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07/04/2018 Cobra Kai vs Karate Kid: Todo mundo é o herói das próprias narrativas – PapodeHomem

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Cobra Kai vs Karate Kid: Todo


mundo é o herói das próprias
narrativas
O que a mudança de protagonismo no spin-off de Karate Kid
tem a ensinar sobre nós?
Todo mundo lembra do Karatê Kid, né?

Não, não aquele de 2010, com o Jack Chan. Me refiro ao Karate Kid de verdade, de
1984, com o Ralph Macchio e o William Zabka. Com o Pat Morita como Mestre
Miyagi. E o mais importante: com dublagem da Sessão da Tarde.

Bem, talvez eu esteja velho demais e você não lembre por que não é da época que a
gente assistia tudo que passava na Sessão da Tarde durante as férias. Aliás, bem
provável que não lembre, dada a faixa etária que está na internet e tem tempo pra
ler textos como esse. 

Mas, parando um pouco de lamentar a idade e voltando ao assunto, Karate Kid foi
esse filme velho que fez a cabeça de toda uma geração. Garoto meio nerd e magrelo,
se muda com a mãe pra outra cidade contra a vontade, toma uma pisa de uns
moleques ricos e bonitões da vizinhança, conhece um professor de artes marciais
que o ensina os segredos pra controlar as próprias emoções e, de quebra, também
encher de porrada os fortões em um torneio. Uma bela volta por cima.
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Quem nunca se emocionou com a montagem de treinamento do Daniel San,
equilibrando-se num toco na praia, enquanto o sol se põe e a trilha sonora de Bill
Conti come solta? Coisa linda.

A história do filme é sensível, comovente. Mas de uns anos pra cá, uma controvérsia
começou a surgir.

A primeira vez que me atentei a isso foi graças a um episódio de How I Met Your
Mother, no qual o Barney Stinson cita que é fã do Karate Kid. Todo mundo pensa que
ele está falando do Daniel San, personagem de Ralph Macchio. Mas não, quem ele
diz que é o verdadeiro Karate Kid é o William Zabka, que interpretou Johnny
Lawrence, o aluno da escola Cobra Kai e antagonista de Daniel San.

Segundo o Barney, Daniel San era desonesto e venceu o torneio com um movimento
ilegal (aparentemente é um golpe de Kung Fu, não de Karate, mas eu não sou
nenhum especialista). Por isso, ele era fã do herói injustiçado Johnny Lawrence, o
cara que realmente treinou e se preparou para o torneio, sendo vencido apenas por
uma trapaça.

Achei a teoria bem interessante e nunca tinha me atentado ao fato. 

Não sei se por acaso ou por fruto dos algoritmos que tudo sabem e tudo manipulam,
esbarrei alguns meses atrás com um vídeo sensacional, o qual mandei também pra
vários amigos, só pra ter assunto na mesa de bar.

O tal vídeo era um ensaio que defendia Johnny Lawrence e mostrava como o
verdadeiro bully era, na verdade, Daniel San.

Vou embedar aqui o vídeo, mas como está em inglês e estou sem tempo pra
efetivamente legendá-lo, vou fazer um resumo pra gente seguir a conversa.

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Link Youtube

O que ele diz é que Daniel San é um sociopata, claramente desequilibrado, que se
muda pra cidade, começa a atormentar Johnny Lawrence e seus amigos, dá em cima
da sua ex-namorada, puxa briga constantemente, na frente de todo mundo, além de
provocar e induzir em diferentes situações a intervenção de Johnny Lawrence por
meio da força física. 

Ele pinta Johnny Lawrence como um ex-garoto problemático que agora está
tentando mudar e seguir em uma direção mais positiva.

Genial!

A partir daí, temos a intervenção do Sr. Miyagi, o torneio, o tal golpe ilegal e uma
redenção por parte de Johnny Lawrence que humildemente e, no maior espírito
esportivo, faz questão de entregar o troféu nas mãos do adversário, enquanto
Daniel San regozija em pura maldade manipuladora.

O vídeo "Daniel é o verdadeiro bully" é de J. Matthew Turner, que faz ensaios sobre


filmes em um tom irônico, levemente sarcástico e, provavelmente, não era pra ser
levado à sério. Mas não é assim que a internet funciona.

Ele até chegou a fazer um outro vídeo respondendo os comentários, já que a coisa
saiu um pouco de controle. Porém, como ele usa ainda mais ironia, isso dificulta um
pouco o entendimento do que ele realmente queria dizer. Mas, na verdade, a essa
altura já não importa muito. 

