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Texto retirado do curso: “Trabalho e sujeito revolucionário no

debate contemporâneo” - Prof. Sérgio Lessa da UFAL, o curso foi


ministrado de 3 a 7 de julho de 2006 – Natal – RN. Uma promoção
PPGCS – UFRN e GET (Grupo de Estudos do Trabalho/UFRN),
disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=seZx-R9zp6M
último acesso em: 05/12/2013.

Continuação do texto 3

A ruptura do modo de produção primitivo em direção ao escravismo


foi feita sem nenhum nível de consciência do processo histórico que
eles estavam envolvidos. Se pegarmos a passagem do escravismo
para o feudalismo é pior ainda, ali é o caos. Se tem um momento
em que a humanidade viveu uma crise estrutural sem ter idéia do
que estava acontecendo foi nessa passagem. Não teve sequer um
pensador que tenha tocado no problema fundamental.

No primeiro momento em que teremos alguma consciência do que


está acontecendo sobre ruptura vai ser na passagem do feudalismo
para o capitalismo no momento em que o capitalismo já está
realizando sua acumulação primitiva, ou seja, o mundo já é de
alguma forma capitalista.

Se o mundo é capitalista a partir de 1500, 1600 a consciência vai


surgir a partir daí. O primeiro momento que a consciência se propõe
como projeto de transformação radical vai ser com o Marx. O
argumento do Marx é: o desenvolvimento do capitalismo é de tal
ordem que o desenvolvimento das forças produtivas capitalistas não
destrói os pressupostos do próprio capital. Então ou você tem uma
intervenção consciente da humanidade saindo da pré-história para
história ou balbals...

Na medida em que objetividade e subjetividade são duas


dimensões relacionadas, porém, distintas, você têm alguns
fenômenos que surgem primeiro na realidade objetiva que iremos
conhecer depois, isso não cancela que em determinadas relações
você construa na consciência antes de construir na prática. Uma
coisa não tem nenhum problema, não tem nenhuma dicotomia. A
natureza continua existindo, ela tem a história dela, o ser social
continua existindo ele tem história, essas duas coisas estão
relacionadas, alguns eventos surgem na natureza primeiro e depois
corremos atrás para entender, outros momentos construímos um
machado na cabeça antes de construir na realidade. Não tem
nenhuma dicotomia. O fato dos homens agirem sobre a realidade
não quer dizer que toda realidade seja criação humana, o fato de
toda realidade não ser criação humana, não significa que os
homens não possam agir sobre a realidade. Não tem nenhum
problema aí.

Uma pessoa da platéia: muitas pessoas vêem a realidade objetiva e


subjetiva totalmente separadas e a questão dos fenômenos estarem
em movimento muitas vezes levam a idéia de que a consciência é
“retardada”. Mas como a realidade está em movimento e a
consciência também, muitas vezes essa consciência passa a
velocidade do movimento do fenômeno podendo permitir criar algo
novo, o perigo é pensar que esse algo novo surgiu totalmente da
cabeça, ai esquecemos que esse desenvolvimento é reflexo da
análise dos elementos simples que estavam na realidade.
Tendenciosamente por causa da especificidade das relações
sociais, a maioria dos homens tem um pensamento “retardado”
em relação à compreensão da realidade, mas muitos outros não,
pela própria intuição, analogia, consegue prever, consegue ir à
frente do que a própria realidade.

A matéria é anterior à consciência, ela existe independente dela. Se


não tivermos mundo objetivo, não temos mundo subjetivo. Não é
uma questão da consciência ser mais rápida, se colocarmos as
coisas dessa forma a consciência pode ser mais rápida quanto mais
lenta. Por exemplo, eu posso pensar na categoria do infinito num
universo que pode ser finito, aí a consciência é mais do que a
matéria? Nesses termos a coisa não vai funcionar. Você tem uma
porção da natureza, do mundo objetivo que não é criação humana e
que é anterior à consciência, big bang, galáxias, estrelas, planetas,
a vida até surgir a consciência foram milhões de anos. Os
processos naturais continuam em desenvolvimento, o mundo
natural continua sua história, o novo na história continua a ser
produzido, isso em nada se contrapõe com o fato de a forma do
homem interagir com a natureza para tirar os meios de produção e
de subsistência implica necessariamente que ele construa na
consciência antes dele transformar a natureza.

O fato de pensarmos o machado que é feito de madeira e pedra e


constitui o machado significa que a consciência tem força material
na vida dos homens. Cria produtos e relações sociais objetivas que
não existiam antes, e nesse sentido transforma a natureza no
sentido de que a própria natureza não se transformaria nunca. A
natureza nunca iria produzir machado.

Quando você tem o aparecimento do desconhecido, este


desconhecido, 1 - por ser desconhecido, não pode ser antecipado
na consciência, não podemos deduzir o desconhecido que não
existe, 2 - existem alguns eventos na sociedade que só podemos
conhecer a posteriori, porque eles não existem ainda.

Alguns eventos da sociedade nós conseguimos até prever que eles


aconteçam... dependendo do objeto, as antecipações são
possíveis... outros eventos como não existem, só podemos
conhecer a posteriori...

O idealismo clássico, Kant e Hegel, Kant afirmava textualmente que


a objetividade é uma criação da subjetividade, com isso ele não
quer dizer que o mundo não exista, ele irá fazer um enorme esforço
para dizer que existe uma dimensão intersubjetiva que nos
relacionam e que tem um mundo da prática que requer a atividade
humana para consertar o mundo, Kant tem uma preocupação
política, Hegel também. Este idealismo decadente que conhecemos
não tem nada a ver com o idealismo clássico. Essas idéias das
representações, de que o mundo é o que as pessoas pensam dele,
portanto não importa o que o mundo é, importa o que os sujeitos
pensam dele, isto não tem lugar em qualquer grande idealista.

Lukács em um texto: “A crise da filosofia burguesa” recupera aquela


idéia que o Marx tem que: a partir de 1848 a tarefa histórica da
burguesia estava completa e ela se transforma essencialmente
numa classe antirrevolucionária, e que a partir desse momento ela é
capaz de produzir conhecimentos no sentido singular, mas não
consegue mais generalizar esses singulares para produzir uma
concepção de mundo que faça jus ao avanço do conhecimento que
está acontecendo. Você tem cada vez mais que inventar teorias
acerca do mundo que possibilitem você trabalhar instrumentalmente
com o conhecimento que você adquire, mas que não possibilita
você elevar conhecimento a crítica do mundo burguês.

