curtas, ondas médias
(AM) e freqüência modulada (FM) ou pela televisão (algo que era bastante precário, pois com
o ruído e a distorção do sinal recebido, havia pouca qualidade, só servindo como referência
precária da existência do trabalho de algum artista). Enfim, tudo era controlado pelas grandes
empresas majors: o alfa e o ômega do processo todo. O direito do autor e os direitos conexos
estavam alinhados com a indústria fonográfica. Tecnologia após tecnologia, o disco de 45
RPM, o 33 1/3 RPM, o k-7, a estereofonia, a alta-fidelidade (HI-FI).

A situação da qualidade da informação sonora era tão delicada, ameaçava tantos


interesses que a evolução técnica era reprimida prementemente, como foi o caso da invenção
do FM , um avanço na tecnologia de rádio de então, antes da II Guerra Mundial, mas que foi
barrada e desvirtuada pela empresa RCA americana:

“Em 1935, havia mil estações espalhadas pelos EUA, mas as estações das grandes
cidades pertenciam todas a um pequeno grupo de redes. O presidente da RCA,
David Sarnoff, amigo de Armstrong, estava ávido para que ele descobrisse uma
maneira de remover a estática das transmissões AM. Por isso, ficou animado quando
o inventor lhe disse que tinha um aparelho capaz disso. Mas, quando Armstrong fez
sua demonstração, Sarnoff não ficou satisfeito.
‘Eu achava que Armstrong inventaria alguma espécie de filtro
para remover a estática das nossas rádios AM. Eu não pensei
39

que ele ia criar uma revolução – dar o pontapé inicial em uma


indústria capaz de competir com a RCA. 73”

A invenção de Armstrong ameaçava o império AM da RCA, então a companhia


começou uma campanha para abafar o rádio FM. A FM podia ser uma tecnologia de
primeira, mas Sarnoff também era um estrategista de primeira. Como descreveu um
autor, As forças em prol da FM, na maioria engenheiros, não pôde suplantar o peso
da estratégia maquinada pelos departamentos de vendas, patentes e jurídicos, para
vencer essa ameaça à posição da corporação. Porque, caso fosse permitido à FM se
desenvolver sem restrições, a nova tecnologia iria impor [...] uma reestruturação
completa de poder no rádio [...] e a conseqüente derrocada do sistema AM,
cuidadosamente controlado e com o qual a RCA ganhou todo o seu poder5.” 74

Ao final da década, as transmissões em FM, cujos parâmetros projetados


inicialmente pelo seu inventor, Armstrong, eram mais eficientes e potentes que as AMs, só se
mantiveram intactas nas transmissões de TV onde a banda sonora das imagens é transmitida
em freqüência modulada. As especificações estabelecidas em lei para o FM tiraram-lhe a
eficácia competitiva original como invento. Levemos em conta que naquele período (1935-
1950), o rádio era a internet de hoje. Se a RCA, como empresa broadcast, foi capaz de barrar
um benefício à sociedade como a possibilidade de uma única estação de FM atingir uma
distancia superior a 1.000 km ponta a ponto sem repetidoras, o que então esperar de uma RCA
produtora musical de discos e fonogramas em relação à “proteção” de seu mercado cativo?

Pois bem, mais recentemente, nos anos 70, foi introduzido no contexto da produção
musical, até então analógico, a tecnologia digital. Ocorreu, então, uma modificação
demasiadamente profunda no processo como um todo.

A partir deste ponto, iniciou-se uma escalada com a digitalização dos sons musicais
(das obras musicais) em arquivos digitais, a adoção de suportes como “COMPACT DISC”, ou
mesmo a implementação de arquivos por taxa de compressão de bits (mp3/mp4), e, ainda,
com o aumento geométrico da capacidade dos microprocessadores (microchips) e das
memórias físicas (pendrives, HDs), associados ao aumento de velocidade e largura de banda
na transmissão destes arquivos, entre usuários de internet, a situação da indústria musical
mudou completamente.

73
Cf. “Saints: The Heroes and Geniuses of the Eletronic Era”, First Eletronic Church of America, em
<www.webstationone. com/fecha>, disponível no link #1. (In: Cultura Livre…)
74
LESSIG, Lawrence.Cultura livre: Como a Grande Mídia Usa a Tecnologia e a Lei Para Bloquear a Cultura e Controlar a
Criatividade / Lawrence Lessig.- São Paulo: Trama, 2005. p. 32-33.
40

Essa migração do modo analógico de produção de fonogramas para o digital criou


um paradoxo. A partir de agora, o fonograma matriz, produzido em estúdios, e o fonograma
copiado digitalmente, têm, praticamente, a mesma qualidade sonora e técnica. Sendo, ainda,
que, desta cópia digital uma outra tão idêntica poderia ser obtida numa 3ª geração e outras
assim por diante. Essa característica é fulminante porque a última cópia digital (da en-ésima
geração) seria ainda inteiramente igual ao fonograma master. A noção do “mundo das idéias”,
onde existissem as fôrmas para as coisas no mundo que vivemos (mundo das cópias) tão
distantes da perfeição como anunciava Platão, caíra. Platão defendia que as coisas eram
cópias, não tão perfeitas do mundo das ideais. O sistema analógico de gravação musical era
assim. O original era melhor que a cópia e cada cópia apresentava qualidade pior que a
anterior produzida sequencialmente. Agora, porém, o pensamento exteriorizado passou a ser
tão perfeito, quanto se quisesse produzi-lo. Ou seja, a fôrma do cavalinho de Platão é fiel. Ou
seja, os “cavalinhos” mentalizados pelo autor e exteriorizados nos fonogramas são fiéis e
servem de fôrma uns para os outros, até a última fornada.

Enquanto o processo da tecnologia digital estivesse restrito a poucos aficionados e


dentro do âmbito da indústria musical, tudo estaria bem. Porém, o processo já não mais lhe
pertencia.

3.2 TRANSIÇÃO E OBSOLESCÊNCIA DO VINIL, DO K-7, DO CD, DO MP3

Intuímos, inconscientemente, que as obras musicais sempre existiram... algumas


vezes, sem o próprio suporte físico, bastando a memória oral coletiva do grupo. Notadamente,
a música é mais antiga que os computadores e a própria eletricidade moderna. Devemos
admitir que a música é primal. Como na teoria do grito primal de ARTHUR JANOV conde
considera-se a primeira manifestação do homem, ao nascer, o choro (o grito), o momento
decisivo, em que se dá a primeira entrada do ar nos pulmões; a libertação para a vida, pois se
o mesmo não ocorrer pode significar a não-vida... Assim é a música, como expressão
primígena de libertação do espírito. Crianças antes mesmo aprenderem a falar já entoam uma
canção de ninar ... é primal.
41

Com a “invenção” da “escala musical”, tornou-se possível anotar obras musicais.


Aquilo que provavelmente começara com o som de tambores adaptados de troncos caídos na
selva, e de vozes humanas primitivas, alcançou uma fórmula (matemática). A partir dela,
tornou-se possível, também com o advento dos instrumentos musicais (flauta, triângulo, viola,
tambor, tímpanos ...) registrar-se estas passagens musicais.

No princípio, a música era simplesmente executada e o que valiam eram as


partituras. Estas páginas eram editadas, vendidas e disputadas a peso de ouro. Nesta época já
existiam conflitos com as pianolas. Estas consistiam em pianos atrelados a um rolo de papel
que continha a pauta musical perfurada (codificada). Ele permitia a reprodução mecânica da
obras, sem a presença de um pianista. Note-se que a reprodução das obras musicais ocorria,
sem a autorização dos editores das partituras musicais, que inclusive fizeram lobby na época
junto ao Congresso Americano para proibir o uso de tal equipamento.

Os inovadores que desenvolveram a pianola argumentavam que


era “perfeitamente demonstrável que a introdução de reprodutores
automáticos de música não privou os compositores de nada que
eles tinham antes de sua introdução”. Na verdade, as máquinas
aumentaram as vendas de partituras. De qualquer forma,
argumentaram os inovadores, a tarefa do Congresso era
“considerar primeiro o interesse público, a quem eles
representavam e serviam”. “Toda essa conversa de 'roubo'”,
escreveu o conselho da American Gramophone Company, “não
passa de um artifício, porque não existe propriedade em matéria
de idéias musicais, literárias ou artísticas, além das definidas por
estatuto”75
Tomemos, como referência, o caso de GEORGE EASTMAN, inventor das câmeras
KODAK com filme dentilhado 36 mm, em 1888. EASTMAN patenteou seu invento e, assim
sendo, todos que quisessem produzir máquinas fotográficas semelhantes deveriam pagar os
direitos autorais. EASTMAN reservava, para si, a prerrogativa de não autorizar o uso de seu
invento. O mesmo se deu com as máquinas de filmar e com os filmes. Tudo era fiscalizado.
Chegou-se ao ponto da produção cinematográfica tornar-se impraticável, devido aos altos
custos de produção, gerados pelo pagamento das autorizações (licenças) dos inventores para
cada item do maquinário de cinema protegido, pelas patentes dos inventos. Eis que, então, um
grupo de artistas e empresários judeus formado por várias companhias de cinema,
simplesmente, migra de Nova Iorque para o oeste dos Estados Unidos. Lá, a polícia e a
fiscalização não eram tão atuantes. Eles se fixaram em um laranjal no Estado da Califórnia:
75
LESSIG, Lawrence. Cultura livre: Como a Grande Mídia Usa a Tecnologia e a Lei Para Bloquear a Cultura e Controlar a
Criatividade / Lawrence Lessig.- São Paulo: Trama, 2005. p.76.
42

precisamente em Los Angeles. Os empresários eram presumivelmente, os WARNER BROS.,


e os METRO-GOLDWYN-MAYER INC (MGM), e os donos da COLUMBIA PICTURES...
simplesmente eles produziram filmes, sem respeitar os direitos autorais da época e, por ironia,
hoje, os direitos autorais de seus filmes são a maior receita destes gigantescos estúdios de
filmagem76.

3.2.1 O fonograma

No caso da música, o fonógrafo deu início ao processo de fixação da obra musical,


em suporte físico. A seguir, implementaram-se os discos de acetato de cera. Em seguida, o
disco de 78 rotações por minuto, com a relação sinal/ruído sempre a desejar, num oceano de
“pipocas” chiados e arranhões, reproduzindo uma única música ou fonograma de cada lado.
Tudo melhorou muito, com o surgimento do Long Play - LP (disco de vinil) em 33 1/3 e 45
RPM, com a possibilidade de mais de trinta minutos de reprodução de música de cada lado.

Antes de prosseguir com a descrição dos suportes utilizados até hoje para fixação
das obras musicais, será de grande ajuda descrever e definir as quatro fases relacionadas com
a captação, produção e consumo da música. A primeira, seria a mecânica, ou seja, a produção
fonomecânica de sons, onde se fabricava apenas as vibrações pré-existentes, correspondendo
aos fonógrafos e discos de acetato e cera e discos 78 RPM. Em uma fase seguinte, que seria a
fonoelétrica onde surge a figura do editor fonográfico. Este imprime sua personalidade para
criar um todo artístico e técnico, envolvendo efeitos especiais e de interpretação musical com
76
“... Assim que Thomas Edison percebeu que o modelo do kinetoscópio, da caixinha fechada, não tinha futuro, que o
futuro do cinema certamente estaria ligado à projeção em tela grande, o que ele faz? Ele se associa a outros grandes
industriais do ramo, como é o caso de George Eastman, o dono da Kodak, e organiza um Trust, um grupo de empresas que
detêm a maioria das patentes relativas à realização de cinema: a patente da câmara, do projetor, da película perfurada, do
processo de revelação, etc. E se organizam de tal forma em torno dessas patentes que passam a proibir qualquer outra
pessoa de fazer filmes. De acordo com o seu entendimento das leis de direitos autorais, só os membros do Trust detinham
as patentes necessárias para a realização de filmes, portanto só os membros do Trust (ou quem dispusesse a pagar ao Trust
por esse privilégio) poderiam realizar filmes nos Estados Unidos. Nos primeiros anos do século XX esse entendimento é
respaldado por uma série de decisões judiciais, e a polícia norte-americana passa a auxiliar Edison e seu Trust a impedir os
produtores independentes de realizarem seus filmes em Nova York, em Chicago, em Nova Jersey, etc. Então, entre 1909 e
1910, um grupo de independentes, em sua maioria imigrantes judeus que queriam se tornar produtores de cinema,
deslocam-se para a Califórnia, em busca de condições climáticas mais favoráveis para filmar 12 meses por ano, é claro,
mas também em busca de um local distante onde a polícia do Trust não os perseguisse por filmar sem autorização.
Hollywood surge, portanto, contra o Trust de Edison, contra as restrições estabelecidas pelos donos das patentes.”. (In:
ASSIS BRASIL, Giba. Palestra: POLITIZANDO A TECNOLOGIA E A FEITURA DO CINEMA. Seminário ALÉM
DAS REDES DE COLABORAÇÃO: DIVERSIDADE CULTURAL E AS TECNOLOGIAS DO PODER. Porto Alegre,
15/10/2007. Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/upload/Giba%20Assis%20Brasil_1202411732.pdf>. Acesso em:
23 mai. 2008.)
43

características próprias. É o chamado selo musical. O resultado então é o fonograma. Inicia-se


aqui a utilização do Lp vinil. Em uma terceira fase, usou-se a eletrônica. Nela produziu-se
toda espécie de efeitos sonoros, como câmaras de eco, distorcedores, equalizadores, gravação
em vários canais de som (multiplex), ou seja implantou-se o estúdio de gravação que veio
acompanhado além dos intérpretes (executantes) e instrumentos musicais, dos arranjadores,
de maestros, engenheiros de som, direção artística ... Floresce o Vinil e o K-7. A exigência
pela Alta Fidelidade (Hi-Fi) se faz visível. Tudo transcorria muito bem até a revolução
seguinte que gerou a quarta fase.

ANA PAOLA DE OLIVEIRA, afirma que a quarta fase no processo da indústria


musical, a era digital, e teve início por volta do fim dos anos 70 do século passado, com o
surgimento dos gravadores DAT (Digital Áudio Tape), seguido, na década de 80, pelo
aparecimento do CD (Compact Disc), decretando a decadência do LP (Vinil) e das fitas
cassete (K-7). É a dita “revolução” porque se promoveu uma mudança muito radical, nas
formas de captação produção e reprodução musical. Passou-se de uma técnica analógica (onde
na relação sinal/ruído há pouco sinal e muito ruído), para a técnica digital (onde o ruído
praticamente não existe). Na prática, a implementação dessa tecnologia foi muito cara. A
tecnologia digital era difícil e dispendiosa. Inicialmente, os equipamentos eram caros e de
difícil compatibilidade (com poucos recursos, pois não havia interfaces apropriadas ainda). Os
CDs apresentavam siglas77 como AAD, ADD e DDD. Respectivamente, significavam o tipo
de captação, edição, e fixação da obra. Ou seja, AAD significava que a música era captada
com microfones por meios analógicos, depois era “mixada” e “equalizada” também,
analogicamente, e logo, em seguida, convertida para o suporte digital, o CD. Da mesma
forma, no processo ADD, captação e armazenamento eram analógicos, a mesa de som e
mixagem eram digitais e a fixação feita em suporte digital. E por fim, a Sigla DDD onde todo
o processo é digital desde a captação e armazenamento, como a mixagem e equalização, e até
mesmo a fixação no suporte. Com o tempo, a tecnologia digital se popularizou, democratizou-
se, tornou-se acessível a todos.

77
“Os "Compact Discs", ou CDs, armazenam o som em forma digital, não em forma analógica. A maior parte desses discos
traz três letras no rótulo: "AAD", "ADD", ou "DDD". Um disco que traz as letras "AAD" foi originalmente gravado,
geralmente em fita, em forma analógica, não sofreu qualquer processamento digital, tendo apenas sido convertido para
digital para armazenamento em disco compacto. Um disco que traz as letras "ADD", apesar de originalmente gravado,
geralmente em fita, em forma analógica, recebeu algum processamento, depois de digitalizado e antes de ser armazenado
em disco compacto. Um disco que traz as letras "DDD" foi gravado em fita já em forma digital, o som gravado foi
processado digitalmente, e, posteriormente, gravado no disco, também em forma digital. Apresenta, por isso, melhor
qualidade.”. (In: CHAVES, Eduardo O. C.. Tecnologia Digital e Multimídia. Disponível em:
<http://www.chaves.com.br/TEXTSELF/ MULTIMED /mm12.htm>. Acesso em: 10 mar. 2008.)
44

Até o início da era eletrônica (ainda analógica) a característica dos fonogramas era
sempre a mesma: o registro original gravado (analogicamente) era de excelente qualidade,
quase perfeito, porém as cópias decaiam em qualidade, pois, por tratar-se de processo
analógico, havia perda de qualidade relação sinal/ruído. Praticamente era impossível duplicar
uma obra musical e manter a qualidade, a partir de cópias comerciais destinadas ao usuário
final.

Hoje, porém, com a evolução do processo digital promoveu-se um paradoxo.


Incrivelmente, a cópia digital a partir do original apresenta-se tão boa, em qualidade e em
definição, ou igual, o quanto se preferir. Sim, a cópia digital pode, sem dificuldade, reproduzir
no mínimo “igualmente” ao original, ou seja, a gravação master !

Assim, se ocorreram mudanças tecnológicas no suporte das obras musicas, no


mundo dos fatos, o Direito teve também seus reflexos. ABRÃO78 especifica que cada faixa de
um CD, por exemplo, vem a ser um fonograma independente. A LDA dita que o produtor
fonográfico, ao publicar o fonograma, contrai obrigações comuns aos titulares de direitos
autorais: como mencionar o título da obra musical na qual está incluído este fonograma, bem
como o nome do intérprete, ano de publicação, nome ou marca de identificação relativa ao art.
8879 da LDA.

O advento da internet, que utiliza a tecnologia digital, provocou uma grande


mudança no mercado digital. ANA PAOLA DE OLIVEIRA80 descreve como ocorreu esta
mudança no mercado música:

“A qualidade sonora representa a estética de gravações de uma determinada época,


sempre vinculada ao desenvolvimento da tecnologia musical e seu consumo. Já nos
anos 90, a indústria oferece ao mercado o CD-R (Compact Disc Recordable) – cd
gravável, que dá os primeiros passos para a personalização das gravações
domésticas, substituindo a fita-cassete, muito consumida nas décadas de 70 e 80.(...)
Mas são os programas de computadores e a internet que dão uma importante virada
no comércio musical. O aparecimento de gravadores de Cd’s, como Nero, e os

78
ABRÃO, Eliane Yachouh. Direitos de autor e direitos conexos. São Paulo: Editora do Brasil, 2002.p. 122.
79
BRASIL. LEI Nº 9.610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos
autorais e dá outras providências. Da Utilização da Obra Coletiva. “Art. 88. Ao publicar a obra coletiva, o organizador
mencionará em cada exemplar:
I - o título da obra;
II - a relação de todos os participantes, em ordem alfabética, se outra não houver sido convencionada;
III - o ano de publicação;
IV - o seu nome ou marca que o identifique.”
80
OLIVEIRA, Ana Paola de. O lugar da música. UNIrevista - Vol. 1, n° 3: (julho 2006).
45

bancos de dados com músicas disponíveis gratuitamente na rede, como o Napster,


ampliam o acesso e o consumo doméstico.”

Os tribunais americanos decidiram ....

“ O Napster sai do ar em 2001, devido a um processo movido pelas gravadoras, pois segundo
elas, estimulava a pirataria. No entanto surgem novos programas, como o Kazaa, Grokster e o
E-Mule, que realizam trocas de arquivos musicais, o que mostra a fragilidade do mercado
fonográfico, diante da necessidade de um consumo emergente. Já o ProTools e Nuend, são
programas de computador, para gravações mais sofisticadas, que facilitam a produção musical
profissional.
O MP3 torna-se um marco revolucionário para a música digital. Com alta capacidade de
compactação, permite transmitir música digitalizada pela internet, de forma anexada ao e-
mail. “O arquivo de áudio que anteriormente atingia 40MB agora podia ser facilmente
convertido para um arquivo de MP3 com pouco mais de 3 a 4 MB”( Pirataria na era do MP3.
MP3 & cia. São Paulo: Digerati, 2004, p. 10.). Entre os aparelhos encontrados no mercado
está o Ipod da Apple, que pode armazenar 24 horas de música no bolso. Segundo Ney Lemke,
o Ipod é um tocador que baixa e registra arquivos de áudio.
“O aparelho tem maior qualidade de som e o usuário pode gravar até 700
músicas num único aparelho”
(LEMKE, Ney. Entrevista concedida pelo professor de Pós-Graduação da Computação
Aplicada da Unisinos, SãoLeopoldo. São Leopoldo, 18 jun. 2005.)
Outro importante filão deste mercado é o ringtone, uma mina de ouro da indústria
fonográfica, a campainhas personalizada do celular. Os trechos das músicas são baixadas
direto do celular, um negócio que já atingiu 8 milhões de dólares em todo mundo6. Os tons
musicais são divididos em três categorias. Os monofônicos, que apenas simulam a música
através de um trecho da melodia. Os polifônicos reproduzem melodias, arranjos e sons
instrumentais. Já os truetones são as próprias músicas em arquivos digitais compactados. O
preço por canção custa R$ 2,00, quando dos hits de sucesso. Nota-se que as canções
disponíveis, na sua grande maioria, estão ligadas às multinacionais do disco e seus sucessos já
convencionados.” 81
O desespero da indústria fonográfica veio à tona, em princípio, com a
comercialização ao grande público dos CDs domésticos graváveis (CD-R e CD-RW) e em
seguida com os MP3s players e foi completo a disseminação de músicas via internet.

Ao que parece, a indústria musical fonográfica não percebeu que fixou metas muito
altas para recuperar o investimento tecnológico. A alta de custo foi tal magnitude que tornou
proibitivo o preço cobrado pelas lojas de CDs. Concomitantemente, suspendeu-se a produção
e distribuição regular de LPs de vinil e bem como dos toca-discos tradicionais (que seriam
mais acessíveis), que foram retirados do mercado – menos nos EUA .

Como a necessidade é a mãe das invenções, a tecnologia digital e a internet não tem
um único inventor. Na verdade, as mudanças foram implementadas por etapas. O foco das
pesquisas voltou-se, naturalmente, para a demanda reprimida criada pela própria indústria
musical fonográfica. Os personal computers (PCs) ‘começaram’ a “ler” e “gravar” CDs de
dados e, logo em seguida, a “ler” e “gravar” os próprios CDs de música. Com a internet, em

81
Ibidem.
46

1999, Shawn Fanning e um grupo de colegas aproveitaram os sistemas já existentes, como o


padrão mp3 e criaram o Napster."82

Hoje, temos os podcasts. O termo é um neologismo das palavras "iPod" e


"broadcast". Originalmente, teve inicio com os tocadores da Apple Inc., por isso “pod” e
“cast” de padrão de transmissão. São programas semanais, quinzenais ou mensais,
transmitidos/ distribuídos via internet, similares aos programas de rádio que podem ser
ouvidos (download ou streams) nos players existentes no mercado.

3.3 O ADVENTO DA INTERNET

A Internet teve como catalisador a disputa militar, durante a guerra fria. Surge com o
Advanced Research Projects Agency – ARPA, que era um projeto do Departamento de Defesa
norte-americano, em 1957. A ARPA custeou a maior parte das experiências com comutação de
pacotes (packet switching), o que permitiu a criação da Internet, particularmente a ARPAnet
como uma rede sem regras bem definidas, mas, ainda, exclusiva para uso acadêmico e militar.
Como afirma MARCOS WACHOWICZ:

“A data considerada como um marco da internet é setembro de 1969, quando


ocorreu o primeiro experimento remoto de conexão entre computadores, ou seja,
quando os computadores do Instituto de Investigação de Stanford – SRI, se
conectaram à ARPA, denominada a partir de então de ARPAnet.”83

O autor cita, ainda, em nota a página 50, texto de VIEIRA, Eduardo em “Os
bastidores da Internet no Brasil”. São Paulo: Manole, 2003.:

“... A rede funcionou pela primeira vez em janeiro de 1972, interligando quatro
computadores em locais distintos, todos na costa oeste dos EUA: Universidade da
Califórnia em Los Angeles (UCLA), Instituto de Pesquisa de Stanford, Universidade
da Califórnia em Santa Bárbara e Universidade de Utah, em Nevada. Os cientistas
responsáveis pela façanha enviaram a UCLA uma mensagem de saudação com o
texto: ‘Você está recebendo isto?’. Minutos depois, as respostas positivas (’Sim!’)
das outras três localidades mostravam que a experiência fora bem sucedida: era
possível se comunicar à distância enviando informações de um computador para

82
Dançando conforme a web. Revista Veja. Disponível
em:<http://veja.abril.com.br/especiais/Digital3/musica.html>. Acesso em 23 mai.2008.
83
WACHOWICZ, Marcos. A revolução tecnológica da informação – valores éticos para uma efetiva tutela jurídica dos
bens intelectuais In: ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva (coord.). Direito da propriedade intelectual: estudos em homenagem
ao Pe. Bruno Jorge Hammes./ Luiz Gonzaga Silva Adolfo e Marcos Wachowicz.. Curitiba: Juruá, 2006. p.50.
47

outro, através dos cabos subterrâneos que formavam a infra-estrutura de


telecomunicações americana.”

Tempos depois, decidiu-se pela separação em duas redes, protegendo o


conhecimento militar e permitindo a evolução da rede de computadores. Muitos protocolos (e-
mail, FTP e conexões por terminal remoto) foram adaptados para servirem a Internet. A partir
daí, há uma rápida difusão da Internet conforme o Hardware e o Software que foram
evoluindo. Surgiram os protocolos TCP/IP e, finalmente, a World Wide Web.

Assim, sua arquitetura foi concebida sem um nó de comando central. Não existe
ponto-provedor mais importante hierarquicamente. Se um nó “cair”, outro substituirá suas
funções imediatamente, e o fluxo de dados e a comunicação continuará por outro caminho
equivalente (não importando por qual país, provedor ou meio de transmissão dos dados seja
usado).

Mais uma vez a tecnologia, com suas inovações, muda a realidade e o Direito deve
acompanhá-la. Mas, como garantir os direitos autorais globalmente? A extraterritorialidade
ocorre se, por exemplo, quando acontece um upload de um CD (fonograma) de Caetano
Veloso no Brasil, é armazenado num provedor na Rússia e disponibilizado para um usuário na
Nova Zelândia, sem autorização do autor. Este usuário, por sua vez, faz outro upload para os
EUA. Diante do paradigma antigo, pensaríamos: Como o autor poderá se defender? Como
interromper este processo tão desautorizado? Como localizar múltiplos pontos virais da rede?
Quanto custaria para movimentar a máquina do judiciário internacionalmente? Existem os
acordos internacionais (TRIP e WIPO/OMC). Mas, como acionar a máquina processual para
condenar usuários que fazem downloads pulverizados pelo mundo afora? Afinal, não existe a
limitação do direito do autor? Com a banda larga na internet, podemos ter áudio e vídeo
simultâneos digitalmente.

