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.,

CÂNONE

O prPsPnte trabalho Í' o resultado de uma palestra que tive com o Maestro João B. Julião,
ar(ís uma aula no Curso de Espccializac;ão em Canto Or'~ônico. Descobrimos que é igual o nosso
modo dr pensar sôbre o tentét "Cfrnon<'.. Cremos que o "Cânone" é de grande utilidade para a
formaç·ão e o desem olvi111ento dr qualquer conjunto Yocal; que o repertório de "Cânones" impressos
'existrn trs entre rnís, ainda não corresponde i'is necessidades; que hú falta, especialmente de "Cânones"
para o uso nos estabelerirnf'ntos de ensino - desde o Jardim da Infância até ()S Cursos Superiores.

Srrn1irf' henÍ'fica {• a l'xecução ele "Cânones". tanto 110 início, quanto no meio ou no encer·
rmnento de urna aula de canto orfeôuico.

Dcsd<' a meninicr gosll'i d(' "\.ânm1esº', e, mais l;irde, como professor, sempre os Lenho ensinado
e di' ulgado . Ainda 11ão pude realizar um dos meus velhos sonhos, por falta de material suficiente:
publicar uma coleção d<' "Cfwo11C's'º escritos por autores nacionais. Aceitei por isso, a interessante
suges li'ío de .1. B. .Tu liã(l: d i ndg<ll' primeiro os ''Cânones" que me acompanharam há muitos anos,
q11asc lodos origin(1rius <k países de ling1ia g<'rmftni('a .

.'-ii1rgi11, porÍ'111, () prnlil<'r11a da lrnd1H:iio da:-- pal:1\ rns para o nosso idioma, que foi, segundo meu
rnodo clP vn, lwr11 resoh idu pelos distintos a111igos lraduton•s: SrLa. OdctLe Ferreira, Srs. Périclcs
;\forato HarlJOsa e \1. Prado - a í'·les mrn profundo agradecirncnlo. Por vúrias razões preferi uma
t rad u ~·i'ío li Hl', ccH1S<'n :rndo s<'>n wn !(' o scn lido do origina!, quando possível.

Df' origc•nt gr<"ga, 11 l<·r1110 "'\.frnorn•" traduzido para o portugui"s {• "regra" Porém, no reino
dos sons significa t1rrn1 furrtta musicul polifónica: u111a 111clodia que, antes de chegar ao fim, é repe-
tida sc111 modifical;ão ;ilg11n1a por urna ou v(1rias outras Yozes. Chama-se a11tecedente a melodia
proposta e conseqiiente a reprodução dessa melodia por outra \'OZ.

:\ distâ11l'ia P11tn· o início dc• 1u11a 'oz ao di> 011tra varia, llão indo 11ormalmcntc alrrn de pou-
cos compassos. \ lwleza do '·Cânonf'., depem!P, 11111ilas vezes, da maneira como inicia a sua entra-
'cla a rnz seguinte e da harmonia formada pelas <li\ er:sas vozes em conjunto.

10 Copyright 1955 1 y 1 RMÃOS YITALE, Edit0res - São Paulo - Rio de Janeiro - Brasil
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~

·,

() quC' caraderiza o "Cânone'' (· a exata rPpeti<;ão de uma melodia por outras vozPs. Difere
pois da irni la~·J.o quP rnnsiste cm repetir a melodia ou partes de uma melodia por outras vozes,
mas ('Olll liherdadC', modifieac;ôcs nwl<ídieas ou rítmicas.

Enlrr> as fonna:-; musicais o ··Cânon<'" (· u111:1 das mais antigas. .\ própria natureza estimula
a s11a fnr111 a<;i'to. l L'1 n·giões de cara<"lerísticas cs1wciais ondt' q ualquPr som <'mi tido P. repetido pela
prc'>pria, ria! tlf'('ZH - o ('cos. E\islrn1 lugares que produzem dois e at{• mais ecos.