Este idealismo contemporâneo cumpre essa função. Ele serve para


fazermos pesquisa de mercado, eleitoral, tecnologia, serve pra tudo
isso... mas não conseguimos tirar dos conhecimentos científicos e
generalizar o suficiente por exemplo pra combater os preconceitos
religiosos. A idéia de que a consciência criou o mundo é muito
presente na academia contemporânea por este idealismo burguês
em decadência. Por que os grande idealistas da época que a
burguesia era revolucionária nunca disseram uma barbaridade
dessa, porque a preocupação deles é transformar o mundo.

A relação entre realidade objetiva e subjetiva que tem como


fundamento o trabalho, isto é o que faz com que a razão humana
tenha que fazer esse caminho de ida e de volta e é isto que
possibilita que reflitamos na consciência o que o mundo é.

Quando se descobriu no Brasil a estética do Lukács tem um


capítulo que chama a lógica da particularidade do IV volume que
tudo quanto é lukasciano no mundo vai em cima dele. A discussão
que o Lukács faz é interessantíssima ele vai dizer: a particularidade
é o local da concreção. O singular tende a ser abstrato, o universal
tende a ser abstrato, mas o particular tende a ser o concreto. Obs:
apenas na obra de arte, mas isso não vale pra toda e qualquer
relação.

O capital é concreto na sua universalidade (suas categorias como


tempo de trabalho socialmente necessário, queda da taxa de lucro,
as tendências), não encontraremos no capital de cada empresa
especificamente. Nos casos singulares temos variações de leis
gerais. Aquele texto do Lukács fazia referência à obra de arte,
porém a idéia de que o particular é concreto não vale para qualquer
relação social.
Podemos estudar um objeto um estudo de caso, por exemplo, eu
pego o objeto que faz parte do universal (mas que não é o
universal, é um caso na sociedade, mas ao mesmo tempo enquanto
caso ele compõe uma totalidade, ele tem uma série de elementos
que se articulam numa totalidade que garante a ele uma identidade
diferente dos outros, ele é um fenômeno diferente dos outros). O
que não pode se perder nesses casos é a relação entre particular e
universal; na maior parte das vezes a totalidade é um momento
predominante. Quando é que a totalidade não é um momento
predominante? Quando temos a revolução, por exemplo. Imagine
a seguinte situação: um estudo de caso da queda da bastilha em
julho de 1789, a revolução não tinha acontecido ainda, caiu a
bastilha. Se fizermos um estudo de caso constataremos que há
uma anomalia em Paris em que o resto da Europa continua tal
como era, tirar da relação singular/totalidade qual seria a previsão
do que iria acontecer: esta anomalia vai ser rapidamente trazida
para o resto da Europa. Só que essa anomalia era um
aparecimento de uma nova essência, (sociedade burguesa madura
na França) apesar de singular o momento predominante está
aqui. Algumas vezes o momento predominante é a singularidade.
Tem que tomar um certo cuidado, na maior parte das vezes a
totalidade é predominante, o que significa que algumas vezes não.
Quando você tem um salto ontológico, no primeiro momento não,
ou seja, o salto ontológico é singular.

Na medida em que a sociedade vai se desenvolvendo, que as


relações sociais objetivas vão se constituindo em novas
necessidades, novas possibilidades, e por isso novos momentos
históricos, a concepção de mundo que acompanha esse
desenvolvimento vai se transformando.

É impossível uma transformação do mundo objetivo sem


transformação do mundo subjetivo. Esta transformação pode ser
mais autêntica, alienada etc...

A possibilidade é uma dimensão objetiva, a possibilidade é


possibilidade de ser e de não ser, vai depender em alguma
dimensão do acaso e em alguma dimensão da atividade humana.
Retomando: o trabalho remete necessariamente além de si próprio.
Remete para além de si próprio porque o trabalho sempre tem uma
finalidade precisa. Você sempre quer produzir alguma coisa a partir
de alguma coisa. A finalidade é precisa. Apesar disto o trabalho
sempre produz algo além da finalidade imediata. Você produz o que
é necessário, o que é preciso, mas você também produz novas
necessidades e novas possibilidades objetivas e subjetivas.

Na medida em que o trabalho remete sempre além de si próprio e


na medida em que entre a objetivação e a exteriorização eles são
necessariamente articulados, porém são necessariamente distintos.
Uma coisa é transformar a natureza (no caso do trabalho) outra
coisa é a transformação que o indivíduo passa ao transformar a
natureza. Uma coisa é o processo de autoconstrução do indivíduo
enquanto uma personalidade humana cada vez mais desenvolvida,
outra coisa é o desenvolvimento das forças produtivas enquanto
forças produtivas cada vez mais desenvolvidas.

Diferente do que acontece com os animais, na reprodução do


mundo dos homens nós temos necessariamente dois pólos (é uma
reprodução só). Um pólo é formado pelo desenvolvimento das
forças produtivas, o outro pelo processo de individuação; ambos
compõem a história humana. A história dos homens é o
desenvolvimento das formações sociais e dos indivíduos que a
compõe.

Ao estudar a reprodução social, nós precisamos estudar as


relações entre esses dois momentos (pólos); desses dois o
momento predominante é o desenvolvimento das forças produtivas,
porque as mesmas realizam a cada momento histórico o
intercâmbio orgânico do homem com a natureza (trabalho).

A primeira formação social (que a antropologia, arqueologia


comprova) compunha as chamadas sociedades primitivas
(comunismo primitivo). O que caracteriza essas sociedades?

Na sociedade primitiva temos a forma mais primitiva (mais próxima


da natureza) do intercâmbio orgânico do homem com a natureza,
mal saímos daquela condição de primata superior, estamos dando
os primeiros passos como seres humanos, e nos organizamos em
pequenos bandos (parecido como nossos antepassados viviam); e
a única atividade econômica é catar da natureza aquilo que
encontrarmos para sobreviver, o trabalho, portanto desta sociedade
é o trabalho de coleta. Como o trabalho de coleta é muito pouco
produtivo o resultado disto é que primeiro você tem que trabalhar 16
horas por dia, você vai sair catando comida o tempo inteiro, mesmo
assim você não vai conseguir catar tudo aquilo que precisa. Os
fósseis encontrados indicam que o índice de subnutrição na
sociedade primitiva era brutal, carência cálcio, vitaminas, etc... As
pessoas passavam fome, era normal sentir fome, a média de vida
das pessoas nesse momento mal chegava aos 20 anos de idade,
as mulheres começavam a ter filhos aos 10 anos porque a vida era
muito curta, as pessoas morriam muito cedo. É verdade que
algumas sociedades primitivas conseguiram alguns equilíbrios
fantásticos e algumas delas sobreviveram até o século XX, mas é
exceção, a regra era miséria total.