Ocorre que a cada 2 anos (ou menos) a tecnologia muda. Conforme MARCOS
WACHOWICZ anota, referindo-se à Lei de Moore: “a cada ano e meio seria possível
adquirir um novo computador com o dobro da capacidade e velocidade do modelo anterior.”
Registra, ainda, que em 1979, um computador pessoal PC-XT, da IBM, teria a capacidade de
processamento de 8 MHz. Hoje, estamos alcançando a marca de 4Ghz em capacidade de
48

processamento.84 As velocidades de acesso se multiplicam. Os processadores (chips) fazem


mais, consomem menos e ocupam menor espaço. O mesmo acontece com as memórias
eletrônicas... Em breve o número de usuários da internet será maior que o número de pessoas
na face da terra, pois, não existirão mais computadores pessoais, em mesas (PCs) ou ligados à
internet via cabo. Teremos módulos específicos conectados à rede, via wireless (sem fio),
executando funções específicas (lendo placas de carros, geladeiras, fazendo pedido de
reposição de estoque ao armazém, rádios web, Tvs interativas no celular).

Tecnicamente a internet já está muito bem encaminhada. Mas em que ela é tão
diferente em termos de processo de assimilação de informações em relação aos que estávamos
acostumados? Se refletirmos um pouco, poderemos visualizar a seguinte questão: Será que lá
no fundo de nossas mentes não surge um estranhamento pelo fato de, por exemplo, um
cidadão (indivíduo comum) gastar recursos próprios, exatamente num objeto como uma TV
HD digital, que ao ser colocado em sua residência irá, certamente, ditar o que ele deve ou não
comprar, vestir, comer e pensar? Seria possível “desligar” este aparelho quando queremos,
realmente? Lembremos aqui, a letra da música do compositor Cazuza:

“Não me sortearam a garota do


Fantástico Não me subornaram
Será que é o meu fim? Ver TV a cores
Na taba de um índio Programada pra
só dizer "sim, sim"85

A quem beneficiamos quando divulgamos que “O Diabo veste Prada” ou que a


advogada é “Legal (e totalmente) Loira”? Responderemos, é claro: vivemos numa sociedade
de consumo, querendo ou não.

Porém, na internet, tudo muda. Diferentemente dos sistemas de radiodifusão


tradicionais, nela não existem pontos específicos de difusão e outros pontos apenas de
recepção de informações. Nesta nova mídia, as emissões de informação que formam opinião e
propagam e moldam com exclusividade a sociedade não persistem. Falo, aqui, da
interatividade. Sim, aquilo que a televisão claudica e não consegue implementar. Cada ponto
receptor, na internet, também é um transmissor, o qual possui a liberdade de escolha de repetir

84
WACHOWICZ, Marcos. A revolução tecnológica da informação – valores éticos para uma efetiva tutela jurídica
dos bens intelectuais.In: ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva (coord.). Direito da propriedade intelectual: estudos em
homenagem ao Pe. Bruno Jorge Hammes./ Luiz Gonzaga Silva Adolfo e Marcos Wachowicz.: Juruá, 2006. p.48.
85
Música: “Brasil” - Composição: Cazuza /Nilo Roméro / George Israel. Disponível em: <http://letras.terra.com.br/cazuza /
7246>. Acesso em: 10 dez. 2007.
49

a informação e passá-la para diante ou modificar aquilo que foi recebido e redirecionar o
processo. Assim, no ciberespaço, a opinião de um profissional especializado, em qualquer
área do conhecimento, pode ser contraposta por qualquer um da “comunidade digital”.

Assim mesmo, se alguém disser ‘algo’, e eu poderei dizer ‘aquilo’, tenho voz e vez
para falar/escrever/cantar, enfim, também ser ouvido, com a mesma ênfase e importância que
um especialista obtiver, com o apoio do capital econômico ativo.

Essa liberdade de expressão deve ser observada, no contexto do direito autoral, pois
tudo indica que chegou-se ao fim da era dos “ibopes” e das pesquisas de opinião parciais. A
mudança foi tão radical que não se pode mais moldar a realidade apenas manipulando as
informações ao grande público, segundo os interesses de alguns poucos.

De agora em diante, temos a possibilidade de ouvir o verdadeiro gosto musical das


populações, que vem a ser a real cultura de um povo. Afinal, o artista não deve estar onde o
povo está? (na internet?)

ABRÃO denuncia a falta de controle, na difusão de informações na internet e a


preocupante ligação direta, entre o fabricante e o consumidor, que ela mesma refere como
difusão “...‘direto do fabricante ao consumidor’, sem intermediários, censura, habilitações ou
fronteiras”86. Cita ainda, que o fato gerador dos direitos morais do autor é o fato da criação 87,
que se trata da “expressão formal e estética registrada em qualquer suporte tangível ou
intangível”. Já o fato gerador dos direitos patrimoniais é a publicação da obra. Está muito bem
posto. Eis que a internet está repleta desses fatos geradores. Como, então, localizar os
“excluídos” do Direito, na rede? Como aplicar o Direito? Pois se o Direito serve para regular
as relações em sociedade, ele regula os que participam dela. Se não os regula, então esses
agentes não fazem parte real dessa sociedade. Estão fora, “fora da lei” ou estarão dentro? O
Direito não vislumbrou tal contingente social, até então sem reconhecimento (não
(re)conhecido). Esta casta existia ou co-existia na sociedade, mas não era vista.

86
ABRÃO, Eliane Yachouh. Direitos de autor e direitos conexos. São Paulo: Editora do Brasil, 2002. Nota da
Autora.
87
Idem. p.17.
50

Embora, a princípio, a visão da internet pareça apocalíptica, quanto ao direito do


autor, ela é, surpreendentemente, a grande oportunidade para os artistas, pois proporciona uma
ligação direta entre criadores e os consumidores de músicas...

3.3.1 O caso NAPSTER

Em 1999, o Napster surgiu, como uma inovação gerada naturalmente pela


necessidade: o acesso às obras musicais de modo mais viável. SHAWN FANNING teve a
idéia de associar o conceito de “taxa de compressão de bits” (o mp3) para transmitir e receber
músicas entre seus conhecidos, utilizando a internet. Embora não cobrasse pelo serviço ou
pelas músicas, ele não tinha autorização dos titulares dos direitos autorais ou seja, o copyright.
Segundo LESSIG88, o Napster reuniu 10 milhões de usuários em nove meses. No espaço de
um ano e meio, havia perto de 80 milhões de usuários registrados no sistema, alcançando o
pico de 8 milhões de usuários, conectados ao mesmo tempo, disponibilizando 20 milhões de
músicas/dia. Por essa transgressão, os tribunais suspenderam o serviço, mas outros sites,
como Kazaa, eDonkey, Audiogalaxy e Morpheus surgiram em seu lugar. Artistas como a
Banda Metálica processaram a empresa.

No tribunal distrital, o Napster declarou que possuía uma tecnologia que bloquearia
99,4 % dos infratores de direitos autorais. Mas o tribunal americano não considerou
suficiente. A decisão estabeleceu que o índice de insegurança deveria ser ZERO. 89 O serviço
foi então fechado, em março de 2001, após uma demanda jurídica com a Recording Industry
Association of America (RIAA), e comprado em 2002 pela Roxio para vender as músicas
arquivadas aos usuários do serviço.

“Até isso subestima a espionagem que está sendo executada pela


RIAA. Um relatório da CNN, no final do último verão, descreveu a
estratégia adotada pela associação para localizar usuários do
Napster. Utilizando um sofisticado algoritmo de espalhamento, a
RIAA coletou o que corresponde à impressão digital de cada
música catalogada no Napster. Qualquer cópia de uma daquelas
MP3 teria a mesma “impressão digital”.”90

88
LESSIG, Lawrence. Cultura livre: Como a Grande Mídia Usa a Tecnologia e a Lei Para Bloquear a Cultura e Controlar a
Criatividade / Lawrence Lessig.- São Paulo: Trama, 2005. p.87-88.
89
Idem, p.95.
51

LESSIG especifica, ainda mais:

O ponto crítico é: quando for extremamente fácil se conectar a


serviços de conteúdo, será mais fácil se conectar a serviços de
acesso a conteúdo do que baixar e armazenar conteúdo nos
muitos dispositivos que teremos para “tocar” conteúdo. Será
mais fácil, em outras palavras, assinar um serviço do que se
tornar o administrador de um banco de dados, como todos no
mundo de tecnologias de compartilhamento como o Napster
essencialmente se tornam. Serviços de conteúdo competirão
com o compartilhamento de conteúdo, mesmo que cobrem
dinheiro pelo conteúdo ao qual dão acesso. Já há, no Japão,
serviços de telefonia celular que oferecem (mediante taxa)
música enviada por streaming a telefones celulares (que já vêm
com plugues para fone de ouvido). Os japoneses pagam por
esse conteúdo embora haja conteúdo “gratuito” disponível na
forma de mp3 por toda a Web”91

ELIANE YACHOUH ABRÃO92, em artigo publicado na Tribuna do Direito – em


outubro/2000, posicionava-se sobre a situação dos direitos autorais, o copyright e questionava
uma utilidade para o Napster:

“(...) Quanto às leis autorais, estão onde sempre estiveram: conceituando obras
protegidas, seus usos lícitos, seus modos de transferência, suas violações e cadeias
de responsabilidades (portais, provedores, donos de sites, internautas
mercantilistas). Sem nos esquecermos, por outro lado, de que, desde que
previamente consultado, o autor pode sim conceder o uso gratuito de sua obra a
quem bem entender. A hora é dos interessados: indústrias e autores, reforçados cada
vez mais por sociedades de gestão coletiva, instrumentalizados pelo aparato
tecnológico. Será que o Napster, como um indexador e localizador de arquivos
MP3 não pode ser utilizado muito mais como uma ferramenta a favor dos
autores do que contra, dando início ao mais complexo e seguro sistema de
controle e gestão de direitos autorais, jamais imaginados pelos criadores de
obras intelecetuais?”

3.3.2 O P2P e o conflito com as legislações “locais”

90
LESSIG, Lawrence.Cultura livre: Como a Grande Mídia Usa a Tecnologia e a Lei Para Bloquear a Cultura e Controlar a
Criatividade / Lawrence Lessig.- São Paulo: Trama, 2005. p.212.
91
Idem. p.289.
92
ABRÃO, Eliane Yachouh, In: Tribuna do Direito – outubro/2000. Disponível em:<http://www2.uol.com.br
/direitoautoral/artigo211003_a.htm>. Acesso ao site em: 01 fev. 2008.
52

Como com o Napster antigo, o Kaaza e outros programas de compartilhamento, as


legislações nos países onde ocorrem as transferências de download ponto a ponto (P2P) se
encontram sob conflito de jurisdição e competência93.

“Usando um sistema p2p, você pode compartilhar suas músicas favoritas com seu
melhor amigo – ou com seus 20 mil melhores amigos.”

LESSIG alerta ainda, na página 205:

“De acordo com a RIAA, o comportamento desses 43 milhões de


pessoas é criminoso. Assim, temos um conjunto de regras que
transforma 20% dos EUA em criminosos. Uma vez que a RIAA abre
processos não apenas contra os Napsters e Kazaas do mundo, mas
contra estudantes que criam mecanismos de busca - e, cada vez
mais, contra usuários comuns que baixam conteúdo - as
tecnologias de compartilhamento avançarão para proteger e
ocultar o uso ilegal. É uma corrida armamentista ou uma guerra
civil, com os extremos de um lado evocando uma resposta mais
extrema do outro.”

Em alguns países, é permitido, como uma limitação ao direito do autor, realiza uma
cópia para uso privado, sem fins lucrativos, ou mesmo uma cópia de salvaguarda. Noutros,
vige o copyright, onde a autorização prévia para cópia é imprescindível (exceção ao fair use).

Como, então, fazer o usuário respeitar o direito autoral, se num local (país) é crime e
noutro não o é ?

E se existem vários direitos. Qual, então, é o certo?

Lembremos que nem todos os países ratificaram os tratados internacionais referentes


à propriedade intelectual, apesar da aproximação das legislações proporcionada pelos Acordos
TRIPs. Aplicar o tradicional paradigma não é mais possível. É sabido que as leis protegem
mais o processo de distribuição do fonograma do que o direito autor-criador. Com a
operacionalidade da internet, o antigo processo, mesmo é legalmente protegido, caiu em
desuso. O autor dispõe agora de um canal de divulgação poderoso e instantâneo, a custos
mínimos de infra-estrutura e com alcance planetário. Deve o Direito, então, conectar-se à
realidade e interpretar as leis, segundo os fatos reais, ao invés de continuar “tampando o sol

93
LESSIG, Lawrence.Cultura livre: Como a Grande Mídia Usa a Tecnologia e a Lei Para Bloquear a Cultura e Controlar a
Criatividade / Lawrence Lessig.- São Paulo: Trama, 2005. p.88.
53

com uma peneira” e realmente proteger os interesses do autor e não mais o dos cessionários
ou sucessores patrimoniais.

3.4 A INSTITUIÇÃO DO ISRC

O ISRC é o código de identificação digital da obra musical editada / gravada: o


fonograma. International Standard Recording Code, ou Código de Gravação Padrão
Internacional — definido pela ISO 3901. Serve para identificar de forma única gravações
sonoras e de video. O IFPI (International Federation of the Phonographic Industry) foi
designado pela ISO como autoridade de registro para o padrão. O comitê TC46/SC9 é o
responsável pelo padrão. Anteriormente se utilizava no Brasil, o GRA (nacionalmente).

O Brasil implementou o ISRC em 1992, e a SOCINPRO foi nomeada Agência


Nacional para administração do ISRC no Brasil.

O ISRC é essencial para a administração dos Direitos na Era Digital. Ele é um


código binário que, introduzido dentro da gravação de uma música serve para identificar uma
obra. Cada gravação tem sua identificação digital única. Durante a gravação da obra, o
código ISRC é integrado à gravação, que é, automaticamente, identificada pelos
computadores, toda vez que for executada a música gerando o pagamento dos direitos
autorais, simplificando a administração. Tudo isto se dá, em um nível internacional de
arrecadação de direitos autorais, onde a execução de obra no exterior também é computada ao
autor nacional, conforme ilustração a seguir.
54

Figura 1 - Estrutura Internacional


Fonte: SOCINPRO94
.
Através do ISRC cada obra é identificada, em nível internacional sendo
individualizados o título, autor e interprete, além do tempo de duração do fonograma.

Figura 2 - Estrutura do ISRC


Fonte: SOCINPRO95

O ECAD desenvolveu tecnologia para registrar a execução pública das músicas. O


programa de informática ECAD.Tec Rádio eliminou as planilhas Excel que continham a
programação das rádios, substituindo-as por sistema via Internet, enviando um arquivo com
toda a programação musical da emissora, com melhor qualidade de informações, garantindo
assim uma distribuição mais precisa dos direitos autorais.

Informatizado, o ECAD fornece, em seu site na internet, um simulador para


retribuição de direitos autorais, cadastro informatizado dos associados, acompanhamento dos
valores pagos pelo usuário (empresa de shows/radio) com relatório anual, pedido de
programação musical, de maneira bastante transparente, divulgando também, o ISWC
(International Standard Musical Work Code) da ISO 15707, conforme ilustração a seguir.
.

Figura 3 - ISWC

94
Disponível em:<http://www.socinpro.org.br/>. Acesso em: 24 mai. 2008.
95
Idem.
55

A único, permanente e internacionalmente reconhecido


número de referência para a identificação de trabalhos (is a
unique, permanent and internationally recognized reference
number for the identification of musical works.) 96

Exemplo de registro de uma gravação com ISWC:

A DANCA DO SIRI Dur: 00:00:00 ISWC: T-039.064.608-8 (Título Original) ECAD

Autor IPN# Categoria


ANTONIO FERNANDES DOS SANTOS 00063024903 CA

Figura 4 – Registro de Gravação com ISWC97

Na página da internet, o ECAD instrui o associado de como receber o Direito


Autoral. O ECAD dá informações sobre procedimentos necessários através de um roteiro de
10 passos de acordo com a legislação: como ser filiado a uma associação; proceder o cadastro
da música; verificar se os direitos foram cedidos; os direitos são regionalizados tanto o ponto
autoral como o conexo, são obtidos por rodízio de amostragem; distribuídos mensalmente,
trimestralmente ou semestralmente de acordo com o segmento onde foram executados; os
percentuais de direitos autorais (compositores e editores) são diferentes dos conexos
(produtores fonográficos, intérpretes e músicos acompanhantes) são diferentes; o intérprete
recebe mensalmente então já foi contemplado com o cachê pago pelo promotor do evento e só
recebe direitos autorais se for, também, autor das músicas que interpretar; conferir se a casa
de shows onde vai se apresentar paga direito autoral; o envio do roteiro das músicas a serem
executadas pelo artista, bem como a correta identificação dos títulos das músicas e seus
autores.

Como o ISRC introduziu o fonograma na era digital, com este sistema, os


computadores podem fazer a “contabilidade” (computar) das execuções de determinada
música em rádios, shows, lojas virtuais em qualquer parte do mundo.

Da mesma forma como é possível executar uma pesquisa através do programa


Google na internet, poder-se-ia pesquisar a quantidade de cópias (downloads) de uma
determinada música circulando especificamente na rede.

O Decreto 4.533 de 19 de dezembro de 2002, em seu § 2º do artigo 1º, determina:

96
CISAC - International Confederation of Societies of Authors and Composers 20 / 26, bd du Parc 92200 Neuilly sur Seine
– FRANCE - Disponível em: <http://www.iswc.org/iswc/en/html/home.html>. Acesso em: 07 set. 2007.
97
Idem.
56

”§ 2o O suporte material deve conter um código digital - International Standard


Recording Code - onde se identifique o fonograma e os respectivos autores, artistas
intérpretes ou executantes, de forma permanente e individualizada, segundo as
informações fornecidas pelo produtor.”

Embora necessário ao bom desenvolvimento e dos direitos autorais, o legislador


colocou-se em situação delicada ao introduzir o ISRC com exigência de lei, uma vez que o
sistema instituído por oranizações privadas, como a IFPI (International Federation of the
Phonographic Industry).

3.5 PIRATARIA: UMA QUESTÃO DE CONSCIENTIZAÇÃO E INFORMAÇÃO

Quando do surgimento dos fonogramas, até mesmo a indústria fonográfica era pirata
em relação às partituras feitas por compositores e que eram distribuídas e comercializadas
pela indústria de então, como bem observa LESSIG98 sobre a época do início do século XX:

“Os compositores (e editores) não estavam nada felizes com essa


capacidade de piratear. Como afirmou Alfred Kittredge, senador de
Dakota do Sul. Imagine a injustiça da situação. Um compositor
escreve uma música ou uma ópera. Um editor paga uma grande
soma pelos direitos da mesma e a registra. Daí, vêm as
companhias fonográficas e companhias que fazem partituras
em rolo e, deliberadamente, roubam a obra do cérebro do
compositor e do editor, sem nenhuma preocupação com seus
direitos.
Os inovadores que desenvolveram a tecnologia de gravar obras de
outras pessoas estavam “explorando o esforço, o trabalho, o
talento e o gênio dos compositores americanos” e “a indústria de
distribuição de música” estava portanto “completamente à mercê
dos piratas”.”
Inevitável, era neste processo, não ocorrer a pirataria. Pirataria é crime sim,
conforme artigo 184 e §§ 1º, 2º e 3º do Código penal. Deve ser reprimida veementemente,
porém deve ser considerada, sob dois aspectos:

Primeiramente, o conceito de propriedade intelectual pode estar fora do alcance de


compreensão do homem médio, muitas vezes humilde ou até mesmo chegar a dificuldade dos
juristas da área penal, em tipificar especificamente o que é, e o que não é, em si, a pirataria ...

98
LESSIG, Lawrence. Cultura livre: Como a Grande Mídia Usa a Tecnologia e a Lei Para Bloquear a Cultura e Controlar a
Criatividade / Lawrence Lessig.- São Paulo: Trama, 2005. p.76.
57

Sim, o cidadão humilde, sem instrução, pode, em muitos casos, não entender a
diferença, entre o produto original e o pirata, a não ser pelo fator preço. Como explicar a um
caboclo do interior do interior que chega a um centro urbano, a cadeia de esforços
estabelecida, no processo de fabricação da música que ele escuta no seu rádio a pilha? Como
entender que o seu emprego novo de camelô (de CD pirata), não faz parte dessa cadeia
produtiva oficial e que essa atividade tira os empregos de outros tantos por deixar a
descoberto os custos de produção e distribuição da indústria musical e própria tributação
oficial e que isto vai contra a lei, é ilícito ?

Vide decisão do TJ-MG99:

“Violação de direitos autorais. CD pirata - O princípio constitucional da legalidade é


a garantia de que todo cidadão só poderá ser condenado criminalmente se houver lei
prévia que permita a ele saber - ainda que potencialmente - que a conduta é crime no
ordenamento jurídico. A expressão “violar direitos autorais” é demasiadamente vaga
e até mesmo especialistas em Direito Penal não poderiam precisar o seu âmbito de
significação, quanto mais um vendedor ambulante sem educação jurídica. O
desconhecimento da lei é escusável se esta não for suficientemente clara para
permitir que qualquer um do povo possa compreender - ainda que
potencialmente - o seu significado. (...)
Erro de tipo. Exclusão da culpabilidade. VIOLAÇÃO de direito autoral. Consciência
atual da ilicitude. (...) Vendedor ambulante de ‘fitas piratas', sem nenhuma instrução e
que somente assina o nome, não tem condições de saber o que é direito autoral e rege
amparado por erro de tipo, que exclui a culpabilidade por não dispor de consciência atual
da ilicitude (TJSP RT 728/525).
VIOLAÇÃO de direito autoral. Comercialização de ‘fitas piratas'. Erro de tipo.
Inocorrência. Réu, no entanto, sem condições atuais de saber da ilicitude de seu
comportamento. Absolvição decretada, em face da ausência do elemento subjetivo
do ilícito. Art. 386, V, do Código de Processo Penal. Recurso não provido (TJSP, JTJ
178/310).”

Diante desta impossibilidade congênita de superar a ignorância do conceito de


direito autoral, ocorreram e ocorrem, ainda, muitos casos de desclassificação do tipo penal da
pirataria.

Outro aspecto a ser destacado é o fato da utilização do conceito da limitação do


direito de autor transfigurado como sendo pirataria. A indústria musical fonográfica veicula
campanhas publicitárias, confundindo a população, quanto à utilização de obras licitamente
para uso privado, com a verdadeira pirataria.

99
BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Criminal nº 1.0172.04.910501-5/001, Relator: Des. Erony da
Silva. Data julg.: 23/11/2004. Disponível em:<http://www.tjmg.gov.br/juridico/sf/proc_complemento2.jsp?listaProcessos
=10172049105015001>. Acesso em: 03 nov. 2007.
58

Deveríamos procurar o verdadeiro espírito da lei. Ora, se alguém se apropria de obra


intelectual alheia para auferir lucro, sem autorização ou justificativa legal, deverá o autor da
obra, no mínimo, participar deste lucro:

“Como John Philip Sousa disse, da forma mais direta possível, ‘quando eles ganham
dinheiro com as minhas peças, eu quero uma parte dele”.100

Alerta KRETSCHMANN101, que a pirataria vai além do prejuízo da propriedade


intelectual como um direito, pois o desconhecimento por parte dos membros da sociedade:

“... Saberão (as crianças) que há um crime organizado por trás, que existe uma
poderosa organização por trás da pirataria, que nessa matéria não estamos tratando
de um caso isolado, mas, de grandes organizações, nacionais e transnacionais que
estão há tempo universalizando o crime. Quando compramos um CD pirata, estamos
alimentando toda a cadeia do crime organizado. Precisamos criar consciência para o
problema, o mais rápido possível. Há muito mais por trás de um “direito intelectual”
do que se possa imaginar – mesmo – e principalmente – num país como nosso.”

Frente a esta terrível realidade, temos o direito e o dever de saber diferenciar a


pirataria da exceção ao direito de autor. Saber como gera-se recursos financeiros para grupos
perniciosos à sociedade e como funciona a violação a propriedade intelectual.

3.5.1 Gerenciadores de Direitos Digitais (DRMs)

A pirataria e as contrafações se tornaram tão intensas e prejudiciais ao faturamento


que, para evitar a cópia do conteúdo de seus CDs, a indústria fonográfica criou o DRM. O
DRM é um dispositivo anti-cópia (gerenciador de direitos digitais, do inglês Digital Rights
Management). Ele deveria evitar a proliferação de cópias de músicas de CDs ou DVDs
vendidos nas lojas. A princípio, o arquivo de música copiado, não poderia ser reproduzido, ao
ser mudado de suporte (de CD para mp3 por exemplo).

100
LESSIG, Lawrence.Cultura livre: Como a Grande Mídia Usa a Tecnologia e a Lei Para Bloquear a Cultura e
Controlar a Criatividade / Lawrence Lessig.- São Paulo: Trama, 2005. p.76.
101
KRETSCHMANN, Ângela. A propriedade intelectual e o papel das instituições de ensino superior. In: ADOLFO,
Luiz Gonzaga Silva (coord.). Direito da propriedade intelectual: estudos em homenagem ao Pe. Bruno Jorge Hammes./
Luiz Gonzaga Silva Adolfo e Marcos Wachowicz. Curitiba: Juruá, 2006. p.457.
59

Na metáfora explicativa de KAMINSKY102, o funcionamento da trava DRM é


bastante promissor para a época:

“A tecnologia da Gestão de Direitos Digitais pode "aprisionar" os arquivos de mídia em uma


"gaiola dourada", onde aqueles que detêm o conteúdo podem mantê-los até que alguém os
compre, ou alugue a chave. Acontece uma migração dos direitos autorais para o direito
contratual. (...) a-) Nasce o arquivo de música, criado por uma empresa da mídia, embelezado
com a marca d'água do detentor dos direitos autorais (a prova de autenticidade), e
comprimido para um "vôo rápido" através da Internet; b-) O arquivo é criptografado e
armazenado em um computador – o servidor de conteúdo. O processo de criptografia irá gerar
uma licença eletrônica (contendo uma chave para decodificá-lo e um conjunto de regras de
negócio, que determinam como a chave poderá ser utilizada), a qual reside em outro
computador - o servidor de licenças; c-) A canção codificada "bate suas asas" em direção ao
disco rígido de um usuário. O usuário deve obter (download) um programa de reprodução
compatível com o arquivo, mas sem possuir uma licença, poderá reproduzir apenas um trecho
de 30 segundos da música; d-) O arquivo permanecerá inutilizado após decorridos os 30
segundos, e até que o usuário se inscreva no serviço de mídia que distribui esse conteúdo. Em
troca do pagamento, o serviço irá lhe fornecer a licença que habilita o programa de
reprodução a executar o arquivo (a música) por inteiro, por determinado período ou
indefinidamente;e-) A chave destrava o arquivo apenas no computador do usuário licenciado.
Para reproduzi-la em um dispositivo portátil ou transferi-la a um CD, é necessário uma
atualização (upgrade) da licença, e o pagamento de um valor adicional;f-) A canção poderá ser
copiada e distribuída ad infinitum, assim os amigos do usuário e parceiros de
compartilhamento também poderão ouvir o fragmento de 30 segundos. Caso algum deles se
torne um assinante do serviço para conseguir executá-la na totalidade, o usuário que a
transmitiu poderá obter uma vantagem (desconto, prêmio); (...) A música mantém-se tocável
apenas enquanto o usuário continuar pagando pelo valor exigido. Se a subscrição não for
renovada, a licença irá expirar e a chave decodificadora deixará de funcionar. O arquivo entra
em dormência até que seja revitalizado por uma nova licença.(...)”

