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RENAN REIS FREITAS DE CARVALHO

A procura de
alguma poesia
UM POEMA PARA O POETA.............................................................6

RUÍNAS.................................................................................................. 7

HUMANISMO....................................................................................... 8

ESPELHO.............................................................................................. 9

NÓS E A NATUREZA........................................................................... 9

FOTOTROPISMO................................................................................9

RESTOS DE VIDA.............................................................................10

TEMPO E SAUDADE........................................................................10

PERCEPÇÕES..................................................................................... 11

SOLIDÃO DE SÁBADO..................................................................... 11

MERCADO.......................................................................................... 12

POESIA............................................................................................... 13

IMPASSE............................................................................................. 13

VAZIO.................................................................................................. 14

DIANTE DA FOME............................................................................14

RASCUNHO........................................................................................ 15

SER POÉTICO.................................................................................... 16

ALMA.................................................................................................. 16

QUESTÃO DE EXISTÊNCIA.............................................................17
CONTO A CONTO.............................................................................. 17

PESOS E MEDIDAS...........................................................................18

SILÊNCIO............................................................................................ 18

CARINHO DE VERÃO......................................................................19

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA........................................................19

PALAVRAS DO CONCRETO............................................................21

NATUREZA HUMANA...................................................................... 22

CONHECER-SE................................................................................... 23

NINGUÉM PODE SER JOSÉ............................................................23

SONHOS.............................................................................................. 24

PEDIDO.............................................................................................. 25

QUESTÕES DO MEU SER................................................................25

VERBALIZO VOCÊ............................................................................ 26

RECUERDOS...................................................................................... 27

DECISÕES E RETICÊNCIAS............................................................27

HUMANUM EST................................................................................ 28

PARLABORLETA..............................................................................29

NA BEIRA DA VIDA..........................................................................29

O JARDIM........................................................................................... 30

VERSANDO SOBRE O AMOR.........................................................32


SENILIDADE...................................................................................... 32

FALTA.................................................................................................. 33

MODERNIDADEZINHA QUALQUER............................................34

CONTO DE PASSADO.......................................................................34

CICLOS................................................................................................ 35

CONVERSA DE PASSARINHOS......................................................36

SUJEITOS............................................................................................ 37

PRODUTO DE LIMPEZA.................................................................38

COISAS INVISÍVEIS..........................................................................39

A BALA PERDIDA............................................................................39

CÔMODOS E SONHOS.....................................................................40

ROTINA.............................................................................................. 41

PEQUENO DIÁRIO DE UM VELÓRIO COMUN...........................41

FELICIDADE...................................................................................... 42

FAZ DE CONTA.................................................................................. 43

MÓVEIS............................................................................................... 44

A FOLHA............................................................................................. 45

RACIONALISMO POÉTICO.............................................................45

SOLO ALFABETO..............................................................................46

BONS TEMPOS.................................................................................. 47
O RELÓGIO........................................................................................ 47

TRAÇOS.............................................................................................. 48

PRESSÁGIO DE POEMA..................................................................49

CONCEPÇÃO...................................................................................... 49

PARALISIA DO SONO......................................................................50

REFLEXOS.......................................................................................... 51

LUZ...................................................................................................... 52

SER HUMANO...................................................................................52

DIAS NOVOS...................................................................................... 53

ANTÍTESES........................................................................................ 54

PÔR DO SOL...................................................................................... 54

LUA CHEIA......................................................................................... 55

SERESTEIROS...................................................................................55

PAUSAR-(ME).................................................................................... 56

Pesar................................................................................................... 57
Um poema para O Poeta
(A Carlos Drummond de Andrade)

O Poeta.
Quantos versos!
Nos dá de mãos em sangue,
a antes palavra dicionarizada, de sentido fixo e estático,
o agora merencório verso em coro
com o fundo sentido, com a silente imagem e com o findo desejo...
seu brejo, sua alma, sua procura...

O Poeta.
Quanta Poesia!
Embebida de memória, história e vida
nos dá o boitempo.
Bicho manso,
mansuetude que dói,
que pasta lentamente o seu passado,
quase feérico, banhado de ferro e pó.

Poeta.
Quanto ser!
é preciso chafurdar nas próprias entranhas,
no monturo de si, no mundo à parte,
para em imprecisão,
fisgar o sentido,
conter o significado,
que o poeta transcendido nos dá.

Poeta.
Quão Poeta!
Fazendeiro do Ar,
cultivou sua lavra na terra mais árida,
o reino das palavras, onde rei é só o outro.
Cultivou sua rosa, seu claro enigma,
sua vida passada a limpo, sua pedra no meio do caminho
mesmo ante tanto silêncio e corações sujos.
O Poeta.
um leitor.
leitor que colhe em seus poemas
o doce sabor impuro do branco,
o aprendizado do amor sendo amado,
a graça e a ironia de mãos dadas
passeando por um mundo caduco.
O leitor acolhe sua poesia completa eternamente agradecido.

Ciao Grande Poeta.

Ruínas

passeava no tempo.
no tempo de menino.
sorriso frouxo e amarelo.
o tempo sempre me foi
imparcial, imperecível.
meu corpo, porém,
metamorfose,
do sons da fala,
ao calor do sangue,
meu corpo-mundo,
sempre foi mutante
e o tempo implacável.

o tempo, meu jardim da infância,


estrada empoeirada,
um espaço lúdico
no qual fui jogado,
e caminho através dele,
caminho,
caminho,
estrada sem fim,
caminho sem início,
um joguete,
frágil como humano,
duro como humano.

o tempo não tem pena de mim.

meu mundo colorido


agora é cinza.
meu tempo é contado em pontos.
não tenho reticências,
nem para respirar.
o sono é insone, o sonho seco,
não passeio, não passo, não piso.
o tempo ruiu, o menino ruiu,
a humanidade uma ruína,
e o tempo ainda implacável.

Humanismo

ante a luz das estrelas


consigo sentir
a grandiosidade
da pequenez que é
ser humano.

sob a luz que não sei


o que sinaliza,
porém, luz sem fim,
sinto-me tão só um
ser humano

De coração fraco,
de mãos duras,
de olhos cegos,
boca muda,

ouvidos infensos
a outras súplicas,
sentidos baços,
pele antiternura.

porém, lá no fundo,
na essência do ser,
incompleto imperfeito impossível
sinto-me, com toda a gana do mundo,
ser humano.

ser humano
que admira o que não entende
e por isso mesmo
admira-se consigo.
E é lá fora,
ante o farol das estrelas,
que tento tatear o caminho
para me sentir mais
ser humano.

É diante desse espetáculo


de estrelas, que tento entender
qual a graça,
do ser humano.

Espelho
A ponte que vai de mim ao outro,
É a ponte que uso pra alcançar
A descoberta de mim no outro.
Sinto minhas cicatrizes, minhas ideias.
Sou o início da trilha do passeio: desbravar-se.
O começo da caminhada: descobrir-se,
E os pensamentos alheios brotam do meu eu.
Descortino a face desse sujeito composto, eu,
E em verdade, mostra-se, um sujeito todo oculto.
A ponte que vai de mim para o outro
Perde-se em noites escuras
Nessa ponte sem apoio, apoio-me em mim.
Sou a ponte e o caminho, sou o outro em si.
Na ponte que vai de mim para o outro,
Perco-me no conhecer-me a mim mesmo.

