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POBREZA E DESIGUALDADE SOCIAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO: O CASO BRASILEIRO

Artigo

POBREZA E DESIGUALDADE SOCIAL NO


ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO:
O CASO BRASILEIRO
Francys Layne Balsan1 RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo
um estudo reflexivo sobre a pobreza e a exclu-
são que deriva desta, bem como suas possíveis
causas. Discute-se sua possibilidade em uma
Nação democrática. Enfoca-se o Bolsa Família,
programa governamental que tem como fito a
inclusão das famílias que se encontram em es-
tado de pobreza ou extrema pobreza através da
transferência de rendas.
Palavras-chave: Pobreza. Democracia. Direitos
Humanos.

ABSTRACT: The present work aims at a re-


flective study on poverty and the exclusion that
comes from within and its possible causes. And
discusses its possibility in a democratic nation.
It focuses the “Bolsa Família”, a government
program, that has the purpose of the inclusion of
families who are in poverty or extreme poverty
by transferring income.
Keywords: Poverty. Democracy. Humans Rights

Introdução

Considerando que o Brasil é uma Repú-


blica que se constitui em Estado Democrático
de Direito, que tem como fundamentos, entre
outros, a cidadania e a dignidade da pessoa hu-
mana, bem como é seu objetivo a erradicação
da pobreza e da marginalização e a redução das
desigualdades sociais, pretende este trabalho
questionar os níveis de pobreza que podem
ser tolerados, tendo em vista que a pobreza é

1
Docente do curso de Direito da UNIRB – Faculdade Regional de Alagoinhas, em Alagoinhas/BA e da FAT – Faculdade Anísio Teixeira, em Feira
de Santana/BA. Mestre em Sistema Constitucional de Garantias pela Instituição Toledo de Ensino, em Bauru/SP.

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um fenômeno que promove a exclusão social, usufruir de bens e serviços indispensáveis por
inviabiliza a participação dos excluídos na so- seus próprios recursos e também não os recebem
ciedade, fere os Direitos Humanos e prejudicam do Governo.
o exercício dos direitos inerentes à cidadania.
Ávila faz distinção entre pobreza, indigên-
É certo que o regime que mais se compa- cia e miséria, em suas palavras4:
tibiliza com Direitos Humanos é o democrático,
Pobreza – É um estado habitual de priva-
portanto, há que se indagar se, uma vez a pobreza
ção de bens supérfluos, carência de bens
ferindo os Direitos Humanos, não estaria ferindo
necessários à condição de desempenho
a própria democracia.
social e estrita suficiência de bens neces-
Para responder a estas indagações faz-se sários à subsistência.
necessário entender o fenômeno pobreza e a
Indigência – é um estado habitual de
exclusão social originada desta, ou seja, é preciso
privação de bens supérfluos e dos bens
estudar o que é pobreza e qual a conseqüência
necessários à vida.
da desigualdade social para a Nação.
Em seguida é preciso analisar as ações Miséria – é um estado habitual de carência
estatais com vistas ao seu combate e à inclusão tanto de bens supérfluos e necessários à
social das pessoas pobres e miseráveis, abor- vida.
dando o efetivo cumprimento dos objetivos Maria Veralucia Leite Nogueira5 trabalha a
constitucionais e os resultados obtidos. Entre as concepção de Demo sobre a pobreza, explican-
ações governamentais com este intuito confere- do que este autor “concebe a pobreza enquanto
se especial destaque ao Bolsa Família por sua privação da cidadania”, uma vez que ser pobre
amplitude, apontando seus aspectos positivos é também não poder defender seus direitos.
e negativos. Explica ainda que, Demo concebe duas formas
de pobreza “não ter e não ser”, ou seja, pobreza
quantitativa material e pobreza qualitativa, de
1 pobreza ordem política e imaterial.
A história brasileira é marcada pela po- Destaca-se o ensinamento:
breza e pela desigualdade social. Os recursos Nessa concepção de pobreza política, tra-
destinados ao seu enfrentamento nunca foram balhada por Demo, povo pobre é também
suficientes para seu efetivo combate. Talvez o aquele que, mesmo sem privação material
seu auge esteja nos anos 80, a chamada década para a sobrevivência, ainda não se autode-
perdida, pois, neste período, a pobreza torna-se terminou, ou seja, ainda não se organizou
tão gritante que passa a ser o tema central da para participar de forma consciente do
agenda social, haja vista a extrema distância processo histórico da sociedade da qual
observada entre os poucos ricos e os muitos faz parte como cidadão. Demo assim se
miseráveis, verificando-se “antinomias entre expressa: “não é exagero afirmar que o
pobreza e cidadania2” traço mais profundo da pobreza política
de um povo seja a falta de organização da
Vários estudiosos tentam conceituar o que
sociedade civil, sobretudo frente ao Estado
é pobreza. Passaremos a analisar alguns destes
e às oligarquias econômicas.”
estudos.
Cotazar, citado por Graciano e Wada3 faz Muito acertado a conceituação de Demo
a conceituação da pobreza sobre o critério rela- sobre a pobreza, uma vez que não se restringe
tivo, qual seja, a permanência da pobreza como somente a fatores econômicos, ao revés, consi-
fenômeno incidente sobre o desenvolvimento de dera a autodeterminação, a capacidade que têm
um país; e sobre o critério absoluto, que quali- os cidadãos de participarem da sociedade na qual
fica as pessoas pobres quando são incapazes de estão inseridos.

