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O fenômeno da Coisa Julgada formal e material em ações diferenciadas.

Centro Universitário La Salle – Niterói


Direito Processual Civil – I
4º período – noite
Pietra Alves de Araújo

A pesquisa doutrinária apresentada a seguir tem como objetivo


apresentar o fenômeno da coisa julgada, que é configurada com o trânsito em
julgado da sentença judicial, quando já não cabem mais recursos que permitam
sua modificação. Para tanto, abordaremos suas duas formas reconhecidas pela
doutrina de forma pacífica, formal e material, assim como o modo de produção
desse instituto de modo geral e suas particularidades em casos específicos.

Disposição legal: Segue abaixo, com o intuito de introduzir o tema,


breve análise dos artigos mais relevantes do Código de Processo Civil (Lei
5.869/73) que dispõem legalmente sobre a coisa julgada atualmente.

I. 467: O referido artigo define legalmente o instituto da coisa julgada,


atribuindo essa qualidade às sentenças que são impassíveis de revisão, discussão
ou alteração, seja via recurso ordinário ou extraordinário.
II. 468: Já nesse artigo é disposta a limitação dos efeitos da coisa
julgada, que será instituído pelos limites do litígio e das decisões proferidas.
III. 469: Existem, entretanto, algumas situações que não geram coisa
julgada por sua natureza, como a veracidade dos fatos usados na motivação da
sentença, além das outras possibilidades dispostas nos incisos do referido artigo.
IV. 471: Trata-se da revisão de coisa julgada, principalmente na
questão de alimento, já que, sendo alteradas as condições que concedeu ou
negou provimento, poderá ser alterada a sentença (via outra ação), mesmo que
haja coisa julgada.
V. 472: de muita relevância, esse artigo trata da extensão dos efeitos a
terceiros que, em regra, não é possível, tendo como exceção, atualmente, aos
terceiros interessados subordinados, aos quais se estende, sim, os efeitos da
coisa julgada.
VI. 475: Finalmente, o artigo em questão traz hipóteses em que a coisa
julgada deverá respeitar o chamado “duplo grau de jurisdição”, que consiste ações
cujas sentenças deverão ser confirmadas pelo Tribunal, como contra os entes
federativos, à Fazenda Pública, além das exceções a essa regra, em seus
parágrafos.

Conceituação: Tendo sido apresentada a base legal do instituto, que


tem por grande objetivo evitar a eternização das ações, bem como efetivar a
segurança jurídica, faremos um compilado do que grandes processualistas
entendem pelo seu conceito, sua definição, separados em blocos próprios para
facilitar a visualização de possíveis diferenças e semelhanças entre os
entendimentos:

Alexandre Câmara, em seu Lições de Direito Processual Civil, volume I,


inicia o capítulo explicando a possibilidade de recursos que o Código de Processo
civil proporciona às partes de um processo, bem como ressaltando a importância
da observância do prazo para essa atitude. Adentra o assunto demonstrando que
o instituto coisa julgada é dado através de duas opções: o esgotamento dos
recursos cabíveis ou a perda do prazo para interpor tal recurso. Configurada uma
dessas situações, há trânsito em julgado, tornando a sentença imutável. Ainda
nessa introdução, Câmara traz uma primeira definição que já refuta logo a seguir,
pois essa é ineficaz quando estudamos a fundo o fenômeno da coisa julgada,
sendo ela “coisa julgada é a decisão judicial de que já não caiba recurso”. Sua
refutação a essa definição é pautada num conceito de Enrico Liebman, conceito
esse bem aceito pela doutrina brasileira, que diz que a imutabilidade da sentença

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O fenômeno da Coisa Julgada formal e material em ações diferenciadas.
pela coisa julgada atinge sua existência formal, assim como seus efeitos. É
importante ressaltar que quando a imutabilidade atinge à forma da sentença,
temos coisa julgada formal e, quando atinge os efeitos da sentença, temos coisa
julgada material, classificações que serão abordadas em momento oportuno.

Rodolfo Kronemberg Hartmann, por sua vez, em seu Curso Completo


de Processo Civil, inicia sua conceituação citando o dispositivo que o faz
legalmente, mas também apontando as causas da coisa julgada, tanto a
impossibilidade de interpor novos recursos, quanto o uso sem sucesso desses.
Quanto à evolução histórica, Hartmann aponta os efeitos de uma ação quando
ainda não existia o fenômeno da coisa julgada, assim como as contribuições do
Código Justiniano, do jurista Friedrich Savigny, de Chiovenda e, finalmente, de
Liebman, notório contribuinte da definição desse instituto, apontado também por
Alexandre Câmara, como vimos anteriormente. Avaliando os diferentes conceitos
que apontam a coisa julgada como efeito ou qualidade, Kronemberg adere ao
disposto no art. 6º, §3º, da LINDB (Decreto-Lei, 4.657/92), que define “chama-se
coisa julgada a decisão judicial de que já não caiba recurso”. O autor sustenta que
a coisa julgada é qualidade da sentença julgada que a partir do trânsito em julgado
passa a produzir efeitos irrecorríveis, com conteúdo imutável.

