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Aquilo que cada um pode fazer, aquilo que cada

um nasceu para fazer.

Havia poeira no ar, pela primeira vez em anos eu sentia as pedras da


janela de minha torre nas mãos e me dei conta que meus punhos estavam
cerrados.

Abaixo de minha janela a multidão ainda se reunia, eu me perguntava


como aquele filho da mãe havia me visto e ao mesmo tempo, a visão do exército
gnoll em toda a sua extensão, me fez refletir sobre uma decisão tomada a muito
tempo, uma decisão que começava a pesar em meu coração.

Olhei para um dos lados da muralha de Brascol e pude ver quando ela
ruía por completo, como as esperanças de muitos ali dentro, também vi a mão
de Rax segurando sem nenhum esforço, um dos ombros de Carion.

A população sentiu o golpe na muralha, pude ver muitos rostos se


contorcerem em uma careta de dor e medo, um cordão de isolamento foi feito
pelas forças de patrulhamento e pelo exército, tentavam em conjunto manter o
povo organizado.

A tentativa era vã, cada golpe na muralha a Oeste era sentido pelo povo, Commented [JCK1]: Verificar a direção no livro I do
primeiro dano na muralha.
cada pedra que caia, era na verdade um golpe dado não apenas no orgulho do
povo, mas em sua parca esperança de sobreviver, mas ainda havia esperança.

O acampamento gnoll entrou em estase e seus gritos alcançaram os céus,


quando seu exército começou a marchar entre os escombros daquela rachadura
em uma muralha, parecendo uma torrente escura de águas fétidas correndo
diretamente por um novo canal, destruindo tudo a sua frente.

Para descrever melhor, poderia dizer que a muralha parecia gravemente


ferida, e que uma quantidade gigantesca de coisas ruins, fluíram para dentro
dela, como um fluxo de sangue amaldiçoado, podre, antigo.

Somente nessa hora me dei conta do que realmente acontecia, do que


estava invadindo Brascol, mais uma vez a cidade humana, estava sendo testada
e seria o primeiro foco de resistência de toda Adamus.
Instintivamente levei minha mão a cintura e senti o toque frio do cabo de
minha espada, minha mão já havia sacado a lamina até a metade dela, um
reflexo de anos e anos lutando, mas essa não era mais minha função... me
perguntava o que eu poderia fazer, ou o que eu deveria fazer.

Minhas mãos saíram do cabo de minha espada e de sua bainha, a lei


havia sido decretada a muito tempo... quase estava coberta de poeira em minha
mente, eram criaturas do próprio planeta, mesmo que controladas, elas tinham
opção, não deveríamos interferir... Era a lei.

Cerrei meus punhos e desferi um forte soco contra a escrivaninha que


havia em frente à minha janela, vi meus pergaminhos e penas voarem... meu
coração se encheu de certeza nesse momento, eu sabia o que deveria fazer.

Pulei de minha janela e corri por cima da muralha, abaixo de mim,


ignorando meus atos, estava uma população assustada, mas aqui e ali por entre
a população eu consegui ver algo em seus olhos, uma pequena fagulha
brilhante.

Rax havia feito um bom trabalho, apesar de ser quem era, uma faísca
tinha sido acessa a vontade de resistência havia sido instalada. E isso havia de
queimar como palha seca molhada em álcool em meio ao sol do deserto.

Ao chegar no local onde Rax e Carion estavam, pude escutar o diálogo


dos dois, forte, acirrado e cheio de emoções:

- Me solte, eu preciso ir ajudar onde a muralha foi rompida. Dizia Carion


tentando se desvencilhar da mão do mago esmeralda.

- É claro seu imbecil, vá para lá e deixe essa parte desprotegido,


sinceramente, me pergunto as vezes como vocês conseguem viver tanto.

Carion parou ao som daquelas palavras do mago, ele parecia surpreso.

- Nosso tempo de vida é o menor entre todos os seres desse planeta, Rax.

