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“Chamam-se virtudes todos os hábitos constantes que levam o homem para o bem, quer como

indivíduo, quer como espécie, quer pessoalmente, quer coletivamente.


É esse o conceito de virtude (de vir, homem). É a potência racional que inclina o homem à prática de
operações honestas, tendentes para o bem.
Pode-se, assim, falar de virtudes morais e virtudes intelectuais. As que tendem para o bem honesto são
morais, as que tendem para a verdade são as intelectuais. A caridade é uma virtude moral. As virtudes
intelectuais, também chamadas especulativas, são a sabedoria, a ciência, etc.”
VIRTUDES CARDEAIS
“A palavra cardeal vem de cardo, cardinis, que, em latim, significa gonzo, em torno do qual gira a
porta. As virtude cardeais são as virtudes fundamentais em torno das quais gira o ser humano. Toda
virtude é uma capacidade ou aptidão para levar avante ações adequadas ao homem. Entre as virtudes
adquiridas pelo homem, estabelecem-se quatro, que são fundamentais, ou capitais, às quais estão
subordinadas outras, que são acessórias, ou subordinadas. Desde a antiguidade, classificou-se como
virtudes cardeais: a prudência, a justiça, a fortaleza e a temperança.
A prudência é aquela virtude que permite ao entendimento reflexionar sobre os meios conducentes a
um fim racional. A prudência manifesta-se, assim, de vários modos. É uma virtude intelectual. Por si
só ela não é realizadora de atos morais, mas, por facilitar a escolha, ela pode guiar a vontade, a fim de
que esta se dirija, após a seleção feita pelo entendimento, para aqueles fins mais benéficos ao homem.
Há uma prudência (sapiência) para conduzir a si mesmo e para conduzir os outros. A prudência exige:
reflexão, capacidade atencional, para examinar os juízos e as idéias, e acuidade, para descobrir os
meios mais hábeis. Exige, ademais, inteligência, capacidade de resolver com clareza e segurança, de
modo a alcançar as melhores soluções.
A segunda virtude é a fortaleza ou valentia. Consiste esta na capacidade de enfrentar os perigos que
se oferecem à obtenção dos bens mais elevados, e entre estes perigos, os males e a morte. Chama-se
heroísmo a fortaleza quando enfrenta até a morte. Medo é o estado emocional que detém o ser humano
ante o perigo. A fortaleza é uma vitória sobre o medo. A audácia é um desafio ao risco e à morte, indo-
lhes ao encontro. É ela uma virtude, quando refreada. Os meios de fortalecimento da fortaleza são o
exercício, que consiste em enfrentar os riscos e a perseveração na obtenção dos fins. Como as virtudes
cardeais conjugam-se, a fortaleza recebe apoio e equilíbrio da prudência, pois, pelo saber, pode o
homem empregar esta virtude em termos que lhe sejam mais benéficos possíveis.
A paciência é uma virtude subordinada à fortaleza, e consiste na capacidade constante de suportar as
adversidades. Também o é, a generosidade, que é aquela virtude que se caracteriza pela energia e
decisão no ataque do homem de brio e de valentia, sobretudo quando ele enfrenta a morte. São ainda
virtudes afins à fortaleza, a confiança na sua capacidade de enfrentar os riscos, a munificência, que
constitui a pronta decisão de sacrificar seus próprios bens para atingir fins elevados, a tenacidade, que
é a disposição firme de enfrentar os obstáculos exteriores, e a constância, que é saber manter-se firme
ante os obstáculos interiores.
A terceira virtude cardeal é a temperança. Esta consiste em aperfeiçoar, constantemente, a potência
petitiva, sensitiva, de modo a conter o prazer sensitivo dentro dos limites estabelecidos da sã razão.
Assim, a moderação é a temperança no comer, a sobriedade, no beber, a castidade, no prazer sexual.
Há virtudes outras auxiliares da temperança, como seja o decoro no modo de vestir e proceder, e o
sentimento de honra, a humildade, que é a moderação na tendência a salientar-se, a mansidão, que é a
temperança em refrear a ira, a clemência, que se manifesta na indulgência ao castigar, e a modéstia,
que é a temperança nas manifestações exteriores.
A quarta é a justiça. Consiste ela na atribuição, na equidade, no considerar e respeitar o direito e o
valor que são devidos a alguém ou a alguma coisa.
O domínio da justiça permite o equilíbrio da moderação, da temperança, da fortaleza e da própria