Na medida em que o trabalho produz muito pouco a única


alternativa é trabalhar o dia inteiro, todo mundo, de criança a velho.
É encontrar comida e colocar na boca. Como resultado disto você
não tem classes sociais, todos fazem exatamente a mesma coisa e
não tem a possibilidade de um viver da exploração do trabalho do
outro, porque se produz tão pouco que você vai gastar mais tempo
vigiando o cara que você está explorando e o que você vai tirar dele
é tão pouco que não compensa o tempo que você deixou de catar
comida. Se você for explorar uma pessoa você vai comer menos do
que trabalhando você mesmo. A produtividade é tão baixa que não
compensa explorar ninguém. Neste momento da existência em que
não temos classes sociais e o trabalho é extremamente primitivo
(produz muito pouco) a chave para a sobrevivência é a
colaboração.

A sociedade se organiza em pequenos grupos porque a


organização de pequenos grupos por um lado permite sobreviver da
coleta dos recursos disponíveis naquela área de alcance que o
grupo tem. Ao mesmo tempo o pequeno grupo possibilita
potencializar as forças humanas de defesa, você possibilita procurar
comida em várias diferenças, aumentamos a probabilidade de
sobrevivência.

Na sociedade primitiva o que separava os indivíduos era o que eles


eram biologicamente falando. Se eles eram homens ou mulheres,
se eles eram adultos, crianças, velhos, doentes e saudáveis.
Homens ou mulheres porque a taxa de fertilidade de um grupo é
dada pela quantidade de mulher que você tem. Se o grupo perder
um homem não é tão grave quanto perder uma mulher. Se perder
uma mulher perde-se a capacidade de ter um bebe por ano e isto é
grave. Você tem que proteger as mulheres das atividades perigosas
e você tem que fazer com que os homens façam as atividades
perigosas, com isso garantimos a manutenção da taxa de
reprodução do grupo, essa tática já é utilizada pelos primatas,
nesse momento temos a sociedade matriarcal, não porque a mulher
tem poder sobre o homem, mas porque a linha de parentesco que
se estabelece é a da mãe. Você sabe quem é a mãe, o pai são
todos do grupo, você não sabe quem é o pai, não havia restrição
nas relações sexuais a não ser relações de incesto etc...

Com o trabalho de coleta que resulta numa sociedade primitiva


você tem uma existência tão submetida à natureza que o poder do
homem sobre sua própria história fica subsumido; a humanidade
está fazendo a sua história, mas em condições tão duras na relação
com a natureza que depende tanto do que vai acontecer na
natureza que o poder do homem sobre a sua própria história fica
muito difícil de ser percebido, na maior parte das vezes os homens
concebiam o mundo como regido por deuses, por forças que eles
não controlavam, os deuses agiam através da própria natureza. A
concepção de mundo que temos nesse momento é a religião e o
animismo. Ou seja, você concede alma aos eventos naturais e você
passa a explicar a partir da ação dessas almas o que acontece na
sua vida.

Frente a uma realidade que você não consegue explicar e adversa,


ou por causa das forças produtivas são muito primitivas ou porque a
alienação é tão intensa que não permite que você entenda a
realidade na qual você vive a tentativa é explicar a realidade através
de almas miraculosas, isso cancela o efeito negativo porque agora
pelo menos estão “entendendo” o que está acontecendo.

A modalidade histórica do trabalho (trabalho de coleta, modo de


produção primitivo) funda a modalidade de formação social
(comunismo primitivo/matriarcado) que funda uma concepção de
mundo (religiosa animista). A vida cotidiana possibilitada pelo
desenvolvimento das forças produtivas (trabalho de coleta, modo de
produção primitivo) faz com que as pessoas (comunismo
primitivo/matriarcado) enxerguem (pensem) o mundo dessa forma
(religiosa animista), essa forma de ver o mundo não é uma inteira
falsidade, existem elementos de ciência e filosofia dentro dessa
concepção de mundo.

Apesar dessa situação miserável o homem continua a trabalhar,


portanto a produção de novas necessidades e possibilidades
subjetivas e objetivas continuam. Os conhecimentos vão se
desenvolvendo, as habilidades também e milhares de anos depois a
humanidade chegou em um momento de desenvolvimento das
forças produtivas que finalmente você pode aproveitar a semente.
Não é que a humanidade antes não sabia que plantando semente
nascia (certamente sabia), a questão é que chega um determinado
momento no desenvolvimento social onde a coleta se desenvolveu
um pouco, e você já consegue destacar alguns indivíduos pra
começar a fazer agricultura (plantar e tomar conta daquilo que será
plantado pra não ser destruído por animais, etc...) e depois fazer a
colheita. Como é que vai se desenvolvendo o trabalho de coleta?

1 - Fundamentalmente conhecendo melhor a natureza as tribos


começam a fazer rotas de migração (nomadismo) fixas, tal época
vou pra tal lugar, tal época vou pra outro... Dessa forma não há
mais coleta aleatória, mas sim uma atividade mais científica de
coleta, 2 - se você passa sempre pelos mesmos lugares você pode
começar a guardar ferramentas, se num determinado lugar é bom
pra fazer ferramenta de pedra e você sabe que a 30 km você vai
precisar daquela ferramenta, mas você não tem como produzi-la
então no ano você acaba fazendo duas, deixa uma aqui e leva
outra; e isso vai aumentando a produtividade (desenvolvimento das
forças produtivas). 3 – Você começa a desenvolver técnicas de
caça que possibilitam utilizar armamentos mais pesados, de
arapucas para lanças pequenas, maiores, arco e flecha etc... Você
começa a fazer uma atividade de caça mais “científica”.