Fototropismo

como inseto em busca de luz


eu em desespero persigo
sua voz que ressoa notas
atraentes e feroharmônicas.
nos campos belos e dissonantes
penetro na cadência,
modulo meu desespero,
ajusto notas,
escalo frequências
para como inseto em busca de luz
bebericar sua harmonia, seu encanto
e extrair a vida sensível
que me faz como inseto
buscar sua música
incandescente luz

Restos de Vida
De resto a gente vive
Enquanto dá pra levar
Cata lixo, cata bagulho
E o que mais der pra catar.

De resto a gente vive


Enquanto é fácil levar
Na cacunda, no lombo
E onde mais der pra levar.

De restos a gente vive


Enquanto dá pra levar.
Guardar restos de festas
Prendas de outro lar.

De restos a gente vive


Enquanto é imposto levar.

O Tempo e a Vida
o tempo
sempre
tão presente,
tão íntimo,
tão incalculável...
de veste aurilavrada,
luzidia, foge à vista.
E sôfregos e trôpegos,
o perseguimos,
incansáveis o perseguimos.
auscultamos peitos, paredes, muros, vácuos.
o tempo permanece.
entre detritos de falas,
choros falsos,
choros altos,
entre moralismos e destemperos,
o tempo nos finda.
assina com sua letra ilegível,
todos os espólios,
suas conquistas
carrega nos braços.
cada lembrança,
cada gesto...
se houver um retrato sequer,
carregará,
inconteste,
carregará.

e resta a nós, moribundos incompletos,


as veredas cinzas, empoeiradas,
embebidas de um tempo,
já tão escasso,
já tão velho,
já tão cansado,
que nos entrega, solenemente,
uma morte inteira pela frente.

Percepções
o tempo passou há pouco
veloz e repentino
em seus braços carregava um homem
ou será que era um menino?

Solidão de Sábado
Sozinho no sábado à noite,
Muitos pensamentos vem a minha cabeça.

Às vezes vem com formas,


Às vezes caem como o soco forte sobre a mesa.

Nessa solidão sem motivo,


Muitas vezes perco sem porquê a cabeça,

Em conversas, solilóquios,
Fico no sábado a noite pensando asneiras.
Terá algum motivo para isso,
Ou simplesmente é mais uma canseira?

Divago sozinho, para variar,


Entre explicações falsas e verdadeiras,

Que dêem algum motivo,


Sentido, para essa solidão quase parceira,

De taciturnos sábados
Que tenho quando vem ao fim a sexta-feira.

Apego-me a televisão que


Não tem nada que interesse, que de verdade queira

Ser útil como companhia,


De uma pessoa sem assunto, qualquer que seja.

Na solidão do sábado a noite,


Vejo que ser sozinho faz a vida ser rotineira.

Não é somente eu que assim


Fico nessas noites quentes cheias de estrelas.

Tem muitas outras, muitas sim,


Que assim como eu, querem respostas certeiras.

No sábado a tarde havia ainda


Crianças brincando na rua, sábias as brincadeiras,

Mas a noite quando pungiu,


As crianças e a vida engraçada sumiram, que tristeza.

Sozinho no sábado a noite é um estado,


E torço muito, para que não seja pela vida inteira.

Mercado
No mercado ao lado de casa
Tem quase tudo que preciso.
Tem arroz, prosa e fofocas,
Tem feijão e cada caso!

No mercado da esquina, tão perto,


Vou sempre quando falta algo
No armário da despensa,
ou no armário do peito.

No mercado perto de casa,


Existe gente de todo o tipo,
De educadas senhorinhas
A estapafúrdio senhorio

E no mercado perto de casa


Procuro entre coisas e corpos,
Uma fala, um algo, um tom
Um poema em liquidação.

Impasse
Sou muitos e tantos eus.
E dos eus dentro de mim,
Quando me pego pensando assim,
Já é o outro eu que assim pensa,
E sem perceber, os muitos eus
Divergem sobre o que é ou não
O início do início do início da confusão.
Que um eu causou a todos os eus de mim.

Vazio
Toco a parede do quarto em busca de amor,
No instante velho e empoeirado restam momentos,
No teto que olho por um lapso, não vejo um céu azul,
E por mim que continue sem o azul, só por essa hora...

Vejo as coisas lá fora todas em seus devidos lugares,


Essa precisão e perfeição nos pormenores me dão um vazio,
E quanto mais o sinto, mais o enxergo, mais um tormento,
Quanto mais estou sem, mais ele tem a mim, e de repente nasce...

Diante da fome
A fome não tem nome.
A fome fomenta
O desejo,
A vontade,
O querer.
A fome não tem nome.
A fome consome,
A gente,
A vida,
A graça,
O viver.
A fome não tem nome.
A fome não tem cara,
Gesto,
Canto,
Grito.
A fome não tem nome.
A fome omite,
A fome é fria,
A fome é mais, e mais, e mais,
E deixa sempre menos
Com força,
Com vigor,
E mais dor.
A fome não tem nome.
O nome da fome seria
Indistinto?
Indefinido?
Insensível?
A fome não tem nome.
A fome mata sem pedir identidade,
A fome não tem face...
Mas rente ao semblante,
Faz da cara a coroa do seu jogo,
Sem hora, sem lugar, sem espaço...
A fome menos preza.
A fome não tem nome.
A fome mofa a vida.

Rascunho
é o esboço
de um corpo.
toques sutis de
lápis pastel.
que contorno!
que margem!
nasce no branco
o clarão d’um sorriso.
o esboço
toma corpo.
sútil, toca a face
com a mão débil,
ainda em projeto,
mas sente, com tato
fino e manso,
a pele de pastel,
delicada, esvoaçante.
é o esboço
do seu corpo
que na minha sulfite memória
se desenha, se imprime, se perpetua...

Ser poético
É imóvel,
É o que é.
Mutante.
Transparência cínica.
Sorriso e lágrimas.
Sujeito de análise,
Objeto público.
Morto vivo de atentas pupilas,
Massa somada de sentidos,
Tensos sentimentos,
Discrepância do espelho.
Atua sobre si,
Interpreta seu eu,
Monstro belo anjo,
Verbo sem ação.
Morte renascida
Enfim, por si só
Ato e atuação.
Alma
A alma toca o espelho
Olhos nos olhos – reflete-se.
Dobrada sobre si,
Liberdade terei algum dia?

A alma toca a si mesma


Corpo a corpo – dobra-se.
Mutilado corpo,
Liberdade terá alguma valia?

A alma toca as estrelas,


Universo ao inverso – conhece-se.
Pensando-se,
Liberdade valerá a fadiga?

A alma toca o espelho,


Olhos nos olhos – nada se reflete.
Fora do corpo a vida se inverte,
Liberdade, ora bolas, cadê a minha?

Questão de existência
Questiono o sol no céu,
Questiono o amor no peito,
Questiono a dor na alma,
Questiono meu vazio,
Questiono a perfeição,
Questiono o mundo
E não espero respostas.
Continuo a questionar,
Pois assim existo.

Conto a Conto
O elo do conto.
O ponto a ponto
Da história, das frases.

Cada nó desatado,
Gera outro nó,
Ponto cruz, conto nu.

A precisão é proporcional,
A necessidade do conto
A ser contado, montado, feito.