Porém, esta tranca eletrônica não vigorou por muito tempo. Os hackers conseguiram
“quebrá-la”, em pouco tempo (dias), e distribuíram crackers (códigos binários que
neutralizam o DRM) na rede.

Na prática, a situação só piorou para as gravadoras. Quem tinha acesso à internet,


baixava (download) as músicas com o DRM já neutralizado, geralmente ilegal e
gratuitamente, ouvindo-as em qualquer dispositivo que quisesse, enquanto o consumidor
tradicional, comprador de CDs em lojas, não podia passar sequer passar suas músicas pagas
para o mp3 ou ouvi-las no rádio do carro, devido à atividade do dispositivo anti-cópia.

Neste meio tempo, em 1996, entraram em vigor os tratados da OMPI (WCT e


WPPT). Eles envolviam a regulamentação da atividade comercial (OMC) quanto à proteção a
propriedade intelectual e sua aplicação pelos países membros dessa comunidade internacional,
tendo como bases da Convenção de Berna. Isto obrigou os EUA, a sancionar o Digital
Millenium Copyright Act (EUA, 1998) que gerou um novo Capítulo 12 ao Title 17 na

102
KAMINSKY, Omar. Introdução à Gestão de Direitos Digitais (Digital Rights Management – DRM). Disponível em:
<http://www.cem.itesm.mx/verba-iuris/articulos/080203.htm>. Acesso em: 12 mai.2008.
60

Circular 92103. Esse capítulo proibia o utilizador de obra digital de quebrar, violar e fraudar
qualquer DRM, conforme Seção 1201104. Esta seção tipificou a conduta no seu item 1)(A),
especificando que nenhuma pessoa deve contornar uma medida tecnológica (DRM no caso)
que efetivamente controlar o acesso a uma obra protegida sob o copyright... E na Seção
1204105, sobre ofensas criminais e penalidades a mesma lei do copyright, ficou instituído que:
“-Qualquer pessoa que viole seção 1201 ou 1202 propositadamente, para obter vantagens
comerciais ou financeiras privadas -(1) deve ser multado até US $ 500.000 ou preso por até 5
anos, ou ambos, pela primeira ofensa; e (2) deve ser multado até US $ 1.000.000 ou preso por
até 10 anos, ou de ambos, por qualquer delito posterior”.

Embora tipificada e penalmente determinada, essa proteção legal ao DRM provou


ser ineficaz, no final das contas, além de provocar revolta e mal estar, entre a sociedade
americana, pois de uma hora para outra, todos os jovens americanos que baixavam músicas da
internet estavam infringindo a lei e sujeitos a sanções civis e penais. Eram “todos”, agora,
criminosos ... Mais de 10 mil internautas já foram processados nos EUA desde 2003106.

A EMI Brasil, em 2006, enfrentou represálias e polêmica pelo fato de dois álbuns
de Marisa Monte serem lançados com o conteúdo protegido, tornando impossível a execução
103
U.S.A.. THE DIGITAL MILLENNIUM COPYRIGHT ACT OF 1998 - U.S. Copyright Office Summary.
“Circumvention of Technological Protection Measures
General approach
Article 11 of the WCT states:
Contracting Parties shall provide adequate legal protection and effective legal remedies against the
circumvention of effective technological measures that are used by authors in connection with the exercise of
their rights under this Treaty or the Berne Convention and that restrict acts, in respect of their works, which
are not authorized by the authors concerned or permitted by law.
Article 18 of the WPPT contains nearly identical language.
Section 103 of the DMCA adds a new chapter 12 to Title 17 of the U.S. Code. New section 1201 implements the
obligation to provide adequate and effective protection against circumvention of technological measures used by
copyright owners to protect their works.
Section 1201 divides technological measures into two categories: measures that prevent unauthorized access to a copyrighted
work and measures that prevent unauthorized copying2 of a copyrighted work. Making or selling devices or services that are
used to circumvent either category of technological measure is prohibited in certain circumstances, described below. As to the
act of circumvention in itself, the provision prohibits circumventing the first category of technological measures, but not the
second.(…)” Disponível em: <www.copyright.gov/legislation/dmca.pdf> . Acesso em: 15 jan. 2008.
104
§ 1201 · Circumvention of copyright protection systems
(a) Violations Regarding Circumvention of Technological Measures.—(1)(A) No person shall circumvent a
technological measure that effectively controls access to a work protected under this title. The prohibition contained
in the preceding sentence shall take effect at the end of the 2-year period beginning on the date of the enactment of
this chapter.
105
§ 1204 · Criminal offenses and penalties
(a) In General.—Any person who violates section 1201 or 1202 willfully and for purposes of commercial advantage
or private financial gain— (1) shall be fined not more than $500,000 or imprisoned for not more than 5 years, or both,
for the first offense; and (2) shall be fined not more than $1,000,000 or imprisoned for not more than 10 years, or
both, for any subsequent offense.
106
EDG Artigo. Somos todos piratas: Pelas regras de direitos autorais em vigor, quase todo internauta é um fora-da-lei.
Afinal, o que está errado? Revista Época nº 407 de 06 mar 2006. Disponível em: <
http://revistaepoca.globo.com/Revista /Epoca/0,,EDG73361-6014,00.html >. Acesso em: 12 mai 2008.
61

de suas músicas nos iPods da Apple. E, ainda mais, o CD protegido ao ser lido pelo
computador instalava um software, contra a vontade do usuário, segundo reportagem de
Diego de Assis, do site Link – Sua vida digital do Grupo Estadão107:

“Teste realizado pelo Link usando o Windows Defender, programa que detecta
arquivos que se instalam, ou tentam se instalar, inadvertidamente no PC, acusou que,
logo que o CD Universo ao Meu Redor, de Marisa, foi inserido, houve tentativa de
instalação de um arquivo chamado sdcplh.sys – antes e independentemente de se
aceitar ou rejeitar o contrato”

No mesmo artigo, KAMINSKY alerta para o fato de que os direitos do consumidor


haviam sido atingidos, embora o porta-voz da EMI Brasil negasse:

“Sem dúvida diversas cláusulas nele(contrato de uso do CD) constantes podem ser
consideradas abusivas, ocorrendo indução a erro e vício do produto de acordo com o
Código de Defesa do Consumidor. Um dos exemplos é a cláusula limitadora de
garantia, pois, ao que parece, o software DRM pode se revelar prejudicial, ser instalado
sem sua permissão em sua máquina e até mesmo invadir a privacidade do usuário.”

Em 2007, quase dez anos depois do dmca, a gravadora Warner desistiu de vender
downloads de música com DRM108. Também anunciou o mesmo propósito a rede varejista
americana Wal-Mart. No Brasil, o site Musig109, loja virtual da IG, em 20/12/2007 passou a
oferecer músicas em formato compatível com o iPod (sem DRM).

Em suma, diante do terrível dano reflexo causado à imagem da indústria


fonográfica e aos artistas por esta política de tentar controlar e impor o travamento digital
impedindo o livre acesso de conteúdo da obra pelo grande público, calou fundo e as
gravadoras resolveram retroceder...

3.6 A NECESSIDADE DA INDÚSTRIA FONOGRÁFICA EM ARRECADAR

107
ASSIS, Diego. Marisa Monte não canta no seu iPod. Disponível
em :<http://www.link.estadao.com.br/index.cfm?id_ conteudo=6950>. Acesso em: 20 ago 2007.
108
“SÃO PAULO – Um dos estúdios mais resistentes a abrir mão das tecnologias anticópias, a Warner cedeu. O grupo
musical anunciou acordo para vender faixas no site Amazon.com de músicas sem a ferramenta anticópia. A Warner
detém os direitos de artistas como Led Zeppelin, Aretha Franklin e Sean Paul. Nos Estados Unidos, a Amazon é a maior
competidora do iTunes e o acordo com a Warner sinaliza que até os estúdios mais conservadores estão abrindo mão da
DRM.” (In: ZMOGINSKI, Felipe. Warner aceita vender MP3 sem DRM na Amazon. INFO Online. São Paulo, 28 de
dezembro de 2007. Disponível em: < http://info.abril.com.br/aberto/infonews/122007/28122007-2.shl>. Acesso em: 28
dez. 2007.)
109
“Musig começa a vender músicas em formato compatível com iPod - O Musig é a primeira loja do Brasil a vender
músicas no formato MP3 e sem DRM. Por exemplo, o último disco do Sepultura, "Dante XXI". Baixe e ouça no seu
iPod!”.(Disponível em:<http://igpop.ig.com.br/principal/2007/12/20/musig_passa_a_oferecer_musicas_com pativeis
_com_ipod_em_mp3_1126812.html >. Acesso em: 12 mai. 2008.)
62

A indústria fonográfica não quis abrir não de seu lucro oriundo do trabalho artístico
musical e, segundo TÚLIO VIANNA110, o artista garante a sua remuneração, não em razão
do monopólio da venda de cópias, mas, com a contrapartida obtida nos fechamentos de
contratos com as gravadoras:

“Sob o pretexto de se tutelar os “direitos de autor”, o combate à pirataria é tão-


somente um instrumento de reafirmação da velha ideologia da “propriedade
intelectual”, única capaz de legitimar o monopólio do direito de cópia dos detentores
dos meios de produção. O monopólio do direito de cópia (copyright), longe de
tutelar os direitos do autor, é contrário a seu interesse de maior divulgação possível
da obra. O que garante aos autores a remuneração por seu trabalho não é o
monopólio do direito de cópia, mas a alienação deste trabalho aos detentores dos
meios de produção que irão consubstanciá-lo em meio físico e vendê-lo no livre
mercado. Pouco importa ao autor a ausência de escassez da obra em meio digital, ou
mesmo se uma única ou uma dezena de empresas irá produzir seu trabalho em meio
tangível, pois sua remuneração depende tão-somente da venda da obra
materializada.”

Verificamos, no quadro a seguir, extraído da obra de GUEIROS, que é


problemática a situação do artista, na hora da prestação de contas pelas gravadoras. Não
surpreendentemente, a gravadora desconta tudo que é possível e imaginável. Muitas vezes, o
artista sai devendo para a major(Caso do compositor Dudu Falcão111). Observemos os
descontos. Sobre o preço do disco (hoje bem mais alto) incide o desconto industrial. Refere
GUEIROS que se trata de uma praxe do tempo, em que o disco era confeccionado, com
goma laca e acetato (1940), sendo facilmente quebrado (uma quebra), literalmente, com
qualquer batida (no transporte ou na fabricação, por exemplo). Embora tenhamos passado
pelo vinil e pelo CD digital e já utilizemos o mp3, o qual, nem mesmo um suporte físico
específico necessita, este desconto ainda é realizado na prestação de contas junto ao autor.
Segundo GUEIROS112, lá se vão 10% da receita. Também, com o fim do CD físico, cai por

110
VIANNA, Túlio Lima. A Ideologia da Propriedade Intelectual: a inconstitucionalidade da tutela penal dos direitos
patrimoniais de autor. Anuario de Derecho Constitucional Latinoamericano 2006. p. 933. (FUNDACIÓN KONRAD-
ADENAUER, OFICINA URUGUAY/ KONRAD-ADENAUER-STIFTUNG E. V. República Federal de Alemania.).
Disponível em:<http://www.tuliovianna.org/A%20ideologia%20da%20propriedade%20intelectual.pdf>. Acesso em: 20 nov.
2007.
111
“(...) O contrato entre Falcão e a BMG, assinado em 1996 e renovado anualmente, estipulava que o compositor deveria
pagar eventuais débitos com a gravadora em "trabalho artístico". (...) No contrato, de acordo com Carvalho Júnior, está
estipulado que o compositor receberia R$ 12.500 mensais como adiantamento do valor que a gravadora arrecadaria com
os direitos autorais de suas composições. O problema é que o valor pago desde 1996 superou o devido ao artista.
"Quando ele foi pedir uma prestação de contas, no ano passado, viu que a dívida já estava em R$ 1 milhão. É como se
ele estivesse trabalhando em regime análogo à escravidão, porque teria que trabalhar até morrer para pagar esse
valor", afirmou o advogado.” (In: FIGUEIREDO, Talita. Compositor Dudu Falcão ganha disputa contra gravadora.
Folha de S.Paulo, em 10/07/2004. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u45805.shtml>.
Acesso em: 10 mai. 2008.)
112
“Este desconto irregular e ilegal de 10%, que é praticado no mercado musical mundial há cerca de 45 anos
(começou nos Estados Unidos), tem origem conhecida e discutimo-lo no tópico 13.4, adiante. Algumas gravadoras
alegam que “o disco quebra muito, sofre danos no pino em que é fabricado”, atraindo para si uma responsabilidade do
fabricante. Mesmo no caso de gravadoras que possuem suas próprias unidades fabris, como a Sony Music e a BMG
Ariola, este desconto não tem qualquer amparo legal. Trata-se de uma subtração simples e direta de dinheiro dos
royalties dos artistas, que somente unidos poderão modificar esta situação.” (In: GUEIROS JUNIOR, Nehemias. O
63

terra a necessidade de realização da famosa capa do trabalho, que era de vital importância,
antes da era digital. Hoje, as músicas são transmitidas individualmente, quase não havendo
sentido em se criar o apelo da identidade visual, via capa fotográfica. Mesmo assim, a
gravadora cobra até 25% do valor arrecadado pelo álbum. GUEIROS também relaciona
impostos (ICMS, IPI, FINSOCIAL, COFINS, IR) que podem alcançar mais de 40% do
faturamento da obra. Sem contar que as lojas varejistas revendedoras faziam pedidos de
discos em consignação. Caso não houvesse saída do artista devolviam a mercadoria que era
logo, logo estornada da conta do autor. Muitas vezes, as estimativas eram otimistas, porém
com o tempo não se confirmavam os resultados previstos na boca do caixa, sem contar, é
claro, o desconto das taxas de administração que variam arbitrariamente, de gravadora para
gravadora e de artista para artista, sobre os direitos advindos do exterior.

Quadro 1 - Dos descontos na prestação de contas ao músico

Preço unitário do disco* Descontos Percentual

R$ 8,00 (em 1997) “industrial” 10% (quebra/ilegal)


De capa Entre 10% e 25%
ICMS 18% - varia em cada unidade
federativa
IPI 15%
FINSOCIAL 8 a 12%
COFINS 2%
IMPOSTO DE RENDA 1%
Devoluções de mercadorias pelos lojistas
Descontos concedidos aos revendedores
Despesas de administração e transferência**

Valor final aproximado: Menos de R$ 3,00


* preço médio cobrado pelas gravadoras aos revendedores no mercado brasileiro
** geralmente descontadas arbitrariamente pelas gravadoras no caso de royalties vindos do exterior

Parece-nos, porém, que o feitiço virou contra o feiticeiro ... Na ânsia de arrecadar a
indústria fonográfica extrapolou as possibilidades da pirâmide sócio-econômica do país como
o Brasil. Buscou, avidamente, recuperar os investimentos em tecnologia digital. O preço do

direito autoral no show business: tudo o que você precisa saber..., volume I/A música. – Rio de Janeiro: Gryphus,1999.
p.180.)
64

CD inflacionado gerou pouco lucro e inibiu o crescimento das vendas. Um CD custando R$


30,00 ou R$ 40,00 é absurdamente alto para os padrões nacionais.

Em contrapartida, aos preços praticados pelas majors, surge na década passada, o


movimento TECNOBREGA113, no Pará. Temos, então, um exemplo de como é possível criar
uma estrutura de distribuição de músicas, oferecendo CDs originais ao consumidor final por
R$ 3,00 a unidade.

Outro exemplo, hoje, em 2008 é o cantor AMADO BATISTA114 lançando em CDs


a R$ 10,00, toda a sua discografia, totalmente original e independente das tradicionais
gravadoras, distribuindo via internet.

O retraimento da industria fonográfica tradicional atinge a cultura. Não pode essa


indústria que tem cunho necessariamente comercial determinar o que vai ou não ser
distribuído ao grande público. Ou seja, é inaceitável limitar-se o acesso à cultura, diante de
um critério meramente econômico-financeiro...

3.7 A IMPOSSIBILIDADE DOS PAÍSES GARANTIREM O DIREITO DO AUTOR

A impossibilidade dos países garantirem o direito do autor no sistema tradicional das


grandes gravadoras tornou-se realidade, principalmente no Brasil. Como se verificou, aqui, a

113
“um tipo de música que remonta à primeira geração da jovem guarda, a mais romântica, misturada com sintetizadores e
música dançante eletrônica dos anos 1980 e 1990. A peculiaridade desse movimento musical que atrai milhares de
pessoas no Pará é que quem quiser comprar um CD de tecnobrega em uma loja irá frustrar-se. Os produtores e músicos
da cena possuem um acordo de distribuição diretamente com os camelôs, que vendem os CDs totalmente à margem da
indústria musical “oficial”. Para eles, pouco importa a forma pela qual seus trabalhos são distribuídos, como neste caso,
em que os CDs custam entre R$ 2 e R$ 3 cada um. O que sustenta efetivamente a cena são as multidões que ela atrai nas
periferias. E o movimento sustenta-se com sua permanente renovação, centrada no uso do MP3, que sucedeu o vinil
utilizado pelos DJs locais na década de 1980, o CD e o MD da década de 1990. Por isso, seja a BBC em Londres ou o
tecnobrega em Belém do Pará, todos estamos vivendo modificações de um modelo de direitos autorais, criado no século
XIX e com base em uma diferente realidade social, cuja transformação parece ser inexorável.” (In: LEMOS, Ronaldo.
Direito, Tecnologia e Cultura. São Paulo: FGV, 2007, p.90-9.)
114
BATISTA, Amado. Site do cantor. Disponível em:<http://www.lojaamadobatista.com.br/loja/produtos_descricao .asp?
lang=pt_BR&codigo_produto=09>. Acesso em: 10 mai. 2008.
65

legislação é demasiadamente vaga e restritiva. Logo, como refere Ronaldo Lemos somos
todos piratas. As lojas de venda de discos tradicionais sumiram (fecharam). Consegue-se
praticamente qualquer álbum tradicional na internet (mediante pagamento ou mesmo
“gratuitamente”). As novas bandas e grupos oferecem seus materiais livremente para
download do público. Como se fará para fiscalizar um tocador mp3 contém um arquivo
pirateado ou será ele legal?

Nos EUA e na Europa, pessoas estão sendo processadas por fazerem uploads115,
porém a repercussão é péssima na opinião pública. As majors buscaram DRMs mais eficientes
porém a resposta foi quase imediata116. As travas foram quebradas. As gravadoras tentam
localizar os downloaders nas universidades americanas117. Mais um outro fiasco acontece.

Como sistematizar e controlar a criatividade? E a presunção de boa-fé?

Devido a ser, na essência, a cópia digital igual ao original, é quase impossível


localizar o primeiro upload na web. Existem tentativas de tecnologias de controle para

115
“... Entre as músicas baixadas pela internauta --o total seria de 1.702, mas o processo se restringe a 24 arquivos--
estavam canções dos grupos Destiny's Child, Green Day e Guns N' Roses. Receberão o dinheiro da multa as empresas
Warner Bros. Records, Sony BMG, Arista Records LLC, Interscope Records, UMG Recordings e Capitol Records.” (In:
Mãe solteira leva multa de R$ 400 mil por download ilegal nos EUA. Folha Online em 05/10/2007. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u334111.shtml>. Acesso em: 25 nov. 2007.)
116
“HD-DVD, PROTEÇÃO? JÁ ERA! Hackers quebram de vez a proteção ao HD-DVD- SÃO PAULO – O código
que abre qualquer disco HD-DVD está em toda a web. A divulgação resultou de uma escaramuça entre usuários do site
Digg.com e a MPAA.” (In: PAPO MICREIRO. Maio 03, 2007. Disponível em: <http://papomicreiro.blogspot
.com/2007/05/hd-dvd-proteo-j-era.html>. Acesso em: 10 ago. 2007.)
117
“College students beware: Universities are ratcheting up punishments for illegally downloading music and video from
your dorm rooms this school year in an effort to tamp down the popular pastime. Stanford University and UC Berkeley
are among schools that have added teeth to their policies to make students think twice about violating copyright laws.
The hope, in part, is to keep students from being sued by Hollywood studios, which consider online piracy a threat to
their business and are sparing little expense to track down people who illicitly share songs, television shows and films.”
(In: UC Berkeley, Stanford crack down on illegal downloading - Verne Kopytoff, Chronicle Staff Writer -
Wednesday, September 5, 2007 – Disponível em:<http://sfgate.com/cgi-bin/article.cgi?f=/c/a/2007/09/05/MNT6
RSPM6.DTL>. Acesso em: 10 set. 2007.)
66

favorecer o sistema tradicional, mas são rapidamente superadas. Com o implemento de


inúmeras mudanças tecnológicas, a realidade dos fatos se modificou. O paradigma mudou.

Cada país defende a seu modo o Direito Autoral. Embora os tratados de propriedade
intelectual vinculem os países obrigando-os a implementar internamente a sistemática de
proteção a obra do copyright, a nova realidade virtual mudou a maneira do mundo reagir.

Como fiscalizar o que ocorre dentro do lar de alguém, no seu computador? No


recesso familiar. Como detectar um upload de uma obra não autorizada? Rastrear informações
dentro dos lares? E as liberdades e direitos personalíssimos ?

Mesmo sem autorização, não estaria o contrafrator (agindo como um formador de


opinião) divulgando, gratuitamente, o nome e a obra do artista?
Parece-nos, a princípio, que os países não têm como garantir o direito do autor nos
termos das leis atuais... mas não por muito tempo, como nos alerta o site a2K sobre o novo
Projeto de Lei substitutivo de regulamentação da internet, de autoria do Senador Eduardo
Azeredo118.

Segundo o site ligado a Fundação Getúlio Vargas (FGV) :

“Trata-se de dispositivo que cria uma conduta criminal capaz de afetar a vida de
milhares de pessoas, consistindo em verdadeiro instrumento de "criminalização de
massas". Inúmeras pessoas, do dia para a noite, tornam-se criminosas em potencial
caso o projeto do senador Azeredo seja aprovado.
No âmbito destes artigos, encontra-se abrangido o acesso a dispositivos como
computadores, iPods, aparelhos celulares, tocadores de DVDs e até mesmo

118
BRASIL. SUBSTITUTIVO (ao PLS 76/2000, PLS 137/2000 e PLC 89/2003) (Sala da Comissão, 20 jun. 2006)
Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal) e o Decreto-Lei nº
1.001, de 21 de outubro de 1969 (Código Penal Militar), para tipificar condutas realizadas
mediante uso de rede de computadores ou internet, ou que sejam praticadas contra sistemas
informatizados e similares, e dá outras providências. (...)
“Art. 3º O Código Penal passa a vigorar acrescido do seguinte art. 183-A:
Art. 183-A. Equiparam-se à coisa o dado ou informação em meio eletrônico, a base de dados armazenada em
dispositivo de comunicação e o sistema informatizado, a senha ou qualquer meio que proporcione acesso aos
mesmos. (...)
— DA VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO DE COMUNICAÇÃO OU SISTEMA INFORMATIZADO
Acesso indevido a dispositivo de comunicação
Art. 339-A. Acessar indevidamente, ou sem autorização, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Manipulação indevida de informação eletrônica
Art. 339-B. Manter consigo, transportar ou fornecer indevidamente ou sem autorização, dado ou informação
obtida em dispositivo de comunicação ou sistema informatizado:
Pena – detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa”
67

conversores de sinais da televisão digital. Isso faz com que a indústria de conteúdo
possa criminalizar seus consumidores, tal qual aconteceu nos Estados Unidos com a
aprovação do DMCA (Digital Millennium Copyright Act) em 1998.
Passados quase dez anos da aprovação dessa legislação nos EUA, existe consenso
de que a mesma, além de absolutamente ineficaz, produziu danos graves para a
sociedade e para o interesse público, a ponto de seus dispositivos estarem sendo
flexibilizados cada vez mais a cada ano.
O projeto de lei do senador Azeredo não só vai contra essa evidência empírica de
legislação malsucedida nos Estados Unidos, como amplia o escopo do modelo
norte-americano. Enquanto nos EUA criminalizou-se "quebrar ou contornar
medidas de proteção tecnológica" empregadas pela indústria cultural para proteger
bens regidos pelo direito autoral, o projeto do senador Azeredo criminaliza o
próprio "acesso".”119

No Oriente, contrariamente ao severo Projeto de Lei, brasileiro, os países asiáticos


parecem não conhecer do conceito de copyright ou direito do autor. É até mesmo estranho tal
posicionamento para eles. Embora as regras da OMC/OMPI reinem no mundo ocidental, a
produção de aparelhos dos países asiáticos (China, Korea, Singapura e outros), baseados na
tecnologia digital, toma de assalto os países do ocidente, onde o copyright está em vigor. Os
asiáticos não vendem os aparelhos mp3 e mp4 com obras as musicais incluídas (embutidas);
deixam, em aberto, para os usuários escolherem e copiarem as músicas que, tanto podem ser
autorizadas ou não, pelos seus autores/cessionários. Embora estes países legalmente proíbam
as cópias indiscriminadas, tais equipamentos são fabricados em lugares que não levam em
consideração a proteção ao direito de autor, no momento de projetá-los, produzir e vendê-los
em escala internacional.

Isto nos leva refletir que, se por um lado, o comércio multilateral proporcionou
avanços significativos com as rodadas da OMC, criando normas e padrões internacionais,
inclusive para a música, que assim, tornou-se uma mercadoria; por outro lado, em resposta a
estas regras, outros países (asiáticos principalmente) passaram a vender hardware
(equipamento) que deixou para trás os controles jurisdicionais. A globalização não é amarga
somente para os países em desenvolvimento. Devemos admitir que os países ditos ricos,
também, sofrem com suas próprias decisões.

