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CONGO

A GUERRA MUNDIAL AFRICANA


Editora Leitura XXI
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CEP 90020-160 – Porto Alegre, RS
Fone: (51) 3221 2310
E-mail: leituraxxi@terra.com.br
www.leituraxxi.com.br
SÉRIE AFRICANA

CONGO
A GUERRA MUNDIAL AFRICANA
CONFLITOS ARMADOS, CONSTRUÇÃO DO ESTADO E
ALTERNATIVAS PARA A PAZ

IGOR CASTELLANO DA SILVA

1ª Edição

Porto Alegre, RS.

2012

Com apoio do Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais


(PPGEEI/UFRGS)
© Igor Castellano da Silva
1ª edição: 2012

Direitos reservados desta edição:


Editora Leitura XXI / CEBRAFRICA

Capa: Carla M. Luzzatto


Revisão: Ana Márcia Martins
Editoração Eletrônica: Guilherme Ziebell de Oliveira

Igor Castellano da Silva


Doutorando em Estudos Estratégicos Internacionais (PPGEEI/UFRGS), vinculado ao Núcleo
de Estratégia e Relações Internacionais (NERINT) e ao Centro Brasileiro de Estudos Africanos
(CEBRAFRICA), e mestre em Ciência Política (PPGPOL/UFRGS). Pesquisador do Instituto
Sul-Americano de Política e Estratégia (ISAPE). Contato: igor.castellano@gmail.com

Série Africana
Conselho Editorial:

Paulo Fagundes Visentini (UFRGS) – Coordenador


José Carlos dos Anjos (UFRGS - UniCV)
Luiz Dario Teixeira Ribeiro (UFRGS)
Analúcia Danilevicz Pereira (UFRGS)
Marco Cepik (UFRGS)
Alfa Diallo (UFDG)
Pio Penna Filho (UnB)
Mamoudou Gazibo (Univ. de Montréal - Canada)
Gladys Lechini (U.N. Rosário - Argentina)
Gerhard Seibert (CEA/ISCTE – Lisboa, Portugal)
Hilário Cau (ISRI – Maputo, Moçambique)
Loft Kaabi (ITES - Cartago, Tunísia)
Chris Landsberg (Univ. de Joanesbugo - África do Sul)

C348c Castellano da Silva, Igor


Congo, a guerra mundial africana: conflitos armados,
construção do estado e alternativas para a paz / Igor Castellano
da Silva. – Porto Alegre : Leitura XXI /Cebrafrica / UFRGS, 2012.
272p.

Série Africana.

ISBN 978-85-86880-23-0

1. História – Países africanos – Congo. I. Título.

CDU 94(6)(Congo)

Catalogação na publicação: Mônica Ballejo Canto – CRB 10/1023


Para Gabriela, Carla, Luiz, e Alice,
pelo suporte incondicional

Agradeço os professores Marco Cepik, José


Miguel Martins, Luiz Dario Ribeiro e Paulo
Visentini pelos inestimáveis ensinamentos e
pela confiança depositada neste trabalho.

Agradeço também a CAPES pelo


financiamento à pesquisa e ao Programa de
Pós-Graduação em Estudos Estratégicos
Internacionais (PPGEEI/UFRGS) pelo apoio
concedido a esta publicação.
Não deixaremos que prevaleça uma paz de canhões e baionetas, mas sim uma
paz de coragem e boa vontade.

(Patrice Lumumba, Discurso de Independência)


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 17
CAPÍTULO 1 - Guerra e Estado na África Subsaariana e na RDC 29
1.1 A Relação entre a Guerra e o Estado na África Subsaariana: um
estudo preliminar 30
1.2 Guerra e Estado na RDC e o Conceito de Estado Falido 45
1.3 Power-Sharing e Definição Militar do Conflito 52
1.4 Exército Nacional como intermediário entre o Power-Sharing e a
Definição Militar 56
CAPÍTULO 2 – As Origens Históricas do Estado Congolês 63
2.1 O Congo Pré-Colonial 64
2.2 O Congo de Leopoldo II 73
2.3 O Congo Belga 79
CAPÍTULO 3 – A Crise do Congo e o Estado em Mobutu 93
3.1 A Crise do Congo (1960-1965) 94
3.2 O Estado em Mobutu (1965-1997) 104
CAPÍTULO 4 – A Primeira Guerra do Congo e o Estado em Laurent
Kabila 131
4.1 A Primeira Guerra do Congo (1996-1997) 131
4.2 O Estado em Laurent Kabila (1997-2001) 138
CAPÍTULO 5 – Segunda Guerra do Congo (1998-2003): A Guerra
“Mundial” Africana 145
5.1 A Natureza das Ameaças 145
5.2 As Forças Combatentes Principais 148
5.3 A Cronologia da Guerra e as Principais Operações 152
5.4 O Financiamento da Guerra 164
5.5 A Finalização da Guerra 170
5.6 A Guerra dentro da Guerra: Os conflitos armados de Ituri 173
CAPÍTULO 6 – Estado em Joseph Kabila (2003-....): O Estado de
Violência 181
6.1 A Esfera Coercitiva 181
6.2 A Esfera Extrativa 211
6.3 A Esfera Distributiva 222
6.4 RSS na RDC: A peça-chave para a Definição Militar do Conflito 226
6.5 As Relações Brasil-RDC: oportunidades para a construção do
Estado 231
CONCLUSÃO 243
REFERÊNCIAS 249
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Principais Recursos Naturais da RDC 19
Quadro 2 – RDC: Índices problemáticos 21
Quadro 3 – Principais Guerras na África Subsaariana no pós-II Guerra Mundial
(acima de mil mortos) 34
Quadro 4 – Principais Conflagrações no Congo pós-Independência e o Estado de
Violência 46
Quadro 5 – Características Principais das Guerras da RDC no pós-Independência 47
Quadro 6 – Esferas do Estado na RDC: Períodos pós-conflito 48
Quadro 7 – Densidade Rodoviária na África Colonial (Km de rodovias/Km quadrados
de área) 84
Quadro 8 – Contingente Militar na Segunda Guerra do Congo: Forças nacionais 151
Quadro 9 – Contingente Militar na Segunda Guerra do Congo: Principais grupos proxies 151
Quadro 10 – Interesses Externos e Internos na Segunda Guerra do Congo 165
Quadro 11 – Segunda Guerra do Congo: Cronologia das tratativas de paz (2001-2002) 173
Quadro 12 – Infraestrutura da RDC: Principais gargalos rodoviários 218
Quadro 13 – Infraestrutura da RDC: Principais gargalos ferroviários 219
Quadro 14 – Índices de Direitos Fundamentais: RDC, África Subsaariana e América
Latina (2009) 224
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Mortalidade das Guerras Africanas (milhões de mortos, 1945-2010) 36
Figura 2 – Congo: Exportação de minérios, 1965-1968 (milhares de US$) 111
Figura 3 – Ajuda Bilateral Líquida dos Doadores do CAD ao Congo, 1965-1997 (8
principais em 1990, US$ correntes) 114
Figura 4 – Ajuda Externa a Mobutu, 1965-1997 115
Figura 5 – Ajuda Bilateral a Mobutu, 1960-1997 115
Figura 6 – PIB do Congo, 1960-1997 (bilhões de US$ correntes) 121
Figura 7 – PIB Per Capita do Congo, 1960-1997 (US$ correntes) 121
Figura 8 – Organograma Proxy: As principais forças combatentes na Segunda Guerra
do Congo 150
Figura 9 – Ruanda: Produção mineral, 1995-2000 169
Figura 10 – Uganda: Produção e exportação de ouro, 1994-2000 169
Figura 11 – Uganda: Exportação de diamante bruto, 1997-2001 (volume em quilates) 169
Figura 12 – Uganda: Exportação de nióbio, 1995-1999 (milhares de US$) 170
Figura 13 – Gasto Militar dos Principais Beligerantes das Guerras do Congo, 1996-2009 210
Figura 14 – RDC: Participação das taxas no PIB nacional, 1990-2002 212
Figura 15 – RDC e Afr. Subsaar.: Participação das taxas no PIB nacional, 1990-2002 213
Figura 16 – África: Receitas provenientes de taxas, Per Capita, 2008 (US$) 214
Figura 17 – Ajuda Externa para o Congo, 1965-2007 216
LISTA DE MAPAS
Mapa 1 – República Democrática do Congo (RDC) 18
Mapa 2 – Congo Pré-colonial: Principais reinos 66
Mapa 3 – Segunda Guerra do Congo: Zonas de ocupação 148
Mapa 4 – Representação da Blitzkrieg de Ruanda em direção a Kinshasa (1998) 154
Mapa 5 – Representação do Avanço das Forças Agressoras a Mbuji-Mayi (1999) 156
Mapa 6 – Representação das Batalhas em Équateur (1999-2000) 162
Mapa 7 – Representação da Operação Umoja Wetu em Nord Kivu (2009) 195
Mapa 8 – Representação da Operação Kimia II em Nord Kivu (2009) 196
Mapa 9 – Representação da Operação Kimia II em Sud Kivu (2009) 197
Mapa 10 – Representação da Operação Lightning Thunder em Haut Uele (2009) 200
Mapa 11 - Planta Viária da RDC (2006) 217
Mapa 12 – Planta Energética da RDC (2010) 221
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABAKO Associação de Bakongo


ADF Allied Democratic Forces (Forças Democráticas Aliadas)
AfDB African Development Bank (Banco Africano de Desenvolvimento)
AFDL Aliance de Forces Democratiques pour la Libération du Congo-Zaire (Aliança
de Forças Democráticas pela Libertação do Congo-Zaire)
AICD Africa Infrastructure Country Diagnostic
ALiR Armée de Libération du Rwanda (Exército de Libertação de Ruanda)
AMFI American Mineral Fields
ANC Armée Nationale Congolaise (Exército Nacional Congolês)
APR Armée Patriotique Rwandaise (Exército Patriótico Ruandês)
BCDI Banque de commerce, du développement et d’industrie
CAD Comité de Ajuda ao Desenvolvimento da OCDE
CCCI Compagnie du Congo pour le commerce et l’industrie
CIRGL Conférence internationale sur la Région des Grands Lacs
CNDD Conseil National pour la Défense de la Démocratie (Conselho Nacional pela
Defesa da Democracia)
CNDP Congrès National pour la Défense du Peuple (Congresso Nacional pela defesa do
Povo)
CNL Conseil National de Libération (Conselho Nacional de Libertação)
CNS Conseil National de Sécurité (Conselho Nacional de Segurança)
CNS Conférence Nationale Souveraine (Conferência Nacional Soberana)
CSE Conseil de Sécurité de l’Etat (Conselho de Segurança do Estado)
COMIEX Générale de commerce d’import/export du Congo
CONAKAT Confédération des Associations du Katanga
CPI Corte Penal Internacional
CSK Comité spécial du Katanga
CSNU Conselho de Segurança das Nações Unidas
CVR Corps des Volontaires de la République (Corpo de Voluntários da República)
DDR Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (grupos nacionais)
DDRRR Desarmamento, a Desmobilização, o Repatriamento, o Reassentamento e a
Reintegração (grupos estrangeiros)
DfID United Kingdom Department For International Development (Departamento para
o Desenvolvimento Internacional do Reino Unido)
DIC Diálogo Intercongolês
DSP Division Spéciale Présidentielle (Divisão Especial Presidencial)
ECOMOG Economic Community Monitoring Group (Grupo de Monitoramento de Cessar-
Fogo da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental)
ECOWAS Economic Community Of West African States (Comunidade Econômica dos
Estados da África Ocidental - CEDEAO)
EUA Estados Unidos da América
EUPOL Missão Europeia de Polícia na República Democrática do Congo
ex-FAR Ex-membros das Forças Armadas de Ruanda
FAA Forças Armadas Angolanas
FAB Forces Armées Burundaises (Forças Armadas de Burundi)
FAC Forces Armees Congolaises (Forças Armadas do Congo)
FANT Forces Armées Nationales Tchadiennes (Forças Armadas Nacionais do Chade)
FAPC Forces Armées du Peuple Congolais (Forças Armadas do Povo Congolês)
FARDC Forces Armées de la République Démocratique du Congo (Forças Armadas da
República Democrática do Congo)
FAZ Forces Armées Zaïroises (Forças Armadas do Zaire)
FDD Forces pour la Défense de la Démocratie (Forças pela Defesa da Democracia)
FDLR Forces Democratiques de Liberation du Rwanda (Forças Democráticas de
Libertação de Ruanda)
FFP Fund for Peace
FIPI Front d'Integration pour la Pacification de l'Ituri (Frente de Integração pela
Pacificação de Ituri)
FNI Front des Nationalistes et Intégrationnistes (Frente dos Nacionalistas
Integracionistas)
FNL Forces nationales de libération (Forças Nacionais de Libertação – Burundi)
FNLA Frente Nacional de Libertação de Angola
FNLC Front National pour la Libération du Congo (Frente Nacional de Libertação do
Congo)
FPDC Force Populaire pour la Démocratie du Congo (Força Popular pela Democracia
do Congo)
FPR Front Patriotique Rwandais (Frente Patriótica Ruandesa)
FRD Forces Rwandaises de Défense (Forças de Defesa de Ruanda)
FRELIMO Frente de Libertação de Moçambique
GB Grã-Bretanha
GC Garde Civile (Guarda Civil)
Gécamines Générale des Carrières et des Mines
GN Gendarmerie Nationale
GSSP Groupe Spécial de Sécurité Présidentielle (Grupo Especial de Segurança
Presidencional)
HRW Human Rights Watch
ICG International Crisis Group
IFIs Instituições Financeiras Internacionais
IISS International Institute for Strategic Studies
ISS Institute for Security Studies
LRA Lord’s Resistance Army (Exército de Resistência do Senhor)
MIBA Société minière de Bakwanga
MLC Movement pour la Libération du Congo (Movimento pela Libertação do Congo)
MNC Mouvement National Congolais (Movimento Nacional Congolês)
MONUC Missão da ONU no Congo
MONUSCO Missão das Nações Unidas para a Estabilização da República Democrática do
Congo
MPLA Movimento Popular de Libertação de Angola
MPR Mouvement Populaire de la Révolution (Movimento Popular da Revolução)
NDF Namibia Defence Force (Força de Defesa da Namíbia)
OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (Organisation for
Economic Co-operation and Development – OECD)
OKIMO Office des Mines d'Or de Kilo-Moto
ONU Organização das Nações Unidas
ONUC Operação das Nações Unidas no Congo
OSLEG Operation Sovereign Legitimacy
OUA Organização da Unidade Africana
PNC Police Nationale Congolaise (Polícia Nacional Congolesa)
PUSIC Parti pour l'Unité et la Sauvegarde de l'Intégrité du Congo (Partido pela União e
Salvaguarda da Integridade do Congo)
RCA República Centro Africana
RCD Rassemblement Congolais pour la Democratie (Coligação Congolesa para a
Democracia)
RCD-G Rassemblement Congolais pour la Democratie- Goma
RCD-K/ML Rassemblement Congolais pour la Démocratie – Kisangani/Mouvement de
Libération
RCD-N Rassemblement Congolais pour la Démocratie- National
RDC République Démocratique du Congo (República Democrática do Congo)
RDR Rassemblement Démocratique pour le Rwanda (Coligação Democrática para
Ruanda)
RENAMO Resistência Nacional Moçambicana
RSS Reforma do Setor de Segurança (Security Sector Reform – SSR)
SADC Southern African Development Community (Comunidade para o
Desenvolvimento da África Austral)
SARM Service d'Action et de Renseignements Militaire (Serviço de Ação e Inteligência
Militar)
SGB Société générale de Belgique
SIBEKA Sibeka Societe d'Entreprise et d'Investissements S.A
SNEL Société Nationale d'Électricité
SNIP Service Nationale d'Inteligence e Protection (Serviço Nacional de Inteligência e
Proteção)
SPLA Sudan People's Liberation Army (Exército Popular de Libertação do Sudão)
SPLM Sudan People's Liberation Movement (Movimeno Pop. de Libertação do Sudão)
SOZACOM Société Zaïroise de Commercialisation des Minérais
SPLA Sudanese People’s Liberation Army (Exército Popular de Libertação do Sudão)
TCL Tanganyika Concessions Limited
UCOL- Union pour la Colonisation du Katanga (União pela Colonização de Katanga)
Katanga
UMHK Union Minière du Haut-Katanga
UNAMSIL United Nations Mission in Sierra Leone (Missão das Nações Unidas em Serra
Leoa)
UNHCR United Nations High Commissioner for Refugees (Alto Comissariado das Nações
Unidas para os Refugiados – ACNUR)
UNITA União Nacional para a Independência Total de Angola
UNOSOM United Nations Operation in Somalia (Operação das Nações Unidas na Somália)
UPC Union des Patriotes Congolais (União de Patriotas Congoleses)
UPDF Ugandan People's Defence Force (Força de Defesa Popular de Uganda)
URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
WB World Bank (Banco Mundial)
WNBF West Nile Bank Front
ZANU Zimbabwe African National Union (União Nacional Africana do Zimbábue)
ZANU-PF Zimbabwe African National Union - Patriotic Front (União Nacional Africana do
Zimbábue - Frente Patriótica)
ZAPU Zimbabwe African People's Union (União do Povo Africano do Zimbábue)
ZNA Zimbabue National Army (Exército Nacional do Zimbábue)
ZNDF Zimbabwe National Defence Forces (Forças Nacionais de Defesa do Zimbábue)
PREFÁCIO

O título desta obra procura chamar a atenção do leitor para a


especificidade do sistema interestatal africano. Habituamos-nos à ideia de
associar o termo “Guerra Mundial” a conflagrações que definem as relações de
hierarquia entre as potências (hegemonia) no sistema internacional. Então, como
falar em uma Guerra Mundial Africana? Ocorre que outra característica marcante
das guerras mundiais é a de terem sido confrontações predominantemente
europeias. Isso só se tornou possível devido à existência de um sistema de
Estados soberanos e europeus. Isto é, ao fato daquelas entidades soberanas
reterem para si, tanto do ponto de vista jurídico quanto de capacidades militares,
a prerrogativa de valer-se da guerra como razão última da política.
Esse não foi o caso da África. O surgimento dos Estados africanos pós-
coloniais já se deu sob a égide da Carta da ONU e do Direito Internacional, que
proscreveram a guerra como instrumento de política externa. Tratava-se, pois, de
uma circunstância única, de um sistema de Estados que contava com a ordem
internacional para a defesa de suas fronteiras. Anteriormente, essa era a tarefa
típica, a característica essencial, do Estado soberano territorial. Além disso, as
emancipações políticas africanas – portanto, o surgimento nominal dos Estados
soberanos – se deu sob o influxo da Guerra Fria e da bipolaridade. Desse modo,
para além da ordem internacional, a confrontação entre as duas superpotências se
encarregou de estabelecer um sistema de governança sobre os Estados africanos
que, de fato, quaisquer que sejam seus méritos, usurparam-lhes a soberania.
Como resultado, os formuladores de política e tomadores de decisão
africanos focaram as suas precocupações na segurança interna e nos desafios do
desenvolvimento. Negligenciou-se o componente, de resto tão caro às revoluções
nacionais, de construção de um exército nacional, da base industrial de defesa ou
mesmo a compreensão acerca do papel da logística nacional para a guerra. Essa
situação perdurou ainda nos primeiros anos do pós-Guerra Fria. Foi então que,
diante da “nova desordem internacional”, que sucedeu o equilíbrio bipolar, pela
primeira vez os Estados africanos viram-se confrontados pelo desafio da guerra.
A guerra do Congo, para além da formalidade jurídica, estabeleceu de fato as
bases de um sistema de Estados soberanos na África. É por isso que pode, e deve
ser caracterizada como a Guerra Mundial Africana.
Contudo, como se verá no curso desta obra, esse exercício da soberania
foi condicionado pelo contexto internacional para além do continente. Isto é, foi
suscitado pelo “abandono da África” por parte da superpotência vitoriosa na
Guerra Fria, pela Rússia que abandonara os compromissos e engajamentos da
antiga União Soviética, e também pelas ex-potências coloniais agora envolvidas
com um processo de globalização capitalista social e regionalmente excludente
no caso da África. Como decorrência, inexistiam condições econômicas,
institucionais ou militares para o exercício efetivo da soberania por parte da
maioria dos Estados africanos. Assim, a história da Guerra Mundial Africana é
também a história do neocolonialismo, de companhias privadas assumindo
funções típicas do Estado, do estabelecimento de economias de enclave e
exércitos privados muitas vezes engrossados por crianças recrutadas à força. É a
história dos “diamantes de sangue” e de uma nova fase, ainda mais predatória do
que a do neocolonialismo, de exploração dos recursos naturais africanos,
sobretudo dos insumos ligados às telecomunicações e à Era Digital. É assim que
a Guerra Mundial Africana é a história da disputa por nióbio, tântalo e cassiterita
– componentes essenciais para a microeletrônica, computadores, aparelhos
celulares, smartphones, etc. Desse paradoxo da contingência da soberania e da
inexistência das condições para o seu exercício, nasce outro: os Estados africanos
descobrem-se soberanos na época dos processos de integração regional. As
diversas faces desse paradoxo – que mistura, ao mesmo tempo, guerra e
integração, tarefas típicas de construção do Estado nacional e integração regional
– sintetiza o atual dilema africano.
É por isso que este livro começa tratando sobre a importância do
exército como elemento reitor da formação de uma economia nacional e de uma
burocracia para o serviço público federal e termina falando sobre as
oportunidades de cooperação entre Brasil e Congo para a construção do Estado.
No meio desse caminho situa-se a Guerra Mundial Africana, cuja compreensão
exige conhecimento prévio acerca das origens históricas do Estado congolês, da
emancipação política e da feição do Estado de Mobutu Sese Seko, para enfim
concentrar-se nas duas guerras do Congo e nas perspectivas e nos desafios
enfrentados no Congo de hoje sob a presidência de Joseph Kabila.
Trata-se de um esforço intelectual muito importante, que dá conta de boa
parte da história recente da África, permite a compreensão dos conflitos africanos
e constitui-se em referência inédita e muito completa no Brasil sobre a história
do Congo. Trata-se de um acervo inestimável para qualquer brasileiro, desde o
estudante de Relações Internacionais até os formuladores de política e tomadores
de decisão públicos e privados. A despeito de seu conteúdo analítico denso – que
relaciona Sociologia, Filosofia Política, História e o estudo da guerra – o livro de
Igor Castellano da Silva conserva a linguagem simples, o caráter informativo,
sendo acessível ao leitor preocupado em conhecer mais sobre a África e a
história recente dos Estados africanos. Além disso, o livro que o leitor tem em
mãos mostra como é possível analisar fatos e problemas complexos que
permitem verificar e decidir sobre a validade das opiniões que temos sobre como
o mundo é e deveria ser.
Para nós, que tivemos o privilégio de conviver e acompanhar a trajetória
de Igor Castellano da Silva como estudante e pesquisador, até agora, é uma
enorme satisfação poder recomendar sua leitura para todo o tipo de público.
Depois de concluída a dissertação que deu origem a este livro, Igor teve a
oportunidade de apresentar suas ideias em universidades africanas e conhecer o
cotidiano daquela região, discutindo-as com especialistas e com cidadãos dos
dois lados do Atlântico. Trata-se, pois, de esforço intelectual que já conta com
grau considerável de maturação e decantamento.
Prof. Dr. Marco Aurélio Chaves Cepik
Professor Associado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Diretor do Centro de Estudos Internacionais sobre Governo (CEGOV)
Prof. Dr. José Miguel Quedi Martins
Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
INTRODUÇÃO

Soprava uma brisa quente naquela noite de inverno em Sud Kivu. A


selva parecia mais silenciosa do que de costume, a vila quase tão morta quanto
o seu destino e o céu mais escuro do que a pele daqueles nobres homens vindos
de Ruanda há algumas décadas. Haviam chegado ao local após a Guerra
Mundial europeia em busca de trabalho, querendo construir sua vida junto
àquela próspera colônia. Trouxeram apenas força, família e esperança. No
entanto, a situação desses últimos anos direcionou-os para o abismo. Neste país
não eram considerados cidadãos. Na sua terra de origem seus irmãos foram
massacrados por tribos que se diziam superiores. E agora estavam com a
essência de suas vidas escorrendo por entre os dedos magros da fome, da AIDS
e da cólera. Mesmo com o fim dos dolorosos e recentes anos da Guerra Mundial
Africana, as suas famílias ainda não estavam seguras. Isso era exatamente o que
a brisa lhes preparava. À medida que a madrugada os tragava, centenas de
homens armados com paus e pedras invadiram a pobre aldeia e disseminaram o
horror sexual entre homens, mulheres, crianças e idosos. Quando a tormenta
cedeu, não estavam mortos de corpo, mas suas almas haviam sido levadas.
Salvo a pobre redação, esta historieta poderia ser confundida como uma
das passagens do clássico de Joseph Conrad “No Coração das Trevas”, no qual o
autor descreve as barbáries presentes no Congo recém-descoberto pelos
expedicionários belgas e ingleses. Tudo imerso em um ar de mistério e
perplexidade, próprio da visão ocidental. No caso daquela obra, contudo, as
maiores atrocidades eram cometidas pelos próprios colonizadores, que
mutilavam e massacravam a população local visando à extração do marfim. Após
ciclos e mais ciclos de exploração de recursos naturais valiosíssimos para a
economia mundial que, com os anos, foram sendo descobertos no país, a
população local pôde herdar não somente as instituições dos colonizadores, mas
também a brutalidade com que estes perseguiam seus objetivos políticos e
econômicos.
O Congo-Belga (depois Congo-Leopoldville, Zaire, e, finalmente,
República Democrática do Congo) sofre de um problema de violência endêmica
– como aquele descrito no primeiro parágrafo desta introdução. Este quadro é
consequência não somente das estruturas político-sociais herdadas do período
colonial, mas, sobretudo, do ciclo intermitente de guerras e da débil formação do
Estado. Esta obra aborda o problema da República Democrática do Congo
(RDC), com enfoque principal na relação entre guerra e construção estatal.
De modo inicial, esta introdução se divide em cinco partes. A primeira
tenta responder à pergunta “o que é a RDC?”. A segunda e a terceira seções
questionam “por que estudar a RDC?”, introduzindo sumariamente o problema
atual da continuidade dos conflitos relacionados às guerras ocorridas
recentemente no país e apresentando a linha argumentativa deste estudo. Na
quarta parte desta introdução, faz-se uma brevíssima exposição do escopo da
análise diádica que conforma os capítulos 3 a 6. Por fim, a quinta parte adianta as
principais conclusões do trabalho, referindo-se às mudanças no âmbito do
17
sistema internacional (SI) contemporâneo que potencialmente alteram a margem
de liberdade que a RDC tem tido até então. Isso ocorre mediante transformações
na polaridade (multipolaridade) e o incremento da cooperação internacional entre
os países emergentes.

O que é a República Democrática do Congo (RDC)?


Mapa 1 – República Democrática do Congo (RDC)

O Congo situa-se no coração do continente africano, em uma região


estratégica na África Central, interligando territórios da África Austral, Oriental,
Equatorial e do Chifre da África. Suas amplas fronteiras o conectam com nove
países africanos (República do Congo/Brazzaville, República Centro-Africana,
Sudão do Sul, Uganda, Ruanda, Burundi, Tanzânia, Zâmbia e Angola) e lhe
possibilita acesso ao Oceano Atlântico através de uma estreita faixa de terra ao
Oeste, onde desemboca o portentoso Rio do Congo. Possui 2.344.858 km2 de
extensão territorial, sendo o 11º maior país do mundo, o segundo maior país
africano (atrás da Argelia) e o maior país da África Subsaariana (após a divisão

18
do Sudão). Seu relevo é dividido em quatro regiões principais: a Bacia Central do
Congo1, as Altas Planícies2, a Serra Oriental3 e o Grande Vale4.
Possui uma população total de mais de 73 milhões de pessoas (CIA,
2012), sendo o quarto país mais populoso do continente, apresentando um
significativo crescimento populacional, na faixa de 2,7% ao ano (WB, 2012).
Todavia, devido a seu vasto território, a RDC detém uma população
esparsamente distribuída, concentrando-se, sobretudo, na região próxima à
Kinshasa (capital, com mais de 8 milhões de habitantes) e na povoada região dos
Grandes Lagos. Como consequência, há ainda prodomínio populacional na zona
rural (65% das pessoas habitam essas regiões). A diversidade e riqueza étnica,
linguística e cultural são sobressalentes. O país possui mais de 200 grupos
étnicos, em sua maioria de origem Bantu, tais como Luba5, Kongo e Mongo.
Além da língua oficial (francês), falam-se principalmente o Lingala (utilizado
especialmente no comércio), o Kingwana (dialeto Kiswahili), o Kikongo e o
Tshiluba. Em âmbito cultural, destaca-se que 50% da população são Católicos
Romanos (o que inclui formas sincréticas), 20% são Protestantes, 10% são
Kimbanguistas6, 10% Mulçumanos e 10% são adeptos de religiões tradicionais
africanas.

Quadro 1 – Principais Recursos Naturais da RDC


Auge da
Tipo de Reservas (comp. Localização
Recurso Principais Aplicações Participação
Recurso com Mundo) Principal
na Economia
Joias, reserva de
Maniema,
valor, motores
Haut-Ulele,
Ouro de aviação, Quase inexploradas -
Sud Kivu e
cobertura de
Ituri
satélites
Recursos 25%
históricos Polimento de (IND - maior
Diamantes aço, reserva e produção Kasai, Lulua,
Industriais e semicondutor, natural mundial) Tshopo e 1990-...
GEM ind. eletrônica e 7% Bas-Uele
joias (GEM – 2º maior
produtor africano)

1
Contém um terço do território do país, cuja população é, na maioria, de agricultores. A relevância da
bacia é dada pelo Rio do Congo, segundo maior rio do mundo em volume de água, atrás apenas do
Amazonas.
2
Cercam a Bacia Central ao norte (pradarias) e ao sul (savanas), com desvio para o mar a oeste.
3
Porção de terra mais alta do país (de 1.000 a cerca de 5.000 metros), com mais de 1.500 quilômetros de
extensão.
4
Constitui a fronteira leste do país. É composto por um sistema de planícies e rios situados entre altas
montanhas. As Montanhas Ruwenzori, uma das maiores cadeias de toda a África, situam-se nessa região –
bem como os Lagos Tanganyika, Kivu e Edward (delimitam as fronteiras no extremo leste, juntamente
com o lago Albert, mais a nordeste).
5
Nomes de origem bantu, em que o plural se constitui com a adição do prefixo “ba", optou-se por manter
sempre a forma em singular, para evitar confusões com a multiplicidade de termos. Nos casos em que o
plural tornou-se mais conhecido do que o próprio singular, como Banyamulenge e Banyarwanda, deu-se
preferência pela forma mais utilizada.
6
Igreja cristã africana autóctone e profética de culto a Simon Kimbangu, que realizou resistência à
dominação colonial pautado no pacifismo – o que não evitou que fosse assassinado em 1921 por
autoridades belgas.
19
Superligas
metálicas,
catálise do Entre 45 e 49%
petróleo, (maior reserva e
Cobalto Haut-Katanga 1950-....
eletrodos de maior produtor
baterias mundial)
elétricas, fonte
de radiação
Katanga,
Um dos maiores
Kinshasa e
Urânio Energia nuclear depósitos mundiais 1940-1950
Congo
de uraninita
Central
Recursos Fios elétricos,
atuais circuitos
impressos
Cobre Entre 2 e 10% Haut-Katanga 1920-1990
(equip.
eletrônicos), ligas
metálicas
Geração de
Litoral e Ituri
Petróleo energia, Pouco expressivas -
(lago Albert)
polímeros
30% do potencial
Geração de da energia Bas-Congo e
Água -
energia hidráulica mundial Katanga
(100.000 MW)
Aparelhos
eletrônicos, chips Nord Kivu,
de Sud Kivu,
Coltan* 80% 1990-...
computadores, Maniema e
ind. espacial e Tshopo
Recursos
militar
era digital
Extração de
Nord Kivu,
estanho para
Sud Kivu,
Cassiterita conexão de Não contabilizadas 1990-...
Maniema e
circuitos
Tshopo
integrados
Nota: *Nome coloquial para a forma natural e integrada de Columbita-Tantalita – da onde se extrai,
respectivamente, nióbio e tântalo. No que diz respeito especificamente ao tântalo, que pode ser extraído do Coltan e
também obtido de fontes diretas, o Congo já representa aproximadamente 13% da produção mundial.
Fontes: YAGER, 2008; MINES, 2006; HAYES & BURGE, 2003; GÜELL, 2008; COAKLEY, 1999 e 2005; ECA, 2010; USA,
2012.
Autor: CASTELLANO, 2012.

O Congo é igualmente riquíssimo em recursos naturais, como ilustra o


quadro 1. Trata-se de matérias-primas de uso histórico, atual e de relevância
central para a era digital. A riqueza natural do país foi recentemente estimada em
USD 24 trilhões, o que equivaleria aos PIBs de Europa e Estados Unidos juntos
(MORGAN, 2009).
Contudo, a despeito da abundância de recursos e de sua situação
geográfica favorável, a RDC encontra-se em estado de colapso. O paradoxo de “a
riqueza alimentar a miséria” é uma mazela comum a muitos países do Terceiro
Mundo. Entretanto, a escala com que isso se dá na RDC é provavelmente única.
Ali a riqueza alimenta não apenas a economia de enclave, ligada exclusivamente
ao setor externo, mas também a manutenção de um ciclo de guerras que vêm
20
assolando toda a região dos Grandes Lagos da África Central. Como resultado,
há exacerbação da pobreza, acúmulo de refugiados, altas taxas de mortalidade e
um nível sem precedentes de violência sexual e proliferação do vírus HIV.

Quadro 2 – RDC: Índices problemáticos


Área Dados 2009
População Vivendo com USD 1,00/dia 75%*
PIB (Corrente US$ bilhões) 11,1
Posição África Subsaariana (44 países) 15ª
Posição Mundo (183 países) 116ª
Economia PIB Per Capita (PPC) 332,0
Posição Mundo (182 países) 182ª
Dívida Externa (US$ em bilhões) 13,8
Díivida Externa/PIB (%) 116,6
Tx Inflação Atual (% ano - fim do período) 24,3
Grau de Democracia Freedom House (de 7 a 1) 6
Política
Grau de Democracia Polity IV (de -10 a +10) 5***

Índice de Desenvolvimento Humano (0-1) 0,286฀

Desenvolvimento Posição África Subsaariana (44 países) 44ª


Humano Posição Mundo (182 países) 182ª
Índice GINI (0-100) 44.4**
Posição Mundo (141 países) 99ª
Número de Refugiados (por país de asilo) 185.809
Posição Mundo (173 países) 12ª
Número de Deslocados Internos 2.052.677
Posição Mundo (173 países) 2ª
População em Situação Preocupante UNHCR (refugiados) 2.362.295
Posição Mundo (173 países) 4ª
Taxa Bruta de Mortalidade (por 1.000 hab de id. média) 16,96***
Segurança Humana Posição África Subsaariana (48 países) 4ª
Posição Mundo (228 países) 5ª
Homicídios Intencionais (por 100.000 habitantes) 35****
Posição África Subsaariana (47 países) 6ª
Posição Mundo (189 países) 9ª
Número de Infectados por HIV/AIDS 100.000
Posição Mundo (156 países) 6ª
Número Abusos Sexuais 27.000*****
Notas: * Dados de 2011, ** Dados de 2004-2007, *** Dados de 2008, **** Dados de 2004, ***** Dados de 2006
apenas para a província de Sud Kivu; ฀ Dados de 2012.
Fontes: IMF, 2010; AFDB, 2010; UNHCR, 2010; WB, 2012; UNODC, 2010; CIA, 2012; FH, 2009; PTIV, 2008; PNUD, 2010,
FAO, 2011.
Autor: CASTELLANO, 2012

21
O quadro 2 procura sintetizar a situação atual da RDC, quando a
capacidade estatal – ou mesmo o próprio Estado em termos weberianos7 - é
quase inexistente.

Por que a República Democrática do Congo (RDC)?


A despeito de seu passado ter sido marcado por grandes infortúnios e
escassos momentos de sinais de prosperidade, o período pós-Guerra Fria foi o
mais problemático para a RDC. O transbordamento dos conflitos armados entre
Tutsi e Hutu em Ruanda e Burundi levou ao estabelecimento de uma frente
formada por Uganda, Ruanda, Burundi e Angola para derrubar Mobutu Sese
Seko, presidente do Zaire, que então financiava grupos rebeldes nos países
vizinhos. A forma encontrada de legitimar a articulação foi o amparo à Aliance
de Forces Democratiques pour la Libération du Congo-Zaire (AFDL) do antigo-
guerrilheiro congolês Laurent Kabila. O resultado foi a Primeira Guerra do
Congo, que causou 200 mil mortos e levou à queda de Mobutu e à ascensão de L.
Kabila à presidência do país.
Todavia, a expectativa de que o novo presidente se mantivesse como um
fantoche dos interesses externos foi logo rompida pela inflexão nacionalista do
líder. O rompimento provocou uma nova invasão das forças vizinhas. Além
disso, Ruanda, Uganda e Burundi sustentaram a formação de grupos rebeldes
proxy8 que, apesar do bloqueio regional de Zimbábue, Angola e Namíbia,
possibilitaram a divisão do país em três partes (sob influência de Uganda,
Ruanda e Congo), onde a exploração ilegal de recursos naturais foi intensificada.
A Segunda Guerra do Congo causou 3,8 milhões de mortos, o que deu à
conflagração a particularidade de ser o conflito armado que mais matou desde a
Segunda Guerra Mundial (TURNER, 2007), razão pela qual é chamada, também,
de “Guerra Mundial Africana” (PRUNIER, 2009).9
Entretanto, mesmo após o fim formal das conflagrações em 2003, mais
de um 1,6 milhão de pessoas morreram. Trata-se de uma cifra oito vezes superior
à da Primeira Guerra do Congo e corresponde a 12,15% de todas as mortes
causadas ou derivadas de guerras na África Subsaariana desde 1945. Além disso,
com o acúmulo de mais de 200 mil casos de estupros desde 1998, há uma
realidade muito particular em que a violência sexual tornou-se uma arma de

7
O conceito de Estado aqui adotado é o weberiano. Assume-se o Estado como uma organização política
compulsória que controla uma área territorial onde a burocracia detém de maneira bem-sucedida a
reivindicação ao monopólio do uso legítimo da força física na imposição de sua ordem (WEBER,
1999:525). Quanto ao conceito de capacidade estatal, além do exercício da coerção, da defesa e da
segurança, pode-se relacioná-la à capacidade do Estado de prover bem-estar (TILLY, 2007:78). Cumpre
salientar que Tilly (2007) utiliza a RDC como exemplo de baixa capacidade estatal e ausência de
democracia.
8
Grupos proxy – Grupos armados que atuam sob procuração. Estes são os agentes da guerra proxy, como
será apresentado no primeiro capítulo desta obra.
9
Esta mortalidade é comparada à população total da vizinha República do Congo (Congo-Brazzaville –
3,68 milhões de habitantes) ou mesmo à do Uruguai (3,36 milhões de habitantes) – além de superar o
número de mortes de importantes conflitos: Guerra da Coreia (2,8 milhões); Segunda Guerra da Indochina
(3,5 milhões) – cenário da Guerra do Vietnã -; e Guerra Irã-Iraque (1 milhão de mortos) (TCA, 2010).
22
guerra.10 No âmbito deste livro, esta realidade é descrita como “Estado de
Violência”. Trata-se de uma categoria desenvolvida por Frédéric Gros para
descrever uma realidade que não se enquadra nas definições básicas dos
conceitos de guerra ou paz.
O Estado de Violência é definido por três grandes princípios: a
unilateralidade, o asseguramento de fluxos apoiado por intervenções e a
midiatização. A unilateralidade se refere à realidade predominante dos novos
conflitos, nos quais violências são cometidas de forma unilateral e em que cada
vez mais frequentemente alvos desarmados são o foco dos meios de destruição.
O asseguramento dos fluxos diz respeito à atual quase indistinção entre o interior
e o exterior, entre o inimigo e o criminoso; e ao protagonismo de novos atores,
como mercenários, organizações não governamentais, exércitos internacionais,
máfias, senhores da guerra, etc. A midiatiazação remete à importância da
imagem nos conflitos contemporâneos, decidindo o sentido e o significado das
novas violências (GROS, 2006, 2007 e 2008).
Esta obra é resultado de um questionamento inicial, que levou ao grande
interesse pelo assunto, devido à sua especificidade e particularidade. Ao refletir
“por que, mesmo após a paz formal, o estado de violência permanece na
República Democrática do Congo (RDC)?”, percebeu-se que esta pergunta,
assim como outras típicas da realidade da política internacional, é de difícil
resposta. O que dirá uma resposta bem informada e crítica, que leve em conta
aspectos sociológicos, históricos e estratégicos desta realidade particular.
A literatura já nos oferece diversas respostas para a questão. Há aquelas
que focam nos interesses econômicos internos e externos responsáveis pela
continuidade da conflagração11, (2) as que salientam a própria natureza da guerra
na África12, (3) as que percebem a existência de problemas históricos no país13,

10
No curso do ano de 2004, estima-se que pelo menos mil pessoas morreram ao dia de doenças e
desnutrição, o que coloca o Congo nos umbrais de uma das maiores tragédias humanitárias de que se tem
notícia no continente africano (CBC News, 2008). Ademais, ONGs internacionais contabilizam mais de
mil mortes ao dia (45 mil ao mês) na RDC entre 2006 e 2007 (IRC, 2007; BAVIER, 2008) e o acúmulo de
200 mil casos de estupros desde 1998 (HRW, 2009).
11
Denise Galvão (2005) argumenta que o fim do conflito armado não foi suprimido, pois não foi atacado o
principal motor que o movia: a exploração de recursos naturais do território congolês. Michael Nest (2006)
possui argumentos semelhantes, apesar de salientar que a Segunda Guerra do Congo não foi,
propriamente, uma guerra por recursos naturais – mas que os interesses econômicos no Congo foram
função da guerra (surgiram na medida em que o conflito armado foi se complexificando e necessitando de
maiores financiamentos para novas campanhas militares). Há também análises que salientam a estreita
relação entre mineradoras e a guerra (BAROUSKI, 2007), a partir da percepção de que a guerra facilita a
obtenção de concessões para a extração de minérios – seja no ramo de diamantes (WAR ON WANT,
2007); de ouro (HRW, 2005a); de cassiterita (MILLER, 2005; GW, 2005); de coltan (HAYES & BURGE,
2003; HARBULOT, 2008; GÜELL, 2008; MONTAGUE, 2001); ou de carvão (IRIN, 2009). Outra linha
de argumentação está nos estudos que enfatizam o papel das altas finanças ocidentais que patrocinam
indiretamente a manutenção de uma guerra incentivada pelo controle de recursos (ABADIE et alli, 2008;
BAROUSKI, 2007).
12
Gettleman (2010) acredita que o conflito no Congo continua, como em outros países africanos, onde o
terror virou um fim em si mesmo, devido à criminalidade e ao banditismo generalizados.
13
Entre elas, está a percepção de Thomas Turner (2007) de que interesses materiais locais, regionais e
internacionais – favorecidos por ideologias e padrões culturais dos grupos beligerantes, que remetem à
instrumentalização étnica promovida pela administração colonial – mantêm a lógica do conflito.
23
(4) as que se detêm ao problema da instabilidade regional14, (5) as que apontam
as falhas políticas internas à RDC15, e (6) as que apresentam uma vasta gama de
elementos – o que acaba reduzindo o peso de seus argumentos16.
O argumento aqui sugerido neste estudo é que a guerra continua na
RDC, pois não houve a definição militar do conflito17, primeiro passo no
processo de construção do Estado. Há a permanência de grupos armados atuando
contra as populações civis e o governo central, e em locais onde o aparelho
coercitivo do Estado é ineficiente ou mesmo inexistente.

As Causas Recentes da Instabilidade


No Congo, essa situação parece decorrer de dois fenômenos. O primeiro,
diz respeito ao fato de que a maioria dos grupos beligerantes da Segunda Guerra
do Congo foi inserida automaticamente nas forças armadas e nas instituições
nacionais devido ao mecanismo de power-sharing (distribuição de poder) na sua
versão hard (dura). O caso congolês diferencia-se, nesse particular, de Angola e
Moçambique, onde a correlação de forças no campo militar permitiu a aplicação
do que Stephen Brown e Marie-Joëlle Zahar (2008) denominam de power-
sharing soft. Nesses dois últimos casos, a garantia fornecida aos grupos armados
em troca da pacificação limita-se a juntos poderem escrever as regras em torno
das quais se dará o preenchimento dos cargos públicos ou mandatos, e não, como
no caso do Congo, a passar ao controle dos insurgentes parcelas inteiras do
Estado.
O segundo fenômeno concerne ao fato de que os grupos não inseridos
nos sistemas estatal e político não foram derrotados. Entre eles estão o Lord’s
Resistance Army (LRA) e as Forces Democratiques de Liberation du Rwanda
(FDLR). A incompetência para derrotá-los está relacionada à própria
incapacidade militar congolesa e aos interesses envolvidos na manutenção desses
grupos. Influencia neste problema o alto custo-benefício de manutenção da
Missão das Nações Unidas para a Estabilização da República Democrática do

14
Prunier (2009) parece sinalizar que a continuidade do conflito no Congo faz parte do cenário africano
pós-Guerra Fria, quando o continente passou a tomar suas próprias decisões políticas. Já o estudo de
Bizawu (2008), salienta a ainda existente instabilidade na região dos Grandes Lagos, onde as fronteiras
nacionais são porosas e permeáveis.
15
O International Rescue Committee (2007) afirma que conflitos armados demoram a ser solucionados em
casos nos quais o Estado está fragilizado, especialmente quando houve décadas de estagnação econômica.
Pham (2008) argumenta que a instabilidade congolesa atual se deve às falhas do modelo de reconstrução
pós-conflito – para ele, excessivamente centralizado.
16
Entre outras organizações internacionais – como o International Crisis Group, o Human Rights Watch, a
Anistia Internacional – as agências da ONU são um grande exemplo na adoção deste enfoque amplo. É o
caso do Conselho de Direitos Humanos da ONU, que critica a falta de comprometimento governamental
em ceder informações, em fomentar a força do Estado e da sociedade civil e em proteger deslocados e
refugiados – além da impunidade generalizada no país; da existência de leis discriminatórias contra
mulheres; da falta de reformas nos setores de justiça e segurança; e da falta de controle no setor minerador
(A/HRC/13/63, 2010).
17
Entende-se como definição militar do conflito a coerção e a ameaça de coerção. Trata-se da situação em
que uma das forças em conflito armado é derrotada ou que a capacidade militar de uma das partes é
suficiente para fazer com que a outra parte desista das confrontações. Essa capacidade também gera efeitos
de dissuasão em grupos que ainda não optaram pela insurgência armada.
24
Congo (MONUSCO)18, a maior operação de paz exclusiva da ONU desde
fevereiro de 2005, e de seu programa de auxílio ao desarmamento de grupos
externos atuantes na RDC (DDRRR)19.
Os custos totais anuais de manutenção da MONUSCO chegam
atualmente a US$1,4 bilhão (A/C.5/66/17, 2012). Esse valor seria suficiente para
que se completasse mais da metade de toda a Reforma do Setor de Segurança do
Congo – avaliada em US$ 2 bilhões (HANSON, 2010). Cumpre relembrar que,
dependendo de como for feita essa reforma, a RDC poderia tornar-se apta a
realizar a pacificação de seu território de forma muito mais autônoma, podendo
dispensar grande parte das tropas da MONUSCO.
O conceito de Reforma do Setor de Segurança (RSS) – centralmente
importante para a compreensão da situação atual da RDC – bebe na fonte da
noção de segurança humana. Surgiu em fins dos anos 1990 mediante o papel
proeminente do Departamento para o Desenvolvimento Internacional do Reino
Unido (DfID, sigla em inglês) (BENDIX e STANLEY, 2008). Nos últimos 15
anos, o conceito tem evoluído por meio de diferentes formulações, como a do
Conselho de Segurança da ONU, a do DfID e a da OCDE (Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Importa que os vários conceitos
acordam na percepção normativa de que a RSS deve ocorrer de maneira holística
e equilibrada (sem prioridades), estabelecendo a necessidade do controle
democrático e do enxugamento dos gastos das estruturas militares (FONTOURA,
2008).
A definição mais popular para “setor de segurança” é a fornecida pela
OCDE, que o assume como
agentes centrais de segurança (i.e. forças armadas, polícia, guarda civil,
guardas de fronteiras, alfândegas e imigração, e serviços de inteligência e
segurança), gestão de segurança e órgãos de fiscalização (i.e. ministérios da
defesa e dos assuntos internos, órgãos de gestão financeira pública e
ouvidorias), a justiça e as instituições de aplicação da lei (i.e. o Judiciário,
prisões, serviços de prosecução, sistemas de justiça tradicional) e as forças de
segurança não oficiais (i.e. empresas de segurança privada, os exércitos
guerrilheiros e milícias privadas). (OECD, 2007:5. Tradução minha)
Outras organizações são consideradas importantes para a RSS, como a
sociedade civil, as organizações sociais, os doadores internacionais e a mídia
(BENDIX E STANLEY, 2008). No que concerne às reformas, suas esferas
abarcadas adquirem uma amplitude considerável. Incluem não somente a
construção de instituições de segurança tradicionais (forças armadas e polícias, e
serviços de inteligência), mas também a reforma do aparato de justiça (rule of

18
A Missão da Organização das Nações Unidas no Congo (MONUC) foi estabelecida em 30 de novembro
de 1999 (S/RES/1279, 1999) pelo do Conselho de Segurança da ONU e permanece até hoje no país. Em 1º
de julho de 2010, foi renomeada Missão da ONU para a Estabilização do Congo (MONUSCO)
(S/RES/1925, 2010). Atualmente, a MONUSCO é a maior missão de paz exclusiva da ONU da história,
contando com a participação de 58 países, somando 17.035militares combatentes, 691 militares
observadores, 1.376 policiais e funcionários nas unidades policiais e 4.307 civis e voluntários, envolvendo
um total de 23.409 pessoas (ONU, 2012).
19
DDRRR – Processo de Desarmamento, Desmobilização, Repatriamento, Reassentamento e
Reintegração de combatentes estrangeiros.
25
law), a implantação de políticas de gênero e a assessoria na administração
financeira do setor de segurança – além da promoção do controle democrático
(GFN, 2007; FONTOURA, 2008:50-54).
Apesar de sedutor, o conceito de RSS apresenta alguns problemas
intrínsecos relativos à intensidade e à amplitude das reformas. O principal deles
relaciona-se com as ideias de Ha Joo-Chang (2004), que salientou os resultados
negativos da implantação prematura de instituições baseadas em um padrão
ocidental de desenvolvimento em países de desenvolvimento tardio. O autor
ressalta que o padrão institucional atual não foi adotado pelos países
industrializados na época inicial de seu crescimento econômico e
desenvolvimento. Pelo contrário, a adoção prematura dessas instituições, as quais
deveriam ser construídas a partir de um processo natural, pode trazer
instabilidade aos sistemas político e econômico dos países em desenvolvimento.
Há ainda outros problemas: acaba-se com a aprendizagem de cada processo
particular e perdem-se as prioridades específicas no desenvolvimento das
políticas.
Por isso, o primeiro capítulo deste livro anuncia o problema das esferas
prioritárias na construção do Estado, retoma o conceito de burocracia em Hegel e
Weber e procura estabelecer um critério sociológico e histórico para análise da
agenda do power-sharing e da Reforma do Setor de Segurança. É a mesma
preocupação que informa o recurso à Nisbet (1973), Giddens (2001) e Tilly
(1996): trata-se de estabelecer o vínculo histórico entre a criação do exército
permanente e a construção das próprias instituições políticas (direitos civis,
sociais e políticos). Espera-se que, com este enfoque, possa-se vislumbrar uma
perspectiva mais abrangente diante dos impasses do processo de paz e as
prioridades da RDC no que tange à Reforma do Setor de Segurança.

A Análise Diádica: Guerra e Estado, Estrutura e Indivíduo.