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Maria Ozanira da Silva e Silva6 de pobreza relativa. A pobreza extrema


afirma que a pobreza é um fenômeno é aquela cuja ausência de renda está re-
multidimensional e explica que por isso ela lacionada à satisfação de necessidades
básicas de alimentação, também chamada
“não pode ser vista somente como insuficiência
de pobreza absoluta ou indigência.
de renda”, mas também como “não acesso a
serviços básicos, à informação, a trabalho e uma Embora não seja explícito o PNDU consi-
renda digna; é não participação social e política”. dera a concepção de pobreza como inadequação
Muitas conceituações, no entanto, levam de capacidade. Desta forma, a pobreza não se re-
em consideração os fatores de privação econô- laciona somente com a ausência ou insuficiência
mica para fazer distinção entre os pobres e os de renda, mas também com a capacidade de se
não-pobres. Importante frisar que, embora este viver dignamente participando da comunidade.
não seja o único prisma pelo qual a pobreza deva Uma das grandes conseqüências da pobreza
ser analisada, ele reflete a vulnerabilidade da ou da falta de combate a esta é o chamado ciclo
economia, bem como da inserção dos indivíduos da pobreza ou auto-reprodução da pobreza,
no mercado de trabalho. Neste sentido, Carla que pode ser definida como o entrelaçamento
Bronzo Ladeira Carneiro aduz que “uma pessoa de carências e privações que se sustentam e se
é pobre se a renda ou os gastos de consumo agre- reproduzem, ampliando ainda mais a exclusão.
gados forem inferiores a um valor estabelecido
Apesar das diferentes conceituações, certo
como necessário para a sobrevivência7”. Como já
é que a pobreza está sempre ligada a fatores
dito, este fator determinante não é o mais acerta-
sociais, à própria sociedade. Também é incon-
do e, de acordo com a autora, traz a idéia de que
troverso que a pobreza, embora não possa ser
a vida das pessoas pobres pode ser modificada
confundida com exclusão social, é uma de suas
com a simples transferência de renda.
causas, dado que provoca a desigualdade, como
Existe um outro fator ou enfoque dado à veremos.
pobreza que considera as capacidades. Esta teoria
Para fins desse trabalho, consideramos
desenvolvida por Amartya Sen é explicada por
pobreza em sua amplitude, podendo defini-la
Carneiro8:
como uma fator que condiciona o ser humano a
A pobreza é definida como privação de uma vida de privações, sejam elas monetárias ou
capacidades, sendo pobres aqueles que culturais. Do ponto de vista monetário, vale dizer
carecem de oportunidades básicas para que a pessoa é considerada pobre quando não
operarem no meio social, que carecem consegue, com seus próprios esforços, manter
de oportunidades para alcançar mínimos despesas mínimas com moradia, alimentação,
aceitáveis de realizações, o que pode inde- saúde e educação. Já do ponto de vista cultural,
pender da renda que os indivíduos detêm. pobreza é o enfraquecimento do vínculo que
Observa-se que a conceituação acima une o cidadão ao seu Estado, tornando-o menos
exposta guarda estreita relação com a pobreza participativo, pouco conhecedor de seus direitos
política trabalhada por Demo, pois não se res- e deveres.
tringe aos fatores econômicos, antes aborda a
participação social.
2 Exclusão social
Para o Programa das Nações Unidas para
o Desenvolvimento – PNDU – existe a pobreza Seguindo a teoria hegeliana, Müller diz
geral e a pobreza extrema9, abaixo: que a desigualdade econômica está ligada às
Pobreza Geral, identificada como ausência desvantagens da formação da personalidade
de renda necessária para satisfazer neces- e da capacitação profissional, bem como da
sidades essenciais – alimentares, vestuá- cultura, do grau de informação, do sentimento
rio, moradia, etc. – geralmente chamada de justiça e do enfraquecimento da auto-estima

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que provoca a paralisação das pessoas, enquanto Excluem-se as pessoas que se encontram
seres políticos o que conduz a conseqüências em estado de pobreza e ou indigência, porque
sérias, veja-se10: elas não são consideradas aptas a contribuir
O descenso econômico conduz rapida- para o desenvolvimento da sociedade, uma vez
mente à depravação sócio-cultural e à apa- que não têm voz ativa e também, devido à bai-
tia política – que quase sempre se acomoda xa auto-estima, não conseguem atuar de forma
bem aos desígnios das esferas dominantes participativa na sociedade, o que muitas das
da sociedade. O “desfavorecimento, mes- vezes é considerado como falta de perspectiva,
mo em apenas uma área parcial”, produz objetivos e futuro.
uma “reação em cadeia de exclusão” que Não raras vezes os absolutamente pobres
resulta na “pobreza política”. A dimensão
não são realmente vistos por outros cidadãos
perigosa nesse escândalo estrutural está
provavelmente no fato de que o campo de ou mesmo pelo Governo; a dignidade destas
batalhas no terreno da economia política pessoas não é respeitada, tampouco eles são
e da política ainda são complementados considerados cidadãos, dando a impressão que
por um campo de batalhas jurídicas; a eles são invisíveis para os grupos dominantes,
injustiça econômica, social e política se ou pior, em muitos casos a pobreza é tida como
vêm acrescidas da jurídica. sinônimo de criminalidade.
A pior das conseqüências desta desigualda- É comum pessoas sem moradia fixa serem
de, para o autor, é a vitimização da democracia, vistas como parte da paisagem da cidade, paisa-
do Estado de Bem-Estar Social e da igualdade, gem esta desagradável, poluente, o que revela a
já que o Estado fica sujeito à economia fazendo forma como esses cidadãos são tratados, ou seja,
com que a própria Constituição perca seu nexo como coisas e não mais como seres humanos
de legitimidade democrática, haja vista que, à merecedores de respeito e dignos de atenção.
medida que “a metaestrutura superintegração/
subintegração domina a sociedade, ela não des-
legitima a sociedade organizada apenas na esfera 3 Dados sobre a pobreza no Brasil
do seu caráter de Estado de Direito, mas deci-
sivamente a partir da sua base democrática”11. Importante a tentativa de quantificação
da pobreza para que se possa ter uma noção de
Vale lembrar que nossa Constituição Fede-
quantos brasileiros se encontram nessa situação,
ral destinou um capítulo à Ordem Econômica e
sem o mínimo necessário à sobrevivência, sem
nele pode se verificar que esta se presta a “asse-
“dignidade”, sem terem acesso ao exercício de
gurar a todos existência digna, conforme os dita-
seus direitos constitucionalmente garantidos.
mes da justiça social”, o que significa dizer que,
através do desenvolvimento da economia ocorre Cabe destacar que, embora a seriedade
o financiamento das políticas sociais. Também é dos estudos aqui apresentados, nem sempre
por meio do desenvolvimento da economia que eles revelam a total realidade, dado que, muitas
se busca a inclusão e ou manutenção de pessoas vezes a pesquisa é feita considerando domicílios
no mercado de trabalho, uma vez que o trabalho e, em se tratando de miséria, poucos são aqueles
é uma forma de concretização da dignidade da que o possuem. Sendo assim, é importante ter a
pessoa humana, bem como de emancipação do certeza que os números apresentados podem ser
cidadão. bem maiores.
Embora a previsão constitucional, a ex- O Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-
clusão cresce sobremaneira, principalmente por tística, em estudo realizado em 2003, constatou
causa da desregulamentação que faz com que que a população brasileira é de cerca de 174
a diferença entre ricos e pobres torne-se cada milhões de pessoas. Um estudo do PEA12 –
vez maior, indicando a dimensão da integração População Economicamente Ativa- revela que
social. somente 50% da população o compõe, ou seja,