O tempo nessa contagem,


Inexiste, assim como o conto,
Que ainda está no limbo da mente.

O conto é o elo,
Entre o fato imaginário,
Com a vida de quem lê.

Não por lê, não por si só.


Mas por perceber, nelas,
As palavras, as suas verdades.

O conto é o elo da poesia,


Com a prosa, da crônica,
Do romance, dos versos soltos.

Ponto a ponto o conto se faz,


E de fazer-se conto, conto com ele,
Para que conte de mim a poesia que nasce como um fim.

Pesos e Medidas
Peso dez quilates
Meço algumas gramas,
Preciso perder dez quilowatts,
Não enxergo nada há anos-luz.
Enquanto escrevo perco alguns bits
De cansaço, de sonhos, de litros...
Minha idade de vinte e dois hectares
Circunda-me em um sítio.
E no meu cubículo de poucos hertz
O som das batidas do coração perde mais uma dracma.
Meu sonho de milímetros,
É o que se move, o que se torna, o que o devir não cria.
A minha voz com um mol de intensidade
E sem um kelvin de força, diz muito e fala pouco.
No silêncio das estrelas, a orquestra segue as notas,
Na harmonia do ampare que torce pelo grande ser,
Que mede o quanto, o quando, o até e o porquê,
Astuto dono de peso e medidas, de nome e grandeza: tempo.

Silêncio

No silêncio da frase não dita


reside, indubitavelmente, o pensamento.
Aquele,
que de tão rápido,
que de tão árido,
que de tão ridículo,
nós ocultamos no gritante silêncio.

Na frase do silêncio dito


o pensamento reside, indubitavelmente.
Aquele,
que de tão impulsivo,
que de tão impune,
que de tão imune,
no gritante silêncio, nós ocultamos.

No dito silêncio da frase,


indubitavelmente, reside o pensamento.
Aquele,
que de tão sentido,
que de tão entendido,
que de tão escondido,
Nós escancaramos no gritante silêncio de um olhar.

Carinho de Verão
O sol quente de verão,
Intenso e luminoso.
A praia cheia de risos,
Suspiros, festas e férias.
Os pés quentes da areia fina,
Caminhavam porque era pra isso
Que ali, naquele momento, estavam.
O vento suave de verão,
Refrescante e leve,
Beijava o rosto suado.
As pessoas à vontade a beira-mar.
Ela, com simpatia no seu vai e vem,
Levava e trazia a água, o frescor,
Da filosofia praieira, toda em marola.

O cabelo molhado de verão.


Úmido e amigo,
Refrescava a nuca sempre quente.
Num instante de eterno alívio,
O tempo parava e brotava dessa fresta
O sorriso de contemplação,
Pelo momento doce de um carinho de verão.

Ensaio sobre a Cegueira


Pergunto a alguém,
“Será esse o…”.
Me cortam a fala,
Me cortam o instante
De comunicação que tenho.
Mas insistente na minha dúvida,
pergunto, ao menos tento de novo,
“Será esse o...”.
E com o barulho do silêncio
que a boca calada cria,
cortam a chance de me informar,
De me orientar diante de
Tantas rotas estranhas,
Que surgem, que urgem,
Que negam, que segregam,
A nós que não vemos.
Descubro o que queria saber,
Tento em vão me dirigir,
Subir, dar um rumo, destino,
A minha viagem longa.
Pessoas perambulando,
Não vejo seus rostos,
Suas faces ou seus gestos,
Imagino como será uma
Expressão de escárnio,
Deliro ao tentar criar
Em minha mente o
Desenho do desdenhar,
Mas sofro e muito,
Ao querer definir
Um sorriso, um olhar,
De um amigo sincero,
De uma ajuda verdadeira.
Muitas pessoas passam,
Muitas pessoas andam,
Adentram em seus rumos,
Tomam seus caminhos,
E eu nesse terminal,
Termino, por fim, exausto,
Em tentar perguntar,
“Será esse o ônibus...”.
Com a faca da ignorância,
Cortam de novo minha fala,
Fala já cansada, meus ombros,
Baixos e doloridos tentam
Com o tato, tatear uma solução,
Minha audição boa me faz perceber
Com uma clareza incrível,
Como somos renegados,
Como somos de fato negados,
Como somos deixados de lado,
Sou cego, mas tenho ego,
Sou cego, mas tenho vida,
Sou cego, apenas dessa vista,
Sou cego, mas com o coração enxergo.
“Será esse o ônibus 004?”.
Uma voz distante vem de encontro
Me direciona, me mostra, me leva,
Sendo assim, fui ouvido, não vejo o rosto
Desse meu amigo instantâneo,
Mas sei de sua sinceridade...
Eu a vejo!

Palavras do Concreto
Meus olhos comem
Os detalhes de um caminhar,
Saboreiam as entrelinhas
De uma corrida ofegante.
Percebo com simplória
Facilidade a fragilidade de um sorriso.
A magnitude do mundo se esvai
Entre meus dedos...
O vento me diz muito,
As árvores me escutam.
Meu medo não é cair,
Mas voar muito alto e não enxergar mais o chão.
Interpreto com o asfalto
Os olhares que estão presos
Entre os vãos do chão...
Capto com meu instinto a descrição das coisas.
E essa palavra muda, surda e sem tato,
É o que tenho para compreender em
Minha mente, sedenta por descrição,
Os detalhes escondidos nas entranhas da rotina,
Do dia a dia,
Da vida de uma cidade,
Das quimeras de uma cidade viva.
São com elas que consigo assimilar a vida
Que brota no chão, dos sonhos que estão grudados nos vãos dos
paralelepípedos,
Nas calçadas, rodovias, esquinas...
São esses sonhos nascidos das palavras não ditas,
Dos gritos contidos,
Do desejo reprimido,
Que criam o veludo por onde caminhamos.
Que decifram as notas que estão escritas nas estrelas,
Essa partitura sem orquestra,
Essas histórias sem voz,
Essa canção de ninar sem criança,
Esse colo sem o choro.
Esse choro sem as lágrimas,
Essas lágrimas sem emoção,
Essa emoção sem comoção...
As palavras dadas de presente,
Pelo dicionário e pelos amigos,
São as palavras que descrevem
O mundo em que nos habituamos
A descrever com palavras secas
E não com as palavras molhadas
Regadas, cuidadas, transbordadas,
De doce emoção.

Natureza humana
não falo a língua dos pássaros,
tampouco compreendo
as nuances das ondas,
do mar, do canto, do vento...
soam-me extremos,
os ruídos das chuvas e tempestades.
sou analfabeto da natureza...

a minha natureza, tão simples, pouca e parca


minha natureza, tão pútrida, pequena e rasa,
humana, minha natureza,
não dialoga com a natureza das flores
não decifra o desabrochar,
nem o alvorecer, nem o acasalar,
nem o despertar, nem o adormecer
minha natureza humana
é inativa, é inútil, é inepta
na arte de ver e ler
a vida como ela é...

Conhecer-se
Falamos de nós,
Construímos a imagem à semelhança.
Como poeira do tempo,
Formamos o hiato das eras.

Construímos nosso presente,


E o abrimos no futuro.
O passado, elo de entendimento,
Tece a linha do aqui ao que é com o que será.

Temos o que somos.


Somatórias de experiências,
Somos muitos em um,
E em um atuamos como muitos.