- Eu sei, mas agindo como idiotas todas as vezes que são atacados,
querendo fazer tudo ao mesmo tempo e não pensando... querendo abraçar o
mundo com as pernas como dizia minha mãe... mesmo 10 anos de vida seriam
muito, vivendo assim.

Carion parou por um instante, no fundo ele sabia que de nada adiantaria
correr para onde a muralha foi rompida, o mínimo de ordem era preciso para
continuar, ele também se perguntou onde estaria o rei e o que ele e a guarda de
elite de Brascol estariam fazendo.

Perguntas que eu mesmo já me fizera e enquanto pensava nisso, senti,


mesmo através da máscara que o elfo usava, seus olhos sobre minha pessoa, Commented [JCK2]: Verificar se o Rax na muralha está
de máscara.
era uma sensação estranha...

- O que faz aqui? Perguntou Rax se dirigindo a mim.

- Com quem você está falando? Perguntou Carion a Rax.

Pensei no quanto eu não gostava do Rax e cheguei à conclusão de que a


palavra muito, definia pouco, o quanto eu não gostava dele, mas respeitava o
que ele estava fazendo.

Cada um deveria fazer o que podia e o que devia para que a situação se
desenrolasse o melhor possível, diante dessa conclusão, fiz o que os bardos
melhor fazem, encostei minhas costas na amurada da muralha, saquei uma folha
de papel e fiz um gesto simples com minhas mãos, a pena de escrever apareceu.

Era uma magia simples, como bardo fora a primeira que inventei (essa e
a da pena que escrevia a verdade sempre, vários barões me odiavam por isso,
já que suas histórias não saiam como eles se “lembravam”), mas eu tinha muito
orgulho dela.

Respirei fundo, o som da voz do Rax, sempre soou para mim como o som
de unhas arranhando uma superfície lisa, mas disfarçando o melhor que pude
meu asco, falei.

- Vim fazer o que posso fazer, seu verme abjeto.

O mago sorriu, diferente da “amizade” que havia entre o mago e o tio, eu


não sentia o menor amor pelo mago, não senhor, poderia respeitar suas ações,
mas jamais perdoa-lo pelo que fez no passado.
- Então escreva bardo, e tenha em mente, escreva a verdade. Foram suas
palavras para minha pessoa, eu havia saído da muralha quando ele havia me
notado, agora para mim, tanto fazia, eu ficaria ali e seria o relator, ou da mais
ousada resistência humana, ou de sua queda.

Sorri sobre esse pensamento, Carion continuava indagando o mago


esmeralda, o guarda queria muito saber com quem Rax estava falando.

Fechei meus olhos e murmurei comigo um antigo encantamento das


terras distantes de onde vim, Ho’rus thus esct jatar visolare, Lethus inspirus,
visolare.

Primeiro pareceu que eu estava voando, logo percebi, havia me


conectado a um falcão, que sorte, da última vez que usara esse encantamento,
eu havia me conectado a uma pulga e a primeira visão que tive não foi bonita.

O falcão posou em um prédio, a partir desse momento, eu pude me


desvincular do falcão e pude ver o estrago na muralha, duas maquinas de cerco
estavam sendo encostadas de cada lado da ferida, para maximizar o tanto de
soldados que poderiam entrar na cidade.

O objetivo dessa tropa era claro, chegar aos portões principais da cidade,
mas eles estavam longe disso, sorte em termos defensivos, azar em termos de
vidas, os que estavam ali, não eram do exército, eram guardas da cidade.

Tinham um treinamento diferente, formas de agir diferente, e certamente


nenhuma experiencia em campos de batalhas reais ou guerras.

Vi jovens sendo esmagados pelas clavas, porretes e maças dos


adversários, os gnols pulavam em cima de cada ser vivo, independentemente da
idade, como lobos pulavam em cima de carcaças frescas no fim e um inverno
duro e frio, o grito de civis e soldados da guarda, se misturavam em uma
cacofonia de destruição.