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apenas metade da população nacional está inseri- O autor ainda traz dados sobre a parcela
da no mercado de trabalho, fato que já demonstra brasileira considerada pobre que “corresponde a
parte da desigualdade social brasileira causada algo como 43% entre 1990 e 1993. Entre 1993 e
pela não igualdade de oportunidades. 1995, tal parcela diminui para cerca de 33%. Nos
O Centro Internacional de Pobreza indica anos seguintes, permaneceu no mesmo nível,
que 24, 3 milhões de pessoas estão vivendo chegando a 31,7% em 2003”.
abaixo da linha da pobreza13. Um estudo da Comissão Econômica para
Sobre a desigualdade social e má distribui- a América Latina e o Caribe - CEPAL, realizado
ção de rendas, se faz interessante a constatação em 2001, no qual a linha de indigência nacional
de Müller14: está representada pelo custo de uma cesta básica,
indica que 8,2% da população vivia com menos
Do ponto de vista econômico, a assim de 1 dólar ao dia e 22, 4% viva com menos de
chamada “tesoura da renda” [Einkom- 2 dólares ao dia. Considerando somente a linha
mensschere], cujas pontas assinalam as nacional, temos que, 13, 2% da população bra-
rendas máximas e as rendas mínimas e sileira vive em estado de indigência, enquanto
se distanciam cada vez mais, não está que 37,5% são considerados pobres17.
tão aberta em nenhuma região do mundo
como nos países emergentes da América
José Pascoal Vaz trata da concentração de
Latina, ficando entre “seis vezes” (Costa renda em números, observe-se18:
Rica) e “quinze vezes” (Brasil). Isso quer A concentração de renda foi tão forte
dizer que os 10% dos brasileiros mais que seus efeitos sobrepujaram os do
ricos percebem uma renda quinze vezes crescimento, fazendo com que a pobreza,
superior à dos 40% mais pobres. definida por uma linha igual a 0 do valor
da renda per capita, não só passasse, em
Essa constatação nos mostra que, sem termos absolutos, de 52 milhões de pobres
igualdade de oportunidades é praticamente em 1960 para 132 millhões em 2000, como
impossível o cidadão romper com a barreira da também aumentasse, em termos relativos,
pobreza e, assim, diminuir essa gritante desi- de 74% para 79% da população.
gualdade.
Interessante notar que, embora ainda haja
Silva e Silva também traz dados alarmantes
grandes e gritantes desigualdades sociais no
sobre o crescimento da desigualdade de renda
Brasil, e que estas estejam aumentando com o
no país. Utilizando-se de dados no Ministério passar dos anos, o Índice de Desenvolvimento
de Desenvolvimento Social e de Combate à Humano apresentou um crescimento conside-
Fome, ela explica que “em 1980, a renda média rável. O relatório apresentado em novembro
da população mais rica era 10 vezes maior que de 2007 inclui o Brasil no grupo dos países de
a renda média da população brasileira, que, em Alto Desenvolvimento Humano, isso porque
2004, essa renda era 14 vezes maior em relação o país conseguiu alcançar o índice de 0,800 e
à renda dos 20% mais pobres”15. ocupar a 70º posição no ranking que inclui 177
André Campos mostra uma linha de países e territórios. Grande parte deste êxito se
acompanhamento dos rendimentos dos cidadãos deve a análise e consideração da expectativa de
brasileiros, e conclui16: vida, que no Brasil aumentou de 70,8 anos para
[...] a proporção da população brasileira
71,7 anos19.
que podia ser classificada como indigente O IDH pode não representar a realidade
se situou em torno dos 21% entre 1990 e brasileira, a saber, três são os componentes consi-
1993. Já entre 1993 e 1995, essa proporção derados: longevidade, conhecimento e padrão de
reduziu-se para algo próximo a 14%. Os- vida. Em relação ao primeiro pode-se considerar
cilou neste patamar daí em diante, ficando que houve um verdadeiro avanço, como acima
em 12, 8% em 2003. demonstrado. Já em relação aos outros dois,