O pensar molda.
A fala simboliza.
O ato concretiza.

Criar-se é exercício.
Homem integrado somos.
Homem integral seremos.
O germe da perfeição está.
A perfeição é um ser-estado a alcançar.

Ninguém pode ser José


Ninguém pode ser José.
José tem o peito cheio,
Coração grande de mãe,
Mesmo não vendo tem fé.

Ninguém pode ser José.


Ele vê o que outros não veem.
Quer aquilo que pode ter
Não deseja mais do que convém.

Ninguém pode ser José.


Foi criado no mato,
E com os pés descalços,
Comia a manga que dava no pé.

Ninguém pode ser José,


Trabalha com afinco
Nas mãos os calos,
No sorriso árduo alívio.

Ninguém pode ser José


Caminha tranquilo
Matutando na vida,
Aceitando o ser José.

Sonhos
Meu sonho sonha em mim.
E esse sonho meu,
É em si, acompanhado de
Outro sonho que meu não
É.

E em ser uma parte meu,


Mas em outra não meu,
Ele, em mim, divide-se,
E reparte o eu de mim que inteiro
Era.

Da parte do sonho
Que é sonhado e sonha,
O meu eu parte em fuga,
E o eu que é dele também se
Vai.

O eu meu que partiu,


E o eu dele que se foi,
Acordam em tácito olhar,
Sonho bom é sonho
Próprio.

Parti de um sonho.
Daqueles tão doces,
Tão macios, que desejei que
o sonho não meu, pudesse sim ter
Sido.

Pedido

Fim de tarde
Já que insiste
Finde e dê-se
Por findo.
No entanto,
Por hora,
Conceda-me
Seu fim
Para ser
Meu início?
Questões do meu Ser
Os cabelos da moça linda que passa,
São beijados pelo frio de inverno.
A briga é sem sentido dos jovens revoltados
na avenida movimentada...
Me apego a questões que estão acima
Dos arranha céus que vejo daqui de baixo...
E as respostas, sei que estão
Entre as alturas longínquas
E minha mente;
Entre meu coração e os meus olhos indagadores;
O ser e seus atributos,
O não ser e suas ausências...
Quando me ausento não existo?
Quando estou, sou inexoravelmente?
Questões pairam e não param...
Todas as vias me levam a perguntas,
Quero tocar o verdadeiro sentido das coisas
E enxergar aquilo que define o conceito
De existência do objeto, do ser...
Quero me aprofundar no mar da incógnita vida
Mas olhando daqui do concreto os prédios altos e imponentes,
Percebo com os sentidos, que Deus e seus atributos
Ainda estão longe dos meus conhecimentos lógicos...
Mas Ele me responde as questões difíceis com sua exuberante
criação...
Que vai do vento que beija o cabelo da linda moça
Ao céu infinito que os monumentais
Edifícios e meus olhos tentam alcançar...

Conjugação

Sento à margem do passado.


Jogo pedras, taciturno, querendo
- e muito! – que as ondas
Venham até meus pés cansados.

O passado já é tempo escrito.

Acomodo-me na relva presente.


Lanço olhares, racionais, desejando
- e muito! – que as flores
Cresçam aos meus olhos secos.

O presente é tempo em gerúndio.

Deito-me sob um céu futuro.


Liberto os sonhos, iluminados, idealizando
- e muito! – que as auroras
Sejam infinitas ao meu coração pulsante.

O futuro é tempo certo que virá.

Imerso em devaneios atemporais,


Percebo como cada tempo é
- e muito! – o mais importante,
Desejo que fique o que dará sentido.

O meu tempo é apenas um pronome

Recuerdos

Na mente o presente é uma lembrança,


Docemente ativa com suas histórias.
Mas entre esta está o ser com
um eco,
um vazio,
um vácuo.

E a luz do teu sorriso atravessa constante,


e calorosamente penetrante invade
este espaço,
este hiato,
este mundo.

Não calculo a diferença entre o que vejo e entre o que sinto.


Isto é um axioma em meu peito.

Porém, infiro a partir do brilho dos teus olhos,


que a fissão da minha realidade é consequência
desta sua fala,
desta sua alegria,
desta sua atração.

Mas em pensar por um instante sem tantas variáveis, deduzo.


E assim, afirmo, não alcançarei a teoria para explicar o que sinto.

O que vale mais:


A duração do teu sorriso,
ou,
A intensidade do teu olhar?

Para mim resta sonhar.

Decisões e Reticências
O triz do possível,
É o instante soberano
Do devir, do mutável.

A provável história,
Sempre é a possível certeza,
Do incerto, do vir a ser.

Vir a ser um ponto final,


É o encerramento da frase: vida.
As reticências, com seu silêncio,
É sim um início do parágrafo: viver.

Com a constante da mudança,


Nossas variáveis agraciam o inerte,
E aquilo que vemos como estático,
Desejamos que caísse na mudança do se.

Se é a condicional,
A força motriz,
Do talvez, quem sabe.

Decisão é fissão do certo,


A mutação do estável,
O início do eco, do hiato.

O controverso cria-se e pulsa,


Contra meus versos vem de frente.
E a poesia nascida do talvez com o se,
É uma pequena estrofe do livro do possível.

O homem em seu acordar,


Cai na estrada de muitos caminhos,
E ao levantar os olhos vê placas
Que apresentam os vários ses e pontos finais.

A graça do homem é ver reticências onde está ponto final.

Humanum est

princípio encarnado
na forma na hora no dia
transpôs a essência
ao temporal existir
modal e morfológico
tempo e espaço

ideia reencarnada
em corpo em carne em entranha
transeunte dialético
adjunto adverbial
envolto de adjetivos
adorno e qualidade

pensamento corporificado
em fótons em átomos em sinapses
viajante eclético
de línguas e linguajares
liberto e libertino
gíria e neologismo

sentimento nascido
princípio ideia pensamento
no tempo e espaço
corpo em movimento
transeunte do efêmero
cidadão do tempo
Parlaborleta

palavra
larva da ideia
encasula no escuro
voa primavera.

Na beira da vida

seixo caído
na beira do rio
já é história contada.
águas passadas o acariciam.

minério sem vida.


sorriso sem brilho.
olhar sem riso.
amor sem anseio.

seixo caído.
um palavra o define:
passado.

tão sem força.


tão sem graça.
tão sem chão.
tão atemporal.

é seixo caído,
molhado,
úmido,
vaidoso,
presunçoso.

seixo.
pedra.
minério.

coração sem sangue.

seixo caído,
é lágrima de tristeza
que nunca foi chorada,
imergida no peito,
no fundo de rio,
para o tempo e as águas frias
consolarem sua essência...

que era forte,


que agora é frágil,
e depois será só
um seixo caído
no fundo de rio,
que nunca mais será o mesmo.

seixo caído,
é tristeza petrificada,
que como a poesia,
quer eternizar o sentimento,
daquele ser que com o peito
não consegue gritar.

O Jardim

O jardim é recebido
Como tela em branco,
Pronto para receber
As sementes das tintas,
As cores dos perfumes,
Os sorrisos das flores.

O jardim é éden,
Paraíso de pureza,
Com doces e frutas,
Com vontades e sonhos,
Com desejos e choros,
Com mãos e abraços.