prudência. Essas quatro virtudes cardeais, que lhes são acessórias, ou subordinadas, nos limites
marcados pela interatuação de umas sobre as outras, permitem formar o homem dentro dos mais altos
valores. São assim as virtudes cardeais fundamentais, não só para a ordem social, como para a pessoal,
pois não pode haver homens sãos nem sociedades sãs, onde a prudência, a justiça, a fortaleza e a
temperança não estejam presentes. Todo trabalho pedagógico tem de se fundamentar, primacialmente,
na preparação de seres humanos para que adquiram, pelos meios mais aptos e eficientes, estas quatro
virtudes, infelizmente tão pouco estudadas pelos modernos, que as esquecem e não lhes dão o valor
que elas realmente têm.
Distinguem-se as virtudes cardeais das virtudes teologais, no seguinte: as primeiras são adquiridas e
fortalecidas pelo hábito; as segundas, ou nascemos com elas ou não, porque nem a fé, nem a esperança,
nem a caridade as obtemos pelo exercício dos hábitos, mas, ou elas moram em nós mesmos, ou não
moram.”
VIRTUDES TEOLOGAIS
“Assim como há virtudes cardeais, adquiridas pelo hábito constante, há virtudes que nos parecem
espontâneas, que não são produtos de um hábito humano, como sejam a fé, a esperança e a caridade.
Na Ética religiosa, essas três virtudes são chamadas de teologais, porque não são elas produtos de um
hábito, pois o homem não as adquire através do seu próprio esforço.
A fé é o assentimento do intelecto que crê, com constância e certeza, em alguma coisa. A prudência,
podemos adquiri-la, a pouco a pouco, como podemos adquirir a fortaleza e alcançar, pelo nosso
esforço, a justiça e a moderação, mas, para crer com constância e certeza em alguma coisa, não basta
o nosso querer, é preciso que esse assentimento do nosso intelecto se dê espontaneamente. Ninguém
gesta dentro de si a fé; ou a tem, ou não. Ou com ela nascemos, ou subitamente ela aflora em nós, sem
necessidade de termos dirigido para ela, conscientemente, qualquer de nossos esforços.
A esperança é a expectação de algo superior e perfeito. Tem esperança aquele que aguarda algo de
maior, de melhor, de mais perfeito, que venha a suceder.
A esperança não é o produto de nossa vontade, mas de uma espontaneidade, cujas raízes nos escapam,
porque não é ela genuinamente uma manifestação do homem, mas algo que se manifesta pelo homem,
porque não encontramos na estrutura da nossa vida biológica, nem da nossa vida intelectual, uma razão
que a explique.
A caridade é a mãe de todas as virtudes como diziam os antigos, e diziam-no com razão; é a raiz de
todas as virtudes, porque ela é a bondade suprema para consigo mesmo, para com os outros, para com
o Ser Infinito. A caridade, assim, supera a nossa natureza, porque, graças a ela, o homem avança além
de si mesmo, além das suas exigências biológicas. É essa a razão porque, na Religião, essas três
virtudes, que Cristo nos apontou, são consideradas como vindas de uma raiz mais longínqua.
A palavra de Cristo é clara. A fé, a esperança e a caridade são aquelas virtudes pelas quais o homem
supera a si mesmo, pelas quais o homem tange a suprema perfeição. Todas as tentativas de explicar
essas virtudes, com origem nos fatores emergentes e predisponentes, malograram até aqui. Elas não
são o produto de uma prática, porque pode o homem praticar a caridade, sem tê-la no coração; pode o
homem exibir uma crença firme, sem alimentá-la no seu âmago; pode o homem tentar revelar aos
outros que é animado pela esperança, sem ressoar ela em sua consciência. Assim, podem praticar-se
atos de fé, atos de esperança e atos de caridade, e estar-se ainda muito distante dessas três virtudes.
Não basta desejar adquiri-las; é preciso tê-las. A ciência é um hábito, como um hábito são também as
outras virtudes, mas, sem a presença dessas três, aquelas esmaecem e se apagam. O verdadeiro homem
religioso e virtuoso afana-se em adquirir as virtudes cardeais, mas humildemente espera que nele se
fortaleçam as três virtudes teologais.
E nesta humilde espera está em grande parte a sua grandeza.”
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Santos, Mário Ferreira. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. São Paulo: Ed. Matese, 1963.
Vols 1,4. (págs 1271-1272: “Virtude” e “Virtudes Teologais”; págs 233-235: “Cardiais”).

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