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temos uma situação bem crítica, pois o conhe- voltados ao atendimento de um vastíssimo
cimento é medido pelo nível educacional, assim conjunto de necessidades, particularmente
compreendido como a taxa de alfabetização de dos segmentos mais pobres da sociedade:
adultos, de matrículas no ensino fundamental, atende famílias, idosos, crianças e ado-
médio e superior. lescentes, desempregados, portadores de
deficiência, migrantes, portadores do HIV,
Ocorre que, embora o acesso ao ensino te-
dependentes de drogas, etc; arrecada e
nha aumentado, não significa que o conhecimen-
doa alimentos, alfabetiza adultos, protege
to aumentou, pois esse só aumenta à medida que
testemunhas, defende os direitos humanos
a educação ofertada seja de qualidade e cumpra
e a cidadania, atende suicidas, adolescen-
com os objetivos constitucionais de exercício tes grávidas, órfãos, combate a violência,
da cidadania e preparo para o trabalho. Assim, cria empreendimentos autogestionados,
resta indagar se a excelência no ensino tem sido cuida de creches, de atendimento médico
alcançada para sabermos se houve real aumento domiciliar e de outras iniciativas que com-
no conhecimento. põem o complexo e diversificado campo
O padrão de vida é medido pela renda da Assistência Social à população. Dessa
per capita dos brasileiros que recebeu valioso forma a Assistência Social como campo
impulso principalmente pelo programa Bolsa de efetivação de diretos é (ou deveria
Família, que trataremos mais a frente. Mas, nos ser) política estratégica, não contributiva,
cabe questionar se isso é efetivamente um meio voltada para a construção e provimento de
de acabar com a pobreza ou somente com a fome, direitos, buscando romper com a tradição
dado que para o fim da pobreza é necessário mais clientelista e assistencialista que histori-
que comida no prato, mais que criança na esco- camente permeia a área onde sempre foi
la, é necessário que a todos seja conferido uma vista como prática secundária, em geral
vida digna com acesso à educação de qualidade, adstrita às atividades do plantão social, de
trabalho valorizado, manutenção da saúde, pois, atenções em emergências e distribuição de
é por esses meios que o cidadão se emancipa e, auxílios financeiros.
dessa forma, pode participar ativa e igualmente Importante notar e verificar que os avanços
da sociedade. no combate à pobreza e à marginalização, apesar
Não se deve, contudo, desconsiderar o de surtir efeitos mais significativos no presente, é
aumento do IDH, uma vez que ele reflete a fruto de políticas implementadas anteriormente,
tentativa de combater as desigualdades sociais, como passaremos a estudar.
a marginalização e à discriminação no país, o
que é feito através de políticas públicas voltadas
para os setores mais empobrecidos da sociedade. 4 Políticas públicas de combate à
Estas políticas públicas são também chamadas pobreza
de ações afirmativas, haja vista que buscam a
inclusão das minorias na sociedade, primando Vimos que o Brasil já conseguiu avançar
assim pelo princípio constitucional da igualdade. no que reporta ao combate às desigualdades
A igualdade de que trata as ações afirmativas é a sociais, mas isto não significa que estamos perto
igualdade material, que se realiza no plano fático. de solucionar esta questão.
Neste aspecto se faz preciso o entendi- A partir dos anos 90, após ter sido pro-
mento de Yazbeck, lembrando que a autora mulgada a Constituição Cidadã, que tem como
refere-se a estas políticas ou ações como rede objetivo erradicar a pobreza e a marginalização,
de segurança20: houve um maior esforço na implementação de
Caracterizada, em geral, por sua heteroge- ações afirmativas voltadas para a população bra-
neidade, essa rede de segurança (constitu- sileira pobre. Importante destacar que, as Consti-
ída pelos órgãos governamentais e por en- tuições anteriores tinham previsão de igualdade,
tidades da sociedade civil) opera serviços muito embora só com a atual foi possível dar

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POBREZA E DESIGUALDADE SOCIAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO: O CASO BRASILEIRO