Foi então que vi respirei fundo de meu lugar perto do mago esmeralda e
coloquei a pena no papel, ela começou a escrever aquilo que minha visão
mostrava, e não era nada bonito o que eu via.
Mas algo acontecia, em meio à multidão que estava ao abaixo de mim no
pátio pude ouvir um bando de crianças chamando por ele:

“Tio, onde o senhor está? Por favor tio, não vá se machucar! Será que ele
caiu e foi esmagado pela multidão? Céus que pensamento horrível. Que os
desses não permitam isso”

Essas indagações de pequenas vozes desesperadas me trouxeram certo


alivio, se o tio desapareceu, em algum lugar, alguém estava com um problema
gigantesco... Por volta dos dois metros para ser mais exato...

Capítulo II

A força de um Bastardo.

Jarls correra como nunca havia corrido em sua vida, os gritos de comando
dos oficiais que vinham de todos os lados se misturavam com os gritos de dor e
medo dos feridos, tornando o ambiente caótico além da medida.

O comandante geral do exército de Brascol e também comandante geral


da guarda da cidade, passou por um local onde um jovem guarda estava caído
em cima de uma barricada.

Ele não pode evitar o olhar vazio do jovem nem deixar de perceber que
aquele corpo mais parecia um porco espinho, com lanças atravessando-lhe
todos os lados.

Lanças toscas, com cabos tortos e panos sujos e ensanguentados


amarrados aqui e ali, laminas tortas, partidas, enferrujadas, desgastadas, cegas,
que golpearam até ceifar mais uma vida, certamente fora uma morte muito
dolorosa.

Jarls não teve tempo de sentir pena do rapaz, ele lembrará que ainda a
dois dias havia visto o jovem radiante nos estábulos da guarda, agora ele jazia
deitado, em sua frente dois gnols haviam tombado. Pelo menos ele levou alguns
consigo, pensou o comandante.
Um grito de pânico atravessou o ar e os pensamentos de Jarls foram
atraídos para um combate que se desenrolava à sua frente, um grupo
desorganizado de quatro guardas fugiam em desespero, enquanto seu
comandante exalava seus últimos momentos nas presas de um bando de gnolls.

Jarls correu em direção do grupo guardas, muitos estavam ao chão, sem


espadas ou escudos, aterrorizados demais para conseguir reagir.

O guerreiro saltou alguns barris e carroças tombadas em seu caminho,


pareciam (e eram) barricadas improvisadas, ele tentava chegar o mais rápido
possível até onde aqueles homens estavam lutando literalmente por suas vidas.

A cena mais parecia saída de um pesadelo de algum deus enlouquecido,


pedaços de corpos queimavam por todos os lugares, o barulho do inimigo
entrando pela brecha na muralha era ensurdecedor e a destruição era massiva.

“Nenhuma chance... eles não tiveram nenhuma chance de se defender


direito...”

Pensava Jarls enquanto avançava, ele sabia que essa situação só


exemplificava a clara diferença que há entre um guarda e um soldado.

Um guarda era um combatente urbano, mas estava muito mais


acostumado a mexer com turbas de pessoas reclamando dos preços que subiam
ou separar a briga de alguns bêbados mais afoitos, um soldado era diferente.

Soldados estão prontos para entrar no território inimigo e enfrentar a


adversidade de frente, calejados por horas e mais horas de treinos. O treino de
um guarda, mal chegava aos pés do treino de um soldado, isso era um fato.

Embora a guarda da cidade estivesse em boa forma, eles não estavam


preparados para um exército, isso era comprovado pelo elevado número de
guerreiros mortos, que Jarls ia literalmente pulando por cima até chegar ao seu
objetivo.

Enquanto um comandante da guarda, tinha seus membros puxados por


presas e garras, destroçando, seu já falecido corpo, um rapaz estava parado,
sentado no chão imobilizado pelo terror de certamente partilhar de destino
semelhante, mortificado com a cena que presenciava, nenhum treinamento o
havia preparado para isso.

Havia prazer no rosto daqueles monstros, um prazer sádico em mostrar


que podiam tratar humanos como gado, um deles acabou tendo sua atenção
atraída até o rapaz que estava no chão, aterrorizado demais para correr.