O jardim é manto,
Que cobre um mar,
Que enobrece o homem,
Que enaltece a mulher,
Que renova a terra,
Que resplandece a vida.

O jardim é infantil,
Precisa de limites,
Precisa de cuidados,
Precisa de sorrisos,
Precisa de tato,
Precisa de um olhar.

O jardim é filho,
Que terá conselhos fortificantes,
Podas necessárias,
Estações de aprendizado,
Sementes de amigos,
Amor atemporal.

E crescerá com o pai,


E seus conselhos paternos.
E sentirá com a mãe,
O amor diuturno de cuidados.
Que nutrirá dos dois,
A eternidade dos laços,
Não consanguíneos,
Estes são perenes,
Mas dos laços eternos,
Das almas conectadas.

Pais e amigos,
Amigos e pais,
Pais e filhos,
Filho e pais,
Enfim.

Versando sobre o Amor

Hoje escreveria um poema de amor.


Daquele tipo de amor
Que um poema mereceria.
Cujos versos e as rimas
Seriam de tamanho parnasianismo,
Que Bilac se remexeria.

Contudo, as palavras e a poesia,


Delicadas como só elas,
Avisaram-me que o tal amor,
Amor não era.
Discorreram ainda com retidão,
Semântica e sintática,
Que mais livre eu fosse
Nesse poema-confissão.

Ao final da tentativa - frustrada admito - de poema,


Dei-me por conta,
Da certeza incontestável,
Das palavras e da poesia,
Sábias e sempre solícitas,
Ao me darem a chance de ver de antemão,
Que o amor que eu achava que era,
No fundo, era apenas pueril invenção.

Senilidade

Ah sim! Sou senil às vezes.


"Mas ora, você é novo rapaz!"
Ainda julgam o livro pela capa,
como o produto pela propaganda.
Em um mundo tão sempre a muitos
quilômetros por hora, ser senil,
é questão de relatividade e prisma.

Quando senil sou às vezes,


quero como meu avô,
nadar no rio,
e ainda mais,
desejar bom dia,
dizer boa tarde,
e muito e tanto
ter uma boa noite.

Nestes momentos fortuitos,


importunos - pois ser senil
é incômodo para os outros -
tenho a dificuldade de raciocínio.
pois nada passa por um crivo,
o sorriso é sincero,
o cumprimento é de amigo,
a ajuda é por prazer,
e o prazer é aquilo que vejo.
Ah sim! Não é sempre que sou senil.
Graças a Deus!
Afinal, se senil sempre assim fosse,
Viveria de tantos encantos mil,
mesmo não tendo mais as cores de abril,
Que me jogariam fora - com a senilidade -
para um mundo tão senil quanto eu merecesse,
mundo este, de pessoas senilmente educadas.

Falta...

a falta é um trecho de uma canção sem notas


não tem ritmo não tem melodia
puro alvo límpido trecho de uma canção sem notas

na falta o som ressoa em eco surdo-mudo em sinais


que só a alma em sua dúvida de vida
pode enxergar e decifrar e transformar em sinais

a falta programada é falta falsa em existência


mas a falta natural é falta plena em essência
como o vazio que não deixa faltar nada no universo

a falta é um trecho de um verso sem poesia


que só lê quem em falta de poemas o aceita
e que na incapacidade de ler o verso o respeita como poesia

e na falta da completude dele o completa com a própria falta

qual o pecado da falta?


é em incitar um falso vazio?
ou provocar um falso preenchimento?

a falta é

Modernidadezinha Qualquer

Casas entre edifícios


meretrizes de interstícios
correr errar roubar.
Um homem vai depressa.
Um carro vai mais depressa.
Um animal conduz um carro que vai muito mais depressa ainda.

Depressa... os olhos não sentem.

Eta vida besta, meu Deus!

Conto de Passado

Meu passado adiantou-se


E me mostrou o que um dia lembrarei
E o que um dia contarei feliz
com barba branca para meus netos.
Mas o passado contente é uma só vertente.
Veio o passado cru. Sem poesia. Sem veste celeste.
E me mostrou um velho.
Caído em ostracismo.
Que fez valer a denominação: casmurro.
Um dom – ou praga – de poucos ermitões que ficam com a mente
presa
Em memórias sem brilho.

Meu passado compadecido resolveu fazer das memórias vindouras


Apenas presságio, como que uma sugestão sarcástica de amigo do
peito
Que aconselha sorrindo, sabendo que mesmo assim, por mais
sincero que seja,
Você não irá seguir, nem ouvir, nem prestar reverência ao conselho
brotado alegre.

As memórias são assim. O passado nem sempre.


Reflexos de atos,
Consequências de fatos,
Doce de mãe feito em quarta-feira chuvosa pós escola.

Ciclos

é cedo.
a lua se põe.
o sol é nascente.
a noite está em fase minguante.

a manhã.
o sol se expõe.
nuvens sorriem calmas.
o dia é cheio, grande e quente.

a tarde.
o sol envelhece.
o vento traz novidades.
o entardecer é sóbrio e paciente.

a noite.
estrelas tímidas brilham.
a lua sapeca pinta no céu.
anoitece o dia e o sol põe-se a dormir.

é cedo.
a manhã não tarda.
a tarde jovem aguarda sua vez.
a noite cansada amanhece.

a manhã.
gorjeia o sol em luz menor.
nuvens brincam de imagem e ação.
a noite visita outros entes.

de tarde.
o dia é alto e brilhante.
a noite não há sombra sem estrela.
no horizonte o sol despede-se da lua.

a noite
a já cheia lua brilha sol.
as estrelas representam-se.
o dia dorme, enquanto a noite entardece.

e o tempo permanece a sonhar.

Conversa de Passarinhos
Passarinhos de papo pro ar
Dispersos no vento,
Põem suas penas a falar

Em um canto daqui,
Em um canto de lá,
Todos os passarinhos,
Puseram-se a cantar.

Os passarinhos parolam
E não param num assunto.
Voam nos problemas do mundo.

As conversas trazem momentos,


E em cada revoada de grupo
O mundo é um voo esplêndido.

Em um canto daqui,
Em um canto de lá,
Todos os passarinhos,
Puseram-se a cantar.

Sujeitos

O sujeito compra um artigo


para que se defina
diante do seu prezado predicado.

Alguns, mais tímidos,


preferem ficar ocultos,
ou por vezes,
reafirmam-se com outros,
então, sujeitos compostos.

Apostos em sua gramática,


atiram-se a representação.
interpretam o mundo,
as ideias,
os pensamentos,
os sonhos,
em versos,
em estrofes,
com rimas,
ou em sinopses.
São os sujeitos que se sujeitam
a darem a letra uma definição.

O sujeito compra o trigo


para que se refine
diante de seu pesado fardo.

Alguns, mais tranquilos,


oferecem-se a cultos,
ou por vezes,
ignoram-se em outros,
então, sujeitos impostos.

Dispostos em sua gramática,


atiram-se a interpretação.
emudecem o mundo,
as ideias,
os pensamentos,
os sonhos,
em quimeras,
em promessas,
sem concordância,
ou em propagandas,
são os sujeitos que se sujeitam
a darem a letra uma emoção.

Produto de Limpeza
O anúncio foi dado,
“Limpa tudo!”
Limpa a minha alma?
Limpa a minha vista?
Limpa o meu mundo?
A cada hora,
A cada reza,
O lago raso,
O vôo baixo
Pelas peças encenadas.