um suporte real, o que propiciou a criação de do trabalho infantil, bem como do analfabetismo.
vários programas com vistas à inclusão social das Silva e Silva aponta os aspectos negativos
minorias pois, trouxe a previsão da participação dos Programas de Transferência de Renda,
dos grupos sociais nas iniciativas de combate à veja-se21:
pobreza, à exclusão e à discriminação.
Não indica, portanto, qualquer mudança
Buscando a igualdade e a inclusão das pes- no modelo econômico historicamente
soas consideradas pobres e extremamente pobres adotado, já que não coloca a questão da
na sociedade, foram criadas algumas políticas redistribuição de renda e da riqueza so-
públicas, que passaremos a estudar. cialmente produzida, apenas possibilita
Em 1993 foi criado o Plano de Combate à uma distribuição irrisória, que permitirá,
Fome e à Miséria, que propunha um movimento senão regular, a continuidade do processo
articulado de recursos institucionais, organiza- de empobrecimento, mantendo as famílias
cionais e humanos com vistas a atender parte da num patamar de pobreza ou indigência no
população que sobrevivia com um ¼ de salário qual são classificadas para inserirem-se
nos próprios Programas de Transferência
mínimo. Este plano tinha como princípios a
de Renda.
parceria, a descentralização e a solidariedade.
De 1995 a 2002, o programa acima foi Compartilhamos da opinião acima, po-
substituído pelo Programa Comunidade Solidá- rém, somente no que concerne à fragilidade do
ria, que fazia uso de ações descentralizadas com combate à pobreza, no entanto, reconhecemos a
participação da sociedade para combater à fome importância desses para a batalha contra a fome.
e à exclusão social. Admitimos ainda, o papel das condicionantes
No ano de 1999 lançou-se o Programa Co- como um fator essencial para, a longo prazo,
munidade Ativa que visava o combate à pobreza conquistarmos resultados no combate à pobre-
por meio do desenvolvimento local, assim, os za, porém, insistimos, para tanto é preciso que
governos federal, estadual e municipal trabalha- toda a rede de serviços públicos sejam dotadas
vam em parceria com a comunidade para criação de qualidade.
e implementação de programas. Os governos tem investido cada vez mais
Já em 2001 criou-se o Fundo de Combate recursos nos programas de transferência de
à Pobreza que tinha como meta financiar pro- renda, mas o mesmo não ocorre com os serviços
gramas de transferência de rendas associados a públicos básicos, isso nos leva a um resultado
rápido, como o obtido no IDH, mas, não muda
outros fatores determinantes da pobreza. Criou-
a realidade, somente a mascara, talvez por isso
se ainda o Programa de Combate à Miséria que
as políticas públicas implementadas até hoje não
atuava nos municípios cujo IDH era inferior a
foram capazes de solucionar este grave problema
0,500.
social, porém, não se deve esquecer os avanços
No ano de 2003, implanta-se o programa conseguidos ao longo destes anos, assim como
Fome Zero cujo objetivo maior era assegurar o deve-se considerar que tais avanços devem conti-
direito à alimentação e por meio deste, conseguir nuar, porque o Brasil é um país democrático que
a inclusão sem caráter assistencialista. respeita os Direitos Humanos e como tal, não
Em linhas gerais, todos os programas de deve admitir que uma parte considerável de seus
transferência de renda pressupõe uma contra- cidadãos viva em estado de pobreza e ou miséria.
prestação por parte do indivíduo beneficiário,
como a manutenção de crianças na escola. Cabe
dizer, que alguns requisitos são de fundamental 5 A pobreza e o sistema
importância para que a inclusão seja realizada, democrático de direito
assim, se é obrigatório que as crianças permane-
çam na escola para que as famílias sejam benefi- A Declaração dos Direitos do Homem e do
ciadas com a transferência, temos a diminuição Cidadão declara em seu artigo 1º que “os homens

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nascem livres e iguais em direitos” o que revela povo na sua totalidade. Quando se fala em tota-
que a soberania pertence a indivíduos, ou seja, lidade, o que se pretende é que todas as pessoas
a soberania é popular. que compõem determinada sociedade devem
Declara ainda, que a lei é a expressão da ter direitos iguais, o que abarca inclusive, as
vontade geral, em seu artigo 6º, o que implica na minorias, pois estas devem ter chances efetivas
reafirmação da soberania popular, bem como nos de se transformarem em maiorias, participando
direitos que os cidadãos têm de concorrer para assim, em pé de igualdade, do processo político.
a formação das mesmas, ainda que por meio de Muito justo tal idéia dado que não pode ser
seus representantes. admitido em um Estado Democrático de Direito,
Temos então, que os cidadãos são os ti- principalmente se considerarmos o plano da ética
tulares da soberania e, portanto, detentores dos política, que exista a exclusão e a marginalização
direitos políticos o que faz com que o Estado das pessoas.
Moderno seja por princípio um Estado Demo- Não é tarefa fácil definir o que é a democra-
crático de Direito. cia no Estado moderno, porém, existem algumas
Em geral explica-se a democracia através características que sempre devem ser observadas
do conceito grego, da semântica grega da pa- quando se trata deste regime. A primeira delas é
lavra, a saber, o povo como detentor do poder. o denominado princípio majoritário, pelo qual
Ocorre que o termo democracia é muito amplo e o exercício do poder político é legitimado pela
susceptível de várias interpretações, muitas das manifestação livre de vontade da maioria, outra
quais inadequadas ao seu verdadeiro sentido. é a distribuição de poder entre órgãos e a exis-
Neste aspecto interessante a lição de Friedrich tência de alternativas de poder. No que reporta
Müller22: à distribuição de poder, ela está prevista no art.
2º da Constituição brasileira.
“Democracia” é uma das expressões mais
No Estado moderno prevalece a demo-
indeterminadas, isto é, uma das expressões
cracia representativa, ou seja, aquela em que os
mais utilizadas dos modos mais distintos
cidadãos tomam as decisões políticas por meio
imagináveis, frequentemente opostos.
De qualquer modo, a história do termo de seus representantes. Esses representantes são
nos oferece os significados “governo” e eleitos pelo povo e por isso exercem um man-
“povo”; mas se isso resulta em algo como dato, onde sua missão é representar e defender
“governo do povo” é justamente a questão: os interesses dele.
ou melhor, já nem é mais a questão. “Isso Assim, o sufrágio é uma instituição de
não vai dar em nada, em nada”, teria sus- fundamental importância para este tipo de de-
pirado um honrado monarca alemão diante mocracia, pois é através dele que os cidadãos
da rebelião desesperada da gente pobre. E elegem seus representantes ou são eleitos para
onde existe o que estamos discutindo aqui representar.
– um sistema democrático (não no sentido
Anteriormente à Constituição de 1988, so-
da teoria sistêmica), pergunta-se, antes
mente se utilizava a expressão “Estado de Direi-
de mais nada, diante de expressões como
to”, sobre a inserção do adjetivo “democrático”,
governo “do” povo, “pelo” povo, “para” o
povo e “em nome” do povo, onde deverá
interessante o ensinamento de Miguel Reale23:
ficar o povo em meio a tanto governo? Pela leitura dos Anais da Constituinte
infere-se que não foi julgado bastante
O que pretende o doutrinador é verificar dizer-se que somente é legítimo o Esta-
qual o verdadeiro papel do povo no sistema de- do constituído de conformidade com o
mocrático de direito, pois sabe-se que o povo é Direito e atuante na forma do Direito,
elemento legitimador das diferentes concepções porquanto se quis deixar bem claro que
acerca da democracia. Desta forma, um processo o Estado deve ter origem e finalidade de
democrático está vinculado a um processo do acordo com o Direito manifestado livre