No momento final dessa sociedade primitiva (momento de


desenvolvimento máximo), algumas tribos já estavam fazendo caça
de elefante; você tem comida de excelente qualidade para os
padrões da época e em enorme quantidade, isto garantia comida
para a tribo que sobrava... Com o fogo você tinha a possibilidade de
fazer carne defumada, eles descobrem que se você queimar ossos
o tutano dura mais alguns meses, eles começaram a guardar
(grudas, escavações) tutano. O processo vai se desenvolvendo, as
pessoas vão vivendo mais, aprendendo mais, você tem mais coisa
pra transmitir para gerações vindouras, todos os complexos de
transmissão de conhecimento, cultura e costumes vão se
desenvolvendo, os indivíduos também, eles tem que ter uma fala
mais articuladas, novos nomes, raciocínios mais complexos,
emoções mais sofisticas, obras de arte mais impressionantes...
Chega um momento que há um salto ontológico (se descobre a
semente, agricultura e você tem pela primeira vez o indivíduo que
trabalha produzir mais do que precisa, surge o trabalho excedente.
Porém não é suficiente pra que a produção atenda todo mundo, o
indivíduo produz mais do que ele precisa, mas na sociedade você
tem mulheres grávidas, pessoas doentes, crianças, velhos que não
podem trabalhar. Este excedente ainda não é suficiente pra atender
a todos.

Quando se descobre a semente, você tem a articulação do trabalho


excedente com a carência que agora é muito menor do que o
período anterior, mas se mantém de alguma forma. O aparecimento
do trabalho excedente e da carência é chamado de revolução
neolítica.

Quando temos então a descoberta da semente e a possibilidade do


trabalhador produzir mais do que ele precisa, mas esse excedente
ainda não é suficiente pra abastecer toda a sociedade, temos pela
primeira vez na história a articulação entre trabalho excedente e
carência. Na etapa anterior tínhamos carência, a mais absoluta sem
trabalho excedente. O que você produzia não era suficiente. A
carência era uma questão plena.

Se tem carência, como distribuímos o trabalho excedente? Esta


produção que o indivíduo está fazendo além do que ele precisa, vai
ser distribuído como? Você tem duas possibilidades e as duas já
foram testadas pela história.

1 – A possibilidade mais freqüente, mais comum, aconteceu na


maior parte das vezes, se você tem uma sociedade fundada na
colaboração, mas zerada e uma sociedade na qual a condição de
existência de cada um era garantir a existência de todos... Se você
tem uma sociedade dessa forma e se começa a ter, por exemplo, o
cara precisa de 30 sacos de trigo e produz 35, o natural é pegar
esses 35 faz um depósito comum e a partir daí, você faz um critério
de distribuição que leve em consideração a necessidade das
unidades familiares e a coisa começa funcionando assim. A
produção toda você coloca num payol e a partir daí você tem um
critério que varia muito de trigo pra trigo, de uma cultura para uma
cultura, mas normalmente os mais velhos formam um conselho que
garante a distribuição, a mais equitativa possível de acordo com as
necessidades. O fundamental é que toda vez que você tem essa
distribuição igualitária, absolutamente democrática, você começa o
ano seguinte no mesmo patamar que você começou o ano
passado, ou seja, sem nada. Como a produção não dá pra todo
mundo você consome tudo. O ano termina bem depois da produção
que você tinha alcançado. O desenvolvimento da sociedade se dá
de maneira muito lenta, você não tem um processo de acumulação
e o resultado disso é que o desenvolvimento das forças produtivas
depende em larga medida do desenvolvimento da tecnologia, as
técnicas, ferramentas, etc... que é um processo histórico
relativamente lento e depende fundamentalmente do aumento da
população. Quanto mais gente trabalhando mais força de trabalho,
maior a capacidade produtiva naquela cidade. É um processo muito
lento.

2 – Há uma outra forma que surge em larga medida por acaso.


Algumas regiões do planeta você tem a convivência de tribos que
se especializaram em caça e tribos que se especializaram em
agricultura. As tribos que se especializaram em caça na coleta já
estavam naquela fase de matar animais de grande porte com armas
pesadas (lanças pesadas, arco e flechas pesados). Um belo dia
eles vão sair para caçar um elefante e vê o payol de uma tribo no
vale cheio de trigo. É mais vantagem saquear o payol dos caras do
que sair atrás de uma caça. Pela primeira vez começa uma
relação de exploração do homem pelo homem. Você tem as
tribos que faziam caça e que eram portadoras de armas que
começam a utilizar pela primeira vez as armas contra os seres
humanos (começa a guerra). Neste processo num primeiro
momento, eles vão, destroem a aldeia e a saqueiam. Num segundo
momento eles descobrem que mais vantajoso que saquear a aldeia
é todo ano cercar a aldeia pra ameaçar destruí-la e pegar uma parte
da produção. No terceiro momento descobrem que é mais
vantajoso invadir a aldeia, matar todo mundo que não tá na idade
de trabalho e que, portanto só vai consumir, transformar a terra em
propriedade privada dos conquistadores; os indivíduos em idade de
trabalhar você transforma em escravos e começa o escravismo.

Qual é a vantagem do escravismo em relação às sociedades


igualitárias?

Você elimina as pessoas que não podem trabalhar da classe


dominada, você só mantém produzindo trabalhadores, com isso
você tem o trabalho excedente totalmente a disposição de você; se
você tem bastante escravo, você pode fazer eles comer menos do
que eles precisam mesmo que eles morram mais cedo, com isso
você faz com que a classe dominante fique com uma riqueza e nem
que ela queria ela consegue consumir tudo, sobra pra investir na
sua propriedade, o que significa desenvolver as forças produtivas.

A sociedade escravista terá um desenvolvimento das forças


produtivas na comparação com a sociedade igualitária muito mais
rápido, o que possibilita a ela transformar a sociedade igualitária em
fonte de mão-de-obra escrava pra sua própria sociedade. O que
agente passa a ter é um processo em que a sociedade escravista
concentra riqueza na classe dominante, essa classe dominante
monta um exército e com este exército conquista mais escravos,
com mais escravos ela tem mais riquezas, monta um exército
maior, conquista mais escravos e com isto você vai acumulando
riqueza e possibilita o desenvolvimento das forças produtivas muito
mais rapidamente e com o tempo a sociedade igualitária vai sendo
substituída pela sociedade escravista.