“Limpa Tudo!”
Mas não funcionou comigo,
Meu domingo continua vazio de ar puro,
Minha rua continua nua de limpeza,
Minha vida, minha ida, minha ira
Continuam procurando o mundo limpo.

“Produtos de limpeza!”
“Limpa Tudo!”.
Não limpam não!
Meu mundo ainda tem sangue,
Minha estrada ainda tem destroços,
Minha casa ainda tem o sal das lágrimas,
Meu caminho ainda tem cacos!

Quero algo que resolva o meu problema,


Que eu jogue e limpe,
Que eu jogue e brilhe,
Que eu jogue e viva!

Quero algo que limpe minha alma,


Que lave e leve as minhas tristezas,
Que arraste e tire minhas dores,
Quero algo que varra o sujo.

Quero meu mundo limpo!


Quero meu mundo livre!
Quero meu mundo,
Simplesmente e plenamente,
Lindo!

Coisas Invisíveis
As coisas com toda a certeza,
Não acontecem por acaso.
Existe um destino em tudo,
Um caminho traçado,
Uma trilha.
As crianças a beira dos trilhos
Beijam a poeira,
Comem areia, escondem-se
Por entre os matos,
E no calor da miséria,
São consumidas por sonhos quentes,
Por esperanças estranhas,
Mas ainda brincam,
Pois sabem que há em um futuro longíncuo,
Uma vida sem trilhos,
Uma vida de verdade,
Sem virtualidades,
Sem desejos inalcançáveis.

Há vidas entre os trilhos,


Entre os velhos galpões,
E essas são fortes,
Mais vivas do que qualquer outra poderia ser.

A Bala Perdida
Acordo, aceito, topo
E a bala perdida com endereço certo
Me acerta o peito.
Acordei, aceitei, topei,
Mas a bala doce para adoçar a vida,
Não veio,
Veio a bala no peito.
A bala embrulhada feito presente,
Me tira o futuro,
Bala de goma,
Bala de mascar,
Bala de menta,
Bala de fogo.
Minha bala doce que eu queria,
Não veio.
Veio a bala disparada,
Que assusta o passaredo,
Que explode a noite,
Mas veio de dia e me tirou o sol,
Me deu a noite e o sono eterno.
E eu só queria uma bala degustar.
Vendo bala no farol quando fica vermelho,
E luz verde pra mim nunca chega.
Eu só queria a bala doce para adoçar a vida,
Mas me veio a bala perdida, ardida, com endereço certo,
Em meu peito.
Cômodos e Sonhos

Esta sala sem você estar,


está sem sentido de ser.
Jantar sem você,
é verbo intransitivo.

Intransigente,
exijo,
o transitivo verbo amar.

Estes móveis empoeirados,


acompanham-me na imobilidade.
Estes quadros realistas,
ficcionam meu presente surreal.

Imperfeito,
exigia,
a transitividade do passado.

Esta casa sem você,


já não é um lar.
Este eu sem você,
já não é um sujeito.

Inconsolável,
ouço,
e olvido seus passos de abandono.

Rotina

A rotina, ladra, rouba o brilho da chama


Que no peito arde e por mais vida clama.
Tece fino berço, doce e aconchegante
Homens adormecem em eternidade-instante.

Pequeno diário de um velório comun

O caixão limita o corpo oco.


O espírito é essência liberta.
E essas paredes de velório:
Parentes, amigos, inimigos,
Ressoam gargalhadas cadavéricas.
Paredes comem e bebem.
Paredes fruem o final.

O corpo é finalmente manequim.


Compõe-se de carne, ossos e vermes frugais.
Acata a roupa, às flores fétidas, ao gesto mortal.
É belo o mortuário fotogênico.
Estático, esteta, esbelto, estrambólico.

A essência são fatos em bocas sujas,


São frases cortadas por risos e chistes,
São lembranças esquecidas, inconscientemente.
São in memoriam

Meu epitáfio é uma frase feita sem vida


Talhada a contragosto numa lápide de minério barato.

Há um sorriso reconfortante no meu rosto.


Não fui eu que o sorri.
De longe o cheiro do café é pior que o das flores.
O café e as flores não são pra mim.

Sou objeto do velório. O pequeno objeto.


Mínima engrenagem duma máquina colossal.
Velórios.
Feitos de detalhes.
O choro duma desconhecida.
O fedor dum perfume.
O preto básico.
A religião convocada.
O custo exorbitante.
Velórios. Sou objeto de um velório entre tantos.

Agora sim.
Taparão o caixão tão caro quanto inútil.
Serei por fim matéria morta.
Completa.
Caixão fechado, hermeticamente,
Enterrarão em uma nova cova funda.
Bem funda.
Meu último registro será a madeira podre,
A carne pútrida, os ossos firmes e o sorriso inevitável.

Eu não chorei no meu velório.

Felicidade

Na casa vazia foi aberta


Pelo tempo uma fresta.

Pela fresta, curta ainda,


Tentava espremer-se

A felicidade, feliz pela chance


De ter uma casa, ou um teto.

Assim, esforçou-se, até a fresta


Não ser mais fresta, mas fenda.

E logo menos, uma cratera,


Aberta, escancarada, convidativa,

Como que a abrir a porta para a casa


Vazia, mas que agora, ocupada é pela

Felicidade, que se felicitou,


Pelo esforço, de a partir

De uma fresta, criar um portal,


Para empossar a si e a casa.

Mas nas entranhas da memória,


A felicidade agradecia o tempo.

Que vez ou outra, sempre abre frestas


Em casas vazias com janelas abertas.

Faz de Conta
Faz de conta doutor
Que minha casa não é de madeira.
Que minha saúde pública é privada,
Que minha vida também é perfeita,
E assim como o senhor só dou risadas.

Faz de conta senhor,


Que não existe moradias em palafitas,
Que todos têm casas grandes e carros.
Que todos tem uma linda e perfeita vista.
E de minha pessoa ninguém tira sarro.

Faz de conta patrão,


Que temos tudo o que queríamos,
Que nossos móveis são bons e limpos,
Que do passado com prazer rimos,
E nossos problemas são ínfimos.

Faz de conta só por uma vez,


Que minha realidade não é suja,
Que não tem esgoto a céu aberto,
Que não é essa coisa feia, imunda,
E a vida não é dura como o concreto.

Faz de conta só hoje,


Que meu chuveiro não é a chuva,
Que minha cama não é a escadaria,
Que minha vida não é essa coisa nula,
E minha existência é uma maravilha.

Faz de conta plenário,


Que meu sonho é aquilo que peço,
Que meu mundo é verde e tem esperança,
Que após a ordem sempre vem o progresso,
E o meu voto não é só uma extravagância.

Móveis

Os móveis me falam
Sobre a noite funda,
Seus segredos.
Contemplam estrelas
Sem nomes,
Planetas distantes,
Levantam o véu.
A verdade é o espírito
Que por trás deles está.

Os móveis me respondem
Perguntas antes sem respostas,
Dúvidas intermináveis,
Receios sem motivos.
Os segredos muitos,
São esclarecidos,
E sem mais nuvens,
O sol clareia o caminho traçado,
Porém construído ainda,
Pelo que decido.