\ 1mc<1 faltaralll ho111Pns qw· i111ilarn <' dcst>m u Assim surgiram •111 os efeitos da natureza.
111uitos tipos de "Cúnone" . O mnis divulgado e usado (· aquele ao qual pertencPm tamb{·m todos
os "C:úno1H·s" d<•sla pul>li('a<:ã(), qu<' 11111<1 llll'lodia (• n·pt'lida na 11wsma altura por outras vozes,
<'111

assi111 ('(Jlll<> faz o C('(ls: (· o "('.ti11n111'·· ao u11íssono. E\ist1•m inÚllll'l'OS n.emplos d(·ssc tipo nas corn-
posi<;<°>l'S '1wais e· insl l'lllll('Jtlais. \l1·11<"i()f10 de pnllll<1 s1'lme11l<' dois mod<•los: .1. S . Barh, so nata em
L(t \laiur pm"t 'iuli110 l' pinno (' u últi111t> lempll da conhecida sonata para YioJino e piano em Lú .!\Iaior
dt' e. l·'rank.

Quando a It')H'f Íl,'U1> (· f1·it;1 1111m intervnlu de oi lava inferior ou sup<'rior. fala-se de "Cânone"
a oÍt<n-a supc•rÍllI ou i11Í<'IÍtlf'. seguinte minueto do quarLelo de curdas
<) <'Ili Hf· :\fonor de .Josef
lfo~dn (• 1rn1 mn<lt'lo d(• "CCtll•>rw" à oitaYa i11ferior.

vrou;-.;os l\ l1'.'.º

VIOLA 1
CELO
-
1

--

..J--- -+-O ~ J ta ~ ~ 1 r r ~ ~ 1

--./

etc

#* ... ..,, .... ...__,

€!)1' .• 1·:-"::!-.~ !<t55 ~ly lJ.:.:)i.n::: \"IT.\LE-Eri.•ôre~-S;'in Paulo-Rio de Janeiro-Bra,,il 40-o


To•:,.~ t~ ·L re i~·H a t.tr "..;.!• ;e<~ r·: ;tc'. s rara todos"~ pa[;;es-All Rights Reserved
"

'
Quando a melodia é repetida pela segunda voz num intervalo dF quinta inferior ou superior, temos
o ··Cânone" à quinta inferior ou superior. O seguinte exemplo de Orlando de Lassus do moteto "Ex-
pa.91ci manus meas'' é um "Cânone" à qui~ta superior.

Andante

~d'~ o
'§? F ~F f 1 ;·r r~rr· J r 1 ~~ ; QJ ~ ~~ 1

'
~~ ~ j J J~
1 1~ J J
i; !:j =" 2 1 ~ r· º r ~ r 1 F· · r~r > r· j
·nr

•~d' ;. J r r J #f l l- r J ~ ~_J etc.

Quando a segunda voz começa num intervalo de sexta inferior ou superior em relação a primeira
voz, surge o "Cânone" a sexta inferior ou superior. Das variações Goldberg de J. S. Bach é o seguir:!
a
te exemplo de "Cânone" sexta superior