A entrada da sociedade de classes na história do homem não é


porque os homens são maus, concorrentes, mesquinhos,
concorrenciais. Nós somos hoje (porque vivemos numa sociedade
burguesa), isso não quer dizer que a essência humana seja isto. A
sociedade de classes entra na história porque é a forma de
organização social mais adequada a desenvolver as forças
produtivas numa situação histórica onde você tem trabalho
excedente e carência. Se você não tem trabalho excedente, não dá
para ter exploração do homem pelo homem, se você tem carência,
não dá para ter distribuição igualitária. Uma sociedade igualitária
em uma situação de carência, desenvolve as forças produtivas mais
lentamente que uma sociedade de classes, então a sociedade de
classes tende a predominar.

O aparecimento da exploração do homem pelo homem não é nem


uma opção dos homens (conscientes, refletidos), nem é decorrência
de uma mesquinharia inerente ao ser humano. É decorrente de uma
situação histórica que articulou num longo período histórico,
trabalho excedente e carência. Aonde você tem carência não dá pra
ter distribuição igualitária. Por causa disto que o Marx na Ideologia
Alemã vai dizer: olha, se a revolução não começar pelos países
mais avançados, a velha merda se põe novamente.

Aonde você tem carência, você não tem como ter distribuição
igualitária. Portanto repõe a propriedade privada.

É de extrema importância, porque isto tem a ver com o propósito da


ontologia do Lukács, o propósito da ontologia é demonstrar que os
homens fazem a história, não tem nenhuma essência que
condicione a história dos homens, ou que limite a história dos
homens, que determine a história dos homens. Os homens têm
uma essência, mas uma essência que eles mesmo constroem. A
própria essência humana é resultado do desenvolvimento humano.
A entrada da sociedade de classes é fundamental pra moldar a
essência humana da qual somos portadores hoje. Mas não é
decorrência da existência humana que nos fazia egoístas,
mesquinhos, proprietários privados antes de ter classe social,
mesquinharia etc...

Quando entra o modo de produção escravista o trabalho muda


radicalmente. O trabalho continua sendo o intercâmbio do homem
com a natureza, o trabalho manual continua sendo necessário,
trabalho intelectual não transforma a natureza. Pra termos a
sociedade escravista temos que ter uma forma de trabalho
específica.

O que que vai ser o trabalho escravo?

O trabalho escravo só pode ser uma particularidade do trabalho


universal. Neste momento temos a exploração do homem pelo
homem, agora o trabalho não é mais pra suprir a necessidade dos
homens, o objetivo é atender as necessidades humanas de forma a
enriquecer a propriedade das classes dominantes. Continua sendo
trabalho? Sim, mas um trabalho com determinações históricas que
o trabalho anterior não tinha.

Como vai funcionar o trabalho escravo?

Você tem a classe dominante (senhores de escravos) e a classe


dominada (os escravos). Os escravos é que vão realizar o trabalho
manual, mas ao realizar este trabalho manual eles vão incorporar
na teleologia necessidades e possibilidades produzidas
historicamente que dizem respeito aos interesses da classe
dominante, e não da classe dominada. Ou seja, eles vão trabalhar
pra produzir não o que eles precisam, mas sim trabalhar pra
produzir o que a classe dominante precisa. O trabalho escravo
manual que vai incorporar uma teleologia que reflete os interesses
da classe dominante. Pra que isso aconteça a classe dominante
tem que exercer uma atividade de controle sob essa produção, essa
atividade de controle vai determinar o que vai ser produzido e como
vai ser produzido. Esta atividade de controle é o trabalho intelectual.
Quando você tem a cisão entre trabalho manual e trabalho
intelectual é porque você tem cisão entre a classe dominante (que
vive da riqueza produzida pela classe dominada) e a classe
dominante (que produz a riqueza da qual vive a classe dominante).
Esta cisão do trabalho intelectual e manual não é a cisão entre o
cérebro e a mão do mesmo indivíduo. O trabalho intelectual só
surge na história quando você tem a cisão entre o trabalho manual
e a atividade de controle deste trabalho, esta atividade de controle é
o trabalho intelectual. O trabalho intelectual vai determinar o que e
como vai ser produzido. Isto não significa que você cancela a
consciência do trabalhador. A teleologia da classe dominante só
pode se transformar em teleologia que vai mover a mão dos
escravos, se o escravo entendeu o que tem que ser produzido e
como tem que ser produzido. Se ele não entender o que tem que
ser produzido e como, ele morre. O fato do escravo incorporar a
teleologia da classe dominante não significa que ele deixa de
pensar e o seu trabalho não deixe de ter um momento de teleologia.

Nesta circunstância, a qual eu sou dominado, a melhor coisa a fazer


das necessidades e possibilidades concretas é trabalhar dessa
forma.

Uma vez incorporada essas necessidades você tem o mesmo


processo. Objetivação, exteriorização, produção de novas
necessidades e possibilidades; produção de novos objetos que
produzem novas necessidades e novas possibilidades, isso tudo
gera uma nova situação que rebate na teleologia da classe
dominada e no controle da classe dominante.

Se isso acontece na esfera do trabalho manual, o que acontece


na esfera do trabalho intelectual?

Na esfera do trabalho intelectual você tem uma estrutura muito


semelhante, do ponto de vista formal, uma estrutura idêntica. Você
tem o indivíduo da classe dominante que tem uma teleologia (eu
quero ter riqueza, e a melhor possibilidade neste momento é esta),
ele vai ter um processo de objetivação (que não vai ser
transformação da natureza), mas vai ser a construção de todas as
mediações necessárias pra que essa atividade de controle
aconteça. Ele vai contratar soldado, administrador, vai fazer uma
pesquisa, vai ver o que tá acontecendo em tal lugar, vai buscar
informações. Ele vai objetivar todas as atividades necessárias e ele
vai construir as relações necessárias (os complexos sociais
necessários) pra que essa atividade de controle dê certo. Neste
processo de objetivação, ele também tem o processo de
exteriorização (ele aprende, ele se desenvolve, conhecimentos e
habilidades). E na medida em que ele consegue desenvolver esses
mecanismos de controle e os mesmos estão funcionando você tem
novas relações objetivas (complexos sociais, Estado, direito e
exército, carcereiro, funcionário público e com isso você tem a
produção de novas necessidades e novas possibilidades.)

A separação entre o trabalho intelectual e manual corresponde à


separação da classe dominante para a classe dominada é a
atividade da classe dominante sobre a classe dominada pra fazer a
classe dominada tirar da natureza o que interessa a classe
dominante da forma que lhe interessa.

O que determina se algo é trabalho ou não é a função social que


exerce numa sociedade de classes.

