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No ciberespaço existe um descompasso entre o corpo e a

mente pela velocidade das trocas de informação

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por Aldo de Albuquerque Barreto

A crise inicial da ciência da informação, senão resolvida, foi bastante minorada pelo
Computador por volta de 1980. A atual crise que nos cerca é mais profunda, pois, nestes quase
50 anos que se passaram, desde o artigo de Vannevar Bush, "As we may Think," no "Atlantic
Post" muitas pessoas não acompanharam a mudança radical dos modelos relacionados à
tecnologia da informação.

As modificações no formato e velocidade de acesso à informação ocorrida durante os últimos


anos reorganizaram todas as atividades a ela associadas. A sociedade sempre foi afetada pelas
transformações da tecnologia em um prazo mais longo. Aqueles que convivem mais perto
destas alterações enfrentam uma maior carga das consequências sociais e físicas e uma
enorme ansiedade tecnológica.

A chegada da sociedade eletrônica modificou a delimitação de tempo e espaço da informação.


A importância do instrumental destas tecnologias forneceu infraestrutura para modificações,
sem retorno, das relações dos textos com seus receptores. As transformações associadas à
interatividade e interconectividade indicam estas modificações:

(a) interatividade ou interatuação multitemporal representa a possibilidade de acesso em


tempo real à informação em múltiplas formas de interação entre o usuário e uma estrutura da
informação. A interatividade modifica o fluxo: usuário - tempo - informação pelo imediatismo
do acesso online.

(b) A interconectividade reposiciona a relação do usuário com o espaço onde está a


informação; opera uma mudança estrutural no fluxo de informação que o torna
multiorientado. Quando a velocidade online se acerca do infinito o tempo de acesso se
aproxima de zero e os espaços se desterritorializam, perdem seus limites; a interconectividade
dá ao indivíduo a condição de contiguidade universal, onde a vizinhança é determinada pelo
deslocamento de um espaço de informação para outro no tempo de comutação eletrônica.

Estas mudanças são as que permanecerão pelas modificações vindas das técnicas intensas que
mexem com o tempo, espaço, geradores e receptores de informação e trazem consigo um
descompasso entre o corpo e a mente na velocidade das trocas de informação.

"Das ilusões do mundo, da carne e do demônio”, diz o celebrante, e a congregação responde,


livrai-nos, Senhor - na reza da ladainha de Santo Antônio Eremita. "The World, the Flesh & the
Devil" é também o título de um ensaio escrito em 1929 pelo físico britânico John Desmond
Bernal sobre o futuro da humanidade. Uma investigação sobre os três inimigos da alma
racional é o subtítulo do texto. Por coincidência ou propositalmente Bernal, conhecido como
"the Sage", participou na Inglaterra da fundação da ciência da informação.

No seu ensaio Bernal apresenta o progresso tecnológico como um fator de dominação do


homem pelo homem, um veículo de transformação da sociedade e do próprio conceito de
humano. Reporta o fato da velocidade de disponibilidade da informação acelerar o
desenvolvimento da mente em descompasso com o desenvolvimento físico do corpo em sua
fragilidade progressiva.

Também, o padre Teilhard de Chardin tratou deste assunto em 1950 em seu livro "O
Fenômeno Humano", e colocou a ideia de que a evolução da humanidade caminhava para um
aumento inevitável de complexidade da mente humana, pela convivência dos homens com o
volume e a rapidez na troca de informações. Assim é que o padre indicava, em seu livro, uma a
biosfera, a esfera biológica da vida terrestre, dando origem a uma noosfera, literalmente, uma
esfera do pensamento e conhecimento humano.

Bem mais tarde em 1993, Vernor Vinge, doutor em Matemática, defendeu a ideia de que em
algum momento, entre 2005 e 2030, haveria um grande salto tecnológico tornando a espécie
humana obsoleta. Esta mudança seria em numa escala tão radical, que nossos cérebros seriam
incapazes de produzir hoje uma teoria coerente sobre o que aconteceria depois desse evento.
O acontecimento batizado de Singularidade tem analogia com as singularidades da Física, uma
região do espaço-tempo, na qual as leis da ciência cessam de existir e a curvatura do espaço se
torna infinita.

O Dr. Vinge explica em ensaio apresentado a NASA em 1993: "dentro de trinta anos, teremos
os meios tecnológicos para criar uma inteligência sobre-humana. Pouco depois disso, a era da
humanidade chegará ao fim. O que falta para o domínio total de uma inteligência artificial é
uma questão de hardware que já está em desenvolvimento.”.

Na verdade o desenvolvimento das tecnologias a velocidade e modalidade de nosso acesso à


informação modificam nossa sensibilidade e nossa competência cognitiva. A mente se exercita
e avança mais rápido nas relações com o tempo, enquanto o corpo inflexivelmente decai. Esta
é uma desarmonia não resolvida pelo sonho tecnológico de um futuro que vai cada vez mais
depressa.

Texto de Aldo de Albuquerque Barreto, revisto do já já publicado em dezembro de 2005 pelo


DataGramaZero em Colunas.
A Sigularidade de Vinge - o relatório à Nasa
http://www.ugcs.caltech.edu/~phoenix/vinge/vinge-sing.html

The World, the Flesh & the Devil : o artigo completo de Bernal:
http://www.santafe.edu/~shalizi/Bernal
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