Conforme registra KRETSCHMANN120, as bases, por exemplo, de como a China


responde a mentalidade do Ocidente tomam a seguinte forma:

119
O Projeto de Lei do Senador Eduardo Azeredo e seus custos para o Brasil - Internet brasileira precisa de marco
regulatório civil - 22 de maio de 2007. Disponível em:<http://a2kbrasil.org.br/O-Projeto-de-Lei-do-Senador>. Acesso em:
25 out. 2007.
120
KRETSCHMANN, Ângela. Universalidade dos Direitos Humanos na complexidade de um mundo multicivi-
lizacional. Curitiba: Juruá, 2008, p. 50.
68

"Recentemente, o Secretário Geral do Partido manifestou-se dizendo que entre a


China e o Ocidente não há conflito de direito envolvendo os direitos humanos (...)
Refere que a China não pode alcançar todos os direitos humanos num rompante, e
que tem privilegiado o direito de subsistência e desenvolvimento. Por outro lado,
enfatiza que países como os Estados Unidos, privilegiam os direitos políticos, sem
reconhecer o direito à subsistência e o direito ao desenvolvimento.” (MUZHI, Zhu)

Podemos conjeturar a respeito das gerações dos direitos e tentar localizar os direitos
de autor, num nível que, embora nos remeta à 1ª geração, na fase do não agir, da liberdade de
expressão, dos direitos individuais e direitos comerciais, devamos fazer uma passagem pelos
direitos de 2ª geração na qual se localizam os direitos à cultura, econômicos e sociais e atingir,
assim, a 4ª geração. E, nesta fase, que é a democracia direta, onde se preceitua o direito à
informação e o pluralismo, onde está a cultura da humanidade, onde se atravessa do Estado
Liberal para o Estado Democrático e Social.

Quadro 2 - Das "Gerações dos Direitos Fundamentais” 121

1a Geração 2a Geração 3a Geração 4a Geração

Liberdade Igualdade Fraternidade Democracia (direta)

Direitos negativos Direitos a


(não agir) prestações

Direitos civis e Direito ao Direito à


políticos: liberdade Direitos sociais, desenvolvimento, informação, à
política, de econômicos e ao meio-ambiente democracia direta e
expressão,
religiosa, comercial culturais sadio, direito à paz ao pluralismo

Direitos individuais Direitos de uma Direitos de toda a Humanidade


coletividade

Estado Liberal Estado social e Estado democrático e social

Convém salientar que a positivação e reconhecimento de direitos, pelos Estados


recebe o nome de “direitos fundamentais”, enquanto o termo “direitos humanos” se reserva ao
reconhecimento dado, em nível internacional (supranacional), aos direitos dos povos em
caráter universal. Assim sendo, cada país, poderá dar maior ou menor grau de proteção aos
direitos autorais, conforme a sua posição na escala das gerações de direitos que estiver
atualmente, trilhando.122

3.7.1 Isenções (limitações) aos direitos autorais previstas na Lei nº 9.610/98

121
Notas de Aula do Prof. Rafael DAMASCENO Ferreira e Silva. Classe de Teoria da Constituição em: 19 e 23 abr. 2003.
122
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6ª ed., Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2006, p.
35 e 36.
69

Por ora, a LDA brasileira prevê situações, onde a utilização da obras de um


artista, por parte do usuário, não se constitui ofensa, portanto sendo livre a reprodução
independentemente de autorização. Assim o artigo 46 preserva a execução no recesso familiar
e o uso para fins didáticos quando anão houver lucro envolvido123.

O artigo 184, do Código Penal, em seu parágrafo 4º, também preserva a


utilização, sem autorização em determinada situação, sem que isto consista em tipificação
penal. Ele define, como exceção ou limitação do direito do autor e direitos conexos, a cópia
em um só exemplar para uso privado do usuário se não houver interesse em lucro124. Mas a
violação fora esta exceção, dita o artigo 184: penaliza o infrator com detenção, de 3 meses a 1
ano, ou multa. Se essa violação for a reprodução de fonograma, obra intelectual, interpretação
ou execução com o intuito de lucro direto ou indireto, sem autorização do titular dos direitos
da obra será penalizado o agente com a pena de reclusão de 2 a 4 anos e multa. Também
recebe a mesma pena quem ocultar e depositar cópias obtidas com violação de direito autoral.

Como foi enunciado no item 3.7, foi proposto, pelo Congresso Nacional, um
Substitutivo de Projeto Lei (aos PLS 76/2000, PLS 137/2000 e PLC 89/2003), do Senador
Eduardo Azeredo, que altera o Código Penal e o Código Penal Militar, tipificando as condutas
123
BRASIL. Lei n 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá
outras providências. “Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais: (...)
II - a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem
intuito de lucro; (...)
V- a utilização de obras literárias, artísticas ou cientificas, fonogramas e transmissão de rádio e televisão em
estabelecimentos comerciais, exclusivamente para demonstração à clientela, desde que esses estabelecimentos
comercializem os suportes ou equipamentos que permitam a sua utilização;
VI- a representação teatral e a execução musical, quando realizadas no recesso familiar ou, para fins
exclusivamente didáticos, nos estabelecimentos de ensino, não havendo em qualquer caso intuito de lucro;"
124
BRASIL. DECRETO-LEI No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940. Código Penal. “Art. 184. Violar direitos de
autor e os que lhe são conexos: (...)
§ 1o Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou
processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista
intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente...
§ 2o Na mesma pena do § 1o incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda,
aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido
com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma,
ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos
ou de quem os represente.
§ 3o Se a violação consistir no oferecimento ao público, mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro
sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para recebê-la em um tempo e lugar previamente
determinados por quem formula a demanda, com intuito de lucro, direto ou indireto, sem autorização expressa, conforme
o caso, do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor de fonograma, ou de quem os represente.
§ 4o O disposto nos §§ 1o, 2o e 3o não se aplica quando se tratar de exceção ou limitação ao direito de autor ou os que
lhe são conexos, em conformidade com o previsto na Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, nem a cópia de obra
intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso privado do copista, sem intuito de lucro direto ou
indireto.”
70

realizadas na internet125. Pois este Projeto institui o artigo 183-A no Código Penal. O artigo,
em questão, estabelece que a informação, em meio eletrônico, passa a ter condição de coisa...
caindo, assim, na situação de direito real. Fora é claro, o fato da criminalização do acesso
“sem autorização” a dispositivo de comunicação que referem os artigos 339-A e 339-B,
cabendo uma pena de detenção de 2 a 4 anos e multa. Ou seja, aquilo que até agora era uma
mera contrafação126, passará, se aprovado no Congresso Nacional, a ser crime.

Inconscientemente, este Projeto desconhece o interesse da população, como,


também, as possibilidades das pessoas de agir e reagir. Seremos, então, parados nas ruas e
nossos iPods ou tocadores de mp3 arrestados, pois poderão conter material de crime. Tudo
porque existe uma nova realidade, possibilitando a difusão da música indiscriminadamente?
Paradoxalmente, nos Estados Unidos, o DMCA (Digital Millennium Copyright Act) de 1998,
a tentativa de restringir a utilização de obras musicais, através de proteção aos DRMs tornou-
se ineficaz, pois além de produzir graves prejuízos às pessoas (condenações por quebra de
DRM de música protegida) e consequentemente ao interesse público, os tribunais estão,
gradativamente, flexibilizando a aplicação desta legislação. O caso brasileiro é mais sério,
pois tipifica o próprio ato de acessar a obra.

3.8 Posição dos artistas quanto aos direitos autorais e a indústria fonográfica

O modo de vida artística é sustentado basicamente, por shows ao vivo ou


televisionados. Os artistas saem em turnês com os shows previamente custeados. Os
CDs/álbuns são apenas para divulgação da imagem e trabalho do artista.

ALMIR SATER127, músico, compositor e intérprete também registra sua descrença,


no sistema tradicional das gravadoras:

“Pode ser considerado legal um contrato de edição que tenha duração


indeterminada? O autor pode rescindi-lo unilateralmente sem ser penalizado por

125
BRASIL. SUBSTITUTIVO (ao PLS 76/2000, PLS 137/2000 e PLC 89/2003). Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de
dezembro de 1940 (Código Penal) e o Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 (Código Penal Militar), para
tipificar condutas realizadas mediante uso de rede de computadores ou internet, ou que sejam praticadas contra sistemas
informatizados e similares, e dá outras providências.
126
BRASIL. Lei n 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá
outras providências. “Art 5º Para os efeitos desta Lei, considera-se: (...) VII - contrafação - a reprodução não autorizada;”
127
Disponível em: <http://www2.uol.com.br/direitoautoral/almir.htm>. Acesso em: 10 ago. 2007
71

isso, considerando que a quase totalidade desses contratos é assinada por jovens
músicos e artistas mal entrados nos vinte anos?”

O polêmico LOBÃO128 dá seu testemunho, agora incorporado ao cast da indústria


fonográfica, que aborda argumentos defendendo o sistema das gravadoras tradicionais;

“.... O meio fonográfico mudou (encolheu), o radiofônico também (agora a onda é ringtone na
cabeca)... sai jabá, os alvos mudaram e tem um monte de bundão cobrando "coerência", todos
ignorando suas posturas pré-fabricadas... é mole? (...)
Por exemplo, estou agora em Curitiba fazendo rádio. Fiz Transamérica e toquei um pocket
show na Jovem Pan. (...) Tenho feito muitas parcerias com os divulgadores regionais, e isso
tem resultado em muitas parcerias muito criativas. Fora a total receptividade em aceitar meus
métodos heterodoxos de autopromoção, eh, eh. Por exemplo: fechei com a Gianinni uma
promoção de 30 violões para eu sortear, e eles ainda vendem o cd e o dvd em todos os pontos
de venda da Gianinni por todo o país... legal, né? Tô a fim de fazer um festival de música
independente com parceria das gravadoras. E tenho um plano para desvilanizar a industria
fonográfica: restaurar o "disco é cultura" e deduzir os 25% do preço final do cd. não é só
isso: destributalizar toda a cadeia de produção, desde o papel, a matéria plástica do cd, etc. e
tal. Pedi ao [Alexandre] Schiavo [atual presidente da Sony BMG] para escrutinar todo o
metabolismo tributário, para depois formarmos uma comissão para um périplo pelo Planalto...
creio que a gente tem muita chance de vitória, afinal de contas, se [o livro] "marimbondos de
fogo" [de José Sarney] é cultura... Kelly Key também é!!!, e xeque-mate, eh, eh!! (...) sem
traumas... "disco é cultura" é útil, pode ajudar toda a cena musical. E, vamos e venhamos,
disco é cultura, sim.... O que é importante é que muita gente boa vai se beneficiar com isso
(eu sei o quanto levo vantagem na "outracoisa" por ter essa isenção). (...) Não tenho a menor
dúvida de que qualquer disco é cultura (pode até ser má cultura, mas isso não vem ao caso).
Mas pra que empatar a foda de um processo que vai proporcionar um desafogo na indústria e
um automático crescimento no investimento de coisas novas (e velhas também!!!)? (...)
Quanto aos discos continuarem existindo ... Eu te garanto: eles continuarão, sim, e por muito,
muito tempo ainda. (...) A gente está prestes a viver uma nova era de prosperidade (...) vamos
fazer mais história, vamos mudar tudo!!! e tenho dito!”

O músico B NEGÃO129, após se desligar de sua gravadora, utilizou a internet como


mídia para divulgação de seu trabalho com ótimos resultados:

“... Lucas Santanna e B Negão colocaram discos inteiros para serem baixados de
graça em seus sites e não acham que isso afete a venda da mídia física, o CD.
Ambos vendem bastante em shows e disseram que a difusão pela internet gera
público em praças onde não chegou o CD e muito menos foram tocados em rádio.
Uma turnê com público criado a partir da web
O músico B Negão, que usa licenças Creative Commons, fez sua primeira turnê na
Europa sem qualquer disco lançado lá e os shows lotaram com pessoas que
conheciam suas músicas da web. Foi quando percebeu a força da rede:
— As gravadoras falam de crime organizado. Mas o jabá que pagam para as rádios
também é crime e é organizado.”

MARISA MONTE, intérprete e compositora concedeu esta entrevista a Vinícius


Queiroz Galvão da Folha de São de Paulo130, em Nova York / 14/11/2006:

128
ENTREVISTA COM O LOBISOMEM. Em Maio 22 de maio de 2007. Disponível em:
<http://pedroalexandresanches .blogspot.com/2007/05/entrevista-com-o-lobisomem.html.> Acesso em: 20 mar. 2008.

129
VIANNA, Luiz Fernando (Rio) - Movimento pede nova lei para 'regularizar' downloads - FOLHA DE SÃO PAULO
- DINHEIRO – 10 dez. 2006.
130
GALVÃO, Vinícuis Queiros. Folha de São Paulo. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/
ult90u66043.shtml>. Acesso em: 20 ago. 2007.
72

“(...)Artistas como eu e como a Bethânia fazemos as regras para a indústria do jeito que
realmente sentimos, com legitimidade, com honestidade. Tendência mesmo é lançar música
na internet, fazer singles, em vez de álbuns. Folha - CD é obsoleto, então? Marisa -
Vivemos numa era de transformação, pode ser. É possível que daqui a dez anos não
exista mais CD. Ou exista para um público muito específico. Sinto várias opções
crescendo, como compra de música on-line, download. A tecnologia digital é uma
revolução. Folha - E como isso muda a maneira de conceber a música, o processo de
criação? Marisa - Por enquanto não mudou nada, mas é possível que daqui a alguns eu possa
olhar para trás e dizer o que mudou. Antigamente, quando não havia LPs, havia aqueles 78
rotações, eram duas músicas por lado, e o artista lançava vários discos por ano. Já foi
diferente também. Nem sempre foi assim como é hoje. É possível que em alguns anos as
pessoas lancem música por música na internet, em seus sites. Não tenho noção do que vá
acontecer. É uma pergunta difícil. Por enquanto, ainda estamos correndo atrás das
transformações, que acontecem mais rápido do que nossas reações a elas. Houve uma
retração grande do mercado por causa de uma pirataria incontrolável. Não existe nenhuma
tecnologia eficaz de controle. Mas isso não transforma em nada a criação em si. Quer dizer, a
inspiração. Faço música independentemente de gravar, de lançar, se vou ter disco. Isso
nunca regeu meu ciclo de criação. Faço as músicas que tenho vontade de fazer. Tenho
inspirações, idéias. E isso não vai mudar. É uma questão de espírito, de ligação com a
música.(...)”

FERNANDA TAKAI, integrante da Banda Pato Fu, registrou a posição da banda


frente à nova realidade do meio musical, em entrevista a Revista ISTO É131, em agosto de 2007:

“As rádios de todo o País têm recebido o novo CD do Pato Fu, Daqui pro futuro,
como um prosaico pirata de rua. A vocalista Fernanda Takai comprou 100 CDs
virgens e, no próprio computador, gravou, escreveu o nome do álbum e os enviou às
emissoras. Essa foi uma das maneiras que a banda encontrou para fazer a divulgação
do trabalho, agora que deixou a estrutura de uma grande gravadora. A venda das
músicas do "disco" é feita em uma loja de downloads. Cada faixa custa R$ 0,99 e
todas, que em breve formarão um CD fisico com distribuição independente, saem
por R$ 9,90.
"Deixamos de ser pequenos no mainstream (mercado oficial) para sermos grandes
independentes",
diz Fernanda, que comemora as altas vendas no novo formato.(...)
“Os fonogramas são nossos, temos agilidade para comercializá-los, recebemos 95% dos
direitos autorais, podemos fazer parcerias e vender conteúdo."
Segundo ela, o suporte de uma grande gravadora não faz falta durante a produção, à
base de soluções caseiras.”

Entrevista com LÔ BORGES132, um dos ícones da MPB moderna. Abrindo o baú


do Clube da Esquina a Cláudio Szynkier para a Agência Carta Maior:

“(...) Não começou hoje, na semana passada. Eu nem estou falando dos últimos 30 anos,
desde o Clube da Esquina. De uns 10, 15, anos para cá, o negócio é arretado. (...)Tem toda
uma coisa social. Não sei se você sabe, as professorinhas de Belo Horizonte, dessa geração
atual, gostam muito do Clube da Esquina. Então elas ensinam às crianças de hoje as músicas
do Clube. Diversos colégios fazem "Grupo Clube da Esquina", "Estudo do Clube da Esquina
Junto às Crianças". (...) já tive experiência desse pessoal chegar na casa da minha mãe, sendo
que eu estava lá. Chegou um ônibus escolar e desceram 40 crianças que invadiram a garagem
da minha casa e começaram a cantar o Trem Azul e Paisagem da Janela para mim. Aí eu tive
de pegar o violão, minha mãe chorou, passou mal de emoção (risos)... Tem dessas coisas.
CM - Na música brasileira, ou geral, da atualidade existe espaço para a ousadia estética
que marcou o som do Clube da Esquina, (...)? Cara, quando não tem espaço, você cria a
história e a deixa no espaço que ela puder ocupar. Você tem limitações de ocupação de
espaço, mas você não pode deixar de fazer. Há escalas de mídia, mídia grande, mídia média.

131
Os donos da voz. Revista ISTOÉ nº 197 de 1·8 ago. 2007.
132
BORGES, Lô. Site do cantor . Disponível em:<http://www.faclubedaesquina.cjb.net/>. Acesso em: 15 jan. 2008.
73

Temos o Zeca Baleiro e o Fagner, por exemplo, que estão fazendo um bom trabalho e estão
entrando um pouco na grande mídia outra vez. A verdade é que ninguém precisa de
grande mídia. As pessoas precisam de paz, precisam trabalhar e sobreviver
dignamente. A mídia que se f... A mídia que se vire, a mídia que procure as pessoas.
Essa caça à mídia é uma coisa desproporcional. (...)
- Gravar independente, no meu caso, é melhor. Não sou um cara de vender milhões de
cópias, então, no meu caso, especificamente, é mais legal ter uma relação com uma
gravadora estilo Trama, uma empresa nacional, com capital nacional e políticas claras
em relação ao objeto de arte que está sendo lançando.
Contratos claros e cumprimentos claros de seus contratos, eu acho que isso não se dá muito
nessas multinacionais mais robustas. Nêgo caga para o que está escrito, para o que está
assinado. É uma coisa impressionante, como nêgo assina e não cumpre, já sabedor de que
o artista não vai mexer com ele também. Não vai mexer com ele, pois é uma coisa muito
grande, aí vai tomar tempo, o artista vai ganhar uma mixaria, ou nada. Tem de pagar
com advogado. Então, deveriam existir mais gravadoras como a Trama, que está
distribuindo o Um Dia e Meio (novo disco). Acho que gravar independente é uma coisa com
a qual eu me acostumei facilmente, apesar dos meus discos, todos, terem saído por
multinacionais. Eu já fiz alguns álbuns aqui em Belo Horizonte, nenhum deles lançados.
Dois álbuns que eu fiz pagando tudo - estúdio e músicos. Fiz e tenho as fitas com as
músicas, (...)”.

Natural de Lagoa Vermelha, JOEL MARQUES (João Miguel Marques de


Medeiros) é o autor de inúmeros sucessos, como “Não aprendi a dizer adeus”, nas vozes das
duplas sertanejas, descreve sua trajetória, ao longo de 25 anos de carreira, em seu site 133 na
internet:

“Uma carona aqui, outra carona ali, acabei chegando em São Paulo (...) sem dinheiro nenhum
e sem amigos, num lugar totalmente desconhecido e grande fiquei apavorado. Acabei
dormindo num banco da rodoviária (...) Cantei praticamente em quase todas as casas noturnas
até conhecer alguém que em 1977 me levou até a CBS onde com muita surpresa fui
contratado para gravar meu primeiro LP. Tinha eu 8 músicas ... fui contratado por 2 anos e
tive tratamento de artista de sucesso, ganhando valores e bens, para assinar o contrato, ...meu
nome era um tanto extenso para facilitar a assimilação do público resolveram que eu deveria
escolher um nome mais comercial, ... fiz uma fusão das sílabas JO do nome João e EL de
Miguel e acabou ficando Joel, Joel Marques. O disco acabou ficando na gravadora e não saiu
nem para as lojas de discos por razões que a própria razão desconhece e isso fez com que eu
me dedicasse totalmente às composições, mesmo com a dificuldade de gravar minhas canções
com artistas de grande expressão. Em 1981, conheci através de José Homero, a grande dupla
sertaneja, Chitãozinho & Xororó que gravaram minha primeira música gravada por eles, Pés
Descalços, a segunda, Não Desligue o Rádio e depois desse dia, nunca mais parei de ser
procurado para mostrar minhas músicas. Hoje conto com mais de 1300 músicas, das quais
quase 1000 já gravadas.(...) — Você nunca deve desistir dos seus ideais, mesmo quando seus
ideais desistem de você. (...) cabe a nós, pensa Joel, compositores, jovens, velhos, conhecidos
ou desconhecidos, mantermos sempre viva a inspiração da vida, do amor, do sonho e da
esperança.(...) São os compositores, intérpretes do pensamento daqueles que não conseguem
colocar em verso e prosa a sua alegria ou tristeza, o seu amor ou desamor. Somos os seus
porta-vozes e com certeza exercemos o ofício, o que é sem dúvida alguma o maior dom que
deus nos deu, fazer música. (...) há sempre mais uma música a fazer, tem sempre um novo
artista nascendo e A MÚSICA NÃO PODE MORRER.”

Um outro exemplo, é a BANDA MOTOCONTÍNUO que escolheu divulgar seu


trabalho, via internet, sob licença creative commons:

“Eu sou um dos administradores da banda Motocontínuo, do Guilherme Padovani


(Guinoupe), no site Jamendo.com. Como o site da banda (www.motocontinuo.net)
ainda não está pronto, estou colocando aqui no meu blog o link de validação
requisitado pelo jamendo:
133
MARQUES, Joel. Site do compositor. Disponível em:<http://www.joelmarques.com.br/home.htm>. Acesso em: 01 mar.
2008.
74

Eu, Felipe Sanches, certifico que o álbum "A fantástica viagem trágica" da banda
Motocontínuo (cujos direitos autorais pertencem a Guilherme Padovani e demais
membros da banda) está, de fato, licenciado sob a Creative Commons by-sa 2.5””

Figura 5 – Licença Creative Commons134

O grupo LOS HERMANOS tomou posição, durante o Seminário a favor da


regulamentação do download, em novembro de 2006, no Rio de Janeiro:

“Marcelo Camelo, do Los Hermanos, falou de sua incerteza quanto ao futuro de sua
atividade de "criador de cultura". Comentou que, se a banda vendia 300 mil CDs no
começo da carreira, depois a venda caiu para menos de 40 mil, com pirataria de
CDs e trocas via web. Mas ele não é amargo quanto a isso (muito pelo contrário) e
reconhece que não há volta. Os CDs vendem menos, mas os shows estão cada vez
mais cheios:
— Esse negócio de processar é como uns caras com baldinhos d’água tentando
apagar um incêndio gigantesco que é a internet. Em breve, "ter" a informação não
fará mais sentido. E não há que ter medo das grandes empresas. Ora, há empresas
que ganham três vezes: em cima do artista, fazendo gravadores de CD e fabricando
CDs virgens para gravar. E ainda querem ganhar mais dinheiro com processos?”

Como retratam os depoimentos acima, fica evidente, o caráter espoliativo da


indústria fonográfica. O tradicional sistema de produção e distribuição da música escraviza a
criatividade e talento do músico, seguindo os interesses comerciais, quase que
exclusivamente. Isto é proteção ao direito do autor ? A legislação visou algo mais do que
simplesmente ao direito à criação e a comercialização ...

Fica registrada a posição de GUILHERM CARBONI quanto ao desenvolvimento


tecnológico e os novos conflitos implementados por essa realidade:

“As mudanças ocasionadas pela tecnologia digital demandam uma nova


interpretação dos conflitos envolvendo o direito de autor e as novas tecnologias que
visam ampliar e dinamizar as formas de expressão cultural e artística, bem como a
distribuição das obras intelectuais.”135

Porém, o CARBONI não faz diferenciação entre o criador artístico e o titular


cessionário do direito patrimonial. O problema provavelmente residirá na existência dessa
confusão de interpretação, onde existem dois tipos de agentes com interesses muito distintos.
De um lado, os interesses do artista, que necessita a divulgação de seus trabalhos em larga
escala, ao grande público para alimentar sua carreira, o que é interessante para a sociedade.
De outro, o cessionário, titular do direito de outrem, especulando e tratando a obra musical,

134
Disponível em: <http://www.creativecommons.org>. Acesso em: 21mai. 2008.
135
CARBONI, Guilherme. Função Social do direito de autor. Curitiba: Juruá, 2006, p.217.
75

como mercadoria, que acaba por negociar a propriedade intelectual como coisa material,
prevalecendo caráter de meramente comercial.

Em análise curta, porém, profunda, CARBONI propõe e abre para o novo, ainda
dentro da lógica tradicional:

“A nosso ver, o desenvolvimento tecnológico não pode ser coibido pelo direito de
autor. Em caso de conflito, o direito de autor deve ser adaptado à nova realidade
tecnológica e não o contrário, pois ele é apenas um instrumento para o
desenvolvimento tecnológico.”136

Uma nova interpretação, que dê vazão ao desenvolvimento tecnológico e a nova


realidade, passa, necessariamente, por essa constatação. Devemos interpretar o que seja
melhor tanto para o criador artístico, como para o desenvolvimento, o qual nos traz boas
perspectivas. A tecnologia é uma ferramenta. E como todo o instrumento não é bom ou ruim,
apenas o uso que fazemos dele poderá ser valorado.

É este o pensamento da doutrinadora MARISTELA BASSO, já em 2000,


considerava a (re)construção da definição atual dos direitos dos autores, artistas,
programadores e obtentores:

“O modelo tradicional ou histórico é hoje ultrapassado, porque os direitos dos


autores e inventores não podem ser separados. A divisão fragiliza sua definição e
classificação. (...) nos damos conta que estamos diante de um edifício doutrinário e,
sobretudo, legislativo, incompleto, resultado da produção intelectual e, portanto, em
constante evolução.” 137

Profetiza BASSO, que se por um lado, o enfrentamento entre a realidade jurídica e a


tecnológica será desconfortável para os operadores do Direito, “acostumados” com o antigo e
tradicional sistema, por outro lado, antevê a perspectiva de um fascinante desafio, para os
estudiosos dos direitos gerados, pela produção intelectual (e artística).