Um dos gnolls começou a caminhar em direção ao rapaz, as garras do


monstro gotejavam sangue, pedaços de tecidos de um uniforme e carne rasgada
do cadáver que agora servia de alimento, também podiam ser vistos naquela
mão grotesca, era mais um abate fácil para aquela besta de guerra.

Juntamente com esse rapaz, haviam alguns grupos de guardas que


tentavam da melhor forma escapar dali, mas falhavam miseravelmente, eles não
conseguiam se mover apenas ofereciam uma fraca resistência e em seus
corações rezavam por uma intervenção divina.

Ela não veio, ao invés disso, a cena de horror foi perturbada por um grito,
um grito muito humano.

Esse grito era um grito de guerra, vindo das profundezas da alma do


comandante. Ele era profundo, e saiu ecoando acima do caos da batalho, fora
um grito de raiva, de angustia, de desespero, grito alimentado pela angustia de
ver sua cidade nessa situação, mas também foi um grito fortuito, tirando vários
homens do transe da carnificina e os chamando de volta a vida, de volta ao
combate.

- Em nome das cidades humanas, em nome do rei, em nome de


FIRAGOR: MORRAMMMM!!!!!!

O jovem virou-se rapidamente para ver quem soltara aquele grito e se


deparou com a visão do último homem que ele esperava ver em combate, um
comandante.

Pulando sobre o que restara de uma carroça em chamas levando faíscas


e pequenos pedaços de madeira chamuscada, com uma espada longa sendo
segurada apenas com a mão direita e seu escudo redondo que protegia boa
parte do corpo em sua mão esquerda, Jarls mais parecia um rinoceronte
enfurecido, avançando em direção ao inimigo.

Com a mão esquerda, mesmo com o escudo, Jarls pegou um pedaço de


madeira em chamas, ao contato com a carne de sua mão, a madeira o queimou,
seu rosto, no entanto continuava uma máscara, não demonstrando dor, só uma
fúria cega determinada a retribuir, cada golpe que aqueles soldados sofreram.

Com o impulso do seu pulo, Jarls enterrou a madeira na lateral do pescoço


do gnoll, o inimigo, espantado com a manobra que o pegou de surpresa, levou a
mão na estaca, mas era tarde demais para aquele gnoll.

Depois de enterrar a madeira no pescoço do seu inimigo, Jarls ergueu seu


braço e bateu com o escudo no outro lado do pescoço do seu alvo, pode-se ouvir
um sonoro creck, um som parecido com um galho podre quando quebra, se a
madeira não tinha matado o gnoll, certamente o escudo do comandante,
quebrará seu pescoço.

Jarls, golpeava com a certeza de que cada golpe seu custava uma vida
ao exército inimigo, por isso ele não parou para olhar se havia matado ou não a
primeira criatura que ele golpeou.

Caindo colocou as mãos acima da cabeça, usando o escudo como apoio


ele rolou, ainda com a espada em punho, terminando sua manobra no meio de
um bando de gnolls, aquele humano certamente lembrava aos gnolls, um
mensageiro da morte.

A cada golpe da espada de Jarls, artérias se rompiam, peitos se abriam,


estômagos se partiam, inimigos aleijados e moribundos caiam, o comandante
estava em uma fúria cega contra seu inimigo, os anos de combate o diferenciava
em muito dos garotos que ele mesmo treinava, mas para muitos gnolls isso não
importava, eles estavam mortos.

Ao partir o crânio do último gnoll no círculo que atacava o primeiro jovem


que o comandante viu, Jarls sentiu a adrenalina do combate o deixando, ele já
arfava o peito, tendo dificuldades para respirar, devido ao peso de sua armadura
que se fez sentir, sua atitude, contudo deteve o avanço dos gnolls.
Atrás de si, o comandante pode visualizar pelo menos uma unidade
completa, 30 guardas haviam sobrevivido o ataque inicial dos gnolls, arqueiros
nas muralhas, já se reagrupavam, e caçavam os inimigos que estavam
espalhados pelas proximidades.

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