Os móveis me mostram,
Um mundo todo de ideias,
Um mundo todo de eternidade,
Nesse mundo o pensamento é leve,
O pensamento cria, volita, modifica...
Mostram uma cadeia elementar
De fatos, passos, vidas, histórias...
Querem deixar claro, sem cegar,
Que a vida é uma representação,
Nós atores de nós, intérpretes dos eus,
Caminhamos crendo nos sentidos.
Mas os móveis, sábios móveis,
Cientificam que os sentidos,
Usufruem dos sentidos para enganar,
O sentido das coisas que cremos.

A folha

A folha desprendeu-se de seu galho.


E no caminho longe e longo,
Comprido e extenso,
Imenso e profundo,
Pensou ela,
No seu tempo de transição,
Na sua gênese para o sol.
Nas suas lágrimas com a primavera.
Na alegria da contente fruta que nasceu.
No frio orvalho
No nascituro dia.
No frescor do sereno,
No sabor do vento,
No odor das estrelas,
No calor da luz da lua.
Pensou e reviveu,
instante por instante.
repassa acontecimentos
a folha olha o céu
feliz por saber
que não há quem
olhe o seu para sempre
desprendimento.

Racionalismo Poético
O que é a letra?
O que é o sentido da letra?
O que é o sentido que sinto?
O que é o que percebo?

A letra ainda permanece.


A letra insiste em ser sentida.
O Sentimento do sentido da letra urge.

Com cuidado toma a letra a mão.


A letra é pura
mescla de outras mamelucas letras.

É um verso imerso numa letra,


E do engodo resta a certeza do que é

inspiração.

Solo Alfabeto

No solo alfabeto
Lavra a poeta.
Tira leite de fonema
Fina tira de morfema.
E acha
E vela
Pois vale
Vê-la
Leve letra no mundo surdo das palavras.

No solo alfabeto
cava o político
Letras e palavras,
Forma paredes,
Constrói casas,
Levanta edifícios,
Reforma vidas,
E acha
E guarda
Pois vale
Tê-la
Leve letra no mundo surdo das palavras.

No solo alfabeto
O povo cativo
Aceita adendo
parágrafos,
artigos, decretos
paráfrases,
E as letras e palavras
Que dão vida a vida.
Às vezes juntam,
Sujeitos abjetos
a caros predicados,
Mas o poeta diz
Ache
E vele
Pois vale
Vê-la
Leve letra no mundo surdo das palavras.

Bons Tempos

tempo.
um ponteiro no relógio.
uma pausa no jogo.
um instante de reflexão.
tempo.
uma abstração...
um número qualquer.
um dia ensolarado.
tempo.
um século embolorado.
um efêmero minuto.
uma hora que se arrasta.
tempo.
um cisco nos olhos
uma pérola no peito
um grão de areia na praia da eternidade.

O Relógio
O relógio na parede.
A parede límpida.
O tempo, esse jovem senhor,
Passa pela rua e nos dá o bom dia de sempre.
A manhã, sempre doce, nos dá a vida e o café.
E quando a senhorita tarde chega,
Já estamos cansados do longo menino dia.
A noite, senhora majestosa, abraça-nos com estrelas.

O relógio na parede.
A parede límpida.
Um doce tic tac, tic tac, tic tac...
Uma hora após outra hora,
Somos isso...
Eternos ponteiros a rodar,
Que contam passos,
histórias e causos
Quantos causos!

O relógio na parede,
Na parede,
O relógio,
Pare de...
Pare,
Re

Gio
...
.
(ETERNO)

Traços

Após o sol deitar-se,


Um manto cobre o céu
Há furos de traças.

Perfuram com fótons.


Deixam pontos cintilantes,
E traçam constelações mil.

Há segredos indeléveis,
Há previsões intragáveis,
Nos traços luzentes.

E as traças ultrapassam,
o tempo e o espaço,
Para,lampejantes, tracejarem

O manto breu que é o céu.

Presságio de Poema
(Silêncio Na Mente)
Uma palavra livre paira.
Seu sentido é mistério.
Em sete selos selada.
(Na Mente Silêncio)
A palavra serve outras,
são versos, sentidos imersos,
Estrofes em formação.
(Mente Silêncio)
O vazio preenche o vácuo,
As palavras preenchem o sentido,
A expressão exala um poema.
(Mente)
Forma cria corpo,
Parem ideia,
Parteja poema.
(Silêncio)
Palavra que paira,
Verso que se fixa,
Amizade-guerra do poema e o poeta.

Concepção
a concepção, simples, eterna, quente
em um mundo único e escuro

o princípio rega o vital e


embriaga de vida e sorriso

a noite funda que se abre


em um grito e um abafado riso

deleitada, a vida desenvolve-se


do micro ao macro, a alma encarna

o coração, veloz, vermelho, vivo,


bate, percussão graciosa, acompanha

o outro coração que batia em show solo


e agora é expectador, ansioso, voz muda

e os toques começam, mas já são familiares,


mente una, unívoca voz, uníssono sorriso

a partida será a chegada, o choro será vida,


e o expectador de longe tocará a vida encarnada

um poema brinda o mundo

Paralisia do Sono
Ouço passos pelo corredor,
São sutis e furtivos,
Ouço sussurros atrás da porta,
Cochicham e não compreendo.
Ouço o coração de alguém bater,
Mais tenso, mais forte, mais vivo.

Vejo a hora que a porta vai abrir,


O que virá com isso?
Vejo o momento em que maçaneta irá virar,
O que entrará pelo quarto?
Vejo a luz pela janela mansa,
O que ela ilumina lá fora?

Sinto o pulso fraco,


Durmo e acordo em instantes.
Sinto os passos mais próximos,
Agora já não é um sonho,
Sinto a respiração controlada,
Meu sonho acabou, o que é?
Sinto o pingo de suor caindo
Por minha testa.

Sinto o medo tomar conta,


Ouço várias e variadas pessoas,
Vejo apenas o quarto com a luz mansa
Que é emanada da janela,
O que a luz ilumina lá fora?
O que é isso se o meu sonho acabou?

Abro os olhos, manhã,


Olho pela janela, cidade,
Ouço no quarto, despertador,

Sinto que acordei de um pesado sonho.

Reflexos
Deixar o peito bater,
Talvez seja uma das poucas
Ações naturais a qual me curvo.
Esse mundo duro é vital para realidade,
Apesar de não existir mais campos verdes,
Pássaros e liberdade,
Esse mundo duro é vital.

Violar meus limites sem medo,


Talvez seja o único objetivo
Sensato, ao qual me deixo levar.
Pegadas fortes e cruas
Ainda estão frescas nesse concreto.
Esse cheiro forte de cola,
Vindo de alguma infância perdida,
Não atordoa, aliás, nada mais atordoa,
É maquinal, é mecânico,
Faz parte da engrenagem
A boca calada, os olhos vendados,
E os ouvidos abertos para o silêncio.

Páginas de jornal estampadas


Nas esquinas, a revelar o que
Já é escancarado.
A verdade faz parte de esgotos escuros,
Trancada com os loucos que tentavam
Mostrá-la para o mundo externo.
Não jogue ainda este livro,

Leia até o último verso, e sacie-se se


Descobrir que não concorda com nada
Que está escrito.