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POBREZA E DESIGUALDADE SOCIAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO: O CASO BRASILEIRO

e originariamente pelo próprio povo, Não é possível um Estado democrático


excluída, por exemplo, a hipótese de onde as minorias não são ouvidas ou não tenham
adesão a uma Constituição outorgada por seus direitos e interesses respeitados, porque
uma autoridade qualquer, civil ou militar, isto fere os direitos fundamentais do homem.
por mais que ela consagre os princípios É, portanto, inaceitável em uma democracia,
democráticos.Poder-se-á acrescentar que as desigualdades, porém, faz-se necessário seu
o adjetivo “Democrático” pode também reconhecimento para que haja o combate efetivo,
indicar o propósito de passar-se de um bem como para que se elimine toda e qualquer
Estado de Direito, meramente formal, a forma de discriminação.
um Estado de Direito e de Justiça Social, Para que todos exerçam de forma responsá-
isto é, instaurado concretamente com vel a cidadania é imperioso que a eles seja dado
base nos valores fundantes da comuni- o conhecimento, a cultura, pois a falta disto pode
dade. “Estado Democrático de Direito”, levar a engano. Faz-se necessário ainda, para que
nessa linha de pensamento, equivaleria, a democracia seja mantida e que seus elementos
em última análise, a “Estado de Direito fundantes estejam sempre presentes.
e de Justiça Social”.
Como já dito um dos elementos fundantes
O autor supracitado diz que os elementos é a dignidade da pessoa humana, por isso cabe
fundantes do Estado Democrático de Direito no indagar se no Estado Democrático pode haver a
Brasil são a soberania nacional, a cidadania e a exclusão social, em outras palavras, a exclusão
dignidade da pessoa humana. ferindo a dignidade da pessoa humana também
Não há, contudo, como falar de democracia não feriria a própria democracia, à cidadania
sem falar de cidadania, pois os cidadãos são mais ou existem níveis de exclusão que podem ser
que beneficiários do Estado, são detentores de tolerados?
parcela da soberania.
Cidadania pode ser definida como o con-
6 A pobreza e os direitos humanos
junto de poderes que são outorgados ao povo
autorizando-o a participar do exercício político Com a Declaração Universal dos Direitos
de forma livre e consciente. Humanos, de 1948, uma nova concepção destes
Segundo Miguel Reale, a cidadania e a direitos foi introduzida, a saber, a caracterização
dignidade da pessoa humana são valores que dos Direitos Humanos pela universalidade e in-
devem ser interpretados conjugadamente, as- divisibilidade. Vale dizer, os Direitos Humanos
segurando ao cidadão um campo específico de são universais e indivisíveis. Flávia Piovesan
direitos e obrigações, sem prejuízo da igualdade elucida25:
que deva existir24. Universalidade porque clama pela extensão
Para que isto ocorra é preciso, no entanto, universal dos direitos humanos, sob a crença de
que os homens tenham conhecimento a fim de que a pessoa é o requisito único para a titularida-
que não sejam iludidos ou ludibriados e isto de de direitos, considerando o ser humano como
pressupõe que eles sejam formalmente iguais, um ser essencialmente moral, dotado de unici-
bem como tenham recebido educação que os dade existencial e dignidade. Indivisibilidade
capacite para as tomadas de decisões, por isso porque a garantia dos direitos cíveis e políticos é
pode-se afirmar que o princípio da igualdade é condição para a observância dos direitos sociais,
um princípio da própria democracia. econômicos e culturais e vice-versa. Quando um
A cidadania expressa-se pelo voto, pela deles é violado, os demais também o são.
escolha que fazem os cidadãos, ou seja, é des- Tratando especificamente dos Direitos
tes a responsabilidade de manter a democracia Sociais, que têm pertinência com o objetivo
participativa. deste trabalho é importante mencionar que estes

Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 8, p. 125-137, outubro/2010 133


Balsan, F. L.