136
IbiIdem.
137
BASSO, Maristela. O Direito Internacional da Propriedade Intelectual.. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000,
p.45.
76

4 A MUDANÇA DE PARADIGMA NOS NEGÓCIOS MUSICAIS

Em 1980, já se vislumbrava que a tecnologia digital açambarcaria o processo de


produção de fonogramas, o que pensar-se agora em 2008? O processo da técnica digital, se
popularizou, democratizou-se de tal forma que a atual conjuntura proporcionou o
deslocamento das pessoas do produtor musical e do radiodifusor para o próprio artista. Ele
mesmo investe e domina a tecnologia digital de tal modo que o próprio artista grava e produz
o seu fonograma. Eliminando o intermediário cessionário ou editor fonográfico, o artista está
totalmente protegido pelas Convenções internacionais, inclusive para licenciar o produto se
assim o quiser. A internet veio a substituir o tradicional e dispendioso canal de distribuição da
música ao público. Então agora, o músico compõe, executa, grava e distribui seu próprio
trabalho de maneira independente livre de qualquer intermediário... seria isto ruim? Em
especial para quem tem algo a mostrar ao público?

No Direito, enfrentamos essa mudança de paradigma. Tal, como o cinetoscópio


(projetor de filmes individual onde apenas um espectador, por vez, tinha acesso), no início do
século passado, que com o advento da invenção do cinematógrafo 138 (projetor em tela enorme
com muitos assistentes – cinema como conhecemos) caiu por terra, a realidade digital impõe,
138
“Inventivos e persistentes perseguidores da fotografia em movimento desde a adolescência, os industriais e fotógrafos
irmãos Lumière não só criaram a câmera de filmar como também uma forma de transformá-la em um aparelho capaz de
projetar as imagens filmadas por ela. Segundo Guy Fihman, em A Magia da Imagem, “esta reversibilidade do mesmo
aparelho foi um dos fatores que permitiram o seu sucesso”. (...) Porém não se pode negar que, de todas as invenções que
antecederam e influenciaram os Lumière, foi o quinetoscópio de Thomas Edison a que mais estimulou os irmãos
Auguste e Louis. Porém, no quinetóscopio uma coisa não os satisfazia. As fotos que reproduziam movimentos só podiam
ser vistas por uma pessoa, e com um olho só, através de um orifício com uma lente para ampliar as imagens. Achavam
exagerado uma máquina tão grande servir a um só espectador.
“Edison, com o quinetoscópio, preferiu tirar proveito da curiosidade dos voyeurs, fazendo-os pagar um a um. O raciocínio não estava
errado, já que o quinetoscópio lhe proporcionou uma bela fortuna”, ressalta Laurent Mannoni em A Grande Arte da Luz e da
Sombra.”” (In: Os Irmãos Lumière... e a Invenção do Cinema - Parte 1. Negativo Online. Disponível em:
<http://www.negativo online.com/artigosanteriores.aspx?id=56>. Acesso em: 12 nov. 2007.)
77

urgentemente, a necessidade de novos modos de interação dos direitos do autor e dos


usuários139.

Porém, a instantaneidade da veiculação das obras via internet140 é uma faca de dois
gumes. Embora seja um pesadelo para as cessionárias dos direitos patrimoniais, é um alívio
para os artistas que aspiram ser independentes e que vêem, agora, uma alternativa ao
tradicional circuito de acesso ao grande público, até aqui monopolizado.

4.1 O ECAD/SOCINPRO/UBC/INDÚSTRIA FONOGRÁFICA

O ECAD, com o advento da Lei 9.610/98, se manteve como instituição responsável


pelos direitos de execução pública, acompanhou as mudanças tecnológicas, informatizando o
sistema de fiscalização, arrecadação e prestação de contas, tornando-se aparentemente
transparente aos seus associados e usuários141.

Gráfico 1 – Arrecadação 2000 - 2006 Gráfico 2 – Distribuição 2000 - 2006


Fonte: ECAD Fonte: ECAD

139
“Cibertribunais, cortes inteiramente eletrônicas, julgamentos a distância e penas econômicas virtuais são apenas
algumas das idéias que já estão sendo debatidas por advogados, juristas e estudiosos do direito eletrônico, no afã de
conseguir acompanhar, com dispositivos e sistemas de controle correspondentes, a celeridade com que o mundo digital
arrasta a humanidade para novos horizontes de conhecimento. E a sombra da convergência tecnológica de todas as
mídias da sociedade precisará encontrar esteio nesse “admirável mundo novo”, de forma a se integrar pacificamente no
cotidiano do novo milênio, que a cada instante transforma inexoravelmente as nossas vidas em “zero e uns” do código
binário.”
(In: GUEIROS JUNIOR, Nehemias. Convergência das mídias - Mundo jurídico quer acompanhar celeridade
digital. KAMINSKI, Omar (org.). Internet legal: o direito na tecnologia da informação. Curitiba: Juruá, 2003. p.140.)
140
KAMINSKI, Omar. Aspectos Jurídicos que envolvem a Rede das Redes. In: KAMINSKI, Omar. Internet legal: o
direito na tecnologia da informação. Curitiba: Juruá, 2003. p.39.
141
ECAD. Site da instituição, disponível em:<http://www.ecad.org.br/ViewController/publico/conteudo.aspx?codigo=52>.
Acesso em: 20 mai. 2008.
78

Não obstante as várias críticas sobre a administração dos direitos dos associados e
estar sendo desarquivado projeto de Lei que cria o CADDA142, o ECAD reúne várias (10)
associações de autores143. Uma das maiores e mais importantes é o SOCINPRO.
O posicionamento da SOCINPRO144, quanto aos direitos autorais, é registrado, em
declaração de sua administração, no site da entidade. Verificamos que é esperado, além da
gestão dos direitos de execução pública, também a gestão dos direitos sobre a cópia privada...
Atualmente, sua área de abrangência é a execução pública, conforme texto abaixo:

“A SOCINPRO é a segunda sociedade em arrecadação de direitos de execução que a luta tem


sido muito grande na área da arrecadação do direito autoral, nas transmissões via cabo e
satélite, bem como nas transmissões de sinal aberto de algumas emissoras de televisão, nas
exibições cinematográficas e nos festejos populares promovidos pelas autoridades municipais
de cada Estado do Brasil. Para se ter uma idéia da forte atuação do ECAD, seu Departamento
Jurídico com 80 advogados, administra uma carteira de 5.294 ações judiciais ajuizadas e se
defende em outras 1.506 ações judiciais. O valor envolvido com os procedimentos judiciais,
referente a débitos de 1992 até a presente data em função dos usuários inadimplentes, gira em
torno da elevada cifra de R$280.000.000,00 (US$152.588.555,85) em 31.12.2000.
Desse montante, R$108.415.423,13 (US$59.081.974,45) correspondem a débitos de um
grande número de emissoras de rádio, hotéis, bares, restaurantes, boates, shopping centers,
shows, carnaval e 'réveillon'; R$44.290.656,23 US$24.136.597,40 são débitos da Rede
Manchete de Televisão, CNT, TVE e TV Record (emissoras de sinal aberto); e
R$127.293.920,64 (US$69.369.984,00) são débitos das transmissoras de televisão de sinal
fechado por cabo ou satélite (NET, SKY, TVA e Direct TV, entre outras). Atualmente no
Brasil há cerca de 2.650.000 assinantes de emissoras de televisão de sinal fechado; o valor
médio das assinaturas é de R$45,98. De acordo com a tabela do ECAD, essas transmissoras
deveriam pagar 2,55% de suas taxas de assinatura mensal por assinante - aproximadamente
R$1,00 por mês por assinante - como direitos pelo uso de música. Assim, o ECAD deveria
estar arrecadando um valor mensal aproximado de US$1,501,161.27 apenas dessas estações
de televisão, o que explica muitas das já mencionadas ações judiciais. Há estimativas de que,
no ano 2002, devido a investimentos feitos por essas emissoras, o número total de assinantes
de todas as estações chegue a 6 milhões. Uma vez que a nova lei autoral é clara sobre a
obrigação de pagar pelo uso da música, e também determina que se pague multa de vinte
vezes o valor devido, a ABTA (Associação Brasileira de Televisão por Assinatura) passou a
interessar-se mais pela solução do problema. Após negociações com essa Entidade, foi
realizado um acordo com a TV NET/SKY (das organizações Globo) dando fim à parte das
ações judiciais, permitindo ao ECAD receber alguns dos valores atrasados. Assim, desde
primeiro de janeiro do presente ano, estão sendo pagas mensalidades de R$1.083.333,33
(US$590.372,38) e o débito em atraso (total de R$23.557.634,40 referentes à soma de
01/01/1993 a 31/12/2000) em sessenta parcelas de R$392.627,24 (US$213.965,79).
Fiel ao seu lema de "maior arrecadação com uma distribuição mais justa e abrangente", a
SOCINPRO prossegue empenhada em sua permanente batalha para incrementar processos e

142
“O Projeto de Lei nº 2.850/2003 pretende, em síntese, associar a titularidade de obra musical ao compositor musical, a
quem assegura os direitos morais e patrimoniais usualmente previstos na legislação autoral (Lei nº 9.610/98), em
especial o de autorizar a utilização da obra em qualquer modalidade. Para isso, a proposição prevê as condições em que
será celebrado o contrato de edição da obra musical e cria o Centro de Arrecadação e Distribuição de Direitos Autorais
(CADDA) em substituição ao conhecido Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD), além de sugerir
algumas modificações pontuais na Lei nº 9.610/1998, que trata dos direitos autorais.” (Disponível em:
<http://www.portaldocomercio.org.br/ media/DJtt01_dez06.pdf>. Acesso em: 22 out. 2007.)
143
“ABRAMUS (Associação Brasileira de Música e Artes) <www.abramus.org.br>; AMAR (Associação de Músicos,
Arranjadores e Regentes) <www.amar.art.br>; SBACEM (Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Escritores
de Música) <www.sbacem.org.br>; SICAM (Sociedade Independente de Compositores e Autores Musicais)
<www.sicam.org.br>; SOCINPRO (Sociedade Brasileira de Administração e Proteção de Direitos Intelectuais)
<www.socinpro.org.br>; UBC (União Brasileira de Compositores) <www.ubc.org.br>; ABRAC (Associação Brasileira
de Autores, Compositores, Intérpretes e Músicos); ANACIM (Associação Nacional de Autores, Compositores,
Intérpretes e Músicos); ASSIM (Associação de Intérpretes e Músicos) <www.assim.org.br>; SADEMBRA (Sociedade
Administradora de Direitos de Execução Musical do Brasil).” (In: Site do ECAD, disponível
em:<http://www.ecad.org.br/ViewController /publico/conteudo.aspx?codigo=52>. Acesso em: 20 mai. 2008.)
144
Site do SOCINPRO, disponível em: <http://www.socinpro.org.br/>. Acesso em: 20 ago. 2007.
79

métodos capazes de atender às imposições das novas formas de comunicação ao público de


obras e de fonogramas, como são os casos de música de espera telefônica, das comunicações
por cabo, via satélite, e através de canais de informação, tais como a Internet, por exemplo”

A UBC145 (União Brasileira de Compositores) assume postura equilibrada, diante da


divulgação e venda de arquivos de música, no formato mp3, via internet. Direciona seus
associados a verificarem se os provedores de conteúdo possuem autorização dos titulares para
fazê-lo :

“Várias questões permeiam a discussão sobre a utilização do MP3, como: a autorização para a
reprodução de gravações protegidas em arquivo MP3, a distribuição dos arquivos MP3 e a
questão da pirataria e a proteção aos direitos autorais no ambiente digital.
Sobre a questão específica da legalidade da divulgação e venda de arquivos MP3 via Internet
é necessário saber se o provedor de conteúdo (web site) possui as autorizações dos titulares de
direito para veicular e vender este material pela Internet. Qualquer tipo de reprodução,
distribuição ou execução pública de obra musical protegida, sem a prévia autorização dos
titulares de direito é ilegal, respondendo os infratores às penalidades impostas pela legislação
autoral. A nível de Brasil vários organismos relacionados à música já estudam formas de
atuação neste novo mercado de música via Internet, como a ABEM (Associação Brasileira de
Editores de Música), ABPD (Associação Brasileira dos Produtores de Disco) e o próprio
ECAD, que já autoriza a nível experimental, algumas rádios que transmitem sua programação
via Internet. A divulgação e venda de música na Internet é uma realidade nova e também um
desafio para todos nós. O compositor brasileiro deve se manter informado e atualizado sobre
este assunto que é de seu interesse direto e procurar conscientizar os usuários de música via
Internet que o seu direito autoral deve sempre ser respeitado. Acreditamos que ainda há um
longo caminho a ser percorrido em conjunto por compositores, associações, legisladores e
artistas, visando a efetiva proteção dos direitos autorais na Internet.”

Orienta, ainda, a UBC, ao associado, quanto à atividade de lançamento de discos e


a proteção dos direitos do autor, invocando o artigo 18 da LDA, referente à existência de
proteção, independentemente de registro da obra, mas ressalta sua importância, pois ele serve
como indício de prova de autoria (Indica a Escola de Música da UFRJ). Alerta que ao
“prensar” o CD há necessidade do registro do ISRC:

“... nada mais é do que um cadastro com as informações da gravação. A Gravadora que
produz o CD é a responsável por preencher as informações no programa do ISRC. O
programa do ISRC é obtido junto a UBC. Portanto, cada faixa que compõe o CD terá um
numero de ISRC, que será assinalado pela sociedade de autores através do seguinte trâmite: a
gravadora preenche a ficha eletrônica no programa ISRC pra cada uma das faixas do CD.
Nessa ficha eletrônica deverão constar as seguintes informações: título da obra, nome do(s)
autor(es), interprete(s), músicos acompanhantes e seus respectivos instrumentos.O numero
ISRC é gerado pela gravadora no momento de preenchimento da ficha. Em seguida a
gravadora envia o arquivo com essas informações para a UBC, que por sua vez depura as
informações para posteriormente cadastra-las no sistema ECAD. De posse desse numero, a
gravadora pode dar andamento ao processo de fabricação do CD, enviando-o para ser
prensado em uma das empresas especializadas.
Os direitos autorais de execução publica podem ser arrecadados tanto de obras editadas
quanto de obras não editadas. O importante é que as obras musicais e os titulares estejam
cadastradas na UBC ou em alguma outra sociedade. Por exemplo, se você é associado da
UBC e suas obras não são editadas, você deve informar a UBC quais são as obras de sua

145
UBC. Site da associação, disponível em:<http://www.ubc.org.br/>. Acesso em: 20 dez. 2007.
80

autoria, através do preenchimento de um cadastro próprio e do envio de uma documentação


comprobatória (registro da música, partitura, encarte do CD, etc).”

Parece-nos que as instituições representativas, na medida em que a indústria


fonográfica tradicional se retrai devido a diminuição da receita das vendas de CD, e o
também, barateamento da produção de CDs independentes, orientam os músicos quanto a
aplicabilidade do direito autoral nestes empreendimentos. Também, no caso do ECAD
procuram dar maior transparência ao autor daquilo que foi efetivamente arrecadado e
distribuído, utilizando métodos atualizados como a via on-line.

4.2 O COPYLEFT

As licenças COPYLEFT surgem em 1984, utilizando a própria legislação dos


direitos autorais para facilitar a utilização de uma obra intelectual, evitando barreiras
clássicas, como as condições impostas pelo copyright a princípio. Esse tipo de licença, porém,
não caracteriza o domínio público, pois apresenta algumas restrições ao uso
(compartilhamento do mesmo modelo de licença, pode ser completa ou parcial da obra).
Inicialmente, foi projetada para aplicação, em softwares, devido ao monopólio exercido pelas
corporações de informática sobre os programas de computadores criados pelos seus
empregados. Ao que parece, Richard Stallman rebelou-se e passou a trabalhar nesta
possibilidade de o software ser livre. Neste tipo de licença embora, livre não necessáriamente
é grátis. Qualquer trabalho assim licenciado que requer modificação, a mesma deve ser
passada ao usuário seguinte mantendo a obra livre, ou seja, que não se pode fechá-la
tornando-a um software proprietário, assim, os demais utilizadores da obra poderão usar,
copiar e remodificar seu conteúdo (criar trabalhos derivados), direcionado para qualquer
finalidade.

Cumpre ressaltar a diferente origem das obras livres, em relação as obras que têm
destinação comercial unicamente. Segundo relata PABLO DE CAMARGO CERDEIRA146,
referindo HANNAH ARENDT, sobre ser a “natalidade” a característica principal:

146
CERDEIRA, Pablo de Camargo. O COPYLEFT E O PENSAMENTO DE HANNAH ARENDT. Disponível em:
<http://www.comciencia.br/200406/reportagens/img/O_copyleft_e_o_pensamento_de_Hannah_Arendt.pdf>. Acesso em:
23 mai. 2008.
81

“(...) a cada nascimento um novo recém chegado ao mundo é capaz de iniciar algo
novo. Assim ocorre com as obras livres, pois a cada distribuição que se faz existe
também a possibilidade de se começar, sobre esta obra, uma outra nova, totalmente
diferente. A natalidade passa a ser, além de condição humana, característica das
obras livres. (...) é possível encontrar diferenças gritantes entre o software livre e o
software proprietário pois este se encaixa perfeitamente na definição dos bens fim e
aquele, o software livre, perfeitamente na conceituação de obra de arte.”

Assim, o regime livre da licença copyleft propicia acesso ao código-fonte pelo


usário, contrariamente ao software proprietário. Ela não é contrária ao copyright, apenas
estabelece outros parâmetros além dos previstos dentro da lei de proteção autoral.
RONALDO LEMOS descreve a força do software livre desenvolvido com a aplicação da
licença copyleft:

“(...) a violação aos direitos do autor no caso de um software “livre” ocorre quando
algum agente tenta transformar esse software, mantido em regime de copyleft,
novamente em regime de copyright (direito de autor). Em outras palavras, quando o
agente tenta fechar o código-fonte, impedir o acesso a ele, impedir a livre redistribuição
do software etc. (...) Ele foi criado valendo-se de canais diferentes daqueles traçados
pelos sistemas jurídico e político tradicionais, mas, ao mesmo tempo, produziu um
impacto sobre ambos.”147

A questão se configura em como se administrar a massa de obras que não


pertencem ao circuito tradicional do copyright? Ou porque o copyright não “as quer”, ou
porque seus autores não concordam com o copyright:

“Um domínio de cultura livre emergente, onde há partilha e recriação generalizada


do conhecimento. Como regular um universo, como o da Rede, por exemplo, com
um modelo de funcionamento aberto e horizontal, que permite a comunicação de
muitos para muitos? Como enquadrar informação que é partilhada, evitando centros
e hierarquias? Enquanto o copyright autoriza a utilização de conteúdos mediante o
pagamento de direitos de autor, o princípio que orienta o copyleft (a filosofia
herdada dos pais da informática, que tinham como objetivo a livre circulação de
conhecimento e que inspirou as licenças Creative Commons), baseia-se na livre
utilização da obra original, com regras.148

RODRIGO MORAES, em sua monografia sobre a função social da propriedade


intelectual, leva-nos a refletir sobre o sentido de uma licença copyleft, que não se aplica
somente a softwares de computadores:

“O software livre é baseado na ideologia do “copyleft”, denominação surgida de um


trocadilho feito por Don Hopkins, numa carta enviada ao amigo Richard Stellman
na década de oitenta: “Copyleft – All Rights Reversed” [Copyleft – Todos os
direitos reversos]. A expressão foi utilizada por Stellman para batizar o novo
conceito de distribuição de softwares. Para ele, os programas deveriam ser livres.
147
LEMOS, Ronaldo. Direito, Tecnologia e Cultura. São Paulo: FGV, 2007, p.72-73.
148
BELANCIANO, Vítor. VAMOS PARTILHAR CONHECIMENTO? Revista PÚBLICO Nº 6074 NOV 2006.
Disponível em: <www.publico.pt>. Acesso em: 20 ago. 2007.
82

Então, criou a licença Pública GNU. O “free” não quer dizer “grátis”, mas sim
“livre”. Ou seja, não é proibido cobrar pelo software, mas são livres o uso, a cópia, a
modificação e a redistribuição de uma versão melhorada. Essas são as quatro
liberdades que caracterizam o software livre: usar, copiar, modificar e
redistribuir.”149

Embasadas na esteira do copyleft, surgiram as licenças creative commons, sendo já


é utilizadas naturalmente, como bem explica RONALDO LEMOS150:

“Todo este modelo, cumpre ressaltar, surge de baixo para cima, sem a intervenção
estatal ou a modificação na lei. Trata-se de utilizar a própria idéia e os conceitos do
direito autoral para modificar sua estrutura caso a caso, gerando autorizações
caracterizadas pelo termo copyleft. ” (Copyleft é a aplicação do direito autoral para
assegurar publicamente a liberdade de manipular, melhorar e redistribuir uma obra
autoral e todas as obras dela derivadas. Cf. Wikipedia.) A idéia é permitir a criação
de uma coletividade de obras culturais publicamente acessíveis, incrementando o
domínio público e concretizando as promessas da internet e da tecnologia de
maximizar o potencial criativo humano.”

Neste quadro de distorções econômicas aprofundadas pelos modelos proprietários e


diante do esvaziamento da produtividade criativa, provocado pelo tradicional meio de
produção, a indústria da música recebeu o impacto direto, pois, com o aperfeiçoamento da
tecnologia digital, os autores perceberam que além de softwares, as músicas também
poderiam ser licenciadas de forma similar ao copyleft, conservando, inclusive, as
prerrogativas de proteção legal do copyright.

149
MORAES, Rodrigo. A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE INTELECTUAL NA ERA DAS NOVAS
TECNOLOGIAS. MINISTÉRIO DA CULTURA. SECRETARIA DE POLÍTICAS CULTURAIS. GERÊNCIA DE
DIREITO AUTORAL 2004, p.84.
150
LEMOS, Ronaldo. Direito, Tecnologia e Cultura. São Paulo: FGV, 2007, p.84.
83

5 O PROCESSO ATUAL DIANTE DA QUEBRA DE PARADIGMA

5.1 A REVOLUÇÃO DIGITAL

Primeiramente, com o D.A.T.151, e seguido pelo CD152, iniciou-se o processo digital,


porém o repasse dos custos de implantação da nova tecnologia de suporte digital refletiu-se
mortalmente na indústria fonográfica convencional. Aliado a um estratégico erro
administrativo que provocou o represamento da demanda de consumo na sociedade. Tal como
numa inundação, a era digital invadiu casas, lares, prédios, indústrias, enfim, toda a sociedade
ávida pela qualidade cristalina do som e das imagens não analógicas.

A mudança tecnológica implicou na mudança de paradigma no Direito, no modo de


pensar o mundo, pois hardware e software fazem hoje, o que há pouco tempo era impossível,
ou inconcebível. Contudo, a Lei ainda não mudou.

A quebra do paradigma, na era digital, parte da questão crucial de que o registro


original de uma obra artística, a música em si, e uma sua cópia digital são idênticos em
qualidade e definição (na era analógica ocorria a perda acentuada de qualidade a cada cópia
consecutiva até não ter-se a qualidade mínima de aproveitamento)153. Atualmente, a
151
Digital Áudio Tape.
152
Compact Disc
153
Convém referir que embora existam problemas na tecnologia analógica quanto a distorção da música, pois
acrescenta ruído ao som original. Os equipamentos masters analógicos dos estúdios em gravações são de
altíssima qualidade (HI-FI), realizando obras com perfeição (muitos equipamentos valvulares têm resposta de
audio melhor que os digitais). Na técnica digital, ao contrário, a gama de equipamentos varia muito de
qualidade (desde a taxa de amostragem do som captado até o tipo de mesa de mixagem utilizada). Porém, a
84

disseminação de uma música produzida em arquivos digitais se propaga de forma viral, mais
que geométrica: logarítmica, exponencialmente.

A internet viabilizou trocas entre cidadãos de vários países. Eis a globalização,


onde, esses “contratos”, firmados por pessoas de países cujos direitos, se formaram de modo
diverso e isoladamente (os usos e costumes de cada povo formam cada qual o direito) e
consequentemente por leis distintas aplicáveis no tratamento da mesma matéria.

Por exemplo, se um “site” anuncia a venda de bebida alcoólica na internet, isto


pode ser totalmente legal no nosso país, porém num país árabe-muçulmano pode estar
infringindo as leis do alcorão. É o duelo dos direitos. Qual lei teria a supremacia?

Embora a Organização Mundial do Comércio – OMC tente uniformizar a proteção


ao direito autoral, em nível internacional, através de acordos TRIPs e da OMPI 154 (WIPO
Copyright Treaty – WCT e o WIPO Performances and Phonograms Treaty –WPPT), estes
devem ser ratificados pelos países, um a um. E, posteriormente, implementar em suas leis
internas. Como obrigar, instantaneamente, todos a “pensarem” da mesma forma, e adotarem
tais acordos baseados na Lei do Copyright?

Essa é a nossa atual realidade. Estamos em meio a uma revolução (digital).

Durante as últimas décadas do século passado, o sistema de proteção autoral,


praticamente escravizou os autores e a sociedade, condenando a música ao processo
econômico arrecadatório, como única forma de consecução.

Os altos preços para o consumidor final desenvolveram uma demanda reprimida,


como inicialmente relatado, e como resultou na implementação do mp3 como forma de
resposta a essa terrível ditadura.

qualidade obtida poderá ser transmitida fielmente ao público. A perda da qualidade em nível de estúdio é
notada pelos músicos que, a princípio, preferem o sistema analógico, porém com o constante incremento
digital, esses equipamentos têm melhorado muito seu desempenho e rendido bons trabalhos. Em verdade,
podemos realizar um trabalho analógico de excelente qualidade ou um digital péssimo e vice-versa. Existe
arte, também, em realizar uma boa gravação musical, tanto analógica como digital. Na verdade, como o
público raramente entra num estúdio, não conhece a qualidade da obra original. O “som de CD” supera em
qualidade muito o do rádio AM/FM que a população tinha acesso antigamente.
154
Ver Item 1.5: Convenção de Berna e Acordo TRIPS/ADIPC – WIPO.
85

Inegavelmente, existe um novo paradigma. Na prática, embora os textos legais e


doutrinários tradicionais visam a proteção à obra (nos moldes do copyright), esta mesma obra,
uma vez divulgada no meio virtual (internet), passa a ser quase um “domínio público”155. Sua
execução é feita pela população independentemente de alguma autorização do titular.
Eis o costume, vigorando contra legem, assim como a situação da emissão de um
cheque pós-datado, que outrora não detinha proteção legal alguma. O público em geral é
tratado, pelos cessionários, de modo indistinto do público formador de opinião (o público
teen). Sim, aqueles que divulgam e fazem com que a obra alcance o sucesso e reconhecimento
do artista na sociedade. Eles são combatidos e proibidos de agir, mesmo exercendo um
trabalho de mídia informal do qual muito dependem os artistas e gravadoras fonográficas.

O paradigma aplicável à internet é diferente do tradicional processo broadcast,


onde existem poucos pontos transmissores (fiscalizados) e milhões de receptores. Na rede,
porém, cada ponto (computador de usuário) é ao mesmo tempo receptor e (re)transmissor.
Produz-se, assim, um sistema multilateral de distribuição instantânea real e de fato.