É importante ressaltar que o problema da indefinição militar do conflito
atual é apenas um dos sintomas do processo pernicioso que envolve a relação
histórica entre guerra e Estado no Congo. Esse processo contribuiu para
inviabilizar a possibilidade de superar estruturas precárias e exploratórias do
Estado colonial e direcionar o potencial de crescimento econômico para o
desenvolvimento nacional. Importaram para essa lógica, em que a guerra
implicou estruturas precárias do Estado, pressões estruturais (características do
sistema interestatal) e individuais (escolha das lideranças políticas).
Por esse motivo, a estrutura argumentativa deste trabalho baseia-se em
uma adaptação da tríade Waltziana de O Homem, O Estado e A Guerra (2004).
Kenneth Waltz avança ao perceber a interação de três níveis analíticos (imagens)
como fatores interelacionados na política internacional, que se sobrepõem e
dialogam entre si. Assim como em Waltz, aqui se considera a estrutura (terceira
imagem) como o nível mais amplo de análise e, ao mesmo tempo, a “causa”, o
gerador das determinações (“necessidades”) que constrangem o interesse
nacional/Estado (segunda imagem) e as próprias decisões dos estadistas
(primeira imagem). O sistema interestatal, a estrutura, gera um padrão de desafio
26
que encontra sua resposta nas decisões dos governantes e no âmbito das unidades
dos sistemas (Estados).
Por outro lado, reconhecem-se os constrangimentos da estrutura, mas
sabe-se que os indivíduos possuem autonomia relativa face a ela e podem decidir
no âmbito de sua esfera de responsabilidade. No caso, eles têm a opção de
empreender medidas autofortalecedoras ou autoenfraquecedoras do Estado (HUI,
2005). Dentre elas, pode-se citar (i) a construção de um exército nacional efetivo
e permanente (estabelecimento de escolas de treinamento e ensino que instruam
noções de cidadania e o sentido da nacionalidade, bem como através do instituto
da conscrição), (ii) o incentivo ao desenvolvimento da economia nacional
(esforços públicos para empreender planos econômicos de crescimento, o
processo de industrialização e redes de infraestrutura que distribuam o
desenvolvimento para diferentes regiões e as vinculem ao centro de poder) e (iii)
a distribuição de direitos e garantias individuais à população em geral, gerando
formas adicionais de coesão e legitimidade do Estado.
Foi essa perspectiva que orientou a construção das díades expressas
neste livro. Analisa-se, mais especificamente a interação entre guerra e Estado e
o papel da estrutura e do indivíduo para tal relação.
Os capítulos 1 e 2 cumprem a função de introduzir o tema teórica e
empiricamente. O capítulo 1 procura explorar o debate teórico sobre a relação
entre guerra e Estado na África Subsaariana, adentra em problemas conceituais
sobre o Estado falido, apresenta a disputa teórica sobre superioridade de arranjos
de power-sharing (paz negociada) ou da vitória militar para a resolução de
conflitos armados, e se insere na discussão sobre o papel da Reforma do Setor de
Segurança e do exército nacional como alternativa eventual e intermediária ao
power-sharing (como aplicado no Congo) e à definição militar. O capítulo 2
apresenta uma breve introdução às origens históricas do Estado no Congo.
Primeiramente, apresenta as principais unidades políticas pré-coloniais existentes
no atual território da RDC e busca explicar por que houve relativa facilidade na
dominação europeia desses reinos no século XIX. Em seguida elucida como se
baseou o Estado colonial e quais as principais políticas deste período que
influenciaram as instabilidades da era pós-colonial.
Os capítulos subsequentes tratam sobre a relação entre guerra e
construção do Estado no Congo independente. Além de focar empiricamente na
relação entre guerra e Estado, procuram inventariar as consequências das
interações entre estrutura (SI e guerras) e decisões dos estadistas nesta relação.
No capítulo 3, relaciona-se a Crise do Congo (1960-65) com as estruturas do
Estado durante o regime de Mobutu Sese Seko (1965-1997). O capítulo 4
estabelece conexões entre a Primeira Guerra do Congo (1996-1997) e o Estado
durante o governo de Laurent Kabila (1997-2001), principalmente no período
pacífico (até 1998). Por fim, os capítulos 5 e 6 traçam um paralelo entre a
Segunda Guerra do Congo (1998-2003) e o Estado durante o regime de Joseph
Kabila, o atual Estado de Violência (desde 2003), focando nos avanços e
retrocessos empreendidos pela RSS no esforço de superação da incapacidade
coercitiva do Estado. A divisão desses dois temas em diferentes capítulos, ao
contrário do que ocorre nos capítulos anteriores, é justificada pela magnitude da
27
guerra e a relevância dos conflitos atuais para se compreender as possíveis
alternativas para a paz. Nesse sentido, procurou-se prospectar como o Brasil
poderia contribuir para esse processo, tendo em vista as possibilidades e os
constrangimentos de suas relações históricas com a África, em geral, e o Congo,
em particular.

Multipolaridade: A Mudança na Estrutura traz Novas Perspectivas.


O sistema interestatal africano foi erigido com forte determinação da
terceira imagem (estrutura). Além da bipolaridade, houve a carta da ONU que
estabeleceu, pela primeira vez, a égide do direito internacional sobre o sistema de
Estado anárquico constituído após Westfália. Além disso, a Carta da OUA
reconheceu as fronteiras herdadas do colonialismo como as únicas válidas.
Assim, a função das Forças Armadas na África Negra acabou sendo,
prioritariamente, a coerção interna. Foi isso o que dificultou que o exército e os
gastos militares cumprissem a função, constatada em outros lugares, de vertebrar
o surgimento de uma burocracia nacional e de empresas estatais, de promover
uma diferenciação social (surgimento de uma classe média urbana) e de servir
como base social para a construção de instituições políticas.
Contudo, há fatores que indicam uma mudança nos constrangimentos da
estrutura. Com o fim da Guerra Fria, o engessamento da correlação de forças da
bipolaridade cedeu lugar a uma unipolaridade que, não raro, teve no
intervencionismo e nas guerras por recursos naturais sua marca principal. A
instabilidade inerente ao sistema unipolar cedeu lugar a uma multipolaridade
desequilibrada, mas efetiva, que tende a tornar mais dinâmicos os laços e a
competição entre países. Por fim, a crise de 2008, o endividamento dos países
centrais e a ascensão dos países emergentes como exportadores de capitais,
geram, ao mesmo tempo, novas possibilidades de parcerias e competição entre os
países africanos. Isso se verifica na dinâmica que gradualmente adquiriram as
fronteiras no continente, observada na criação de novos países (Eritreia e,
recentemente, o Sul do Sudão), o que põe em evidência o papel e a necessidade
do dispositivo externo de dissuasão. Pode-se constatar atualmente a abertura de
um período mais propício a construção de Estado na África. Isso sugere uma
tendência de ampliação do campo de estudo sobre África no Brasil, haja vista o
crescente protagonismo do continente nas relações internacionais e na política
externa brasileira.
Este livro procura contribuir para esse profícuo caminho. Trata-se de
uma versão mais enxuta e atualizada da pesquisa de mestrado realizada entre
2009 e 2011 na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Entre as
reduções, estão algumas notas de rodapé de caráter mais teórico-analítico e
originais de citações traduzidas para o português. Entre as atualizações estão o
estudo sobre as origens históricas do Estado congolês, a descrição mais detalhada
e atualizada da Segunda Guerra do Congo e do atual Estado de Violência e a
seção que aborda as relações entre Brasil e RDC. O estudo também serve de base
para a pesquisa de doutoramento realizada no Programa de Pós-Graduação em
Estudos Estratégicos Internacionais da UFRGS, vinculado ao Centro Brasileiro
de Estudos Africanos (CEBRAFRICA).
28
CAPÍTULO 1
Guerra e Estado na África Subsaariana e na RDC

Este capítulo pretende apresentar os critérios norteadores da seleção de


fatos, descrições e análises contidas nos capítulos seguintes. Nessa perspectiva,
tem o propósito de servir como moldura analítica de todo o livro. O ponto de
partida só poderia ser uma análise preliminar sobre a guerra na África
Subsaariana, que é o objeto desenvolvido na primeira seção. Segue-se um exame
sobre a guerra no Congo, cujo foco principal é o conceito de Estado falido e seus
distintos enfoques e perspectivas. Este debate desemboca naturalmente no estudo
dos modelos de power-sharing e da definição militar do conflito – o que é tratado
na terceira seção. Por fim, apresenta-se um debate sobre o papel do exército
permanente, que contribui para relacionar o conteúdo deste capítulo com o
capítulo 3 (as reformas de Mobutu).
Cumpre adiantar que, na primeira seção, importa sobremaneira o quadro
3, contido na página 34, no qual se faz um resumo sobre os conflitos na África
ocorridos de 1945 a 2010. Desde logo, chamam a atenção as guerras que
causaram mais de meio milhão de mortos – as quais tiveram como palco o mais
populoso e os dois maiores países da África Subsaariana: Nigéria, Sudão e
Congo. Essas características (quantidade de baixas, extensão territorial e
população) acabaram servindo de critério para a análise das guerras africanas
pós-1945. Cumpre entender que todas as generalizações foram feitas com base
neste espaço amostral que, espera-se, seja considerado legítimo pelas razões
aludidas. Obviamente um estudo de caso sobre a guerra no Congo não tem como
conter uma análise ampla e exaustiva sobre todos os conflitos africanos. O
propósito principal desta seção foi o de eleger a moldura analítica em que o
Congo se insere.
Na segunda seção, o foco principal é o debate acerca do Estado falido.
Procurou-se dividi-lo em duas subseções: (i) a reflexão sobre os diferentes
enfoques e as soluções normativas ao conceito, e (ii) uma análise do conceito
aplicado ao Congo. Desde logo, sobrevêm fatores condicionantes oriundos da
estrutura (terceira imagem) que condicionaram gravemente a capacidade de
resposta do Estado (segunda imagem) ou dos líderes políticos (primeira
imagem). De todo modo, a história africana não é um processo sem sujeito: para
além das determinações, das gravíssimas limitações impostas de fora, houve
equívocos trágicos que decidiram a sorte do Congo e o conduziram à presente
situação. O mais grave deles – a decisão de Mobutu em desmobilizar o exército
nacional e fechar as escolas militares – rompeu com a possibilidade de o Congo
desfrutar, assim como a Nigéria, da definição militar de seu conflito civil (Crise
do Congo, 1960-1965).
Na terceira seção, procura-se discutir os impasses que se seguem à
falência do Estado: a definição militar do conflito e o modelo de power-sharing.
Nesta seção, como na precedente, introduz-se o debate da literatura internacional
acerca destas duas alternativas.
Por fim, a quarta seção se insere na moldura analítica até aqui adotada
(guerra na África, Estado falido e modelos de superação de conflitos). A
29
utilização desses conceitos contribui para a busca de elementos que compõem a
solução normativa, a reestruturação do exército nacional.
Com esses quatro debates, justificam-se as escolhas e os critérios que
nortearam o estudo do Congo, feito de forma mais detalhada nos capítulos
seguintes, que procuram sempre antagonizar o desafio da estrutura com a
resposta do sujeito.

1.1 A Relação entre a Guerra e o Estado na África Subsaariana: um


estudo preliminar
Charles Tilly (1985, 1996) demonstrou que a preparação para a guerra e
a própria guerra construíram o Estado na Europa como o conhecemos hoje. De
maneira lógica e cronológica, a interação estratégica histórica entre cidades e
Estados (e de ambos entre si) fez com que estes últimos fossem impelidos a
intensificar (i) seus mecanismos coercitivos, (ii) a extração de recursos para
financiar sua proteção e, posteriormente, (iii) a distribuição de direitos como
forma de barganha com a sociedade nos casos em que o capital ofereceu um
contraponto à sua dominação.
A intensidade e as prioridades na construção dessas esferas do Estado
dependeram em grande medida do peso e da distribuição de capital (cidades) e de
coerção (Estados) em cada território. Territórios com grande intensidade de
capital e quantidade reduzida de coerção traçaram uma trajetória de construção
estatal capitalizada. Territórios com intensidade reduzida de capital e grande
intensidade de coerção seguiram uma trajetória coercitiva. Por fim, Estados que
conseguiram equilibrar mais apropriadamente coerção e capital esboçaram uma
trajetória de coerção-capitalizada. Tilly argumenta, entretanto, que, na Europa, os
Estados tenderam a convergir posteriormente a este último formato, o que
resultou no padrão generalizado do Estado nacional.
Importa resgatar o conceito weberiano de Estado: uma organização
política compulsória que controla uma área territorial onde a burocracia detém de
maneira bem-sucedida a reivindicação ao monopólio do uso legítimo da força
física na imposição de sua ordem (WEBER, 1999:525). A partir desse conceito,
Weber admite quatro precondições lógicas para a existência do Estado moderno.
Segundo Bendix:
Estas precondições são: (1) monopolização dos meios de dominação e
administração baseados em: (a) a criação de um sistema de taxação
centralmente dirigido e permanente; (b) a criação de uma força militar
centralmente dirigida e permanente, nas mãos de uma autoridade do governo
central; (2) monopolização de decretos legais e o uso legítimo da força por
uma autoridade central; e (3) a organização de uma burocracia racionalmente
orientada, cujo exercício de funções administrativas é dependente em relação à
autoridade central. (BENDIX, 1962:383. Tradução minha)
Em sua análise sobre o Estado Europeu, Tilly identifica atributos
adicionais que foram sendo desenvolvidos ao longo do tempo na estrutura do
Estado de maneira não uniforme e não necessariamente planejada. A passagem

30
dos Estados europeus “de vespas a locomotivas” (TILLY, 1996:157) seguiu a
seguinte lógica:
O mínimo de atividades essenciais de um estado são três: criação do estado:
atacando e controlando os competidores e desafiantes dentro do território
reclamado pelo estado; prática da guerra: atacando os antagonistas fora do
território já reclamado pelo estado; proteção: atacando e controlando os
antagonistas dos principais aliados dos governantes, quer dentro quer fora do
território reclamado do estado. Contudo, não dura muito um estado que
negligencia uma quarta atividade crucial: extração: sacando de sua própria
população os meios de criação do estado de prática da guerra e de proteção. Os
estados extorquidores de tributos permanecem no mínimo restritos a esse
conjunto indispensável de quatro atividades, intervindo nas vidas de seus
súditos nominais especialmente para impor o poder da classe dirigente e para
extrair rendas. Contudo, além de uma determinada escala, todos os estados
acabam aventurando-se em três outros terrenos perigosos: aplicação de justiça:
solução peremptória de disputas entre os membros da população; distribuição:
intervenção na divisão dos bens entre os membros da população; produção:
controle da criação e transformação de bens e serviços pelos membros da
população. (TILLY, 1996:158)
Dessa forma, pode-se entender que, no mínimo, um Estado deveria
possuir, além de um território, capacidades coercitivas fundamentais contra seus
antagonistas externos (coerção externa) e internos (coerção interna). Como visto,
além da (e, em geral, após a) esfera coercitiva, os Estados tenderiam a construir
de maneira não regular esferas extrativas, jurídicas, distributivas e produtivas. O
grau de especialização do Estado nessas esferas se relaciona com a interação
entre capital e coerção dentro e fora dele – sendo que a sua adoção equilibrada é
própria de um tipo ideal, do qual se aproxima o Estado europeu.
Portanto, o fenômeno da guerra (coerção) incentivou em menor ou maior
grau um processo virtuoso de construção do Estado no caso da Europa. Todavia,
a guerra por si só não garante a construção do Estado, isso porque ela apresenta
uma dupla função: impõe constrangimentos para a reprodução de continuidades,
mas também produz oportunidades que facilitam mudanças (GILPIN, 1981:6;
HUI, 2005:22).
Como destaca Waltz (2004: ix e xi), mais do que a guerra em si, importa
a estrutura do sistema internacional (terceira imagem), suas interações com as
próprias opções dos agentes (primeira imagem) e o processo de construção do
Estado (segunda imagem). Neste trabalho, sujeito e estrutura estão, por sua vez,
representados em fatores particulares relacionados à guerra e à forma pela qual
os homens preferem travá-la. Pode-se citar aqui cinco deles: (i) a natureza das
ameaças; (ii) as forças combatentes principais; (iii) a forma de financiamento da
guerra, (iv) quem obtém a vitória na guerra e (v) o modo como a guerra é
finalizada. Estes cinco elementos relacionados à guerra e a como ela é travada
implicam direta ou indiretamente o processo de construção do Estado. A seguir,
pretende-se apresentá-los, à luz do caso africano.20

20
Quando África, leia-se África Subsaariana.
31
A Natureza das Ameaças
A natureza das ameaças de uma guerra é diretamente influenciada pela
estrutura do sistema internacional. Na África, a situação não foi diferente. Nesse
caso, o ambiente internacional relativamente amistoso resultou, historicamente,
na estabilidade das fronteiras e da territorialidade do Estado vis a vis um
ambiente interno relativamente mais instável e ameaçador, devido à reduzida
ocupação de um território geralmente inóspito.21
O estabelecimento das fronteiras africanas foi resultado – ao contrário da
Europa – mais da cooperação do que da competição interestatal (HERBST, 1989
e 2000a; ATZILI, 2006). A especificidade da situação internacional africana
esteve presente em dois momentos definidores.
O primeiro momento foi o da partilha da África – em que a cooperação
entre países colonizadores na divisão de seus domínios no continente foi
fundamental para evitar custos indesejáveis da guerra ou da ocupação efetiva do
território. As disputas eram realizadas no campo diplomático, sem o concurso
dos meios militares, ao menos no âmbito do território africano.22 Assim, devido à
ausência da necessidade de se fortalecerem as estruturas estatais para uma
eventual defesa do território, os Estados coloniais africanos foram caracterizados
em geral por um território comandado por uma cidade capital relativamente forte,
assegurada por fronteiras distantes e internacionalmente legítimas, mas que
tinham um vácuo de poder nas regiões interioranas (HERBST, 2000a:73).23
O segundo momento foi o imediato pós-colonial – em que a articulação
garantista da OUA buscava manter as fronteiras coloniais frente a propostas
irredentistas e pan-africanistas com o intuito de evitar desmembramentos ou
aglutinações, a multiplicação de separatismos e a perda de poder por parte de
uma elite africana que assumia o posto dos ex-colonizadores (HERBST,
1989:676, 677, 686). O sistema baseado nos pressupostos da Carta da ONU e da
OUA (Organização da Unidade Africana) congelava a possível modificação das
estruturas herdadas do colonialismo, principalmente (i) pela condenação às
guerras de conquista e (ii) pelo mecanismo de patronagem (proteção externa e
tutela) característico da Guerra Fria (CLAPHAM, 2005:107, 109, 110).

21
De acordo com Jeffery Herbst (2000a), os problemas centrais para a construção do Estado no continente
são a vasta extensão do território e a relativa escassez demográfica. Isso ocorre principalmente nos casos
em que o Estado colonial e pós-colonial foi e é marcado pela grande amplitude territorial, pela
concentração populacional em regiões próximas à cidade capital e, mais importante, pela existência de
outros focos de concentração populacional distantes do centro de poder. Essas regiões se comportam como
forças centrífugas ao Estado. Herbst os chama de países de “geografia política difícil”, referindo-se a
Angola, RDC, Etiópia, Moçambique, Namíbia, Nigéria, Senegal, Somália, Sudão e Tanzânia.
22
Em geral admite-se que a rivalidade das potências europeias por suas possessões na Ásia e,
principalmente, colônias na África estão entre as causas que deram origem à Primeira Guerra Mundial.
Também não são raros autores que considerem a Segunda Guerra Mundial uma continuação da “Grande
Guerra”. Neste caso, a África teria influenciado decisivamente a história mundial por este viés indireto,
ainda assim, apenas mediante a projeção do conflito e não sua conflagração no próprio território africano.
23
Herbst (2000a) salienta que, assim como na África pré-colonial, quando os Estados se estendiam em
círculos concêntricos até onde o domínio do rei alcançava uma população específica, o Estado colonial
continuou sendo baseado em um centro de onde irradiava o poder. Entretanto, de modo diferencial, esse
poder passou a ser demarcado por fronteiras que iam além do poder efetivo central. Estas fronteiras, por
outro lado, se tornaram a base da territorialidade do Estado africano.
32
Assim, no período pós-colonial, as fronteiras representavam o único
elemento a partir do qual era possível chamar de Estado as unidades políticas
presentes no continente. De acordo com Herbst:
Os limites foram, portanto, fundamentais para a consolidação dos Estados
Africanos desde 1885. Esses limites são, como muitos já apontaram,
arbitrários, porosos, e às vezes não possuem uma presença física imediata nos
territórios que deveriam demarcar. No entanto, estas observações perdem
amplamente o ponto central. As fronteiras foram singularmente bem sucedidas
em sua função primária: a preservação da integridade territorial do Estado,
impedindo a concorrência territorial significativa e deslegitimando a norma da
autodeterminação [separatismo]. Como resultado, os Estados fracos têm sido
capazes de reivindicar soberania sobre porções interioranas do território, por
vezes distantes, pois nenhum outro Estado seria capaz de desafiar o seu
domínio. Portanto, um enorme investimento foi feito em fronteiras de forma a
torná-las fortes o suficiente para que os Estados africanos não sintam uma
necessidade imediata para controlar as regiões interioranas distantes. [...] Os
Estados, em certa medida, são os seus limites. (HERBST, 2000a:253. Tradução
minha)
Do mesmo modo, as particularidades do sistema internacional no
período pós-colonial contribuíram para a conservação de Estados com pouca
capacidade de estender o poder de sua capital às regiões periféricas do território
nacional e para a consequente existência de núcleos diferenciados de controle
sobre o território. Dentro desta lógica, a “OUA afirmou, por conseguinte, que se
um governo africano controla a cidade capital, então ele tem o direito legítimo do
controle do Estado-nação e não pode ser contestado por outros grupos nacionais
ou estrangeiros” (HERBST, 1989:687. Tradução minha).
Uma das consequências dessa realidade é que os Estados africanos
enfrentaram, historicamente, mais ameaças internas do que externas – devido,
principalmente, aos incentivos reduzidos de ocupação e domínio do território
nacional. Ameaças externas existiram, mas (i) eram relativamente menos
importantes, pois, em geral, não representavam ameaças à territorialidade
(MBEMBE, 2000; DÖPCKE, 1999); e (ii) transformavam-se em ameaças
internas na medida em que adentravam o território nacional, ou estavam
conectadas com conflitos intraestatais. O resultado dessa lógica foi evidente:
houve na África o predomínio de guerras intraestatais ou mistas (internas com
participação externa).
O quadro 3 tenta demonstrar, a partir do indicador “tipos de guerra”, o
quão amistoso o sistema interestatal foi para o continente no período pós-
colonial. A classificação segue o padrão de taxonomias consagradas, como a do
projeto Correlates of War (COW), a do Uppsala Conflict Data Program (UCDP)
e a do Peace Research Institute de Oslo (PRIO).

33
Quadro 3 – Principais Guerras na África Subsaariana no pós-II Guerra Mundial
(acima de mil mortos)
Teatro de Mortes
Data Guerra Tipo
Operações (aprox.)
1952-1960 Revolta Mau Mau Quênia Extraestatal 13 mil
1956-1972 Primeira Guerra Civil Sudanesa Sudão Intraestatal 500 mil
1960-1965 Crise do Congo RDC Mista 200 mil
1961-1975 Guerra de Independência de Angola Angola Extraestatal 80 mil
1961-1991 Guerra de Libertação da Eritreia Eritreia Intraestatal 220 mil
Guerra de Independência de Guiné-
1963-1974 Guiné-Bissau Extraestatal 15 mil
Bissau
Guerra de Independência de
1964-1975 Moçambique Extraestatal 60 mil
Moçambique
1964 Revolução Zanzibariana Zanzibar Intraestatal 20 mil
1964-1979 Guerra Civil da Rodésia (Zimbábue) Zimbábue Intraestatal 30 mil
1966-1990 Guerra Civil do Chade Chade Mista 60 mil
Guerra de Independência da
1966-1988 Namíbia Extraestatal 20 mil
Namíbia
1967-1970 Guerra Civil da Nigeria (Biafra) Nigéria Intraestatal 1 milhão
1975-1992 Guerra Civil Moçambicana Moçambique Mista 100 mil
1975-2002 Guerra Civil Angolana Angola Mista 500 mil
1977-1978 Guerra Etiópia-Somália (Ogaden) Etiópia Interestatal 30 mil
1978-1979 Guerra Uganda-Tanzânia Uganda Mista 100 mil
1981-1986 Guerra Civil Ugandesa Uganda Intraestatal 500 mil

1983-2005 Segunda Guerra Civil Sudanesa Sudão (Sul) Intraestatal 1,9 milhão
Insurgência do Lord's Resistence Uganda, RDC,
1987-.... Intraestatal 12 mil
Army Sudão, RCA
1987-.... Guerra Civil da Somália Somália Mista 400 mil
1989-1997 Primeira Guerra Civil da Libéria Libéria Mista 150 mil
Fronteira
1989-1991 Guerra Mauritânia-Senegal Interestatal n/a
Mauritânia-Senegal
1990-1994 Guerra Civil Ruandesa Ruanda Intraestatal 500 mil
1990-1995 Terceira Rebelião Tuareg Mali (Norte), Níger Intraestatal n/a
1990-.... Conflito Casamancês Senegal (Sul) Intraestatal 3,5 mil
1991-2002 Guerra Civil de Serra Leoa Serra Leoa Mista 75 mil
1993-2005 Guerra Civil do Burundi Burundi Intraestatal 300 mil
1996-1997 Primeira Guerra do Congo RDC Mista 200 mil
1998-2003 Segunda Guerra do Congo RDC Mista 3,8 milhões
1997 Guerra Civil Congolesa (Brazzaville) Congo-Brazzaville Intraestatal 10 mil
Fronteira Etiópia-
1998-2000 Guerra Etiópia-Eritreia Interestatal 100-300 mil
Eritreia
1999-2003 Segunda Guerra Civil da Libéria Libéria Mista 150 mil

34
2002-2007 Guerra Civil da Costa do Marfim Costa do Marfim Intraestatal 3 mil
2003-.... Guerra de Darfur Sudão (Darfur) Intraestatal 300 mil

2003-.... Estado de Violência do Congo RDC (Leste) Intraestatal 1,6 milhão

2004-2008 Segunda Guerra Civil da RCA RCA Mista + 1 mil


2005-.... Segunda Guerra Civil do Chade Chade Mista + 1 mil
2007-2009 Quarta Rebelião Tuareg Mali (Norte), Níger Intraestatal 1 mil
2007-2008 Guerra de Ogaden II Etópia (Leste) Intraestatal 1 mil
Notas: No caso desta pesquisa, “guerra extraestatal” significa “guerra anticolonial” (de libertação nacional); “guerra
intraestatal” diz respeito a “guerras civis”; e “guerra interestatal” se refere a guerras entre Estados. A utilização do
conceito de “guerra mista” serve como forma de suprir inicialmente a lacuna na literatura no que diz respeito à
classificação de guerras civis nas quais há participação de forças armadas estrangeiras tanto no suporte das forças
armadas nacionais, quanto de grupos insurgentes subestatais. O conceito alinha-se ao de “internationalized internal
armed conflict” (UCDP/PRIO), que o define como uma guerra entre o governo de um Estado e um ou mais grupos
opositores internos com a intervenção de partes secundárias em um ou ambos os lados (GLEDITSCH et alli, 2002). Da
mesma forma aproxima-se a este estudo e o de Chojnacki e Reisch (2008), quando descarta casos de envio de
armamentos e assessores como intervenção externa. Aqui se inclui na categoria “guerra mista” as missões de paz,
devido às consequências que a dependência dessas tropas gera no processo de construção estatal.
Fontes: ARNOLD, 2008; TCA, 2010; VISENTINI, 2007; MCLURE, 2008; BBC, 2008; SIMMONS, 2004; CHAMBERS, 2005;
TURNER, 2007.
Autor: CASTELLANO, 2012

Além do quadro, a figura que segue (figura 1) relaciona o número de


mortos nas guerras africanas às do Congo. Os números importam para dar uma
noção da escala. As guerras no Congo produziram um total de 5,8 milhões de
mortos, o que corresponde a 44,08% de todas as mortes, na África Subsaariana,
causadas ou derivadas da guerra ou de suas circunstâncias desde 1945. Ou seja,
de um período de 65 anos. Dessas fatalidades no Congo, 5,6 milhões (42,56%)
dizem respeito apenas aos últimos quinze anos. Todo o resto da região, em 65
anos, contribuiu com 7,75 milhões (58,95%) de um total de 13,16 milhões de
mortes (100%).
O quadro 3 também sugere que a África não esteve livre de algum nível
de conflito entre seus Estados, representado na recorrente presença de guerras
mistas ou interestatais. Esta conflituosidade esteve associada aos mecanismos da
Guerra Fria. Por um lado, esta contribuiu para a tutela do continente e para o
congelamento da correlação de forças entre Estados centrais, enquanto o
colonialismo, a Carta da ONU e a própria OUA se encarregavam de afirmar a
intangibilidade das fronteiras africanas. Por outro lado, coube ao Terceiro Mundo
servir como a porção “quente” da Guerra Fria (DAVIS, 1985:68 e 77), como se
verá a seguir. Dessa contradição aparente entre fronteiras estáveis e a violência
característica da guerra quente surgiu a guerra proxy – que parece ter sido a
característica da Guerra Fria na África e, ainda nos dias de hoje, a forma de
guerra dominante no continente. Isso se deveu tanto às determinações da
estrutura (terceira imagem), à fragilidade dos Estados africanos (segunda
imagem), quanto às decisões dos estadistas (primeira imagem).

35
Figura 1 - Mortalidade das Guerras Africanas
(milhões de mortos, 1945-2010)

13,16
15,00
7,75
10,00 5,80

5,00

0,00
Congo Demais Total

Fontes: ARNOLD, 2008; TCA, 2010; VISENTINI, 2007a; MCLURE, 2008; BBC, 2008; SIMMONS, 2004;
CHAMBERS, 2005; TURNER, 2007.
Autor: CASTELLANO, 2012

A guerra proxy é um conflito armado travado por procuração. Sua


característica essencial é a intersubjetividade, o grau de autonomia entre as forças
que travam o combate e seus fomentadores, ou financiadores. Daí o termo proxy
para indicar o conteúdo categorial a algo que não se resume a uma relação de
mandatário e executor (LOVEMAN, 2002:50). Seria ingênuo pretender um
conceito fixo e imutável de guerra proxy. Analiticamente, importam duas
assertivas que, associadas à intersubjetividade referida, parecem caracterizar o
fenômeno. Primeiro, a guerra proxy não é uma mera insurgência, o apoio do
exterior permite que faça frente com relativa facilidade às gendarmerias ou
guardas nacionais. Naturalmente, exige a presença do exército nacional e das
armas combinadas para fazer frente aos grupos proxy de forma efetiva. Segundo,
é possível caracterizar a guerra proxy através da presença conjugada de dois ou
mais dos indicadores que seguem: (a) alinhamento político-ideológico (válido
sobretudo para a época da Guerra Fria); (b) financiamento mediante
contrapartida ou usufruto de enclave – diamante, cobre, ouro, etc.; (c) presença
de assessores; e (d) fornecimento de material bélico e munições.
A escalada da guerra proxy pode conduzir à guerra mista: um tipo mais
intensificado dentro do conjunto “guerra proxy”. São duas as diferenças
qualitativas entre a guerra proxy genérica e a guerra proxy intenficada (guerra
mista). A primeira é que nesta última há a presença direta de tropas estrangeiras
lutando ao lado de seus protegidos. A segunda, decorrente da primeira, é que, na
guerra mista, o recurso da negabilidade é quase inexistente. Se a preocupação
maior da guerra proxy genérica é manter a plausibilidade da negação (plausible
deniability) acerca do envolvimento, isso se torna aparentemente desnecessário
diante da falência do Estado e da inexistência dos recursos dissuasórios
vinculados à existência de um exército nacional efetivo. Permite-se, pois, a
intervenção militar direta. Como consequência, na guerra mista a negabilidade
não é crível. Nos capítulos seguintes serão examinados exemplos empíricos
dessa escalada da guerra proxy: a Crise do Congo, a Primeira Guerra do Congo e
a Segunda Guerra do Congo.
36
A despeito do fenômeno da guerra proxy e da guerra mista também
indicarem rivalidades interestatais, no caso congolês e de grande parte dos países
africanos, a maior estabilidade externa aparente vis a vis um ambiente interno
hostil afiançou a especialização na repressão interna. Essa realidade foi agravada
em sua origem e resultado pelos mecanismos de exclusão social e de opressão
política característicos do neocolonialismo. Como exemplo da especialização na
coerção interna, houve a destruição deliberada do exército nacional promovida
pelo presidente congolês Mobutu Sese Seko desde 1975. As reformas de Mobutu
ao fim reduziram o outrora poderoso exército congolês ao efetivo de quatro
brigadas (20.000 homens). O Congo prefigurou, assim, uma tendência à
realização da agenda dos países capitalistas centrais à periferia (Doutrina
McNamara e tutela/controle militar americano em regiões periféricas) e as
próprias reformas mais recentes dos neocons que pretenderam reduzir o US
Army à estrutura de brigadas (Strike Brigades). Entre as causas da reforma de
Mobutu está a preocupação em evitar o surgimento de elites concorrentes que
pudessem obscurecer o poder do caudilho. Mais do que a redução do efetivo,
Mobutu investiu pesadamente contra os centros de formação militar que
chegaram a serem tidos como modelo para o continente e para os quais afluíam
oficiais de toda a África. Esta especialização na contrainsurgência, contudo,
cobrou um preço elevado. Uma das consequências mais graves dessa lógica foi a
incapacidade coercitiva externa do Estado. A organização militar podia ser
suficiente para enfrentar insurgentes locais, mas revelou-se incapaz de fazer
frente à guerra proxy ou de dissuadir seus apoiadores do exterior.
Houve ainda a utilização em larga escala das forças armadas e de
paramilitares nacionais nas tarefas coercitivas e de repressão interna, o que
ocorria principalmente devido à insuficiência das forças policiais:
Desde os tempos coloniais, as forças de defesa do Congo sempre estiveram
envolvidas em tarefas de policiamento interno, mesmo quando não possuíam
treinamento para este tipo de trabalho. [...] A crença de que o exército estava
autorizado a usar a força contra qualquer população civil nasceu durante o
período colonial e permaneceu com o povo congolês após a independência.
(EBENGA e N’LANDU, 2005:72-73. Tradução minha)
Com a especialização das forças de defesa em serviços de polícia e
repressão interna, a incapacidade militar contra invasões externas e ameaças
transfronteiriças acabou se tornando um resultado natural. 24 Assim, de acordo
com Tilly, os países descolonizados após a II Guerra Mundial adotaram em geral
uma trajetória coercitiva direcionada prioritariamente para dentro do Estado
(coerção interna). Mais que capacidade de combate, requeria-se não apenas
lealdade ao poder político instituído, mas também a disposição para restringir
direitos políticos ou sociais. Como destaca Charles Tilly,
Em média, os novos participantes [do sistema de Estados] seguiam as
trajetórias de intensa aplicação de coerção. As potências coloniais que
abandonaram suas possessões deixaram atrás de si pouco capital acumulado,

24
Há outro problema desagregador nessa situação: as Forças Armadas, um dos símbolos máximos do
Estado-nação, passaram a serem vistas com desconfiança pela população – o que se mantém até os dias
atuais.
37
mas legaram como herança aos estados sucessores forças militares que haviam
sido recrutadas entre as forças repressivas e moldadas a partir dessas mesmas
forças que eles criaram para manter as suas administrações locais. Essas forças
armadas, relativamente bem-equipadas e bem-treinadas, se especializaram,
então, muito mais no controle das populações civis e no combate aos
insurgentes do que nas guerras entre Estados. (TILLY, 1996: 283)
Na África, as exceções (Forças Armadas com relativa competência na
coerção externa) ocorreram, sobretudo, nos casos em que a rivalidade interestatal
era mais evidente e acirrada. Trata-se, por exemplo, dos casos de Angola e África
do Sul, que se viram diante da contingência de construírem verdadeiras Forças
Armadas nacionais, com armas combinadas e um sistema correlato de ensino
militar de níveis médio e superior. Em Angola, a burocracia militar parece ter
servido como suporte da própria construção da instituição política estatal
(burocracia nacional). No caso da África do Sul, a demanda das armas
combinadas associada ao boicote imposto ao regime do Apartheid deu origem a
um incipiente, porém representativo, complexo militar- industrial.

As Forças Combatentes Principais


Como visto, a maioria dos países africanos surgiu em um ambiente de
tutela. Alinhado a esta percepção, Tilly considera os Estados nascidos no século
XX como triplamente externos. Isso porque foram construídos (i) sob a forma de
possessões coloniais de outros Estados; (ii) sob influência de uma outra potência
bem maior e (iii) por um concerto de nações (como o das Nações Unidas) – o que
estabeleceu sua existência como membros separados do sistema internacional de
Estados (TILLY, 1996:291).
Se, no período colonial, a tutela era a base da existência do Estado, no
período da Guerra Fria e do pós-Guerra Fria novas formas de tutela foram
construídas. Durante a Guerra Fria, EUA e URSS estabeleceram tardiamente
suas políticas de influência na África. Entretanto, com o marco de Suez, “a
África tornou-se repentinamento muito importante para ser deixada para tais
trapalhões [França e Grã-Bretanha]” (WILSON, 1994:167. Tradução minha). Por
um lado, os EUA se viam como protetores do status quo, identificavam a ameaça
do comunismo em todo o globo e, desde o início da Guerra Fria, partiram para
combatê-la, utilizando meios variados – “desde a ajuda econômica e a
propaganda ideológica até a guerra maior, passando pela subversão militar oficial
e não oficial [...]” (HOBSBAWM, 1994:422). Segundo Paul Kennedy, “[...] do
ponto de vista de Washington [...] havia um plano de dominação comunista
mundial em desenvolvimento, passo a passo, e era preciso ‘contê-lo’”
(KENNEDY, 1989:371).
Por outro lado, a URSS manteve posição mais tímida com relação às
guerras e revoluções africanas até a década de 1970, quando a Doutrina Nixon
norte-americana e a aliança estratégica Washington-Pequim levaram à
colaboração mais intensa com movimentos revolucionários terceiro-mundistas –
valendo-se, mormente, da liderança cubana (VIZENTINI, 2004:114).
Enquanto a redescoberta soviética do Terceiro Mundo nos anos 1950 e início
dos 1960 havia sido baseada em alianças limitadas, mas estrategicamente

38
importantes com as forças nacionalistas, algumas das novas relações que
estavam se desenvolvendo entre Moscou e o Terceiro Mundo a partir de 1970
foram baseadas em uma teoria política comum, e, portanto, pretendiam ser
mais abrangentes e penetrantes. (WESTAD, 2006:108-109. Tradução minha)
Em contraposição a essa timidez soviética dos anos 1960, Cuba iniciou,
desde essa época, um envolvimento pró-ativo e ascendente em direção ao
continente africano (LEOGRANDE, 1980:9; GONZÁLEZ, s/d). Nesse período, a
presença cubana na África na promoção de movimentos de libertação nacional
teve de ser sustentada em diversos momentos unilateralmente (LEOGRANDE,
1980:21).
O que importa aqui é que o ambiente da Guerra Fria trouxe à África a
interferência de forças externas que atuaram em papel central em conflitos
armados. Os resultados dessa política foram danosos. A periferia manteve-se
como palco principal dos conflitos armados durante a Guerra Fria e, mesmo no
período de equilíbrio entre as superpotências, estima-se que quase 20 milhões de
pessoas foram mortas em mais de cem guerras e conflitos militares entre 1945 e
1983. Hobsbawm ressalta que “algumas das guerras anticomunistas travadas
indiretamente foram de barbaridade comparável [àquelas travadas diretamente,
como na Coreia e Vietnã], sobretudo na África, onde se diz que cerca da 1,5
milhões de pessoas morreram entre 1980 e 1988 nas guerras contra os governos
de Moçambique e Angola” (HOBSBAWM, 1994: 422).
No período pós-Guerra Fria, somaram-se outros condicionantes adversos
à formação do exército nacional em relação aos já existentes. A globalização teve
um impacto significativo sobre a produção de alimentos na África devido, em
parte, à abertura comercial generalizada. De fato, inicialmente as recomendações
do Consenso de Washington foram tomadas como o conteúdo “normativo” da
globalização: resumiu-se a liberalização econômica e a privatização de empresas
para dar suporte a um receituário monetarista – no qual a estabilidade da moeda e
a redução de gastos eram colocadas acima do bem-estar humano. Em
contrapartida os países centrais mantiveram uma política de protecionismo ou
subsídios em relação à agricultura.
Produtos industriais e alimentos tornavam-se baratos, serviços de
telecomunicação e extração de petróleo foram privatizados – o que atingiu de
forma desigual, porém efetiva, todos os Estados africanos. Como três quartos das
populações pobres do mundo vivem em zonas rurais, os agricultores locais
perderam seus meios de subsistência ao mesmo tempo em que não foram criadas
novas oportunidades de emprego nas cidades. As privatizações impactaram
consideravelmente as já frágeis burocracias nacionais e a abertura ao exterior
constituiu-se em um obstáculo adicional às incipientes economias nacionais.
Como decorrência lógica, houve o aumento na escala das emergências
humanitárias e dos conflitos armados nas regiões mais pobres do mundo.
Reproduziu e intensificou-se a armadilha da pobreza: uma lógica de dupla
causalidade em que a pobreza gera conflitos e os conflitos geram pobreza. Quase
todos os países que fazem parte do cinturão de pobreza que corta ao meio o
continente africano permanecem presos em uma mistura de criminalidade,
instituições políticas instáveis, discriminação étnica e fraqueza do Estado –
39
fatores que, por si sós, ampliam o risco de conflitos armados (THOMAS,
2008:254-256). Os conflitos armados acabam por reproduzir este círculo vicioso,
agravando a deterioração da força de trabalho (resultado do recrutamento de
jovens e crianças-soldado, dos deslocamentos, da fome e da proliferação de
doenças); a destruição da infraestrutura; e o colapso da base agrícola e,
consequentemente, da base de subsistência da população e de uma possível
economia nacional.
No caso do Congo, assistiu-se à própria falência do Estado,
materializada na perda do monopólio da força. Doravante, o suporte principal
nos conflitos armados passou a ser fornecido por vizinhos mais fortes,
organizações regionais ou mesmo pelas Nações Unidas.
A participação de forças militares externas nas guerras na África – sejam
elas intraestatais, interestais sejam mistas – multiplicou-se.25 O número de
protagonistas africanos também aumentou: a assistência militar, que já se dava
através de armamentos, assessores e suprimentos, passou a supor também a
intervenção frequente de tropas estrangeiras africanas no auxílio a governos
nacionais ou a grupos insurgentes. O que estava antes ao alcance de atores
extracontinentais ou de uns poucos países africanos, como África do Sul e Zaire,
ficou ao alcance também de países como Ruanda, Burundi, Libéria, Serra Leoa e
outros. É isso que faz da guerra mista parte integrante do padrão atual de
competição interestatal africano.
Tanto na Guerra Fria quanto no pós-Guerra Fria, as forças externas
tiveram o papel de protagonista principal em algumas guerra africanas, como
suporte das forças armadas nacionais. Têm-se como exemplo os casos da Guerra
Civil de Angola (tropas cubanas e armas, equipamentos e assessores soviéticos
ao MPLA), da Guerra Civil Moçambicana (tropas de Zimbábue e Tanzânia e
apoio de URSS e Alemanha Oriental, e posteiormente de EUA e Grã-Bretanha à
FRELIMO), da Guerra de Ogaden (tropas cubanas e do Iêmen do Sul a Etiópia,
além de assessores e equipamentos de URSS, Coreia do Norte e Alemanha
Oriental), da Guerra Civil da Somália (tropas dos EUA, da ONU, da Etiópia e da
UA ao governo central), da Primeira Guerra Civil da Libéria (tropas do
ECOMOG, com assistência de EUA e Grã-Bretanha), da Guerra Civil de Serra
Leoa (forças do ECOMOG e da ONU e tropas britânicas ao governo de Ahmad
Tejan Kabbah) e das duas guerras civis da República Centro Africana (tropas
externas de França, Senegal, Chade, Gabão, Togo, Burkina Faso, Costa do
Marfim e Líbia asseguraram os governos de Ange-Félix Pattassé e François
Bozizé). Em todos esses casos as forças combatentes externas foram decisivas
para a definição dos conflitos (ARNOLD, 2008; LEOGRANDE, 1980;
TAREKE, 2000; MARKAKIS, 1986). Esta lógica parece gerar consequências
nocivas para o Estado – haja vista que os incentivos para a construção de um
exército nacional ficam relegados a um segundo plano ao mesmo tempo em que
permanece reduzida a capacidade estatal após a retirada dessas tropas.

25
Conforme o quadro 3, em quarenta e cinco anos de Guerra Fria houve cinco guerras mistas na África.
Por seu turno, no curto período de 20 anos do pós-Guerra Fria houve 8 guerras mistas: um crescimento de
60%. Ou seja, durante a Guerra Fria há uma média de aproximadamente uma guerra mista a cada dez anos.
Já, no pós-Guerra Fria, a cada dez anos, houve quatro guerras mistas.
40
A guerra civil na África foi marcada pelo suporte de países vizinhos e
também de potências extrarregionais a grupos rebeldes. Nesse caso, a pressão do
SI fez com que os governos dos Estados africanos tivessem de lutar não mais
contra as forças originais das guerrilhas internas – mas contra grupos
caracterizadas por um novo perfil decorrente da ajuda externa. Este foi o caso da
Guerra Civil Moçambicana (apoio de África do Sul, Portugal e Malawi à
RENAMO), da Guerra Civil Congolesa/Brazzaville (apoio angolano e francês ao
grupo rebelde de Sassou-Nguesso) e da Guerra Civil de Serra Leoa (RUF
apoiado por Charles Taylor da Libéria). Em alguns momentos, as tropas externas
passaram a lutar lado a lado com as guerrilhas – dando um aspecto interestatal à
guerra civil. Foi o caso da Segunda Guerra Civil da Libéria (Guiné auxiliando o
LURD), na Segunda Guerra Civil do Chade (suporte do Sudão aos grupos
rebeldes Tama e Janjaweed) e na Guerra Civil de Angola (apoio do Zaire e da
CIA à FNLA, e apoio da França, EUA, Zaire e África do Sul à UNITA). Tanto
nesse caso como nos de participação decisiva de forças armadas estrangeiras, a
guerra adquiriu uma feição mista (civil e interestatal); entretanto, sua face
interestatal esteve muito mais presente – na medida em que, em alguns casos, o
perfil civil se estabeleceu apenas como uma justificativa para a guerra. Assim foi
na Primeira e na Segunda Guerra do Congo. Importa também o suporte militar de
grupos insurgentes, pois, nos casos em que estes assumem o poder, o suporte
externo continua sendo necessário – o que gera instabilidades e incertezas na
construção Estatal.

A Forma de Financiar a Guerra


Outro elemento importante relacionado ao fenômeno da guerra e que
interfere diretamente no processo de construção do Estado é a forma de
financiamento do conflito armado. Pode-se afirmar que, pelo menos, três fatores
influenciam nesse processo. O primeiro diz respeito a questões históricas,
geográficas e econômicas internas e à própria disponibilidade de recursos e
riquezas disponíveis em território nacional. Em segundo lugar, está a
disponibilidade de recursos financeiros externos e a disposição de centros
econômicos internacionais para emprestar recursos. O terceiro fator está
relacionado à iniciativa de líderes nacionais para construir estruturas extrativas
de longo prazo ou optar por formas mais rápidas de financiamento. Todos esses
três fatores estão relacionados à possibilidade de existência de economia de
enclave e de “senhores da guerra” locais.
Miguel Centeno (2002), a partir de seu estudo sobre a construção do
Estado na América do Sul, salienta que o financiamento da guerra mediante
empréstimos externos – ao invés da taxação sobre a população local – produz
efeitos deletérios para a construção do Estado. A percepção do autor parece estar
de acordo com a de Tilly, que demonstra a importância dos impostos sobre a
população como forma de expandir o aparelho central do Estado. A taxação
geraria incentivos à construção da infraestrutura e da capilaridade estatal e criaria
vínculos entre o Estado e populações longínquas – bem como incentivos à
barganha entre sociedade e Estado. De acordo com Herbst,

41
não há melhor medida do alcance de um Estado do que a sua capacidade de
arrecadar impostos. Se um Estado não controlar efetivamente um território,
certamente não será capaz de cobrar impostos de uma forma sustentada e
eficiente. Ao mesmo tempo, uma base fiscal amplamente distribuída ajuda a
garantir a consolidação do Estado gerando um fluxo robusto. (HERBST,
2000a:113. Tradução minha)
Na África, pode-se afirmar que, em grande parte dos casos, a guerra foi
financiada (i) por recursos externos vindos com assistência militar ou por
empréstimos internacionais; e (ii) pela extração e concessão de exploração de
recursos naturais. Este último ponto sugere que uma das formas principais de
financiamento da guerra na África sustentou-se na economia de enclave, baseada
na exploração de recursos naturais. Alguns exemplos são característicos, como a
Guerra Civil de Moçambique, a Guerra Civil de Angola (petróleo e diamantes) e
a Segunda Guerra Civil da Libéria (diamantes). A RDC também é um exemplo
desse fenômeno, como se verá posteriormente.
Dessa forma, o tipo de financiamento predominante nas guerras
africanas (recursos naturais e empréstimos externos) não incentivou a ampliação
da extração de taxas das populações e, por conseguinte, o estabelecimento de
uma maior capilaridade do Estado e da ligação deste com núcleos distantes da
sociedade, como ocorreu no caso europeu. A situação da África assemelha-se
mais à descrita por Enzo Falleto e Fernando Henrique Cardoso como
característica da América Central: a da existência de uma economia de enclave.
Trata-se de “núcleos de atividades primárias controladas de forma direta pelo
exterior” que operam como “uma espécie de prolongamento tecnológico e
financeiro das economias centrais” (CARDOSO e FALETTO, 1979:46 e 48).
Além disso,
[...] os enclaves produtores chegaram a ordenar o sistema econômico nacional
e a imprimir-lhes características comuns. Com efeito, a partir do momento em
que o sistema produtor local já não pode crescer independentemente da
incorporação de técnicas e capitais externos, ou de sua subordinação a sistemas
internacionais de comercialização, o dinamismo dos produtores locais começa
a perder significação no desenvolvimento da economia nacional. Nessas
condições, os produtores locais perdem em grande parte a possibilidade de
organizar dentro de suas fronteiras um sistema autônomo de autoridade e de
distribuição de recursos. (CARDOSO e FALETTO, 1979:47)
Em suma, a existência do enclave é um obstáculo para a existência de
uma economia nacional. No caso específico do Congo, a existência do enclave
revelou-se capaz de conter até mesmo o desenvolvimento de uma administração
pública civil e a existência do exército nacional. Este último é a base para a
criação do próprio sistema tributário nacional que, segundo Tilly, serve como
suporte (através do sistema de contrapartidas) das instituições políticas.
Mais grave, contudo, é que a expressão política do enclave em alguns
países africanos, como é o caso do Congo, assemelha-se a dos caudilhos da
América Latina e, talvez com mais propriedade, aos “senhores da guerra” da
China. O mesmo mecanismo que, em tempos de paz, alienava a riqueza natural
do território, em tempos de guerra converte-se no foco de financiamento das
operações militares. Como em geral não há exército nacional, ou este é apenas
42
nominal (há muito menos um sistema de empresas estatais para uma logística
nacional), a economia da guerra é baseada na pulverização da riqueza natural
para a aquisição de meios militares. Neste caso, há pouca diferença se o esforço
de guerra é conduzido por tropas governamentais ou por senhores da guerra
associados ao exterior. Não há, em qualquer dos casos, benefício, mesmo que
indireto, à economia com os gastos militares de capital e custeio. Se o material
bélico é adquirido através de recursos naturais, o custeio das tropas (até mesmo
as da ONU) é feito à “forragem”, isto é, à custa do saque e da pilhagem dos
meios de vida da população local.

Quem Obtém a Vitória na Guerra?


Duas questões são derivadas dessa ampla pergunta. A primeira, mais
diretamente relacionada à guerra em si, questiona “o país/Estado analisado
venceu ou perdeu?”. Como a derrota na guerra envolve a possibilidade de perda
de território e a dissolução da antiga burocracia estatal e do exército nacional, a
questão é centralmente importante para o processo de construção do Estado. A
vitória militar na guerra influencia na estrutura de acumulação, na infraestrutura
e na própria viabilidade do Estado. O caso da Bolívia é um dos mais
significativos sobre esta lógica de guerra não virtuosa na América do Sul
(SEBBEN, 2010). No contexto africano, o caso da Guerra de Libertação da
Eritreia convalida as decorrências negativas da guerra para o Estado quando este
perde, por exemplo, o seu acesso ao mar (Etiópia).
Uma segunda questão derivada da pergunta deste intertítulo indaga “que
liderança ganhou?”. O questionamento importa porque a postura assumida por
elites vencedoras da guerra, durante e após o conflito, interfere centralmente no
processo de construção estatal. Victoria Hui (2005) ressalta o valor da opção dos
sujeitos – no sentido de que os próprios agentes podem adotar reformas
autofortalecedoras ou autoenfraquecedoras do Estado. As reformas
autofortalecedoras são aquelas relativas ao aumento da capacidade econômica
estatal (i.e. imposição de taxação direta e indireta e promoção da produtividade
econômica), à ampliação da força militar (i.e. estabelecimento de um exército
permanente pela conscrição nacional) e ao desenvolvimento de estratégias
inteligentes por parte de líderes políticos (i.e. substituição da aristocracia pela
meritocracia). Têm a ver com a habilidade do governo em extrair meios de
guerra e comandar o apoio da sociedade – ou seja, estruturar sistemas
fiscal/tributário, burocrático/administrativo e da economia nacional que, segundo
Nisbet, são tributários da construção do exército nacional permanente (NISBET,
1973:103 e 108).
Segundo Victoria Hui (2005), as reformas autoenfraquecedoras são
exatamente o oposto do caminho da construção do Estado.26 Evidenciam que não

26
Há o decréscimo da força militar, pelo estabelecimento de um exército de empresas militares e de tropas
mercenárias; o decréscimo das capacidades econômicas, impostos agrícolas para taxas comuns e
empréstimos e créditos para receitas extraordinárias; e o desenvolvimento de estratégias não inteligentes,
como a venda de cargos públicos para detentores de capital privados (HUI, 2005:34). Poder-se-ia incluir,
no âmbito militar, o travamento de guerras por exércitos parceiros e, no âmbito econômico, a dependência
da renda proveniente de recursos naturais (exploração e concessão).
43
há garantia de que a guerra gere mudanças em direção a reformas
autofortificadoras. Isso se deve ao fato de que líderes políticos podem adotar
instituições não eficientes que envolvem menores custos de transação a curto
prazo. Todavia, estas instituições geralmente persistem, pois criam interesses em
sua manutenção – gerando um círculo vicioso nocivo ao Estado.
No continente africano, grande parte de líderes nacionais vitoriosos não
se comprometeu com um ciclo de reformas autofortalecedoras do Estado,
predominando em alguns casos os receios de Kwame Nkrumah: as políticas de
traços neocoloniais (NKRUMAH, 1967). As ligações da antiga colônia com
elites locais, principalmente no caso francês (e, em menor escala, o inglês) e de
novos atores que chegavam à África (EUA e organizações internacionais),
permitiram
[...] a subserviência de muitos líderes africanos aos estados capitalistas e
especialmente à antiga potência colonial, e a dependência de suas economias
em fluxos comerciais e corporações que os conectavam às antigas metrópoles,
e muito frequentemente em um nível de ajuda que deixavam os Estados
africanos comprometidos com uma poderosa inclinação a não ofender os
países que a forneciam. (CLAPHAM, 2005:182. Tradução minha)
Nestes casos, houve, em menor ou maior medida, “o enfeudamento da
classe dirigente nativa à classe dirigente do país dominador, o qual limita e inibe
o pleno desenvolvimento das forças produtivas nacionais”, em suma, da própria
“burguesia nacional” (CABRAL, 1980:33). Esta postura também pode ser
comparada à dos caudilhos e senhores da guerra. Assim a postura das elites
nacionais importou para a construção do Estado e de suas esferas – adiando a
geração de efetivas estruturas coercitivas, extrativas, distributivas, produtivas e
de justiça – o que dirá a distribuição de direitos civis e políticos.
No caso do Congo, o patrimonialismo das elites e a associação dos
senhores da guerra com a economia de enclave foram centralmente nocivos para
a construção de uma burocracia nacional. O legado histórico de controle privado
e carismático das instituições políticas e a pilhagem de recursos naturais por
elites internas e externas assim o atestam ((NZONGOLA-NTALAJA, 2003:2).
Todavia, o seu mecanismo mais pernicioso de manifestação foi a histórica
política de sucateamento das forças de segurança e de controle firme por parte do
presidente para que estas não rivalizassem com seu poder central. Exércitos
treinados e burocracias eficientes se tornaram mais uma ameaça do que uma
vantagem (YOUNG e TURNER, 1985:274) – o que resultou em gastos reduzidos
na construção de um exército nacional. Exceto por um interregno inicial no
governo de Mobutu, os esforços para o fortalecimento militar foram escassos na
história pós-colonial do país.
Outro indicador africano da articulação presidencial para o controle das
forças de segurança regulares é que historicamente estas forças mantiveram um
vínculo maior com o presidente do que com o Estado ou a nação (ILLIFE,
2007:270). Estas forças se conservaram formadas ou comandadas por pessoas de
extrema confiança (ou pertencentes ao seu grupo étnico) com vínculo e
responsividade direta e pessoal.