No modo de produção primitivo a razão imediata da vida social era


a reprodução da coletividade, agora a razão imediata da vida passa
a ser a reprodução da riqueza da classe dominante. Isto significa
que todas as relações sociais se modificaram profundamente,
inclusive a relação do indivíduo com ele mesmo.

No interior da classe dominante, a primeira coisa que acontecerá é


a separação entre o homem e a mulher, inteiramente distinta da
separação que você tinha no modo de produção primitivo. O
homem será o portador da propriedade privada, por quê?

Porque como os homens faziam as atividades perigosas na


sociedade primitiva, a caça de grandes animais era uma prática
masculina na sociedade primitiva, pois os homens eram mais
descartáveis que as mulheres.

Na sociedade primitiva não existia casa.


Como o homem será o detentor da propriedade privada ele passa a
ter na sua relação com a mulher a mesma relação, ou uma relação
análoga que ele tem com a classe dominada que não tem
propriedade privada. Ou seja, você passa a ter na relação entre o
homem e a mulher, o homem é proprietário privado e a mulher
passa a ter dois papéis sociais possível: esposa ou prostituta.

O que que vai ser a esposa?

A esposa vai ser aquela mulher que virá virgem para o casamento
para garantir que o filho primogênito seja de fato o filho dele. Por
isso que o primogênito vai ter a primazia na herança, porque é a
garantia que o filho é dele e não do principal concorrente que ele
lutou a vida inteira tirando a riqueza.

As mulheres além de se transformarem em esposas, aquelas que


não se transformam em esposas, são transformadas em prostitutas,
mesmo quando a prostituição tem uma aparência social digna. Na
Grécia antiga tinha as hetéras que eram as únicas mulheres que
tinham orgasmo. Elas viviam em templos dedicados aos deuses e
os homens iam pra lá pra ter relação com elas, o que era
considerado uma experiência meio religiosa, eles tinham que pagar
o tempo.

Mesmo quando existia uma relação assim, que inclusive as


mulheres poderiam dizer: com este não; mesmo assim você tem a
submissão da mulher que não tem ao homem que tem. Ou seja,
deixa de ser uma relação do que as pessoas são (mesmo que seja
biologicamente), é uma relação na qual interfere a propriedade
privada. O poder econômico da propriedade privada instala na
relação entre as pessoas, e, portanto se instala na relação entre
homens e mulheres.

Na medida em que isto perdura por milênios, você vai ter na


configuração dos indivíduos masculinos esta determinação
(portador da propriedade privada) e na configuração dos indivíduos
femininos essa determinação (não proprietárias da propriedade
privada, esposa ou prostituta). Ou seja, ao longo de milhares de
anos, os homens vão se tornando os homens que nós somos, e as
mulheres vão se tornando as mulheres que nós somos.
Você passa a ter uma relação entre os homens que determina até
do ponto de vista afetivo, do ponto de vista físico o que os sexos
vão ser.

A figura do corpo humano incorpora determinações sociais.

Esta é uma determinação extremamente profunda na constituição


da personalidade da gente. Os homens têm quer ser experientes
sexualmente, ter iniciativa, ser valentes, saber fazer trabalho
manual. As mulheres têm que ser dóceis, submissas, não pode ter
iniciativa, não pode ser inteligente, não podem ter opinião, é claro
que hoje isso se mexeu muito, mas quando dizemos que muito se
mexeu é porque muito permanece.

Essas incorporações não acontecem porque somos assim por


natureza, não tem uma essência, um Deus, uma força da natureza
que impõe que sejamos assim. Nós somos assim porque os seres
humanos se fizeram assim, e se fizeram assim nesse caso, não foi
por uma questão de opção consciente. Você passa de uma
sociedade de carência absoluta para uma sociedade que tem uma
força produtiva muito mais desenvolvida e que produz rapidamente
a custo de destruir a classe dominada o que implica em destruir
parte da classe dominante.

Você incorpora essa relação destrutiva também na classe


dominante. Se o que passa a reger a sociedade é a propriedade
privada, isso regerá os indivíduos.

Os indivíduos tem auto-estima quando sua propriedade privada está


subindo e vive-versa.

Se a obra do Lukács já é ultrapassada do ponto de vista


antropológico, imagina a do Engels. Agora a parte 9 que ele faz a
relação do trabalho excedente, carência, classe social, estado e
família monogâmica é perfeito.

A idéia é: nós somos assim, mas nós somos assim não é porque
não podemos ser diferentes, somos assim porque nós nos fizemos
assim. Se nós nos fizemos assim, nós podemos nos desfazer e
fazer diferentes.
E nós nos fizemos assim por quê? Porque você teve um
desenvolvimento das forças produtivas que possibilitou, exigiu uma
transformação da relação do homem com a natureza, surge o
trabalho intelectual e o trabalho manual. Uma relação entre a classe
dominante/dominada, reordenação da sociedade.

Na condição de carência e trabalho excedente, nesta situação


histórica, você só consegue produzir essa riqueza civilizatória
destruindo a maior parte da humanidade, que é a classe dominada.
Este é o processo de alienação. A humanidade só pode caminhar
pra frente condenando os escravos a uma vida inumana até para
aquelas situações históricas. Pra que os homens fossem capazes
de realizar aquilo (obra de arte) eles tiveram que fazer isto.

O casamento monogâmico não é o oposto da monogamia, você


pode ter poligamia monogâmica, pois você pode manter o poder do
homem (enquanto proprietário) sobre a mulher não-proprietária. A
relação do casamento monogâmico se mantém. O harém é
exatamente a mesma coisa.

O oposto do casamento monogâmico não é a poligamia, o oposto


do casamento monogâmico é a mais livre e completa liberdade na
relação sexual dos indivíduos. Tal como o oposto do trabalho
abstrato não é o trabalho concreto, mas o trabalho emancipado.

Para que houvesse a atividade de controle por parte da classe


dominante foi necessária a criação de complexos sociais como, por
exemplo, o estado que á articulação entre: burocracia, exército e do
direito. O exercício do poder da classe dominante sobre a classe
dominada pela mediação do estado é a política. Esta não existia na
sociedade primitiva.

A política não é a forma dos homens decidirem a cerca do seu


destino. A política é uma forma específica do exercício do poder do
homem sobre o homem, que tem a ver com a propriedade privada.
O fim da propriedade privada significa o fim do estado e o fim da
política.