surgem após a Primeira Grande Guerra e têm Considerando a pobreza como uma viola-
como base a igualdade e o reclamo por direitos ção dos Direitos Humanos, faz-se necessário que,
que visam a supressão de carências e a proteção não somente sejam criados programas, mas, que
da dignidade humana. Para tanto, é preciso que o estes trabalhem com metas e prazos para o seu
Estado atue de forma a criar condições materiais alcance. É imperioso que se busque a distribuição
de existência digna aos seus cidadãos, sem o qual de riquezas e a ampliação das oportunidades
é impossível o exercício da cidadania. com igualdade.
Em outras palavras, os cidadãos têm o Fica evidente que a pobreza constitui
direito político de receber do governo padrões violação aos Direitos Humanos e que políticas
mínimos para seu bem estar, como renda, alimen- públicas devem ser implementadas com o fito
tação, habitação, saúde e educação. Este modelo de erradicá-la, garantindo a todos os cidadãos
institucionalizou os Direitos Sociais, pois colo- igualdade de oportunidades, de participação so-
cou o cidadão na posição de credor em relação cial, bem como a distribuição de rendas, sempre
ao bem-estar social, proporcionando caminhos visando a emancipação do ser humano.
para o exercício dos direitos individuais.
Importante lembrar que para a efetivação
dos direitos sociais não basta somente a atuação 6 Bolsa Família
do Estado, é preciso que haja um engajamento
Até agora defendemos a criação de ações
de toda a sociedade em prol da integração social,
afirmativas que combatam à pobreza, à margi-
da solidariedade e da igualdade, bem como da
nalização e proporcionem aos indivíduos o gozo
distribuição de renda.
dos direitos inerentes à soberania. Fizemos uma
Falar em Direitos Econômicos e Sociais retrospectiva de alguns programas que tinham
implica em afirmar a obrigação de proteger os esta finalidade.
grupos vulneráveis, de incluí-los na sociedade,
Cabe destacar que a Constituição brasi-
primando pela igualdade e pela dignidade dos
leira, em seu art. 3º, inciso III, estabelece como
indivíduos que compõem estes grupos.
objetivo fundamental da República a erradicação
O Comitê sobre Direitos Econômicos, So- da pobreza e da marginalização e a redução das
ciais e Culturais, reconheceu em 2001 que a po- desigualdades sociais e regionais. Importante
breza constitui violação dos Direitos Humanos. então destacar o programa estabelecido pelo
Sendo assim, não se deve admitir que um Estado Governo Federal, chamado de Bolsa Família
Democrático viole direitos tão fundamentais, que, embora seja um programa de transferência
em outras palavras, uma democracia deve olhar de renda, tenta promover o acesso à educação e
por todos os seus cidadãos e combater a pobreza à saúde e, desta forma, conseguir a inclusão na
para que não fira os direitos de todos os seres sociedade de famílias economicamente carentes.
humanos, sem distinção. O Bolsa Família unificou outros progra-
Os Direitos Humanos são exigíveis, afinal mas de transferência de renda já existentes, o
a exigibilidade é que representa a existência que reduz o desperdício de recursos. Para ser
prática destes, e isto se dá também através da beneficiado por este programa é necessário uma
judicialização, ou seja, a exigência dos direitos contraprestação por parte do cidadão, ou seja,
feita através do Poder Judiciário. para receber a ajuda financeira, as famílias de-
Jayme Benvenuto Lima Jr. defende uma vem cumprir com determinados requisitos como
atenção especial aos direitos econômicos , para a manutenção de crianças na escola.
que os Direitos Humanos possam ser realizados, A cada ano o governo investe mais neste
uma vez que há um “descompasso em relação às programa e, consequentemente mais famílias são
possibilidades de validação dos direitos humanos beneficiadas. No ano de 2003 foram investidos
civis e políticos.”26. 3, 4 bilhões de reais e 3,6 milhões de famílias

134 Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 8, p. 125-137, outubro/2010


POBREZA E DESIGUALDADE SOCIAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO: O CASO BRASILEIRO

foram beneficiadas, já no ano de 2005, os re- dadania e para a inclusão política. Muito embora
cursos praticamente dobraram, ou seja, foram exista este aspecto positivo, para que os objetivos
investidos 6,5 bilhões de reais e o número de de erradicação da pobreza e da marginalização
famílias atendidas foi de 8,7 milhões. sejam efetivados, é necessário ações afirmati-
Este programa vem obtendo êxitos signifi- vas que melhorem o ensino nas redes públicas
cativos, que são reconhecidos, inclusive, inter- de forma que o aprendizado realmente prepare
nacionalmente. O relatório de acompanhamento para o trabalho, desenvolva as capacidades dos
do desenvolvimento do Brasil nos Objetivos de indivíduos e os transforme em cidadãos aptos a
Desenvolvimento do Milênio, de agosto de 2007, exigir seus direitos. Sem isso, toda a intenção
afirma que houve uma diminuição da extrema po- deste programa resta comprometida.
breza em ritmo duas vezes maior que a pobreza.
Silva e Silva comenta o Bolsa Família, a
saber27: Considerações finais
A transferência monetária concedida pelo Ante ao todo estudado, verifica-se que,
Bolsa Família é associada ao desenvol- embora não haja um consenso quanto à concei-
vimento de outras ações como alfabeti- tuação da pobreza, esta não pode estar somente
zação, capacitação profissional, apoio à relacionada com a ausência de renda, mas tam-
agricultura familiar, geração de ocupação bém com a falta de educação e capacitação para
e renda e micro-crédito, acesso a educa- a atuação na sociedade, com a capacidade de
ção e a serviços de saúde para os filhos.
autodeterminação dos cidadãos e com o pleno
É atribuída relevância ao que denomina
exercício dos direitos inerentes à cidadania.
contrapartidas ou condicionalidades a
serem cumpridas por parte das famílias É inconteste que a pobreza afeta sobrema-
beneficiárias, destacando-se a manuten- neira os Direitos Humanos e via de conseqüência
ção de filhos em idade escolar na escola; o próprio Estado Democrático de Direito. Desta
freqüência regular de 0 a 6 anos de idade forma, não existem e nem podem existir limites
aos postos de saúde, com a manutenção do toleráveis ou aceitáveis de pobreza e marginali-
cartão de vacinas atualizado; freqüência de zação, por isso é necessário que a cada dia mais
mulheres gestantes aos exames de rotina; sejam implementadas políticas públicas que
retorno de adultos analfabetos à escola, busquem a eliminação desta situação, com vistas
além da participação de todas as famílias a promover a igualdade social e a inclusão das
em ações de educação alimentar quando pessoas pobres e indigentes na sociedade.
oferecidas pelo Governo.
Referidas políticas devem contar com a
Não resta dúvidas quanto à importância participação social, dado que não se pode atri-
deste programa para a inclusão das famílias buir somente ao Governo a responsabilidade
carentes na sociedade, porém, cabe destacar no combate à pobreza e marginalização, antes
que esta importância não diz respeito ao valor é imperioso que a sociedade civil enxergue as
recebido por elas, mas sim às condicionantes do pessoas pobres como cidadãos, como iguais e
benefício. A transferência de renda nada mais é que lutem para que esta situação seja findada.
do que uma tutela de emergência, que visa com- O combate à pobreza exige que as políticas
bater a fome, mas somente isto não proporciona públicas sejam multifacetárias, e que não se res-
a inclusão, ao contrário, pode até promover a trinjam à mera transferência de renda, sob pena
exclusão à medida que estas famílias podem ser de ferir a dignidade da pessoa humana. É preciso
discriminadas pelo recebimento do benefício. que os recursos sejam investidos principalmente
Por sua vez, as condicionantes importam em educação, educação esta que deve propor-
na realização do direito à educação e à saúde, di- cionar a capacitação profissional e o exercício
reitos estes fundamentais para o exercício da ci- da cidadania.

Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 8, p. 125-137, outubro/2010 135


Balsan, F. L.

Se no Estado Democrático a soberania 20


Ob. cit. p. 224.
pertence ao povo, este deve estar preparado para
21
Ob. cit. p. 260.
22
Ob. cit. p. 567.
fazer escolhas, para se autodeterminar, para exi- 23
REALE, Miguel. O Estado Democrático de Direito e
gir o cumprimento de seus direitos e para cumprir os Conflitos de Ideologias. 2ª ed., São Paulo: Saraiva,
com seus deveres. 1999, p. 02.
24
Idem, p. 03.
Além de investimento na educação faz-se 25
Ob. cit. p. 114.
necessário investimento em saúde, habitação, 26
LIMA JR. Jayme Benvenuto. O caráter expansivo dos
geração de empregos e rendas, sem isso não será direitos humanos na afirmação de sua indivisibilidade e
possível cumprir com o objetivo constitucional. exigibilidade. Direitos Humanos, Globalização Econômica
e Integração Regional: desafios do Direito Constitucional
Internacional. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 659.
27
Ob. cit. p.270.
Notas

2
YAZBEK, Maria Carmelita. A pobreza e as formas histó-
ricas de seu enfrentamento. Revista de Políticas Públicas. Referências
São Luís, v.9, n.1, p. 217-227, jan./jun. 2005, p. 222.
3
GRACIANO, Maria Inês Gândara; WADA, Neli Maria
Paschoarelli. Pobreza: conceitos e indicadores sociais. ALVES, José Augusto Lindgren. Cidadania,
Serviço Social e Realidade. Franca. v. 2, 14-18, 1993, p. 28. Direitos Humanos e Globalização. Direitos
4
Idem, p. 29 Humanos, Globalização Econômica e Integração
5
NOGUEIRA, Maria Veralucia Leite. Uma representação Regional: desafios do Direito Constitucional
conceitual da pobreza. Serviço Social e Sociedade. São
Paulo, n. 36, p. 101-113, ago. 1991, p. 110. Internacional. São Paulo: Max Limonad, 2002,
6
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ferência de renda e a pobreza no Brasil: superação ou
regulação?. Revista de Políticas Públicas. v.9, n.1, p. BALSAN, Francys Layne. A desigualdade
251-278, jan./jun. 2005, p. 253 social: breve estudo da realidade brasileira.
Constituição e Inclusão Social. 1º ed., Bauru:
7
CARNEIRO, Carla Bronzo Ladeira. Concepções sobre
Edite, 2007, p. 193-218.
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Serviço Social & Sociedade. São Paulo, n. 84, p. 66-90, BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10ª ed.,
nov. 2005, p. 68.
8
Idem, p. 71
São Paulo: Malheiros, 2000.
9
PNDU, 2000, p. 20. CAMPOS, André. O enfrentamento da pobreza
10
MÜLLER, Friedrich. Que grau de exclusão social ainda
pode ser tolerado por um sistema democrático?. Direitos
brasileira nos anos recentes. Revista de Políticas
Humanos, Globalização Econômica e Integração Regio- Públicas. V. 9, p. 229-249, jan./jun. 2005.
nal: desafios do Direito Constitucional Internacional. São
Paulo: Max Limonad, 2002, p. 568-596, p.572. CARNEIRO, Carla Bronzo Ladeira. Concepções
11
Idem, p. 574. sobre pobreza e alguns desafios para a inter-
12
Dados obtidos no site: < http://www.brasilescola.com/ venção social. Serviço Social & Sociedade. São
geografia/estrutura-populacao-brasileira.htm>. Paulo, n. 84, p. 66-90, nov. 2005.
13
Dados obtidos no site: < http://www.brasilescola.com/
geografia/estrutura-populacao-brasileira.htm>. CAVALLARO, James Louis; POGREBINCHI,
14
Ob. cit. p. 578.
Thamy. Rumo à exigibilidade dos direitos eco-
15
Ob. cit. p. 242.
16
CAMPOS, André. O enfrentamento da pobreza brasileira nômicos, sociais e culturais nas Américas: o
nos anos recentes. Revista de Políticas Públicas. V. 9, p. desenvolvimento da jurisprudência do sistema
229-249, jan./jun. 2005, p. 242. interamericano. Direitos Humanos, Globaliza-
17
CEPAL, 2005, p. 34.
ção Econômica e Integração Regional: desafios
18
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19
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