Con moto

-ll 11 " d~· Jr;T;..Q d~ ·1i:i 1;. J:-;TrJ. .Q Jr;i

r ç_=ocuy r ·- 1; f. ffS-S) ü iÁ r
~~ ~.Y---.lJ.cl~
1 ª
1~1 J
1
~~~~lJ)J--~
1

~~ ~~- ~ J7T~- Jn& ~- #n Jfil?J j~ ;; jril .J~



j ele:

Da mesma maneira póde-se formar "Cânones" a qualquer outro intervalo. Raros são os asegunda
oi.: sétin:a superior ou inferior.

40-o

1
6

·,
Outra espécie é aquela em que o consequente responde ao antecedente em valores maiores ou menq
r('s. O moteto op. ::!9 n'! 2 de J. Brahms é um "Cânone por aumento."

,,~~ ll i~· r~ 1~ ,~ 1~ t~
1 1
- 1
'
~ ~ã 1~
1 !fl 1
' '
1 1

1 1
1

!
1 1

. _J 1d
~ # ff ~.
\?· 1'. 1 -~: ~: 1~·
~; ~ 1o Iª~
~

--------- 1

-«>
'"'7
1
~.J r
etc.
.J--.Q.

O seguinte exemplo dos 24 "Cânones e Fugas" de A. Klengel é um "Cânone" por aumento e por
diminuição ao mesmo tempo.

SI

L...
.....
' i
--..,__

....r--_- \
i

etc.

40- 0
" 7

'
Outra espécie é o "Cânone'' por movimento contrário, isto é: intervalos descendentes são r es-
,.u.idos por intervalos da mesma distância mas ascendentes e vice-versa. Vejam-se os dois seguin-
r:s; exemplos: 1) J. S . Bach, das Yariações Goldberg .

Allegr etto moderato

....-J

~)Dueto op.66nº1 de J. Brahms.

c4/ 4-r #~ g;a~~ e~ ~ rl l


-' t:::: d
W L :::1 i::::=......:
de ,

40-o
8

Outra espécie é o "Cânone por movimento retrógrado;'também conhecido com a denominaçào"Câ-


none carangueijo"'- cujo exemplo abaixo é de M. Clementi, do"Gradus ad Parnassum" op. 54:

Tema cancrizans T cancr.

J '' ~ ~r; J~~~


_.,.... - __ ".:' -4"-
.J

Temos ainda o "Cânone modulante". O antecedente é respondido pelo consequente numa outra to-
nalidade, quase st>mpre próxima. O exemplo seguinte é o "Kyrie" da missa em Lá Maior deJ. S. Bach.

Soprano 1
Contralto 1

Tenor 1
Baixo 1

I p-
J I ~~~~ . i

40-o
. •www:~•"
... '~" .. r-
1

Quand6 duas vozes, fo'rmando um du eto, são respondidas por outras duas vozes, temos o "Cânone
pio''. O seguinte exemplo, do côro feminino á quatro vozes de R. Schumann, op. 69, n'.l 6, é um"C~
t>ne d1;plo 1', à quarta inferior.

Devagar
11'?
OPR . l ?O

CO:\TR.1~:~.

etc.

A s vezes o compositor não menciona claramente de que espécie é o"Cânone'', nem indica o lugar
onde princip ia o consequente, o executante deve procurar a decifração: é o "Cànoneen igmático: ' Ano-
tamos um exemplo dessa espécie, o "Cânone" a quatro vozes de J. S. Bach.(1713)

!ir ;:J 1rp; ê~ :i rrPlíl ri 1F" DE rrr1ff Eetr rJ 1 etc

R.esulu.çào transcrita para duas pautas:

í"'

40-o
10

·,
Cânone a 4. Dédié a ~Ionsieur Houdemann et composé par J. S.l3ach.(1?27)
Outro exemplo para decifrar.

...
ll 9

~ ~
f"
F

- \
:\os interessados dêsse assunto recorrwndamos o estudo do "Oferendum musical" e dos "Câno-
nes" - per augmentationem in motu contrúrio - all'ottava - alia décima - alia duodécima - da "Arte
da Fuga" de J. S. Bach.

Quase sempre o "Cànone" {· anotàdo simplesmt'l'te a uma voz e acompanhado por sinais, os
- quais indicam o lugar ondP drvr começar a cantar cada voz seguinte. Neste trabalho o sinal ado-
tado para indicar o início das vozes é um asterisco.

Para compreender bem o conjunto das din•rsas vozes de um ''Cânone", convém escrevê-lo em
forrna de partitura, assim corno os números l l, 16 e 35 dêste.
:......
Os "Cânones" executam-se normalmente assim como estão escritos: cada voz canta a sua res-
pectiva parte; o antecedente principiando sozinho e também terminando primeiro.

Entretanto, bastante divulgada {• a seguinte maneira: todas as vozes cantam uma vez uníssono
a melodia inteira, como se fosse uma preparac;ão ou introdução, e recomeçam em seguida a melo-
dia em forma de Cânone da maneira acima descrita.

Quando o '"Cânonc·· {, de poucos compassos. é quase sempre repetido várias vezes.

Ap6s a melodia ser repetida YÚrias nzes, todas as vozes poderiam terminar em conjunto na
cadr11cia mais ronclusin1 do "Cânone". Indiquei nesta coleção o lugar dessa terminação com uma
frrruata (~ ), a qual nesta colcção somente aponta o lugar de um fim possível em conjunto .

.\1artin Brnunwieser

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