Já Humberto Theodoro Júnior, em seu Curso de Direito Processual


Civil, volume I, assim como o autor supracitado, atribui à coisa julgada a
característica de qualidade da sentença e não meramente efeito dela, distinguindo
também a coisa julgada de coisa soberanamente julgada, essa última impassível
de ação rescisória, ao contrário da primeira. Configurada a coisa julgada, é
impossível discutir ou alterar a sentença ou seus efeitos através de recursos.

Coisa julgada formal e material: Também com base na leitura dos


três autores e doutrinas já referidos anteriormente, cabe distinguir o fenômeno
coisa julgada quando essa atua de maneira formal e quando material, bem como a
aplicação prática dessas classificações. Assim como feito em relação ao conceito,
os entendimentos dos doutrinadores serão separados por blocos autônomos,
facilitando a visualização.

Rodolfo Hartmann, de forma sucinta, distingue formal de material,


apontando que a primeira é própria das sentenças terminativas, qualidade que
recai sobre o mesmo processo, tornando-o indiscutível, enquanto a segunda é
própria das sentenças definitivas, que discutem o mérito e a coisa julgada atinge
novos processos, que não poderão ser intentados. Por fim, é apontada a
qualidade de coisa soberanamente julgada, que nada mais do que a sentença que
tem trânsito em julgado há mais de dois anos, ultrapassando o prazo da ação
rescisória, uma das formas de desconstruir a coisa julgada.

Humberto Theodoro, por sua vez, inicia a diferenciação mostrando que


a coisa julgada material possui base legal, enquanto a formal é tema doutrinário e
jurisprudencial. Aponta que ambas são “graus de um mesmo fenômeno”, já que a
formal incide sobre a impossibilidade do Estado exercer sua função jurisdicional
dentro do processo em questão, já que os recursos cabíveis se esgotaram ou
foram usados de forma indevida, enquanto a material impede que a questão seja
revista mesmo em outros processos, por já ter julgado definitivamente seu mérito.

Já Alexandre Câmara, de maneira mais prolixa e extensa, inicia sua


explicação acerca das diferenças apontando que, antes de abordar
profundamente os dois tipos de coisa julgada, é preciso trazer algumas ressalvas,
já que esse não é um tema pacificado na doutrina processual brasileira. Mesmo
que grande parte entenda que a formal é inerente ao trânsito em julgado de todas
as sentenças e a material inerente apenas às definitivas (declaratória, constitutiva
e condenatória), ainda há alguns pontos discutíveis, já que tanto teoricamente,
quanto na prática, surgem algumas divergências relevantes. Temos como
exemplo dessa discussão doutrinária, o objeto da coisa julgada material, já que ao
analisar coisa julgada em questões como o divórcio, por exemplo, vimos que