O processo tradicional de distribuição de música foi eficiente no auge da circulação


de riquezas na sociedade, o que é algo muito importante; no entanto, apenas alguns poucos
artistas desfrutaram deste sistema. Provou-se ser este processo um verdadeiro sofisma, onde a
indústria fonográfica enriqueceu às custas do talento de “alguns” artistas, enquanto a grande
maioria ficou, propositadamente, anônima e, muitas vezes, na pobreza156.
155
“... No Brasil, 10% dos entrevistados são pagos por colocarem filmes e vídeos na web e 15% ocasionalmente ganham a
vida no Second Life. O levantamento apontou também que 42% das pessoas entre 18 e 34 anos colocam conteúdo na
Internet a partir de um celular. Na mesma faixa etária, 18% atualizam seus blogs usando seus celulares. A expectativa é
que, impulsionados pela disseminação da tecnologia 3G no país, esses acessos cresçam significativamente.

Outros dados apontados pelo estudo sobre o comportamento dos brasileiros:


- 86% escutam música como entretenimento
- 50% apostam por diversão
- 28% vão a apresentações ao vivo, bares e boates
- 23% vão a festivais de música
- 67% usam um MP3 player
- 80% têm uma câmera digital
- 48% são usuários regulares de redes sociais
- 52% se comunicam por mensagens instantâneas
- 58% dividem músicas por meio de softwares de compartilhamento
- 45% alugam DVDs em locadoras”
(In: Pesquisa realizada pelo The Future Laboratory, Inglaterra em dezembro de 2007. Disponível
em:<http://informedigital.speedserv.com/interna_noticia.php?idN=2401>. Acesso em: 12 abr. 2008.)
156
“... os contratos celebrados no mercado local, principalmente com artistas estreantes, são “bons” para a gravadora e
muito ruins para os artistas, pois enriquecem o catálogo da indústria e no mais das vezes condenam os artistas novos a
ficarem presos a contratos de exclusividade que nada acrescentam as seu início de vida musical profissional, pelo
contrário, retiram-lhes a liberdade de prosseguir viagem. Estes contratos são verdadeiros teste de mercado que gravadora
realiza, em sua incessante busca por novos sucessos e maior faturamento. Se der certo e virar sucesso, ótimo, gol, se não,
é mais um artista que vai para o freezer até o fim do contrato. Sem gravar, sem tocar nas rádios, sem se apresentar em
86

A multilateralidade de conexões, característica da internet quanto à divulgação, foi


gerada pela mudança tecnológica, implicando, forçosamente, na mudança de paradigma
também no Direito.

Os artistas, que já ganhavam pouco retorno econômico, relativamente aos


rendimentos repassados pelas gravadoras, ficaram numa situação aparentemente difícil.
Agora, com a disseminação via web, eles não teriam mais como captar recursos, diretamente
pela cobrança pontual dos fonogramas que circulavam na rede.

Por outro lado, também, tornou-se muito dispendioso e contraproducente, senão


impossível, localizar todos os contrafatores na rede globalizada que atravessa incontáveis
países, movimentando os judiciários de muitas nações, simplesmente em razão da utilização
de algum fonograma que, no final, só traria divulgação à carreira de um artista.

Aproveitam mais os artistas ao disponibilizarem suas obras nesta imensa vitrine que
é a internet. Hoje em dia, grande parte dos artistas, além de autores, são também editores
fonográficos de suas próprias obras (sim, eles possuem estúdios fonográficos). De posse física
e legal de seus fonogramas, podem autorizar a utilização/execução de suas músicas para
qualquer usuário. A revolução digital também se faz sentir neste aspecto.

Evolução, naturalmente, é medida pela capacidade de adaptação ao meio. Na era


digital com a internet, os exemplos são o mp3, o mp4, o dvd blue-ray HD. Eles proliferam e o
consumo explodiu. Como abastecê-los com conteúdo musical, se não existir autorização?
Todos serão contrafatores, no mínimo.

O desenvolvimento desses equipamentos eletrônicos (hardware) produziu


resultados não previstos pela legislação. Ele pôs, em xeque, a hermenêutica interpretativa
tradicional. Conforme TÚLIO VIANNA, existe dificuldade, inclusive, dos próprios
penalistas em definir especificamente a lesão a um bem jurídico específico, baseando-se na
nossa legislação somente:

público, enfim, sem ganhar dinheiro. As gravadoras também agem assim para tentar impedir as chances da concorrência
de pôr as mãos num novo sucesso de vendas.(...) a pluralidade de clausulas contratuais inadequadas que terminam por
‘enforcar’ o trabalho musical, sem gerar uma remuneração adequada.” (In: GUEIROS JUNIOR, Nehemias. O direito
autoral no show business: tudo o que você precisa saber, volume I/A música – Rio de Janeiro: Gryphus, 1999. p.183.)
87

“A doutrina nacional indica os “direitos autorais” como bem jurídico penalmente tutelado pelo
delito de “violação de direitos de autor”. Estes, por sua vez, são considerados tão-somente
uma espécie do gênero “propriedade intelectual”.
O delito de “violação de direitos de autor” é um tipo penal vago, fundamentado em um bem
jurídico indeterminado. É uma verdadeira afronta ao princípio constitucional da taxatividade,
pois reúne sob o rótulo de “propriedade intelectual” uma gama de interesses tão diversos
quanto: o direito de atribuição de autoria, o direito de assegurar a integridade da obra (ou de
modificá-la), o direito de conservar a obra inédita, entre outros direitos morais, e os direitos
de edição, reprodução (copyright) e outros patrimoniais. Trata-se, portanto, de um tipo penal
complexo que tutela não um, mas inúmeros bens jurídicos de natureza moral e patrimonial,
agrupados sob a ideologia da “propriedade intelectual”.”157
As coisas mudam ...

Estamos deixando para trás o tradicional modo de produção econômica. A cobrança


diretamente linear, por cópia e per capta (por cabeça), já não é mais viável. A internet e seu
entorno re-existem ao modo do paradigma tradicional de remunerar a arte e a cultura.

A obra musical ao ser exibida no mundo inteiro, mesmo sem o consentimento do


autor (O direito ao inédito e direito ao arrependimento parecem ser prerrogativas que na
internet não se reconhece), gera um processo que promove, mesmo assim, o autor, (ainda que
contra sua vontade), ou então, faz um terceiro (o cessionário) lucrar com isto. A situação é
incongruente. Ou, como pode ao beneficiar a alguém (o autor) gerando lucro e prestígio, ser
criminalizado e tipificado por isso?

O Direito é chamado a atender a mudança desse paradigma. O autor deve subsidiar


de outras maneiras suas criações.

Agora, parece-nos, que o ciclo econômico milionário da indústria fonográfica


tradicional, especificamente, chega ao seu final. Ela, certamente, ao se adaptar aos novos
tempos estará migrando para um novo um novo nicho: o audiovisual ...(o show business),
associando (sincronizando) som e imagem, gravados e transmitidos digitalmente.

FRITJOF CAPRA158 explica como a oferta e a procura se comportam em função


do preço do produto, no caso a música (fonograma), afetando a demanda, como é o caso da
indústria fonográfica, baseando-se na teoria de John Maynard Keynes, economista que
influenciou o pensamento econômico moderno, ilustrada pelo gráfico a seguir:
157
VIANNA, Túlio Lima. A Ideologia da Propriedade Intelectual: a inconstitucionalidade da tutela penal dos direitos
patrimoniais de autor. ANUARIO DE DERECHO CONSTITUCIONAL LATINOAMERICANO / 2006. KONRAD-
ADENAUER-STIFTUNG E.V. Berlin: 2006. p.933-43. Disponível em:<http://www.tuliovianna.org/A%20ideologia%
20da%20propriedade%20intelectual.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2007.
158
CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação: A Ciência, a Sociedade e a Cultura Emergente. 25. ed. São Paulo: Cultrix, 1982.
p.183.
88

Gráfico 3 – Oferta-procura
“Gráfico de oferta-procura: a curva de oferta dá o número de unidades de um produto
colocado no mercado em função do preço do produto — quanto mais alto o preço, mais
produtores serão atraídos para produzir esse produto; a curva de procura mostra a demanda
do produto em função do seu preço — quanto mais alto o preço, menor a demanda.” 159

Estamos em meio a uma revolução: a revolução digital. Novas regras de


comportamento em relação a obras musicais, gerando um novo olhar sobre o que é certo e
lícito e o que é definitivamente criminal. Como podemos depreender de CAPRA, na linha de
pensamento de THOMAS KUHN, trata-se do ocaso do paradigma tradicional que até aqui
fora aceito por todos por décadas. Mas para um paradigma ser posto de lado dependerá de
circunstâncias especiais, como quando sua aplicação torna-se uma colcha de retalhos, onde
existem mais exceções ao principio do que propriamente uma orientação principal. Então, um
novo princípio, uma nova maneira de encarar a situação passa a nortear a “leitura” do
momento, promovendo soluções mais satisfatórias para os velhos problemas recorrentes.
Assim é o advento da internet. O mundo dos fatos se modificou por alcançar antigas
aspirações (tecnológicas) e foi além da previsão dos ordenamentos jurídico. Numa velocidade
assombrosa, a tecnologia digital personificada pela internet trouxe quase que a cabresto o
Direito, cujos legisladores não têm como acompanhar tamanha e profunda modificação da
sociedade sem incorrer no risco de prejudicar os direitos já estabelecidos até aqui a duras
custas para todos nós.

159
Ibidem, p.183.
89

5.2 O FORMATO FINAL DA INTERNET

A internet, como instrumento, foi concebida globalmente, “inaugurada” em 1969


com a primeira conexão remota entre computadores e funcional, a partir 1972160. Período
este, que precedeu aos acertos do Direito Internacional atual. Alias, a Rodada do Uruguai do
GATT ainda estava em tratativas e a OMC era apenas uma perspectiva, que viria a seu
concretizar em 1994 apenas161:

“A OMC foi criada em 1994 e começou a funcionar a partir de janeiros de 1995 e


em seu Acordo constitutivo não foi considerada especificamente a forma eletrônica
de comércio e suas implicações no comércio internacional. Entretanto, desde a
criação da OMC, constata-se que o comércio através de meios eletrônicos cresce 1,5
mais rápido que o comércio de bens e serviços desenvolvido através dos meios
tradicionais.”

E a internet veio ao mundo dos fatos (e ao planeta), antes de estar prevista


especificamente, no mundo do Direito Internacional.

A rede, por ser transnacional, ignora as diferenças entre os direitos


nacionais, frutos dos usos e costumes locais, consequentemente positivados de modos
diversos, principalmente em relação à proteção ou não, dos direitos autorais de modo
diferente.

Com e como a tecnologia, a internet mudou o mundo. Mudou a realidade. Porém,


como instrumento tecnológico, ela é amoral (nem boa, nem má). Caberá ao Direito
internacional estudá-la, e modelá-la de modo que venha a se tornar plenamente útil aos seres
humanos de todos os países, tal como se cultiva a um bonsai...

O objetivo da internet é, sem dúvida, “bitirizar” as rotinas do cotidiano de modo a


viabilizar a informatização dos processos, dentro de uma sociedade globalizada. O acesso à
música, certamente, é uma das primeiras etapas. Futuramente, tudo será “processado” via
internet. Será muito fácil acessar uma “página” na web que contenha informação, dispondo
sobre o que deveremos comer amanhã e, provavelmente, com sugestões de assuntos para

160
ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. A revolução tecnológica da informação – valores éticos para uma efetiva tutela jurídica
dos bens intelectuais. In: Direito da propriedade intelectual: estudos em homenagem ao Pe. Bruno Jorge Hammes./ Luiz
Gonzaga Silva Adolfo e Marcos Wachowicz. Curitiba: Juruá, 2006. p.50.
161
SANCHEZ, Michelle Ratton. O comércio eletrônico e os acordos da organização mundial do comércio. In: Conflitos
sobre nomes de domínio: e outras questões jurídicas da internet/ organizadores Ronaldo Lemos, Ivo Waisberg. – São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais: Fundação Getúlio Vargas, 2003. p.213.
90

conversar à mesa, entre um copo e outro daquela bebida, em especial, daquele que você viu
em uma outra “página” noutro dia. Isto, já ocorre.

Segundo LESSIG162, será tão automático obter a escolha que já estaremos


programados para pedir, que parecerá mágica. Porém, corremos o risco de, por exemplo, só
conseguirmos escolher entre os “sabores de sorvete” que estejam disponíveis (pré-
programados), porque ninguém criou um outro sabor, ou se o criou, não autorizou a cessão
dos direitos para utilização da população.

Viveremos, quem sabe, num mundo bem mais artificial. E todo o equipamento
eletro-eletrônico de uma casa, residência ou empresa, estará conectado a rede fisicamente ou
via wireless.

A que plano, então, ficará relegada a criação? E a diversidade cultural? O que se


produzirá, no plano intelectual e artístico, realmente?

Esta é a preocupação de THEODOR HOLM NELSON, criador do hipertexto e


hiperlink em 1963, questiona o que se está fazendo hoje em termos de criatividade realmente.
Ele considera que empresas como a Apple e Windows são iguais a Ford e Chevrolet. Denuncia
em suas palestras que o atual estágio de interfaces gráficas, por exemplo, é o mesmo que foi
concebido a 25 anos atrás, por Steve Jobs com uma equipe da Xerox Parc. E que esta
“limitante” interface se tornou o famoso Macintosh, depois o Windows PC...163:

162
“(...) nós, nos EUA, temos a sorte de possuir serviços de banda larga de 1.5 MBs, e muito raramente conseguimos um
serviço que funcione nessa velocidade em ambos os sentidos (upload e download). Embora o acesso wireless esteja
crescendo, a maioria de nós ainda tem acesso por meio de fios. A maioria ainda tem acesso apenas de uma máquina que
possui um teclado. A idéia da Internet sempre ligada, sempre conectada, (...). se tornará uma realidade, e isso significa
que o modo como obtemos acesso hoje em dia é transitório. Os elaboradores de políticas não deveriam estabelecê-las
com base em uma tecnologia em transição. Eles deveriam estabelecer políticas com base no caminho que ela indica. A
pergunta não deveria ser “como a legislação pode regular o compartilhamento neste mundo?”. A pergunta deveria ser “de
que legislação precisaremos quando a rede se tornar o que está claramente se tornando?” ( uma rede na qual todas as
máquinas com eletricidade estão essencialmente na Internet). Onde quer que você esteja — exceto talvez no deserto
ou nas Montanhas Rochosas — você poderá se conectar instantaneamente à Internet. (...) Nesse mundo, será
extremamente fácil se conectar a serviços que provêem acesso gratuito ao conteúdo, no ato — como rádios de Internet,
conteúdo que é enviado por streaming quando o usuário pedir. O ponto crítico é: quando for extremamente fácil se
conectar a serviços de conteúdo, será mais fácil se conectar a serviços de acesso a conteúdo do que baixar e armazenar
conteúdo nos muitos dispositivos que teremos para “tocar” conteúdo. Será mais fácil, em outras palavras, assinar um
serviço do que se tornar o administrador de um banco de dados, como todos no mundo de tecnologias de
compartilhamento como o Napster essencialmente se tornam. Serviços de conteúdo competirão com o compartilhamento
de conteúdo, mesmo que cobrem dinheiro pelo conteúdo ao qual dão acesso.” (In: Lessig, Lawrence. Cultura
livre: Como a Grande Mídia Usa a Tecnologia e a Lei Para Bloquear a Cultura e Controlar a
Criatividade / Lawrence Lessig.- São Paulo: Trama, 2005. p.289-290.)
163
“Na verdade o Macintosh era uma prisão redesenhada. E a arquitetura dessa prisão foi fielmente copiada para o
Windows da Microsoft em cada detalhe.Imagine que lhe dessem a MTV e em troca tirassem seu direito de votar? Você
se importaria? Algumas pessoas sim. É como eu vejo o mundo dos computadores hoje, a começar pelo Macintosh. O
Macintosh nos deu fontes bonitas para brincar e ferramentas de artes gráficas que antes eram inatingíveis, exceto nos
91

“(...) A criatividade humana é fluida, sobreposta, entremeada, e os projetos criativos


muitas vezes ultrapassam suas margens (vale a pena lembrar que "King Kong"
começou como um documentário sobre a caça de gorilas). É possível que toda a
indústria dos computadores seja um bando de imperadores nus? A indústria de
software tem um enorme investimento nessa prisão atual. Assim como os "usuários
experientes" das "ferramentas de produtividade" de hoje.”(a informática limita a
criatividade e emburrece os usuários)

Neste mundo, sem a existência da criatividade, ocorrerá realmente pirataria?


E do quê? Se as músicas, neste caso, serão disponibilizadas, instantaneamente, com
som e imagem de alta definição. Tudo será produzido de maneira totalmente
artificial. E a cultura? Será que acabaremos, finalmente, com a diversidade pensando
estarmos atingindo a igualdade social (ou democrática)? Ou apenas reagiremos aos
estímulos (de músicas?) mecanicamente, previamente escolhidos feito autômatos?

Quem sabe, não será este também o objetivo final da estrada da sociedade
de consumo? Será o “Admirável Mundo Novo” 164 tão bem visualizado, no livro de
“ficção” escrito por Aldous Huxley, em 1931? Nele, a humanidade evolui (ou
degenera) para um sistema de seres programados/padronizados, em castas, segundo
sua função, dentro deste mesmo sistema. Todo o conhecimento é reescrito, segundo
as conveniências do próprio sistema.

Mas LESSIG dá-nos esperanças e assevera que devemos pensar não apenas
na situação que se apresenta, mas naquela que queremos que a internet se torne:

ricos domínios da publicidade e da produção de livros de luxo. Essas fontes e ferramentas gráficas foram um grande
presente.Mas ninguém parece ter notado o que o Macintosh excluiu. Ele excluiu o DIREITO DE PROGRAMAR.
Quando você comprava um Apple II, podia começar a programá-lo desde o início. Tenho amigos que compraram o
Apple II sem saber o que era programação e tornaram-se programadores profissionais quase da noite para o dia. O
sistema era limpo, simples e permitia que você fizesse gráficos. Mas o Macintosh (e agora o Windows PC) são outra
história. E a história é simples: PROGRAMAÇÃO É SÓ PARA OS "DESENVOLVEDORES" OFICIAIS
REGISTRADOS. Os Desenvolvedores Oficiais Registrados, que fizeram acordos com a Apple e depois com a
Microsoft, são os únicos que podem fazer a mágica hoje. Isso não é da natureza intrínseca dos computadores atuais. É da
natureza intrínseca dos negócios atuais. Negocie com a Apple ou a Microsoft, pague-lhes em dinheiro ou outros favores,
e eles deixarão você saber o que precisa para criar "aplicativos".” (In: Nelson, Theodor H.. Libertando-se da prisão da
internet (Way out of the box). FILE - FESTIVAL INTERNACIONAL DE LINGUAGEM ELETRÔNICA. São
Paulo: 2005. Disponível em: <http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/ 2674,1.shl>. Acesso em: 2 mai. 2008.)
164
“...A arte possui também sua moralidade, e muitas das regras desta são iguais, ou pelo menos análogas, às da ética
comum. O remorso, por exemplo, é tão indesejável com relação à nossa arte de má qualidade quanto com relação ao
nosso mau comportamento. A má qualidade deve ser identificada, reconhecida e, se possível, evitada no futuro.
Esmiuçar as deficiências literárias de vinte anos atrás, tentar remendar uma obra defeituosa para levá-la à perfeição que
não teve em sua primeira forma, passar a nossa meia-idade procurando remediar os pecados artísticos cometidos e
legados por aquela outra pessoa que éramos nós na juventude — tudo isso, certamente, é vão e infrutífero. Eis por que
este novo Admirável Mundo Novo sai igual ao antigo. Seus defeitos como obra de arte são consideráveis; mas para
corrigi-los, eu teria de reescrever o livro — e, ao reescrevê-lo, como uma outra pessoa, mais velha, provavelmente
eliminaria não apenas as falhas da narrativa, mas também os méritos que pudesse ter tido originariamente. Assim,
resistindo à tentação de chafurdar no remorso artístico, prefiro deixar o bom e o mau como estão e pensar em outra
coisa.”. (In: HUXLEY, Aldous. Admirável Mundo Novo. 5ª ed. Globo: Porto Alegre, 1979. – Prefácio do próprio autor.)
92

“(...) é um equívoco extraordinário de quem estabelece as políticas “resolver” esse


problema à luz de uma tecnologia que não estará mais aqui amanhã. A questão não
deveria ser como regular a Internet para eliminar o compartilhamento de arquivos (a
rede vai evoluir e eliminar esse problema sozinha). A questão deveria ser como
assegurar que os artistas sejam pagos durante essa transição entre modelos de
negócio do séc. XX e tecnologias do séc. XXI.”165

Temos o exemplo da independente Gravadora TRAMA 166, que, recentemente, para


“comemorar” e acelerar os downloads dos artistas de seu catálogo, colocou anúncio em jornal
de grande circulação, encartanto um CD-R com uma proposta para o leitor de baixar no
suporte, gratuitamente, suas músicas através do site da empresa. Exatamente, a TRAMA criou
um sistema chamado “download remunerado”, onde os patrocinadores comerciais depositam
verbas, mensalmente, com a finalidade de serem repartidas entre os artistas da TRAMA
segundo a quantidade de downloads executados de cada artista...

5.3 A BUSCA PELO PONTO DE EQUILÍBRIO

O ponto de equilíbrio que devemos alcançar, quanto à propriedade do direito do


autor, é a educação-conscientização dos autores e dos usuários. Devemos ter a internet, como
um novo instrumento a serviço da cultura. Aquele que tiver mais habilidade, de modo a obter
proveito desta ferramenta, será o vitorioso.

Como no período das invenções do rádio e da TV, acreditava-se, até que o mundo
iria acabar (que seria o fim do mundo). Então, subitamente, mudaram-se os paradigmas, como
se troca uma “música”... ora, então, dancemos conforme a música... Como prenuncia
FRITJOF CAPRA167, quando um sistema declina, existe um ponto em comum, no qual se
transita para outro sistema associado ao que está em elevação:

“Precisamos, pois, de um novo paradigma – uma nova visão da realidade, uma


mudança fundamental em nossos pensamentos. O paradigma ora em transformação
dominou nossa cultura durante muitas centenas de anos, ao longo dos quais modelou
nossa moderna sociedade ocidental e influenciou significativamente o resto do
mundo. Esse (novo) paradigma compreende um certo número de idéias e valores
que diferem nitidamente dos da Idade Média; valores que estiveram associados a
várias correntes da cultura ocidental, entre elas a revolução científica, o Iluminismo
e a Revolução Industrial.”

165
Lessig, Lawrence. Cultura livre: Como a Grande Mídia Usa a Tecnologia e a Lei Para Bloquear a Cultura e Controlar a
Criatividade / Lawrence Lessig.- São Paulo: Trama, 2005. p.290.
166
TRAMA VIRTUAL. Disponível em <tramavirtual.uol.com.br>. Acesso em: 24 mai. 2008.
167
CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação: A Ciência, a Sociedade e a Cultura Emergente. 25. ed. São Paulo: Cultrix, 1982.
p.14.
93

Gráfico 4 - Mudança de paradigma168

Devemos observar que, o barulho do estrondoso sucesso da indústria de espetáculos


e seus artistas não é uma cortina de fumaça apenas, e que, dada a velocidade das modificações
na área digital, é quase impossível prever como se portará a sociedade no futuro próximo. Ela
adotará ou não um novo paradigma ou voltará pelo caminho que veio, ao subir a “montanha”,
e retrocederá?

Os compositores, músicos e artistas intérpretes independentes preferem utilizar a


internet, como mídia eficiente e acessível economicamente, para divulgar seus shows e
músicas, do que restringir o acesso às suas obras na tentativa de arrecadar por cada cópia
feita, através de download, no mundo digital. A batalha da conscientização já está sendo
ganha. O que devemos fazer é formalizar os usos e costumes do novo meio multimídia, dentro
de um consenso internacional.

Não esqueçamos que a evolução não sorriu para os dinossauros .... A indústria
fonográfica já percebeu que este nicho saiu fora de seu alcance.

168
Figura do trabalho de arquitetura de Carine Nath de Oliveira e Simone Peluso. Disponível em: <http://www.soniaa.arq
.prof.ufsc.br/arq1001metodologiacinetificaaplicada/20063/Trabalhos/Simone_Peluso/O%20Ponto%20de%20Mutacao
%20CARINE%20E%20SIMONE.pdf>. Acesso em: 24 mai. 2008.
94

Relata DAVID KUSEK169, que a gravadora Warner170 contratou um respeitado


crítico da indústria (JIM GRIFFIN), como negociador, numa tentativa de desenvolver um
novo serviço de taxa mensal para o acesso ilimitado de música. O objetivo é dar acesso aos
seus downloads através de assinaturas de música a U$ 5,00/mês. O que denota o desespero
dessa indústria tradicional, que, em aproximadamente, 10 anos, passou de um faturamento de
15 para 10 bilhões de dólares. Enquanto, em toda a parte, as vendas de CDs então afundando,
os downloads on-line disparam, como um foguete no céu.

De modo que, os esforços das grandes gravadoras voltam-se, agora, para outro
filão. Seu foco é a produção de shows e espetáculos para suprir a grande demanda dos canais
de televisão digital abertos ou por assinatura. Neste nicho, se reúnem os diretos patrimoniais e
conexos, bem como o direito de sincronização de obras fixadas em outro suporte. O objetivo,
então, é a obra audiovisual. É o caso da cantora Madonna que se uniu a Live Nation171
abrangendo todos os futuros negócios musicais e relacionados com música de Madonna. A
parceria incluiu a exploração da marca Madonna, os álbuns novos de estúdio, turnês,
comercialização, fã-clube / website, DVDs, projetos de televisão e de filmes musicais, e
acordos de patrocínio associados. As três últimas turnês mundiais da artista com a Live Nation
que gerou quase US$500 milhões em 6 anos, tendo Madonna como uma artista de turnês".

Assim, Som e imagem reunidos e com seus direitos negociados, são


comercializados em pacotes de mega-escala econômica. A tecnologia de produção de
espetáculos em DVD blue-ray em imagem digital de alta definição, porém não estará
acessível a manipulação experimental do público, como ocorreu com o áudio mp3.