44
No caso congolês, essas forças especiais variaram de presidência para
presidência, mas mantiveram-se, em geral, a guarda presidencial de elite e os
serviços de inteligência militar e civil. Em alguns casos, estas forças de elite
presidenciais chegaram a substituir o próprio exército nacional. Importa perceber
que, ao fechar as escolas militares e impedir o surgimento de um pensamento
estratégico nativo, reduzir as armas combinadas a uma guarda pretoriana, o
presidente institui-se como um mero caudilho, um gestor dos enclaves. Não raro,
as reservas do país confundiam-se com sua fortuna pessoal.
Desse modo, as definições acerca de quem obtém a vitória na guerra
(opções da elite vencedora) tornaram-se menos importantes face à persistência de
um quadro adverso no âmbito da construção estatal (segunda imagem) ou da
estrutura (terceira imagem), que impediu a criação de uma burocracia (civil e
militar) que fosse capaz de engendrar elites concorrentes ao modelo caudilhista
(no caso da África, mimetizado enquanto tribalismo). As exceções que, de forma
indireta, convalidam a regra ficam por conta de países onde forças políticas
revolucionárias e o exército nacional enfrentaram um sistema internacional
adverso apostando na construção estatal (Angola, Moçambique, Etiópia.).

A Finalização da Guerra
Por fim, a resolução do conflito importa, sobretudo, nos casos de guerra
civil. Está em jogo aqui a decisão pela definição militar do conflito ou pela paz
negociada. No caso de guerras civis que são encerradas sem uma definição
militar (superioridade militar de um dos lados), são geralmente implantados
mecanismos frágeis de distribuição de poder (power-sharing) e de pacificação
das forças em conflito. O fenômeno pode ser observado na Primeira Guerra Civil
da Libéria, na Terceira Rebelião Tuareg, no Conflito Casamancês, na Guerra
Civil do Burundi e na Quarta Rebelião Tuareg – em que se presenciaram
instabilidades pós-conflito significativas. A despeito de a Segunda Guerra do
Congo ter possuído um formato híbrido que mistura guerra interestatal e guerra
civil, o quadro parece ser semelhante, como se verá a seguir.
Estas soluções político-institucionais exclusivamente negociadas
produzem grandes instabilidades estatais, provocadas pela indefinição militar de
guerras civis. Isso se deve ao fato de que, quando esse fenômeno ocorre, o
elemento primário do conceito weberiano de Estado (o monopólio dos meios de
coerção) passa a não ser cumprido e o exército nacional é em geral pulverizado
por milícias e bandos armados. A entidade Estatal passa a ser sustentada por um
acordo político destituído de enforcement efetivo, que – como todo o acordo
formal deste tipo – acaba sendo muito frágil, como se verá durante este trabalho.

1.2 Guerra e Estado na RDC e o Conceito de Estado Falido


No caso da RDC, elementos relacionados tanto à guerra quanto à forma
de travá-la foram igualmente relevantes para a estruturação do Estado. O país
experimentou uma realidade conflituosa desde a sua independência (30 de junho
de 1960). Foram três guerras principais (Crise do Congo, 1960-1965; Primeira
Guerra do Congo, 1996-1997; e Segunda Guerra do Congo, 1998-2003); duas
45
secundárias (Shaba I, 1977; e Shaba II, 1978); e uma situação atual em que a
violência se tornou endêmica (Estado de Violência, desde 2003) (vide quadro 4).
Ao todo, foram quatro períodos políticos principais: o imediato pós-
independência, também chamado de Primeira República (1960-1965); o regime
de Mobutu Sese Seko, conhecido como Segunda República (1965-1997); o
governo de Laurent Kabila (1997-2001); e o governo de Joseph Kabila (2001-....)
– os dois últimos tentaram cumprir a promessa de uma Terceira República.

Quadro 4 – As Principais Conflagrações no Congo pós-Independência e o Estado de


Violência
Número de
Conflagração Principais Beligerantes Causas Principais
Mortes
Descolonização africana abrupta;
Dependência da extração de recursos
Mercenários BEL, FAs BEL,
Crise do Congo de regiões específicas
FAs EUA, ONUC, Mulele, 200 mil
(1960-1965) (Katanga/Kasai);
CNL,Che Guevara (Cuba)
Instabilidade institucional (baixo nível
de treinamento).
Colapso Econômico/Regime
Ataque: AFDL e FAs de
Primeira Guerra Cleptocrático (Mobutu);
Ruanda, Uganda, Burundi
do Congo 200 mil Conflitos nos Grandes Lagos da África
e Angola
(1996-1997) Central;
Defesa: FAZ
Rivalidade franco-americana.
Ataque: Ruanda, Uganda,
Burundi, MLC, RCD-Goma,
RCD-K/ML. Continuidade da instabilidade nos
Segunda Guerra
Defesa: Angola, Grandes Lagos;
do Congo 3,8 milhões
Zimbábue, Namíbia, Rompimento de L. Kabila com Ruanda
(1998-2003)
Chade, Sudão, e Uganda.
Interahamwe, ex-FAR,
Mai Mai.
Falta de definição militar da segunda
FARDC, FAs Ruanda e guerra;
Estado de
Uganda, MONUC, UPC, Acúmulo do declínio econômico
Violência 1,6 milhão
FNI, FDLR, CNDP, Mai desde a década de 1970;
(2003-....)
Mai, LRA, M23 Autonomia de milícias proxy;
Atuação de companhias mineradoras.
Notas: Trata-se de guerras cuja amplitude geográfica foi de mais de uma província; o resultado conferido à estrutura
política do país foi a mudança de regime político, de governante ou de arranjo político; o número de mortes registrado
foi maior do que 100 mil pessoas; e houve a participação de beligerantes externos. Apesar de se enquadrarem no último
critério (participação de beligerantes externos), as duas guerras de Shaba (Shaba I e Shaba II) não cumprem todos os
pré-requisitos mencionados. Isso não exclui a relevância de futuros estudos sobre as duas conflagrações. Elas
influenciaram diretamente na postura externa do país – que, após um período de autonomia relativa no governo
Mobutu, passou diretamente ao eixo de influência franco-belga (VIZENTINI, 2007a e 2007b) – e dizem muito a respeito
das relações Zaire-Angola (MPLA).
Fontes: TURNER, 2007; CLARK, 2002; NEST, 2006a, 2006b; PRUNIER, 2009; NDIKUMANA & EMIZET, 2003; HRW, 2009a;
GALVÃO, 2002; KABEMBA, 2001, 2006, 2005.
Autor: CASTELLANO; 2012

As três principais guerras ocorridas no país após 1960 influenciaram


sobremaneira no processo de construção do Estado e na conformação do atual
Estado de Violência, na medida em que refletiam estruturas mais amplas do
sistema internacional e em que as formas de enfrentá-las, de encerrá-las e a
postura das elites vencedoras não contribuíram, em geral, para o aumento da
46
capacidade estatal. Essas guerras envolveram elementos semelhantes (vide
quadro 5), tais como (i) a presença de conflagrações civis que ameaçavam o
governo central, (ii) a interferência externa no campo de batalha na forma de
força combatentes principais, (iii) o financiamento dos esforços de guerra por
ajuda externa ou pela concessão/exploração de recursos naturais, e (iv) a
ascensão de líderes com propensão a realizar tanto reformas autoenfraquecedoras
quanto autofortalecedoras do Estado. Apesar de terem sido postas em prática em
momentos pontuais da história do país, estas últimas não obtiveram sucesso.

Quadro 5 – Características Principais das Guerras da RDC no pós-Independência


Combatentes
Forma de Definição
Tipo de Força Principais das Reformas da Elite
Guerra Financiamento Militar do
Guerra Vencedora Forças Vencedora
Principal Conflito
Vencedoras

Crise do Mercenários,
Ambas
Congo ANC FAs de BEL e Ajuda
Mista (autofortalecedoras Sim
(1960- (Congo) EUA, ONUC, externa
e enfraquecedoras)
1965) ANC

Primeira FAs de
Guerra Ruanda,
AFDL Recursos
do Congo Mista Uganda, Ambas Sim
(Rebeldes) Naturais
(1996- Burundi e
1997) Angola, AFDL

FAs de
Angola,
Zimbábue,
Segunda
Namíbia,
Guerra
FARDC* Chade e Recursos
do Congo Mista Autofortalecedoras Não
(Congo) Sudão, Naturais
(1998-
FARDC,
2003)
Interahamwe,
ex-FAR, Mai
Mai.
Nota: *Não houve vitória real, apenas um acordo de paz que mantinha L. Kabila no poder.
Autor: CASTELLANO, 2012

As guerras no Congo influenciaram os formatos assumidos pelo Estado,


os quais também foram deveras parecidos (quadro 6). Manteve-se a estrutura
territorial do Estado, houve pouca ou quase nenhuma capacidade da praticar a
guerra (coerção externa), desenvolveu-se pifiamente uma esfera extrativa
baseada em taxação de populações (ficando-se à mercê de empréstimos externos
e da extração de recursos naturais) e investiu-se quase nada no desempenho de
outras atividades estatais.
Como será percebido, o Estado congolês, no governo de Joseph Kabila,
apresenta um diferencial importante: rompeu com a trajetória coercitiva interna
do Estado, isso não porque construiu elementos indicativos de uma esfera

47
coercitiva externa bem desenvolvida, mas porque não conseguiu manter a própria
capacidade coercitiva interna.

Quadro 6 – Esferas do Estado na RDC: Períodos pós-conflito


Governo L. Governo J.
Governo Mobutu
Esferas do Estado Kabila Kabila
(1965-1997)
(1997-1998) (2001-...)
Criação do estado (Território) V V V
Prática da guerra (Coerção Externa) X X X
Proteção (Coerção Interna) V V X
Extração (Taxação) X X X
Outras esferas Produtiva - Direitos Políticos
Notas: V = esfera relativamente existente. X = esfera não existente.
Autor: CASTELLANO, 2012

A busca por um possível elemento divergente nas características das


guerras ocorridas no país sugere que a ausência de uma definição militar do
conflito parece ser a condição principal que influencia este resultado. A ausência
de uma definição real para esta guerra, que também tem características civis
(intraestatais), provoca um grande viés à estrutura principal do Estado (o
monopólio dos meios coercitivos) e a dissolução quase que completa do exército
nacional – o qual foi historicamente responsável pela tarefa coercitiva interna.
Este diferencial das estruturas estatais presentes no regime Joseph
Kabila (a incapacidade coercitiva interna) qualifica o Congo como um Estado
falido, mesmo quando utilizadas definições mais restritas sobre quais são as
funções estatais básicas que inexistem neste tipo de unidade política. O assunto
merece uma qualificação.

Estado falido: Em busca de um conceito


Os princípios básicos que deram origem ao conceito de Estado falido
surgiram na década de 1980, sobretudo com os trabalhos seminais de Robert
Jackson (JACKSON e ROSBERG, 1982; JACKSON, 1990).27 Por outro lado,
somente em 1992 o termo passou a ser utilizado – em substituição a Estados
fracos ou “quase estados” – dando um novo marco aos debates (HELMAN e
RATNER, 1992).28 O aumento das discussões teve efeitos multiplicadores nas

27
Nas obras supracitadas, Jackson apresenta os conceitos básicos de soberania positiva e soberania
negativa. O primeiro trata-se de uma condição de existência empírica do Estado, enquanto o segundo
indica uma condição de existência simplesmente jurídica. Jackson argumenta a prevalência do segundo
tipo sobre o primeiro nos casos dos diversos países surgidos após a Segunda Guerra Mundial, como
consequência da segunda onda de democratização na Europa e das pressões soviéticas e norte-americanas
para a descolonização do Terceiro Mundo.
28
Como consequência lógica, já no mesmo ano, os Estados Unidos passaram a justificar a intervenção na
Somália a partir deste conceito (KRAUTHAMMER, 1999) e, em 1994, a CIA estabelecia a “Força-tarefa
do Fracasso Estatal” (State Failure Task Force), renomeada, em 2003, para “Força-tarefa de Instabilidade
Política” (Political Instability Task Force). Com o fracasso da intervenção na Somália, o tema assumiu um
papel marginal, enquanto temas econômicos e de segurança tradicionais passaram a dominar os debates de
política externa nos EUA. Somente com os atentados de 11 de setembro e a identificação positiva de sua
48
variações do conceito, seja no que diz respeito às suas causas e soluções
possíveis, seja no âmbito dos indicadores que poderiam representar a falência
estatal. Monteiro (2006) ressalta, contudo, que uma unidade básica foi mantida
entre as teorias. Por exemplo, no que concerne ao significado básico da falência
do Estado, prevalece a percepção comum de que alguns Estados reconhecidos
internacionalmente (estatidade jurídica29 ou soberania negativa) não detêm
condições empíricas que os caracterizariam como um Estado de fato (estatidade
empírica ou soberania positiva). Ou seja, há razoável consenso de que "Estado
fracassado é aquele a cuja existência normativa não corresponde uma existência
empírica (ao menos não plena) [...]. Alguns Estados não são Estados"
(MONTEIRO, 2006:32).
Apesar da noção comum acerca do significado mais amplo de Estado
falido, é possível identificar diversas percepções sobre quais são as funções do
Estado cuja ausência ou ineficiência indicam a sua falência. Essas percepções
variam de autor para autor, de noções mais restritas, voltadas a questões de
segurança estatal (JACKSON, 1998; FUKUYAMA, 2005), até conceitos mais
amplos, preocupados também com outras questões como democracia e
legitimidade do governo, desenvolvimento econômico, provisão de serviços
públicos básicos e segurança humana (KRASNER, 2000; ROTBERG, 2003;
FFP, 2006).
Podem-se citar aqui três exemplos principais de percepções opostas
sobre quais são as funções básicas do Estado. A posição de Robert Jackson
(1998) assume que Estados fracassados são aqueles que não conseguem prover
domesticamente “condições civis mínimas, como paz, ordem e segurança”
(JACKSON, 1998:2).30 A posição de Robert Rotberg (2003) é mais ampla:
assume que um Estado falido é aquele que não consegue manter a ordem política
interna e a ordem pública; oferecer segurança às suas populações; controlar
fronteiras e todo o território; manter o funcionamento de sistemas legislativos e
judiciários independentes; e prover educação, serviços de saúde, oportunidades
econômicas, infraestrutura e vigilância ambiental (ROTBERG, 2003:5-9). Por
seu turno, o Fund for Peace (FFP) possui uma percepção ainda mais abrangente.

ligação com o Afeganistão é que o tema adquiriu nova preponderância no que se costumou chamar de
Doutrina Bush. Todavia, ao contrário da adoção anterior do conceito, esta nova o estabelecia não mais
como um problema regional, mas sim global.
29
De acordo com Jackson e Rosberg (1982), a diferença entre estatidade (statehood) empírica e jurídica
está ligada ao dilema exposto por Weber entre as percepções que salientam os meios do Estado e aquelas
que focam nos fins. Um conceito que enfoca os meios do Estado deve necessariamente pensar no
problema de sua estatidade empírica (de fato), em que dois ou mais monopólios coercitivos concorrentes
não podem existir sobre o mesmo território e população. Já o conceito que ressalta os fins do Estado vale-
se de uma noção legalista-formalista, na qual a estatidade vem, sobretudo, do reconhecimento
internacional de sua existência. Considera-se necessário, desde a Convenção de Montevidéo, a existência
de um território, uma população permanente, a independência para se relacionar com outros Estados e a
presença de um governo efetivo. Este último ponto parece ser, contudo, mera formalidade - pois nunca
houve verificação empírica desta existência: nenhum Estado deixou de sê-lo pela infetividade ou ausência
de monopólio coercitivo de seu governo (JACKSON e ROSBERG, 1982:2-4).
30
Percebe-se uma semelhança da percepção deste autor com a noção de Charles Tilly (1996) sobre as
atividades prioritárias do Estado desenvolvidas no modelo europeu (integridade territorial, a coerção
externa e a coerção interna).
49
A partir de um conceito de segurança humana, produz o Índice de Estados
Falidos, baseado em doze indicadores amplos.31
A despeito de sua multiplicidade, cumpre fazer um parêntese para
ressaltar que este conceito tem sido politicamente instrumentalizado pelos países
centrais em seu próprio benefício. Em primeiro lugar, é necessário recordar a
parcela de responsabilidade dos países centrais para a falência dos Estados
periféricos. Segundo Licório, “uma das razões do fracasso dos Estados é a ação
das grandes potências que ao intervir colocam esses Estados numa situação
maior de dependência” (LICÓRIO, 2009:15). Além disso, existem fatores de
responsabilidade mediata, como é o caso do protecionismo à agricultura,
políticas de subsídios e do próprio mecanismo de trocas desiguais. Ademais,
Reginaldo Nasser (2009) se refere às ações das grandes potências que cumprem o
papel de incentivador à falência de Estados fracos, a partir da
disponibilização de lugares convenientes para ocultação de dinheiro pilhado;
segurança proporcionada pelas grandes potências de maus governantes de
países que fornecem recursos naturais valiosos; facilidade com que os
combatentes podem conseguir armamentos que alimentam as guerras civis;
enorme fortuna que pode ser gerada mediante a venda de commodities, como
petróleo, diamante, drogas ilegais em mercados de países ricos; e, por fim,
disposição das grandes empresas para subornar autoridades nos países pobres.
(NASSER, 2009:122)
Com a desestruturação de Estados africanos, as companhias
transnacionais lucram devido à reprodução e à ampliação das economias de
enclave. Contudo, o que é bom para os interesses das companhias, sempre
focadas no curto prazo devido à natureza anual da contabilidade, nem sempre
corresponde aos interesses de seus Estados. Como destaca Hanna Arendt, o
conflito característico do capitalismo desenvolvido (imperialismo) reside
justamente no choque de interesses entre a burguesia e o Estado.
Só quando ficou patente que o Estado-nação não se prestava como estrutura
para maior crescimento da economia capitalista, a luta latente entre o Estado e
a burguesia se transformou em luta aberta pelo poder. Durante o período
imperialista, nem o Estado nem a burguesia conquistaram uma vitória
definitiva. As instituições nacional-estatais resistiram à brutalidade e à
megalomania das aspirações imperialistas dos burgueses, e as tentativas
burguesas de usar o Estado e os seus instrumentos de violência para seus
próprios fins econômicos tiveram apenas sucesso parcial. (ARENDT,
1989:154)
O efeito prático do Consenso de Washington sobre o centro foi o de
desequilibrar a relação contraditória entre Estado e burguesia em favor da última.
Na periferia, contudo, seus efeitos foram consideravelmente mais devastadores.
O surgimento dos Estados falidos pode beneficiar (através do enclave) os
interesses de curto prazo das transnacionais. Entretanto, prejudicam a segurança

31
São eles: pressões demográficas, movimentos massivos de refugiados e deslocados internos,
perseguições de grupos internos, êxodo de recursos humanos, desenvolvimento econômico desigual,
declínio econômico acentuado, criminalização do Estado, deterioração dos serviços públicos, violação dos
direitos humanos, autonomia do aparato de segurança, ascensão de elites divididas, intervenção de atores
externos.
50
dos próprios países centrais. Isso pode ser observado a partir de quatro vetores
principais: (i) o enclave mantém frequentemente relações comensais com o
narcotráfico, isso quando a economia da droga não se encarrega de impor-se
frente aos Estados falidos criando seu próprio enclave; (ii) o enclave é baseado
em forças militares privadas, o que gera uma relação simbiótica e necessária com
o tráfico de armas leves e munições que exercem um efeito transbordante sobre a
criminalidade em geral e o aumento da violência em centros urbanos, em
particular; (iii) a desestruturação das forças produtivas e a violência na periferia
geram massas de refugiados que se dirigem aos países centrais e tal pressão do
fluxo de imigrantes, do aumento da violência urbana, do crime organizado
tenciona o próprio Estado democrático de direito nos países capitalistas centrais
(racismo e xenofobia); e (iv) o trinômio Estados falidos, tráfico de armas e de
drogas, todos potencialmente associados à economia de enclave, servem de
retaguarda para grupos extremistas ou organizações terroristas transnacionais.
Isso parece particularmente verdadeiro no que tange a redes como Al-Qaeda que,
talvez não por mero acaso, deram início efetivo às suas operações justamente no
continente africano (Tanzânia e Quênia, em 7 de agosto de 1998) 32. Ainda hoje é
perturbador constatar que o que teve início na África na década de 1990 abateu-
se sobre os próprios EUA na tragédia do 11 de setembro.

O Estado falido no Congo


Ainda que haja diferenças significativas entre as percepções sobre os
indicadores da falência estatal e a própria instrumentalização do conceito, sob a
luz de qualquer uma das definições supracitadas a RDC pode ser considerada um
Estado falido. Pela percepção de Jackson, a RDC pode ser vista como falida
porque, apesar de deter algum nível de integridade territorial, não é efetiva na
realização tanto da coerção interna quanto da externa. Na definição de Rotberg, a
RDC é o primeiro país tratado como Estado falido em seu livro de 2003
(LEMARCHAND, 2003), isso porque, apesar de apresentar alguma evolução em
indicadores sociais, a população do país ainda sofre com a pior renda per capita
da África Subsaariana e Mundial; e o pior Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH) do planeta (IMF, 2010; UNDP, 2012). Ademais, as instituições políticas
congolesas são deveras instáveis. Finalmente, pelo Índice de Estado Falidos, a
RDC ocupa, desde 2005, as piores posições, atualmente atrás apenas da Somália.
O fato se deve, sobretudo, à dependência frente a intervenções externas e à falta
de controle público das forças de segurança (FFP, 2006).
Importa compreender que, se a percepção sobre as finalidades do Estado
for ampla, então é muito provável que se entenda que o Estado congolês nasceu
falido, pois desde sua independência foi incapaz de prover todas as atividades
apresentadas como necessárias pelo modelo de Rotberg ou o do Fund for Peace.
Por outro lado, se a percepção sobre as atividades necessárias para um Estado
possuir soberania efetiva for mais restrita, tornam-se mais claras as origens

32
Os atentados terroristas contra as embaixadas dos EUA em Nairóbi (Quênia) e Dar es Salaam
(Tanzânia) ocorreram em 7 de agosto de 1998, mataram ao menos 220 pessoas (12 norte-americanos) e
feriram aproximadamente 5.000 pessoas. A autoria foi atribuída aos grupos Jihad Islâmica e Al-Qaeda.
51
recentes da falência do Estado congolês e as possibilidades práticas de sua
superação.
Destarte, adotando-se um conceito mais restrito e realista sobre as
atividades fundamentais do Estado, percebe-se que o Estado congolês foi, de
fato, capaz de manter a sua integridade territorial em toda sua história pós-
colonial e presenciou períodos em que a produção de coerção interna foi
relativamente eficiente (primeira parte do regime de Mobutu e início do governo
de Laurent Kabila). Todavia, esta capacidade relativa de coerção interna foi (i)
desestabilizada com políticas de desestruturação militar no regime de Mobutu e
(ii) completamente perdida com a Segunda Guerra do Congo e não recuperada
com o fim desta conflagração.
Em decorrência, o fim formal da Segunda Guerra do Congo não resultou
no encerramento efetivo dos conflitos armados internos ao país; não veio, enfim,
acompanhado do restabelecimento da esfera coercitiva interna. Dessa maneira,
com a utilização do conceito mais restrito de Robert Jackson, pode-se perceber
que a falência atual do Estado congolês é diferente daquela presente nos outros
regimes pós-coloniais do país – exceto talvez pelo período da Crise do Congo
(1960-1965), em que a guerra civil era generalizada. Entretanto, ao contrário
daqueles períodos, a presente situação de falência estatal parece estar diretamente
relacionada ao conflito armado que a precedeu; à fraqueza dos mecanismos que
trouxeram a resolução da Segunda Guerra do Congo.

1.3 Power-Sharing e Definição Militar do Conflito


Como argumentado anteriormente, um dos problemas mais graves na
resolução da Segunda Guerra do Congo foi a inclusão automática dos grupos
rebeldes nacionais nas instituições estatais (Forças Armadas e burocracia) e no
sistema político do país, a partir de mecanismos de power-sharing em sua versão
hard, devido ao contexto de indefinição militar do conflito.
O caso da RDC parece corroborar análises mais amplas sobre
instituições de power-sharing hard e resoluções de conflitos civis. A ideia de
power-sharing está diretamente relacionada aos princípios da teoria
neoinstitucionalista da escolha racional da Ciência Política, mais especificamente
aos da teoria consociativa. Para a teoria política neoinstitucionalista em geral, as
instituições importam na explicação do surgimento da democracia e da
estabilidade democrática (HALL e TAYLOR, 2003; PETERS, 1999). Mais
especificamente na abordagem neoinstitucionalista da escolha racional de George
Tsebelis (2002), instituições são formadas por atores com poder de veto sobre o
sistema – o que influencia no processo decisório. Veto players são “atores cujo
acordo é necessário para uma mudança no status quo” (:17. Tradução minha). O
argumento é que quanto maior o número de veto players em um sistema, menor a
possibilidade de mudança do status quo e menor o win-set – “conjunto de
alternativas que conseguem substituir o status quo” (2002:21. Tradução minha).
Ou seja, quanto maior for a inclusão de atores relevantes (com poderes reais de
veto) no sistema, maior será a sua estabilidade.

52
Chega-se aqui ao ponto principal: o modelo consociativo segue uma
lógica semelhante à proposta por Tsebelis. Como expoente mais notório desta
teoria, Arend Lijphart (1968) opõe-se abertamente à concepção schumpeteriana
de democracia (função do voto é escolher a maioria) ou à do pluralismo
moderado de Sartori. Com influência de Duverger, para ele sistemas eleitorais
majoritários levam ao bipartidarismo e gabinetes de maioria unipartidária.
Enquanto isso, sistemas eleitorais com regras proporcionais engendram sistemas
multipartidários e gabinetes de coalizão – que se caracterizam pela inclusão do
maior número de atores relevantes (veto players). A partir da análise de cinco
variáveis na esfera executivo-partidos e cinco na esfera federal-unitária, Lijphart
(2008) sugere que arranjos de power-sharing – característicos de democracias
consensuais – são mais estáveis, principalmente em sociedades divididas (étnica,
linguística, religiosa ou ideologicamente).
Pippa Norris (2008) expande a análise da teoria consociativa a outros
países e, mais importante, a Estados africanos. É o caso de Benin e Togo. De
acordo com a autora, apesar de apresentarem trajetórias similares – um passado
de independência abrupta, um período autoritário e resquícios de dependência
econômica – hoje Togo é not-free (não democrático, segundo a Freedom House)
e Benin é free (democrátivo) – apesar de este possuir piores condições
socioeconômicas. O argumento sustentado é que arranjos de power-sharing
explicam a democracia em Benin.
Todavia, o caso do Congo vai em direção contrária: nenhuma das
soluções de power-sharing adotadas em sua história pós-colonial foram
suficientes para trazer a estabilidade político-institucional e democrática ao país
(CASTELLANO, 2009). Além disso, esses arranjos foram incapazes de evitar ou
apaziguar conflitos políticos que resultaram nas principais conflagrações ali
ocorridas. Todas essas conflagrações estiveram ligadas a algum tipo de
vulnerabilidade do Estado.
De fato, Donald Horowitz (1993) argumenta que regimes de power-
sharing institucionalizam clivagens étnicas, reforçando tensões ao invés de
acomodar e administrar diferenças. Para Jack Snyder (2000), soluções para
conflitos étnicos que tratam identidades pré-democráticas como fixas podem
cristalizar identidades nacionais exclusivas e inimigas, bem como divisões já
existentes no país. No que concerne às críticas a arranjos de power-sharing em
sociedades vindas de conflitos civis, afirma-se que arranjos de power-sharing
impostos por poderes externos são menos prováveis de durar e gerar acordos de
paz sustentáveis (COLLIER e SAMBANIS, 2005). Na África, ademais, esforços
ocidentais para construir acordos de paz de power-sharing podem encorajar
outros líderes rebeldes à insurgência em busca de inclusão em acordos
semelhantes (TULL & MEHLER, 2005:393).33

33
Não se objetiva aqui refutar a aplicabilidade de arranjos de power-sharing. O argumento proposto é que,
apesar da sedução normativa operada pela teoria da democracia consociativa, esses arranjos não são por si
sós condições suficientes (o que não quer dizer não necessários) para a geração de democracia ou a sua
estabilidade. O Congo visivelmente se enquadra no caso problemático exposto por Carles Boix (2003 e
2006), pois possui uma base produtiva dominada pela propriedade fixa (recursos naturais minerais) e pelos
altos índices de desigualdade social. O país também se encaixa no rótulo de Estado fraco ou falido, ou
seja, sem instituições consolidadas que possam constranger grupos internos beligerantes (MANSFIELD e
53
Sobre a resolução de conflitos civis, é possível dizer que há um grande
debate na literatura entre aqueles que acreditam que a paz negociada (neste
trabalho, englobada na categoria de power-sharing)34 seja a melhor solução para
guerras civis e aqueles que afirmam que a definição militar35 contribua mais
diretamente para a sustentabilidade da paz. No primeiro caso, no qual se situa a
maior parte dos analistas, dos policymakers e da opinião pública internacional,
pode-se citar o trabalho de Matthew Hoddie e Caroline Hartzell (2003). Os
autores partem do pressuposto de que, se é dado poder de voz aos antigos
combatentes nos rumos políticos, econômicos e sociais do país, a renovação da
violência pode ser evitada. Os autores concluem que, dentre 16 acordos de paz
firmados em entre 1980 e 1996, aqueles que adotaram o military power-sharing36
entre os grupos combatentes tinham maiores chances de manter a paz.
Em oposição a esta visão, diversos autores argumentam que a vitória
militar produz maior estabilidade pós-conflito. Edward Luttwak (1999) e Robert
Wagner (1993) sustentam que permitir que guerras alcancem sua definição
natural aumenta a probabilidade de uma paz duradoura e de uma efetiva
reconstrução pós-guerra. Wagner defende a maior estabilidade de guerras civis
terminadas por vitórias, em detrimento da paz negociada, devido à reduzida
capacidade do lado perdedor em recomeçar o conflito armado (WAGNER,
1993). Pode-se dizer que esses autores têm a história ao seu lado. Roy Licklider
(1995) encontra suporte empírico para as hipóteses de Wagner.37 Paul Collier e
Nicholas Sambanis (2005) demonstram que, em 40% dos casos em que não há
definição militar do conflito, a guerra torna a ocorrer em uma década. Por outro
lado, guerras civis que terminam por uma vitória militar são entre 2 e 3 vezes
menos prováveis de ocorrer novamente, pois uma das partes está suficientemente
dissuadida de não retomar os confrontos armados (TOFT, 2010; WAGNER,
1993; REGAN, 2002).
Das quatro guerras com mais de meio milhão de mortos ocorridas na
África (Primeira Guerra Civil Sudanesa, Guerra Civil da Nigéria, Segunda

SNYDER, 2007). Em suma, não há níveis satisfatórios de capacidade estatal (TILLY, 2007). Não se trata
somente de um problema de não haver meios materiais para a poliarquia (a democracia “possível”), que
por si só pressupõe instituições de controle (DAHL, 1997). Trata-se ainda de um problema da própria
construção do Estado como uma entidade com monopólio dos meios coercitivos, onde deve operar uma
simbiose ativa entre o dinheiro e as armas (ARRIGHI, 1996), entre o capital e a coerção (TILLY, 1996).
Neste caso, onde as poliarquias não se consolidam por se tratar de Estados fracos ou falidos, verificam-se
problemas crônicos de vulnerabilidade externa.
34
A paz negociada diferencia-se do cessar-fogo pelo fato de a primeira envolver a construção de novos
arranjos político-militares que incluam as diferentes partes beligerantes.
35
Definição Militar – Situação em que uma facção é claramente vencedora e as demais abandonam o
campo de batalha ou veem-se forçadas a admitir a derrota. O caso mais célebre é o da Guerra da Seção dos
EUA concluída com a rendição do General Lee, comandante das tropas da confederação, para o General
Ulisses Grant, comandante das forças da União.
36
O termo military power-sharing se refere à solução de guerras civis por “distribuição do poder
coercitivo estatal entre as partes combatentes” (HARTZELL & HODDIE, 2003:320). Em termos práticos,
trata-se de “provisões que permitem grupos antagonistas permanecerem armados ou reterem suas próprias
armas” (JARSTAD, 2006:7).
37
Licklider demonstra que, dos 46 casos de guerra civil que haviam acabado há mais de cinco anos, a
guerra tornou a ocorrer em 15% dos casos em que houve vitória militar e em 50% dos casos em que houve
paz negociada. Ou seja, metade das guerras civis analisadas que foram terminadas pelo que aqui
chamamos de power-sharing voltaram a ocorrer (LICKLIDER, 1995:685).
54
Guerra Civil da Sudanesa e Segunda Guerra do Congo) apenas a guerra da
Nigéria e Biafra (1967-1970) teve definição militar do conflito. Talvez não seja
mera coincidência o fato de que este foi o único caso em que houve estabilidade
pós-conflito. A paz negociada da Primeira Guerra do Sudão (1956-1972) levou à
segunda guerra (1963-2005) e ao atual colapso e implosão do Estado; e no caso
da Segunda Guerra do Congo (1998-2003) a ausência de uma vitória militar
gerou a recorrência quase que imediata da guerra (Estado de Violência). O
contraste da Nigéria com o Congo e o Sudão contribui para colocar em questão o
papel do power-sharing.
Monica Toft (2010) propõe resolver o impasse teórico acerca de qual das
duas opções é mais efetiva e desejável. Demonstra que argumentos para o fim de
guerras civis mediante paz negociada tomam como pressuposto que esta reduz o
número de mortes comparada com vitórias militares. Há, todavia, dois problemas
nessa lógica. O primeiro é que a paz negociada pode servir como uma
oportunidade para grupos se recuperarem e rearmarem – aumentando a
probabilidade de mortes a longo prazo.38 O Estado de Violência no Congo,
quando 1,6 milhões foram mortos após o encerramento oficial da Segunda
Guerra do Congo, parece ser um exemplo claro dessa lógica. O segundo
problema diz respeito à noção de que as vidas supostamente salvas pela paz
negociada gozarão de maiores liberdades políticas e econômicas. Segundo a
autora, pazes negociadas estão relacionadas com maiores níveis de autoritarismo
a longo prazo – apesar de uma tendência à democratização no imediato pós-
guerra. Isso ocorre na medida em que, por um lado, grupos políticos opositores
surgem e se expandem e, por outro, o governo endurece suas políticas, a partir de
lembranças traumáticas, tentando evitar novas conflagrações. Ademais,
crescimento econômico não parece estar mais fortemente relacionado com algum
tipo específico de resolução de conflitos.
Embora seja verdade que, de 1940 a 2002, os acordos de paz negociada
suspenderam as mortes em curto prazo, e muitas vezes levaram a uma maior
democratização, tanto a paz [poupança de vidas] quanto a democratização
tenderam a ser de curta duração, terminando após o primeiro ou segundo ciclo
eleitoral. A análise de mais longo prazo revela que os acordos de paz
negociada tendem a conduzir a uma maior probabilidade de guerra e repressão
[mortes a médio e longo prazo]. (TOFT, 2010:35-36. Tradução minha)
Por outro lado, Toft (2010) evidencia que a vitória militar ainda traz
custos muito altos, apesar de relativamente mais baixos do que aqueles gerados
pela paz negociada a longo prazo. Tanto pazes negociadas quanto a busca pela
definição militar destroem vidas, propriedades, tesouros culturais; são mais ou
menos instáveis; não geram liberdades políticas a longo prazo e não produzem
necessariamente condições econômicas para a reconstrução do país.

38
A partir de dados empíricos a autora demonstra que guerras civis encerradas por paz negociada resultam
em mais mortes no total de anos. Ou seja, a possibilidade de reincidência da guerra gera mais custos que
os esforços para a vitória militar. A Guerra de Secessão americana é novamente um importante exemplo:
ceifou 650 mil vidas, envolveu batalhas cruentas e sangrentas de sete dias, arrastou-se por quatro anos,
cobriu um território das dimensões da Europa, ainda assim sua cifra de mortos é de menos da metade do
Estado de Violência do Congo (1,6 milhão).
55
A solução sugerida ao impasse seria expandir as qualidades de menores
custos de curto prazo da paz negociada para o longo prazo. A forma adotada
seria a implementação de acordos que não apenas garantissem direitos aos ex-
combatentes, mas unissem carrots e sticks. Uma das formas práticas para isso é a
provisão, no próprio acordo de paz, de meios e métodos práticos para a
reformatar e reinstitucionalizar as forças de segurança estatais por meio da
Reforma do Setor de Segurança (RSS). De fato, uma das causas das falhas na paz
negociada está no fato de o tema da RSS ficar em geral em uma posição marginal
nas negociações de paz.
Falta de atenção para a RSS pode ter consequências devastadoras. Na
sequência de acordos de paz negociada, por exemplo, as forças beligerantes
mantêm sua autonomia de defesa [poder coercitivo]. O que muitas vezes se
segue é o ressurgimento de vários conjuntos de militares/milícias/organizações
rebeldes prontos para apoiar qualquer líder político que possa fornecer (ou
tenha fornecido) recursos para sustentar sua visão de como vencer. (TOFT,
2010:33. Tradução minha)
Portanto, a partir da percepção de que “quanto mais unificada for a
administração política pós-guerra, menor a probabilidade de a guerra tornar a
ocorrer” (TOFT, 2010:33. Tradução minha), Toft sugere que “[...] seja dada
maior atenção a RSS durante negociações, para que se aumente a possibilidade
de alcançar tanto ganhos de curto quanto de longo prazo em negociações melhor
projetadas, implementadas e sustentadas” (TOFT, 2010:36. Tradução minha).
De fato, a RSS pode trazer os benefícios da definição militar do conflito
para dentro das estruturas da paz negociada. Isso porque, por um lado, garante a
dissolução a longo prazo das forças insurgentes integradas em um modelo de
power-sharing; por outro lado, institui o monopólio do poder coercitivo do
Estado e, assim, procura bloquear as intenções de retomar a luta armada por parte
de antigos insurgentes e de instituí-la a partir de novos grupos.

1.4 Exército Nacional como intermediário entre o Power-Sharing e a


Definição Militar
As conclusões de Toft parecem estar alinhadas à realidade da África
contemporânea. Neste ponto, recordam-se as guerras africanas com mais de meio
milhão de mortos, as quais tiveram como palco o Sudão, o Congo e a Nigéria.
Trata-se, respectivamente, dos dois maiores países da África Subsaarina (Sudão,
antes da divisão, e Congo) e daquele com a maior população. A amostra é,
portanto, duplamente representativa, seja como ilustração empírica do fenômeno
da guerra ou dos países e sociedades africanas. Entre os três países, estabelece-se
uma nítida clivagem: a Nigéria assoma como exemplo de Estado africano bem-
sucedido, e Sudão e Congo como unidades em desagregação ou Estados falidos.
A primeira ilustra o único caso relevante de definição militar do conflito; os dois
outros exemplos, o resultado da aplicação do power-sharing. Caso a análise de
política internacional se resumisse à escolha de modelos e à busca de soluções
normativas, as constatações acima deveriam ser suficientes para evidenciar a
superioridade da definição militar em relação ao modelo power-sharing.
56
Contudo, este não é o caso. A realidade é por demais complexa para permitir
soluções fáceis envolvendo modelos previamente padronizados.
A definição militar na Nigéria só foi possível devido à rara conjugação
de forças entre a antiga metrópole (Inglaterra), a União Soviética, países árabes e
africanos que prestaram seu apoio à União. Embora o separatismo em Biafra
fosse rico em recursos, apoio internacional (França, Israel, África do Sul,
Portugal) e contasse com tropas de melhor qualidade, incluindo mercenários (até
mesmo com a presença de uma modesta força aérea que foi sumamente relevante
para a logística da guerra), tratou-se de uma excepcionalidade. A despeito da
circunstância da Guerra Fria, houve uma clara cisão no bloco ocidental. Ainda
assim foram três anos de uma guerra cruenta, com estimativas que variam de 1
até 2 milhões de mortos. Não obstante o caso da Nigéria dever ser objeto de
estudos posteriores, as circunstâncias aludidas autorizam a pensar na
excepcionalidade. Em resumo, idealmente falando, a definição militar, mesmo
que a um alto custo humano, apresenta melhores resultados do ponto de vista da
construção da sociedade e do Estado. Contudo, o exemplo nigeriano, como
sugere a experiência posterior, atualmente é claramente impraticável. Entre os
diversos motivos, conta o que parece ser um claro passo atrás em relação à
disposição da OUA em manter as fronteiras herdadas do colonialismo – o que é
claramente ilustrado pelo recente exemplo do separatismo bem sucedido da
Eritreia e do Sudão do Sul.
Por outro lado, a aplicação do power-sharing como vem sendo feito no
curso das duas últimas décadas parece ser a receita para a eternização do círculo
vicioso de fome e conflitos que assolam o continente africano. O principal
problema do power-sharing hard como praticado no Congo, à diferença do
power-sharing soft adotado em Angola e Moçambique, é o de dissociar a busca
da democracia de seu fundamento sociológico: a burocracia. A expressão prática
dos princípios de racionalidade e impessoalidade da lógica burocrática é a
separação entre a titularidade ou o mandato e o cargo, ou a função. Seja como
funcionário, seja representante popular, o indivíduo não é dono e nem pode
apropriar-se da parcela do Estado que a responsabilidade do cargo lhe confere
(BENDIX, 1986:328-329). No caso do power-sharing hard, há a inclusão direta
dos insurgentes que passam a controlar, como parte das garantias e salvaguardas
para a sua pacificação, parcelas inteiras do Estado a seu critério – o que, não raro,
constitui-se em enclaves de exploração de recursos naturais, tráfico de drogas ou
armas. Já o power-sharing soft, alicerçado em algum tipo de definição militar, se
permite fornecer garantias menores, basicamente inserindo os grupos armados
em uma lógica burocrática preexistente que adota um sistema impessoal de
seleção. Desse modo, os bandos armados são convertidos em partidos políticos e
lhes são asseguradas chances reais de vitória em um sistema de competição
impessoal. Sua participação efetiva diz mais em determinar as regras da
competição do que propriamente em assenhorar-se de parcelas do Estado
(BROWN e ZAHAR, 2008).
A diferença nítida entre os dois casos de power-sharing é que, no
primeiro caso, para cessarem os combates, se elimina a própria burocracia
(sistema impessoal de regras) como fundamento do modelo consociativo. O
57
resultado, até agora ilustrado pela tragédia congolesa, tem sido a perpetração do
Estado de Violência. No segundo caso, a oposição armada se ajusta à lógica da
impessoalidade burocrática tendo, contudo, a prerrogativa de escrever
conjuntamente as regras sobre as quais se dará a disputa, seja do exercício da
função pública, seja da elegibilidade dos mandatos, para que possa passar a haver
uma competição real em torno das instituições políticas que são preexistentes
(Legislativo e Executivo).
Embora nenhum dos dois modelos (definição militar e power-sharing
hard) pareça factível como solução única para a guerra na África, ambos contêm
elementos importantes que sugerem uma equação normativa. Na Nigéria, o papel
cumprido pela definição militar e pelo exército nacional na construção da
burocracia estatal e o investimento em todo o país dos ganhos obtidos com a
exploração do petróleo resultaram na construção de uma logística nacional e
mesmo de uma economia nacional. O power-sharing, por sua vez, acena com a
Reforma do Setor de Segurança, e também com a possibilidade de construção de
um exército nacional. Esse parece ser o ponto em que os dois modelos
aparentemente tão díspares coincidem: a formação de um exército nacional.
Importa ainda, para a análise dos capítulos seguintes, consignar que a
construção de um exército nacional transcende a noção de aparato coercitivo
(interno ou externo), estendendo-se a outras funções de relevância central para a
construção dos Estados. Desde os tempos de Roma, o exército tem sido a
prefiguração do aparato técnico-produtivo. Não por acaso, César aceitou de bom
grado a função de Edil (prefeito) de Roma. Mesmo o primeiro exército da
história (o de Roma) já tinha claras funções não militares como a construção de
obras públicas, a construção e a manutenção de estradas, a estruturação da
infraestrutura e do sistema de comunicações. Os exércitos do absolutismo,
embora claramente divorciados da sociedade, trouxeram um novo e importante
elemento junto ao exército permanente: a assimilação de novas tecnologias de
produção (notadamente, a partir do canhão de bronze e da pólvora granulada).
Contudo, exércitos nacionais, dignos do termo, foram resultado da era das
revoluções e da figura do soldado cidadão. Neste caso, como demonstram
Giddens (2001:249) e Tilly (1996), a instituição da conscrição (o serviço militar
obrigatório) constituiu-se em uma importante interface através da qual o Estado
estabelecia, mediante direitos políticos e sociais, a retribuição e a sociedade
controlava o Estado através do cidadão soldado.
Os exércitos nacionais trouxeram um ingrediente novo àqueles já
presentes no exército romano ou nos exércitos do absolutismo: o papel da
educação militar. De início, as escolas militares estavam associadas à aplicação
da doutrina, isto é, à utilização de sistemas de armas face à ordem de batalha das
armas combinadas. Este patamar já não é desprezível, pois supõe a alfabetização
(no dia a dia dos quartéis, todas as ordens são escritas), capacidade de gestão e
controle de estoques (logística), domínio das comunicações (domínio dos sinais e
sistemas de comunicação) além de desenvolver capacidade de cálculos
complexos, como demandam a artilharia ou mesmo os morteiros. A mecanização
trazida pelo motor à explosão deu, entretanto, uma dimensão ainda mais ampla à
educação militar: mais que formar oficiais e suboficiais para lidar com sistemas
58
de armas, o comando e controle de armas combinadas passou a exigir um vasto
corpo técnico de nível não superior (cabos e sargentos) especializados em
conhecimentos de mecânica, eletricidade e hidráulica. Enfim, se o exército
romano já era uma unidade fabril, o exército moderno preserva e amplia esta
função através da educação militar em todos os níveis. Isso porque os meios
exigidos para travar a guerra envolvem, em maior ou menor grau, um
conhecimento acerca de tudo que a sociedade produz ou contém.
Desse modo, o exército nacional, pelo elemento do conhecimento, se
relaciona diretamente com a formação de quadros para a burocracia nacional. A
associação entre burocracia e conhecimento não é de modo algum nova. Hegel já
associava a burocracia à condição de “classe universal” justamente por ser a
depositária dos conhecimentos técnico-científicos e das práticas administrativas
de seu tempo (HEGEL, 1997:parág. 205). Em um caminho não muito diferente,
Weber associa burocracia à racionalidade contábil, à ascese profana,
característica do próprio capitalismo. A burocracia em Weber é herdeira da
classe universal de Hegel, pois não só é a depositária do conhecimento, mas da
própria fonte da racionalidade, característica da forma de administração
correspondente, a única que, na visão de Weber é capaz de desenvolver o
capitalismo e praticar o governo parlamentar (democrático). Se, em Hegel, a
burocracia surge como portadora do conhecimento, em Weber ela se torna sua
fonte de produção e reprodução enquanto prática social (BENDIX, 1986: 327-
332).
A burocracia, por sua vez, fundamenta as bases do domínio da lei e da
racionalidade. A ideia de carreira e privilégios e imunidades, que se atém a
prerrogativas e imunidades do cargo estabelecidas em base legal (norma escrita),
é essencial para distinguir o funcionário sob o domínio do império da lei, que
obtém seus proventos da dedicação ao cargo em tempo integral, daquele sob o
domínio do patrimônio, cuja base legal é contingenciada em benefício do arbítrio
discricionário, característico do carisma e da tradição (BENDIX, 1986: 327-332).
É somente com o domínio da lei (dominação racional/burocrática) que “o
sucesso na luta pelo poder se manifesta sobre a promulgação de regras
obrigatórias” (BENDIX, 1986:338).39
Dessa forma, parece existir um fio condutor entre o exército nacional, a
burocracia e as instituições políticas (democracia). Se “o avanço da democracia é
a história da desprivatização do Estado” (BRESSER-PEREIRA, 1995:87), pode-
se perceber o papel da racionalização da política (formação da burocracia
nacional) como sustentáculo e elemento garantidor das liberdades políticas. Esta
noção está diretamente relacionada com a percepção de Tilly (2007) de que a
capacidade estatal é precondição para a democracia. De acordo com o autor, a
democratização nunca ocorre efetivamente (1) sem a integração de redes
interpessoais de confiança dentro da política pública, (2) sem o insulamento da

39
Dominação Tradicional – Baseada em uma autoridade que sempre existiu, que se baseia no status
herdado e no costume. Dominação Carismática – A autoridade é exercida por um líder que comprove seu
carisma mediante poderes mágicos, revelações, heroísmo e outros dons extraordinários. Dominação Legal
– Existe quando “um sistema de regras, aplicado judicial e administrativamente de acordo com princípios
verificáveis, é válido para todos os membros do grupo associado” (BENDIX, 1986:234-235).
59
política pública frente a desigualdades categoriais (gênero, raça, etnicidade,
religião, etc), e (3) sem a eliminação ou a neutralização de centros coercitivos
autônomos. Todos esses processos parecem implicar o estabelecimento mínimo
de um exército e de uma burocracia nacionais (TILLY, 2007:78).
Esta breve digressão acerca das relações entre conhecimento, burocracia
e racionalidade importa para justificar a ênfase que o livro dá ao papel da
dominação racional (burocrática) e, por extensão, ao exército permanente em sua
constituição em termos históricos.

Conclusão do Capítulo 1
Este capítulo pretendeu dar suporte inicial à discussão principal deste
livro (guerra e construção do Estado na RDC). Isso foi feito mediante um breve
ensaio que procurou estabelecer, em âmbito mais amplo (o da África
Subsaariana) as conexões lógicas entre esses dois fatores.
Buscou-se elucidar que tal relação ocorre mediante condicionantes
estruturais e individuais, as quais interferem no resultado esperado. Isso vai ao
encontro da percepção – já antevista por Tilly, mas aprofundada por Hui e
Centeno – de que a guerra não gera necessariamente efeitos virtuosos ao
processo de construção do Estado. Entre outros fatores, importa qual é natureza
das ameaças (interna, externa ou mista); (ii) quais são as forças combatentes
principais (nacionais, mercenárias ou externas); (iii) qual a forma de
financiamento da guerra (taxação, empréstimos, extração de recursos naturais),
(iv) quem obtém a vitória na guerra (elites comprometidas ou não com medidas
autofortalecedoras do Estado) e (v) como a guerra é concluída (paz negociada ou
definição militar).
Pode-se dizer que, em geral, os países africanos enfrentaram ameaças
internas ou proxy relativamente maiores do que as externas tradicionais, valeram-
se de tropas externas para lutar suas guerras e as financiaram mediante
empréstimos externos e recursos naturais que beneficiavam enclaves
econômicos. Além disso, uma parcela muito pequena das elites vencedoras dos
conflitos armados esteve comprometida com reformas autofortalecedoras; e, na
maioria dos casos em que o conflito armado foi encerrado pelo mecanismo de
power-sharing (paz negociada), a instabilidade permaneceu.
Não se objetiva aqui propor um modelo determinista. Mesmo com todas
as condicionantes estruturais e individuais nocivas ao processo de construção do
Estado, em alguns casos ele pôde, sim, ser construído, mas trata-se de exceções
que comprovam a regra. Comumente, o Estado africano construiu um forte
aparato coercitivo e repressivo interno (vis a vis as incapacidades coercitivas
externas), estabeleceu uma esfera extrativa rudimentar e distribuiu poucos
direitos e garantias individuais a seus cidadãos.
Como se verá no decorrer do trabalho, no caso do Congo, três fatores
parecem ter condicionado a falência de suas atividades fundamentais (coerção
interna e externa). Primeiramente, as estruturas do sistema internacional, as quais
(i) não incentivaram a construção de um Estado (que seria necessário para fazer
frente a ameaças tradicionais de segurança) e (ii) reproduziram o mecanismo de
60
dependência, pauperização e desmembramento social. Em segundo lugar, os
indivíduos, que mantiveram um ciclo incessante de políticas mais comprometidas
com o patrimônio e a pilhagem do que com o desenvolvimento nacional e a
superação da miséria. Em terceiro lugar, e não menos importante, a indefinição
militar do conflito armado (power-sharing hard)– o que levou ao Estado
congolês a perder quase que totalmente a sua capacidade de exercer a prática
coercitiva interna (dissolução do exército nacional).
O capítulo ainda abordou a importância histórica do exército nacional
para a construção de esferas coercitivas e não coercitivas do Estado. Sua
capacidade de ser fonte de geração de conhecimento e renda, de vertebrar uma
burocracia civil e militar e de incentivar a garantia de direitos civis e políticos
evidencia a sua central relevância na situação atual da RDC, como se observará
no curso dos demais capítulos.