As pessoas já compraram essa versão dos fatos e ressignificaram toda a história.

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Agora, dois anos depois, o Youtube (talvez motivado pelo sucesso do tal vídeo, que já
tem quase 8 milhões de views), decidiu aproveitar a subversão do roteiro do filme
pra criar uma série spin-off baseada em Karate Kid, dando fruição a essa visão.

Cobra Kai conta a história de Johnny Lawrence depois de todos esses anos,
tentando se reerguer, abrindo de volta sua velha academia de Karate, enquanto
mostra Daniel como um cara meio cuzão e ainda obcecado.

Link Youtube | Esse trailer é demais!

Você já deve ter percebido que eu fiquei fascinado por tudo isso. Então, decidi
reassistir o filme para sair da guerra de narrativas e ver a situação toda com os meus
próprios olhos.

Lá vai meu veredito.

Bem, honestamente, me pareceu forçar muito a barra olhar pro filme com essa
narrativa. É preciso omitir muita coisa pra transformar Johnny Lawrence em um
herói. A verdade é que ele comete atos bem condenáveis e até perigosos que
poderiam ter dado muito errado, se não fosse um filme pra crianças. ;)

Mas se é pra lançar um olhar mais adulto, Daniel San de fato é bem desequilibrado
emocionalmente, como o adolescente meio inconformado com a própria situação 4/6
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financeira e familiar que ele é. Há algumas situações no filme nas quais ele, no
mínimo, é inconsequente e coloca a si mesmo e aos outros em risco desnecessário.
Além disso, em diversos pontos ele dá vazão à própria raiva agredindo, quebrando
coisas, mentindo e até expressa uma certa invejinha e o seu desejo de vingança de
maneira clara.

Porém, se seguirmos esse mesmo processo e projetarmos a fala de Johnny


Lawrence, no começo da história, quando ele explicitamente declara suas intenções,
afirmando que quer consertar as coisas, podemos até presumir que muito de suas
ações foram por puro medo e territorialismo, para não perder o respeito e
admiração do grupo e, principalmente, da ex-namorada.

Nem o Sr. Miyagi escaparia ileso dos julgamentos, já que abusa do trabalho de um
menor e até oferece bebida alcoólica a ele em um certo ponto do filme.

Bem, eram outros tempos.

Fiz todo esse discurso por que achei incrível observar o processo inteiro.

Se tem alguma coisa que dá pra aprender com tudo isso é: as narrativas importam e
muito. 

Essa situação, na qual de repente as pessoas escolhem times e resolvem defender


seus pontos de vista, sem receio de omitir detalhes ou mesmo fatos gritantes,
lembra muito um certo padrão que vemos se repetir a torto e a direito pela internet
e pela vida.

Basta observar, nós fazemos isso o tempo inteiro: contamos para nós as versões
onde somos os heróis. Somos vítimas quando nos sentimos injustiçados. Somos
heróis falhos quando cometemos enganos. Mas raramente somos os vilões. Mesmo
quando admitimos nossos erros, raramente reconhecemos estar mal intencionados.

É muito legal observar essa linha entre quem é o bonzinho e o malzinho da história
ficar cada vez mais difusa. Ninguém é 100% herói, nem 100% vilão. A gente tem
muitas qualidades e comete muitos atos de bondade, mas não conheço alguém
que está imune a ser cuzão com uma frequência bem maior do que se admitiria em
voz alta.
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Daniel San, por exemplo, se tivesse desde o começo a força e o poder pra obter
sucesso em confrontos violentos, talvez tivesse descido o sarrafo no Johnny sem a
menor pena. E pode ser que Johnny, sem a influência do seu professor e todo o medo
de perder seu status, nem precisasse ou quisesse entrar em conflito com um garoto
muito menor e mais fraco. Mas isso, de novo, é especulação.

Karate Kid é só um filme que conta a história de uma briga de garotos. Porém, não
dá pra negar que podemos tirar um monte de lições interessantes, já que as
motivações por trás dessas implicâncias e a maneira esquentada de agir se mantém
pra muito além da adolescência.

Na vida real, no entanto, os fatos só acontecem uma vez e homens crescidos


precisam lidar com as consequências dos seus atos.

O resto é a gente tentando reescrever a história.

Luciano Andolini
Cantor, guitarrista, compositor e editor do
PapodeHomem nas horas vagas. Você pode ouvir
no Spotify. Também escreve no Medium e em seu
blog pessoal. Quer ser seu amigo no Facebook e
Instagram.

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