As gravadoras se aglutinaram em mega-empresas que detém a tecnologia de ponta,


além dos direitos autorais protegidos pelo copyright, inclusive do próprio formato digital
como suporte da obra. Assim, ao pagarmos a assinatura de algum provedor de canais de
169
KUSEK, David. The future of music: Manifesto for the Digital Music. Revolution. Boston: Berklee Press, 2005.
170
“Warner has gone so far as to hire Jim Griffin to head up development of a new business to bundle a monthly fee into
consumers’ Internet service bills for unlimited access to music. The plan—the boldest move yet to keep the wounded
music industry giants afloat—is simple: Consumers will pay a monthly fee, bundled into an internet service bill in
exchange for unfettered access to a database of all known music. (…)Nothing provokes sheer terror in the recording
industry more than the rise of peer-to-peer file sharing networks. For years, digital music seers have argued the rise of
such networks has made copyright law obsolete and free music distribution universal. (…) Warner has given Griffin a
three-year contract to form a new organization to spearhead the plan. (…)Bronfman’s decision to hire Griffin, a
respected industry critic, demonstrates the desperation of the recording industry. It has shrunk to a $10 billion business
from $15 billion in almost a decade. Compact disc sales are plummeting as online music downloads skyrocket.”
Disponível em:< http://www.futureofmusicbook.com /2008/03/28/dripping-towards-the-river-of-music/>. Acesso em: 12
abr. 2008.
171
Disponível em:<http://www.faxmarketing.co.uk/cgi-bin/stories.pl?ACCT=PRNI2&STORY=/www/story/10-16-2007/00
04683265&EDATE=>. Acesso em: 20 out. 2007.
95

programação (de áudio) de vídeo (a um preço acessível), como outros milhões de


consumidores, ainda estaremos dentro do processo arrecadatório. No valor dessa assinatura
estarão computados os direitos autorais, conexos, de sincronização pagos, pulverizadamente,
dentro dos pacotes acertados entre as grandes empresas do show business e as redes de
comunicação concessionárias. No cômputo geral, arrecadar-se-ão bilhões ou mais.

O que é mais preocupante, então, é a massificação. O serviço básico estará


garantido, porém, é possível que sintamos a falta da originalidade, da criatividade, da variedade.
Assistiremos e pensaremos as mesmas coisas pré-programadas? Seremos todos iguais?

Como preservar o lado criativo, num universo padronizado pela realidade


binária/digital? Será declarado crime “desenterrar” uma música composta e gravada em 1968
pelo Pink Floyd? Ou, daqui a alguns anos, estaremos com os pensamentos nas nuvens,
embriagados, hipnotizados e tão pasteurizados pela tecnologia que repudiaremos (ou
ignoraremos) até mesmo o nosso próprio passado cultural?

ANA PAOLA DE OLIVEIRA172 explica o funcionamento do processo criado


como estratégia de vendas da indústria:

“... Nesse contexto de acordos comerciais a indústria da comunicação e do


entretenimento constroem o espaço midiático e dimensionam os discursos sociais.
Tudo isso contribui para que os campos da cultura e da comunicação sejam cada vez
mais condicionados pela lógica econômica. Esse sistema subordina a produção
cultural a uma estrutura capitalista, ligada à indústria de planejamento da imagem
das mercadorias e suas estratégias de venda. Na contemporaneidade, o produto
cultural passa a ocupar um outro espaço e adota variações estéticas, distribuídas em
grupos e tribos, numa segmentação controlada, na qual a novidade serve à
reprodução do sistema. Cabe lembrar que os produtos culturais vão sendo
descomplexificados, para que possa haver uma menor aleatoriedade e alcance a
máxima audiência. Esta é a base instrumental para a popularização da produção
musical em nível global. Nos modelos de fazer cultura, a música se diferencia na
maneira que é consumida, pois consegue ocupar o cotidiano de formas diversas, do
trabalho ao lazer, e isso se deve à sua difusão através de suportes portáteis, que
tornam seu acesso mais prático e simplificado que outras manifestações culturais,
como o cinema e as artes plásticas os quais requerem espaços fixos e demandam
maior atenção.”

Qual, então, o bem jurídico que deve ser preservado? O personalíssimo ou o


coletivo, difuso e homogêneo?

5.4 A PROPOSTA DE LESSIG: O MODELO COLABORATIVO DO CREATIVE COMMONS173

172
OLIVEIRA, Ana Paola de. O lugar da música. UNIrevista - Vol. 1, n° 3: (julho 2006).
96

A posição de LESSIG174 é bem clara. O autor e o intérprete obtêm vantagens com a


divulgação das suas obras. Têm eles o poder de permitir ou não seu uso, conforme as leis e
convenções (inclusive o copyright). Ele identifica o paradigma tradicional do copyright e o
seu conflito com essa atividade de troca de arquivos de música dentro na web:

“O objetivo do copyright, a respeito do conteúdo em geral e em


particular à música, é criar incentivos para que se componha,
toque e, principalmente, se dissemine música. A lei faz isso
concedendo direitos exclusivos para que um compositor controle
apresentações públicas de sua obra, e para que um intérprete
controle cópias de sua performance.
As redes de compartilhamento de arquivos complicam esse
modelo, permitindo que se dissemine conteúdo sem que o artista
seja pago. (...) elas permitem quatro tipos de compartilhamento:

A. Alguns estão usando redes de compartilhamento como substitutos


para a compra de CDs.
B. Outros estão usando redes de compartilhamento para ouvir
amostras antes de comprar os CDS.
C. Muitos estão usando redes de compartilhamento de arquivo para
ter acesso a conteúdo que não é mais vendido, mas continua sob
copyright, ou que seria muito difícil de comprar através da Internet.
D. Muitos estão usando redes de compartilhamento de arquivos para
conseguir acesso a conteúdo que não é protegido por copyrights, ou
cujo uso é plenamente endossado pelo proprietário dos direitos.”

Como dito acima, é bastante vantajoso para o artista (compositor ou intérprete)


penetrar na rede e divulgar para todo o mundo, o seu mais recente trabalho, instantaneamente.
Até aqui, os cessionários tradicionais, baseados no sistema do copyright, controlavam e
impediam, como verdadeiros intermediários dos direitos autorais, a cópia de um simples
fonograma, devido, logicamente, à falta de remuneração (do intermediário).

Resolvendo o impasse LESSIG conclama:

“A Internet está em transição. Não deveríamos regular uma tecnologia em transição.


Em vez disso deveríamos regular a minimização dos danos aos interesses afetados
pela inovação, de modo a permitir e incentivar a tecnologia mais eficiente que
pudermos criar.
Podemos minimizar danos se maximizarmos o benefício da inovação, fazendo o
seguinte:
1. garantindo o direito ao compartilhamento de tipo D;

173
“(...) O Creative Commons surgiu na década de 80, idealizado pelo professor de direito da Universidade de Stanford
Lawrence Lessing. O conceito ganhou notoriedade e demonstrou seu potencial em setembro de 1991, quando o
estudante finlandês Linus Torvalds lançou na internet a primeira versão do Linux. Torvalds abriu o código do novo
sistema operacional e convocou outros programadores para ajudá-lo a aprimorar o Linux. Hoje a idéia de criação
colaborativa já é usada em vários setores, como a pesquisa científica, por exemplo.” (In: CREATIVE COMMONS em
REVISTA ÉPOCA - Entrevista com o brasileiro Ronaldo Lemos por Guilherme Ravache - 31/03/2006 - Edição nº 411.)
174
LESSIG, Lawrence. CULTURA LIVRE: Como a Grande Mídia Usa a Tecnologia e a Lei Para Bloquear a
Cultura e Controlar a Criatividade / Lawrence Lessig.- São Paulo: Trama, 2005. p. 287-88.
97

2. eliminando os riscos ao compartilhamento não-comercial de tipo C, e legalizando o


compartilhamento comercial de tipo C mediante um encargo fixo determinado por
estatuto.
3. durante a transição, cobrar impostos e compensar pelo compartilhamento de tipo
A, na medida em que os danos reais possam ser demonstrados.”175

Assim, com estas medidas, poder-se-ia licenciar publicamente uma obra através
Licença Creative Commons. Essa modalidade de autorização regula o uso comercial e o não-
comercial da obra, como também garante o compartilhamento da obra dentro do interesse do
autor.

Diante dessa visão possível, muitos intelectuais podem garantir a liberdade da


expressão cultural. Com a abertura de alguns artistas, para a visão da divulgação planetária
via internet, pensou-se em permitir parcialmente o download de suas músicas de trabalho.

“O modelo dos sebos sugere que a lei poderia simplesmente considerar a música
fora de catálogo como sendo território livre. Se a gravadora não disponibilizar
cópias da música para venda, então os provedores comerciais ou não-comerciais
estariam livres para, sob esta regra, “compartilhar” o conteúdo, mesmo que
compartilhar envolva fazer cópias. A cópia aqui deveria ser incidental no comércio;
num contexto onde a disponibilidade comercial terminou, o comércio de música
deveria ser tão livre quanto o comércio de livros”176.

Para LESSIG, e é fato, a licença pública é um instrumento que vai adiante da lei do
copyright, que também é veementemente defendida pelas gravadoras. O Copyright, a
Circular 92 – o seu Title 17, determina que configurarar-se-á crime se for usada obra sem o
consentimento do criador/autor.

O materializador das licenças Creative Commons pensou: ora, se, porém,


previamente, obtivéssemos a licença do autor, estaríamos fora da tipicidade penal do
copyright; logo, e portanto, não haveria crime algum.

Com a Licença Creative Commons, temos a forma de legalizar a utilização das


obras de forma prévia. De modo que o usuário esteja autorizado a propagar a obra e nome do
artista, regular e legalmente. E isto é muito útil para a divulgação das carreiras dos artistas
independentes.

175
Idem p.293-94.
176
Idem, Cultura Livre. p.291.
98

Porém, este momento é, certamente, crítico, quanto à recepção pela sociedade, pois,
deflagrou-se uma grande batalha, por parte das gravadoras-majors, numa política que
confunde a opinião pública, quanto à utilidade e viabilidade das licenças Creative Commons.
A confusão criada foi geral, pois se procurou misturar os conceitos legais. Ninguém sabe
esclarecer o que é limitação do direito do autor e o que é pirataria, para o cidadão comum.

Se faço um download de música licenciada pelo autor, não cometo pirataria ou


qualquer ilícito. Porém, se não tenho esta autorização, existem implicações civis
possivelmente indenizatórias, e penais, conforme o caso (se vendo cópias desautorizadas).

Mas, se existisse de antemão uma licença geral da obra, o intermediário, qualquer


quer seja ele, não teria mais poder decisório, tal qual o autor, e a utilização da obra cumpriria
as formalidades da legislação de qualquer sistema de proteção autoral, de qualquer país.

O modelo colaborativo do Creative Commons foi introduzido no Brasil por


RONALDO LEMOS177. A licença funciona, como forma de autorizar, previamente, a
utilização de uma obra artística, científica ou cultural, comercialmente ou não, ficando a
critério do autor, exclusivamente, a conveniência de licenciar para fins comerciais ou não.

Como ALEXANDRE MATIAS178, no prefácio do Livro Cultura Livre, destaca:

“A cultura não pode ter amarras para evoluir. O Copyright tal como existe hoje foi
motor do século passado, mas periga ser o freio deste atual – se alguma coisa não
for mudada.
— Estamos mudando.”

5.5 COMO UTILIZAR O CREATIVE COMMONS

A licença pública Creative Commons é baseada na lei do copyright e possibilita


simplesmente, que alguns direitos sejam preservados ou, então, que nenhum direito será
reservado... Trata-se de um acordo de liberalidade do autor ou titular dos direitos da obra.
Assim, a licença Creative Commons não fere qualquer dispositivo da Lei do Copyright ou da
LDA.
177
LEMOS, Ronaldo; possui graduação em Direito pela Universidade de São Paulo (1998), mestrado em Direito pela
Universidade de Harvard (2002) e doutorado em Direito pela Universidade de São Paulo (2004). Atualmente é presidente
do conselho de administração do iCommons e professor titular da Fundação Getúlio Vargas - RJ. Atua nas áreas de
Direito, com ênfase em tecnologia, atuando principalmente nos seguintes temas: internet, mídia, privacidade.
178
MATIAS, Alexandre; In: Cultura Livre... prefácio do Livro.
99

O procedimento para o licenciamento é simples. Trata-se de uma autorização prévia


do autor-licenciante onde se permite a recriação, veiculação, execução, reprodução de uma
obra, pois isto é o que realmente interessa ao autor.

Para licenciar uma música, é necessário obter o software (programa de computador)


ccpublisher. Com ele o autor poderá registrar sua licença pública para a obra. Este programa
foi criado para captar os dados indispensáveis para o registro: nome do autor, título da obra
(música ou audiovisual), o ano de criação, o formato do trabalho, uma descrição sucinta do
trabalho. Também existe um campo para as keywords que indexarão as pesquisas dos
usuários.

Este software também possibilita a escolha do tipo de licença pública Creative


Commons o autor deseja implementar, abrindo possibilidade para posteriores alterações.

Após o preenchimento de um cadastro, o autor poderá registrar sua licença junto ao


banco de dados ARQUIVE.ORG, por exemplo. Neste site, mediante senha e conta própria, o
artista terá acesso às licenças públicas Creative Commons, já cadastradas. Depois desta etapa,
poderá ‘salvar’ os dados da música, em questão. Poderá, também, exibir as características da
licença, no seu próprio “site de divulgação”, na internet (se o autor já tiver um), inserindo na
janela específica o endereço de sua homepage (URL). A seguir, será fornecido um “código-
fonte” que, posteriormente, poderá ser inserido pelo autor, na própria homepage a qual exibirá
o símbolo da Cretive Commons e o tipo de licença permitida para a obra.

No fim do processo, a música estará registrada, e constará nos “servidores”, a ficha


completa da obra. Lá, estarão preservadas informações como: autor, tipo de licença, average
user rating, heard times, o nome dos arquivos que compõem a obra (whole recording –
formato e tamanho dos arquivos), inclusive uma descrição sucinta da obra.

Cada país tem, ou poderá ter, uma versão Creative Commons, implementada de
acordo com o seu ordenamento jurídico interno. Ou seja, nos EUA a licença se orienta
segundo a Lei do Copyright. No Brasil, ela está baseada na Lei do Direito Autoral (Lei nº
9610/98).
100

Através da licença, o autor autoriza a utilização da obra, conforme seus interesses.


Quando o usuário utilizar a obra estará, implicitamente, aceitando os termos de utilização
especificados pelo autor.

Para o Brasil, existem seis modalidade dessa licença:


1 – licença de atribuição 2.5 Brasil (by);
2 – licença de atribuição-não comercial 2.5 Brasil (by-nc);
3 – licença de atribuição-não comercial-vedada à obra derivada 2.5 Brasil (by-nc-nd);
4 – licença de atribuição-não comercial-compartilhamento da mesma licença 2.5
Brasil (by-nc-sa);
5 – licença de atribuição-vedada a obra derivada 2.5 Brasil (by-nd);
6 – licença de atribuição-compartilhamento da mesma licença 2.5 Brasil (by-sa).

Também, estão disponíveis a licença de recombinação: sampling plus 1.0 e nc-


sampling plus 1.0.

Definindo as referidas licenças:

— A licença de atribuição 2.5 Brasil (by), é a uma autorização, sob forma de


licença, o mais ampla possível para utilização de uma obra autoral, bastando para aceita-la,
quando utilizar a obra (reproduzir ou executar por exemplo), dar o crédito ao autor original
(reconhecimento de sua autoria).

O modelo atribuição 2.5 Brasil (by) é um acordo (um contrato), em âmbito


mundial, que prevê o não pagamento de royalties; não é exclusiva e é perpétua (pelo tempo
que durar o direito do autor), aparentemente.

Ela, antecipadamente, dá permissão ao usuário, na forma estipulada pelo autor


(licenciante), de reprodução pública da obra, de transmissão de áudio digital, incorporação a
outras (obras coletivas) e de poder reproduzir, quando estiver incorporada a estas mesmas
obras coletivas.
101

O usuário também poderá criar e reproduzir obras derivadas, advindas dessa obra
original licenciada, assim como distribuir a mesma, por meio de cópias ou gravações,
inclusive na internet (webcasting), conforme os itens da Seção 3179.

Na modalidade atribuição, especificamente, o autor se abstém do direito de receber


os direitos (royalties) de execução pública, como o recolhido pelo ECAD (ASCP, BMI,
SESAC) ou pela execução digital em webcasting. O autor ainda renuncia aos direitos de
coleta das gravações que o usuário criar, a partir de sua obra licenciada.

A licença abrange a todas as mídias, formatos, independente de serem conhecidos


ou os que vierem a ser inventados posteriormente.

179
LPCC-Atribuição 2.5 Brasil - Seção 3. “Concessão da Licença. O Licenciante concede a Você uma licença de
abrangência mundial, sem royalties, não-exclusiva, perpétua (pela duração do direito autoral aplicável), sujeita aos termos
e condições desta Licença, para exercer os direitos sobre a Obra definidos abaixo:
a. reproduzir a Obra, incorporar a Obra em uma ou mais Obras Coletivas e reproduzir a Obra quando incorporada em Obra Coletiva;
b. criar e reproduzir Obras Derivadas;
c. distribuir cópias ou gravações da Obra, exibir publicamente, executar publicamente e executar publicamente por meio de uma
transmissão de áudio digital a Obra, inclusive quando incorporada em Obras Coletivas;
d. distribuir cópias ou gravações de Obras Derivadas, exibir publicamente, executar publicamente e executar publicamente por meio
de uma transmissão digital de áudio Obras Derivadas.
Os direitos acima podem ser exercidos em todas as mídias e formatos, independente de serem conhecidos agora ou
concebidos posteriormente. Os direitos acima incluem o direito de fazer modificações que forem tecnicamente necessárias
para exercer os direitos em outras mídias, meios e formatos. Todos os direitos não concedidos expressamente pelo
Licenciante ficam aqui reservados, incluindo, mas não se limitando, os direitos definidos nas Seções 4(e) e 4(f).”
102

A Seção 4180 do texto, desta modalidade, em contrapartida, define que o usuário se


sujeitará aos limites específicos da licença. Primeiramente, ao se utilizar da obra, deverá
incluir cópia da licença ou o identificador uniforme de recursos (URI) da licença. O usuário
não poderá alterar a licença ou mesmo sub-licenciar a obra, já que ela tem dono. Não poderá,
ele, estabelecer ou implementar qualquer medida tecnológica que controle o acesso ou uso da
obra (DRM) que atinja os termos da licença.

Esta modalidade de licença prevê, outrossim, que, se a obra for incluída em obra
coletiva, a situação de restrição acima, se aplicará a obra em si e não a obra coletiva. Numa
obra coletiva (álbum/coletânea), se o autor/licenciante notificar o usuário, este deverá retirar
qualquer menção dos créditos da obra original da obra coletiva, quando solicitado. Da mesma
forma, no caso de obra derivada da licenciada, também será prudente que seja tomada à
mesma atitude.

O usuário tem, em contrapartida, o dever de manutenção das informações relativas


aos direitos autorais sobre a obra, tais como:
- nome do autor original (pseudônimo se fornecido);
- se o autor/licenciante designar outra parte para figurar como representante dos
direitos autorais do licenciante (patrocinador, órgão que publicou, periódico, etc.);
180
LPCC – Atribuição 2.5 Brasil – Seção 4: “
a. Você pode distribuir, exibir publicamente, executar publicamente ou executar publicamente por meios digitais a
Obra apenas sob os termos desta Licença, e Você deve incluir uma cópia desta licença, ou o Identificador
Uniformizado de Recursos (Uniform Resource Identifier) para esta Licença, com cada cópia ou gravação da Obra que
Você distribuir, exibir publicamente, executar publicamente, ou executar publicamente por meios digitais. Você não
poderá oferecer ou impor quaisquer termos sobre a Obra que alterem ou restrinjam os termos desta Licença ou o
exercício dos direitos aqui concedidos aos destinatários. Você não poderá sub-licenciar a Obra. Você deverá manter
intactas todas as informações que se referem a esta Licença e à exclusão de garantias. Você não pode distribuir, exibir
publicamente, executar publicamente ou executar publicamente por meios digitais a Obra com qualquer medida
tecnológica que controle o acesso ou o uso da Obra de maneira inconsistente com os termos deste Acordo de Licença.
O disposto acima se aplica à Obra enquanto incorporada em uma Obra Coletiva, mas isto não requer que a Obra
Coletiva, à parte da Obra em si, esteja sujeita aos termos desta Licença. Se Você criar uma Obra Coletiva, em havendo
notificação de qualquer Licenciante, Você deve, na medida do razoável, remover da Obra Coletiva qualquer crédito,
conforme estipulado na cláusula 4 (b), quando solicitado. Se Você criar um trabalho derivado, em havendo aviso de
qualquer Licenciante, Você deve, na medida do possível, retirar do trabalho derivado, qualquer crédito conforme
estipulado na cláusula 4 (b), conforme solicitado.
b. Se Você distribuir, exibir publicamente, executar publicamente ou executar publicamente por meios digitais a Obra
ou qualquer Obra Derivada ou Obra Coletiva, Você deve manter intactas todas as informações relativas a direitos
autorais sobre a Obra e exibir, de forma razoável com relação ao meio ou mídia que Você está utilizando: (i) o nome
do autor original (ou seu pseudônimo, se for o caso) se fornecido e/ou (ii) se o autor original e/ou o Licenciante
designar outra parte ou partes (Ex.: um instituto patrocinador, órgão que publicou, periódico, etc.) para atribuição nas
informações relativas aos direitos autorais do Licenciante, termos de serviço ou por outros meios razoáveis, o nome da
parte ou partes; o título da Obra, se fornecido; na medida do razoável, o Identificador Uniformizado de Recursos
(URI) que o Licenciante especificar para estar associado à Obra, se houver, exceto se o URI não se referir ao aviso de
direitos autorais ou à informação sobre o regime de licenciamento da Obra; e no caso de Obra Derivada, crédito
identificando o uso da Obra na Obra Derivada (exemplo: "Tradução Francesa da Obra de Autor Original", ou "Roteiro
baseado na Obra original de Autor Original"). Tal crédito pode ser implementado de qualquer forma razoável;
entretanto, no caso de Obra Derivada ou Obra Coletiva, este crédito aparecerá no mínimo onde qualquer outro crédito
de autoria comparável aparecer e de modo ao menos tão proeminente quanto este outro crédito.”
103

- utilizar a URI. Ex.: “Tradução do inglês para o português da obra do autor X (a


menos que não tenha a ver com a obra).

Este modelo de licença181 também estabelece, na Seção 5, que o autor ou licenciante


se comprometa a disponibilizar a obra, no estado e condições que se encontra, sem garantias
quaisquer da titularidade (verdadeira), da não violação de direitos ou inexistência de erros,
aparentes ou ocultos, ficando ressalvado, apenas se a jurisdição local não aceitar tal exclusão
de garantias implícita.

Veementemente, é afirmado neste documento182, que salvo, por força de lei, o autor
licenciante não será responsável por quaisquer danos, especiais ou incidentais,
conseqüenciais, punitivos ou exemplares, advindos da licença de utilização da obra. Até
mesmo, se o autor for alertado dessa possibilidade.

Esse tipo de licença (e também os demais) e seus direitos serão automaticamente


encerrados, se houver violação por parte dos termos pelo usuário. Em caso de licença
derivada ou coletiva, o término da licença original para o usuário primitivo devido à violação
dos termos, não afeta aos usuários dessas obras derivadas e coletivas, desde que permaneçam
no total cumprimento do acordo com a licença, ou seja, a licença subsistirá, embora o usuário
infrator se retire.

A licença Creative Common não é exclusiva. Mesmo sob licença, pode o autor
difundir a sua obra. Poderá usar, também, termos de licenças diferentes (a modalidade
Atribuição permite). Desde que não se trate de retratação da licença, o autor poderá cessar a
distribuição da obra;

181
LPCC – Atribuição 2.5 Brasil – Seção 5: “Declarações, Garantias e Exoneração
EXCETO QUANDO FOR DE OUTRA FORMA MUTUAMENTE ACORDADO PELAS PARTES POR ESCRITO, O
LICENCIANTE OFERECE A OBRA “NO ESTADO EM QUE SE ENCONTRA” (AS IS) E NÃO PRESTA QUAISQUER
GARANTIAS OU DECLARAÇÕES DE QUALQUER ESPÉCIE RELATIVAS À OBRA, SEJAM ELAS EXPRESSAS OU
IMPLÍCITAS, DECORRENTES DA LEI OU QUAISQUER OUTRAS, INCLUINDO, SEM LIMITAÇÃO, QUAISQUER
GARANTIAS SOBRE A TITULARIDADE DA OBRA, ADEQUAÇÃO PARA QUAISQUER PROPÓSITOS, NÃO-VIOLAÇÃO
DE DIREITOS, OU INEXISTÊNCIA DE QUAISQUER DEFEITOS LATENTES, ACURACIDADE, PRESENÇA OU
AUSÊNCIA DE ERROS, SEJAM ELES APARENTES OU OCULTOS. EM JURISDIÇÕES QUE NÃO ACEITEM A
EXCLUSÃO DE GARANTIAS IMPLÍCITAS, ESTAS EXCLUSÕES PODEM NÃO SE APLICAR A VOCÊ.”
182
LPCC – Atribuição 2.5 Brasil – Seção 6: “Limitação de Responsabilidade.
EXCETO NA EXTENSÃO EXIGIDA PELA LEI APLICÁVEL, EM NENHUMA CIRCUNSTÂNCIA O LICENCIANTE SERÁ
RESPONSÁVEL PARA COM VOCÊ POR QUAISQUER DANOS, ESPECIAIS, INCIDENTAIS, CONSEQÜENCIAIS,
PUNITIVOS OU EXEMPLARES, ORIUNDOS DESTA LICENÇA OU DO USO DA OBRA, MESMO QUE O LICENCIANTE
TENHA SIDO AVISADO SOBRE A POSSIBILIDADE DE TAIS DANOS.”
104

— A licença Atribuição-não comercial 2.5 Brasil (by-nc), é basicamente, a mesma


licença Atribuição 2.5 Brasil (by), incluindo unicamente a restrição, ao usuário, quanto à
utilização comercial da obra.

Na Seção 4, item (b)183, do corpo dessa licença, encontra-se a restrição proibindo a


exploração comercial dos direitos de utilização: “...de qualquer maneira que seja
predominantemente intencionada ou direcionada à obtenção de vantagem comercial ou
compensação monetária privada.”

Na cláusula mencionada, também, é observado que o compartilhamento da obra,


desde que não haja pagamento ou compensação monetária, não constitui o enquadramento na
restrição de uso.