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O fenômeno da Coisa Julgada formal e material em ações diferenciadas.
mesmo que os efeitos sejam revogados por um novo casamento entre aqueles
que se divorciaram, não é possível desqualificar a coisa julgada material naquele
momento em que o fizeram, já que para tanto a norma aplicada era a adequada.
O autor acredita que o mais acertado é dizer que a coisa julgada é
operada sobre a própria sentença e não sobre sua eficácia, simplesmente.
Continuando o pensamento tomando como base o entendimento de Liebman,
podemos diferenciar formal de material quanto o âmbito de abrangência e o
alcance de cada uma, já que a formal deve atingir apenas o processo no qual foi
configurada, enquanto a material se estende a qualquer outro processo que
pretenda rediscutir o objeto dessa decisão que teve trânsito em julgado material.
Ainda explicando as ideias de Liebman, Alexandre Câmara acaba por
refutá-las, já que não considera a coisa julgada material como efeito, tampouco
como qualidade da sentença que transita em julgado, mas sim como uma situação
jurídica que só é configurada quando a sentença se torna indiscutível e imutável
formalmente, assim como quando seu conteúdo material não comporta mais
qualquer tipo de recurso.
Tendo introduzido o tema através das divergências doutrinárias, agora
o autor pode se posicionar e explicar seu entendimento, que reforça a
característica de situação jurídica, já que o efeito da coisa julgada, seja formal ou
material, indica se será possível discutir o mérito da lide em novo processo,
funcionando a material como causa de extinção sem resolução de mérito,
impedimento processual, devendo ser averiguada como questão preliminar pelo
juiz. É preciso entender que, havendo coisa julgada material, o juiz não fica
vinculado à decisão, devendo decidir no mesmo sentido, mas ele não deve nem
conhecer da ação ou apreciar o mérito.
Ainda sobre o tema, Câmara trata de criticar a teoria adotada pelo
direito processual civil brasileiro, tria eadem, teoria essa que exige compatibilidade
tríplice, partes, causa de pedir e pedido idênticos, para que a coisa julgada
material de determinado processo atinja nova ação. A crítica tem como base um
contraponto à ideia principal da coisa julgada, que é evitar a eternização das
ações. Tomemos como exemplo uma ação que tenha como partes A e B, como
pedido a anulação de contrato firmado entre essas e causa de pedir determinadas
cláusulas desse contrato. Resolvendo o mérito com improcedência, transitando
em julgado materialmente, nada impede que a parte insatisfeita ajuíze nova ação,
alterando a causa de pedir, baseando-a em outras cláusulas do contrato, tantas
vezes quantas forem possíveis. Surge daí a necessidade de trazer na causa de
pedir toda e qualquer fundamentação para a procedência pleiteada. A
jurisprudência tem entendido dessa forma, então.

Modo de produção: Muito bem colocado por Fredie Didier Júnior, em


seu Curso de Direito Processual Civil, volume II, sabendo que existem duas
grandes classificações, formal e material, é preciso saber como a coisa julgada
pode ser produzida, para então conseguir enxergar qual das classificações será
aplicada ao caso. O autor estabelece que exista três tipos de produção da coisa
julgada, sendo eles:
Pro et contra, que é a regra estabelecida no Código de Processo
Civil, afirma que toda e qualquer sentença proferida, independente de
resultado procedente ou improcedente, é apta para gerar coisa julgada.
Secundum eventum litis, que se trata do meio de produção
dependente do resultado (procedente/improcedente) da sentença, para
então formar coisa julgada material ou formal. O autor aponta ainda que a
aplicação desse meio não é bem aceito no módulo de processo civil,
mesmo que o seja no processo penal.
Secundum eventum probationes, que é o meio de produção que,
para haver coisa julgada, depende do esgotamento das provas. Sendo
assim, a improcedência só gerará coisa julgada quando já o direito já não
puder mais ser provado por prova alguma.

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O fenômeno da Coisa Julgada formal e material em ações diferenciadas.
Peculiaridades: Definida a coisa julgada, explicados seu caráter
formal e material, bem como os meios cabíveis de produção desse instituto,
podemos abordar o efeito prático dessa coisa julgada em algumas ações que
merecem atenção especial. A análise será feita separadamente, com o
entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca do tema, bem como a atualidade
desse entendimento.

Coisa julgada na demanda coletiva: Outro ponto bem abordado por


Alexandre Câmara é o efeito da coisa julgada material em remédios jurídicos que
protegem direitos da coletividade, seja difuso, coletivo ou individual homogêneo,
como a ação popular, a ação civil pública e ação coletiva de interesses dos
consumidores, por exemplo.
O fenômeno da coisa julgada é configurado de formas distintas
conforme o direito tutelado, bem como o resultado da sentença. Analisaremos a
seguir cada uma das situações possíveis:
Imaginemos que determinada ação tutele interesses difusos ou
coletivos, de toda a sociedade ou de determinados grupos. A coisa julgada será
configurada secundum eventum probationes. Caso essa ação tenha sentença
julgando seu pedido procedente, os efeitos desse julgamento, assim que transitar
em julgado, serão erga omnes/ultra partes, formando coisa julgada material. Agora
imaginemos que essa demanda foi julgada improcedente por insuficiência de
provas; os efeitos desse julgamento não podem afetar a todos os que possuem
esse direito, já que, em outra oportunidade, deve ser possível pleitear esse
mesmo direito, trazendo novas provas, necessárias e suficientes, devendo ter o
direito assegurado, julgado procedente. Dessa forma, quando por carência de
provas, a sentença improcedente fará coisa julgada formal, tendo eficácia inter
partes, mas não obstando novos processos, com novas provas. Entretanto, se
esse mesmo direito pleiteado for julgado improcedente por motivo alheio à
insuficiência probatória, ao transitar em julgado fará coisa julgada substancial, com
efeito erga omnes.
Quando o direito tutelado for individual homogêneo, a coisa julgada
será formada secundum eventum litis, diretamente proporcional ao resultado da
sentença. Ou seja, se determinada ação pleiteando esse tipo de direito for julgada
procedente, a coisa julgada será formal, de forma a garantir que todos os
indivíduos que possuam esse direito o tenham assegurado por essa ação pioneira.
Por outro lado, se julgada improcedente, terá coisa julgada formal, operando
apenas sobre aquele processo, não impedindo os demais que pleiteiem esse
direito.