61
62
CAPÍTULO 2
As Origens Históricas do Estado Congolês

Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a
fazem sob circunstâncias de sua escolha, e sim, sob aquelas com que se
defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. (MARX, Karl. O
18 de Brumário de Luís Bonaparte, parte 1)

As enormes riquezas do país não serviram para suprir as necessidades básicas


de sua população, mas para enriquecer os governantes do país e seus aliados
políticos externos e parceiros de negócios (NZONGOLA-NTALAJA, 2003:2.
Tradução minha).

Antes de abordar a relação entre guerra e o processo de construção do


Estado na República Democrática do Congo, importa compreender sobre quais
condições a história pós-colonial do país foi traçada.
O Congo ascendeu à sua independência como uma das economias mais
pujantes da África, sobretudo devido ao crescimento industrial que a colônia
belga experimentou desde a Segunda Guerra Mundial, quando consolidou seu
caráter de importante fonte de matérias-primas para, primeiro, a máquina de
guerra e, depois, a reconstrução das economias centrais. Todavia, a despeito
desse fato, o contato com as potências europeias antes da obtenção da soberania
como Estado nacional trouxe consequências centralmente nocivas. Pode-se
destacar duas principais: (i) a exploração econômica excessiva combinada com
práticas cruéis de relacionamento com a população e a força de trabalho e (ii) o
favorecimento do fracionalismo político na tentativa de conter a emergência de
qualquer movimento ou grupo que pudesse questionar a sua dominação. Este
último ponto era beneficiado pela própria ação de grupos locais que se inseriam
espontaneamente na rede de clientela com vistas a obter vantagens frente a
concorrentes.
Essa política está diretamente relacionada com a facilidade com que o
colonizador obteve a dominação do amplo território congolês e com as
posteriores dificuldades no processo de construção do Estado no período pós-
independência, no que diz respeito à acomodação polítca e social no novo Estado
e à construção de um projeto de nação minimamente abrangente que fosse
alternativo às relações do neocolonialismo. Este capítulo tenta compreender tal
processo buscando trazer subsídios para se pensar como o tipo de relação
histórica entre europeus e africanos habitantes da região do Congo pode ter
gerado um pano de fundo de constrangimentos econômicos, sociais e políticos a
partir do qual a relação entre guerra e construção do Estado irá se desenvolver.
O capítulo se divide em três seções cronologicamente separadas. A
primeira apresenta as principais unidades políticas do Congo pré-colonial e
discute por que houve relativa facilidade para a posterior ocupação do território
por parte dos colonizadores europeus. O argumento é que, para além de certo

63
oportunismo histórico, as relações entre europeus e africanos naquela época
contribuíram para o enfraquecimento das unidades políticas locais e para a
facilidade na posterior ocupação colonial. A segunda seção aborda as
articulações do Rei Leolpoldo II, da Bélgica, para controlar e explorar
economicamente a região da Bacia do Rio do Congo, o que resultou em sua
tutela sobre o Estado Independente do Congo. Em seguida, trata-se sobre as
implicações da passagem do domínio de Leopoldo a uma colônia belga –
mormente no que diz respeito ao sistema de exploração econômica, controle
social e instrumentalização das rivalidades entre grupos locais.

2.1 O Congo Pré-Colonial


Cumpre inicialmente desconstruir a noção de que o problema do contato
entre os povos europeus e as populações nativas africanas tem caráter ontológico.
Ou seja, que, por si só, o contato deveria ter sido evitado, que os povos africanos,
nesse caso os nativos da África Central, teriam melhor futuro se conservados
isolados, mantendo suas dinâmicas próprias e essências. Essa posição peca pelo
ahistoricismo e por não reconhecer que a própria dinâmica interna do continente
africano foi marcada por grandes fluxos migratórios que estabeleciam alterações
significativas nos pradrões históricos de interação econômica, política e social
entre diferentes grupos. A presença árabe-mulçumana na África Ocidental e as
migrações de povos Bantu em direção ao sul da África são exemplos dessa
realidade, demonstrando o fato de que os povos africanos não são imaculados –
caracterizam-se pelo contato, pela mutação e miscigenação histórica.
O problema, então, não está no contato e na mutação das sociedades,
mas sim no caráter desse contato, no contéudo ético que carrega. Nesse sentido, a
relação com os povos europeus teve caráter inédito. A introdução do continente
africano no sistema capitalista trouxe mudanças mais drásticas no modelo das
sociedades africanas por incorporá-las de forma vertiginosa nesse sistema,
enquadrando-as em sua periferia. Esse movimento foi marcado por um tipo de
exploração de recursos econômicos e sociais e de manipulação e fracionalismo
político de intensidade e escopo inéditos no continente.
Feita essa ressalva e focando-se mais especificamente no caso da atual
RDC, é relevante notar que o modelo de relacionamento entre a Europa e a
África, baseado na exploração econômica e no fracionalismo sociopolítico,
contribui já no período pré-colonial para a maior facilidade na posterior
ocupação colonial. Aliado a certo grau de acaso (que teria mais a ver com
timming histórico), estes elementos foram cruciais para facilitar a ocupação belga
no Congo. Trata-se mais especificamente de analisar os primeiros contatos entre
europeus e povos locais da região da atual RDC, mais especificamente o Reino
do Kongo.

A Formação das Unidades Políticas Pré-Coloniais e o Contato dos Europeus


com o Reino do Kongo
O território da atual RDC foi marcado, em seu período pré-colonial, pela
diversidade de número e de tipos de unidades políticas. Pode-se citar, como
64
exemplo, a presença de grupos de caçadores e coletores de pequena escala,
segmentados no nordeste do país (floresta de Ituri), chefias centralizadas na
região das savanas, comunidades comerciantes árabe-swahili no leste, além de
reinos e impérios amplos e poderosos na planície de Kasai e Katanga e na costa
Atlântica (Luba, Lunda e Kongo). Estas comunidades se diferenciaram em
termos de tamanho e escopo (de pequenas sociedades segmentárias na floresta
tropical até sistemas estatais da savana e da costa atlântica), nas formas pelas
quais o poder era distribuído (desde o poder baseado no clã e no chefe de aldeias,
até as complexas estruturas hierarquicas dos reinos) e pelo diferente impacto da
ocidentalização em seus sistemas sociais tradicionais (LEMARCHAND, 1993).
A primeira leva de povos do tronco linguístico Bantu, também chamado
de proto-Bantu, estabeleceu-se nas regiões de Bas-Congo e do rio Uele em 2.000
A.C., vindos de Benue, na atual Nigéria, encontrando-se com diferentes povos
que há mais de 80.000 anos habitavam a região. A partir de 1000 A.C., novas
levas mais significativas de povos Bantu chegaram gradual e renovadamente à
região da Bacia do Congo pelos próximos 1.500 anos em uma série de
migrações. As primeiras populações se estabeleceram nas regiões da floresta
tropical e nas savanas do sul, deslocando povos nativos, como os pigmeus, para
as pradarias do norte da floresta do Congo – entre os rios Ubangi e Uele
(GONDOLA, 2002:23). Em períodos posteriores, povos sudaneses de Darfur e
Kordofan chegaram ao Congo pelo norte e grupos Nilóticos pastores de rebanho
migraram do Leste africano pelo Vale do Nilo, estabelecendo-se na região dos
Grandes Lagos. A composição variada de povos e a sua miscigenação histórica
formaram o calendoscópio de culturas, línguas, crenças e grupos no território da
atual RDC.
O grupo Bantu foi o que mais contribuiu para a composição linguística e
cultural do território. Inclui-se aí o desenvolvimento da metalurgia do ferro e a
sua utilização na agricultura, o que incentivou o crescimento produtivo e
demográfico. Baseadas no domínio dessas técnicas, surgiram, a partir do
primeiro milênio D.C., entidades políticas mais centralizadas, como reinos e
impérios.40 Entre elas, pode-se citar o Reino do Kongo.
O Reino do Kongo “foi um dos mais sofisticados e conhecidos reinos da
África Central” (GONDOLA, 2002:26. Tradução minha). Emergiu em
aproximadamente 1300, originário da chefia vungu (VANSINA, 2010:650) e foi
fundado por Nimi-a-Lukenie, conhecido como Mani Kongo (rei) Ntinu Wene.
Desde essa época, já se tornava o maior Estado pré-colonial na África Equatorial,
construído tanto por alianças (como a com o rei da região de Mbata) como por

40
Os reinos e impérios eram criados acima da estrutura de chefia, que continuavam a existir em geral
como províncias (GONDOLA, 2002:15). As chefias eram formadas por diversas aldeias, com homem
mais velho e seu clã estando na posição de liderança. Os reinos se diferenciavam da chefia pela maior
amplitude territoral e centralização política. Eram formados por uma cadeia de círculos concêntricos de
poder que irradiavam desde a capital e, mediante representantes do poder central (hierarquia administrativa
composta de chefes provinciais e líderes de clãs), davam coesão política e militar aos territórios do reino.
Além disso, ao contrário do que um olhar apressado sobre o continente africano poderia sugerir, reinos e
impérios pré-coloniais eram projetos complexos que transgrediam a identidade étnica: “mais do que
homogeneidade étnica, foi a diversidade étnica que possibilitou as dinâmicas demográficas e culturais que
ajudaram algumas chefias se expandir em verdadeiros reinos" (GONDOLA, 2002:15. Tradução minha).
65
conquistas. Em seu ápice político (nos século XV e XVI), abarcou diferentes
etnias, como os povos Kongo, Mbundu e Besi-Ngome – que habitavam
territórios hoje pertencentes à RDC, Congo-Brazzaville e Angola. Localizava-se
ao sul do rio do Congo e a oeste do rio Kasai, região privilegiada por dispor de
solo fértil, recursos minerais e água abundantes, além de diversificada flora e
fauna. O reino ocupou uma extensão de mais de 200 mil Km2 e incluía, já no
século XV, pelo menos 3 milhões de pessoas dispersas em seis províncias
principais: Mpemba, Soyo, Mbata, Nsundi, Mpangu e Mbemba. Sua região
cultural era mais ampla que esta e sua influência chegava a reinos vizinhos
vassalos (Loango, Ngoyo, Kakongo, Ndongo e Matamba). A língua principal
falada era o Kikongo, que apresentava muitas variações e dialetos.

Mapa 2 – Congo Pré-colonial: Principais reinos

Contava com instituições políticas fortes e centralizadas (VANSINA,


2010:653). Sua base era formada por aldeias compostas por famílias/clãs de
estrutura matriarcal (kanda), organizadas nas províncias governadas por oficiais
apontados pelo rei, com exceção da destacada província de Mbata.41 O rei (Mani

41
O governador possuía poderes administrativos (manter governo e infraestrutura), fiscais (arrecadação de
tributos, em parte remetidos ao rei em espécie ou na moeda local, as conchas olivas, chamadas nzimbu,
obtidas na Ilha de Luanda), judiciários (provinha uma corte de apelação para a população) e militares
(comandava os exércitos provinciais, reunido em caso de guerra, e a guarda real, força armada
permanente).
66
Kongo) governava desde Mbanza Kongo Dia Ntotila (capital localizada em uma
região estratégica a 2.000 metros acima do nível do mar e posteriormente
chamada São Salvador) e era eleito e auxiliado por um conselho de anciões de
kandas da aristocracia (provavelmente 12, com diferentes atribuições) – os quais
acabaram perdendo parte de sua influência com a posterior aproximação de
portugueses junto ao rei (GONDOLA, 2002:28). A nobreza não tinha cargos
hereditários, “a cada geração, sua hierarquia era redefinida em relação aos novos
reis” (VANSINA, 2010:653). Ademais, assim como em outros reinos pré-
coloniais africanos o rei era também um líder espiritual, que vinculava dois
mundos (espiritual e material) – partes constituintes de um mesmo universo
harmônico. Esta era uma das partes representantes do princípio comum da dádiva
e do tributo e que também diferenciava os reinos das chefias.
Em âmbito econômico, havia a divisão entre cidades (mbanza) e aldeias
(lubata) – sendo as primeiras as mais produtivas – e entre o trabalho de homens e
mulheres.42 O comércio estrangeiro era feito pelos portos de Sonyo e Pinda – por
onde eram exportados marfim, cobre, tecidos de ráfia, cerâmicas e,
posteriormente, escravos em grande quantidade.
Paradoxalmente, o primeiro contato de Europeus com o Kongo, trouxe a
este reino expectativas de fortalecimento da capacidade do Estado. Isso, de fato
ocorreu por certo período, mas acabou tornando-se elemento que instigou
disputas políticas e religiosas (elementos do fundamentalismo cristão) e acabou
por desestruturar o reino socialmente e instigar a reprodução de guerras devido à
intensificação do tráfico de escravos. Ressalta-se que o fracionalismo interno
teve nos próprios kongoleses um dos seus principais agentes. Além disso, foram
coautores da própria expansão do comércio de escravos, a despeito das tentativas
de controle por parte do Mani Congo.
O primeiro contato ocorreu em 1482, quando o português Diogo Cão
chegou à embocadura do rio do Congo e estabeleceu contatos profícuos com o
Mani Kongo Nzinga a Nkumu. Este último, visando fortalecer a coesão do reino
e o seu prestígio, converteu-se com sua corte ao catolicismo – apesar de manter
elementos essenciais da religião tradicional. Batizado em 1491como Dom João I,
seu legado de marco inicial do contato amistoso com os Europeus e de
modificação das estruturas do reino distinguiu a história posterior do reino.
O reinado de seu sucessor, Afonso I (1506-1543), foi marcado, por um
lado, pelo estreitamento das relações diplomáticas e comerciais com Portugal 43 e

42
Os primeiros eram responsáveis por arboricultura e produção de roupas, utensílios e materiais de
construção; enquanto as mulheres cuidavam do produto agrícola das famílias.
43
Em âmbito diplomático, no reino do Mani Kongo Mvemba Nzinga Afonso houve o fortalecimento das
relações com Portugal e o Vaticano. As cartas trocadas entre o Rei Afonso I e o rei de Portugal são
“evidência da posição única do Kongo como o único estado da África Subsaariana pré-colonial a ter tido
relações políticas com a Europa” (GONDOLA, 2002:26. Tradução minha). Já os primeiros contatos
comerciais foram com a ilha de São Tomé e com comerciantes individuais que chegavam a Mbanza
Kongo. O comércio possibilitou a obtenção de armas, munição e tecidos. Em troca, os portugueses
buscavam tecido de palma, peles, mel, cobre, marfim e, sobretudo, escravos para abastecer as plantations
de suas colônias em São Tomé e Brasil.
67
pelo estabelecimento do catolicismo como religião de Estado 44, além do ingresso
de missionários. Por outro lado, os vínculos comerciais e a entrada de armas de
fogo inseriram o Kongo no sistema de tráfico internacional de escravos e na
exploração mais intensiva do seu trabalho.45 Os resultados nocivos dessas
mudanças no âmbito da sociedade, foram percebidos por Afonso, que buscou
controlar a forma e a intensidade desse comércio – o que não eliminou, contudo,
o tráfico paralelo. Além disso, a progressiva institucionalização do culto católico,
aliada ao fluxo cada vez maior de missionários de diferentes ordens, resultou em
disputas de poder dentro da religião e no consequente fracionamento da
sociedade em diferentes grupos religiosos.46 Por fim, viam-se também mudanças
nos estamentos sociais47 e disputas cada vez mais intensas entre grupos políticos
que disputavam a sucessão do reino – elemento básico para consagrar linhagens
de nobres.48
Essas disputas já se fizeram mais presentes na ocasião da morte de
Afonso I em 1545 e na sucessão de Rei Diogo I, que governou entre 1545 e
1561. Tomaram contornos mais dramáticos com a ascensão de conflitos armados
que envolveram grupos internos e externos. O reinado de Álvaro I (1566-1587)
presenciou em 1568 invasões de guerreiros Imbangala, ou Jaga (sinônimo de
bárbaros) e teve de apelar para o auxilio do rei de Portugal. Para além da
ocidentalização que já se operava no reino49, o governo de Álvaro I teve de fazer
concessões a Portugal que levaram à perda da província de Luanda (agora

44
O estabelecimento do catolicismo como religião de estado ocorreu sob a direção de Afonso I, Kinu
Mvemba Dom Henrique. Este se tornou bispo pelo Papa Leo X, sendo o primeiro bispo africano da Igreja
Católica.
45
A entrada de armas de fogo na sociedade do Kongo se tornou um incentivo à busca de escravos com o
intuito de obter rendimentos com o comércio. Se a escravidão já existia no Kongo muito antes da chegada
dos portugueses, o avanço da caçada e comércio de homens passou a perverter as bases das relações
sociais. Isso acabou por transformar toda a estrutura do reino do Kongo, na medida em que se tornou um
armazém do comércio internacional de escravos, enquanto anteriormente a escravidão era em geral
baseada em cativos de guerra que podiam, junto a seus filhos, adquirir importante status mesmo nessa
posição, tornando-se parte das kanda e podendo se tornar assessores de importantes aristocratas
(HERNANDEZ, 2008:37). A intensidade do comércio era considerável: no estabelecimento da economia
açucareira no Brasil, mais entre 1 e 5 mil escravos eram exportados anualmente do Kongo (GONDOLA,
2002:32; HERNANDEZ, 2008:49). Além disso, uma forma muito mais cruel e exploratória de uso de
escravos também foi implantada em fazendas de missionários católicos – que se baseavam na produção
agrícola e pecuária com o uso extensivo e violento de escravos.
46
Acabou dividindo-se em grupos religiosos, tais como franciscanos, jesuítas, dominicanos e carmelitas.
Além disso, a adoção da religião cristã ante a religião tradicional dividia a sociedade kongolesa entre os
modernistas (abolicionistas do culto tradicional), tradicionalistas (que não aceitavam o processo de
cristianização) e sincréticos (que percebiam a importância da miscigenação de crenças como forma de
sobrevivência da antiga cultura). Em suma: “Os líderes do Kongo tentaram sem sucesso utilizar o
cristianismo com uma ferramenta de unificação, tornando-se vítimas do seu divisionismo, que foi
complementado por pressões externas e internas” (GONDOLA, 2002:34).
47
"A diferença entre nobreza e os plebeus acentuara-se, à medida que a nobreza se tornava letrada e cristã,
além de tomar parte no tráfico de escravos" (VANSINA, 2010:658).
48
Essas rivalidades eram caracterizadas pela disputa para a sucessão do governo do reino por casas reais
inimigas que representavam grupos de diferentes províncias e de diferentes posições políticas em relação à
maior liberalização do comércio de escravos em favor dos mercadores portugueses (grupos do litoral eram,
em geral, mais favoráveis ao comércio de escravos).
49
Álvaro I trabalhou duro para ocidentalizar o reino, dando nomes ocidentais para os títulos da nobreza
kongolesa, mudando o nome de Mbanza Kongo para São Salvador e lutando pelo estabelecimento de uma
diocese kongolesa, que acabou incluindo a colônia portuguesa de Angola, o que dava ao rei de Portugal o
direito de nomear bispos (em geral alinhados aos interesses europeus).
68
Colônia de Angola) e da Ilha de Luanda, que era então fonte de conchas nzimbu,
a moeda do reino.
A criação da colônia de Angola também trouxe desafios para a
segurança do Reino, que teve seu território invadido sucessivamente pelo
governador da colônia, João Correia de Souza. As primeiras invasões foram
repelidas por Pedro II, que se tornou rei do Congo e retaliou as ofensivas com
uma aliança com os holandeses e a invasão de Luanda, concretizada em 1641, no
reino de Garcia II. Os portugueses revidaram a ofensiva com a captura dos
territórios do reino vizinho, Ndongo, em 1646 e, com reforços do Brasil, a
recaptura de Luanda e parte da colônia de Angola em 1648. O governo do Kongo
nada perdeu, senão, novamente, o controle da Ilha de Lunda, fonte de sua moeda
que logo foi trocada para tecido de ráfia.
Os anos entre 1641 e 1661 foram os últimos realmente efetivos da
monarquia kongolesa. As tensões com Portugal se intensificaram novamente
durante o governo de António I (1661-1665), quando ambos os governos
buscavam garantir sua influência no território de Mbwila, região vassala do reino
do Kongo, mas que havia firmado um acordo alternativo de vassalagem com o
governo português em 1619. A disputa levou a uma guerra cruenta e a derrota
dos 100 mil guerreiros kongoleses foi agravada pelos conflitos de sucessão com a
morte do rei.50
O conflito com Portugal trouxe o agravamento de uma crise de Estado
fundamentada nas instabilidades sociais geradas pelo trafico de escravos e pelo
fracionalismo religioso, além das disputas políticas entre diferentes famílias –
baseadas em fragilidades de um sistema político cuja instabilidade repousava
sobre a renovação constante da nobreza de acordo com o rei empossado e a
ausência de regras definidas para a sucessão (FERRONHA, 1992:14).
O século XVIII foi caracterizado pela dissolução da unidade do reino,
com a separação de importantes províncias como Mbamba, Mbata, Mpemba e
Soyo. Populações que fugiam dos conflitos, além das tropas derrotadas,
acabavam sendo capturadas e exportadas como escravos. Tentativas mais
ousadas de reintegração do Reino do Kongo, tal qual o milenarismo sincrético e
protonacionalista de Dona Beatriz Kimpa Vita (antonionismo), também não
obtiveram sucesso, falhando em prevenir a guerra civil entre diferentes
províncias. O século XIX foi marcado pela decadência do reino e de sua capital,
elemento que facilitou a divisão do seu antigo território entre franceses, belgas e
portugueses, nas décadas finais desse século.

50
Na ocasião, a sinalização de uma aliança entre Kongo e Espanha preocupou Portugal que avançou seu
interesse para a região. Em 1665 ambos os lados invadiram Mbwila, confrontando-se em Ulanga. A vitória
de Portugal na cruenta batalha de Mbwila em outubro de 1665, foi o primeiro sucesso contra o reino do
Kongo desde 1622. Na guerra, António foi morto junto com dois terços da elite do Reino. A sucessão do
trono do Kongo continuou sendo marcada por conflitos entre diferentes dinastias (principalmente entre
Kinlaza e Kimpanzu) e províncias, o que levou à destruição da cidade de São Salvador em 1678 e acabou
marcando a história subsequente do reino.
69
As Dinâmicas de Outras Unidades Políticas Pré-Coloniais e o Contato Tardio
com Europeus
Outro elemento facilitador da posterior penetração belga no território
congolês foi a própria dinâmica histórica de alguns povos da região, em parte por
não se fortalecerem suficientemente como unidades políticas, em parte pelo fato
de seu fortalecimento ter ocorrido em um momento anterior à penetração
europeia, que ocorreu quando já estavam em declínio.
No primeiro caso, importa se referir aos povos do Congo que não
chegaram a se estabelecer sob a forma de reinos mais centralizados. Trata-se,
sobretudo, dos habitantes da região norte do país, no coração da floresta. Esta
região é coberta por uma floresta tropical de grandes dimensões e caracterizada
por uma densa rede hidrográfica, mas nem por isso é impenetrável. Diversos
povos habitam a localidade há mais de quatro mil anos e interagem e se
comunicam nesse ambiente.51 Mesmo antes da penetração dos povos Bantu, a
região já era ocupada por uma diversidade de grupos caçadores e coletores que se
organizavam em pequenas comunidades nômades – parte das quais foi
posteriormente chamada de Pigmeus (GONDOLA, 2002:41). A chegada dos
povos Bantu trouxe transformações importantes, como o estabelecimento da
agricultura em áreas abertas da floresta e da savana. Parte dos povos coletores e
caçadores mantiveram-se habitando o interior da floresta e interagiam com os
Bantu para trocas comerciais - o que também resultou em trocas culturais e na
adoção de línguas Bantu por parte de Pigmeus, a despeito de ter havido rara
miscigenação entre os dois grupos.
Nos séculos XVII e XVIII, novos povos chegaram à região dos rios
Ubangi e Uele (norte da atual RDC). Desta vez eram agricultores sudaneses
vindos de Darfur e Kordofan. Esses grupos tomaram posse de terras na floresta,
impuseram sua organização às aldeias Bantu e adotaram elementos culturais
locais. Resultaram nos grupos atuais Zande, Mangbetu, Ngbandi e Ngbaka. Suas
comunidades originárias eram estabelecidas no formato de aldeias baseadas em
famílias de estrutura patriarcal.52 A maior parte das aldeias se reunia em unidades
administrativas maiores para defesa contra agressores o que gerava um senso de
pertencimento comum, em geral baseado na etnicidade. No entanto, com
algumas efêmeras exceções (i.e. reino Mangbetu), essas comunidades não se
constituíram em reinos maiores capazes de sobrepor a identidade étnica e se
estruturar como unidades mais viáveis em longo-prazo.
No segundo caso (reinos que tiveram seu ciclo de ascensão e declínio
antes do contato mais próximo com europeus) destacam-se o Reino Luba e o
Império Lunda. As similaridades encontradas entre essas duas civilizações
sugerem que os povos podem ser estudados a partir de uma evolução conjunta.53

51
Em âmbito geral 450 grupos étnicos e aproximadamente 12 milhões de pessoas vivem nas florestas da
África Equatorial, incluindo a porção da atual RDC.
52
Sua economia era baseada em um trabalho coletivo e cooperativo com vistas a facilitar a exploração dos
recursos da floresta, mediante a caça, a pesca e a coleta.
53
O sistema político muito semelhante desenvolvido por ambos os povos, mas originalmente pelos Luba,
afetou o desenvolvimento de uma ampla região da África Central, incluindo RDC, Angola e Zâmbia. A
sua expansão transformou antigas formas locais de organização política, baseada na estrutura de chefia.
70
Entre 520 e 845 o povo chamado posteriormente de Luba passou por um
processo de unificação a partir de uma transição gradual de sociedades
conhecidas como Upemba para a gênese do futuro reino Luba. Desde essa época
houve o desenvolvimento de tecnologias de manipulação metalúrgica do ferro e
do cobre, agregada a uma crescente diversificação da economia em torno da
pesca, da produção de óleo de palma e da agricultura. Contudo, somente no
século XVI as figuras legendárias Kongolo e Ilunga Kalala, foram dar vida ao
Reino Luba.54
A estrutura política do Reino Luba foi estabelecida em uma forma
durável de governo baseada no comando de um rei de legitimidade sagrada
(mulopwe) e no governo baseado no gabinete real (bulopwe) a partir de um
conselho (bamfumus) – modelo posteriormente adotado e expandido pelos
Lunda.55 Além disso, havia uma hierarquia de poder que estruturava um governo
relativamente indireto, comandado por chefes e nobres locais que atestavam
lealdade ao rei. A estrutura econômica do reino era baseada em grandes redes
comerciais que se estendiam da floresta congolesa e da região do cinturão do
cobre da atual Zâmbia até as costas atlântica e índica. Um sistema de tributos
(alimentos, caça e recursos minerais) garantia a riqueza da nobreza – que
também controlava o comércio de sal, cobre e ferro. Colaborava para isso a
posição de sua capital, situada no coração das grandes planícies ao norte da
depressão de Upemba (NZIEM, 2010:700).
Alguns autores chegam a afirmar que no auge da expansão do Reino
Luba aproximadamente um milhão de pessoas pagavam tributos ao seu rei. O
declínio do reino ocorreu, sobretudo, no século XIX quando foi alvo de intensos
ataques e invasões de guerreiros – sobretudo árabe-swahili em busca de escravos
e marfim (sempre tendo auxílio parcial de comerciantes internos) – e de disputas
pela sucessão do trono (RODRIGUES, 1990:119).
Por seu turno, o chamado Império Lunda teve sua formação posterior
ao do Reino Luba e baseou-se, primeiramente, no Estado Rund – cuja formação
ocorreu por volta de 1680 (NZIEM, 2010:696). Em fins do século XVI e início
do XVII os povos Luba direcionaram-se para o oeste e estabeleceram um novo
Estado no vale do rio Mbuji-Mayi, substituindo a unidade política Rund.
Emergia as bases do Império Lunda, fundadas pelo chefe Luba, Ilunga Tshibinda
(GONDOLA, 2002:xxi).56 A unidade política emergiu efetivamente como
Império Lunda no século XVII, tendo estrutura administrativa similar à do Reino
Luba. Expandiu-se para até 300 mil km2, desde o rio Kwango até além do rio
Luapula a leste e ao sul abarcando os atuais territórios nordeste de Angola e

54
O mito do pai fundador Kalala Ilunga, ou mwine Munza (mestre de Munza), envolvia a percepção de
que o novo rei possuía características divinas e que inaugurou uma era de prosperidade.
55
O governo era composto, complementarmente, por uma complexa burocracia, com cargos distribuídos
no comando militar e policial, jurídico, legislativo e religioso. Havia ainda um grupo de homens que
trabalhava mediante a tradição oral para manter a memória e a identidade Luba viva (Bambudye) -
incluindo a ancestralidade baseada em Kalala Ilunga e o culto de antigos reis que se tornavam deidades
ancestrais.
56
Segundo lendas locais, Tshibinda deixou o Reino Luba e casou-se com uma princesa do sul de Katanga,
chamada Rweej – organizando sua corte segundo o modelo Luba. Seu filho, Mwata Yamvo formou a
unidade política Lunda e a governou entre 1660 e 1665. Seu nome e título foram mantidos pelos
sucessores; um deles foi seu irmão, a quem é atribuída à verdadeira organização do Império.
71
noroeste da Zâmbia. Arregimentou uma população de aproximadamente 175 mil
pessoas, utilizando alianças políticas e casamentos como forma de expansão de
sua abrangência territorial. O instituto da sucessão garantia a estabilidade do
reino e das relações sociais. Tratava-se dos mecanismos de sucessão perpétua e
de parentesco posicional (LEMARCHAND, 1993).57 Esse sistema possibilitou a
assimilação de chefes estrangeiros ao sistema político Lunda e garantiu uma
maior expansão do Império. Sua tradição militar e guerreira e a utilização da
capital como um hub militar possibilitou, além de o estabelecimento de governos
despóticos, a centralização do governo e o maior comando e controle de suas
forças, favorecendo a expansão.
Para além das semelhanças das estruturas políticas entre os reinos Luba
e Lunda, incluindo símbolos políticos de origem e a noção da legitimidade divina
do rei, o primeiro nunca estabeleceu formas de sucessão perpétua e parentesco
posicional como o segundo. Todavia, o Reino Lunda acabou sendo vítima de
agressões de grupos que faziam parte do seu próprio Império. É o caso dos
Chokwe, que chegavam munidos de armas de fogo e acabaram construindo um
reino paralelo, desestabilizando o poderio Lunda. Ademais, a penetração de
mercadores de escravos tanto do oeste (europeus) quanto do leste (árabes) nos
reinos Luba e Lunda provocou a rivalidade entre seus distritos e chefias e a
fragmentação de sua base política (GONDOLA, 2002:39). De fato, a
intensificação do tráfico de escravos levou a uma desestruturação quase
generalizada das unidades políticas mais centralizadas ao longo do tempo.
Exceções a estas duas lógicas existentes no Congo pré-colonial, que
facilitaram à penetração colonizadora (unidades políticas pouco estruturadas e
reinos em declínio), foram os casos dos Reinos Yeke e Kuba. O primeiro
encontrava-se em ascensão quando da chegada dos colonizadores de origem
belga. O segundo era um reino secular, o único que realmente continuava bem
consolidado à época da chegada do colonizador no século XIX.
Consequentemente, apesar da resistência de diversos povos locais ao processo de
dominação e exploração belga, os reais enfrentamentos diretos que estes tiveram
de travar foram contra algumas poucas unidades políticas ainda bem
estruturadas, como os Yeke e os Kuba.
Todavia, no caso dos Yeke, este era um reino ainda muito recente
(duração de 1856 a 1891) e estava ainda em processo de ascensão na ocasião da
chegada dos expedicionários europeus58, que, contudo, tiveram de enfrentar a

57
O sucessor do rei herdava não apenas a corte e os seus títulos, mas o status pessoal do seu predecessor,
incluindo seu nome, sua mulher, suas crianças e dependentes. Esperava-se "que cada detentor de um cargo
– de um título, por exemplo – se transformasse em seu predecessor. [...] As devastações do tempo eram
negadas" (NZIEM, 2010:710).
58
Seu surgimento foi resultado da obtenção do trono da chefia Wasanga por parte de um Nyamwezi
(também conhecido como Yeke) da Tanzânia chamado Msiri (Mwenda Msiri Ngelengwa Shitambi) - que
havia derrotado inimigos do chefe, vindos do Reino Lunda. A partir daí Msiri conquistou tribos vizinhas e
transformou a chefia em um reino com capital em Bunkeya - expandindo-se a oeste no território de Mwata
Kazembe e a sudoeste, em um território de quase 500 mil km2. Em seu apogeu o reino controlou o
comércio que passava pela, ou partia da, África Central e ia em direção a uma das duas costas africanas.
Duas táticas favoreceram a sua ascensão e o domínio de regiões vizinhas: o acesso a armas de fogo (que
eram negociadas por cobre e marfim) e a utilização do casamento com esposas de chefias subordinadas e
estrangeiras como forma de efetivar e assegurar alianças e obter informações sobre reinos rivais.
72
resistência do seu rei Msiri59. Já no caso do Reino Kuba60, o seu isolamento do
comércio de escravos foi um fator de estabilidade, o que, contudo, não pôde
evitar incursões de grupos rivais que enfraqueceram o reino nas vésperas da
penetração colonial61. Todavia, com a chegada dos belgas, o rei aMbweeky
aMileng se opôs à subjugação de Leopoldo II e tornou-se um pilar de resistência
às forças coloniais. Outras resistências menos significativas foram as do Reino
Chokwe, resistindo à dominação belga até cerca de 1910 (HERNANDEZ,
2008:89); e aquela (menos coordenada) vista no leste congolês, por Tippu Tup e
seus agentes62.

2.2 O Congo de Leopoldo II (1885-1908)


Se entre os séculos XV e XIX o comércio intensivo de escravos
incentivou violentas disputas entre unidades políticas locais e auxiliou na
desestruturação da complexa organização destes reinos, a interferência do
elemento europeu ainda alcançaria seus momentos mais violentos. Em meados
do século XIX, o Rei Belga Leopoldo II procurava uma colônia para explorar.
Haja vista que seu pequeno e jovem país havia chegado tardiamente à corrida
colonial, o monarca estudou todos os meios imagináveis de se adquirir uma
colônia, desde a compra até a retomada de sociedades já libertas. Foi então que o
inimaginável o tocou. A escassez de poder da Bélgica poderia ser compensada
com a legitimação das pretensões coloniais a partir de uma causa nobre: os
direitos humanos (que, à época, já se traduziam em antiescravismo).63

59
O reino foi subjugado pela Expedição Stairs enviada pelo Rei Leopoldo II na ocasião da disputa com
Cecil Rhodes pelo domínio da rica região de Katanga. Msiri, que se recusava a ceder a soberania de seu
território para Leopoldo, foi morto na expedição de 400 tropas de Capitão W. G. Stairs e o seu reino foi
reduzido a uma chefia com território de 20 km2 sob a liderança de Kukanda-Bantu (um dos filhos de
Msiri).
60
Em 500 D.C., os povos Kuba foram unificados sob a liderança do rei mítico Woot – ancestral
considerado o primeiro humano e criador das civilizações. O reino Kuba passou a se organizar
gradualmente como um conglomerado de diversos grupos que falavam Bushongo, entre eles, Kete, Coofa,
Mbeengi e Pigmeus Cwa. Entre 1600 e 1630 o Nyimi (rei) Shyam a Mbul a Ngwoong reorganizou o reino
Kuba, introduzindo culturas do Novo Mundo, como milho, tabaco, mandioca e feijão, além de tecelagem
de ráfia, e técnicas artísticas sofisticadas de escultura de madeira. O Reino englobava etnias diferentes
como Kuba, Kete e Mongo. A Federação Kuba tornou-se uma unidade política que reunia diversos estados
Bantu descentralizados (Luba, Leele, Wongo, etc.) chegando a abarcar aproximadamente 100.000 km2 de
extensão e uma população de 150.000 habitantes. O Estado era governado por uma aristocracia, composta
por um rei chamado Nyimi – responsivo a um conselho composto por representantes de diferentes elites
locais que formavam o reino.
61
A isolação da capital Nsheng, no sudeste do Congo, possibilitou manter-se afastada das incursões de
mercadores de escravos europeus e árabes. Todavia, com em fins do século XIX, o reino foi invadido por
grupos Nsapo - o que acabou por fragilizar a sua estrutura, fragmentando-se parcialmente em chefias,
justamente no momento da penetração colonial.
62
Na época da chegada dos expedicionários europeus, o swahili mercador de marfim Mohamed bin
Ahmid, chamado de Tippu Tib, inimigo dos Lunda do Kazembe, se estabeleceu a oeste do lago Tanganika.
Possuía uma legião de homens bem armados e fazia tratados com chefes locais (política de casamentos de
seus parentes), assumindo na prática o controle de toda de uma vasta região do leste congolês. A despeito
de ter estabelecido acordos com Stanley, não escapou de travar choques armados com as tropas de
Leopoldo, o que acabou por desestabilizar os seus domínios (RODRIGUES, 1990:152-3).
63
Na realidade, tratava-se da composição de um discurso humanitário, científico e liberal (a libertação dos
povos africanos do escravismo, o progresso da ciência e o estabelecimento de redes amplas de livre-
comércio para todos os países). Dentre os três elementos, talvez o discurso humanitário seja o mais difícil
73
Assim, o rei belga cooptou para a sua causa o famoso expedicionário
galês (que se dizia norte-americano) Henry Morton Stanley64 e convenceu
empresários, cientistas e políticos europeus da nobreza de seus princípios. Com a
sua diplomacia pessoal e os meios de pagamento da corte belga, Leopoldo II
criou a Association internationale africaine (AIA) em 1876 e o Comité d’etudes
du Haut-Congo em 1878 – renomeado Associação Internacional do Congo (AIC)
em 1879. Essas associações foram fundamentais para que se convencesse que os
interesses reais eram puramente altruísticos.65 Outra articulação importante foi a
utilização de uma nova expedição de Stanley para conseguir em solo africano
documentos de chefes locais que firmavam a passagem de territórios “não
ocupados” para a AIC.66 Além dessa “legitimação” dada pelo povo local,
amarras diplomáticas com as principais potências da época possibilitaram que
Leopoldo obtivesse em fins de 1884 e início de 1885 o reconhecimento da AIC
por todos os países representados na Conferência de Berlim (exceto Turquia) e
garantisse nessa conferência que as terras nas proximidades da embocadura do
rio do Congo fossem divididas entre AIC (na prática, Leopoldo II), França e
Portugal.67 Ademais, acordos bilaterais concomitantes possibilitaram a criação,
paralelamente à conferência, do Estado Independente do Congo (État

de ser percebido como comovente aos olhos dos brancos “civilizados” da época. Entretanto, pode-se dizer
que na segunda metade do século XIX os relatos de diversos exploradores (como Livingstone e Stanley)
sobre traficantes árabes a conduzir melancólicas caravanas de escravos acorrentados até a costa leste
africana já tocavam os europeus (HOCHSCHILD, 1999). Obviamente, essa posição tinha raízes nem tanto
na empatia para com os nativos africanos quanto em um embate civilizatório remoto: na rivalidade
histórica entre ocidentais e árabes, ou mesmo entre cristãos e mulçumanos.
64
Stanley marcaria toda a história do século XIX, sendo o primeiro desbravador que conseguiu completar
a viagem de Zanzibar até a garganta do rio do Congo e seguir o curso do rio até o litoral atlântico (entre
1874 e 1877). Além da fama, seu objetivo tácito era de reclamar a bacia do Congo para a Grã-Bretanha.
Entretanto, com o reduzido interesse da coroa em seu projeto (devido a dificuldades na administração das
colônias e às barreiras naturais para se adentrar no território congolês), Leopoldo II da Bélgica tratou de
cooptá-lo para sua própria equipe.
65
Segundo Hochschild, Leopoldo, “se quisesse se apoderar de alguma coisa da África, teria de convencer
todos de que seus interesses eram puramente altruísticos. Isso, graças à Associação Internacional Africana,
ele conseguiu brilhantemente. O visconde de Lesseps, entre outros, declarou que ‘os planos de Leopoldo
eram o maior trabalho humanitário da época’” (HOCHSCHILD, 1999:56)
66
Em 1879 uma nova expedição de Stanley na África conseguiu diversos territórios “não ocupados” de
chefes locais africanos – que os passavam para a AIC a partir da marca de seu polegar. Stanley ganhou o
apelido de Bula Matari, o “destruidor de pedras” – tanto por seu temperamento explosivo quanto pela
utilização de dinamites para abrir caminho frente às pedras ao longo do rio do Congo e nos montes de
Cristal. Nessa mesma viagem, Stanley estabeleceu administrações e estações ao longo do rio –
permanecendo na região até junho de 1884. Tratava-se de construir por terra o que Leopoldo estava
articulando na Europa.
67
Leopoldo conseguiu tecer alianças importantes. Os EUA passaram a apoiar sua empreitada como um
empreendimento humanitário. Além disso, a promessa de livre-comércio e a possibilidade (sustentada por
alguns sulistas) de enviar afro-americanos de volta ao continente original fizeram com que o país fosse o
primeiro a reconhecer as reivindicações da AIC pelo Congo e o EIC como um Estado de fato. A França
tinha interesses mais profundos na região (seu explorador oficial Pierre Savorgnan de Brazza havia fincado
o pé ao norte do rio do Congo), entretanto sua crença na incompetência de Leopoldo fez com que
apoiassem sua empreitada em troca de uma preferência de venda caso o projeto falisse. A Alemanha tinha
pouca paciência com as pretensões grandiosas de Leopoldo, mas acabou deixando-se levar pelo carisma de
Stanley. Por fim, a Grã-Bretanha acreditava que o protecionismo Belga acabaria com o livre-comércio,
mas as ameaças feitas por Leopoldo, de que venderia o Congo para França caso não obtivesse todo o
território que queria, acabaram convencendo os britânicos a apoiar a causa leopoldiana.
74
Indépendant du Congo) – que, apesar do nome politicamente correto, não
passava na prática de uma colônia sob a tutela de Leopoldo (presidente da AIC).
Vencida a batalha frente aos europeus, Leopoldo voltou-se aos africanos
certificando a ocupação de seus domínios e estabelecendo um sistema de
exploração extensiva dos recursos da região (mormente, marfim e borracha)
mediante o trabalho escravo, a brutalidade, a tortura e o massacre de africanos.

Exploração externa e privada de recursos congoleses


O sistema de exploração econômica dos recursos congoleses iniciada no
regime de Leopoldo II da Bélgica deixou marcas profundas para a história
posterior do país, sobretudo na construção da esfera extrativa do Estado e em um
modelo de desenvolvimento voltado para fora, em que a maior parte dos
congoleses não viu distribuídas as riquezas públicas. “Leopoldo tinha o Congo,
assim como Rockefeller tinha a Standard Oil” (HOCHSCHILD, 1999:20), era
como uma empresa privada. Entretanto, a posse do território 80 vezes maior que
a Bélgica envolvia grandes investimentos.
A economia do EIC era controlada pela família real e algumas
corporações belgas poderosas – incluindo a Société générale de Belgique (SGB)
e o banco Baron Empain. Para assegurar seu apoio internacional, Leopoldo
garantiu a inserção da burguesia de outros países imperialistas às riquezas
congolesas – sobretudo, borracha e marfim. Todavia, as “terras desocupadas” –
que, após passarem à propriedade do Estado, eram arrendadas a companhias
privadas por meio de concessões especiais – continuavam sobre o controle do
Estado, devido à obrigatoriedade deste possuir 50% de todos os ativos privados
no país.68
A primeira forma de explorar as forças produtivas do Congo foi a
acumulação primitiva. Com apoio de agentes italianos, escandinavos, entre
outros, o rei usou a tortura, o assassinato e outros métodos desumanos para
compelir os congoleses a abandonarem o seu modo de vida e produzir o que o
Estado colonial necessitava69. O hábil mecanismo de cessão de terras vagas ao
Estado possibilitou a extração “legal” em larga escala da borracha e do marfim
congoleses.
O produto que inicialmente mais atraía Leopoldo no Congo era o
marfim. O artigo já estava sendo amplamente comercializado entre Europa e
Zanzibar e servia, no século XIX, com uma versão mais rara e cara do atual
plástico. Era transformado em cabos de faca, tacos de bilhar, pentes, leques,
porta-guardanapos, teclas de piano e órgão, peças de xadrez, crucifixos, caixas de
rapé, broches, estatuetas e dentaduras. Havia também a vantagem de ser um
produto exótico – o que incentiva fortemente o seu consumo na Europa da época.
A coleta do marfim era a prioridade para Leopoldo. Funcionários do EIC

68
Ademais, a despeito da defesa retórica do livre-comércio, que seduziu os países europeus aos interesses
de Leopoldo, soldados e funcionários fechavam o rio para qualquer comércio que não tivesse participação
do rei. Havia também estabelecimento de impostos para importações.
69
Com o problema da malária, os jovens belgas não eram suficientes para administrar a gigantesca rede de
estações ribeirinhas. Destarte, Leopoldo apelou para jovens de outras partes da Europa, incentivados por
um lucrativo sistema de comissões para a aquisição de marfim.
75
vasculhavam a região, matando elefantes ou comprando (mesmo, confiscando) as
presas dos aldeões por uma mixaria.70
Por seu turno, a invenção do pneu de borracha inflável por John B.
Dunlop em 1887-88 resultou na produção em massa de bicicletas e na viabilidade
do carro motorizado. Além disso, com algum tempo foi-se percebendo o valor da
impermeabilidade e da maleabilidade da borracha – resultando na fabricação de
capas de chuva, botas de borracha, mangueiras, equipamentos de vedação e, mais
importante, isolantes de borracha para vedação de fiação de telégrafos, telefones
e eletricidade. Estas descobertas fizeram com que o preço da borracha
aumentasse acentuadamente em fins do século XIX.
Antes que a América Latina e a Ásia despontassem como grandes
produtoras da borracha cultivada (tipo que demanda espera para a maturação), o
Congo pôde explorar do seu grande potencial de borracha nativa. Além de
manter a coleta do marfim e iniciar a prospecção de plantação da borracha
cultivada, Leopoldo passou a exigir grandes quantidades de borracha nativa, pois
sabia que seu preço cairia assim que a borracha cultivada de seus concorrentes
começasse a ser comercializada. Nesse meio tempo (duas décadas), o Congo
pode experimentar o boom da borracha nativa.71
Tanto na produção quanto no comércio de marfim e de borracha,
algumas poucas companhias internacionais estavam envolvidas na empreitada –
com concessão para explorar recursos naturais e humanos (além de ter direito a
mercenários próprios, os chamados sentinelas). No comércio da borracha, as
principais companhias eram a Anglo-Belgian India-Rubber Company (ABIR) e a
Compagnie du Kasaï. Usavam a força extrema para maximizar a produção –
inclusive com a prática do chicotte (utilizado em casos de punição a
desobediência ou não cumprimento de tarefas ou cotas).

O trabalho forçado e o massacre de africanos


Desde o início da exploração da colônia, Leopoldo se valeu do trabalho
forçado para a construção de infraestrutura e o estabelecimento da segurança –
fundamentais para que houvesse exploração econômica. A principal obra de
Leopoldo foi a construção da ferrovia de bitola estreita que ia de Matadi a
Stanley Pool, ao longo das grandes quedas do rio do Congo. Era um dos projetos
mais difíceis de todos os tempos, devido à irregularidade do terreno, que resultou
na morte de, no mínimo, 1800 operários dos 60 mil empregados na obra
(incluindo trabalhadores da África Ocidental, Barbados e China), para que
fossem construídos apenas 388 Km.

70
Estes agentes recebiam 6% do valor do marfim que fosse comprado dos nativos a oito francos o quilo,
ou ganhavam 10% daqueles comprados por quatro francos. Havia, pois, incentivos financeiros para que
pressionassem os nativos a aceitar preços baixíssimos (HOCHSCHILD, 1999). Na realidade, quando
recebiam, os nativos eram recompensados em espécie, por uma infinidade de quinquilharias.
71
A exploração foi intensa, as companhias privadas eram incentivadas com compensações pela quantidade
que entregavam. Entre 1890 e 1904, os lucros auferidos pela borracha cresceram 9600% e “o Congo se
tornou a colônia mais lucrativa da África” (HOCHSCHILD, 1999:171). Sem custos de cultivo, a borracha
nativa era extraída da seringueira por africanos cooptados para o trabalho forçado. Em 1906, eram quase
47 mil coletores que compunham um exército de escravos.
76
Até a obra ser finalizada, os carregadores de mercadorias eram os que
mais sofriam. Eram necessários aproximadamente 50 mil trabalhadores por ano
para realizar a tarefa de carregadores na caminhada de 3 semanas entre Matadi e
Stanley Pool. Tinham de enfrentar a pé, e muitas vezes acorrentados, o íngreme
caminho, carregando pertences pessoais dos brancos, suprimentos gerais,
materiais para a construção da ferrovia e das estações que eram estabelecidas ao
longo do rio e embarcações quase inteiras para serem utilizadas na bacia do
Congo a partir de Stanley Pool.72
No que tange à escravidão na Force Publique, cumpre informar que essa
força mercenária, que chegou a ter mais de 19 mil homens, era composta, no
âmbito dos soldados rasos, por jovens negros, em geral recrutados à força. Esses
praças eram tratados feito animais, raramente recebiam seus salários e eram
chicoteados e caçados pelo menor delito – situação que gerou diversos motins e
rebeliões internas à organização.73
A coleta de marfim era controlada com o expediente do chichotte e de
torturas variadas. Entretanto, as práticas mais temíveis e cruéis estavam
envolvidas com a exploração da borracha. Além do trabalho compulsório de
todos os nativos, havia cotas de exploração para cada aldeia. Quando a cota não
era atingida, os nativos eram punidos com o chicotte e a tortura. Outro incentivo
para a extração da borracha era o sequestro de mulheres, crianças, anciãos ou
chefes, que, além de serem violentados, só seriam devolvidos quando os homens
da aldeia extraíssem sua cota de borracha.74 A repressão mais desumana,
contudo, era adotada nos casos em que – ou pela escassez da borracha ou pelo
manifesto pela liberdade da aldeia – os nativos se recusavam a explorar o
recurso. Nesses casos, os agentes eram instruídos a matar todos os habitantes
para fazer com que as aldeias vizinhas entendessem o recado. Todavia, para
comprovar que as balas de seus rifles haviam sido utilizadas com a morte de
nativos – evitando desperdícios com caça ou roubo para algum motim – os
agentes tinham de amputar a mão direita de cada nativo assassinado e apresentá-
las para o fiscal superior. Expedições punitivas, por vezes, dizimavam aldeias
inteiras que se opunham ao trabalho escravo. O problema é que, quando as balas
eram utilizadas para outros expedientes, mãos direitas eram cortadas
aleatoriamente para justificar o desperdício de munição. Como resultado, além de
diversos nativos sem a mão direita vagarem pela colônia, depósitos de mãos
aguardavam ao ar livre pela fiscalização de funcionários empenhados.
O “terror da borracha” resultou em um dos casos mais graves de crimes
da história contra a humanidade, gerando variações de nomenclatura para a

72
Como agravante qualquer sinal de cansaço ou desobediência era retribuído com o chicotte, feito de
couro de hipopótamo seco ao sol e cortado em tiras compridas e afiadas em forma de saca-rolhas. Em
geral era aplicado nas nádegas nuas da vítima – a qual podia ficar inconsciente com 25 chibatas.
73
Ademais, crianças órfãs (pode-se crer que eram muitas) eram treinadas desde cedo em colônias isoladas
fundadas por missionários católicos (que, ao contrário dos protestantes, eram partidários do rei e do seu
regime). Estas crianças eram educadas pelo chicote e pelas correntes com o objetivo de abastecer a colônia
de soldados.
74
O temor pela punição levava à exploração descontrolada de borracha, o que significava que, em muitos
casos, a seringueira era cortada por completo, não havendo possibilidade de produção de novas seivas.
Como resultado, além da redução natural do estoque de borracha, a repressão levava a maior escassez do
produto.
77
borracha vermelha ou borracha sangrenta (GONDOLA, 2002:64). Vilas que se
negavam ou estavam sem condições de explorar a borracha eram completamente
dizimadas com estupros, torturas, mutilações e assassinatos. O procedimento
levou pelo menos 10 milhões de pessoas à morte– relacionadas a assassinatos, à
fome, à exaustão e à própria queda na taxa de natalidade.
A política de massacres em massa teve, além do ímpeto propriamente
irracional, a busca pelo poder como uma de suas explicações. A matança,
expressão máxima de poder sobre um povo, adquiriu um mecanismo reprodutivo
próprio. Tornou-se uma espécie de esporte viciante, como a caça é para alguns.