O aparecimento das classes sociais, do casamento monogâmico,


do estado e da propriedade privada (o conjunto desses elementos
formam um complexo que se você tirar um ou o outro desmonta
tudo, ele é uma totalidade que só se mantém com estes elementos
articulados). A humanidade saiu do seu período primitivo e entrou
no período da sociedade de classes, que é o período que vai da
revolução neolítica até os dias de hoje.

Se eu tenho o trabalho escravo (que significa a separação entre


trabalho manual e intelectual) significa que eu tenho classes sociais
específicas (senhor de escravo e o escravo). O problema é que o
senhor de escravo não consegue dominar os escravos sozinho, no
início você tem relativamente poucos escravos por senhor de
escravo, mas em Roma nós chegamos a ter 746 escravos pra cada
senhor de escravo. Se você não tiver um exército poderosíssimo,
você não consegue manter esses escravos trabalhando.

Não dá pra fazer um exército de escravos, se você ensinar o


escravo a combater, o que vai acontecer? Você tem criar uma outra
relação que não seja classe dominante, e que ao mesmo tempo
possibilite dominar o escravo. Esta relação no escravismo era a
relação do assalariamento, o salário surge pra classe dominante
pagar os auxiliares que ela precisa para controlar o trabalho
escravo, inclusive reprimir. Um assalariamento vai colocar na
sociedade de classes os auxiliares que compõem: a burocracia, os
juízes, os advogados, os promotores, os carcereiros, os soldados,
polícia, os ideólogos, os professores...

A riqueza produzida pelos escravos é apropriada pela classe


dominante e uma parte dessa riqueza vai para os auxiliares. No
modo de produção escravista esse movimento fica conhecido como
custo de produção.

Os artesãos fazem parte dos grupos auxiliares, agora quando o


artesão produz uma cadeira, por exemplo, ele está executando
trabalho manual quando não é escravo e trabalho manual mais
sofisticado que é assalariado. Nem todo assalariamento é atividade
de controle.

Com o aparecimento das classes sociais, você tem o aparecimento


do estado, casamento monogâmico e propriedade privada.
Essa vida cotidiana impõe uma determinada consciência
(concepção de mundo), tal como a vida primitiva impunha uma
concepção de mundo animista, esta sociedade (escravista),
impunha uma concepção de mundo que dizia: “tem uma essência
humana que faz com que ser homem, seja igual a ser senhor de
escravo” e, portanto a sociedade escravista era a forma natural de
existência do homem, o homem poderia ser bárbaro ou senhor de
escravo e o escravo nem gente era, o escravo é um instrumento
que fala, o cavalo é um instrumento que anda, a vaca é um
instrumento que dá leite, a árvore é um instrumento que dá madeira
(Aristóteles).

A idéia que há uma essência humana imutável, e que esta essência


faz com que o homem desenvolvido seja senhor de escravo,
transforma a sociedade escravista na condição natural, eterna da
existência humana.

Ser escravo, ter escravo não era nenhum problema, era tão natural
quanto o sol nascia. Ninguém duvida que Sócrates era um cidadão
ético, vocês viram alguma vez ele falar contra o trabalho escravo?
Isto não pertencia aos gregos, escravos não eram gente.

Como os escravos entravam como instrumentos de produção, eles


não eram considerados seres-humanos. Esta existência (escravista)
determina esta consciência (escravismo).

A modalidade histórica do trabalho escravo tem um problema


decisivo: o escravo é ser humano e como ser escravo é uma
relação social, o escravo vai reagir a sua situação de exploração.
Como o escravo pode afirmar a sua humanidade frente à uma
sociedade que nega sua humanidade?

Trabalhando da pior maneira possível. O que ele puder fazer para


elevar sua autonomia ele fará. O que significa que o trabalho
escravo produz o mínimo possível o tempo inteiro. E a única forma
que você tem de aumentar a riqueza da classe dominante é você
aumentar a quantidade de escravo, quanto mais escravo, mais
exército, mais controle. O resultado é que o aparelho de controle se
torna tão caro que o que os escravos produzem não dá pra
sustentar.
Por que que o aparelho de controle vai ficando tão caro?

Você tem um burocrata que a classe dominante controla, você tem


dois a classe dominante controla, você tem três, é necessário um
burocrata para controlar os outros três. Isso não dá certo. Você
controla o controlador da relação burocrática. A relação burocrática
é burocrática. Tal com pra você ocupar um território, se você dobra
a área ocupada, você precisa de mais do que o dobro de soldados,
porque além de ocupar o território, você tem que ter linha de
comunicação, abastecimento, etc... Quanto maior o controle social
que você precisa ter, a quantidade de burocratas aumenta
exponencialmente e o resultado disso é que este aparelho todo se
torna caro demais, e o trabalho escravo não sustenta mais.

O que que se faz?

A classe dominante não paga o exército, aí os soldados


mercenários, que não vivem pra combater, mas pelo salário, eles
não combatem. Os escravos começam a se revoltar com mais
sucesso. Desorganiza a produção o império vem abaixo.

Como vai ser a história do escravismo?

Você tem a Mesopotâmia, a Babilônia (que tem seu período de


ascensão e de crise), quando a Babilônia está entrando em crise o
império egípcio tá ascendendo e depois entra em crise, nesse
momento a Persa começa a se desenvolver e os fenícios também,
quando eles entram em crise surge a vez do mundo grego, quando
a Grécia entra em crise, Cartago, quando Cartago entra em crise,
Roma.

Os impérios vão se tornando cada vez maiores e quando chegamos


no império romano, todo império escravista tá contido em um único
império. Qual é a seqüência: você tem um processo de
desenvolvimento até o controle ficar tão caro que não se financia
mais, pum, cai, aí vem outro império... A crise do império romano é
a crise de todo o mundo escravista. Todo mundo que é escravo é
romano. Enquanto essa crise acontece a China tá partindo para a
Mongólia. Os mongóis que não podem ir pra nenhum lugar só
podem vir para oeste, aí eles batem em duas grandes tribos:
magiares e varélis; eles invadem o império romano em crise. Ao
mesmo tempo na Germânia, os godos, visigodos, astrogodos, estão
se organizando para aproveitar que as defesas do império romano
estão ficando fragilizadas. Na região da Noruega você tem os
vinkings que estão começando uma aventura, saem da Noruega,
batem na Inglaterra, Islândia, Groelândia e Canadá. Na Inglaterra
eles atacam o norte da França, os fundamentalistas maometanos
estão se organizando e estão atacando toda a África.

