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13/10/13 SOL

Quando havia Setembro

3 de Setembro, 2013por Inês Pedrosa

Num outrora não muito antigo, as crianças e os jovens tinham


três meses de férias. A escola acabava no fim de Junho e
recomeçava nos primeiros dias de Outubro.

Setembro era o grande mês da aventura e da preparação para a


vida nova, sinalizada pelo tapete amarelo das folhas das árvores
que fazia crepitar os nossos passos. Nos nove meses de aulas
não aprendíamos menos do que nos quase onze meses actuais;
antes pelo contrário, porque as férias grandes nos ensinavam a
apreciar o tempo. A vida endurece quando a liberdade é
escassa, medida a conta-gotas, continuamente interrompida. O
entendimento do mundo exige essa heresia da época
contemporânea: tempo livre.

No fim de Agosto, a angústia distorce as vozes dos jovens: já


não são capazes de entrar no mar descontraidamente, porque
os dias descansados estão a acabar. Um diz que tem vontade
de ficar em casa para ‘pelo menos poder não fazer nada’
durante os primeiros dias de Setembro, contados ao milímetro
como a felicidade derradeira. Outra reclama com os pais que
encomendaram tardiamente os livros, com medo de ficar para
trás em relação aos colegas. Um terceiro suspira diante do
muito que terá de estudar este ano, para conseguir a bolsa em
que concentra a esperança de um país estrangeiro onde o rosto
do futuro se veja.

O ritmo da competição ergue-se sobre o marulhar das ondas,


abafando-o. Quando nenhum destes meninos ansiosos existir
sobre a Terra, as ondas continuarão ali. Quando havia
Setembro, os mais novos respiravam e riam, brincavam e liam
sem pensar em nada. É preciso não ter de pensar em nada para
poder pensar em tudo.

Um dia alguém inventará um ensino que estimule o gosto pelo


saber e os talentos de cada indivíduo. Não entendo por que
razão todos hão-de aprender português e matemática até tão
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tarde, quando hoje é tão fácil perceber quais são os que têm o
dom da língua e quais são os destinados a raciocinar através
dos números. Adia-se cada vez mais a entrada no conhecimento
específico para o qual cada um é vocacionado, o que aliás é
contraditório com a civilização de especialistas em que
apostamos. Formatamos as cabeças dos nossos descendentes
para o terror do falhanço, esquecendo que o terror paralisa. É
tão óbvio que este sistema de ensino está todo errado: promove
o conformismo da resposta imediata, confunde
responsabilidade e obediência, desenvolve a apatia e a manha,
embota os sentimentos que desencadeiam a reflexão, amplia o
medo medonho e abstracto.

Estamos a criar gerações de corredores sem chão,


automatizados e assustados. O sonho do tempo infinito é
substituído pelo regresso à batalha inglória. Os noticiários
preen- chem-se com as ‘universidades de Verão’ partidárias,
fugazes como foguetes, que apenas servem para demonstrar
que o poder pertencerá aos videirinhos mais adestrados.
Podíamos pelo menos resgatar o Setembro de que a juventude
necessita para encontrar a força específica da sua respiração.
Livremente.

inespedrosa.sol@gmail.com

Tags: Fora de Órbita, Opinião, Inês Pedrosa

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