A “venda” do Estado Independente do Congo


Leopoldo conseguiu manter esse sistema cruel a distância por 23 anos,
sem ao menos colocar os seus pés no Congo. Os recursos do EIC serviram para
sustentar uma política grandiosa de obras públicas (construção de monumentos e
parques, e ampliação de palácios), melhorias urbanas na Bélgica e para as farras
do rei – que envolviam o sustento de sua prática de pedofilia e o pagamento de
mimos caríssimos para sua amante Carolina.
A utilização ampla de meios de pagamento (suborno e concessão de
participação na exploração) e de relações pessoais (lobbies e boa articulação do
monarca) e da manipulação da imprensa internacional a seu favor auxiliaram o
domínio do rei. Mas, mais do que isso, o que possibilitou a manutenção desse
sistema foi o próprio status quo, baseado no mito da inferioridade da raça negra:
por mais exploração e atrocidades que Leopoldo realizasse, ele não ia muito além
de seus companheiros europeus.75
Por outro lado, houve um grupo de homens, liderados por Edmund Dene
Morel e Roger Casement, junto à Congo Reform Association, que, indignados
com as práticas sustentadas por Leopoldo, compuseram o que pode ter sido o
primeiro grande movimento em defesa de direitos humanos em favor da África.
Entretanto, mesmo que marcados pela mentalidade de sua época, tinham uma
grande diferença em relação aos grupos de apoio aos direitos humanos que se
multiplicam freneticamente nos dias atuais. Se hoje estes grupos atuam frente a
resultados pontuais e muitas vezes desconexos de um contexto amplo (mulheres
violentadas, crianças abduzidas, homens presos), naquela época aqueles homens
buscavam as causas dos abusos (roubo da terra africana e um sistema opressivo
de trabalhos forçados).
Seus trabalhos incessantes possibilitaram o desmascaramento de
Leopoldo e levaram a pressões internas e externas que resultaram na perda de sua
colônia. Todavia, para os limites da mentalidade europeia e da política colonial
da época, a única solução possível e aceitável era a de o Congo se tornar uma
colônia Belga. Foi exatamente o que ocorreu em 1908, quando Leopoldo vendeu
o Congo para Bélgica por aproximadamente 200 milhões de francos no total (o
que hoje equivaleria a 1 bilhão de dólares), garantindo ainda toda a riqueza real e
lucros auferidos com a colônia, isso somado aos 220 milhões de francos que

75
“O que houve no Congo foi, sem dúvida assassinato em massa numa escala avassaladora, mas a triste
verdade é que os homens que executaram o morticínio em nome de Leopoldo não eram mais criminosos
do que muitos europeus operantes na época em outras partes da África” (HOCHSCHILD, 1999:293).
78
Leopoldo lucrou com o Congo no total (hoje 1,1 bilhão de dólares)
(HOCHSCHILD, 1999:287).

2.3 O Congo Belga (1908-1960)


A Bélgica herdou de Leopoldo II uma estrutura colonial baseada em
uma população esparsa, uma sociedade cujos costumes haviam sido agredidos,
um vasto território e um sistema de exploração econômica direta. Sua decisão
sobre a compra do EIC não foi tomada tendo em mente uma suposta obrigação
moral do país frente aos abusos cometidos por Leopoldo. Foi motivada, sim, pela
esperança de que o território proveria oportunidades econômicas lucrativas
(GONDOLA, 2002:77). As reservas congolesas de recursos naturais e humanos
dinamizariam o setor industrial belga, o qual precisava de matérias-primas e
mercado para seus produtos industrializados.

Exploração externa e privada de recursos congoleses


Durante a administração Belga (1908-1960), o sistema de exploração
externa de recursos e de dominação da população congolesa não teve grandes
mudanças em sua linha de abordagem, mas sim um refinamento. Um deles foi a
adoção de uma constituição colonial, a qual garantia os interesses de grandes
companhias belgas, mediante uma aliança formal entre Estado (representado por
um grupo administrativo de Bruxelas), Igreja Católica e grandes corporações.
Estabelecia-se a trindade colonial belga – a qual permitia a continuidade da tripla
missão colonizadora: exploração econômica, repressão política e opressão
cultural.
Todavia, os refinamentos não esconderam os quatro pilares da
exploração do país: (i) a apropriação de riquezas; (ii) a promoção de rivalidades
entre diferentes grupos étnicos (o governo belga estabeleceu poderes
descentralizados, instrumentalizando diferenças étnicas, além de criar elites
locais beligerantes); (iii) a exploração da força de trabalho mediante o uso de
brutalidade e violência inusitadas; e (iv) pouco, ou nenhum, investimento estatal
na educação média e superior da população local – o que facilitava a manutenção
de um regime exploratório.
O domínio belga era baseado em uma complexa estrutura administrativa
que ia desde a Bélgica até pequenas aldeias – cujos chefes faziam parte da cadeia
administrativa do Estado, incentivando e facilitando suas tarefas extrativas
(coleta de taxas), repressivas (conscrição e manutenção da ordem) e produtivas
(recrutamento de trabalhadores).76 Posteriormente, os chefes locais passaram a

76
Sob o comando de Leopoldo, os chefes locais haviam sido submetidos, depostos e substituídos por
funcionários da administração colonial, soldados ou servidores domésticos. Todavia as dificuldades em
estabelecer obediência sobre os congoleses fizeram com que se percebesse a necessidade de intermediários
entre a administração e as massas. Em 1906, 1910 e 1933, decretos da administração colonial
transformaram gradualmente chefes locais em funcionários do Estado que atuavam muitas vezes contra
seu próprio povo – assegurando cultivo compulsório de commodities de exportação, conscrição, trabalho
forçado, recrutamento e taxação.
79
ser controlados por um chefe de setor.77 Na ausência do parlamento belga e dos
ministros de assuntos coloniais (estabelecidos em Bruxelas), a burocracia
colonial constituía a própria expressão do Estado e tinha poderes reais de
governança. Era, portanto, um “Estado burocrático puro” (NZONGOLA-
NTALAJA, 2002:35).78
O domínio da Igreja Católica, por seu turno, baseava-se no mito da
missão civilizadora europeia, que derivava da necessidade de cristianização e
educação da África. Desde o domínio de Leopoldo, missionários cristãos faziam
parte da empreitada colonizadora e eram diretamente apoiados pelo Estado. Com
o suporte do Vaticano ao rei frente às pressões internacionais – a Igreja Católica
garantiu posição privilegiada, o que se manteve durante o domínio belga. Duas
foram as moedas de troca frente ao apoio católico: a primeira era a de que o
esforço missionário no Congo seria, além de Belga, essencialmente católico; o
segundo foi a construção de uma cooperação entre as missões católicas e a
administração colonial – cujos funcionários teriam de trabalhar junto à Igreja
para civilizar a população local. O Estado ainda garantia salários e terras para os
missionários católicos (com preferência para os belgas) – os quais atuavam
principalmente através da educação de nativos, criando uma classe de congoleses
apoiadores da autoridade colonial.
No que diz respeito à esfera das companhias, desde o início da
colonização do Congo, o domínio por parte de grandes empresas que obtinham o
monopólio de exploração e comércio auxiliou no movimento de dominação da
população local.79 Em troca da concessão de exploração econômica, havia o
mandato de construir escolas, hospitais, estradas e ferrovias e policiar a
população – fortalecendo um sistema de firme controle social. Ademais, as
grandes companhias tinham suporte estatal para recrutar trabalho e obter controle
das terras mais valiosas.
A empresa mais importante para a economia congolesa era a Union
Minière du Haut-Katanga (UMHK) 80, especializada na exploração de cobre e de

77
Inicialmente, foram criadas inúmeras unidades políticas pequenas baseadas em clãs ou famílias
comandadas por chefes tradicionais (chefias) que, se não obedientes, eram substituídos com base na
genealogia local - o que nem sempre implicava a existência de alguma autoridade legítima sobre seu povo.
Todavia, percebendo a dificuldade de controlar um número grande de chefes locais e suas tribos
distribuídos pela colônia, o Ministro Colonial Louis Franck baseou-se no sistema Inglês na Nigéria e
estabeleceu, a partir de 1922, o modelo de setores. Os setores almagamariam diversas chefias e as
colocariam sob a administração de um chef du secteur, assistido por um conselho de nativos dignitários
(conseil du secteur). O chefe do setor detinha maiores poderes, como seu próprio orçamento e
infraestrutura administrativa. A maioria dos escolhidos para o cargo era composta por aqueles que
colaboravam com a administração colonial. Ou seja, tratava-se na prática de um controle colonial firme
sobre as comunidades.
78
Havia, ainda, um compartilhamento de poder com membros da burguesia (diretores de grandes
companhias) e representantes da Igreja Católica, que eram convidados, junto a alguns profissionais
liberais, a participar do Conselho Colonial (assessoria do governo belga para a colônia), do Conselho de
Governo (assessoria do governador-geral) e do Conselho provincial (assessoria do governador provincial).
79
Atrocidades continuavam a ser cometidas em larga escala por empresas que formavam suas próprias
forças armadas (sentinelas). De fato, o comando estatal belga chegava tão longe quanto o controle por
parte das companhias – o qual influenciava quase todos os aspectos da vida congolesa.
80
Além da UMHK, as principais companhias que atuaram no país na colonização Belga foram a Société
internationale forestière et minière (Forminière), envolvida na exploração mineral (diamantes) e de
madeira em Kasai; a Compagnie des chemins de fer du Bas-Congo au Katanga (BCK), companhia
80
outros recursos minerais da rica província de Katanga.81 Estabelecida em 18 de
outubro de 1906, durante o domínio de Leopoldo, era um grupo de trusts belgas,
sob a liderança da SGB e de capitais estrangeiros, que possuía fortes vínculos
com a família real.82 A UMHK foi criada em 1906 pelo Comité spécial du
Katanga (CSK) como um compromisso comum entre Leopoldo e o empresário
britânico Robert Williams, dono da Tanganyika Concessions Limited (TCL),
empresa que até então operava na Zâmbia e tentava negociar acordos com a
Compagnie du Katanga (empresa responsável pela administração e mineração da
região).83
Importa aqui que o modelo econômico adotado pela Bélgica foi uma
continuidade daquele de Leopoldo II. A economia da colônia tinha de ser
incentivada pelos europeus, os quais, sem meios ou vontade de emprenhar
grandes esforços estatais, permitiram o ingresso de capital privado cedendo
grandes concessões para a exploração econômica.84 O encorajamento ao ingresso
de investimentos privados ocorreu também no setor de commodities agrícolas
para a exportação – mediante um sistema de concessões abertas. Isso permitiu
que grandes companhias ganhassem o direito de exploração de grandes porções
da colônia em troca de investimentos em infraestrutura e bem-estar da população
(i.e. saúde e educação, também fornecidos por missões religiosas).
Até a década de 1920, os principais produtos da economia colonial eram
marfim, borracha nativa (depois, cultivada), algodão e óleo de palma (azeite de
dendê). Em fins da década de 1920, a indústria mineral tornou-se a espinha
dorsal da economia congolesa85 - cujo desenvolvimento foi concentrado

ferroviária com grandes direitos minerais e territoriais; a Compagnie des chemins de fer du Congo
supérieur aux Grands Lacs (CFL), empresa de concessões para a região dos Grandes Lagos; a Kilo-Moto,
extração e comércio de ouro; e a Huileries du Congo Belge, subsidiária da Univeler, atuava na produção
de óleo de palma;
81
A segunda empresa mais importante do Congo Belga era a BCK. Isso acontecia por dois motivos: (1) a
linha férrea da BCK provinha conexão entre a indústria de Katanga e os portos de Matadi (Congo –
mediante o transporte ferroviário de Katanga até Ilebo e a partir daí pelo rio Kasai chegando à ferrovia
Kinshasa-Matadi); de Bengela e Lobito (Angola – partindo de Dilolo); e de Beira (Moçambique – saindo
de Sakania e utilizando os sistemas de transporte rodesianos e portugueses). (2) As ferrovias construídas
pela empresa colaboraram imensamente para o desenvolvimento comercial e administrativo das cidades
localizadas ao longo da rede (indo de Ilebo a Sakania, e de Tenke a Dilolo). Um dos exemplos de
desenvolvimento urbano incentivado pela ferrovia foi da cidade de Kananga.
82
Esta mesma parceria havia criado em 1887 a Compagnie du Congo pour le commerce et l’industrie
(CCCI) para promover a indústria, o comércio, a finanças e os negócios públicos (posteriormente, em
1928, a empresa passou para o controle da própria SGB). Entretanto, sua prioridade inicial era a
construção da linha férrea do Bas-Congo. Para isso criou a subsidiária Compagnie du chemin de fer du
Congo (CFC) em 1890, com 60% de capitais privados belga, alemão e britânico e 40% de recursos estatais
belgas. A ferrovia ficou completa em 1898, construída, como visto anteriormente, à custa de milhares de
vidas congolesas e de estrangeiros.
83
No que se refere às participações acionárias, a TCL ficou com 14,5 % (dos quais quase metade era de
bancos britânicos como Barclay’s, Midland, Baring e Rothschild), o CSK com 25,1%; a SGB com 4,5%, e
mais de 50% foram garantidos para outros belgas e grupos financeiros estrangeiros. Em 1921, a SGB
assumiu o controle da companhia.
84
Nota-se que a colonização do Congo implicou a transformação das sociedades locais, que foram
inseridas nas relações capitalistas de produção, reduzindo o papel da produção local em relação às
demandas de exportação de matérias-primas. Ademais, a produção artesanal perdeu seu caráter central,
tornando-se um apêndice dos novos setores capitalistas do mercado de commodities e de serviços.
85
Com o aumento da demanda de matérias primas na Europa e nos EUA, houve um crescimento
considerável da produção mineral nas décadas de 1920 e 1930. A produção de cobre quase triplicou (o
81
principalmente na região de Katanga (última área a ser conquistada pelos belgas
e a mais rica em recursos naturais). No mesmo período houve um crescimento
semelhante no setor agrícola, com a produção de algodão, óleo de palma,
sementes de palma e café.
Posteriormente, apesar dos problemas decorrentes da grande depressão
(queda no preço do cobre, desvalorização monetária, redução das importações e
desemprego em grande escala), a Segunda Guerra Mundial possibilitou o
aumento das exportações de borracha (pneus para caminhões militares), urânio
(projeto nuclear norte-americano)86 e algodão (roupas militares) para os países
das forças Aliadas (mormente EUA e Grã-Bretanha). De fato, a guerra
possibilitou o estabelecimento de novas parcerias comerciais – uma vez que a
Bélgica foi ocupada pela Alemanha, novos mercados foram encontrados e novas
indústrias foram estabelecidas na colônia. Após a guerra, continuou o
crescimento das indústrias de cobre, ouro e estanho e tornou-se mais proeminente
a ascensão de uma classe média Africana composta por funcionários, professores
de educação básica, artesãos, e capatazes que adquiriram habilidades com o
trabalho nas companhias mineradoras.
A história do desenvolvimento congolês se confunde com a do
desenvolvimento da região de Katanga, seu motor econômico. Desde o início do
domínio de Leopoldo, a importância da região estava estreitamente ligada à
rivalidade anglo-belga e ao temor belga de que britânicos dominassem a área
com base no que se convencionou a chamar de pressupostos da Conferência de
Berlim (necessidade de ocupação efetiva). Era conhecido o sonho de Cecil
Rhodes de chegar à região e atemorizava o estabelecimento da British South
African Company (com o suporte real) para governar e explorar regiões ao norte
do Cabo e de Transvaal. Além disso, havia mitos sobre o ouro de Katanga –
sendo que cobre e ferro já eram historicamente explorados e comercializados por
povos locais. Assim, o rei belga ordenou uma missão urgente da CCCI na região
para estabelecer domínios e proteger minérios. Para reforçar a presença estatal, a
companhia concedeu direitos de ocupação, administração e mineração para a
Compagnie du Katanga, criada em 1891. A empresa era responsável por 1/3 do
território de Katanga e deveria ceder 10% de seus rendimentos ao Estado. Além
disso, a penetração estatal possibilitou a desmobilização do reino Yeke, com o
assassinato do Rei Msiri em 28 de dezembro de 1891. O caminho estava aberto
para a exploração de cobre e outros recursos.87
Em 1892, uma missão de prospecção de minerais da Compagnie du
Katanga encontrou imensas reservas na região, trazendo a notoriedade do Congo
como um verdadeiro “escândalo” geológico. A partir daí, incentivados pelo

Congo tornou-se o terceiro produtor mundial do produto) e a de diamantes foi ainda mais expressiva (a
produção passou de 300 mil quilates em 1920 para 2,5 milhões em 1930).
86
Com o esforço de guerra, o Congo Belga forneceu urânio para os norte-americanos – que compôs 80%
das bombas de Hiroshima e Nagasaki. A partir daí, nasceu um interesse vital dos EUA pelos minerais
estratégicos do Congo, como urânio, cobre, cobalto e diamantes industriais. O Urânio era proveniente da
mina de Shinkolobwe da UMHK, a maior reserva de uraninita do mundo então conhecida.
87
Contudo, dificuldades na relação entre Estado e empresa levaram ao estabelecimento de uma joint
venture que criou uma nova organização para atuar na região, o Comité spécial du Katanga (CSK) – agora
o real governante da província.
82
esperado boom econômico e o clima ameno, chegaram à região colonos brancos
de diversos países (Bélgica, Inglaterra, Portugal, Itália, África do Sul e
Austrália); somando quase um terço dos 100.000 brancos vivendo na província.
Tais aspectos socioeconômicos fizeram com que Katanga adquirisse posição
especial na colônia - sendo sua administração diretamente responsiva às
ordenanças reais na Bélgica.
Além do status político particular, as suas relações comerciais diretas
com o mercado externo influenciaram diretamente o destino da região e a sua
posterior busca por autonomia. Na década de 1920, a primeira via de saída dos
recursos de Katanga para o mercado mundial ficou pronta. Era a via national
(voie nationale), que ia até Port-Franqui (Ilebo) no rio Kasai e a partir daí
chegava à ferrovia Kinshasa-Matadi. Entretanto, em 1931 finalizou-se uma nova
ferrovia muita mais custo-efetiva e rápida que, contudo, realizava a maior parte
do caminho entre Katanga e o oceano atlântico por fora do Congo, utilizando o
território angolano (partindo de Dilolo e chegando a Bengela e Lobito). Havia
ainda uma terceira alternativa, também centrífuga, que saía de Sakania,
utilizando os sistemas de transporte rodesianos e portugueses e chegando ao
porto de Beira em Moçambique.88
Estreitamente ligado ao desenvolvimento de Katanga, situa-se o fato de
que, apesar dos esforços de Leopoldo II e do governo belga para garantir lucros
sobre as riquezas congolesas, eles também garantiram a entrada da burguesia de
outros países capitalistas para as riquezas do país. Britânicos e sul-africanos
estavam envolvidos com o trabalho da UMHK, mediante a TCL e o
fornecimento de trabalhadores brancos e negros através da Robert Williams
Company. A TCL era a controladora da ferrovia de Benguela – o que auxiliava
nas pretensões de integrar toda a região do cobre no complexo econômico sul-
africano. A importância da região para os interesses internacionais foi verificada
no posterior apoio tácito de Grã-Bretanha e África do Sul ao separatismo de
Katanga.89 Essa realidade dava a região o ineditismo de possuir um proto-enclave
econômico ainda no período colonial.
Também é importante ponderar que a Bélgica demonstrou interesse em
construir um sistema efetivo de infraestrutura de transportes que possibilitasse
justamente a exploração de regiões econômicas prioritárias na colônia. As 5.000
milhas de hidrovias, ferrovias e rodovias eram utilizadas para evacuar os
produtos congoleses para a Europa. Priorizando o último indicador, Herbst
(2000a) traz os números relativos à malha rodoviária das colônias africanas, e, de
fato, estatisticamente os belgas se esforçaram mais para expandir seus domínios
através de rodovias.
No período colonial foi incentivado o incremento do sistema de rodovias
para viabilizar o escoamento de alimentos desde Kivu e minerais desde Katanga

88
A construção de estradas também possibilitou o crescimento da indústria de minérios de Katanga; das
1.580 milhas de novas estradas construídas entre 1920 e 1930 - pelo menos 80% foram construídos
especificamente para a evacuação de produtos minerais de Katanga (GONDOLA, 2002:85).
89
No que tange aos EUA, apesar de os grupos Ryan e Guggenheim estarem envolvidos desde 1906 com
minérios de diamante e de a Forminière e Rockefeller ter negócios com a CCCI, somente em 1940 o
envolvimento do país tornou-se mais intenso no Congo.
83
para a costa atlântica com vistas à exportação. Todavia, em relação à densidade
rodoviária em Ruanda-Urundi, no Império Britânico e na África do sul, e mesmo
em termos absolutos, os esforços foram muito aquém dos necessários para que se
conseguisse um domínio real sobre povos e regiões do hinterland e uma efetiva
capacidade de exportar produtos do leste por vias internas. Para Herbst, a
escassez de guerras no período colonial foi fator condicionante para esforços
reduzidos em expandir poder e controle efetivo sobre o território dominado e,
como consequência, em construir a infraestrutura necessária para que isso fosse
conquistado.90

Quadro 7 – Densidade Rodoviária na África Colonial


(Km de rodovias/Km quadrados de área)
Colônia 1935 1950 1963
Média do Império Britânico 0,020 0,040 0,090
Média do Império Francês 0,009 0,014 0,040
Congo Belga 0,020 0,040 0,070
Ruanda-Urundi 0,100 n.d. 0,210
Angola 0,020 0,030 n.d.
Moçambique 0,030 n.d. n.d.
África do Sul 0,110 0,230 0,270
Fonte: HERBST, 2000a:86.
Autor: CASTELLANO, 2012 (adaptado de HERBST, 2000a)

Quanto à exploração da mão de obra, se, no regime de Leopoldo II, o


trabalho forçado sustentava o funcionamento econômico da colônia, sob o
controle belga, um novo método de trabalho compulsório foi adotado. Tratava-se
de altas taxações individuais, as quais forçavam a população economicamente
ativa a migrar para áreas de trabalho, como plantations, minas, ferrovias, portos e
áreas residências habitadas pela população branca.91 A migração era, contudo,
controlada mediante a necessidade de se inscrever para a aquisição de um
passaporte (passeport de mutation). Ademais, com o boom derivado da economia
de guerra, o trabalho forçado foi intensificado. A legislação estipulava 60 dias
por ano de cultivação compulsória. Medidas coercitivas como o chicotte e as
surras – velhos conhecidos dos congoleses – foram intensificadas nas minas.
Soma-se ainda a utilização de mão de obra infantil das minas da Kilo-Moto na

90
“É claro que, se o europeu tivesse lutado guerras significativas na África, seja entre eles seja contra
africanos, parte dos detritos inevitáveis desses conflitos teria sido o estabelecimento de algum tipo de
estrutura de segurança com o acompanhamento de uma infraestrutura de estradas, ferrovias, estendendo
sistemas administrativos dos quais os exércitos necessitam para conseguir lutar. Sem tais conflitos, a
infraestrutura do Estado tardou a chegar. Como resultado, para muitas áreas rurais da África, a
administração colonial formal pode ser contada como durando apenas 60 anos, a partir da virada do
século” (HERBST, 2000a:77. Tradução minha).
91
Ao contrário do que se poderia supor, o sistema de taxação sobre a população não resultava em recursos
que seriam reinvestidos na economia ou na construção de estruturas do Estado, mas era direcionado
exclusivamente à metrópole. Ou seja, neste caso, a esfera extrativa também não favorecia a construção do
Estado.
84
região de Uele (LYONS, 2002). As péssimas condições de trabalho resultavam
em mortes diárias devido a brutalidades, doenças, desespero e métodos cruéis de
recrutamento.92 Expedições punitivas como aquelas do tempo de Leopoldo
continuavam a ser realizadas – cuidando para evitar a prática tão criticada do
“terror da mão direita”.
A estrutura coercitiva do Estado congolês pós-colonial foi em grande
medida influenciada pelas características das estruturas implantadas no período
de domínio de Rei Leopoldo II e durante a colonização direta belga. Nestes dois
momentos, a máquina coercitiva do Estado esteve voltada para dentro; para a
repressão, o massacre e a cooptação do trabalho forçado de populações locais
(EBENGA e N’LANDU, 2005; HOCHSCHILD, 1999). Esta postura foi
garantida, como visto anteriormente, graças à estabilidade relativa do ambiente
externo (fronteiras estáveis). A maior estabilidade externa vis a vis um ambiente
interno relativamente hostil (devido à reduzida projeção de poder para além da
capital) afiançou a especialização na repressão interna por parte das forças de
segurança, em maior ou menor grau, nos diferentes períodos do Estado pós-
colonial
O empreendimento colonizador tentava compensar a repressão, a
inexistência de direitos políticos (ausência de representação política local) e civis
(ausência de direitos de propriedade, justiça e liberdade) com cessão de alguns
direitos sociais – representado pelo incremento na educação básica e o aumento
relativo da renda, resultado do crescimento econômico elevado principalmente
após a Segunda Guerra Mundial. Todavia, esses dois aspectos tinham de ser
assegurados com limites, para que não trouxessem riscos à dominação colonial.
Como exemplo, a tarefa da educação que era passada às missões cristãs não
avançava a níveis que pudessem gerar um pensamento mais crítico dentro da
colônia e que capacitasse a população local a tarefas de administração pública.

A Instrumentalização de Rivalidades Étnicas


Um dos elementos que sustentavam a prática do “dividir para dominar”
da colônia belga era a instrumentalização de rivalidades entre diferentes etnias
locais. Esta atitude produziu graves resultados, como disputas políticas que se
transformaram, na maior parte das vezes, em conflitos armados. Esse foi o caso
da relação entre grupos de origem Luba, Lulua e Lunda, entre etnias Hema e
Lendu e na situação dos Banyarwanda e Banyamulenge.

O caso dos Luba, Lulua e Lunda


A rivalidade entre as etnias Lulua e Luba, e Luba e Lunda é uma
realidade da região do sudeste do Congo. Entretanto, mais do que um conflito
primordial insolúvel, a complexificação e radicalização destas disputas são
resultados de políticas (levadas a cabo principalmente pelo colonizador) de não
inclusão de grupos migratórios e de favorecimento de um grupo em detrimento
de outro. Em suma, essas diferenças étnicas ou comunitárias preexistente foram

92
Sobre este último ponto, cumpre salientar que recrutas adentravam aldeias e subornavam chefes tribais
ou forçavam para que trabalhadores seguissem para as minas. Os fugitivos eram retaliados com a prisão e
a violência a seus familiares até a sua submissão ao trabalho.
85
transformadas em motivo de conflito social pela estrutura colonial Belga, que
buscava a exploração e o controle das riquezas minerais de Katanga e Kasai.
A disputa entre povos Lulua e Luba se situa na região atualmente
compreendida pelas províncias de Kasai. A melhor síntese das origens do
conflito é a de Nzongola-Ntalaja (2003). Segundo o autor, o grupo Luba-Kasai,
originário do reino pré-colonial Luba, é subdividido em três subgrupos: Lulua,
Luba (geralmente chamado pelo plural Baluba) e Konji (ou Luntu). Todos os
subgrupos dividem a mesma cultura material, instituições sociais, costumes e
língua (Tshiluba).93
Lembra-se que o Reino Luba emergiu entre povos que assumiram uma
cultura relativamente homogênea. Suas estruturas familiares, práticas religiosas,
ideologias políticas e princípios organizacionais permaneceram vivos ao longo
do século XX e foram espalhados pelas regiões da savana de Katanga e Kasai
(entre o rio Kasai e o lago Tanganyika) desde o século XVII – devido, mormente,
ao fluxo de populações. Apesar disso, estas se mantiveram em geral ligadas
emotivamente a mitos e ideologias de origem dos povos Luba. Entretanto, com
os processos de migração, os Luba foram se dividindo em vários grupos. Um
deles foi o grupo Lulua e outro o Luba-Kasai (os Baluba). Assim, ao contrário
dos Hutu e Tustsi, ou até mesmo dos Luba e Lunda, no conflito Lulua-Baluba os
dois grupos habitantes de Kasai não disputam sua origem comum, e têm orgulho
da cultura e língua que dividem.94
A origem histórica do conflito está na mobilização realizada pela política
econômica colonial de povos Baluba recém-chegados às regiões central
(Kananga) e ocidental (Luebo) de Kasai.95 Sua chegada havia sido recebida
amistosamente pelos Lulua. Entretanto, a maior disponibilidade dos recém-
chegados para o trabalho e para receber dos missionários a doutrina cristã,
contribuiu para que os colonizadores passassem a diferenciar efetivamente os
dois grupos em Baluba e Bena Lulua e a exaltar o estereótipo dos primeiros
como progressistas e trabalhadores (inclusive os reagrupando em vilas separadas
nas terras dos Lulua), enquanto os últimos eram taxados de conservadores e
preguiçosos.96
Desta maneira, os belgas estabeleceram o subgrupo Baluba como seu
auxiliar nos negócios, no governo e na evangelização durante quase todo o
domínio colonial. Todavia, com o passar dos anos, os “bons auxiliares”
começaram a reclamar do racismo e das práticas discriminatórias dos europeus.
Temendo a subversão, autoridades belgas e católicas passaram, após a Segunda
Guerra Mundial, a favorecer e colaborar com a elite Lulua, estabelecendo um

93
Outro grupo derivado do tronco Luba é o dos Luba-Katanga. Este também é dividido em três subgrupos
(além de outros minoritários) em linhagens reais, a saber: Kabongo, Kasongo, e Mutombo Mukulu. Assim
como os Luba-Kasai, são identificados como Kasanianos em Katanga – pois migraram para o Kasai muito
antes do domínio colonial.
94
Ademais, ambos costumavam se identificar como Luba vindos do sul e pode-se dizer que, antes de 1870,
não havia um termo para diferenciar o grupo considerado atualmente como Lulua. Este termo foi adotado
posteriormente com base no chamamento dado pelos povos Chokwe aos grupos baseados no vale do Rio
Lulua.
95
Estes povos começaram a fugir (a partir de 1885) de caçadas a escravos na região sudeste de Kasai,
realizadas por povos Chokwe e Songye auxiliares de árabes-swahili.
96
Dizia-se que um Luba era tão produtivo quanto sete Lulua.
86
contrapeso para os agora insubmissos Baluba.97 Nas vésperas da independência
(fim da década de 1950), os antagonismos passaram à política e as tensões
resultaram em conflito armado, como se verá posteriormente.
Já o conflito entre grupos étnicos Luba de Kasai e Lunda de Katanga
também está estreitamente relacionado com problemas relativos à integração de
migrantes regionais e ao favorecimento de grupos étnicos por parte da
administração colonial. O agravamento das rivalidades entre esses dois grupos
está no cerne da ideologia separatista daqueles que se chamavam autênticos
katangueses.
Pelo menos quatro elementos estão conectados com as tensões entre
estes grupos habitantes de Katanga. Em primeiro lugar está a empreitada belga
para desenvolver a rica economia mineradora da região de Katanga, o que os
levou a procurar por mão de obra em regiões vizinhas, adotando uma política de
migração em larga escala. Dada à escassez de mão de obra e o desenvolvimento
das atividades industriais de Katanga, a UMHK recrutou desde o início de suas
atividades uma parte substancial da sua força de trabalho da província de Kasai.98
O segundo e o terceiro elementos, tratados anteriormente, dizem respeito à
conexão das riquezas econômicas da região com centros externos (base para a
economia do enclave) e a sua construção histórica como um polo diferenciado no
Congo pela presença do colonizador branco e por direitos diferenciados frente à
administração colonial. O quarto elemento liga-se com o saudosismo étnico de
grupos que teriam sido favorecidos pela administração colonial frente à
exploração dos Baluba Kasai. A base desse saudosismo partia de lideranças
agora organizadas em partidos políticos. Do lado dos Lunda, pode-se citar a
figura de Moise Tshombe. Este foi a liderança mais marcante do partido
federalista e, posteriormente, separatista CONAKAT 99, cuja ideologia tinha

97
Dentro da lógica do “dividir para dominar”, em 1952 os belgas auxiliaram na criação de uma associação
étnica exclusivista, a Lulua Frères, a qual começou a servir como o cérebro das atividades políticas dos
Lulua, eventualmente planejando a limpeza étnica dos Baluba (GONDOLA, 2002).
98
Três aspectos devem ser citados sobre essa política migratória. O primeiro diz respeito à ausência de
política de inclusão dos migrantes. A exploração violenta do trabalho e a marginalização dos migrantes
recém-chegados fizeram com que fossem vistos pela elite local como uma subclasse ou como estrangeiros.
Isso acontecia mesmo com o fato de que os Baluba Kasai eram na realidade tão ou mais katangueses que
os Lunda. A despeito do discurso dos "autênticos" katangueses, o território compreendido pela província
de Katanga foi controlado desde o século XVI por ambos os grupos Luba e Lunda, os quais se expandiram
captando regiões vizinhas e as integrando em sua estrutura política, social e cultural. O segundo aspecto é
que a política migratória possibilitou uma superpopulação dos Baluba na região levando ao sentimento
cada vez mais reativo por parte das elites que se diziam autóctones. Em 1956, os Luba-Kasai já somavam
de 35 a 38% da população de Katanga e 53% dos trabalhadores da UMHK. As diferenças linguísticas e
culturais frente aos Lunda, Bayeke e Tshokwe fizeram com que sua presença fosse cada vez mais sentida
(LEMARCHAND, 1962:406). O terceiro aspecto é que, durante o colonialismo belga, os povos Luba
resistiram mais notavelmente ao sistema de imposição de trabalho forçado nas minas de Katanga em
grandes rebeliões em 1895 e em meados da década de 1910 (esta foi coordenada pelo líder Kasongo
Nyembo e só foi reprimida em 1917). Devido ao histórico de insubmissão dos Luba, eles foram
controlados e suprimidos em suas revoltas por mercenários e exércitos particulares que controlavam a
produção e o comércio de minerais. Além disso, passaram a ser cada vez mais marginalizados pela
administração Belga.
99
A presença de tribos "alienígenas" (como Luba e Lulua de Kasai) produziu a raison d'être da aliança
entre os interesses europeus e aqueles dos que se diziam autênticos Katangueses (LEMARCHAND,
1962:410). Para resistir à presença dos "estrangeiros", líderes de associações tribais locais fundaram em
87
bases no fundamentalismo étnico.100 Da parte dos Yeke, segundo principal grupo
do CONAKAT, havia a figura de Godefroid Munongo, descendente do rei
Nyamwezi Msiri e conhecido por defender a limpeza étnica dos grupos “não
Katangueses” e reclamar por uma maior representação da elite de Katanga no
governo pós-colonial.101

O caso dos Banyarwanda e Banyamulenge


Outro grupo profundamente atingido por políticas históricas de
instrumentalização étnica e de não inclusão de povos migrantes foi o dos
Banyarwanda. Trata-se de povos originários de Ruanda, pertencentes ao tronco
linguístico Kyarwanda e que migraram desde o século XVII para o leste da atual
RDC. Foram divididos em Nord e Sud Kivu – com ligeiras particularidades entre
estes dois casos.
Em relação à situação de Nord Kivu, importa que esta seja uma região
com alta taxa de crescimento populacional e distribuição bastante desigual da
densidade demográfica. Os planaltos no leste da província são densamente
povoados, enquanto a floresta equatorial no oeste é quase vazia. Sua população é
composta pelos chamados autóctones (tribos locais) e pelos falantes de
Kinyarwanda, os quais não tinham naturalmente problemas maiores de
relacionamento com demais kivuanos.102
No que concerne às políticas de não inclusão de imigrantes à região,
importa que o colonialismo belga interferiu no equilíbrio local principalmente
quando, em 1937, criou a Mission d’Immigration des Banyarwanda (MIB) – a
qual tinha a tarefa de incentivar e administrar a migração de trabalhadores da
populosa Ruanda para a região.103 Durante 18 anos de trabalho da organização, a
maioria dos quase 85 mil imigrantes Banyarwanda (Hutu e Tutsi) seguiu para o
que hoje conhecemos como Nord Kivu, principalmente para as regiões de Masisi
e Walikale. Com o aumento da quantidade de Banyarwanda (chegaram a

novembro de 1958 a coalizão chamada Confédération des Associations Tribales du Katanga (CONAKAT)
com domínio do grupo étnico Lunda, seguido pelos Yeke e Luba.
100
Acreditavam que apenas os “autênticos katangueses” deveriam se beneficiar das riquezas minerais da
região. Enquanto os Baluba Kasai eram desfavorecidos pela administração colonial, Tshombe, assim como
muitos Lunda eram próximos das companhias belgas extratoras de cobre, ouro e urânio. Assim, o partido
separatista CONAKAT foi formado em 1958 como uma reação ao influxo de imigrantes e ao aumento das
ações políticas dos imigrantes em geral (PANTAZOPOLOUS, 1995:17). A xenofobia dos ditos
katangueses nativos era promovida por uma elite política (liderada por Tshombe) que conseguia mobilizar
trabalhadores urbanos que buscavam proteger seus empregos nas minas.
101
Se, por um lado, os grupos étnicos dominantes de Katanga (Lunda e Yeke) reclamavam historicamente
de serem sub-representados no governo central, por outro, tinham alianças econômicas estabelecidas com
o colonizador e suas companhias.
102
Nord Kivu se caracteriza pela divisão em vários pequenos Estados virtuais caracterizados pela
homogeneidade cultural e governo por rituais ao invés de símbolos. Dentre estas unidades, pode-se citar
três principais: Ruandófonos (Hutu e Tutsi) e Hunde no sudeste, Nande no oeste e povos da floresta no
oeste.
103
Cumpre salientar que apesar de afirmações de que os Ruandófonos são estrangeiros ou de que porções
de Nord Kivu faziam parte de Ruanda, pode-se afirmar que muitos Banyarwanda (falantes de
Kinyarwanda) habitam a região de Rutshuru há séculos e que algumas das atuais áreas ruandófonas de
Nord Kivu nunca foram de domínio ruandês (TURNER, 2002:108). Levas migratórias ocorreram em
períodos pré-coloniais, coloniais, durante a descolonização e após a independência de Congo (1960) e
Ruanda (1962).
88
representar 40% da população total da província, chegando a 70% em Maisi) e
do seu próprio sentimento comunal, criou-se gradualmente um ressentimento
entre os ditos autóctones.104 Além disso, houve crescentes dificuldades em se
diferenciar os Banyarwanda recém-imigrados daqueles que habitavam a região
desde antes do Estado colonial. As tribos que mais se ressentiam eram as
minoritárias Hunde e Nyanga, já anteriormente pressionados pela maioria Nande
– esta, inicialmente pouco hostil aos Banyarwanda.
Políticas de favorecimento de grupos étnicos também fizeram parte do
problema. O instrumento adotado em geral foi o fornecimento de educação. No
caso de Nord Kivu as missões católicas foram estabelecidas principalmente na
parte norte da região, território habitado principalmente pelo grupo étnico Nande.
Na porção sul, as escolas foram estabelecidas principalmente entre os
Banyarwanda, em detrimento de outras etnias. O resultado foi o surgimento de
duas elites rivais (Nande e Banyarwanda) em detrimento das demais (Hunde e
Nyanga). A política nacional ficou marcada por essa realidade.105
Outra interferência negativa da colonização belga foi a criação em 1933
de setores fixos unindo unidades tradicionais. À primeira vista, há nada de
errado. Entretanto, em alguns casos isso se traduziu em uma territorialização da
etnicidade, pois etnias eram marcadas como habitantes dominantes de áreas
específicas. Etnias minoritárias nessas regiões eram automaticamente
marginalizadas, o que levou à exacerbação do revanchismo no período pós-
colonial.106
Acerca do caso de Sud Kivu, este se diferencia tanto em questões
geográficas quanto migratórias.107 Ali, a figura principal é a dos Banyamulenge,
nome dado a Banyarwanda chegados a Sud Kivu nos séculos XVII, XVIII e,
principalmente, XIX, quando fugiam do poder de Mwami Rwabugiri em
Ruanda.108 Instalaram-se no planalto de Itombwe, onde mantinham a criação de
gado e comercializavam com os mais abastados Balufero e Babembe.
Os belgas adotaram uma política de desfavorecimento do grupo devido a
sua reputação de não cooperativo. A maior reticência dos Banyamulenge em
relação à dominação colonial (resistência a taxas), em grande parte devido às

104
Pode-se afirmar que a chegada de imigrantes Ruandeses resultou em grandes pressões populacionais:
entre 1933 e 1945 foram 25.000 ruandeses e entre 1949 e 1955 outros 60.000.
105
Tanto as conferências para a independência, quanto os governos da Primeira República foram marcados
por maiorias Nande e Banyarwanda entre os representantes de Kivu. A situação se reproduziu na
hierarquia da Igreja Católica.
106
Os conflitos logo começaram a surgir, quando os recém-chegados Banyarwanda quiseram formalizar
sua própria coletividade em território Hunde. O pedido foi concedido pelos belgas, mas logo retirado
quando se percebeu que a chefia estava ficando grande demais.
107
No primeiro ponto, Sud Kivu possui menor densidade demográfica e, portanto, menos problemas
relacionados à distribuição de terras. Os principais não nativos são os Barundi, representando 15% da
população. Ao contrário do grupo bem menor de Banyamulenge, eles possuem poucos problemas com os
autóctones Bavira e Bafulero. Os imigrantes de origem ruandesa são, diferentemente de Nord Kivu, pouco
numerosos e de maioria esmagadora Tutsi. Os próprios Hutu que faziam parte do grupo foram
transformados em Tutsi por miscigenação ou aculturação. Neste caso, os Banyarwanda de Sud Kivu
também adotaram um nome diferenciado: Banyamulenge.
108
Outros buscavam escapar da repressão de Yuhi V Musinga, após seu golpe de Estado de Rucunshu em
1896. Outros influxos migratórios ocorreram em 1959, 1964 e 1973 devido a perseguições a Tutsi em
Ruanda.
89
negativas centrais de reconhecê-los como um grupamento109, fez com que o
colonizador justificasse a sua “discriminação severa” (TURNER, 2002:82). Isso
ocorreu mediante a construção de uma imagem de que o grupo queria dominar a
população congolesa e reduzir a influência europeia no Congo.

O Caso Hema-Lendu
O conflito da região atual de Ituri (situada na província de Orientale),
também está diretamente relacionado à política de favorecimento de grupos
étnicos por parte do colonizador belga. Essa política encontra-se no cerne das
disputas territoriais entre os dois principais grupos rivais da região, Hema e
Lendu – disputas essas que possuem certo conteúdo de luta de classes. Trata-se
das posições privilegiadas dadas ao grupo Hema no âmbito da educação,
administração, política e economia durante o período colonial e mantidas após a
independência.
A região de Ituri possui de 3,5 a 5,5 milhões de habitantes e dezoito
grupos étnicos diferentes. As comunidades Hema/Gegere e Luendu/Ngiti
compõem apenas 40% dos habitantes da região.110 O grupo Hema é dividido em
dois subgrupos: os Gegere (Hema do norte, os quais foram integrados à cultura
Lendu e à sua língua Kilendu) e os Hema do sul (falam a língua Kihema). O
grupo Lendu é também dividido em dois subgrupos: os Lendu do norte de Ituri e
os Ngiti do sul - os quais apresentam visões políticas bem semelhantes.111
A história destes dois grupos possui grandes semelhanças com a de seus
primos Tutsi e Hutu, todavia o grau dessa semelhança foi exagerado pelos mitos
de confrontação espalhados pela região. Estas semelhanças são em grande parte
decorrentes do fato de que Hema são tradicionalmente pastores e Lendu,
agricultores – apesar de exceções como os agricultores Hema Boga de Irumu.112
No que tange às relações interétnicas, importa que historicamente houve
um alto nível de convivência entre os dois grupos, inclusive o casamento

109
Os Belgas tenderam a ignorar por décadas a presença dos Banyamulenge em Sud Kivu. Seus chefes,
vivendo nas montanhas, foram ignorados desde a distribuição de medalhas e reconhecimentos aos chefes
locais durante o EIC. Durante o período colonial, comunidades territoriais em Sud Kivu eram distribuídas
para grupos maiores como Lega, Bembe e Shi (reforçando o senso de identidade) – enquanto grupos
menores, como os Banyamulenge, eram ignorados e divididos em diversas unidades diferentes (Fizi, Uvira
e Mwenga). O problema não era a divisão da etnia em si: o fato grave era a não inclusão dos imigrantes
nas políticas locais e o desfavorecimento desses grupos em relação aos demais.
110
Os Bira, Alur, Lugbara, Nyali, Ndo-Okebo e Lese compõem as demais etnias principais. Outro grupo
que tem importância significativa na região é o dos Nande, os quais, vindo de Nord Kivu, receberam o
rótulo de "não originários". A importância desse grupo para o setor de negócios em Ituri e Nord Kivu, fez
com que os Hema os vissem como competidores diretos (HRW, 2003:14).
111
Ambas as etnias estão estabelecidas prioritariamente nos territórios Djugu e Irumu de Ituri (os demais
territórios chamam-se Mambasa, Aru e Mahagi). Aquelas duas localidades são as mais férteis e ricas em
recursos do distrito. Os Gegere e Lendu habitam Djugu e os Hema e Ngiti, habitam Irumu. Cada território
por sua vez era divido em diversas coletividades. Sabe-se também que nenhum dos dois grupos étnicos é
originário da região e que a migração Lendu precedeu a chegada dos pastores Hema (VLASSENROOT &
RAEYMAEKERS, 2004).
112
Importa também que, além das semelhanças com os Tutsi, os Hema possuem similitudes com os Hima
(provenientes do distrito de Ankole em Uganda) e com os Banyamulenge de Sud Kivu (LEMARCHAND,
2009).
90
interétnico era comum.113 A organização social das duas comunidades era
diferenciada; enquanto os Lendu viviam em clãs dispersos, os Hema tinham uma
estrutura de autoridade claramente desenvolvida o que possibilitava uma
simbiose social.114 Todavia, a colonização belga afetou as estruturas anteriores.
Devido à grande riqueza das regiões de Djugu e Irumu, principalmente
com a descoberta em fins do século XIX de um dos maiores depósitos de ouro
até então conhecidos, estes territórios foram amplamente explorados pela
administração colonial – a qual ali desenvolveu a indústria mineradora e a
economia de plantation. Outrossim, de forma a viabilizar a exploração
econômica da região, o colonialismo belga intensificou a diferenciação social das
comunidades e os estereótipos étnicos. Destarte, agravou as relações entre os
dois grupos mediante dois instrumentos: a reorganização de unidades políticas
tradicionais em grupos mais homogêneos e o favorecimento de Hema em
detrimento de Lendu, com apoio do mito da superioridade intelectual. A alguns
Hema foram dados prioridade no sistema educacional de missionários católicos e
acesso à hierarquia religiosa, além de terem sido passadas tarefas de comandar a
administração local e supervisionar a mão de obra Lendu nas plantations e minas
(AMNESTY, 2003:4).115 Todavia, tratava-se do início de um sistema de
favorecimento que seria mantido e cristalizado no período pós-independência e
que levaria a tensões agudas com a crise do Estado na década de 1990.

Conclusão do Capítulo 2
Este capítulo procurou abordar de forma introdutória a realidade a partir
da qual o Estado congolês independente emergiu. O contato nocivo entre povos
pré-coloniais e europeus e as instabilidades internas dos reinos africanos
facilitaram a posterior ocupação colonial, estabelecida em momento histórico
propício. Por seu turno, as estruturas do Estado colonial foram efetivas no que
diz respeito ao estabelecimento de um complexo sistema de exploração
econômica visando ao acúmulo de riquezas por parte da metrópole e de empresas
e países parceiros. As estruturas coercitivas, extrativas e distributivas do Estado
colonial buscavam exclusivamente este objetivo. Não é mera coincidência que as
tarefas de educação, saúde e eventualmente de segurança pública eram passadas
às missões católicas e companhias ligadas ao setor minerador.
Assim, a colonização (estrutura) deixou marcas profundas para a história
pós-colonial. A economia foi construída voltada para fora (com infraestrutura
estabelecida quase que exclusivamente para esta finalidade) e não beneficiava,

113
Em Djugu, por exemplo, os Hema do norte (Gegere) estavam tão integrados com os Lendu a ponto de
adotar a sua língua de origem sudanesa (ICG, 2003b).
114
Esta característica fez com que, naturalmente, os Lendu se integrassem à sociedade Hema e aceitassem
sua autoridade e organização. Com isso, iniciou-se um processo de estratificação social, com Hema
utilizando Lendu como clientes e dominando os ramos econômico e político. Ademais, Hema passaram a
gradualmente a usurpar territórios de Lendu – o que, contudo, não gerou resistência inicial devido à
abundância de terras na região (VLASSENROOT & RAEYMAEKERS, 2004).
115
“Até o fim do domínio colonial, a forte parceria entre elites Hema e colonos belgas garantiu a
estabilidade do domínio estrangeiro e consolidou a predominância Hema nas esferas educacional, política
e econômica” (VLASSENROOT & RAEYMAEKERS, 2004:390. Tradução minha).
91
com poucas exceções, a população congolesa. O sistema de trabalho forçado e
compulsório trouxe traumas significativos à população local, enfraquecendo,
pelo menos temporariamente, a sua capacidade de mobilização política. O
crescimento econômico também resultou em pouco ou nenhum emponderamento
da grande maioria da população negra. A sociedade foi marcada pelo incentivo
do colonizador ao conflito social entre diferentes grupos étnicos. Serviços sociais
importantíssimos foram deixados ao controle de grupos privados. Na área da
educação havia limites para a ascensão dos nativos, que não passavam do ensino
fundamental. Como resultado, bloqueava-se naturalmente o acesso de africanos à
administração pública e privada e eliminava-se a perspectiva de que houvesse
capacidade de gestão própria dos recursos da colônia. Com a independência, isso
resultou na falta de quadros preparados para administrar o país, na manutenção
da dependência com o antigo colonizador e na emergência de conflitos
sociopolíticos mais agudos.
Apesar do peso da história e da estrutura para o novo Estado, ainda
estavam por vir os episódios que agravariam a situação deixada pela colônia.
Calariam indivíduos que buscavam a superação das mazelas históricas e
iniciariam um ciclo de guerras que se reproduziria ao passo que agravariam as
estruturas do Estado.