Notadamente, identificamos a intenção de conservar o uso comercial da obras, para


o autor, na Seção 4, (d), (i) e (ii), e (e) 184, onde este reserva-se no direto de cobrar os royalties
e o direito de autor, referente ao ECAD ou agência particular, quanto à execução pública e
fonomecânica, inclusive, na execução digital, via internet, (webcasting), das gravações que o
usuário criar da obra (‘cover’), se distribuída com fins predominantemente econômicos;
183
LPCC – Atribuição-não comercial 2.5 Brasil – Seção 4:
“b. Você não poderá exercer nenhum dos direitos acima concedidos a Você na Seção 3 de qualquer maneira que seja
predominantemente intencionada ou direcionada à obtenção de vantagem comercial ou compensação monetária
privada. A troca da Obra por outros materiais protegidos por direito autoral através de compartilhamento digital de
arquivos ou de outras formas não deverá ser considerada como intencionada ou direcionada à obtenção de vantagens
comerciais ou compensação monetária privada, desde que não haja pagamento de nenhuma compensação monetária
com relação à troca de obras protegidas por direito de autor.”
184
LPCC – Atribuição-não comercial 2.5 Brasil –“ Seção 4:
d. De modo a tornar claras estas disposições, quando uma Obra for uma composição musical:
i. Royalties e execução pública. O Licenciante reserva o seu direito exclusivo de coletar, seja
individualmente ou através de entidades coletoras de direitos de execução (por exemplo, ECAD,
ASCAP, BMI, SESAC), o valor dos seus direitos autorais pela execução pública da obra ou execução
pública digital (por exemplo, webcasting) da Obra se esta execução for predominantemente
intencionada ou direcionada à obtenção de vantagem comercial ou compensação monetária privada.
ii. Royalties e Direitos fonomecânicos. O Licenciante reserva o seu direito exclusivo de coletar,
seja individualmente ou através de uma entidade designada como seu agente (por exemplo, a agência
Harry Fox), royalties relativos a quaisquer gravações que Você criar da Obra (por exemplo, uma versão
“cover”) e distribuir, conforme as disposições aplicáveis de direito autoral, se a distribuição feita por
Você de versão “cover” for predominantemente intencionada ou direcionada à obtenção de vantagem
comercial ou compensação monetária privada.

e. Direitos de Execução Digital pela Internet (Webcasting) e royalties.


De modo a evitar dúvidas, quando a Obra for uma gravação de som, o Licenciante reserva o seu direito exclusivo de
coletar, seja individualmente ou através de entidades coletoras de direitos de execução (por exemplo,
SoundExchange ou ECAD), royalties e direitos autorais pela execução digital pública (por exemplo, Webcasting) da
Obra, conforme as disposições aplicáveis de direito autoral, se a execução digital pública feita por Você for
predominantemente intencionada ou direcionada à obtenção de vantagem comercial ou compensação monetária
privada.”
105

— Na licença Atribuição - não comercial - vedada a obra derivada 2.5 Brasil


(by-nc-nd) – segue-se na esteira da licença Atribuição - não comercial 2.5 Brasil (by-nc),
aumentando apenas as restrições. Esta modalidade impede, além do uso comercial da obra, a
criação de obras derivadas, consignada na Seção 3. A licença e, portanto, o autor (licenciante)
reconhecem o direito de fazer modificações tecnicamente necessárias para exercer o direito
em outras mídias, meios e formatos. Não reconhece, no entanto, o direito de criar obras
derivadas (a partir da obra licenciada original).

É ressalvada, na licença, a distinção entre obra coletiva e obra derivada. A obra


derivada, segundo o redator da licença Creative Commons, é aquela baseada na obra original
(a licenciada), unicamente ou em conjunto com outras. A licença lista um rol de modalidades
de obras derivadas: a tradução, o arranjo musical, a dramatização, a romantização, versão de
filme, a gravação de som, a reprodução de obra artística, o resumo, condensação ou qualquer
outra forma na qual a obra possa ser refeita, transformada ou adaptada, inclusive se a obra
musical for transposta, com imagem cronometrada (synching) é entendida como tal.

O autor, também tem a sua disposição, a licença Atribuição - não comercial –


compartilhamento da mesma licença 2.5 Brasil (by-nc-sa). Esta licença restringe o uso
comercial e possibilita ou exige que se compartilhe a mesma licença que foi inicialmente
expedida pelo autor (licenciante). Ou seja, o usuário poderá distribuir, exibir e executar
publicamente e digitalmente uma obra derivada, porém, deverá expedir a licença de obra
derivada nos mesmos termos da licença que foi lhe oferecida por (exemplo:Atribuição - não
comercial – compartilhamento da mesma licença 2.5 Japão), conforme estabelece a sua
Seção 4. Não pode, o usuário da obra, impor qualquer termo sobre a obra derivada que altere
a licença ou restrinja os direitos já concedidos ao usuário da licença (destinatário).

A licença Atribuição – vedada a obra derivada 2.5 Brasil (by-nd), como as


anteriores, requer a citação da autoria da obra, dando o crédito, a paternidade, ao autor
original. Esta modalidade de licença veda a criação de obras derivadas a partir da obra
original, mas não obriga ao uso e exploração não-comercial, pois o autor renuncia a coleta dos
direitos patrimoniais. Também, não precisa compartilhar a mesma espécie de licença.
106

Porém, apesar de poder introduzir modificações técnicas para desenvolver o


exercício dos direitos concedidos, para adaptar a obra a vários formatos de mídia e meios, o
usuário não poderá criar obras derivadas a partir da obra originalmente licenciada, ou seja,
não será possível desenvolver a tradução, o arranjo musical, a dramatização, a romantização, a
versão de filme, a gravação de som, a reprodução de obra artística, o resumo, condensação ou
qualquer outra forma na qual a obra possa ser refeita, transformada ou adaptada, a menos que
se trate de uma obra que constitua uma obra coletiva. Se participar de obra coletiva, segundo
o texto, não será considerada obra derivada para esta licença. Também será considerada obra
derivada, uma composição musical ou gravação de som, a sincronizada e cronometrada em
relação a imagens em movimento (“synching”).

Na licença Atribuição – compartilhamento da mesma licença 2.5 Brasil (by-sa),


pode-se copiar, distribuir, exibir e executar a obra original bem como as derivadas criadas,
com a condição de dar o crédito para o autor original, e de somente distribuir as obras
resultantes sob uma licença idêntica a licença original, conforme estipula a Seção 4 (a) 185.
Pode-se consequentemente , fazer uso comercial da obra, pois o autor renuncia a coleta dos
direitos de execução e dos direitos autorais juntos aos órgãos e agências responsáveis. O
usuário que criar obra derivada não poderá estabelecer os termos que desejar para sua obra
derivada, a menos que seja uma licença igual a original.

Enfim, todos os modelos de licença permitem a alteração consensual, por escrito,


das autorizações de uso. A renúncia ou consentimento consta na Seção 8, (d)186 e será, por
escrito e assinada, por quem estiver sofrendo os efeitos mencionados.
185
LPCC – Atribuição-não comercial 2.5 Brasil – “Seção 4:
a. Você pode distribuir, exibir publicamente, executar publicamente ou executar publicamente por meios digitais a
Obra apenas sob os termos desta Licença, e Você deve incluir uma cópia desta licença, ou o Identificador
Uniformizado de Recursos (Uniform Resource Identifier) para esta Licença, com cada cópia ou gravação da Obra
que Você distribuir, exibir publicamente, executar publicamente, ou executar publicamente por meios digitais.
Você não poderá oferecer ou impor quaisquer termos sobre a Obra que alterem ou restrinjam os termos desta
Licença ou o exercício dos direitos aqui concedidos aos destinatários. Você não poderá sub-licenciar a Obra. Você
deverá manter intactas todas as informações que se referem a esta Licença e à exclusão de garantias. Você não
pode distribuir, exibir publicamente, executar publicamente ou executar publicamente por meios digitais a Obra
com qualquer medida tecnológica que controle o acesso ou o uso da Obra de maneira inconsistente com os termos
deste Acordo de Licença. O disposto acima se aplica à Obra enquanto incorporada em uma Obra Coletiva, mas isto
não requer que a Obra Coletiva, à parte da Obra em si, esteja sujeita aos termos desta Licença. Se Você criar uma
Obra Coletiva, em havendo notificação de qualquer Licenciante, Você deve, na medida do razoável, remover da
Obra Coletiva qualquer crédito, conforme estipulado na cláusula 4 (c), quando solicitado. Se Você criar um
trabalho derivado, em havendo aviso de qualquer Licenciante, Você deve, na medida do possível, retirar do
trabalho derivado, qualquer crédito conforme estipulado na cláusula 4 (c), conforme solicitado.”
186
LPCC versão 2.5 Brasil – “Seção 8:
d. Nenhum termo ou disposição desta Licença será considerado renunciado e nenhuma violação será considerada
consentida, a não ser que tal renúncia ou consentimento seja feito por escrito e assinado pela parte que será
afetada por tal renúncia ou consentimento.”
107

Fica evidente que, ao exercer qualquer dos direitos concedidos no acordo da


licença, se traduzirá na aceitação dos termos e condições da mesma pelo usuário. Mesmo
assim, a licença nunca se colocará acima da legislação vigente, no país, sobre o Direito Autoral.

5.6 A ISENÇÃO LEGAL E O MODELO COLABORATIVO

Na Seção 2 de seu texto, a licença pública Creative Commons estabelece que ela
não pode ser restritiva, quanto ao direito do uso legítimo (fair use). A interpretação das
cláusulas constantes da licença não reduzem ou alteram as limitações aos direitos do autor (ou
titular), especificadas pela Lei de Direitos Autorais e lei afins. As permissões de utilização
previstas na LPCC são totalmente compatíveis com a legislação brasileira, como a Lei nº
9610/98 (art.46, II, V, VI) e o Código Penal brasileiro (art. 184 §4º), em nada contrariando os
preceitos da limitação do direito de autor. Basicamente, a legislação nacional estabelece que a
cópia para uso particular de um único exemplar de uma parte da obra, sem intuito de lucro
não constitui ofensa aos direitos autorais. E que a utilização de obras em estabelecimento de
ensino com objetivo didático ou no recesso familiar sem intenção de obtenção de lucro,
também não ofende os direitos, bem como a utilização de obras musicais por
estabelecimentos comerciais que vendam de equipamentos e suporte para as obras, o que é
plenamente respeitado pela licença em tela.

A LCCP também estabeleceu um modelo de licença chamada SAMPLING PLUS


1.0, que é oferecida para os países como, Brasil, Alemanha e Taiwan. A mesma serve não só
para a música, como também para imagens e filmes, sendo que seu fim é a não utilização
publicitária da obra. Poderá, sim, o usuário executar, exibir e distribuir cópias de toda esta
obra para fins não-comerciais (por exemplo, compartilhamento de arquivos ou transmissão
pela Internet sem fins comerciais)

O CC SAMPLING PLUS 1.0 possibilita que o usuário tenha uma permissão de


abrangência mundial, livre de pagamento dos royalties, não exclusiva e ‘perpétua’ (dura o
tempo do direito do autor). É permitida a utilização de obras originais ou derivadas, desde que
o trabalho derivado seja de boa-fé, ou recombinado com o ‘sampling’ (amostragem), colagem,
108

mash-up (mesclar), ou outra técnica semelhante existente ou que venha a ser conhecida, mas
que seja altamente transformadora, em relação ao original, estabelecendo uma nova visão para
o gênero e nicho de mercado, conforme a Seção 3 187, ou seja, poderá samplear, mesclar ou
fazer qualquer outra forma de transformação criativa sobre a obra, com fins comerciais e não-
comerciais.

187
LPCC Sampling Plus 1.0 – “Seção 3:
License Grant & Restrictions. Subject to the terms and conditions of this License, Licensor hereby grants You a
worldwide, royalty-free, non-exclusive, perpetual (for the duration of the applicable copyright) license to exercise the
rights in the Work as stated below on the conditions as stated below:
a. Noncommercial use only. You may not exercise any of the rights granted to You in this license in any manner
that is primarily intended for or directed toward commercial advantage or private monetary compensation. The
exchange of the Work for other copyrighted works by means of digital file-sharing or otherwise shall not be
considered to be intended for or directed toward commercial advantage or private monetary compensation,
provided there is no payment of any monetary compensation in connection with the exchange of copyrighted
works.
b. Noncommercial re-creativity permitted. You may create and reproduce Derivative Works, provided that:
i. the Derivative Work(s) constitute a good-faith partial or recombined usage employing "sampling,"
"collage," "mash-up," or other comparable artistic technique, whether now known or hereafter
devised, that is highly transformative of the original, as appropriate to the medium, genre, and
market niche; and
ii. Your Derivative Work(s) must only make a partial use of the original Work, or if You choose to
use the original Work as a whole, You must either use the Work as an insubstantial portion of Your
Derivative Work(s) or transform it into something substantially different from the original Work.
In the case of a musical Work and/or audio recording, the mere synchronization ("synching") of
the Work with a moving image shall not be considered a transformation of the Work into
something substantially different.
c. You may distribute copies or phonorecords of, display publicly, perform publicly, and perform publicly by
means of a digital audio transmission, any Derivative Work(s) authorized under this License.
d. Noncommercial sharing of verbatim copies permitted.
i. You may reproduce the Work, incorporate the Work into one or more Collective Works, and reproduce
the Work as incorporated in the Collective Works. You may distribute copies or phonorecords of,
display publicly, perform publicly, and perform publicly by means of a digital audio transmission the
Work including or incorporated in Collective Works.
e. Attribution and Notice.
i. If You distribute, publicly display, publicly perform, or publicly digitally perform the Work or any
Derivative Works or Collective Works, You must keep intact all copyright notices for the Work
and give the Original Author credit reasonable to the medium or means You are utilizing by
conveying the name (or pseudonym if applicable) of the Original Author if supplied; the title of
the Work if supplied; to the extent reasonably practicable, provide the Uniform Resource
Identifier, if any, that Licensor specifies to be associated with the Work or a Derivative Work,
unless such Uniform Resource Identifier does not refer to the copyright notice or licensing
information for the Work; and in the case of a Derivative Work, provide a credit identifying the
use of the Work in the Derivative Work (e.g., "Remix of the Work by Original Author," or
"Inclusion of a portion of the Work by Original Author in collage"). Such credit may be
implemented in any reasonable manner; provided, however, that in the case of a Derivative Work
or Collective Work, at a minimum such credit will appear where any other comparable authorship
credit appears and in a manner at least as prominent as such other comparable authorship credit.
ii. You may distribute, publicly display, publicly perform or publicly digitally perform the Work only
under the terms of this License, and You must include a copy of, or the Uniform Resource
Identifier for, this License with every copy or phonorecord of the Work or Derivative Work You
distribute, publicly display, publicly perform, or publicly digitally perform. You may not offer or
impose any terms on the Work that alter or restrict the terms of this License or the recipients'
exercise of the rights granted hereunder. You may not sublicense the Work. You must keep intact
all notices that refer to this License and to the disclaimer of warranties. You may not distribute,
publicly display, publicly perform, or publicly digitally perform the Work with any technological
measures that control access of use of the Work in a manner inconsistent with the terms of this
License. The above applies to the Work as incorporated in a Collective Work, but this does not
109

Na licença SAMPLING PLUS 1.0, poder-se-á utilizar parte ou a totalidade da obra


original, sendo que, se for utilizada toda obra original, esta não poderá formar parte
substancial do trabalho derivado. Ela deverá, até mesmo, transformar-se em algo totalmente
novo, como é o caso da ‘sincronização’. Porém, um trabalho com sua imagem em movimento
(um vídeo ou filme) não será considerado uma transformação da obra, pois continua a ser o
mesmo, apenas visualizado através de imagens.

Também, nesta modalidade, deve ser mantido o crédito ao autor original (da forma
especificada pelo autor ou licenciante), evitando-se fazer a promoção de qualquer coisa ou
propaganda, a não ser que seja da própria obra criada pelo usuário.

Esta licença, ainda, possibilita o compartilhamento de arquivos que contenham a


obras desde que não tenham o cunho financeiro (P2P).

Percebe-se que a Creative Commons, em nível Global, vai bem além do “fair use”
ou das limitações ao direito do autor, pois estas contém maior abrangência e usos. Além dos
modelos citados, no âmbito brasileiro (uso não comercial apenas; qualquer uso sem
exclusividade; qualquer uso sem obras derivadas, etc), existem modelos que permitem o uso
de obras, dentro de países em desenvolvimento (excluindo o pagamento de royalties), ou
qualquer uso de recombinação (sampling) sem cópia integral; e inclusive, qualquer uso que
seja de caráter educacional.

Segundo LESSIG188, cria-se assim, uma camada de conteúdo disponível que


permitirá reconstruir-se o “domínio público”:

“Essas escolhas estabelecem uma gama de liberdades que vai além do


padrão da legislação de copyright. Elas também permitem liberdades que
vão além do uso legítimo tradicional. E, principalmente, expressam tais
liberdades de forma que os usuários subseqüentes possam utilizar e se
basear nas obras sem a necessidade de contratar um advogado. A licença
Creative Commons, portanto, pretende construir uma camada de
conteúdo regulada por uma camada plausível de legislação do copyright,
na qual outros possam se basear. A escolha voluntária de indivíduos e
criadores tornará o conteúdo disponível. E esse conteúdo nos permitirá

require the Collective Work apart from the Work itself to be made subject to the terms of this
License. Upon notice from any Licensor You must, to the extent practicable, remove from the
Derivative Work or Collective Work any reference to such Licensor or the Original Author, as
requested.”

188
LESSIG, Lawrence. Cultura livre: Como a Grande Mídia Usa a Tecnologia e a Lei Para Bloquear a
Cultura e Controlar a Criatividade / Lawrence Lessig.- São Paulo: Trama, 2005. p. 276.
110

reconstruir um domínio público. (...) Mas o ponto que distingue a Creative


Commons de muitos outros é que nós não estamos interessados apenas
em falar sobre domínio público, ou em pedir a ajuda dos legisladores para
construir um domínio público. Nosso objetivo é construir um movimento
de consumidores e produtores de conteúdo (...) que ajudem a construir o
domínio público e, através de seu trabalho, demonstrem a importância do
domínio público para outras manifestações criativas.”

Embora exista ainda a modalidade de licença de domínio público, ela não é


aplicável ao Brasil. O que não impede da formação de um expressivo contingente de músicas
licenciadas publicamente. Mas em nível internacional, principalmente nos E.U., sim, pode-se
registrar uma obra como totalmente disponível.

Ademais, existem as licenças genéricas. Elas não se apóiam em nenhuma legislação


de um país especificamente. Trata-se de possibilidade alternativa para atender o mercado
internacional que ainda não tem licenças específicas em seus países.

Reproduzimos, aqui, a passagem que LEMOS faz referência à síntese feita por
NIVA ELKIN-KOREN, um dos principais nomes mundiais sobre a questão do direito
autoral:

“O poder de controlar os usos concebíveis da informação faz com que o privilégio


detido pelo público em geral seja colocado sob controle privado. Desse modo, esse
poder aumenta a possibilidade de detentores de direitos excluírem o acesso a formas
de cultura e limitarem o acesso à informação com base no poder econômico.
Informação, no sentido amplo do termo – que compreende dados, livros, filmes,
música –, gera a cultura. A negação de acesso a tais artefatos culturais gera
conseqüências políticas. Essa negação restringe de maneira severa a capacidade de
se reagir ou responder a símbolos culturais. Além disso, destrói a capacidade de se
participar nas decisões políticas e no diálogo social. A natureza especial da
informação que permite o seu compartilhamento a custos mínimos e faz com que a
informação hoje existente seja essencial para a inovação futura indica que sua
disseminação e seu uso devem ser maximizados. Um regime contratual que
permite que detentores de direitos transformem informação em pura
mercadoria traz consigo barreiras a seu uso socialmente indesejáveis.” 189

As licenças creative commons não são apenas uma idéia. Estão sendo aplicadas na
prática, registrando notadamente a regência do novo paradigma, referente à multilateralidade
da internet. A cada momento, inúmeras pessoas acessam seus e-mails, homepages, blogs, sites
de relacionamento... Todo este público, composto por pessoas comuns detém direitos autorais
e fazem uploads de vídeos caseiros, músicas originais, textos inéditos estão protegidos por
direito autoral. É preciso administrar essas relações. Se não fizerem o uso dessa alternativa, ou
outra similar, todos os que acessarem tais obras serão contrafatores ou, em alguns lugares, até
189
LEMOS, Ronaldo. Direito, Tecnologia e Cultura. São Paulo: FGV, 2007, p.158.
111

mesmo criminosos por não ter autorização de utilização dessas obras. Obviamente, isto está
na contramão dos interesses de todos nós, tanto dos que têm algo a divulgar, como também,
os que estão à procura para assistir novos talentos. O sistema tradicional está orientado contra
este processo (primeiro autorização, depois utilização). Porém, os artistas tradicionais,
também vislumbraram o enorme potencial da nova mídia. Autorizar previamente, músicas de
trabalho na internet traz um retorno certo a um custo muito baixo. A o público da internet é
predominantemente formador de opinião, portanto o que circular por ela se propaga na
sociedade.

6 CONCLUSÃO

Com base no que foi exposto, ao longo deste trabalho, pode-se ressaltar que o
Direito Autoral passa pelo desafio da mudança de paradigma, vista como ameaça pelo uso
ilícito da tecnologia, por contrafatores.

Existe confusão, entre os usuários e autores em geral, do que venha a ser limitação
ao direito autoral e pirataria.

O direito de autor internacionalmente está voltado para a proteção à obra (musical),


seguindo as bases do copyright norte-americano. A música, no caso, é vista como mercadoria.

Na América do Norte, especificamente nos EUA, o copyright está sendo


reinterpretado, a partir dos próprios cidadãos, e utilizado-o a favor da renovação da produção
cultural, através das licenças públicas (copyleft e creative commons), que estão, assim,
recriando uma área de domínio público saudável.

As empresas gravadoras e distribuidoras de discos tradicionais tentaram, sem


sucesso, manter seus mercados, porém, a tecnologia mudou mais rapidamente que as medidas
adotadas por seus executivos.

O Sistema de Acordos TRIPS/WIPO tentou assegurar a comercialização da música


nos países-membros, mas tornaram-se os mesmos, pouco eficazes, diante de uma autorização
prévia de uso, pelo autor, da obra musical...
112

Existem, ainda, outras maneiras de remunerar o artista; maneiras estas que não
passam mais, necessariamente, pela antiga forma, tradicional, do monopólio controlado pela
indústria fonográfica, o qual fazia do autor uma mera peça no circuito produtivo da música
materializada, num suporte físico.

No novo paradigma, portanto, o artista é o centro da produção comercial da música.


Seus shows é que são valorizados, negociados cada vez mais, e remunerados pelo público.

As gravações musicais, embora de qualidade digital, passaram a ser uma mostra do


que os shows (mega-shows) podem oferecer ao público.

O sistema tradicional vê o novo sistema como uma ameaça, pois sempre esteve
baseado na continuidade do direito dada ao cessionário do direito patrimonial. O cessionário
que nada fez para criar a obra, pensa em multiplicar os lucros e usufruir da obra artística de
um autor que, muitas vezes, fica descapitalizado.

É certo que se deva defender os direitos do autor, porém, é necessário que essa
defesa proteja, no caso, o artista e não, apenas o cessionário. Muitas distorções ocorreram no
sistema tradicional, configurando verdadeira “falácia” o sucesso “instantâneo” e o
faturamento “milionário”, pelos músicos. Muitos artistas, entretanto, vivem regimes de
trabalho escravo, sempre a dever, mais e mais, para as gravadoras. Em alguns casos, outros
tantos nunca conseguirão obter divulgação de seus trabalhos ou, o alcance do grande público.

A globalização da tecnologia, no sistema atual, diante do novo paradigma que se


impõe, provocou o recuo da gravadora tradicionais A “multilateralidade” da internet, por sua
vez determinou a migração dessas indústrias tradicionais, para outras formas de relação com o
público, na área do audiovisual, como a realização e comercialização de “mega-shows” e
“tournês”, negociáveis com redes de televisão aberta ou televisão por assinatura e a confecção
de DVDs com tecnologia de última geração, buscando o patrocínio prévio por instituições de
caráter privado e governamental.

O ordenamento jurídico, fruto dos usos e costumes de uma sociedade, deve, por sua
vez, regular as soluções socioeconômicas criadas pelo mercado, em face da diversidade de
113

formas de realização da expressão da cultura implemantadas, incluindo a manifestação


musical que registra as passagens do imaginário da população.

No Brasil, a circulação de riquezas é bem mais restrita. Daí, o povo preferir a


contrafação e mesmo produtos piratas, à indústria legalizada, cuja prática de altos preços do
produto prejudica, inclusive ao autor-criador, conforme abordado no sub-item 3.5.1.

A legislação de proteção autoral é bastante restritiva, porém, o baixo


esclarecimento, quanto aos bens protegidos pelo direito autoral, também, inclina a nossa
população a fomentar a pirataria.

Diante do Substitutivo de Lei do Senador Eduardo Azeredo (que segue a política da


OMC), a repressão será maior à utilização de dispositivos digitais (mp3) e internet.

Acredita-se que o melhor sistema é a combinação do espírito da lei do Copyright


associado às licenças de utilização. Licenças, como a Creative Commons, permitem, via
acordo legal prévio e expresso, que uma obra seja acessada pelo usuário de maneira lícita.
Uma vez que a criatividade pode ser estimulada ... quanto mais obras licenciadas ao público
existirem, haverá maior variedade e diversidade nas obras derivadas que surgirão depois
delas. O criador de obras artísticas deverá informar-se bem de como operar as licenças
Creative Commons. Deverá analisar o que quer e o que não quer licenciar (disponibilizar ao
público), tal como ocorria na assinatura de contratos de cessão de direitos para as gravadoras
onde os advogados estudavam as cláusulas... Note-se que na licença Creative Commons, o
autor pode escolher uma licença do tipo não comercial (by-nc-nd; by-nc-sa; by-nc) e terá
sempre o direito de cobrar royalties da sua obra para apresentações em público, preservado.

No momento em que o público (consumidores) e artistas (produtores, músicos,


cantores), não obstante serem consumidores, também, entenderem o alcance benéfico do
modelo Creative Commons, passarão a adotar esta posição. Assim, quando a maioria dos
autores preferirem o modelo, as pessoas, enquanto sociedade, poderão usufruir da bagagem
cultural produzida pelos seus artistas.

Recomenda-se, então, que os artistas, advogados e especialistas, divulguem nas


Escolas de Ensino Fundamental e Médio, e demais Instituições culturais e de ensino, o real
114

sentido do que vem ser PROPRIEDADE INTELECTUAL, o DIREITO DO AUTOR e,


principalmente, o aspecto da metodologia destas Licenças (Copyleft e Creative Commons).
Dessa maneira, as crianças, que se tornarão adultos conscientes do processo, valorizaram a
criação autoral (própria e alheia). Saberão, eles, no contexto de suas existências, que a
PROPRIEDADE INTELECTUAL é inerente aos seres humanos. E o Direito Autoral estará,
assim, firmando a noção de “ser criativo”, não mais manipulável por qualquer “máfia”,
institucionalizada ou não (oficial ou criminosa).

Você também pode gostar