A única forma de sobreviver é montar pequenas guarnições, com


murais para sobreviver e produzir ao redor. Na etapa final do
império romano, em algumas regiões da periferia do império eles
começam a descobrir que a melhor forma de produzir não é através
do escravo, mas é através de uma relação de medo? Você deixa o
cara trabalhar na sua terra, uma parte da produção é pra o
trabalhador e outra pro dono da terra. Esse tipo de relação os
romanos dão o nome de feudos.

O aparecimento do trabalho servil vai dar origem à sociedade


feudal. Esta transição é maluca. A crise do império romano começa
em algum momento no séc. I a.C e terminará em algum momento
no séc. VIII d. C (1000 anos de crise estrutural de um modo de
produção), obviamente que a crise do começo é uma e a do final é
outra. São 1000 anos em que a humanidade anda para trás, em um
processo de involução das forças produtivas.

No modo de produção feudal você tem possibilidades e


necessidades de desenvolvimento muito superiores ao modo de
produção escravista. Do ponto de vista do dia-dia, não se tinha
dúvida que estávamos indo do ruim para o pior. O fim do mundo
escravista era o fim do mundo. Se você vive uma história que a
cada dia é pior, não há perspectiva de melhoria e tudo o que os
romanos puderam fazer para afastar a crise eles fizeram. Esta
dimensão faz com que surja uma concepção de mundo fatalista, o
homem está na terra para sofrer, há um Deus que nos condenou ao
sofrimento eterno, e não há escapatória a esse sofrimento, o que
podemos fazer é viver este sofrimento de maneira resignada ou de
maneira revoltada, mas o sofrimento é inevitável, o mundo está indo
para o apocalipse.
Pelo pecado original a Eva desencaminha a humanidade (relação
patriarcal, propriedade privada), e o resultado disso é que estamos
condenados ao sofrimento até o juízo final. Esta concepção de
mundo que o homem é pecador e que ele está na terra para sofrer
tem base na vida cotidiana. Viver em um momento de crise
intensifica as ideologias. O fatalismo não diminui o sofrimento, mas
como ele explica, ele é mais fácil de ser tolerado. Isto vai
transformar a igreja católica na maior expressão ideológica desse
período histórico, e é isso que vai possibilitar que a igreja católica
se transforme no principal senhor feudal da idade média.

Se pro ser humano no comunismo primitivo as almas que


dominavam a natureza, dominavam a nossa história e impunham a
nossa história, se pro homem no escravismo a essência humana
era de senhor de escravo, no período feudal a essência humana é
ser pecador, o poder da igreja representa os senhores feudais.

Toda concepção de mundo justifica o mundo que é a sua base. Ao


justificar o mundo justifica o poder da classe dominante.

Quando o feudalismo estabiliza, o feudalismo começa a dar certo.


Como o servo fica com uma parte da produção, como a terra que
ele trabalha fica sob a posse dele, dos filhos, ele tem interesse em
aumentar a fertilidade da terra, como as ferramentas são dele, ele
tem interesse em melhorá-las, isto faz com que o período medieval
se desenvolva. Chega um momento que os servos estão vivendo
mais, comendo mais, mais gente e mais produção do que você
consegue consumir.

Surge novamente uma produção excedente e por outro lado, mão-


de-obra sobrando. O que os senhores feudais fazem?

O senhor feudal começa a mandar servo embora. Porém não era


esse o combinado. Isso vale para os que temem a Deus, aqueles
que são revoltados, que não aceitam a ordem que Deus impôs,
essa lei não vale para eles. Eles são excomungados e expulsos do
feudo. Eles passam a viver fora dos feudos numa situação em que
os feudos tem algumas coisas a mais do que eles precisam, e
precisam de coisas que eles não tem.
Se você tem indivíduos vivendo fora do controle da igreja católica
porque foram excomungados. Eles irão adotar o judaísmo por
causa disso, religião mais próxima. Como que esses caras vão
viver?

Roubam um feudo, vendem para outro feudo, compram no mesmo,


vendem para o próximo, compram no mesmo, vendem para o que
já venderam, compram no que já compraram, vendem para o que
um dia roubaram.

Eles não vão comprar e vender em função do que a mercadoria é,


eles vão comprar e vender em função do lucro. Eles vão comprar
cevada por que eles sabem que cevada vai dar lucro em outro
lugar, não porque cevada é cevada.

Surge uma relação social onde o valor de troca é tudo. E o valor de


uso só tem função na medida em que é suporte para o valor de
troca. Ou seja, a utilidade de um produto só tem importância se for
para dar lucro.

É a primeira classe social que está absolutamente articulada com a


lucratividade, com o valor de troca. Esta classe social é a burguesia
nascente. Isto é o capitalismo nascente. Os judeus jogam um papel
fundamental nesse momento, os primeiros comerciantes, como eles
foram expulsos dos feudos, eles não pertenciam mais a igreja
católica, então eles começaram a se agrupar em seitas religiosas.

Na medida em que valor de troca e lucro começa a ser a principal


preocupação e vai se universalizando, do séc. XV para o séc. XVI
temos o aparecimento do mercado mundial. Pela primeira vez, o
gênero humano deixa de ser um gênero meramente biológico e a
humanidade passa a ter uma história em comum em todo o planeta.
A partir deste momento todo mundo passa a fazer parte das
mesmas relações econômicas. O gênero humano agora é social, é
influenciado pelas mesmas relações sociais.

Ao surgir o mercado mundial a produção no interior da Europa


começa a se transformar. É reorganizado o trabalho manual,
começam a surgir as manufaturas, e logo, os assalariamentos.
Quando chegamos na passagem do séc. XVIII para o XIX, nós
teremos a revolução francesa, 1789 à 1815, a derrota de Napoleão
teremos a revolução industrial de 1776 à 1830, que enterra de vez o
feudalismo. E substituí a mão de obra servil, pela mão de obra
assalariada ou trabalho abstrato.

Ao surgir o modo de produção capitalista, surgirá uma nova


concepção de mundo. Esta concepção de humana vai ser articulada
pelos grandes filósofos burgueses. Hobbes, Locke, Rousseau e
Hegel. O que eles têm em comum: há uma essência humana
imutável que faz do homem um animal burguês.

Essa concepção de mundo vai tornar a sociedade burguesa natural.

Faz parte dessa sociedade a idéia de que trabalho produtivo só é


aquele que dá lucro para a burguesia.

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