92
CAPÍTULO 3
A Crise do Congo e o Estado em Mobutu

Este capítulo apresenta o primeiro estudo empírico sobre a relação entre


guerra e Estado proposto por este livro. Trata-se de analisar as conexões lógicas
(diretas e indiretas) da Crise do Congo (1960-1965) com as estruturas do Estado
durante o regime do General Mobutu Sese Seko (1965-1997).
A Crise do Congo foi caracterizada por envolver ameaças
prioritariamente internas ao Estado congolês recém-independente (separatismo e
movimentos revolucionários). Apesar da interferência externa direta no
fortalecimento dessas ameaças (guerra proxy) e da própria participação de forças
externas combatendo lado a lado com grupos internos (forças belgas apoiando
separatistas de Katanga), essas ameaças operavam dentro das próprias fronteiras
nacionais. Também houve durante a guerra civil a participação de forças externas
(tropas da ONU, paraquedistas belgas, assessores norte-americanos, mercenários
sul-africanos e europeus) atuando como protagonistas na supressão dos grupos
armados, enquanto o próprio exército nacional era praticamente inexistente e
teve papel secundário nos movimentos de contrainsurgência. Com o separatismo
das duas províncias que representavam o motor da economia congolesa (Katanga
e Kasai), o financiamento da guerra foi arcado, em grande parte, pelos dispêndios
próprios das forças externas que atuavam no país, bem como pelo envio de
armamentos e equipamentos, além do pagamento de mercenários por parte de
EUA e Bélgica.
As particularidades da guerra e da forma de travá-la parecem ter
influenciado negativamente o processo de construção do Estado, o que foi
agravado pelas políticas desagregadoras da liderança que se saiu vitoriosa do
conflito, o General Mobutu Sese Seko. Apesar dos esforços iniciais para a
construção de um Estado forte que suprimisse e dissuadisse ameaças separatistas
e revolucionárias, Mobutu rompeu com o comprometimento autofortalecedor,
deixando o Estado do Congo em uma situação ainda mais precária do que a
existente quando o militar assumiu o poder em 1965. O Estado de Mobutu teve
sua esfera coercitiva voltada para dentro (coerção e repressão interna), com o
intuito de elidir as ameaças presentes na Crise do Congo. A esfera extrativa foi
baseada na exploração de recursos naturais (minérios de cobre e diamante) e
dependeu de grandes remessas externas de divisas. A situação resultou em
poucos incentivos para a construção de uma rede infraestrutural, que viabilizasse
a taxação de populações distantes, e no grande endividamento externo. Mobutu
ainda intentou arriscar a atuação do Estado como motor da economia nacional
(esfera produtiva), mas o ciclo de corrupção dominou as empresas estatais em
detrimento do desenvolvimento da economia nacional. Por fim, as sinalizações
de que novos direitos sociais seriam garantidos à população em geral esgotaram
com a crise econômica e a pauperização generalizada das décadas de 1980 e
1990. A recusa em estabelecer direitos fundamentais aos congoleses (bloqueio
recorrente à abertura política) e a instrumentalização de rivalidades étnicas
visando facilitar o sistema de dominação também foram extensivamente adotadas
e garantiram o domínio praticamente vitalício de Mobutu.
93
3.1 A Crise do Congo (1960-1965)

A Natureza das Ameaças


A Crise do Congo compreende as tensões do processo de descolonização
belga que resultaram no colapso de sua principal colônia, o Congo-Leopoldville.
O fenômeno se caracterizou pela convulsão política, econômica e principalmente
de segurança (guerra civil). Estendeu-se de 1960 a 1965 e causou a morte de
aproximadamente 200 mil pessoas (DUNNIGAN & BAY, 2001; FORBATH,
1991).
A emancipação política do país resultou do colapso da administração
colonial, a qual havia se tornado inviável e insustentável a longo prazo
(ZARTMAN, 1995:2). No contexto da segunda onda de democratização na
Europa (HUNTINGTON, 1994), o governo belga anunciou, no início de 1960,
que concederia a independência do país em seis meses.116 A declaração foi feita
após conturbadas negociações com lideranças políticas locais que então se
formavam117. Todavia, além da incapacidade administrativa gerada pela
insuficiência do sistema educacional colonial para os nativos, as divisões étnico-
regionais fomentadas pelos belgas resultaram em graves conflitos políticos
internos. Assim, a independência do Congo trouxe consigo uma crise que abalou
a história sucessora do país.
Na esfera estrutural, pode-se dizer que as disfunções herdadas do
sistema colonial geraram problemas comuns aos africanos118, agravadas pela
conjuntura da Guerra Fria – a qual começava a chegar ao continente.119

116
Levantes na colônia, ocorridos após a divulgação de um panfleto de um professor belga que advogava o
atraso da descolonização para mais 30 anos, levaram a metrópole a agir rapidamente. Isso, contudo,
ocorreu em excesso. A Bélgica anunciou em 1960 que concederia em seis meses a independência para o
Congo. A despeito da euforia da população congolesa, não havia condições para o surgimento de um
governo estável e efetivo. A colônia contava apenas 30 graduados para cumprir o papel de 10.000
burocratas belgas (GONDOLA, 2002:117; KABEMBA, 2006); os militares congoleses não detinham
posições acima de sargento; e os africanos que possuíam alguma experiência administrativa haviam atuado
somente em cargos inferiores da burocracia estatal (NZONGOLA-NTALAJA, 2003:98).
117
Após a prisão de dois líderes políticos locais de notória expressão (Joseph Kasavubu em 12 de janeiro
de 1959 e de Patrice Lumumba em outubro do mesmo ano) foi realizada, no início de 1960, a "Roundtable
Conference" em Bruxelas. Previa-se um acordo entre os diversos líderes partidários congoleses. Cumpre
salientar que os partidos políticos do Congo tiveram suas bases fundadoras em (i) associações de
enaltecimento étnico; (ii) redes de contato entre elites estudantis; (iii) associações urbanas entre uma elite
ocidentalizada; e (iv) movimentos nacionalistas/progressistas. O primeiro caso era o de Kasavubu (futuro
presidente), vindo da Associação de Bakongo (ABAKO). O último, de Patrice Lumumba (futuro primeiro-
ministro), fundador do Movimento Nacional Congolês (MNC).
118
Dentre os problemas mais relevantes, pode-se citar dois: (1) as rivalidades entre grupos distintos
(tribalismo), que haviam sido incentivadas como forma de dominação interna e externa; e (2) a assimilação
cultural das elites locais, baseada na dependência neocolonial, que possibilitou o surgimento de uma elite
neocolonial que possuía estreitas ligações com as ex-metrópoles e que se baseava na exacerbação da
corrupção (VISENTINI, 2007a:115). Essas características estruturais levaram a um contexto africano pós-
independência caracterizado, segundo Crawford Young (2002:16-22), por quatro grandes instabilidades
(todas, em certa medida, presentes no Congo): (i) descolonização mal administrada; (ii) movimentos
separatistas; (iii) falência prematura do Estado; e (iv) opressão racial.
119
Pode-se adicionar ainda o peso da diplomacia argelina e egípcia (nasserista) a favor dos movimentos de
libertação nacional e as disputas pós-1961 entre dois blocos opostos de países independizados, o Grupo de
Brazzaville e o Grupo de Casablanca (VIZENTINI, 2007b:170). De acordo com Paulo Visentini, o Grupo
de Brazzaville (criado em dezembro de 1960) era liderado por Senegal e Tunísia e seguia uma posição
94
Entretanto, no caso do Congo-Leopoldville recém-independente, a situação era
ainda mais grave.120
Cronologicamente, o governo de Joseph Kasavubu (presidente) e do
emblemático líder nacional-progressista Patrice Lumumba (primeiro-ministro)
testemunhou a violação da soberania do país por militares belgas logo nos
primeiros dias de sua independência (declarada em 30 de junho de 1960).
Alegava-se a necessidade de suprimir o “caos reinante no país”, após
manifestações nacionalistas por parte do primeiro-ministro e um motim de
militares que lutavam por maiores direitos frente aos seus superiores belgas. A
Crise do Congo se intensificou em 11 de julho do mesmo ano, quando Moise
Tshombe (líder do partido CONAKAT) declarou a independência da província
de Katanga, apoiado pela mineradora belga Union Minière du Haut-Katanga e
por homens belgas em armas. O contágio das revoltas separatistas, também
ocorridas em Kasai Sul, levou Lumumba a recorrer ao auxílio das tropas das
Nações Unidas (ONU), que criaram a Operação das Nações Unidas no Congo
(ONUC). No entanto, devido a uma postura ambígua da organização (então
secretariada pelo sueco Dag Hammarskjöld), que se recusava a enviar tropas aos
focos separatistas, Lumumba aproximou-se da URSS, recebendo amparo militar
contra as secessões.
A atitude de Lumumba provocou reações políticas imediatas, que
resultaram no golpe militar de 14 de setembro de 1960. O auxílio da CIA foi
fundamental para o sucesso da articulação feita pelo então Chefe do Estado-
Maior do Exército, Joseph-Désiré Mobutu, e pelo grupo Binza121. Mobutu
liderou a ascensão da cúpula militar, que suspendeu o parlamento e a
Constituição em 1960. O primeiro-ministro Lumumba e o presidente Kasavubu
foram declarados neutralizados. No entanto, Kasavubu foi restituído no Gabinete,
enquanto Lumumba foi posto em prisão domiciliar sob proteção das tropas da
ONU. Não suficiente, o primeiro-ministro, democraticamente eleito, foi

moderada alinhada ao neocolonialismo. Já o Grupo de Casablanca (criado em janeiro de 1961),


encabeçado por Egito e Argélia (governo provisório) era reativo ao primeiro e propunha uma postura
neutralista e de ruptura com as metrópoles (2007:169-170).
120
No âmbito econômico, havia (i) a herança da economia colonial extrativa belga que resultou, no pós-
independência, na manutenção da dependência dos recursos minerais de duas províncias principais, a
saber, Katanga e Kasai e (ii) a fuga de capitais, a privatização em larga escala e o êxodo de profissionais
europeus com a abrupta declaração de independência pela Bélgica (RODRIGUES, 1990; ISS, 2005a). Na
esfera política, percebia-se (i) a disputa do partido federalista-separatista CONAKAT da província de
Katanga e do cartel federalista-separatista dos partidos Balubakat, Fedeka e Atcar (base étnica Baluba) das
províncias de Katanga e Kasai contra o governo central; e (ii) a instabilidade institucional gerada pelo
baixo nível de treinamento dos funcionários congoleses. No que concerne à segurança, foi clara a
incapacidade militar nacional congolesa em conter pretensões separatistas de Katanga e Kasai e ameaças
rebeldes do leste.
121
O Grupo Binza foi uma organização informal que teve papel protagonista durante a Crise do Congo.
Seu nome se refere ao próspero subúrbio de Leopoldville, onde a maioria de seus membros viva. Operou
de maneiras variadas, seja como grupo de pressão, seja como influência pessoal de seus membros junto ao
alto escalão da política congolesa. Dentre seus principais integrantes estavam Joseph-Désiré Mobutu,
Justin Bomboko (fundador do partido de diplomados universitários, UNIMO, e posteriormente presidente
do Colégio de Comissários Gerais de Mobutu e ministro das relações exteriores entre 1961 e 1963), Victor
Nendaka (vice-presidente da ala lumumbista do partido MNC e depois diretor do Serviço de Segurança
Nacional - Sûreté Nationale) e Cyrille Adoula (líder trabalhista, senador e em seguida primeiro-ministro).
Principalmente durante o período do governo de Joseph Kasavubu de 1961 a 1965, o grupo Binza foi "o
poder atrás da presidência" (DEVLIN, 2007:99).
95
assassinado em janeiro de 1961, seis meses após a instituição da independência
do Congo.122
Seguiu-se no país uma guerra civil que levou à morte de até 200 mil
pessoas. Assim, a necessidade de evitar a contaminação separatista aos países
vizinhos e neutralizar a campanha diplomática afro-asiática e soviética na região
(VIZENTINI, 2007:169), fez com que Lumumba tivesse, após morto, seus apelos
finalmente acolhidos pela ONU. Esta centralizou esforços para a recuperação de
Katanga, obtida no início de 1963, enquanto Tshombe se refugiava na Rodésia
do Norte (atual Zâmbia).123
No entanto, a divisão do Congo entre dois governos paralelos
[Leopoldville (oficial) e Stanleyville (lumumbistas rebeldes liderados por
Antoine Gizenga)]; as subsequentes revoltas de grupos rebeldes a partir do final
de 1963 em Kwilu (centro do país), por Pierre Mulele, e em toda a região leste e
nordeste, pelo grupo CNL (Conselho Nacional de Libertação); e a reação
desempenhada pelo ocidente demonstraram que, mais uma vez, o quadro
desfavorável do sistema internacional iria dividir o país. Assim, Moise Tshombe
(o ex-separatista que ironicamente substitui Cyrille Adoula como primeiro-
ministro) enviou à região de Stanleyville tropas congolesas, a então exilada
gendarmerie124 de Katanga e mercenários brancos, com apoio de assessores
norte-americanos e paraquedistas belgas, podendo, assim, esmagar os rebeldes
esquerdistas. No ano seguinte (1965), houve ainda a tentativa de Ernesto
Guevara de, juntamente com mais de cem outros assessores cubanos, fazer do
Congo o foco central da revolução africana.
Por fim, disputas políticas geraram justificativas para um novo golpe de
Mobutu em novembro de 1965. O militar instaurou um regime que acabou
durando 32 anos.

As Forças Combatentes Principais


A superação da crise congolesa foi realizada com esforços mínimos para
construção de uma esfera coercitiva do Estado. Com o amotinamento do
exército, as forças combatentes disponíveis para estabilizar a instituição e
reprimir os separatismos, principalmente os de Katanga, eram insuficientes.125
As forças de segurança do período eram herdeiras diretas da estrutura do
Congo-belga, principalmente, da Force Publique. Essa organização foi
constituída em 1888 para manter a ordem pública doméstica e realizar a proteção

122
Sua “eliminação definitiva” (DE WITTE, 2001:49) foi resultado das pressões tanto belgas quanto
estadunidenses para manter o controle das riquezas naturais do país. Foi o próprio presidente Eisenhower
que, em 1960, afirmou que Lumumba era “uma pessoa muito difícil, senão impossível, de entrar em
acordo e um perigo para a paz e a segurança do mundo” (BLUM, 2004:157). O Ocidente pôde defender
seus interesses econômicos, evitando a implantação de um regime progressista, nacionalista e neutralista,
que manteria boas relações com o campo socialista, podendo influenciar vizinhos (VIZENTINI,
2007b:169).
123
Anteriormente, em fevereiro de 1962, Kasai Sul havia sido recuperada pelo governo central, agora
chefiado pelo primeiro-ministro Cyrille Adoula.
124
Gendarmerie – Força de centenas de mercenários europeus, recrutados na Bélgica, que haviam apoiado
o separatismo de Katanga.
125
Ressalta-se que grande parte dos esforços para suprimir a secessão da província de Kasai foi realizada
pelas próprias tropas congolesas.
96
contra ameaças externas. Tal junção de funções era consequência do fato de que
o Estado de Leopoldo II e a Colônia Belga não diferenciavam forças militares
das policiais. Este quadro criava tensões dentro da organização, as quais só foram
minimamente resolvidas após a I Guerra Mundial. A partir deste momento a
Force Publique dividiu-se em Tropas de Guarnição e Tropas de Serviço
Territorial. Aquelas serviram como uma força militar orientada contra ameaças
externas, enquanto estas assumiram a função de gendarmerie (ou força policial) e
seus elementos foram espalhados pelo território colonial sob o controle
operacional dos administradores territoriais.126 Em 1959, as Tropas de Serviço
Territorial foram designadas oficialmente como Gendarmerie.
Com a independência, o amotinamento de militares africanos da Force
Publique e as pressões sobre o primeiro-ministro Lumumba fizeram com que
este removesse mais de 1.000 oficiais europeus das estruturas de comando do
exército (alguns permaneceram como assessores) e os substituísse por suboficiais
congoleses. A Force Publique foi renomeada Exército Nacional Congolês
(Armée Nationale Congolaise – ANC) e sua estrutura de comando foi
modificada.127 A reforma também permitiu a incorporação à ANC dos 6.000
homens pertencentes às antigas Tropas de Serviço Territorial, formando uma
divisão de Gendarmerie e totalizando uma força de 25.000 homens. Apesar das
rápidas modificações, a desintegração das forças armadas continuou: o exército
se degenerou, em diversos casos, em gangues armadas leais a chefes locais ou
regionais, ao invés do governo nacional. Como resultado, a ANC tornou-se uma
força armada apenas nominalmente, tendo “performances precárias, e sendo
inapta a manter a ordem estatal sem auxílio externo” (GLICKSON e SINAI,
1993:on-line).128
Dessa forma, para suprir o déficit coercitivo do Estado, o primeiro-
ministro Lumumba teve de solicitar o auxílio de tropas das Nações Unidas. A
missão, autorizada em 14 de julho de 1960 pelo Conselho de Segurança (CSNU)
foi a maior até então implantada pela Organização (DOBBINGS, 2005:11;

126
Ressalta-se que, durante todo o período colonial, comandantes utilizavam sua autonomia administrativa
para perseguir suas próprias agendas políticas. O treinamento das forças de segurança era mínimo e sua
função primordial era a de auxiliar as autoridades civis a ocupar e pilhar o território (ICG, 2006:4-5).
127
Com a generalização dos motins do exército, Lumumba operou uma rápida e limitada reforma nas
forças de segurança. O processo de africanização foi representado principalmente por (1) a promoção de
Victor Lundula para o posto de General e sua indicação para o cargo de Comandante-em-Chefe das Forças
Armadas; e (2) a promoção de Mobutu para o posto de Coronel e sua indicação para Chefe do Estado-
Maior do Exército. Contudo, essas duas indicações se mostraram equivocadas, devido à falta de
qualificação de ambos, aos apegos aos vínculos étnicos por parte de Mobutu e às estreitas conexões deste
com os serviços de inteligência norte-americano e belga.
128
Por sua vez, as forças policiais do período (Gendarmerie, a Polícia Territorial e a Polícia de Chefes
Locais) eram caracterizadas pelo comando descentralizado e por se reportarem a chefes locais com pouco
comprometimento com a causa nacional (GLICKSON e SINAI, 1993). Aliada à incapacidade das forças
de segurança, a relação estreita entre a CIA e a agência nacional de inteligência do Congo, Sûreté
Nationale (SN), intermediada pelo grupo Binza, possibilitou a influência direta dos EUA na política
congolesa no período. Além das relações diplomáticas abertas e das pressões sobre o posicionamento da
ONU e da Europa em relação ao Congo (DEVLIN, 2007; GLEIJESES, 2003), outra forma de interferência
dos EUA foi concretizada nas diversas operações encobertas (OEs) empreendidas no período, como se
verá adiante.
97
GORDON, 1965). No dia 17, chegavam à capital Leopoldville as primeiras
forças internacionais da ONUC (Operação das Nações Unidas no Congo).129
Enquanto a ONUC se recusava a interferir na repressão do separatismo
de Katanga, a região ficou praticamente independente. A consequente
aproximação de Lumumba à URSS marcou o destino do primeiro-ministro e
contribuiu para a sua derrubada (14 de setembro de 1960) e assassinato (17 de
janeiro de 1961). Somente após a eliminação de Lumumba, a ascensão de
Kennedy nos EUA – trazendo a posição de que haveria de se estabelecer uma
união nacional no Congo, em oposição aos interesses comerciais britânicos –, e o
estabelecimento de resoluções mais duras do Conselho de Segurança da ONU
(CSNU) é que a secessão de Katanga pôde ser sobrepujada. Para isso
contribuíram fundamentalmente as operações Rumpunch, Morthor, Unokat e
Grand Slam, as quais possibilitaram a recuperação de Katanga em janeiro de
1963.
Apesar de, na época, ter sido sustentada a percepção de que a morte de
Lumumba favoreceria a pacificação do Congo, é importante ressaltar que as
consequências foram opostas, a despeito da resolução da questão de Katanga.
Neste contexto, cumpre salientar que a ordem de assassinato de
Lumumba foi o maior exemplo da utilização do mecanismo das operações
encobertas (OEs)130 por parte dos EUA como forma de controlar o desenrolar da
crise do Congo. As OEs também representam a vulnerabilidade das forças de
segurança congolesas frente à penetração externa e às ameaças internas. No
período, uma série de OEs baseadas em um conjunto amplo de alianças políticas
entre agentes norte-americanos e o poderoso grupo Binza congolês foi
estabelecida de forma a direcionar a política congolesa para rumos supostamente
adequados. Dentre as dez OEs principais que os Estado Unidos realizaram no
Congo entre 1960 e 1965 pode-se citar (i) o apoio político e o financiamento (de
5 mil dólares) ao Golpe de Estado de Mobutu de 14 de setembro de 1960; (ii) a
polêmica ordem de assassinato de Patrice Lumumba; (iii) o suporte à
neutralização de lumumbistas no novo governo de integração nacional de Cyrille
Adoula; e (iv) o apoio cerrado dos EUA nas operações do governo congolês
contra os rebeldes lumumbistas armados (DEVLIN, 2007; DE WITTE, 2001;
CHURCH COMMITTEE; 2007).
Entre estas OEs principais, nenhuma interferiu tanto no destino do
Congo quanto a tentativa de assassinato de Lumumba. No dia 19 de setembro de
1960, Larry Devlin (chefe da estação da CIA no Congo) recebeu uma mensagem
de Richard Bissell (comando do DDP) via cabo e com o código PROP. O cabo

129
A ONUC foi mandatoriamente uma força de manutenção de paz (peacekeeping). Todavia, passou a ser
considerada uma ação de imposição de paz devido às suas resoluções posteriores e ao grande número de
mortos resultantes de suas operações (DOBBINGS, 2005:xxiii). Esta força tarefa de aproximadamente 30
países incluiu quase 20.000 militares entre oficiais e soldados; inclusive do Brasil, que estava no auge da
Política Externa Independente. Destaca-se o papel da Força Aérea Indiana e a utilização das aeronaves de
interdição Canberra, ideais para ataques à distante província de Katanga em um contexto de precária
conexão viária no país (RAKSHAK, S/d).
130
“Operações encobertas são utilizadas por um governo ou organização para tentar influenciar
sistematicamente o comportamento de outro governo ou organização através da manipulação de aspectos
econômicos, sociais e políticos relevantes para aquele ator, numa direção favorável aos interesses e valores
da organização ou governo que patrocina a operação” (CEPIK, 2003: 61).
98
dizia que um oficial sênior chegaria a Leopoldville em 27 de setembro, se
identificaria como Joe from Paris e explicaria a tarefa de Devlin. Joe, ou
Scheider (conforme apresentou o Church Committee do Senado norte-
americano), era de fato um oficial sênior, especializado em químicos. Chegou ao
Congo carregando venenos mortais para que Devlin assassinasse Lumumba. Um
dos venenos estava conservado dentro de um tubo de pasta de dente. Scheider
deixou claro que Devlin poderia utilizar outros métodos desde que não deixasse
rastros que levasse ao governo norte-americano. A ação havia sido aprovada por
Eisenhower, conforme orientação de Bissell, e o seu conhecimento estava
originalmente restrito a Allen Dulles (Diretor da CIA), Richard Bissell, Bronson
Tweedy (Chefe da Divisão Africana da CIA) e Glenn Fields (vice-chefe da
Divisão Africana da CIA).
Todavia, nem as tentativas de prisão de Lumumba por parte de Mobutu,
nem a chegada de ajuda para Devlin no desempenho da operação PROP foram
bem-sucedidas. De fato, a própria fuga de Lumumba para encontrar seus
companheiros em Stanleyville, após ter ficado preso em sua residência com a
proteção das tropas do ONUC, possibilitou a captura do primeiro-ministro pelas
forças de Mobutu, pelo que se sabe sem o auxílio da CIA. Lumumba foi mantido
preso em Thysville (campo militar a sudoeste de Leopoldville) até um duvidoso
motim de tropas desta base no dia 13 de janeiro. Por motivos não justificáveis,
Lumumba foi transferido por membros do governo para Katanga, onde foi
entregue para seus inimigos separatistas. Seu avião chegou a Elisabethville em
17 de janeiro; Lumumba foi assassinado em seguida. A operação também foi
feita, pelo que se sabe até hoje, sem o auxílio direto da CIA. De acordo com
Ludo de Witte, a execução de Lumumba foi assistida por ministros de Katanga,
um comissário policial belga e três oficiais militares belgas (DE WITTE, 1999).
Apesar de não haver comprovação de que houve uma participação mais
direta dos EUA no incidente, a percepção generalizada dos lumumbistas
congoleses do período era de que a CIA estava diretamente envolvida – o que
contribuiu fortemente para a sublevação de movimentos armados no leste do país
entre 1963 e 1968 (rebeldes de Mulele e rebeldes Simba). Portanto, ao contrário
do que alguns líderes ocidentais pensavam na época, o assassinato de Lumumba
não foi a solução dos problemas congoleses. Pelo contrário, incentivou a
insurgência armada e trouxe mais custos para o governo do Congo e para os
próprios EUA e a Bélgica – que se viram obrigados a coordenar os esforços de
contrainsurgência no período.
Com relação a esse ponto, a repressão dos grupos rebeldes Mulele e do
CNL foi realizada após a saída das tropas da ONU (junho de 1963) e, por isso,
teve de contar com suporte direto dos EUA, da Bélgica e de mercenários sul-
africanos e europeus.131 Os Estados Unidos forneceram (i) uma Força Aérea para
o Congo, operada por exilados cubanos; (ii) aviões de transporte com tripulação
norte-americana para a condução de paraquedistas Belgas na ocasião da
recuperação da cidade Stanleyville; e (iii) uma patrulha naval operada pela CIA,

131
Para facilitar a satisfação desse conjunto de forças contrarrevolucionárias, foi articulada a subida do ex-
separatista katanguês, Moise Tshombe, ao posto de primeiro-ministro em julho de 1964, implementando
um governo de salvação nacional.
99
para romper a linha de suprimentos vindos da Tanzânia através do Lago
Tanganyika. A Bélgica operou com o envio de quase 450 oficiais para o
treinamento e comando de tropas e de 500 paraquedistas no resgate de reféns em
Stanleyville (BLUM, 2004:162). Os mercenários sul-africanos e europeus
cumpriram o papel principal. Tratava-se de mais de 1.000 homens, que foram à
linha de frente em grande parte das operações contra os rebeldes do leste
(GLEIJESES, 2003:71). Dessa forma, a estratégia de contrainsurgência fez com
que o Congo experimentasse a presença de “guerreiros secretos em larga escala –
criados em Truman, expandidos em Eisenhower e estabelecidos em Kennedy”
(PRADOS, 1996:237).
Por seu turno, parte das forças rebeldes também foram auxiliadas pelo
exterior em todo o período. É o caso da província separatista de Katanga, que
recebeu apoio de aproximadamente 6.000 homens belgas em armas, além de
centenas de mercenários vindos principalmente da África do Sul, Bélgica e
Rodésia. No caso do grupo revolucionário CNL, houve o envio de armas e
suprimentos por parte da URSS e da China; o apoio político e logístico de
diversos países africanos, em especial Tanzânia, Egito e Congo-Brazzaville; e o
estabelecimento, já no período de declínio da guerrilha, de uma força de 128
assessores cubanos com armas, comandados por Che Guevara. O líder cubano
procurava instituir centros de treinamento de guerrilheiros congoleses, com o
intuito de incentivar o desenvolvimento de novas práticas militares e de uma
ética de conduta que serviria de base para uma ampla revolução nacional. Seu
projeto fracassou, em parte, pela falta de disposição das lideranças do movimento
CNL em apostar nesta estratégia de médio e longo prazo (GUEVARA,
2000:275).

O Financiamento da Guerra
Com a economia em declínio, o financiamento da guerra foi precário,
devido à fuga de capitais belgas e, principalmente, ao separatismo das economias
mais dinâmicas do país (Kasai e Katanga).132 Cumpre salientar que os próprios
movimentos separatistas envolveram, além de fatores étnico-sociais133,
elementos econômicos que contribuíram para a ebulição política na região.
No caso de Kasai, a busca pela intensificação e a acumulação dos
ganhos advindos da exploração econômica do sul da província (atualmente Kasai
Ocidental) foi um importante fator para a radicalização da plataforma política da

132
De acordo com McCalpin, “com a saída de muitos belgas do Congo, seguiu-se um rápido êxodo de
capitais. Os belgas tinham uma forte presença na agricultura e no comércio, e a economia sentiu
imediatamente o efeito da retirada de seu capital humano e financeiro. Segundo estimativas, a população
belga no país, que totalizava 110.000 em 1959, caiu para cerca de 80.000 na independência e, em seguida
recuou ainda mais dramaticamente a 20.000 em 1961, momento em que a maioria dos expatriados
restantes permanecia na província próspera e mineralmente rica de Katanga. Também teve consequências
a ausência de uma classe nativa econômica para substituir os belgas que deixavam o país” (MCCALPIN,
2002:39. Tradução minha).
133
Recordando o apresentado no capítulo 2, os belgas favoreceram os chefes locais Lunda de Katanga e
Lulua de Luluabourg no sul de Kasai (hoje cidade de Kananga) em detrimento dos Baluba, considerados
“bons para o trabalho” no caso de Katanga (assim como os Hutu de Ruanda-Urundi), mas insubmissos no
caso de Kasai. O separatismo foi o resultado prático dessas políticas: em Katanga propunham-se poderes
aos “autênticos Katangueses” (Lunda) e em Kasai à elite saudosista Baluba (contra os Lulua).
100
elite regional Baluba. Mais do que interesses externos, o separatismo de Kasai,
buscava o enriquecimento de grupos pouco inclinados a aceitar a unidade
nacional.
Conhecido como o "estado diamante", o sul de Kasai possui grandes reservas
de diamantes tipo gema e industriais. Até meados da década de 1970, o Congo
foi o maior produtor individual de diamantes industriais, com média de cerca
de um terço do total mundial [...]. No entanto, ao contrário de Katanga, a
região de Kasai não possuía uma comunidade de colonos belgas de longa data
que a apoiava. Portanto, não recebeu suporte do Ocidente. (NDIKUMANA e
EMIZET, 2003:8. Tradução minha)
No âmbito político, a liberalização dos partidos por parte do colonizador,
no final dos anos 1950, levou a um recrudescimento dos antagonismos entre
Luba e Baluba – passando à esfera política as rivalidades sociais manipuladas
externamente. Os partidos tenderam a seguir clivagens étnicas e logo começaram
a surgir posições mais radicais. Em 1959, um funcionário colonial Luba
descobriu uma proposta de um oficial belga de expulsar esta etnia do dinâmico
centro econômico dos Lulua e reenviá-los para o empobrecido sudeste de Kasai.
A situação se agravou em 1960 com cisões partidárias134 em nível nacional135, a
radicalização das posições em Kasai (opção pelo separatismo)136 e a pesada
repressão aos secessionistas por parte do exército nacional (ANC)137.

134
Em julho de 1959, o partido MNC foi dividido entre a facção de Lumumba e a de políticos moderados
como Joseph Ileo, Joseph Ngalula e o líder sindicalista Cyrille Adoula - que acusavam Lumumba de
comunista e autocrático. A facção moderada tornou-se conhecida como MNC-Kalonji, devido
principalmente à sua tentativa mal sucedida de substituir Lumumba pelo líder Albert Kalonji, de Kasai. O
MNC-K se opôs ao unitarismo da facção rival.
135
A situação levou ao aumento das tensões, com demonstrações dos Luba em agosto e a prisão de seu
líder Albert Kalonji. Finalmente, em dezembro, uma guerra aberta entre os grupos se iniciou, estendendo-
se até as eleições de maio de 1960. Estas foram fortemente marcadas pela divisão étnica e possibilitaram
ao MNC-K obter uma grande proporção dos assentos na assembleia provincial, sem, contudo, conseguir
maioria para indicar a liderança da província. A interferência de Lumumba na situação agravou ainda mais
a conflito. O líder da facção do MNC-L (rival à de Kalonji) articulou uma coalizão de 50 votos na
assembleia que garantiu a vitória do líder Lulua, Barthélemy Mukenge. A atitude de Lumumba foi
considerada um erro tático que, a partir da sinalização de que havia escolhido um dos lados da disputa
étnica, levou aos políticos Luba romperem com o seu governo nacional (NDIKUMANA e EMIZET,
2003).
136
Kalonji e as outras lideranças do MNC-K, ressentidos com a postura de Lumumba, passaram para o
radicalismo político em grande medida desconectado das reivindicações do grupo Luba como um todo. O
partido passou a apoiar Tshombe (um histórico defensor da limpeza étnica dos Luba-Kasai em Katanga) e
a buscar o separatismo (posição diametricamente oposta aos seus primos unitaristas Luba-Katanga do
Balubakat). Assim, os líderes Luba passaram a buscar a política, anteriormente defendida pelos
colonizadores, de retorno do grupo à sua terra natal no sul de Kasai. As ambições de Kalonji
transformaram o que era uma busca para a criação de uma nova província em uma luta separatista. Em
Lubumbashi, o líder declarou a secessão de Kasai Sul em 8 de agosto de 1960, com sinalizações de
suporte por parte de Tshombe e da Bélgica. Na tentativa de legitimar sua articulação, Kalonji conseguiu
que chefes locais o consagrassem como novo rei dos Luba.
137
A repressão ao separatismo de Kasai foi rápida e brutal, levada a cabo por tropas da ANC que se
dirigiam para suprimir o separatismo de Katanga. Entretanto, a característica desumana com que as tropas
comandadas por Mobutu reprimiram a população Luba contribuiu como justificativa para a derrubada de
Lumumba. Após sua queda e assassinato, a secessão continuou por mais de vinte meses graças à
conivência dos moderados que assumiram o poder em Kinshasa com o anticomunista e pró-ocidental
Kalonji. O regime deste líder ficou intacto até setembro de 1962, por meio da exportação de diamantes. A
secessão só conseguiu ser derrotada graças ao apoio do Chefe do Estado-Maior do Exército de Kalonji às
tropas da ANC. Posteriormente, a região se tornou uma província própria (Kasai Ocidental, abarcando
101
No caso de Katanga, a situação era sensivelmente mais grave devido (i)
a fatores políticos, (ii) à presença significativa de colonos brancos, (iii) à
centralidade da região para a economia nacional e (iv) à participação externa no
separatismo.
Os elementos políticos estão remotamente conectados ao rebaixamento
do status político da província em 1933, que causou ressentimento aos habitantes
da região, principalmente àqueles colonos brancos que pregavam a superioridade
europeia.138 De fato, os interesses dos colonos tiveram papel central no
desequilíbrio a favor das forças secessionistas de Katanga, onde habitavam em
1956 aproximadamente 34.000 brancos, 31% de toda a população europeia da
colônia (LEMARCHAND, 1962:406).139 Entretanto, com as eleições locais de
1957 e a percepção de que o voto africano era fundamental para se costurar a
ascensão ao poder, uma nova estratégia foi adotada: a colaboração com povos
nativos que compartilhavam desconfianças frente ao governo central e ideias
separatistas.140
No que tange aos fatores relacionados à exploração econômica, durante
os anos 50, a produção mineral da região avançou quase 60% – gerando enormes
lucros à companhia belga Union Minière du Haut-Katanga (UMHK), a empresa
mais importante para a economia congolesa (controlada pela Société générale de
Belgique (SGB), responsável por 70% da economia do país). No início dos anos
60, a própria região de Katanga era responsável por 70% da renda nacional
(NDIKUMANA e EMIZET, 2003:3). Todavia, as riquezas de Katanga não eram
exploradas somente pelo governo congolês. Pelo contrário, forças externas
ocidentais eram as que mais lucravam com a exploração da região.141 Este

também os distritos de Kananga e de Sankuru) – o que possibilitou a redução das tensões entre Lulua e
Baluba.
138
Desde 1910 a região havia garantido privilégios na estrutura administrativa belga, sendo comandada
diretamente pelo vice-governador geral. Entretanto, com a reorganização administrativa de 1933, Katanga
adquiriu a mesma posição que as demais províncias, passando a ser comandada pelo emissário local
(LEMARCHAND, 1993).
139
Importa lembrar que, durante o período colonial, Katanga passou a abrigar uma grande comunidade de
colonos Europeus e cultivou mais afinidades com a África Austral do que com o próprio Congo (inclusive
com as comunidades segregacionistas da Rodésia do Sul e África do Sul). Além disso, esta população
estava organizada politicamente no partido União pela Colonização de Katanga (Union pour la
Colonisation du Katanga – UCOL-Katanga) que visava a salvaguardar a população branca de Katanga as
liberdades garantidas pelos belgas e promover o crescimento da colonização europeia (LEMARCHAND,
1993:on-line).
140
Estes africanos separatistas estavam organizados na Confederação das Associações de Katanga
(CONAKAT - Confédération des Associations du Katanga), comandada por aqueles que se diziam
autênticos katangueses (na maioria, grupos Lunda e Yeke). Como fator agravante, os katangueses
“estrangeiros” (vindos de Kasai) passaram a compor quase 38% da população da região em 1956 e
garantiram vitória nas eleições locais de 1957, o que intensificou a aliança entre os “autênticos”
katangueses e os colonos europeus (LEMARCHAND, 1993:on-line). A quebra da autoridade central com
os motins militares ofereceu a Tshombe (líder do partido separatista CONAKAT) um pretexto para
proclamar a independência da região em 11 de julho de 1960.
141
Para a Bélgica, um rompimento das atividades no Congo e na região custaria à SGB aproximadamente
77 milhões de dólares de receitas, enquanto o país teria de arcar com uma redução no orçamento anual,
fora os custos de reintegrar 10.000 burocratas que atuavam na colônia (GONDOLA, 2002:120). Outros
países, como França, Itália e Alemanha Ocidental temiam o bloqueio de seus investimentos na região. Os
EUA, por seu turno, queriam manter controle sobre os recursos congoleses - considerando Katanga como
parte do cinturão de cobre da África Austral (área responsável por um quarto da produção mundial do
102
quadro foi centralmente importante para o auxílio externo na tentativa de
conservar a região como um enclave econômico ocidental, com vínculos diretos
a interesses econômicos britânicos, sul-africanos e norte-americanos (vide
capítulo 2), o qual era facilitado pelo fato de que as ferrovias que exportavam
prioritariamente os produtos de Katanga passavam por fora do território nacional
(ferrovia Dilolo-Benguela e conexões desde Sakania até Beira em Moçambique).
Ao contrário do caso de Kasai, o apoio belga foi fundamental,
fornecendo assistência militar, econômica e técnica aos secessionistas. Alguns
dos principais auxílios foram dados à conversão da gendamerie katanguesa em
uma força de segurança efetiva e o apoio armado direto. Outro suporte relevante
foi o estabelecimento e a manutenção de funcionários belgas nos órgãos
administrativos da província.142 De fato, além dos colonos brancos, uma
burguesia imperialista que ocupava posições de comando na UMHK e na SGB
de Katanga serviu de interface para o estabelecimento de um enclave minerador
sustentado e explorado por Bélgica, Grã-Bretanha e África do Sul.
Devido à realidade de secessão dos principais centros econômicos do
país, a guerra teve de ser sustentada pelo governo central quase que
integralmente pelo crescimento anterior da economia congolesa e pela assistência
externa. Apesar de os dados econômicos sobre o período serem escassos, é
possível inferir que grande parte da economia de guerra nos anos iniciais (1960-
1963) foi baseada nas reservas decorrentes do bom desempenho econômico da
colônia belga, que desde 1920 crescia 6% ao ano (NZONGOLA-NTALAJA,
2003:72). Por outro lado, uma análise sobre o crescimento econômico da
economia congolesa demonstra que a variação da renda nacional entre 1960 e
1967 foi de -0,3% (Ibidem).143 Também por isso havia a dependência das tropas
da ONU para a realização de operações militares contra os separatistas de
Katanga, devido à incapacidade das forças congolesas de exercê-las, decorrente
provavelmente da falta de recursos para fortalecê-las.
Com a retomada de Katanga e Kasai, a economia congolesa pareceu se
recuperar, devido ao aumento imediato das exportações e do PIB. Entretanto,
para enfrentar os rebeldes lumumbistas do leste, os maiores esforços econômicos
não parecem ter vindo do bolso dos congoleses, mas sim dos contribuintes norte-
americanos. Se as operações aéreas representaram o grande diferencial na vitória
militar do Congo, é bom lembrar que todo o equipamento da nova Força Aérea
foi enviado pelos EUA, da mesma forma os pilotos (exilados cubanos), a
tripulação e os armamentos. Na guerra terrestre, o diferencial foram as forças
mercenárias, haja vista que as tropas congolesas começaram a fugir dos rebeldes
do leste na medida em que se espalhavam boatos de que estes utilizavam

produto). Em 1960, os EUA importavam três-quartos do cobalto e metade do tântalo de Katanga - dois
minerais utilizados na indústria aeroespacial norte-americana (Ibidem).
142
Bruxelas estava determinada a apoiar o separatismo de Katanga a todo o custo – mesmo com o fato de
que este envolvia ideologias genocidas contra os Luba de Kasai. Na realidade, tratava-se de um projeto
que servia aos interesses de grandes companhias mineradoras e de colonos brancos – que envolvia a
integração de Katanga ao complexo econômico da África Austral (NZONGOLA-NTALAJA, 2003:100-
101). Esta realidade justificava o apoio tácito de Grã-Bretanha e África do Sul ao separatismo da região.
143
Na agricultura, a produção comercializada caiu 40% e as exportações 50%. Além disso, o débito
externo disparou. (NZONGOLA-NTALAJA, 2003:146).
103
instrumentos místicos para incrementar sua moral na guerra (era o caso da
imunização com a água mágica – dawa ou Mai Mulele). Entretanto, o governo
do Congo não teve de desembolsar um Franco Congolês sequer para o
pagamento dessas tropas. Segundo Gleijeses (2003:132), os pagamentos mensais
de US$ 300.000 aos mercenários eram feitos integralmente por EUA e Bélgica,
que firmaram um acordo em 1964, após a recusa belga de enviar soldados
nacionais ao Congo. Portanto, é possível afirmar que os reduzidos esforços
militares nacionais congoleses para enfrentar a crise de seu país contribuíram
para o estímulo reduzido à construção da esfera extrativa do Estado – não
ocorrendo, provavelmente, qualquer acréscimo considerável na taxação à
população e na estrutura estatal para coletá-las.
Por fim, cumpre ressaltar que o apoio externo possibilitou que o Congo
se saísse vitorioso da guerra civil. Para completar o quadro, uma disputa política
entre o então presidente Joseph Kasavubu e o primeiro-ministro Moise Tshombe
gerou justificativas para o novo golpe de Mobutu em novembro de 1965. O agora
Lugar-tenente General e Comandante-em-Chefe das Forças Armadas proclamou-
se presidente por cinco anos, mas, na prática, permaneceu no poder durante trinta
e dois.

3.2 O Estado em Mobutu (1965-1997)


O regime de Mobutu (1965-97) foi caracterizado por tentativas iniciais
de state-building como resposta ao colapso do Estado na crise do Congo.
Todavia, as ambições pessoais do presidente foram nocivas a este projeto mais
amplo e acabaram por intensificar o patrimonialismo144 e o carisma. Como
resultado, ampliou-se a prevalência da esfera coercitiva interna – enquanto a
capacidade do exército nacional foi gradualmente reduzida. A esfera extrativa foi
implantada, porém de forma insuficiente – visto que a economia do Estado se
sustentou primordialmente pela exploração de recursos naturais (mormente o
cobre) e pelo auxílio externo em troca de colaboração contra a emergência do
comunismo no continente. A esfera distributiva de bem-estar social foi deixada
para o último plano, sendo prejudicada pela crise econômica gradual do Estado.
A esfera produtiva foi brevemente construída, entretanto devido à presença da
lógica patrimonialista de distribuição de cargos, sua efetividade não foi
alcançada – tornando-se uma das bases para o espólio estatal.
Assim, o período foi marcado (i) pelo domínio quase absoluto do Estado
por parte de Mobutu, (ii) pela repressão interna, e (iii) pela cooptação econômica
de uma burguesia nascente mediante a concessão de posições administrativo-
burocráticas. Tratava-se de “um Estado absolutista Africano, um misto de Estado
patrimonial e burocrático que gira em torno de uma monarquia presidencial com

144
Patrimonialismo – É, para Weber, o sistema em que os “governantes exercem a autoridade como um
aspecto de sua propriedade pessoal, similar, em todos os sentidos ao controle patriarcal sobre o seu grupo
familiar” (BENDIX, 1986:262). Um dirigente patrimonial (e seus funcionários) conduz arbitrariamente os
assuntos administrativos; resiste à delimitação de sua autoridade pela estipulação de regras; delega e
supervisiona arbitrariamente a autoridade; e trata os cargos públicos e funcionários como propriedade
privada, como parte do grupo familiar (BENDIX, 1986:328).
104
uma fachada ‘democrática’” (CALLAGHY, 1984:166. Tradução minha). Os
princípios da divisão de poderes defendidos por Montesquieu eram
completamente esquecidos e substituídos por uma noção orgânica e estatista de
unidade de poder (baseada no tradicionalismo e no autenticismo), personificada
em Mobutu.145 Vínculos patrimoniais e de clientela compunham a base da
relação entre o “rei” e seus “súditos” no partido e na administração do Estado.
Estes dependiam completamente daquele para a sua seleção, apontamento e
manutenção no poder.
Nas origens políticas desse regime estava o interesse de Mobutu em
construir um Estado que solucionasse a descentralização excessiva e a
evaporação da autoridade presentes na Primeira República.146 Todavia, à medida
que o poder se cristalizava nas mãos do presidente e gerava reações internas ao
seu domínio, a estratégia prioritária tornou-se a personalização do poder.
Também as políticas econômicas eram desenhadas de forma a aumentar o poder
econômico e político do governante e de sua aristocracia política.
Um dos instrumentos mais importantes para a construção deste regime
foi o modelo de partido único. Inicialmente foi criada uma organização de
jovens, o Corps des Volontaires de la République (CVR). O resultado positivo de
seu apelo às massas e ao lumpemproletariado, visando ao apoio ao regime,
incentivou Mobutu a criar um partido do próprio governo. O Mouvement
Populaire de la Révolution (MPR) foi criado em 20 de maio de 1967 e seus
quadros (inicialmente, membros e militantes do CVR ) foram progressivamente
integrados às estruturas administrativas do aparato estatal. Criou-se, assim, um
regime de partido único (Estado-partido), declarado abertamente em 1970, com o
estabelecimento do MPR como a instituição máxima do Estado. Na prática, todos
os cidadãos eram membros do MPR, pois o partido e o Estado formavam a
mesma entidade. Mobutu, presidente do partido, tornou-se chefe maior das
instituições políticas nacionais e passou a deter o direito de se reeleger
indefinidamente para a liderança da organização – o que deixava implícito o
direito de presidência nacional vitalícia. Este princípio de unidade de comando e
de uma complexa hierarquia de subordinados (incluindo líderes tradicionais das
chefias) tem relações diretas com as estruturas políticas do domínio de Leopoldo
II e com as do Estado colonial.
A dominação de Mobutu também teve seu lado simbólico.
Fundamentalmente, utilizou do africanismo como base de legitimação, mudando
o seu nome (agora Mobutu Sese Seko Kuku N'gbendu Wa Za Banda) e o de seu
país (Zaire) e províncias para remeter a origens pré-coloniais. Além disso,
instituiu o culto à sua pessoa. Em 1974, foi aprofundado o regime de partido
único e criada uma escola do partido. A escola seria a base de propagação do

145
“Je suis le Chef”, frase atribuída ao autocrata (corruptela de “L’etat c’est moi” de Louis XIV), significa
que, na prática, não havia qualquer diferenciação entre o homem o seu papel político, entre suas finanças
pessoais e as do Estado.
146
Na tentativa de frear os conflitos étnico-regionais que devastaram a Primeira República, Mobutu
acabou com os partidos étnicos; eliminou as legislaturas provinciais, a autonomia parcial de províncias e
qualquer força de segurança sob sua égide; converteu os governantes provincianos em meros
representantes do partido “revolucionário”; e reduziu o número de províncias de 21 para 12 e depois para
8, além de transformá-las em unidades administrativas (GONDOLA, 2002:138).
105
Mobutismo. Tratava-se do estudo dos ensinamentos, pensamentos e ações do
presidente; era não apenas uma ideologia, mas uma mentalidade.147 A imagem de
Leopoldo refletira a figura de um soberano tradicional (pré-colonial), em
particular o do reino do Kongo. Era percebido como um chefe forte (poderoso),
justo (arbitrário) e carismático (sagrado). Mobutu manteve a justificação de seu
poder por essas mesmas características próprias do imaginário social; pelos
instrumentos da dádiva e do tributo (RIBEIRO, 2010). Mais do que ninguém,
Mobutu seguia a sombra de Leopoldo II.148
Paradoxalmente, políticas públicas minimalistas, um governo baseado na
cleptocracia e a manipulação de rivalidades étnicas acabaram contribuindo mais
para a emergência de forças centrífugas à centralização do Estado, o que foi
fundamental para o desmembramento do regime.149

A Esfera Coercitiva
No que tange às estruturas de coerção, é importante salientar a
preponderância da esfera coercitiva interna. As forças de segurança foram “o
determinante mais importante do poder Mobutu e seu instrumento mais decisivo
de governo” (NZONGOLA-NTALAJA, 2003:153. Tradução minha). O regime
de Mobutu utilizava as suas forças paramilitares como um instrumento de
repressão social. Metade dos 60.000 a 70.000 homens armados do Estado (dados
de 1983) pertenciam às forças paramilitares e somente 30.000 ao exército, 1.000
à marinha ou guarda costeira e 1.000 à força área. Ademais, forças de segurança
como a Divisão Especial Presidencial (DSP), o Serviço de Inteligência Militar
(SARM), a Gendameria Nacional (GN), a Guarda Civil (GC) e o Serviço
Nacional de Inteligência e Proteção (SNIP) tinham notória atuação na repressão
interna e na pilhagem de populações civis. Além disso, a busca pelo controle
social fez com que o próprio MPR adquirisse seus aparelhos de coerção.150
Um dos indicadores da especialização na coerção interna foi o aumento
da repressão à sociedade no final da década de 1970 e no início dos anos 80
(CALLLAGHY, 1984:213). Nesse caso, o fato mais marcante foi, em 1978, o
massacre secreto de brancos que procuravam refúgio da região de Kolwezi (na
147
O Mobutismo funcionava como uma religião política com traços neotradicionais, construída para ser a
base de legitimação do absolutismo de Mobutu. O MPR poderia ser considerado uma igreja e seu
fundador, Mobutu, um messias.
148
O culto a Mobutu de fato funcionou. O presidente ganhou credibilidade entre um amplo segmento da
população. A confiança do povo no líder permitia que qualquer culpa por erros administrativos recaísse
nos membros do Gabinete, o que fazia com que seus cargos fossem deveras instáveis - assim como os do
partido, do Exército, da administração provincial e das companhias Estatais. A rotatividade política ainda
auxiliava na imagem de não favorecimento étnico e união nacional do governo - o que era desmentido na
prática pela dominação do grupo étnico Ngbandi nos altos cargos públicos (GONDOLA, 2002:141).
149
Paradoxalmente à busca de centralização, as políticas públicas minimalistas de Mobutu predominantes
após 1975 contribuíram para a descentralização regional e o desmembramento do Estado (GALVÃO,
2005; CALLAGHY, 1984; TULL, 2003). Grupos locais buscavam dirimir os efeitos da ausência estatal
em suas regiões a partir da atuação autônoma em relação ao governo central. A cleptocracia, por seu
turno, incentivava o surgimento do mercado ilegal e de líderes locais e senhores da guerra no país (NEST,
2006:18-19; MCCALPIN, 2002:42-44). Já a instrumentalização de rivalidades étnicas gerava
instabilidades e conflitos regionais que foram o estopim para a posterior derrocada do regime.
150
Papel desempenhado principalmente pelo braço da juventude partidária, a chamada Brigada disciplinar.
Seu terror urbano concretizado em assassinatos, estupros e roubo de armas era a atividade desempenhada
contra os inimigos do regime (NZONGOLA-NTALAJA, 2003).
106
província de Shaba, novo nome dado para Katanga), recém-atacada por rebeldes
Tigres (como se verá adiante).151 Na década de 1990, com a crise acentuada do
regime e as pressões para a liberalização política, as repressões foram
intensificadas. Pode-se citar o massacre de estudantes no campus da
Universidade de Lubumbashi (na capital de Shaba, em maio de 1990), o
massacre e sequestro de membros do então Haut Conseil de la République
(parlamento provisório) (fevereiro de 1992), o ciclo de saques cometidos por
militares que protestavam pela falta de pagamentos (1991-1993); e a limpeza de
grupos étnicos rivais em Katanga e Nord Kivu (1992-94). Mobutu atuava
politicamente como um caudilho (CALLLAGHY, 1984:163) ou como um senhor
da guerra (RENO, 1998) – mantendo a dominação pelo braço armado e o
controle dos recursos naturais.
Todavia, apesar de a capacidade coercitiva, de controle e estabilização
interna ter sido o foco principal desde a ascensão do regime, pode-se dizer que o
presidente foi inicialmente além das respostas naturais dadas frente ao conflito
civil anterior. De 1965 a 1975, Mobutu estabeleceu reformas autofortalecedoras
do Estado, dentre as quais está a criação de um exército nacional permanente e
bem treinado – o qual serviria de base para a criação de um sentido de ética
pública na sociedade e para a formação de uma burocracia minimamente
racionalizada e imparcial.
Em 1969, Mobutu criou um Conselho de Segurança Nacional para
coordenar esforços e responsabilidades de segurança interna e externa. Na
mesma época, institui – mediante a cooperação técnico-militar norte-americana,
belga, italiana, israelense e, posteriormente, francesa152 - diversas escolas
militares de alto padrão e espalhadas pelo território nacional. 153 Essas escolas
eram notórias receptoras de alunos de diversos países africanos.
Na década de 1970 esses centros foram tão bem-sucedidos que recrutas vinham
de outros países africanos, tais como o Togo, Chade, Burundi, Ruanda, Nigéria
e República Centro-Africana. Mulheres também ingressavam no exército e
tinham um bom desempenho mesmo em forças especiais, como a de
paraquedistas. Nessa época, as FAZ contabilizavam cerca de 70.000 homens,
entre oficiais e praças. (EBENGA e N’LANDU, 2005:67. Tradução minha)
Além disso, em 1974 Mobutu direcionava 5,7% do PIB para a defesa
(RUPYIA, 2005:67) – recursos que serviam de base para operações regionais.154

151
O ato buscava um pretexto para a intervenção de França, Bélgica e EUA na guerra de Shaba II.
152
No âmbito político-militar, a França superou a Bélgica no auxílio ao regime de Mobutu. Já em 1973, o
país se tornou um importante parceiro militar do presidente, quando este encomendou caças Mirage e
helicópteros Puma (entre outros equipamentos franceses). Um ano depois os dois países assinaram um
acordo de cooperação técnico-militar. Ademais, a França treinou e assessorou duas brigadas aéreas
zairianas. O apoio político-militar dos EUA ao Zaire foi fundamental para a sustentação do regime.
Entretanto, o perfil do suporte foi mais voltado para a parceria na repressão do comunismo na África
Austral (mormente Angola).
153
Havia o Curso de Treinamento Básico de Oficiais em Kananga, o Curso Básico de Oficiais da Marinha
em Banana, Escola de Treinamento de Blindados em Mbanza-Ngungu, e uma variedade de outras escolas
básicas e especiais, como o Grupo de Militar de Altos Estudos em Kinshasa, o Centro de Treinamento de
Comando em Kotakoli, em Kasai Ocidental (GLICKSON e SINAI, 1993:on-line).
154
A ambição militar de Mobutu contribuiu para que ele, que era cunhado de Holden Roberto (líder da
FNLA angolana), interferisse no movimento de libertação e na guerra civil do país vizinho, enviando
107
Todavia, no ano de 1975, houve um grande divisor de águas do Estado
de Mobutu. Justificado pela acusação de tentativa de golpe militar, o presidente
prendeu diversos generais, coronéis e oficiais de baixo-escalão do exército –
dentre os quais sete militares foram executados (GLICKSON e SINAI, 1993).
Em sentido amplo, Mobutu abandonou qualquer pretensão de state-building a
partir de 1975 (ATZILI, 2006:158). Seus receios de um poder concorrente e
incontrolável fizeram com que “progressivamente destruísse o exército que ele
tenazmente construiu” (EBENGA e N’LANDU, 2005:66. Tradução minha). Os
instrumentos utilizados foram políticas de politização, tribalização,
desprofissionalização e criação de unidades privilegiadas.
Assim, a partir de 1975, manteve-se uma constante de expurgos
militares, que acabavam por excluir os oficiais mais habilidosos e mais bem
treinados. Ademais, “a transformação do alto comando das forças armadas em
uma fraternidade colaborou para o colapso das forças armadas como uma força
de combate” (NZONGOLA-NTALAJA, 2003:153. Tradução minha).
Importa também ressaltar que o desmanche do exército nacional está
relacionado à intensificação do patrimonialismo e à criação de uma religião civil,
o Mobutismo. Seguindo a mesma lógica, o controle de Mobutu firmava-se no
favorecimento étnico, presente, sobretudo, nas forças de segurança do Estado. Os
expurgos de 1975 e 1978 foram importantes para excluir do exército nacional
etnias de regiões distantes da capital (Kasai Oriental e Kivu). Ao mesmo tempo
houve distribuição de cargos de comando para parentes e amigos próximos ao
grupo étnico de Mobutu (Ngbandi), originário da província de Équateur.155 Estes
e outros indicadores sugerem que as forças de segurança do regime de Mobutu
eram basicamente uma guarda pretoriana: não possuíam o objetivo máximo de
defender o Estado, sua soberania e população – mas sim o regime e seu chefe.
Os exemplos mais notórios desse perfil presente nas forças de segurança
são os da DSP, do SARM, da GC, do SNIP e de redes particulares que
realizavam atividades de inteligência diretamente para Mobutu na tentativa de
manter o controle sobre as demais forças. O caso principal era o da DSP.
Enquanto outros corpos eram completamente marginalizados, forças especiais
como a Divisão Especial Presidencial (DSP) eram bem treinadas e equipadas.
Criadas em 1977, estas forças eram responsáveis por proteger a Presidência e

diversos batalhões na tentativa de capturar Luanda em outubro de 1975. O bloqueio do MPLA foi
conseguido graças ao auxílio de unidades Cubanas e exilados katangueses. A derrota desestabilizou a
moral das tropas zairianas, que retornaram ao país pilhando regiões rurais.
155
Os cargos centrais de seus parentes Ngbandi eram os seguintes: o general Nzimbi Ngabale coordenava
os soldados da DSP, cuja maioria era Ngbandi; o general Kpama Baramoto (quem obteve uma ascensão
meteórica de sargento a general quatro estrelas, com o título de élité général de paix) comandava a Guarde
Civile; o General Bolozi assumiu a Brigade spéciale de recherche er de surveillance (BSRS), uma divisão
investigativa da gendamerie; e um dos principais assessores de Mobutu, Ngbanda Nzambo-ku-Atumba,
comandou durante grande parte do regime o serviço de inteligência nacional. Umas das únicas forças
paramilitares não comandadas por um oficial Ngbandi foi o serviço de inteligência militar (SARM).
Todavia, o General Mahele Lieko era originário da província de Équateur assim como a maioria dos
oficiais de alto-escalão. Ademais, Baramoto, Nzimbi e seus parceiros, General Eliko Monga e Admiral
Mavua, compunham a "gangue dos quatro", que tem o mérito duvidoso de desestruturar o exército de
Mobutu.
108
outras hierarquias do poder156; e realizar operações de luta contra o terrorismo e a
guerrilha urbana e de repressão157 – o que os levou a serem particularmente
temidas pela população civil.
Em oposição ao foco na coerção interna, a capacidade coercitiva externa
das Forças Armadas de Mobutu, que chegou a adquirir uma estrutura incipiente,
tornou-se quase inexistente, seguindo um padrão pós-colonial de inefetividade.
As guerras de Shaba I e Shaba II foram indicativas desta incapacidade militar.
Trata-se de dois conflitos armados ocorridos em 1977 e 78, respectivamente, e
que tiveram como pano de fundo o atrito entre Zaire e Angola, mais
especificamente o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). Em
março de 1975, 1.200 tropas regulares do Zaire haviam adentrado Angola para
lutar ao lado da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) contra o
movimento de Agostinho Neto. A revanche veio em março de 1977, com o apoio
tácito de Angola à invasão do Zaire por milhares de katangueses à província de
Katanga (agora Shaba).158 Os chamados Tigres do Frente Nacional de Libertação
do Congo (FNLC) pegaram Mobutu desprevenido e despreparado. Entretanto,
devido à grande importância de Shaba para a economia do Zaire e aos
investimentos mundiais no país (o foco dos ataques, Kolwezi, era uma das
cidades com maiores reservas de cobre do Zaire), uma intervenção coordenada
pelo ocidente foi lançada. Aproximadamente 1.500 marroquinos com assessores
belgas e franceses conseguiram expulsar os rebeldes já em abril.
Entretanto, os Tigres percebiam fraquezas no regime de Mobutu e
partiram para uma nova incursão ao Zaire; desta vez com maior sucesso. Em 11
de maio de 1978 iniciaram seus ataques e já no dia 13 conseguiram a captura
Kolwezi. A intervenção do ocidente, por seu turno, também foi mais
representativa. Em auxílio a Mobutu, foram enviados paraquedistas franceses e
belgas conduzidos por aviões de transporte militar norte-americanos.159 As tropas
ocidentais logo recuperaram a região enquanto os Tigres fugiam para Luanda.
Mais uma vez o Congo havia sido salvo pelas forças ocidentais (LEOGRANDE,
1980:24-27). 160

156
Destaca-se aqui a subunidade de guardas pessoais de Mobutu – conhecidos como Les Hiboux (Os
Corujas), por suas ações de terror noturno.
157
É o caso, por exemplo, do massacre de estudantes na Universidade de Lubumbashi em 1990.
158
Os katangueses eram ex-gendarmes que haviam lutado junto com mercenários para a independência de
Katanga entre 1960 e 63. Após terem sido derrotados pelas forças da ONU, partiram para Angola e
incorporaram-se às forças portuguesas contra os nacionalistas. Entretanto, com o início da guerra civil
passaram para o lado do MPLA – recebendo armas e treinamento dos cubanos.
159
O papel francês foi proeminente nas duas guerras. Em 1977 (Guerra de Shaba I), quando belgas e norte-
americanos hesitaram em assistir Mobutu, o governo francês respondeu aos pedidos do presidente
pressionando o Rei Hassan II do Marrocos para enviar tropas ao conflito. Havia o intuito de que a
conflagração fosse vista como uma “guerra africana”. Ademais, a França auxiliou no transporte das tropas
do Marrocos. Posteriormente, na invasão de Shaba II (1978), os paraquedistas da Legião Estrangeira foram
mais ousados que seus parceiros Belgas – chegando ao foco do conflito, na cidade de Kolwezi (TURNER,
1993).
160
Apesar de demonstrar o grau de tensão que viviam Angola e Zaire naquela época, as guerras de Shaba
possibilitaram um acordo entre os dois países em meados de 1978. Zaire se comprometeu a não fornecer
ajuda para UNITA, FLEC e FNLA – enquanto Angola prometia desarmar os Tigres e acentuar esforços
para reabrir a ferrovia de Benguela (LEOGRANDE, 1980:27).
109
Em ambas as guerras, a postura dos militares zairianos foi de falta de
disciplina, deserção, desobediência, covardia, rebelião e violação da segurança
estatal. Esta atitude colaborou para novos ciclos de expurgos e de tribalização do
exército empreendidos por Mobutu, para que este mantivesse o controle direto
sobre a corporação.
Ademais, a especialização na área paramilitar foi um agravante para a
capacidade coercitiva externa do Estado congolês. A própria Gendamerie
Nacional (Gendarmerie Nationale – GN), criada em agosto de 1972, possuía
entre 21 e 30 mil homens, quase metade do efetivo total das Forças Armadas.
Suas armas leves e caminhões de transporte eram muitas vezes superiores ao
equipamento básico do exército (FR, 2006).161 Em 1993, as Forças Aérea e
Naval do Zaire eram minimamente operacionais, devido à falta de treinamento,
equipamento e logística adequados. No que tange às forças terrestres, a
desestruturação era completa. Em meados dos anos 1990, os 70.000 militares do
final da década de 1970 e início dos anos 1980 haviam sido reduzidos para
20.000 (MCCALPIN, 2002:45). O corte de gastos e a crise econômica também
foram centralmente importantes: em fins da década de 1980, militares
reclamavam de baixos salários e da falta de pagamentos – o que contribuía para a
sua incapacidade de combate. Todos estes elementos colaboraram para a
completa deserção das Forças Armadas do Zaire (FAZ) no contexto da Primeira
Guerra do Congo (TURNER, 2007).