Coisa julgada no mandado de segurança: Oportunamente abordado


por Rodolfo Hartmann, como bem sabemos, o direito pretendido pode ser
pleiteado através de mandado de segurança, quando se supõe que esse direito
seja líquido e certo, sem necessidade de produção probatória. Uma vez que não é
possível à parte tramitar ação via mandado de segurança e via procedimento
comum ao mesmo tempo, já que a ação é idêntica, é preciso resguardar o direito
quando não há concessão na primeira hipótese:
Seguindo a lógica de coisa julgada secundum eventum probationes, o
julgamento do mandado de segurança gerará coisas julgadas qualitativamente
diversas, dependendo de seu resultado, conforme analisaremos a seguir:
Logicamente, se houver concessão da segurança, a coisa julgada será
material, pois o mérito foi concedido e deve atingir qualquer outro processo que
trate sobre o assunto. O problema está quando a segurança não é concedida,
devendo atentar-se ao motivo dessa negação; se por não existir para o impetrante
esse direito, a sentença transitará em julgado e gerará coisa julgada material, não
podendo ser rediscutida através de processo comum, enquanto se por
insuficiência probatória, transitará em julgado, mas gerará coisa julgada formal,
pois a questão poderá ser rediscutida em sede de procedimento comum, onde o
impetrante poderá produzir as provas necessárias para comprovar seu direito
pleiteado, já que ele foi negado através do mandado de segurança por não ser
líquido e certo.

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O fenômeno da Coisa Julgada formal e material em ações diferenciadas.
Coisa julgada nas relações continuativas: Novamente nos baseando
nos entendimentos de Didier, devemos treinar o olhar para um tipo de relação que,
diferente da regra, que tem seu efeito instantâneo, gera efeitos de maneira
prolongada, geralmente, através de prestações periódicas, muito recorrente nas
relações alimentícias e de família, no geral. Essas relações são regidas por uma
cláusula inerente às suas decisões, cláusula essa que assegura a revisão do
direito, caso haja fato superveniente que altera substancialmente as condições
que foram plano de fundo da decisão.
Diferente do que alguns autores entendem, a doutrina majoritária
reconhece a coisa julgada material como possível nessas ações continuativas,
pois mesmo que passíveis de revisão, não será uma revisão qualquer, mas sim
uma ação de revisão, com novo pedido e nova causa de pedir, já que a situação
que baseia a sentença transitada materialmente em julgado foi completamente
mudada. Como bem pontuado em aula, a coisa julgada, mesmo que material, não
pode superar a realidade. Ao julgar uma ação de revisão de alimentos, por
exemplo, o juiz estaria frente a uma realidade completamente diferente, devendo
julgar esse novo fato, portanto, decisão essa que também será passível de coisa
julgada material. Também no exemplo de ação envolvendo alimentos, temos que
cessa a obrigatoriedade aos 21 anos ou aos 24, quando o alimentado estudar,
mas para que isso aconteça, é preciso de nova sentença constitutiva transitada
em julgado extinguindo o dever de prover alimentos.

Conforme o exposto no desenvolvimento da presente pesquisa, temos


visões diferenciadas quanto à definição do fenômeno coisa julgada, passando por
efeito, qualidade e situação jurídica da sentença que já não é passível de recurso.
Além disso, podemos entender a diferença entre coisa julgada formal, que tem sua
abrangência restrita no qual foi dado, e material, que tem repercussão em todo o
mundo jurídico, impedindo que nova demanda rediscuta a decisão, caso os fatos
basilares se mantenham os mesmos, tendo como exemplo de exceção a ação
continuativa. Os meios de produção também foram abordados, bem como sua
aplicação prática em ações como as coletivas e o mandado de segurança.
Sabendo que existem mais diversos pontos do instituto para serem analisados
minuciosamente, faremos numa nova oportunidade, já que o intuito desse foi
alcançado, abordando amplamente os temas inicialmente propostos.

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