Esta é uma pequena epígrafe


Do que ainda sobrevive entre os esquecidos.
Um poema sincero cheio de insultos a vossa realidade.
Deixar o peito bater,
Talvez seja uma das poucas
Ações naturais a qual me curvo.

Luz

é preciso refinar o vocabulário


para poder com a alma traduzir a luz,
sua intensidade, sua cadência, seu brilho.

sua sintaxe, única, atômica, particularmente rápida,


mas simples e bela, e clara, e sensível.
viajante de eras, escreve no espaço brilhantes quimeras.

de semântica virtuosa, com possibilidades infinitesimais,


pode conter o significado e seu significante em um feixe curto,
mas intenso e vívido, claro e belo, simplesmente complexo.

é preciso ser viajante do tempo para acompanhar


as particularidades que cada letra – fóton – pode conter.
nascer descrito em sol, amar impresso em lua, sonhar gravado em
estrelas.

é preciso acender a luz, clarear a mente, iluminar os olhos,


para compreender a linguagem única da luz, não só da fotoelétrica,
mas daquela profunda, que declama poemas, que canta histórias:

a luz de um sorriso sincero.

Ser Humano

E o desejo
Que a pele fere,
Esgueira-se
Por entre os poros,
Perpassa os sentidos.
A vontade o ouve,
Acena com dois impulsos
E ele, que era silêncio,
Agora é tufão.
Uma constante força
Uma sequência de explosões.
O desejo toma o ser,
E está no controle do estado.
Dita as regras.
Legisla novas leis.
E por fim, as executa.
A vontade submete-se.
O raciocínio acorda eufórico,
Aproxima-se com cautela,
Tenta encadear os fatos confusos,
Que estão exalando hormônios,
E imagens sem sentido.
Depara-se com o desejo.
Desejo frente ao raciocínio.
Razão frente ao desejo.
Um submete o outro,
Sem acordo,
Sem contrato,
Apenas posse pela guerra.
E assim fez-se o homem.
Em suma e síntese:
Conflito.

Dias Novos

As horas pesam duras sobre os dias.


Nas ruas, murmúrios, muros, melancolias.
Desafios tristes de uma morna rotina.

O tempo segue ileso às súplicas.


Nas estradas, mentiras, mofo, morfina.
Analgésicos mesquinhos de uma triste rotina.

A eternidade bate à porta no alvorecer.


Nas rodovias, mentes, mato, mortes.
Fatos crus de uma dormente rotina.

A vida pinga, conta-gota, a cada dia,


Nas trilhas, estradas, ruas e rodovias.
Mortos-vivos perambulam como se fosse rotina.

Antíteses
Minha pressa espera com calma
A hora certa de correr atrás
Daquele sonho que vi passar.
Com ansiedade a paciência prevalece,
E diante de tal situação, resta o sono acordado,
Em si e em sonhos reais que vivem despertos.

O medo corajoso de se mostrar,


Percebe com clareza a escuridão que está agora.
As nuvens de chuva cobrem o céu com o sol,
O medo permanece inato em sua descoberta
De que esconder a si é o melhor momento de paz
Mesmo em guerra com a teimosia e a renúncia.

Cai a chuva sobre a terra seca de tantos sorrisos encharcados


De uma sincera farsa em serem sorrisos parcos de brilho.
A chuva vem do alto com seu frio,
Esquentar os momentos íntimos de sentimentos do mundo.
Criam rios e mares de coisas infantis, que tantos e muitos,
Adultos se esbaldam como se crianças não fossem.

Estou a margem de perceber o quão dentro estou em mim,


Sou súdito e rei e em um instante prevaleço,
Em outro divino instante pagão pereço.
A sentença do crime vem como perdão,
Então aceitando os fatos consumados para serem consumidos,
Durmo para sonhar com o mundo real de quimeras.

Pôr do Sol
O sol põe o pé no poente
Degusta o calor do mar
E de bom grado se espicha
Ao longo do horizonte
Bem de-va-ga-ri-nho

Emudece seu brilho


Arrefece seu ardor
E dorme o sono dos justos.

Lua Cheia
Lua cheia, de passados e histórias,
Derramai sobre nós teu luar de luz...
Dai-nos um pouco dessas eras, épocas,
Que guardas em tuas fases misteriosas.

Lua cheia, de fases e faces,


Compartilhai um pouco de adaptabilidade...
Partilhai conosco, uma pitada de teus sorrisos,
Que tens nessa imensidão de estrelas e cometas.

Lua cheia, de filmes e contos,


Banhe-nos com tua interpretação do mundo...
Divide tu conosco tuas inspirações e parágrafos,
Ajudai-nos a montar o roteiro desse filme vida.
Lua cheia, de paciência e compreensão,
Abençoa tu a nossa ansiedade pelo imprevisto...
Rega tu a flor, que se chama ser humano,
Para que floresça em plenitude de amor.

Seresteiros

Quem diria,
Os grilos cantam!
Ainda cantam.
Cantam como antes
Quando a noite era noite
Funda e silente,
E no céu estrelas coruscantes
Pincelavam o breu da mata.

Os grilos cantam,
E cantam com gosto
De quem na noite
Se sente em casa,
Mesmo diante de outros seres,
Outra ordem de coisas
outro tom de luz...
Sorvem o serão no papel de seresteiros

Os grilos cantam!
Quem diria?
Ninguém decerto
Mera memória vaga
Tal encanto é deslembrança
Como qualquer noite
De uma cidade qualquer
Repleta de gente
E sem grilos.

Pausar-(me)

Não houve a complexa pausa.


Da palavra murmurada.
Dos sonetos doces.
Das perquirições indevidas.
Das peregrinações silábicas.

Não ouse complexar a pausa.


De tempo findo.
De fogo morto.
De menino passado.
De passado menino.

Não ouça a pausa.


Do silêncio profundo.
Das lágrimas nostálgicas.
Dos gulosos sonhos.
Dos instantes absurdos.

A pausa é uma abertura.


Uma brecha no espaço-tempo,
Do agora, do amanhã, do ontem,
Onde não há previsão,
Nem como prover solução.

Não (me) pause.


Não (me) termine.
Não (me) esqueça.

Pesar

o peso de um ano está a mercê de um minuto


quando a consciência pesa sobre os ombros
e expõe contra o sol os sonhos de um ano.

qual não é o peso de um sonho,


que mal sonhado, deixou-se
ir para o interior do ser?

qual não é o tamanho dele,


sonho não sonhado,
em relação ao ser que sonha?

o peso de um ano
está a mercê de um sonho rápido.
de uma realização fictícia da mente
contrapondo a ficção da vida realmente
dita, pesada, sentida, vivida como vida.

o cheiro da manhã fresca.


a dor da artrose de uma rotina enferrujada.
o sibilar de uma noite estrelada.
o gosto amargo de uma tarde empoeirada.

são as peças, as parte nobres, o corte perfeito,


de um sonho de verdade?
ou são em si mesmas miragens sem sentidos?

o ano, uma vertente do tempo,


um conjunto de dias, de meses,
de histórias, causos, piscar e abrir de olhos...

o ano, passado, dias consumidos.


o ano, presente, dias de consumação.
o ano, futuro, dias que consumirão.

o peso de um ano é
diretamente proporcional
ao tempo que os olhos irão levar
para adaptarem-se a luz do minuto seguinte,
da hora vinda,
do novo dia,
do ano novo.

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