A Esfera Extrativa
A construção da esfera extrativa estatal durante o regime de Mobutu foi
minimamente incentivada, devido principalmente à dependência da exploração
de recursos naturais e de recursos financeiros externos. Outro fator que
comprometeu a construção de uma economia nacional foi o estabelecimento de
um complexo sistema de corrupção e roubo por parte de Mobutu e de sua
aristocracia política. Como resultado direto das frágeis estruturas econômicas e
do amplo desvio de recursos – houve poucos incentivos para a construção de
uma rede de infraestrutura que minimizasse as pressões centrífugas ao Estado.
Além disso, verificou-se a queda abismal da renda da população congolesa e o
avanço da pauperização e da miséria.

A dependência de recursos naturais


A esfera extrativa do Estado do Zaire foi fundamentalmente dependente
dos rendimentos provenientes da extração de recursos naturais, apesar de grande
parte das riquezas extraídas ter sido direcionada para bolsos privados. Embora
tenha havido um período inicial de políticas autofortalecedoras da economia,
representadas na tentativa de fazer do Congo o Brasil Africano162, o que resultou

161
Entretanto, isso não impedia que a GN contribuísse pouco para a manutenção da lei e da ordem no
Zaire e estivesse afundada em bandidagens, assassinatos e extorsões.
162
Em fins dos anos 1960, Mobutu lançou o "Plan Décennal", que objetivava fazer do Congo o "Brasil
Africano". Tratava-se de converter uma economia largamente baseada em atividades agrícolas e extrativas
em uma economia moderna, através de investimentos em infraestrutura e na indústria de transformação
(MATON e LECOMTE, 2001:11).
110
em crescimento econômico considerável163 – Mobutu logo rompeu com o ciclo
de fortalecimento, direcionando o regime gradualmente para uma cleptocracia164.
Em 1973 e 1974, houve um giro econômico radical nas políticas de
Mobutu, revertendo os sucessos iniciais.165 Houve a exclusão da oposição
política e a nacionalização de plantações e empresas dos setores mais modernos
da economia (zairianização) – que foram transferidas para indivíduos próximos
de Mobutu e jovens diplomados sem experiência nos negócios, o que levou ao
desequilíbrio econômico.
Figura 2 - Congo: Exportação de minérios, 1965-1968
(milhares de US$)
1400
1200
1000
800
600
400
200
0
1968

1973

1986

1991

1996
1965
1966
1967

1969
1970
1971
1972

1974
1975
1976
1977
1978
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985

1987
1988
1989
1990

1992
1993
1994
1995

1997
1998
Cobre Diamantes Fonte: MATON e LECOMTE, 2001:47
Autor: CASTELLANO, 2012

O grande indicador dessa realidade econômica foi a redução da produção


e exportação de minérios. Apesar disso, as exportações desses produtos se
constituíam como a maior parte das exportações totais do país, na medida em que

163
O período compreendido entre 1965 e 1974 foi de estabilidade e crescimento econômico rápido,
encorajados por políticas liberalizantes e de atração de investimentos. As primeiras políticas de cunho
nacionalizante do período tinham o intuito de romper com a dependência dos capitais belgas e de
diversificar mercados, ao mesmo tempo em que os antigos colonizadores eram completamente
indenizados.
164
A partir dos anos 80 o governo Mobutu foi amplamente reconhecido como cleptocrático (governo de
ladrões). Isso significa que “fundos públicos e recursos eram utilizados para ganhos privados em
detrimento dos investimentos nacionais” (MCCALPIN, 2002:43. Tradução minha). Na prática “quase 40%
da receita pública era acumulada por Mobutu e seus comparsas, enquanto a renda anual de um cidadão
médio era de US$190” (KABEMBA, 2006:103. Tradução minha). Não é à toa que Mobutu se tornou “um
dos homens mais ricos do planeta” (VISENTINI, 2007a:115) e, como seu colega de Uganda Idi Amin, sua
fortuna pessoal rivalizava com a renda nacional (BLUM, 2004:162).
165
Cumpre dizer que as políticas nacionalizantes de Mobutu geraram resultados positivos apenas entre
1968 e 1974 – devido à estabilidade política, à adoção de uma nova moeda (o Zaire) em 1967 e aos altos
preços do cobre, relacionados com a guerra do Vietnã. O alto nível de atividade econômica proporcionou o
crescimento anual de 10% entre 1967 e 70 e de 5% entre 1970 e 1973. Investimentos na mineração,
manufatura e serviços foram incentivados com uma lei liberal de investimento em 1969. Entretanto,
setores como agricultura, transportes e saúde receberam limitadas alocações; e projetos faraônicos e
improdutivos minaram a recuperação econômica no longo prazo. Outros fatores importantes foram o gasto
público descontrolado e a corrupção/favorecimento da elite ligada a Mobutu. Como resultado, o Zaire teve
de apelar sucessivamente ao endividamento externo – o que entrava em contradição com a abundância de
riquezas naturais disponíveis em território nacional. De 1975 a 1997 o regime entrou em uma crise
estrutural que ainda assola a economia congolesa.
111
as vendas agrícolas adquiriram posições marginais e as rendas das exportações
de petróleo eram limitadas em comparação às minerais.
A produção de cobre/cobalto e de diamantes correspondia à maior parte
dessas exportações. Com a queda de preços do cobre em 1974 166 e a própria
queda da produção do minério em 1988 e seu virtual colapso no início da década
de 1990 (resultado da falta de investimentos na estatal de minérios Gécamines -
Générale des carrières et des mines 167), a situação se agravou. A produção de
diamantes tornou-se a salvação da economia do Zaire. Apesar da existência de
grandes redes de contrabando, as atividades ilegais foram reduzidas em 1983 (até
então contavam por 70% de toda a produção) com a legalização da mineração
artesanal e o estabelecimento de licenças para compradores (comptoirs) oficiais
para esse tipo de produção. Tal política resultou em um grande aumento na
produção oficial (em 1991 a exportação da Société minière de Bakwanga –
MIBA era de 9,6 milhões de quilates e a produção artesanal era de 7,2 milhões –
resultando em 16,8 milhões de quilates). Assim, a queda nas exportações de
cobre/cobalto foi parcialmente compensada com a ascensão na produção de
diamantes (vide figura 2). O crescimento da produção média do minério
continuou mesmo após a queda de Mobutu, passando de 55% das exportações do
país em 1997 para 65% em 1998 (MATON e LECOMTE, 2001:19).

A dependência de recursos externos


Outro meio de financiamento do regime de Mobutu foi a ajuda externa.
De acordo com Dunn, “estima-se que o Banco Mundial, o FMI e doadores
bilaterais forneceram mais de US$8,5 bilhões em empréstimos e doações ao
Zaire entre 1970 e 1994” (2002:60. Tradução minha).
No que tange às relações econômicas bilaterais, o principal sustentador
do regime foi antiga metrópole, apesar dos constantes rompimentos e
reaproximações, com disputas envolvendo propriedades comerciais e industriais
belgas no país. Os primeiros anos do governo foram marcados pela renovação do
contentieux belgo-congolais (disputas sobre os ativos e débitos da antiga colônia)
devido a políticas que desfavoreciam os capitais belgas.168 Todavia, com a
sinalização de que haveria a indenização completa dos investidores, as relações
entre os dois países reverteram para uma aproximação. Em 1968, foi firmada
uma convenção para cooperação técnico-científica e liberalizaram-se alguns
fundos anteriormente bloqueados.169 Entretanto, em 1988, com as pressões do
parlamento belga frente à autocracia e ingerência econômica de Mobutu (que
recusava a renegociação de dívidas), o contentieux belgo-concolais foi reaberto.

166
No início de 1974, o preço do cobre era de US$ 3380,00/ton. Em meados deste mesmo ano, o preço
caiu para menos da metade: US$ 1350,00/ton (MCCALPIN, 2002:43).
167
Além disso, com pilhagens de militares à companhia em 1991 e 1992, trabalhadores estrangeiros
capacitados que trabalhavam para a empresa deixaram o país. O colapso da produção de cobre/cobalto se
deveu à falta de investimentos nacionais na manutenção e melhoria dos meios de produção e na
infraestrutura necessária para a exportação.
168
Em 1966, os diálogos foram rompidos devido ao congelamento dos ativos de certas organizações
belgas, à captura de propriedades belgas em Kinshasa e ao cancelamento de concessões garantidas antes da
independência (Lei Bakajika). Além disso, em 1967 houve a nacionalização da UMHK.
169
Além disso, mesmo após a segunda fase de nacionalização (zairianização), o governo de Mobutu
permitiu que estrangeiros recuperassem 60% de seus ativos.
112
Houve a captura de propriedades de zairianos na Bélgica e a deportação de
estudantes. Logo, contudo, o imbróglio foi parcialmente rompido (devido ao
temor do avanço francês à região): em 1989, a Bélgica ainda garantia planos de
alívio e reescalonamento da dívida externa do Zaire.170
As relações com a França tiveram um desenvolvimento notável, na
medida em que o país europeu priorizava as relações com a África, e Mobutu
buscava barganhar com seus principais apoiadores externos. O namoro inicial,
baseado em relações de amizade e ostentação de que o Zaire era o segundo maior
país de língua francesa (atrás somente da França), consolidou-se com a
concessão de direitos de prospecção de cobre para a França em troca do alívio da
dívida externa zairiana e do auxílio francês para o estabelecimento do sistema de
telecomunicações no país. Ainda, em 1989, o anúncio na Cúpula Francófona de
que o Zaire estava incluído no perdão de US$ 2,6 bilhões em dívida de países
africanos estreitou a parceria. Além disso, o corte da maior parte da ajuda por
parte da França nos anos 1990 foi mais tardio que o da Bélgica e o dos EUA
(vide figura 3), apesar de Paris ter (cautelosamente) condenado a repressão a
cidadãos congoleses e apoiado a transição política (TURNER, 1993).
O apoio econômico dos EUA foi igualmente importante para a
sustentação do regime. Primeiramente, foi viabilizado pelo código de
investimentos de 1969, cujo cunho liberal possibilitou o forte ingresso de capitais
estadunidenses, ao passo que as nacionalizações reduziam o monopólio belga na
economia da ex-colônia. Deste ano em diante, o suporte econômico continuou
relativamente constante até os cortes de ajuda de novembro de 1990. Como
resposta ao massacre de estudantes em Lubumbashi, o Congresso norte-
americano negou a requisição do presidente George Bush de envio de ajuda
militar da ordem de US$ 4 milhões ao Congo. O incidente havia levado ao
enrijecimento da postura norte-americana frente a Mobutu.
Em âmbito multilateral, o apoio técnico e financeiro de instituições
internacionais foi fundamental para a continuidade do regime e a sinalização de
alguma recuperação econômica em 1983, 1987 e 1989. Isso se deveu, sobretudo,
a um conjunto de reformas coordenadas pelo Banco Mundial. 171 A conivência
das instituições frente à inadimplência de Mobutu também foi notória. O regime
só entrou em grave crise na década de 1990, quando a ajuda externa foi
radicalmente rompida, principalmente levada pelo decréscimo de ajuda
multilateral (vide figuras 4 e 5).

170
Entretanto, as relações colapsaram na década de 90 com o massacre de estudantes da Universidade de
Lubumbashi em maio de 1990, o corte de ajuda humanitária e a expulsão de 700 técnicos belgas e de
serviços consulares. As ações resultaram no apoio aberto belga à transição liderada por Etienne Tshisekedi
em 1992 (TURNER, 1993).
171
Nenhuma das medidas de apoio (novos créditos e reescalonamento de débitos com o Clube de Paris) e
interferência externa (medidas de estabilização e ajuste por parte das instituições de Bretton Woods)
conseguiu reverter o declínio econômico.
113
114
Figura 4 - Ajuda Externa a Mobutu, 1965-1997
1600

1400

1200

1000

800

600

400

200

1980
1981
1965
1966
1967
1968
1969
1970
1971
1972
1973
1974
1975
1976
1977
1978
1979

1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
Ajuda bilateral líquida dos doadores do CAD, Total (milhões USD, corr)

Assistência oficial para o desenvolvimento e ajuda oficial recebidas Fonte: WB, 2012
(milhões de USD, 2008) Autor: CASTELLANO, 2012

Figura 5 - Ajuda Bilateral a Mobutu, 1960-1997


70
60
50
40
30
20
10
0
1964

1970
1960

1962

1966

1968

1972

1974

1976

1978

1980

1982

1984

1986

1988

1990

1992

1994

1996

Ajuda bilateral sobre a ajuda total (%) Fonte: WB, 2012


Autor: CASTELLANO, 2012

Outras parcerias foram fundamentais como forma de barganha em


momentos de maior pressão internacional para a liberalização econômica e a
abertura política do regime.172 Países do bloco comunista foram parceiros
preferenciais nessas ocasiões.173

172
Pode-se dizer que, paradoxalmente, a plataforma nacionalista do presidente (que afirmava buscar
minimizar a dependência externa do país e restaurar a sua unidade) possibilitou, por um lado, a quebra do
monopólio colonial belga, mas, por outro, viu-se, na prática, dependente de capitais externos como da Grã-
Bretanha, África do Sul, Itália, Japão, e Alemanha Ocidental (além de EUA e França).
173
Mobutu logo esqueceu a ajuda chinesa aos movimentos insurgentes do leste do Congo entre 1963 e
1968 e firmou uma parceria com o país como forma de alavancar-se como um símbolo do não
alinhamento. Em 1972, percebeu o papel da China como contrabalança à URSS e reconheceu o país, além
de Coreia do Norte e Alemanha Oriental. Em 1973, uma viagem à China garantiu promessas de ajuda
econômica de US$100 milhões. O fato de os dois países terem apoiado a FNLA na guerra civil de Angola
favoreceu a aproximação. A aliança foi ainda aprofundada na invasão de Shaba (quando ambos os países
acusaram a participação de URSS e Cuba); com projetos de investimento conjunto; com uma parceria
115
Entretanto, a ajuda foi gradualmente cortada à medida que a economia
congolesa se afundava em uma crise estrutural e as sinalizações de alinhamento
aos preceitos econômicos liberais foram se esvanecendo. Em 1997, a dívida
externa chegava a US$ 14 bilhões (DUNN, 2002:54) – mais do que o dobro do
PIB de US$ 6 bilhões. Este dado sugere, em certo sentido, o grau de dependência
do país em relação a recursos externos.

A pilhagem das riquezas


Os recursos acumulados pela economia congolesa serviam de base para
o enriquecimento pessoal de Mobutu e de sua classe de aliados. Importa lembrar
que a privatização da política também ocorreu na criação de uma aristocracia
própria e no favorecimento do grupo étnico do presidente e de grupos aliados. A
aristocracia política criada por Mobutu (diferente da burguesia estatal, pois
estava ligada a um estágio pré-capitalista) era dividida em três grupos. O
primeiro, “a irmandade presidencial” (YOUNG, 1982)174; o segundo, formado
por administradores e oficiais de médio-escalão instalados em Kinshasa175; e o
terceiro grupo, composto por todos os outros administradores e oficiais militares
de outras regiões do país que visavam ingressar na aristocracia política. Lealdade
a Mobutu (ao invés da competência profissional ou do propósito público) era o
último requerimento para entrar ou continuar na cadeia de patronagem.
Em texto escrito em 1977 para o Le Monde Diplomatique, Jean
Rymenam denunciava o regime de Mobutu. Segundo o autor, o autocrata,
mediante o controle da aristocracia política,
faz uso do país como o seu patrimônio privado. Ele controla e distribui todos
os cargos, todos os postos, todas as vantagens associadas ao poder. Todas as
receitas, todas as nomeações, todas as promoções, em última instância,
dependem da boa vontade presidencial. Nenhuma fortuna, nenhuma empresa,
nenhuma posição está protegida da interferência de Mobutu. (RYMENAN,
1977 apud CALLAGHY, 1984:178-179. Tradução minha)
A pilhagem das riquezas congolesas durante o regime de Mobutu foi
realizada mediante duas formas principais: (i) o controle e a corrupção de
empresas estatais e (ii) a manipulação das finanças públicas. O mando particular
das empresas estatais teve sua origem nas políticas de nacionalização econômica,
mormente no instituto da zairianização176. Desde as iniciativas de zairianização

militar na década de 1980; e com a cooperação agrícola e florestal no início dos anos 1990. Ademais,
programas de cooperação técnico-militar com a República Popular da Coreia foram firmados no período.
174
Irmandade Presidencial – Consistia em administradores e políticos do alto-escalão, bem como oficiais
militares e assessores estrangeiros. Também incluía parentes de Mobutu, que mantinham posições
administrativas e licença quase ilimitada para a corrupção. Dentre os membros desse grupo, quase todos
tinham sua própria rede de clientela.
175
Eram vinculados em redes de clientela secundárias e almejavam entrar no primeiro grupo.
176
Pelo decreto presidencial de 30 de novembro de 1973, pequenas e médias empresas pertencentes a
estrangeiros (belgas, gregos, portugueses, italianos, paquistaneses e africanos ocidentais) foram
confiscadas e passadas ao controle de políticos, servidores públicos seniores e comerciantes. A medida
teve o intuito de reforçar a barganha com o capital estrangeiro e dar a novas classes dominantes (líderes da
pequena burguesia, novos graduados, oficiais militares e mercadores ricos) uma base econômica de poder.
Isso acontecia porque criava uma gama de bens e recursos para a distribuição pessoal a membros
116
(e mesmo antes, no caso da Gecamines, criada em 1967 com a nacionalização da
UMHK), o governo controlava a economia mediante o mando de empresas
paraestatais, principalmente no setor minerador. Pelo menos até as reformas
econômicas de 1983177, essas empresas eram ineficientes e amplamente
utilizadas pela elite política como fonte de recursos para o
autoenriquecimento.178 Os escritórios paraestatais de comercialização de
produtos agrícolas, como café e algodão, criados a partir de 1972, também eram
marcados pela corrupção, além de serem tipicamente ineficientes e não
repassarem seus rendimentos para os agricultores. Tal sistema de espoliação,
enraizado na economia congolesa, sobreviveu a diversas reformas econômicas da
década de 1980 e permaneceu constante no início da década de 1990. Isso ocorria
na medida em que o governo ainda detinha, ou mantinha, o controle sobre várias
companhias nacionais, tais como linhas férreas e aéreas, e empresas mineradoras
e de petróleo.179
O levantamento de recursos financeiros para projetos grandiosos
também garantiu uma parte dos rendimentos para a corrupção. Isso se dava
mediante o controle de receitas públicas e do Estado como patrimônio próprio da
elite política. De acordo com Smith et alli (1993), o sistema de coleta de receitas
era pouco mais do que um convite para o enriquecimento pessoal de
administradores favorecidos. A prática era realizada de modo intensivo e
parasitário180. Ademais, o pobre controle orçamentário vinha acompanhado da
ineficiência administrativa e corrupção generalizadas.181 A maior parte dos
gastos de governo eram irrastreáveis antes das reformas da década de 1980.
Mobutu utilizava amplamente o tesouro público como instrumento de poder,

familiares leais e a classe política composta por oficiais do governo e do exército. Tornou-se claro que a
aquisição de poder político seria a base para a obtenção de riquezas.
177
Entre 1975 e 1982, a nacionalização mais radical retirou a confiança de investidores e provocou a fuga
de capitais privados, o que se agravou com a queda dos preços do cobre em 1974 para menos metade do
preço. A situação levou à necessidade de cooperação com instituições financeiras internacionais e
parceiros bilaterais, resultando em 1983 em um plano de estabilização econômica sustentado pelo Banco
Mundial.
178
Como exemplo, a Société Zaïroise de Commercialisation des Minérais (Sozacom), responsável pela
comercialização dos minérios do país até 1984, estava sob constantes pressões do governo para entregar
suas receitas para o Tesouro, ao invés de retorná-los para a Gécamines para reinvestimentos. Além disso, a
Sozacom era conhecida por enviar parte de suas receitas diretamente a membros da elite política
congolesa. A falta de investimentos na Gecamines resultou na deterioração de seus equipamentos no início
da década de 1990, tornando-se um símbolo do caos econômico (SMITH et alli, 1993:on-line).
179
No que tange à exploração de diamantes, por exemplo, uma grande porção das receitas anuais (US$46,3
milhões em 1991), acredita-se, ia para os cofres de Mobutu, além das contribuições de 1,5% do total de
exportações de comerciantes de diamantes que iam para o Banco Central do Zaire (US$185 milhões em
1991). Já com o comércio paralelo de diamantes não se sabe o quanto Mobutu lucrou (SMITH et alli:on-
line).
180
“Porque ninguém tinha a certeza de permanecer no cargo por muito tempo, o incentivo era lucrar o
mais rapidamente e tanto quanto possível. O acesso a cargos de direção era a única esperança da elite do
Zaire ou da elite em formação para atingir ou manter um padrão de vida decente. O sistema garantia que os
funcionários de topo serviriam o presidente, sua real fonte de sustento, ao invés da nação” (SMITH et alli,
1993:on-line. Tradução minha).
181
A máquina da presidência correspondia por 80% do gasto do governo, enquanto a agricultura, por
apenas 11%. (MCCALPIN, 2002:43).
117
parte de um movimento amplo de privatização do Estado e das finanças
públicas.182
Destarte, a elite político administrativa era a maior beneficiária do roubo
de recursos: se servia dos cofres públicos ou ganhava comissões e presentes em
dinheiro ou espécie, vindos de operadores econômicos nacionais e estrangeiros.
Diretores de empresas paraestatais como a companhia de água Régidesco e a
companhia elétrica Snel remetiam uma porção de suas arrecadações mensais
diretamente ao presidente Mobutu (SMITH et alli, 1993:on-line). Esta
aristocracia estatal constituía seu próprio capital; coletivamente (mediante a
produção das empresas estatais, royalties, taxas) e individualmente (através de
salários exorbitantes e da corrupção). Além disso, militares e contrabandistas
puderam obter a sua parte no saque de recursos. 183 O que ligava estes diferentes
atores dispersos dentro de um sistema cleptocrático era a figura de Mobutu. O
presidente mantinha relações com todos esses grupos, por onde circulavam seus
assessores de segurança e de inteligência.
As companhias mineradoras estatais e o próprio banco central,
comandados por clientes de Mobutu, sustentavam viagens do presidente, caros
entretenimentos, presentes dispendiosos para amigos influentes e outras inúmeras
corrupções, dinheiro este que poderia ser destinado ao sistema produtivo ou a
serviços públicos. De acordo com Atzili, “uma porção cada vez maior do
orçamento do Estado foi colocada sob arbítrio do presidente. Esses fundos, que
em 1992 contabilizavam 95% do orçamento do Zaire, foram canalizados tanto
para as contas pessoais de Mobutu quanto para as de seus comparsas” (ATZILI,
2006:159. Tradução minha). Ao todo, estima-se que Mobutu e seus comparsas
pilharam entre US$ 4 e US$10 bilhões da riqueza congolesa (praticamente o PIB
atual do país) (MCCALPIN, 2002:54).

O colapso infraestrutural
A disponibilidade de recursos internos e externos “fáceis” para a
economia congolesa e a existência de um complexo sistema de corrupção
ofereceram poucos incentivos à construção de uma rede de infraestrutura
nacional que fosse além dos centros mineradores e que viabilizasse a taxação da
população. No que tange às estradas, apesar de alguns esforços iniciais, Mobutu
manteve a tendência colonial e o interior do país continuou virtualmente
desprovido de estradas, situação que prejudicava o transporte de passageiros e de

182
O Estado servia – como em outros casos na África – como fonte de riqueza para a elite nacional, a qual
se preocupava em maximizar sua acumulação em detrimento da capacidade administrativa e do bem-estar
público. O dinheiro público era utilizado não apenas para que os patrões multiplicassem o número de
clientes e os mantivessem submetidos ao sistema, mas também para que os próprios clientes garantissem a
manutenção de suas posições e comprassem novos postos. Como era de esperar no caso congolês, o
dinheiro utilizado por clientes e patrões provinha em geral dos recursos minerais do país – como ouro e
diamantes.
183
Militares se apropriavam do dinheiro público mediante pilhagens, mediante a apropriação de
pagamentos destinados a soldados fantasmas e mediante a associação com comerciantes libaneses.
Mercadores libaneses usavam dinheiro e experiência para praticar contrabando de ouro, diamantes e outros
recursos com a proteção de militares (NZONGOLA-NTALAJA, 2003:158-9).
118
mercadorias.184 Acerca das ferrovias, a partir da independência, e também
durante o regime de Mobutu, pouca atenção foi dada para esse tipo de transporte,
apesar da grande necessidade de sua manutenção frente à lentidão e aos riscos
decorrentes da falta de reparo. Após o fechamento da ferrovia de Benguela em
1975 (via para quase metade das exportações congolesas – principalmente
minérios de Katanga), a Voie Nationale tornou-se ainda mais vital para a
economia do país. Todavia, as precárias condições e a demora de quase dois
meses para a chegada de mercadorias de Katanga ao porto de Matadi fizeram
com que o escoamento para o sudeste, via ferrovias sul-africanas, assumisse
quase 40% das exportações de minérios do país.
Importa também que, devido às condições geográficas do país (grande
tamanho e centros dispersos) e ao estado deplorável dos transportes terrestres, o
transporte aéreo acaba tendo fundamental importância. Todavia, apesar do
incremento no número de linhas aéreas e de destinos no início da década de
1980, esses serviços entraram em processo de deterioração com a chegada dos
anos 1990. Com a crise do regime de Mobutu, em 1992 a maioria das linhas
aéreas estrangeiras não aterrissavam no aeroporto de Kinshasa – deveras
danificado por levantes ocorridos em 1991 – e a companhia estatal Air Zaïre
entrou em processo virtual de falência, concretizado em 12 de junho de 1995.
No que diz respeito à questão energética, apesar de importantes
aprimoramentos na infraestrutura do país no período pós-colonial185, tais esforços
foram insuficientes, na medida em que permaneceu ausente um setor de
planejamento e coordenação e reproduziu-se uma infraestrutura energética
deficiente com políticas de preços pouco planejadas e sérias carências
institucionais. Mesmo a rede que conectava os centros mineradores acabou sendo
sucateada ao longo do tempo. No regime de Mobutu, foi estabelecida a linha de
transmissão mais longa então construída no mundo para levar 1.200 MW de
energia do litoral à região de Katanga.186 Entretanto, problemas de infraestrutura
e de subutilização fizeram com que a transmissão real fosse de apenas 200 MW.
Isso ocorreu principalmente após a chegada da década de 1990. Levantes
provocados pela crise econômica e o colapso do Estado geraram destruição e
saques ao redor do país, o que prejudicou a rede elétrica instalada e provocou a
debandada de técnicos e mecânicos estrangeiros.

O colapso econômico e a pauperização


O ciclo intensivo de corrupção também contribuiu diretamente para o
colapso econômico do país. Como comentado anteriormente, desde 1970 a

184
Herbst (2000a:162) mostra que a densidade rodoviária (km de estradas/km 2 de território) do país entre
19863 e 1997 permaneceu estática em 0,7 – situando-se entre as 6 piores entre países africanos com
dificuldades geográficas. Em 1990 uma jornada de 150 km poderia durar até 24 horas, devido à reduzida
proporção de rodovias pavimentadas e o grave estado de falta de reparo (SMITH et alli, 1993:on-line).
185
Os esforços de Mobutu foram representados principalmente na construção das hidrelétricas Inga I
(1972) e Inga II (1982), com capacidades instaladas de 351MW e 1.424MW, respectivamente. Ademais, o
governo de Mobutu inaugurou amplos investimentos no setor energético assumindo controle acionário nas
companhias de energia (principalmente a Société Nationale d'Électricité - SNEL), estabelecendo políticas
de controle de preços e revisando os investimentos no setor.
186
A produção de energia elétrica sempre foi concentrada na região de Bas-Congo e Katanga, sendo que
cerca de 95% de toda a energia produzida do país é vendida para Katanga (SMITH et alli, 1993:on-line).
119
economia congolesa veio sofrendo declínio econômico significativo. O processo
iniciou com a deterioração dos termos de troca em 1974, provocada pela queda
dos preços do cobre, e com a decorrente desvalorização cambial e o princípio do
declínio do PIB per capita. Seguiu-se o aumento exponencial da inflação e a
intensificação da dívida externa. Nos anos 80, houve, inicialmente, um
agravamento do quadro, com o início dos grandes picos de inflação (taxa de
53,5% entre 1980 e 87), a deterioração econômica e da infraestrutura, e o
acúmulo de débitos externos, que chegavam a US$ 10 bilhões. Em meados da
década, houve o colapso econômico, representado pela queda acentuada do PIB
per capita187, a desvalorização abrupta do câmbio188 e a hiperinflação, que, em
1987, chegava a 106,5% ano. Com a chegada da década de 1990, a crise havia se
generalizado189, o rombo orçamentário era enorme190 e o setor informal
dominava a economia congolesa.191
Somente entre 1990 e 1993, os salários caíram pela metade, reduzindo
brutalmente o poder de compra da população, principalmente a de Kinshasa.
Juntamente, caía a capacidade de arrecadação do governo. Ademais, com o
incremento das tecnologias agrícolas do sudeste asiático, a performance da
produção agrícola congolesa (algodão, óleo de palma, borracha, chá e cacau),
muito competitiva desde o período colonial, degradou-se consideravelmente nas
décadas de 1980 e 1990 (MATON, 2001). A crise econômica também afetou a
produção e exportação de café (principal produto agrícola de exportação
congolês) – devido à falta de fertilizantes, de crédito para produtores e a queda
nos preços globais (SMITH et alli, 1993). A produção de minérios também foi
afetada com a crise.192
O gráfico abaixo apresenta o expressivo declínio econômico a partir do
início da década de 1980. Para além do que pode ser apreendido da figura, está a
comparação com os demais países da África Subsaariana. No início da década de
1960, o Congo possuía o segundo maior produto da região e, desde 1964 até
187
Em 1978, o PIB per capita do Zaire era de US$ 360,00. Em 1989, caiu para US$ 150,00 (MCCALPIN,
2002:43).
188
Se a taxa de câmbio em 1974 era de Z$0,50=US$1,00; em 1990 chegava a Z$496,99=US$1,00.
189
Em 1990, a crise da dívida externa provocava cortes de 1/3 da ajuda econômica francesa cedida em
1988 e 1989 (MCCALPIN, 2002:44). Ao mesmo tempo, o Banco Mundial rompia com o país – após o
desvio de US$ 500 milhões de mineradoras estatais de cobre (Ibidem).
190
O gasto público do governo de Mobutu era excessivo: em 1992, a receita foi de $ 265 milhões e o gasto
de $ 1,5 bilhões. Em 1993, a receita foi de $ 230 milhões e o gasto de $ 1 bilhão. Déficits orçamentários
eram compensados pela emissão de moeda, o que ocasionava sua desvalorização e inflação.
191
A economia informal passou a ter gradualmente atividades amplamente institucionalizadas e maior
racionalidade e previsibilidade que a economia oficial (SMITH et alli, 1993). Estimava-se, em 1990, que a
economia informal era três vezes o tamanho do PIB oficial - o que demonstrava a inabilidade e
ilegitimidade do sistema formal em servir à população.
192
No que concerne ao zinco, a produção reduziu em mais de três vezes entre 1985 e 1992; para o cobalto,
a produção caiu de 10.033 toneladas para 3.500 toneladas em apenas três anos (1990-1993). A produção
de Manganês cessou após 1975, quando a ferrovia de Benguela foi fechada (o que reflete a dependência da
infraestrutura externa), e a de cassiterita reduziu consideravelmente nos últimos anos do regime devido à
queda nos preços e os altos custos e tempo de transporte para a exportação do leste do país. A produção
oficial de ouro também teve quedas exponenciais devido ao aumento do comércio ilegal nos anos 1990 e
pilhagem de estações de produção industrial. Os produtores artesanais passaram a escolher o comércio
ilegal ao invés de aceitar preços muito baixos dos compradores (comptoirs) oficiais. Além disso, a
produção oficial das minas da OKIMO reduziu consideravelmente devido a falta de investimentos
(SMITH et alli, 1993).
120
1983, o país se manteve em terceiro lugar (WB, 2012). Todavia, a ingerência
econômica de Mobutu provocou uma mudança drástica nessa situação. De 1984
até 1996, o país perdeu espaço considerável na economia da África negra,
passando de terceira para décima terceira economia.

Figura 6 - PIB do Congo, 1960-1997


(bilhões de US$ correntes)
18
16
14
12
10
8
6
4
2
0
1962

1976

1990
1960

1964

1966

1968

1970

1972

1974

1978

1980

1982

1984

1986

1988

1992

1994

1996
Fonte: WB, 2012
Autor: CASTELLANO, 2012

Figura 7 - PIB Per Capita do Congo, 1960-1997


(US$ correntes)
700

600

500

400

300

200

100

0
1968

1988
1960

1962

1964

1966

1970

1972

1974

1976

1978

1980

1982

1984

1986

1990

1992

1994

1996

Fonte: WB, 2012


Autor: CASTELLANO, 2012

A situação foi ainda mais grave no que concerne ao PIB per capita. Em
1963, quando Mobutu interferia ainda paralelamente na política nacional, os
cidadãos congoleses possuíam a segunda maior renda per capita dentre os países
da África Subsaariana. A despeito de oscilações, o declínio foi crescente desde
então. Os efeitos colaterais das crises econômicas da década de 1980 e 1990
foram tão profundos que Mobutu conseguiu o impensável. Deixou o poder
quando a renda per capita dos congoleses era a pior de toda a África Subsaariana
(1997). Uma queda de quarenta e sete posições. Mais do que um ranking de
121
números, a realidade significava que grande parte da riqueza do líder nacional
havia sido construída à custa da pauperização e da miséria do povo congolês.

A Esfera Produtiva
Mobutu também realizou tentativas de estruturar a esfera produtiva do
Estado, todavia a empreitada acabou colaborando apenas para a apropriação
particular das riquezas nacionais e o estabelecimento de grupos favorecidos pelo
regime. Em 1966, foi publicada a Loi Bakajika, que estabelecia o direto do
Estado de reclamar direitos para todas as terras e minérios no país. Em janeiro de
1967, houve a nacionalização da UMHK, que foi transformada em Gécamines.
Entretanto, a nacionalização reforçou, na prática, a dependência econômica, pois
as perdas foram totalmente compensadas à UMHK com dinheiro público,
enquanto contratos de administração, processamento e marketing eram
garantidos à SGB (Société générale des minerais). Como visto anteriormente, em
1973, houve a zairianização da economia: nacionalização de plantações e
expropriação de pequenos e médios negócios pertencentes a não congoleses.
Todavia, ao invés de se empreender uma política de nacionalização da produção,
a direção dos negócios foi passada a amigos próximos de Mobutu – havendo
ainda a demissão de trabalhadores e a contratação de parentes (acesso ao Estado
baseado na etnia).
Em suma, as medidas serviram como base de uma política
patrimonialista de favorecimento da aristocracia política. A zairianização foi uma
das causas do retrocesso do crescimento econômico experimentado entre 1968 e
1974. “Essa privatização do Estado foi um fator importante para o colapso da
economia e para a decadência e o colapso final do Estado” (NZONGOLA-
NTALAJA, 2003:150. Tradução minha).

A Esfera Distributiva
No que tange à esfera distributiva de bem-estar, houve tentativas de
superação da deterioração das condições de vida da população congolesa. Foram
muitas vezes empreendidas mediante a interferência externa na economia. Como
exemplo, houve em 1978 a indicação pelo FMI de Erwin Blumenthal (banqueiro
alemão) para administrar o banco central congolês enquanto franceses e belgas
passaram a comandar o ministério das finanças e agências fiscais
(CALLLAGHY, 1984:200-201). Entretanto, a tutelagem para com especialistas
econômicos estrangeiros foi baseada em uma grande falácia de que a crise no
país era resultado de um problema técnico. O problema era, sim, para o que as
competências técnicas eram direcionadas (benefícios pessoais ou coletivo-
nacionais). De acordo com o autor congolês Georges Nzongola-Ntalaja:
Mobutu e seu séquito conseguiram bloquear o crescimento e o
desenvolvimento econômico ao destruir ou negligenciar a infraestrutura
econômica e social herdada do passado colonial, e ao revogar recursos básicos
necessários para atender às necessidades vitais da população e para melhorar as
suas condições de vida. (NZONGOLA-NTALAJA, 2003:152. Tradução
minha)

122
O governo de Mobutu sinalizou romper com o déficit de direitos sociais
da população congolesa. Procurando fazer do Congo o Brasil Africano, ofereceu,
no período inicial de seu governo, os primeiros direitos sociais do país. Houve o
lançamento de serviços de assistência social, direitos trabalhistas, ampliação da
política educacional193 e de saúde194 (USA, 2009; WALDMAN, 2006; WB,
2005). Todavia, com a intensificação da cleptocracia, a redução da renda, a
inflação, a desvalorização monetária e a explosão da economia informal, a maior
parte dos trabalhadores passou para fora do sistema de proteção ao trabalho. As
garantias sociais dadas pelo Estado foram igualmente esvanecendo. Por outro
lado, o governo de Mobutu acabou com os poucos direitos políticos (regime de
partido único, eleições de fachada e banimento dos partidos políticos) e civis
(perseguições políticas e nacionalização de propriedades) que restavam à
população congolesa.
Alinhado a essa lógica, o elemento final que colaborou para a queda do
regime de Mobutu foi a objeção em promover a liberalização política.
Anteriormente, os recorrentes retrocessos na abertura política estiveram
diretamente relacionados à lógica da Guerra Fria. Mobutu era um aliado
importante para os EUA (promovia interesses ocidentais na África Central e
Austral) e para a França (contribuía para a manutenção da hegemonia francesa na
região francófona). Estes países ajudaram a bloquear as tentativas de transição
para a democracia, devido a sua preferência pela manutenção do status quo.
Todavia, posteriormente, a vitória do neoliberalismo, em fins na década de 1980,
trouxe pressões internacionais contra o ditador e a exigência de um regime mais
alinhado às novas demandas da globalização. Mobutu perdeu quase que
completamente o seu apoio externo, a não ser inicialmente pela França. Em
última instância, ficou isolado contra as pressões internas e externas para a
abertura política.

193
A educação congolesa foi historicamente marcada por graves estrangulamentos e pela dependência
estatal de iniciativas privadas para o fornecimento desses serviços. Durante a colônia, o estrangulamento
maior estava na educação superior, nos dias atuais o estrangulamento se situa, paradoxalmente, na
educação primária e secundária. O governo de Mobutu arcou com a tentativa de romper o desequilíbrio
entre a excelência no ensino primário do país e a quase inexistência da educação secundária e
universitária. Todavia, o desequilíbrio acabou cedendo para o lado oposto – graças, sobretudo, à falência
estatal. (WB, 2005)
194
Em 1981, iniciou-se a adoção progressiva de uma nova política de saúde com a provisão da assistência
de saúde primária, resultando na descentralização do setor em 1986, com a criação de mais de 300 zonas
de saúde. O sistema de saúde zairiano se tornou um dos mais admirados na África Subsaariana, apesar de
que 50% da população não possuíam acesso aos serviços (ALMQUIST, 1993). Havia, na década de 1990,
aproximadamente um médico para cada 14.000 cidadãos (frente à proporção de 1 para 35.000 em Ruanda
e 1 para 45.000 em Burundi) e 1 enfermeira para cada 1.900 pessoas (nível muito mais alto que a média de
1 para 45.000 da África Subsaariana). Ademais, o número de camas de hospital era de uma para cada 700
pessoas, frente à taxa de uma para cada 850 em Burundi (ALMQUIST, 1993). As zonas de saúdes cobriam
uma população de 100 a 150 mil e continham um hospital principal, entre um e três centro de referência, e
15 a 25 centros de saúde. Apesar da opulência, o sistema pagava baixos salários aos funcionários e muitos
dos centros de saúde eram disfuncionais e apresentavam falta de medicamentos, equipamentos e pessoal –
principalmente nos anos finais do regime de Mobutu. Isso ocorria porque a manutenção do sistema de
saúde em Mobutu se baseou no suporte de doadores externos, os quais pararam de contribuir com o
governo a partir do início da década de 1990. Assim, o fornecimento mais estável de serviços de saúde,
principalmente em áreas rurais, continuou sendo, assim como no período colonial, aquele oferecido por
organizações religiosas, tais como as igrejas Católica, Protestante e Kimbanguista (USA, 2009).
123
De um lado, os EUA mantinham as mesmas motivações da época em
que o colocaram no poder (assegurar o controle dos recursos naturais estratégicos
do Zaire195), enquanto o FMI afirmava só liberar empréstimos mediante as
privatizações dos conglomerados de minério estatais. De outro, Mobutu, a
despeito de seu notório entreguismo, tornava-se excessivamente “nacionalista”
para o ocidente, que, sem a “ameaça comunista”, julgava possível dispensá-lo.
A solução encontrada foi o anúncio de uma Terceira República em 24 de
abril 1990, o que envolveria o fim do regime de partido único, a introdução de
um sistema tripartidário, a despolitização do exército e a restauração da liberdade
de imprensa e de expressão. As pressões da oposição possibilitaram a criação da
Conferência Nacional Soberana (CNS) em 7 de agosto de 1991. Todavia, apesar
de a CNS ter adotado, em agosto de 1992, uma Constituição provisória, elegendo
o Arcebispo Laurent Monsengwo como seu presidente e o líder do partido da
oposição (UDPS), Étienne Tshisekedi, como primeiro-ministro do Zaire, a
complexa engenharia institucional de power-sharing não evitou as recorrentes
articulações de Mobutu para o bloqueio da liberalização política (KABEMBA,
2005:7; ISS, 2005a, LODGE et alli, 2002).196
Dessa maneira, mesmo com a sinalização de abertura política em 1990 e
a criação de um parlamento de transição em 1994197, a demora de Mobutu para
ceder à alternância de poder e a sua oposição aberta aos regimes clientes dos
Estados Unidos na África Central levou ao fim forçado de seu domínio. O
colapso materializou-se em uma invasão conjugada de Uganda e Ruanda, para
colocar no poder o guerrilheiro Laurent Kabila.
Finalmente, importa referir que o processo de liberalização política
parcial, operado e manipulado por Mobutu, gerou consequências graves para a
relação entre grupos étnicos do leste do país. Esta relação, que fora
historicamente instrumentalizada pela administração colonial, foi também
agravada durante todo o regime mobutista. Como consequência, as instabilidades

195
Conforme, posteriormente, deixa claro o plano feito pelo professor Steven Metz (U.S. Army War
College) de intervenção americana no Zaire no final da década de 1990. O documento foi prefaciado pelo
Coronel do Exército norte-americano Richard H. Witherspoon, diretor do Strategic Studies Institute
(METZ, 1996).
196
Como exemplo, em dezembro de 1992, Mobutu se recusou a aceitar as decisões da CNS e nomeou um
governo rival estabelecido na maior parte de 1993, retomando a velha Constituição e o antigo parlamento.
Houve a duplicação das instituições políticas: dois governos, dois parlamentos e duas moedas no Zaire
(KABEMBA, 2005).
197
A partir de 1994, houve, contudo, uma nova abertura política. Em janeiro, um compromisso mútuo
estabeleceu o fim do impasse, com a união dos dois parlamentos em um parlamento de transição, chamado
Haut conseil de la république - Parlement de transition (HCR-PT), composto de 700 membros e
dominado por forças pro-Mobutu (KABEMBA, 2005; ISS, 2005a, LODGE, 2002). Em julho, o HCR-PT
acordou uma nova Constituição de transição. O documento manteve Mobutu como presidente e apontou
como primeiro ministro Léon Kengo wa Dondo, que havia sido duas vezes primeiro ministro de Mobutu
durante os anos 80 (ISS, 2005a). Em maio de 1995, foi criada a Comissão Nacional Eleitoral (CNE) com
objetivo de estabelecer uma legislação eleitoral e agendar eleições. Uma versão provisória da lei eleitoral
foi publicada em março de 1997 e estabelecia eleições presidenciais de maioria absoluta de dois turnos
(run-off) e sistema plural para o legislativo nacional (KABEMBA, 2005: 8). Os arranjos de power-sharing
estipulados eram o federalismo e a RP. Todavia, com a Primeira Guerra do Congo, o líder da AFDL,
Laurente Kabila suspendeu o processo de abertura política em vias no Zaire e tomou o poder em 17 de
maio de 1997, como se verá no próximo capítulo.
124
decorrentes foram elemento central para o transbordamento dos conflitos em
Ruanda, Uganda e Burundi para dentro do território congolês.

O caso dos Banyarwanda e Banyamulenge


Oportunista, Mobutu percebeu a necessidade dos Banyarwanda de uma
mão amiga frente às perseguições que sofriam no leste do país e a possíveis
vantagens de tê-los como aliados dependentes, devido à oposição interna. Os
Banyarwanda, os quais haviam adquirido cidadania em 1972, foram os maiores
beneficiários do processo de distribuição de terras operada pelo presidente.198
Com a gravidade demográfica de Nord Kivu, o sucesso dos Banyarwanda lhes
rendeu, contudo, poucos amigos.
As tensões regionais ainda se agravaram com a articulação de um
representante dos interesses dos Banyarwanda junto a Mobutu. Barthélémy
Bisengimana (chefe de gabinete) conseguiu que o MPR aprovasse um decreto de
cidadania em 5 de janeiro de 1972. O documento garantia cidadania zairiana para
todos os imigrantes vindos de Ruanda-Urundi que houvessem chegado ao
Congo-Belga antes de janeiro de 1960.199 Todavia, com a queda de Bisengimana
em 1977, o instituto não resistiu às pressões dos grupos locais e em 29 de junho
de 1981 uma nova lei (Loi 81-002) suprimiu o polêmico artigo de 1972.200
Mesmo assim, a nova lei era difícil de ser aplicada (comprovação de
descendência) e deixava que imperasse a arbitrariedade. Como resultado, as
eleições de 1987 não puderam ser realizadas em Nord Kivu pela indefinição de
quem era na prática zairiano. Ademais, tendo como álibi a lei de 1981, a elite
Nande arregimentou as minorias étnicas da região (Hunde e Nyanga) nos
esforços para retirar terras e negócios de seus rivais Banyarwanda. Com a
abertura política do início dos anos 1990, utilizaram ainda a esfera do CNS, da
qual os Banyarwanda foram barrados, para capturar a administração de Nord
Kivu e estabelecer um aparato oficial anti-Banyarwanda.
No mesmo momento em que havia perdido sua cidadania congolesa e
em que estava sob artilharia dos grupos locais rivais, a comunidade Banyarwanda
de Nord Kivu se dividiu frente ao conflito Tutsi-Hutu de Ruanda – sendo
arregimentados tanto pelo grupo Tutsi FPR (Front Patriotique Rwandais) quanto
pela Mutuelle des Agriculteurs des Virunga (MAGRIVI – grupo Hutu). Ainda
mais enfraquecida pelas divisões internas, a comunidade foi vítima de ataques
abertos a partir do início de 1992. A situação levou à interferência das forças de
segurança e a criação de milícias Banyarwanda na região, posteriormente

198
Com a oposição interna aos Banyarwanda, Mobutu percebeu a oportunidade de conseguir um aliado
dependente. Decidiu firmar uma parceria com a comunidade (principalmente com os Tutsi), entre os anos
de 1967 e 1977, distribuindo ao grupo, geralmente em troca de dinheiro, direitos de grandes extensões de
terras que haviam sido abandonadas por belgas com a Crise do Congo ou tomadas pelo Estado durante a
zairianização de 1973.
199
A lei de 1972 garantia a cidadania zairiana a todas as pessoas com no mínimo um ascendente membro
de uma das tribos estabelecidas no território congolês até 15 de novembro de 1908. Posteriormente, uma
flexibilização da interpretação da lei garantia cidadania para os imigrantes que tivessem chegado ao país
antes de 1 de janeiro de 1960.
200
A lei de 1981 retirava a nacionalidade congolesa retroativamente aos habitantes do Congo que não
comprovassem descendência majoritária de um membro de uma das tribos que habitavam o Congo antes
de agosto de 1885. Em 1991, a lei foi reafirmada para a atuação do CNS.
125
incentivadas com a chegada de mais de 800 mil refugiados Hutu vindos de
Ruanda.
Os Hutu ex-FAR (Forças Armadas de Ruanda) que chegaram ao Zaire
junto dos refugiados tinham a intenção clara de usar a população Hutu local
contra os Tutsi e as tribos autóctones – obtendo o controle do território para si. A
aliança de Mobutu com os Hutu do antigo regime de Ruanda fez com que o
presidente acabasse financiando este projeto. Em abril de 1995, um contingente
das FAZ atuava lado a lado com a ex-FAR e a Interahamwe201 contra Hunde e
Nyanga, com a intenção de, dando estabilidade à presença dos Hutu em Nord
Kivu, garantir uma plataforma eleitoral para as eleições planejadas para maio de
1997.
Em relação aos Banyamulenge de Sud Kivu, cumpre ressaltar que, no
pós-independência, o auxílio destes às tropas da ANC frente à rebelião
Lumumbista dos Simbas viabilizou uma recompensa para o grupo no regime de
Mobutu.202 Foram garantidas carreiras militares, acesso à educação, serviços
sociais e oportunidade de emprego. (TURNER, 2002:86)
O resultado foi a formação de uma nova elite político-militar Banyamulenge e
uma emancipação sociopolítica de toda a sociedade Banyamulenge que se
tornou consciente de sua própria identidade e sua posição delicada dentro da
sociedade congolesa. (VLASSENROOT, 2002:504. Tradução minha)
Outro resultado foi o grande ressentimento por parte dos Babembe, os
quais, além de terem sido derrotados junto com os Simbas, viram o grupo rival
ascender socialmente. Foi aproximadamente neste momento (década de 1970)
que o grupo Tutsi adotou o nome de Banyamulenge, para se diferenciar dos
Banyarwanda e romper com a conexão simbólica a Ruanda (TURNER,
2002:86).203
Todavia, a garantia de cidadania para os Banyamulenge com a lei de
1972 logo foi praticamente rompida pela lei de junho de 1981. Seus efeitos foram
mais políticos do que legais, pois o Estado não a impôs na prática em um
primeiro momento. Todavia, políticos Banyamulenge, temendo a dissolução de
sua base eleitoral, passaram a procurar outras comunidades para representar e
grupos rivais e ressentidos passaram a questionar a cidadania dos
Banyarwanda.204 O objetivo de Mobutu era claro: criar um bode expiatório para

201
A milícia Hutu Interahamwe foi um dos principais grupos executores do genocídio de Tutsi em Ruanda,
juntamente com o Impuzamugambi. Após a ascensão da FPR o Interahamwe partiu em fuga para o Congo,
levando consigo a este país o conflito armado da vizinha Ruanda.
202
Os Banyamulenge tiveram papel central na rebelião dos Simba na década de 1960. Estes últimos
chegaram à região e, auxiliados pelos Bembe, começaram a pilhar o gado do grupo. Como resposta, os
Banyamulenge viraram-se contra o grupo, auxiliando militarmente as forças comandadas por Mobutu no
esforço de contrainsurgência. Após a supressão dos Simba, o ressentimento histórico entre Banyamulenge
e Babembe se fortaleceu.
203
Banyamulenge (“aqueles de Mulenge”, aldeia em Itombwe). Todavia até hoje Banyamulenge tendem a
serem vistos como outsiders e marginalizados pelas políticas nacionais congolesas (TURNER, 2002:78).
Ademais, compondo de 3 a 4% da população de Sud Kivu (entre 60 e 80 mil pessoas) – mantiveram-se
constantemente receosos das ameaças de outros grupos majoritários.
204
No último caso, suas pressões resultaram em um censeamento especial em 1989, feito justamente no
leste do país, que resultou em pequenas escaramuças localizadas e na recusa de que delegados
Banyamulenge e Banyarwanda ingressassem na CNS em 1992.
126
os problemas do Zaire e distrair a população para longe da verdadeira causa de
sua miséria (MCCALPIN, 2002:46).
Frustrados com retirada do direito fundamental de cidadania, diversos
Banyamulenge ingressaram nos quadros do FPR. Ademais, a chegada de grandes
levas de refugiados com o assassinato do presidente burundiano Ndadaye, em
1993, e o genocídio de Ruanda, em 1994, e agravou a situação – com
perseguições e ataques a Banyamulenge em Uvira.
Com o aumento dos boatos, até mesmo no Parlamento congolês, de que
Ruanda buscava capturar territórios do Zaire para criar um reino Tutsi no Congo,
os Banyamulenge passaram a sofrer com perseguições, prisões, demonstrações
violentas e ameaças de expulsão. A situação levou muitos deles a ingressarem ou
a serem treinados pela APR (Armée Patriotique Rwandaise) – ou mesmo a criar
suas próprias milícias em Sud Kivu. Ademais, o apoio de Mobutu aos genocidas
da Interahamwe e das antigas FAR fez com que grande parte do grupo integrasse
os quadros da AFDL.205

O Caso Hema-Lendu
Após a independência do Congo alguns Hema mantiveram na atual
região de Ituri seu papel, ressaltado pelo Estado colonial, na elite administrativa,
proprietária da terra e dos negócios.206 O regime de Mobutu agravou as disputas
entre os grupos, sustentando os Hema em posições privilegiadas na agricultura,
mineração, administração local como parte da política de zairianização.207 A
situação desagradou sobremaneira os Lendu, ainda mais marginalizados frente
aos novos empreendedores Hema.
Com o favorecimento dos Hema, a comunidade Lendu passou a lutar por
direitos de terra e pesca, resultando em levantes em diversos momentos na
história pós-colonial – os quais eram golpeados com pesadas repressões.208
Nesses conflitos, a grande maioria dos Hema pobres não estava envolvida em
disputas contra os Lendu. Esse fato dá sinais de que se tratava de um confronto
com características próprias da luta de classes.209
Não obstante a tentativa de liberalização política, o processo de
democratização do Zaire teve o lado negativo de permitir que políticos locais

205
Consecutivamente, a aliança dos Banyamulenge com o FPR fez com que Mobutu passasse a apoiar
militarmente os antes rivais Babembe e demais autóctones (Barega, Bashi e Bafulero) na supressão dos
Tutsi do Congo. Estes últimos, por sua vez, passaram a receber homens e equipamentos da APR. Estava
armada a situação para a Primeira Guerra do Congo.
206
Com a criação do território de Kibalu-Ituri em 1962, nenhum Lendu obteve posição importante na
administração (HRW, 2003:14).
207
Os Hema foram beneficiados duplamente com as políticas de 1973. Em primeiro lugar, os
concessionários estrangeiros que exploravam as terras locais mediante acordos entre partes foram forçados
a ceder as terras aos administradores Hema com a intenção de retornar no futuro – o que não ocorreu. Em
segundo lugar, as terras nacionalizadas por Mobutu com a zairianização (a qual acabava com o direito
consuetudinário das terras) também foram repassadas sob forma de concessão aos Hema para que as
administrassem. Para isso contribuiu o apontamento, em 1969, do Hema Zbo Kalogi como ministro da
agricultura de Mobutu (S/2004/573, 2004:7).
208
Além de tensões de 1962 e 1965, destacam-se os choques de 1975, 1983, 1984 e 1997.
209
De fato, nas áreas mais pobres e rurais, comunidades Hema e Lendu geralmente coexistiam
pacificamente. Inclusive Hema pobres declaravam que a guerra não era entre Lendu e Hema, mas entre
Hema ricos e os grupos desfavorecidos de Ituri (S/2004/573, 2004:7).
127
explorassem tensões arraigadas entre comunidades e a etnia como forma de
mobilização política. Ademais, o caos e a falência estatal derivados do colapso
do regime de Mobutu e da Primeira Guerra do Congo acentuaram as rivalidades
e a militarização na região.

Conclusão do Capítulo 3
Este capítulo buscou elucidar as conexões lógicas entre as características
da guerra civil do Congo recém-independente e as estruturas do Estado durante o
regime de Mobutu Sese Seko. A estrutura e o indivíduo interferiram nesta
relação.
Durante a Crise do Congo, o nível sistêmico influenciou diretamente na
natureza das ameaças ao Estado. A Guerra Fria dava sinais de que havia chegado
à África, todavia com mecanismos ainda precários. A ambiguidade e a
indefinição dos países ocidentais frente aos separatismos, principalmente de
Katanga, mostraram que estes países não tinham necessariamente uma política
comum dentro do confronto bipolar, nem mesmo tinham controle direto sobre
elites econômicas que possuíam interesses em estabelecer e conservar enclaves
econômicos em regiões periféricas. Ademais, a interferência soviética no apoio
de regimes aliados e na promoção de movimentos revolucionários na África, a
qual se faria sentir mais fortemente na década de 1970, era ainda incipiente e
restrita. Isso ocorria vis a vis o rápido avanço dos EUA em algumas regiões do
continente – garantindo, no caso Congo, o estabelecimento de tropas da ONU
para a supressão de turbulências (inclusive do próprio separatismo), o envio de
assessores e de uma vasta gama de equipamentos militares e munições, e o
pagamento de mercenários para cumprir os esforços de contrainsurgência.
A estrutura também imperou com o fim das conflagrações. Mobutu se
manteve como um gendarme do ocidente na África Subsaariana, o que garantia o
suporte financeiro e militar constante contra as ameaças comunistas internas e
dos países vizinhos. A tutela internacional contribuiu, portanto, para que
houvesse poucas necessidades reais de construção de um Estado forte que se
sustentasse autonomamente frente a desafios de segurança existenciais.
No que diz respeito ao indivíduo, este teve papel centralmente
importante. Durante a guerra civil, as tentativas de reforma militar de Lumumba
fracassaram duplamente. Primeiro, porque o primeiro-ministro estabeleceu na
ANC comandantes inexperientes e pouco comprometidos com a causa nacional
(caso de Mobutu). Segundo, pois logo foi destituído do poder e assassinado.
Paradoxalmente, o projeto de construção do Estado foi retomado por Mobutu
após a guerra civil. O presidente iniciou a construção de um exército que se
tornou um modelo para os países africanos e de escolas e centros de treinamento
que recebiam diversos militares de países vizinhos. Além disso, estabeleceu
esforços iniciais de planejamento econômico para que o Congo se tornasse o
Brasil Africano. Investiu em infraestrutura e na esfera produtiva (empresas
estatais) – além de construir os primeiros direitos sociais e praticar políticas
incisivas no campo da saúde e da educação.

128
Todavia, as ambições pessoais do presidente foram mais fortes. Com
boatos de que se formava um movimento que o iria destituir de seu cargo,
Mobutu ingressou em um ciclo pernicioso de desestruturação de poderes
concorrentes (exército e burocracia) confiando a maioria dos postos a amigos e
parentes confiáveis (o que não significava que estes estavam aptos para a
função). Esta manobra acabou por reduzir a capacidade administrativa do Estado
e dar espaço a um complexo sistema de corrupção – o que foi agravado pelo
acúmulo da dívida externa e contribuiu para o colapso das contas públicas, a
desvalorização monetária, a hiperinflação, a pauperização generalizada e o
crescimento exponencial da economia informal. Estas opções de Mobutu,
juntamente com suas recusas constantes em liberalizar o regime e suas ações
visando à obtenção de vantagens a partir de rivalidades étnicas locais, foram
cruciais não somente para a explosão da Primeira Guerra do Congo, mas também
para a quase extinção da possibilidade, antes concreta, de transformar o Congo
em um Estado viável.

129
130
CAPÍTULO 4
A Primeira Guerra do Congo e o Estado em Laurent Kabila

Este capítulo apresenta a segunda relação entre guerra e Estado, na


RDC, proposta por este livro. Busca traçar paralelos lógicos entre a Primeira
Guerra do Congo (1996-1997) e as estruturas do Estado durante o regime de
Laurent Kabila (1997-2001), mormente no período pacífico (até 1998).
A Primeira Guerra do Congo foi caracterizada pela presença de ameaças
internas e externas ao Estado congolês. Todavia, como as rivalidades externas
eram legitimadas mediante uma aliança proxy – as ameaças prioritárias a serem
enfrentadas eram sobretudo as internas. Não obstante o aparente caráter
intraestatal do conflito, as forças estrangeiras foram as grandes responsáveis
pelas operações militares. Treinaram, armaram e lutaram lado a lado com o
grupo insurgente de Laurent Kabila contra as forças nacionais. Ademais, o
financiamento das operações militares do grupo vencedor (AFDL) foi baseado
majoritariamente no estabelecimento de contratos de mineração e na pilhagem de
recursos naturais congoleses.
Parece não ser mera coincidência que as estruturas do Estado congolês
no período de Laurent Kabila tenham sido precariamente construídas. A esfera
coercitiva era precária, caracterizada pelo foco na coerção e repressão interna
(Kabila parecia temer ter para si o mesmo destino de Mobutu) e na dependência
de forças externas, as quais foram incorporadas nas Forças Armadas nacionais. A
esfera extrativa continuou precária, haja vista que a economia se baseava nos
contratos estabelecidos em tempos de guerra – ao mesmo tempo em que Kabila
tentava recompensar seus apoiadores fazendo vistas grossas às pilhagens no leste
do país. Ademais, por mais que apregoasse a liberalização política, Kabila
manteve a privatização das instituições, distribuindo poderes a amigos, parentes e
irmãos de etnia. Era evidente que o novo presidente se transformava na
reprodução de seu predecessor – o que contribuía imensamente para continuidade
da desestruturação do Estado.

4.1 A Primeira Guerra do Congo (1996-1997)

A Natureza das Ameaças


A Primeira Guerra do Congo foi de outubro de 1996 a maio de 1997 e
resultou na morte de cerca de 200 mil pessoas. Apesar de seu caráter civil, é aqui
interpretada a partir de sua característica principal: a agressão de Ruanda,
Uganda, Burundi e Angola ao território zairiano. Trata-se de uma guerra
interestal com formato de guerra civil (guerra proxy, neste caso, guerra mista).
As decisões de estabelecer a invasão ocorreram, sobretudo, pelo colapso do
regime de Mobutu e pelo apoio do presidente zairiano aos grupos rivais dos
governos de Ruanda, Burundi e Angola.
No primeiro caso, lembra-se que o fim das ameaças comunistas na
África acabava com a justificativa para o suporte ocidental de governos
autocráticos e a demora de Mobutu para liberalizar o regime causava irritação
131
nos EUA. Ademais, a despreocupação do presidente com o dinheiro do ocidente
já saturava as relações econômicas entre o líder e os seus antigos apoiadores.
Mobutu acumulava uma dívida externa de US$ 14 bilhões em 1997 (DUNN,
2002:54), a qual já havia reescalonado pelo menos 16 vezes (SMITH et alli,
1993:on-line). Isso, aliado ao não comprometimento com alguns preceitos
liberais (liberalização comercial e cambial, corte nos gastos e privatizações),
levou ao isolamento do líder no início da década de 1990.
No segundo caso, eram evidentes as consequências de Mobutu ter sido
historicamente um dos líderes mais reacionários da África negra, atuando como
um importante gendarme do ocidente no continente. Pode-se falar da existência
de uma grande oposição regional ao seu regime e de uma movimentação
coordenada para derrubá-lo. A ideia, lançada em 1994 por Yoweri Museveni
(presidente de Uganda) no contexto do genocídio de Ruanda, foi retomada em
1995 por Mwalimu Julius Nyerere (presidente da Tanzânia) – estabelecendo
contatos para limpar do poder aquele que consideravam a “vergonha da África”.
Os apoiadores desse projeto, baseados em trajetórias comuns no socialismo e
pan-africanismo, faziam parte de uma nova geração de líderes africanos (Issayas
Afeworki, da Eritreia; Meles Zenawi, da Etiópia; Museveni, de Uganda; e
Kagame, de Ruanda) e uma geração de antigos revolucionários (Mugabe, do
Zimbábue, Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos, de Angola). Essa
percepção está alinhada à noção de que Laurent Kabila210 foi apenas uma peça
escolhida para realizar o trabalho sujo da guerra de agressão. “Quando Kagame
tomou a decisão de atacar o Zaire, provavelmente em algum momento durante o
primeiro semestre de 1996, tanto ele quanto Museveni começaram a procurar
pelo “congolês adequado” para agir como um disfarce local e ambos começaram
a promover suas escolhas” (PRUNIER, 2009:115-116. Tradução minha). Assim,
pelo intermédio de Nyerere, Museveni e Kagame conheceram o ex-líder
guerrilheiro, que se enquadrava no perfil procurado por ser neutro entre os dois
países e por estar sobre completo controle do serviço secreto da Tanzânia.211
Ademais, Mobutu simpatizava com o antigo regime genocida Hutu de
Ruanda, o que fazia com que o presidente desse grande liberdade de movimento
dentro de seu próprio território aos ex-políticos e militares do país vizinho. Já
para as lideranças genocidas da milícia Interahamwe e das ex-Forces Armées
Ruandaise (ex-FAR) – as quais haviam coordenado o genocídio de 800 mil Tutsi

210
Laurent Kabila era um guerrilheiro de esquerda cuja atividade datava ainda à época de Guevara. Com a
retirada deste e dos assessores cubanos do Congo, Kabila tornou-se pró-chinês, recebendo apoio através da
Tanzânia. Graças a isso, pode estabelecer uma “zona libertada” na província de Sud Kivu, onde chegou a
fazer experimentos de agricultura comunal e coletivismo nos padrões maoístas. Com a aproximação entre
China e EUA (1971), Laurent Kabila internou-se na Tanzânia, estudou na França e estabeleceu domicílio
em Dar es Salaam e Kampala (capital de Uganda). Então, havia deslocado seu ramo de atividades para o
comércio de ouro e marfim (VIZENTINI, 2007a:145) e se associado a meios empresariais estadunidenses.
Foi apresentado aos presidentes de Uganda (Yoweri Museveni) e Ruanda (Paul Kagame) pelo próprio
presidente da Tanzânia (Mwalimu Julius Nyerere).
211
Importa que Kabila está associado ao desmonte do regime de Idi Amim Dada operado por Yoweri
Museveni – que recebeu US$1 bilhão indenizando as empresas expropriadas por Idi Amim. US$245
milhões foram repatriados oriundos de fundos privados e US$825 milhões de dólares através de ajuda
internacional. Yoweri Museveni restituiu o patrimônio de quatro mil das sete mil empresas confiscadas por
Idi Amim (PRUNIER, 1996:266-267). Em grande medida, o desmonte do governo Mobutu seguiu o
caminho de Uganda uma década antes (guerra civil, colapso e internacionalização de recursos).
132
–, Mobutu era um fator fundamental: a proteção do Zaire lhes possibilitou não
somente se manterem escondidos dos militares ruandeses como também se
rearmarem em campos de refugiados parcialmente militarizados.212
Continuavam, desde 1995, a realizar ataques ao território de Ruanda e a
Banyamulenge213 em Sud Kivu a partir dos campos de refugiados no Zaire.214
Destarte, para o novo governo Tutsi do Front Patriotique Rwandais (FPR) de
Ruanda e seus pares em Burundi, a continuidade do regime de Mobutu era
insuportável.
Outrossim, Uganda se preocupava com a atuação de rebeldes no
nordeste do Congo e se solidarizava com a causa do FPR – o qual havia
auxiliado a chegar ao poder. Angola tinha interesses muito particulares, e,
mormente, internos, para entrar na Primeira Guerra do Congo. Tratava-se de
capturar Joseph Savimbi, desmobilizar o exército secreto da UNITA (União
Nacional para a Independência Total de Angola), que voltou a guerra após as
conciliações de 1994 e 1995 (acreditava-se que 15.000 homens estavam em
operação no Zaire), e quebrar suas redes comerciais de diamantes. Para legitimar
a invasão, foi criada a AFDL um grupo rebelde praticamente fantoche, sem base
ideológica e heterogêneo, liderado por Laurent Kabila (REED, 1998).
A luta rebelde da AFDL, que havia começado entre julho e agosto de
1996, se intensificou em outubro.215 A guerra foi um conflito “relâmpago”: em
seis meses as tropas de Kabila, vindas do extremo leste do país, chegavam à
capital Kishasa (16 de maio de 1997). Isso se deveu principalmente à
incapacidade militar congolesa, ao amparo externo das tropas de Ruanda e
Angola aos insurgentes e aos contratos de exploração de recursos naturais
firmados por Kabila com empresas ocidentais, mesmo antes de vencer a
conflagração.

212
Para Ruanda, o problema mais grave era a militarização dos campos de refugiados nas suas fronteiras.
Nada de efetivo foi feito por Mobutu para cessar a compra de armas pelos ex-FAR.
213
Como visto no capítulo anterior, a comunidade de antigos imigrantes ruandeses ainda sofria com a
retirada de seus direitos de cidadania em 1981. Em Nord Kivu, o aumento de perseguições xenófobas e de
ataques abertos fez com que a comunidade Banyarwanda (de maioria Hutu) procurasse aliados externos
(dividindo-se frente ao conflito Hutu-Tutsi) e criasse milícias na região, incentivadas com a chegada de ex-
FAR aliados de Mobutu, então sedento por novos clientes políticos. Em Sud Kivu, diversos Banyamulenge
(Tutsi) frustrados com retirada deste direito fundamental ingressaram nos quadros do FPR. Com o
crescimento do fluxo de refugiados dos países vizinhos e o aumento dos boatos de que Ruanda buscava
capturar territórios do Zaire para criar um reino Tutsi no Congo os Banyamulenge passaram a sofrer com
perseguições, prisões, demonstrações violentas e ameaças de expulsão – o que foi um dos motivos para o
seu ingresso maciço na AFDL.
214
Longman (2002) destaca como principais causas da invasão Ruandesa: a solidariedade étnica e
humanitária entre Tutsi de Ruanda e do Congo dentro da APR (lutaram juntos na guerra civil de Ruanda),
as preocupações com sua segurança (ameaças representadas pela presença de Interahamwe e ex-FAR no
Zaire); a intenção de estabelecer um regime parceiro no Zaire (ação que exprimia os interesses e a
influência dos EUA); e o triunfalismo da APR.
215
Cumpre ressaltar que a AFDL era uma aliança formada por quatro grupos distintos e dentro da qual,
havia um acordo instável entre Kabila, porta-voz do movimento, e Kisasse Ngandu, seu comandante
militar. O impasse só se desfez com o assassinato de Ngandu no início da campanha (sob condições
misteriosas) e a ascensão de Kabila como líder do movimento. Nota-se também que a AFDL era muito
impopular. Só ganhou legitimidade quando recebeu eventualmente o apoio do líder de oposição a Mobutu,
Étienne Tshisekedi – que se opôs ao suposto xenofobismo anti-AFDL (anti-Tutsi).
133
As Forças Combatentes Principais
Nesta guerra ficou visível novamente a incapacidade coercitiva externa
do Estado congolês. Entretanto, ao contrário do que ocorrera em Shaba I e Shaba
II, agora o exército estava ainda mais desestruturado pelas políticas perniciosas
de Mobutu. Segundo Turner, as forças se recusavam a lutar; e os únicos que
ofereciam oposição a Kabila e seus aliados externos eram os Hutu ruandeses e as
tropas secretas da UNITA (TURNER, 2002:82). O amparo militar tal qual obtido
em Shaba também não chegou, nem mesmo da última grande aliada de Mobutu.
A França, que havia apoiado o seu governo e o dos Hutu de Ruanda, não
ofereceu suporte suficiente ao presidente.
No que se refere ao amparo militar externo obtido pela AFDL, Ruanda,
Uganda e Angola, junto ao governo Tutsi de Burundi (PIKE, 2010a), forneceram
apoio em forças regulares, unidades blindadas e aéreas (VIZENTINI,
2007b:210). O suporte vindo de Uganda foi diminuto, mas importante. Tinha a
intenção de evitar que os grupos rebeldes ugandeses Allied Democratic Forces
(ADF), Lord’s Resistence Army (LRA) e West Nile Bank Front (WNBF)
utilizassem o Zaire como base de operações. Angola teve maior protagonismo,
cedendo apoio logístico e assistência na captura de Kinshasa.216
Ruanda, por seu turno, foi a grande força por trás da AFDL; planejou e
dirigiu a rebelião, além de fornecer tropas, suporte logístico e material, e
treinamento para Tutsi que haviam lutado no FPR. Em entrevista concedida ao
Washington Post, em julho de 1997, Paul Kagame confirmou que, em 1996,
Ruanda decidiu eliminar o perigo dos campos de refugiados no Zaire. Assim,
procurou forças de oposição no país para patrociná-las (encontrando o grupo de
Kabila) e colocou suas próprias tropas e oficiais na frente da rebelião (DUNN,
2002:56).

O Financiamento da Guerra
O governo de Mobutu e os rebeldes adotaram formas diversas de
financiar a guerra. No lado de Mobutu, havia uma grande escassez de fontes de
financiamento – devido à recusa do governo em liberalizar o regime. A partir do
início da década de 1990, as Instituições Financeiras Internacionais (IFIs)
bloquearam qualquer tipo de empréstimo ao presidente, enquanto a França só
manteve suporte político ao autocrata.
Já os grupos rebeldes foram apoiados no início das conflagrações
prioritariamente por seus aliados militares. Entretanto, com a obtenção do
controle das províncias de Kasai e Shaba em abril de 1997, Kabila adquiriu sua

216
Angola decidiu entrar na guerra em dezembro de 1996 e enviou observadores à região de Bukavu (leste
do Zaire). Em fevereiro de 1997, chegaram a Goma e Bukavu 2.000 a 3.000 tropas dos Tigres de Katanga ,
vindos de Angola e passando por Ruanda. Com a população percebendo que se tratava de katangueses,
reduziu-se a rejeição que acontecia contra os Tutsi que faziam parte da AFDL. Entretanto, apesar de falar
Lingala, os katangueses tinham fluência em português. Ademais, a maioria dos oficiais e comandantes
eram angolanos (TURNER, 2002:82). Seus equipamentos (armas, caminhões e carros blindados) eram
impressionantes para os padrões locais. Houve ainda, em abril de 1997, um reforço das tropas de Angola.
Nesse mês foi travada a última grande batalha da guerra (Batalha de Kenge), quando forças combinadas
zairianas (inclusive elementos da DSP de Mobutu) e da UNITA foram derrotadas. A importância da
intervenção de Angola foi tamanha que, se, em quatro meses de guerra, Kabila só foi capaz de obter 1/20
do Zaire, com Angola o resto do país foi conquistado em 3 meses (TURNER, 2002:83).
134
forma própria de financiamento da campanha: as grandes companhias
mineradoras internacionais. Em sua marcha em direção a Kinshasa, como
comandante da AFDL, iniciou uma ampla operação para repartir os recursos
naturais congoleses entre companhias internacionais.217
A situação mais polêmica foi gerada pelo contrato de um bilhão de
dólares assinado entre Laurent Kabila e a American Mineral Fields (AMFI)218
em 16 de abril de 1997. Embora a guerra ainda não estivesse acabada, naquele
momento o rebelde Kabila passava a ser visto com outros olhos por grandes
companhias estrangeiras, na medida em que havia conquistado o centro
econômico do país, a região de Katanga. Em março, mesmo antes da ocupação
de Lubumbashi (capital da província), a companhia Tenke Mining garantiu US$
50 milhões aos rebeldes. Com a tomada da cidade, em 18 de abril, o chefe da De
Beers, em Kinshasa, alguns oficiais da Union Minière e um representante do
Banco Mundial voaram para a região para acertar parcerias com Kabila.
No início de maio, também chegaram à capital de Katanga
representantes de grupos financeiros internacionais – em um amplo movimento
de bandwagon.219 O ministro das finanças de Kabila, Mawampanga Mwana,
reuniu-se com dúzias de empresários em Lubumbashi, incluindo representantes
do Goldman Sachs, Bank of Boston e Morgan Grefell. Com a chegada das tropas
de Kabila às regiões mineradoras, a “AMF [American Mineral Fields] e a
canadense Tenke Mining Corp – que tinha ganhado um contrato para a
exploração de cobre e cobalto pelo governo Kengo [primeiro-ministro de
Mobutu] – começaram a fornecer declaradamente milhões de dólares para a
AFDL, juntamente com o transporte para as tropas de Kabila”220 (DUNN,
2002:59. Tradução minha). Assim como a participação de Angola, esses
contratos tiveram papel fundamental para a velocidade com que se sucedeu
guerra em seus momentos finais.
Essa política de financiamento foi chamada de mercado de booty futures
(futuros de pilhagem), no qual “grupos rebeldes, aspirando chegar ao poder,
vendem direitos futuros de exploração de recursos que eles esperam controlar,

217
“Na medida em que eles avançavam, o então líder da AFDL, o falecido Laurent-Désiré Kabila, assinou
contratos com diversas empresas estrangeiras. Vários relatos e documentos sugerem que, em 1997, uma
primeira onda de “novos empresários”, falando apenas inglês, kiswahili e kinyarwanda, tinham começado
a operar no leste da República Democrática do Congo” (S/2001/357, 2001:6-7. Tradução minha).
218
A AMFI era comandada por Jean-Raymond Boulle, um ex-funcionário da De Beers que, após demitir-
se de um posto do alto comando da empresa, lançou inúmeras cartadas especulativas nos mercados de
minérios estadunidense e canadense. Isso lhe garantiu alguns bilhões de dólares na descoberta do maior
depósito de zinco do mundo em Voisey’s Bay, Canadá. Com esse dinheiro, abriu a desconhecida AMFI,
que assinou, em maio de 1996, um acordo de joint venture com a gigantesca Anglo American para explorar
zinco e cobalto em Katanga. O acordo logo foi rompido com o início dos conflitos armados. Entretanto,
em uma jogada arriscada, Boulle percebeu que poderia manter suas ambições pelos recursos congoleses e
apoiar o outro lado da guerra (PRUNIER, 2009:140-141).
219
Outrossim, após a captura de Mbuji-Mayi (a capital dos diamantes, em Kasai) a AFDL pressionou
comerciantes libaneses a pagarem US$960.000 em taxas, além de ter bloqueado uma remessa de US$3
milhões da De Beers e condicionar o pagamento de mais US$5 milhões para a liberalização de mais
compras.
220
A companhia concedeu US$40 milhões adiantados para a AFDL e um jato Learjet para locomoção de
Kabila e seu “ministro de minas”, Mawampanga Mwana Nanga. Posteriormente, a Anglo American cobrou
este acordo como parte do anterior assinado antes da queda de Mobutu. A justiça lhe garantiu o contrato, e
Boulle foi indenizado com US$400 milhões de dólares. No fim, “todos” saíram ganhando.
135
tanto para uma empresa estrangeira quanto para um governo vizinho” (ROSS,
2002:7. Tradução minha; NEST, 2006a:24).
Além das articulações de Laurent Kabila para a apropriação das riquezas
congolesas, a participação de forças externas na Primeira Guerra do Congo
possibilitou que tropas de países vizinhos já iniciassem uma prática que seria
muito comum na segunda guerra do país: a expropriação de recursos naturais
congoleses por tropas estrangeiras, visando ao enriquecimento pessoal e
nacional, além de financiamento e compensações para os esforços de guerra.
Esta exploração ilegal de recursos naturais ainda na Primeira Guerra do
Congo faz parte de uma primeira fase de explorações: a das pilhagens em média
escala (S/2001/357, 2001).221 Assim, como posteriormente seria com seus aliados
na Segunda Guerra do Congo, a exploração de recursos neste período inicial era
encorajada direta ou indiretamente por Kabila e a AFDL. Tropas estrangeiras
estabeleceram negócios nas "zonas liberadas" – iniciando uma economia de
roubo.222
No lado de Uganda, a exploração inicial foi principalmente de ouro e
diamantes. No que concerne ao ouro, dados oficiais entre 1994 e 1998 mostram
uma grande discrepância entre a produção nacional de ouro e a exportação do
produto (ver figura 10, p.169). Já no que diz respeito aos diamantes, a situação
era ainda mais grave, pois Uganda, que não possuía produção alguma do
precioso produto, experimentou um aumento na sua exportação justamente nos
anos correspondentes à ocupação no leste do Congo (a partir do início de 1997),
tornando-se um exportador do artigo (ver figura 11, p. 169).223 No lado de
Ruanda, a situação foi análoga. Apesar de não produzir diamantes, as
exportações deste produto saltaram já em 1997 (ver figura 9, p. 169). Ademais,
no que tange ao ouro e ao coltan, dados apresentam um considerável aumento na
produção desses recursos exatamente no período em que tropas ruandesas
apoiavam Kabila (S/2001/357, 2001).224
Ademais, o coração das operações financeiras da AFDL estava em
Kigali, no Banque de commerce, du développement et d’industrie (BCDI). Pela
intermediação desse banco, a própria empresa semiestatal de diamantes de
Mobutu, Société minière de Bakwanga (MIBA), contribuiu com US$ 3,5 milhões
de dólares para a Générale de commerce d’import/export du Congo (COMIEX)
de Laurent Kabila. A quantia foi direcionada ao suporte dos esforços de guerra
da AFDL (S/2001/357, 2001:7). A recompensa para Ruanda ficava na
participação de 10% que a empresa pertencente ao FPR, Tristar Investments

221
Durante toda a primeira guerra e o governo inicial de Kabila serviu como um teste para que as forças
apoiadoras da AFDL percebessem a importância dos rendimentos advindos dos recursos naturais
congoleses e estabelecessem cadeias e rotinas primárias do sistema de exploração ilegal.
222
Pode-se dizer que, no momento da explosão da segunda guerra, altos oficiais Ruandeses e Ugandeses e
seus associados conheciam muito bem o potencial dos recursos naturais congoleses, bem como a sua
localização.
223
No que diz respeito ao Nióbio, Uganda não possuía produção alguma do artigo antes de 1997 - a partir
daí houve um aumento nas exportações do produto (ver figura 12, p.170).
224
Em 1997, Ruanda também comercializava em Bruxelas 32 toneladas de papaína – uma substância
utilizada na indústria de alimentos (amaciante de carnes) produzida exclusivamente no Congo.
136
SARL, possuía na joint venture entre COMIEX-AFDL (S/2001/1072, 2001:19-
20).
No caso dos EUA, também é possível afirmar que havia interesses no
controle de recursos naturais.225 Mais do que isso, o país queria estender sua
influência para a África Central, que presenciava um declínio do poderio francês.
Os EUA já haviam apoiado Museveni (experiência neoliberal) e a ascensão de
Kagame e presenciava um grande e vocálico lobby judeu que se sentia
terrivelmente envergonhado pelo genocídio dos Tutsi. Isso se alinhava
perfeitamente com o sentimento norte-americano de, por ser a maior potência
mundial, ter uma grande responsabilidade no ocorrido. Assim, o país teve papel
central para a sustentação das forças agressoras: forneceu assistência ao
treinamento do exército Ruandês, sabia das intenções deste país em atacar
campos de refugiados no Zaire, auxiliou a encobrir massacres realizados pelas
tropas ruandesas no país vizinho e apoiou militarmente a própria AFDL (DUNN,
2002:58-59)226. No entanto, a maior contribuição dos EUA para a derrubada de
Mobutu parece ter sido o bloqueio do Conselho de Segurança das Nações Unidas
(CSNU) frente à guerra de agressão.
Por outro lado, a França, isolada, tentava manter sua influência na África
Central a partir do governo Mobutu. Nesse sentido, pediu a intervenção
humanitária na guerra e resistiu à figura de Kabila. Todavia, seu apoio enfático
no campo diplomático (principalmente no âmbito do CSNU e na persuasão para
a moderação de Mobutu)227 foi insuficiente no campo de batalha (envio de
mercenários sérvios e de alguns equipamentos)228. Entretanto, assim que

225
Embora os principais interessados no mercado de minérios do Zaire serem África do Sul, Bélgica e
mercadores libaneses, os EUA mantinham interesses nas oportunidades decorrentes da decadência das
empresas estatais, o que poderia incentivar o ingresso de novos capitais para a abertura e a reforma do
mercado de minérios congolês. Outrossim, o mercado nacional de diamantes estava cada vez mais
ascendente.
226
A partir de 1995, o exército norte-americano iniciou um programa de treinamento e cooperação com a
APR. O provimento de armamentos e suporte logístico também foi realizado em larga escala. A APR
adquiriu uma grande quantidade de equipamentos de comunicação e outros suprimentos não militares
(veículos, botas, medicamentos). A Força Aérea, por seu turno, utilizou seus C-130 para fornecer armas e
munições a AFDL, enviadas diretamente a Goma (capital de Nord Kivu) ou a pontos estratégicos
próximos às linhas de frente do grupo insurgente (PRUNIER, 2009:127). Além disso, com a desculpa de
estar desenvolvendo um programa de remoção de minas em Ruanda, a entrega de suprimentos aéreos ao
país era justificada com um discurso humanitário. Além do apoio político e militar ao governo de Kagame,
aproximadamente 60 mercenários afro-americanos recrutados nos EUA e encaminhados para Uganda
lutaram na guerra vindos de Ruanda.
227
Antes do início da guerra a disputa diplomática estava acirrada, principalmente no âmbito do CSNU.
Quando a França pressionava Ruanda, era bloqueada pelos EUA, o qual era bloqueado pela França ao
pressionar o Zaire. Esta disputa congelava qualquer posicionamento do órgão. Como objetivo final, a
França, apoiada pelos Estados pró-Mobutu da África Ocidental, queria a criação de uma força
multinacional que, com o objetivo de proteger os refugiados, acabasse protegendo Mobutu. Do outro lado,
EUA e Ruanda se opunham à operação e intentavam a derrubada do autocrata. O presidente Chirac ainda
buscou persuadir Mobutu em 1995 para romper com as transmissões de rádio da Interahamwe, bloquear as
entregas de armas para os ex-FAR, mover os campos de refugiados para longe da região e aceitar mais
observadores do UNHCR (United Nations High Commissioner for Refugees). Entretanto, Mobutu provou-
se incapaz de executar o pedido, provocando ainda mais desordem na tentativa de mover os refugiados.
228
No teatro de operações o suporte francês ficou quase que restrito ao envio de mercenários sérvios, os
quais não sabiam utilizar seus equipamentos de combate e mapas, não falavam francês nem swahili, e
passavam suas horas bebendo e pilhando civis. Houve também o envio de equipamentos, como no caso do
suporte ao grupo de Kisangani (que já possuía uma pequena ala aérea com 4 caças-bombardeiros leves
137
começou a perceber a inevitabilidade da queda de Mobutu, em abril de 1997, o
país passou a apoiar um governo de transição – o que resultou em concessões
obtidas no próprio governo Kabila.229
A combinação de suporte militar externo e financiamento através da
pilhagem de recursos congoleses permitiu que as forças armadas nacionais
fossem derrotadas e desmanteladas – ampliando-se, assim, o processo de
dissolução da esfera coercitiva do Estado congolês. O líder vitorioso conviveu
naturalmente com esta precariedade e se dispôs tardiamente a realizar processos
que poderiam sinalizar disposição para a construção estatal.

4.2 O Estado em Laurent Kabila (1997-2001)


Em 28 de maio de 1997, Laurent Kabila assumiu a administração
congolesa com viés autocrático e a integração de Ruanda, Uganda e Tutsi em seu
governo. Mudou o nome do país (agora República Democrática do Congo) e das
províncias, além de assinar um decreto anulando o Ato de Transição de Mobutu e
tomar o controle do executivo, das forças militares e do poder legislativo – algo
que se manteria até a prometida criação de uma assembleia constituinte. Ademais
integrou seus apoiadores externos da guerra (ruandeses e ugandeses) à estrutura
administrativa do Estado (Gabinete e forças armadas).
As características da Primeira Guerra do Congo influenciaram na criação
das estruturas estatais de Laurent Kabila. Esta guerra diferenciou-se da Crise do
Congo por ter tido perfil mais interestatal e regional do que a anterior e pelo fato
de que o Estado congolês, ainda representado pela figura de Mobutu Sese Seko,
foi derrotado. Além disso, a Primeira Guerra do Congo teve como característica
principal a participação de Forças Armadas externas na composição das forças
vitoriosas da AFDL. Como consequência, houve a grande dependência das tropas
externas para a composição de um novo exército e para a própria segurança
nacional. De acordo com Dunn, “uma vez no poder, Kabila continuou a depender
amplamente da assistência e proteção de Ruanda” (2002:57. Tradução minha).

A Esfera Coercitiva
Como resultado, houve a precária construção da esfera coercitiva
externa, a qual esteve dependente das tropas dos países vizinhos. Em meados de
1998, com o rompimento de Kabila com as forças externas, o país ficou

Aermacchi MB-326 e 4 helicópteros de combate russos Mi-24). Este foi presenteado em 12 de janeiro de
1997 com 200 toneladas de armas e diversos caças MiG vindos da China, transportados por dois
cargueiros An-124 gigantescos (PRUNIER, 2009:129).
229
Aqui fica concretizada a rivalidade franco-americana na África, que, pelo retrocesso franco-belga,
acabou não se sustentando no conflito armado ou em uma oposição formal no governo de Kabila. O novo
governo do Congo foi inicialmente sustentado pelos EUA (a maioria dos contratos de exploração com
empresas mineradoras europeias passaram para americanas). No entanto, Laurent Kabila, que havia
sinalizado retirar o país do clube francófono, manteve suas relações com Paris – beneficiando-se da
concorrência Paris-Washington (MARCHAL, 1998:371). No que concerne à Bélgica, esta se manteve na
exploração de diamantes e no comércio internacional. A mineradora belga Sibeka Societe d'Entreprise et
d'Investissements S.A (Sibeka) [então controlada pela companhia Union Minière da Bélgica (79%), e
possuindo participação da sul-africana De Beers (20%)] conservou a participação de 20% na estatal
congolesa MIBA (Société Minière de Bakwanga).
138
absolutamente vulnerável a novas agressões externas – o que ficou claro com o
início da Segunda Guerra do Congo – e, novamente, com o apoio estrangeiro de
grupos armados congoleses. No que se refere à esfera coercitiva interna, o tempo
de atuação das novas FAC (Forces Armees Congolaises) não foi suficiente para
identificar sua efetividade. Entretanto, o fato de as forças de segurança
congolesas passarem a reprimir os rebeldes Tutsi no leste do país dá sinais de que
uma esfera coercitiva interna era, pelo menos, incipiente.
Apesar do rompimento com o regime de Mobutu, as forças de segurança
de L. Kabila representaram, em grande medida, uma reprodução da lógica
presente no período anterior. Houve a manutenção das estruturas anteriores das
forças de segurança, sobretudo no que se refere ao controle pessoal do presidente
sobre elas.
Além de tomar o poder em maio de 1997, o novo presidente manteve, no
essencial, tanto a arquitetura geral da organização das forças armadas e de
segurança quanto as missões atribuídas pelo seu antecessor aos seus diferentes
corpos, tendo o cuidado de assegurar, assim como este, um estrito controle
pessoal sobre o funcionamento destes organismos e as nomeações para as suas
respectivas chefias, em especial através do antigo [Conselho Nacional de
Segurança] (CNS), reformulado como Conselho de Segurança do Estado
(CSE) no início de 1998. (FR, 2006:18. Tradução minha)
Outrossim, o núcleo das forças de elite se mantiveram fiéis ao presidente
e em uma posição paralela às demais estruturas de segurança do Estado. Kabila,
assim como Mobutu, confiou sua segurança e a de seu Estado na unidade
presidencial de elite (agora GSSP). Para além desse núcleo, suas tentativas de
reforma foram desastrosas. Ao ascender ao poder, Kabila estabeleceu o General
ruandês James Kaberebe como Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas. Esta
política fazia parte de um tipo próprio de military power-sharing, que incluía nas
forças armadas parte das forças combatentes na Primeira Guerra do Congo,
inclusive oficiais estrangeiros. Neste caso, percebe-se que a distribuição de poder
envolvia uma afronta à soberania estatal na medida em que os militares eram em
geral representantes de interesses estratégicos externos. Ademais, a
marginalização dos antigos soldados de Mobutu nas novas FAC – por meio de
uma política de fome e falta de tratamento médico – resultou na incapacidade
militar para enfrentar as forças de Ruanda, Uganda e Burundi que invadiram
novamente o país na Segunda Guerra do Congo (1998-2003).
Com relação às Forças Armadas, importa reter que as novas FAC foram
compostas, principalmente, por ex-soldados das FAZ precariamente motivados230
e por Kadogos inexperientes231. Além disso, predominou um sistema de redes
pessoais e patronagem, com o favorecimento de membros da comunidade Luba-

230
No que se refere aos ex-membros das FAZ, cumpre ressaltar que, ao ascender ao poder em maio de
1997, Kabila realizou rapidamente uma campanha de educação ideológica na base militar de Kitona para
facilitar a sua integração nas novas FAC. Esta campanha foi repetida em 1998, com uma grande operação
de reintegração. É possível admitir com algum cuidado que aproximadamente dois terços do contingente
das FAZ foram integrados nas FAC (FR, 2006).
231
Tratava-se de uma coleção de crianças-soldado que fizeram parte das forças de 40.000 homens da
AFDL, junto aos Tigres de Katanga – até então exilados em Angola.
139
Katanga de Kabila, do norte da província de Katanga, principalmente nas novas
forças de elite, as GSSP (Groupe spécial de sécurité présidentielle).
A GSSP manteve as tarefas da antiga DSP: um corpo de elite com
funções principais de segurança presidencial. Somente o nome foi alterado, em
finais de 1997. Além das políticas de favorecimento étnico por parte de L.
Kabila, parte dos ex-membros da DSP foram integrados ao novo regime, mesmo
aqueles que haviam fugido para o exterior.232 Por outro lado, uma porção
considerável de ex-membros das forças de segurança aderiu aos movimentos
rebeldes da Segunda Guerra do Congo.233 Frente à integração de grupos
estrangeiros nas estruturas do Estado, L. Kabila tinha interesse central em manter
a GSSP como uma força coesa. Dessa forma, confiou inicialmente o comando do
grupo a seu filho, depois presidente, Joseph Kabila.
A GSSP e o novo serviço de inteligência civil, Agência Nacional de
Inteligência (Agence Nationale de Renseignements - ANR), tinham como base as
estruturas militares da AFDL e possibilitavam o controle direto do presidente
sobre a esfera coercitiva do Estado. Além disso, eram responsáveis por
atividades de segurança estatal: cometiam prisões e perseguições de jornalistas e
opositores políticos.

A Esfera Extrativa
No que tange à esfera extrativa, Kabila continuou, assim como durante a
guerra, baseando seus rendimentos na concessão de contratos para exploração de
recursos naturais: “após assumir o governo, Kabila e sua administração de minas
procuraram espremer o máximo possível de dinheiro de companhias mineradoras
de EUA, Canadá, Austrália, África do Sul” (DUNN, 2002:60. Tradução minha).
Como resultado, continuaram escassos os esforços para a construção de uma rede
de infraestrutura no país, apesar das promessas do presidente.234
As riquezas naturais do país eram também distribuídas entre os seus
apoiadores – fundamentais para a construção e a manutenção de seu regime.
Cumpre salientar que essa exploração continuava mesmo com o fim da primeira
guerra na medida em que as tropas estrangeiras ainda permaneciam em regiões
do leste do país e tinham acesso a riquezas nacionais. Neste último caso, pode-se
citar o exemplo de que, desde 1998, aviões vindos de Kigali transportando
militares, equipamentos e mercadorias retornavam carregando café, ouro,
comerciantes de diamantes e representantes comerciais de negócios diversos,
muitas vezes juntos a militares. Kabila era conivente com a situação
possivelmente para compensar os países vizinhos pelos esforços de guerra.

232
L. Kabila empreendeu diversas tentativas de reintegração de ex-membros da DSP nas novas forças para
que estes não fossem instrumentalizados para as rebeliões armadas de 1998, reforçando sua capacidade
operacional e de formação e gestão. A política funcionou, por exemplo, para os 390 soldados de elite
refugiados na Zâmbia - que foram reintegrados na nova GSSP. Outros oficiais refugiados em Brazzaville e
Togo foram reintegrados às FAC. A partir de 1999, foi também garantido o retorno de oficiais superiores e
generais das ex-FAZ, refugiados na Europa e na África do Sul. Isso só foi obtido com o asseguramento de
seus direitos e, por vezes, a restituição de seus bens.
233
Pode-se citar a sua integração à facção MLC que controlava uma parte de Équateur (província natal de
Mobutu e de grande parte do efetivo da DSP).
234
Durante sua campanha militar, Laurent Kabila havia estabelecido a construção de estradas como uma
de suas prioridades mais importantes. Contudo, após ter chegado ao poder, não cumpriu o prometido.
140
Prunier (2009:411) chega a falar ainda de uma quantia de pelo menos US$ 19,7
milhões transferida da MIBA aos tesouros de Ruanda, Uganda e outros após a
guerra.
Por outro lado, as IFIs foram mais cautelosas do que haviam sido com o
regime de Mobutu: em 5 de setembro de 1997, condicionaram empréstimos a um
plano coerente de garantia da democracia, dos direitos humanos e da recuperação
da economia. O plano veio em maio de 1998, com uma nova Constituição,
embora frágil e outorgada por decreto.

A Esfera Distributiva
Apesar das esperanças de uma maior abertura política em relação ao
regime de Mobutu, Kabila demonstrou que as elites que ganham a guerra
influenciam de fato na postura do novo Estado – reproduzindo, neste caso, o
fenômeno do patrimonialismo.
O novo presidente queria expurgar tudo que representava o regime de
Mobutu, mas acabou construindo um governo muito parecido com o do general.
L. Kabila formou sua própria Comissão Constitucional para a elaboração de uma
nova Constituição, estabeleceu um parlamento selecionando aleatoriamente seus
membros, e mudou o local do parlamento (de Kinshasa para Lubumbashi) e o
nome do país (KABEMBA, 2005). Além disso, após assumir efetivamente a
administração do Estado em 28 de maio de 1997, L. Kabila assinou um decreto
que anulou o Ato de Transição de Mobutu e lhe garantiu o controle do
Executivo, do Legislativo, e das Forças Armadas (algo que se manteve até a
criação de uma Assembleia Constituinte). Por fim, o novo presidente baniu os
partidos políticos e passou a governar por decretos.
A falta de habilidade política de Kabila também era evidente – o que
ficou representado com a incapacidade do presidente em falar Lingala (língua do
exército e da capital) para se comunicar com as massas. Acabava discursando em
Kiswahili e utilizava um intérprete. Além disso, o governo foi dirigido em uma
espécie de anarquia administrativa e militar. Neste caso, houve demora em
indicar o ministro da defesa, o chefe do estado-maior e as linhas de oficiais e
soldados.
Além disso, L. Kabila estabeleceu no seu governo membros da diáspora
congolesa no exterior, os quais eram praticamente desconhecidos pela maior
parte da população e possuíam um perfil deveras heterogêneo.235 Ademais, as
estratégias iniciais de sobrevivência de Kabila foram marcadamente voltadas
para fora, pois o novo presidente dependia fortemente de seus parceiros externos
– garantindo-lhes a partilha do Estado congolês (Gabinete e forças armadas) e de
seus recursos naturais.236

235
Mais da metade do Gabinete de Kabila pertencia a políticos da diáspora congolesa que, por terem
passado grande parte de suas vidas no exterior, tinham pouco contato com a população e recebiam
desconfiança por parte da oposição política doméstica já estabelecida no regime de Mobutu. O amplo
leque de experiências profissionais e de perfis político-ideológicos fazia com que também fosse quase
impossível desempenhar um trabalho em equipe. Ademais, os assessores de Kabila, por mais que não
tivessem uma posição formal, geralmente possuíam mais poder do que seus ministros.
236
Autoridades de Ruanda e Uganda assumiam posições centrais no exército e na burocracia e auxiliavam
seus proxies congoleses a assegurarem posições nos governos central e provinciais de Ituri, Maniema e
141
Consequentemente, se a preocupação inicial de Kabila era
preferencialmente com os países vizinhos que o haviam colocado no poder, o
novo presidente pouco se importava com o apoio doméstico, o diálogo com a
oposição ou a abertura de espaços políticos (DUNN, 2002).237 A “desinclinação
para dividir o poder” (GONDOLA, 2002:163) com os próprios congoleses foi
vista já em meados de 1997, quando sinais de autoritarismo começaram a ser
dados – com impedimento de liberdades básicas, prisões (inclusive de
Tshisekedi) e repressão política de opositores, e assassinatos individuais e
coletivos.
Com isso, congoleses começavam a pensar que o governo estava se
vendendo para os estrangeiros. Percebendo o seu declínio iminente, Kabila
realizou uma inflexão na tentativa de reunir suporte da população congolesa.
A partir de 1998, Kabila iniciou uma sinalização de abertura política.
Sua Comissão Constitucional aprovou, em maio desse ano, um documento amplo
muito similar ao produzido anteriormente pelo CNS e projetou eleições para abril
de 1999 (LODGE et alli, 2002:on-line). Além disso, o presidente instituiu uma
série de reformas que podem ser vistas como autofortalecedoras do Estado –
pois, de certa forma, reduziam a presença estrangeira e incrementavam a
soberania congolesa. Além de romper a aliança com Tutsi congoleses aliados a
Ruanda238, Kabila atacou interesses de elites econômicas sul-africanas. Rescindiu
em junho um contrato de exclusividade de compra de diamantes pela companhia
sul-africana De Beers Centenary AG e rompeu com um mandato administrativo
de operação da ferrovia Sizarail pela empresa sul-africana Comazar (além de
confiscar seus títulos públicos) (COAKLEY, 1999:1). Finalmente, em julho de
1998, ordenou a retirada dos oficiais e burocratas ruandeses e ugandenses do
país. Nomeou o general congolês Celestin Kifwa, que havia servido no exército
angolano, para ocupar o posto do general ruandês James Kabarebe na função de
Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas. Ao mesmo tempo, Ruanda e
Uganda acusaram o governo de Kabila de não prevenir (possivelmente apoiar)
incursões de Hutu em seus territórios. Estava formado o quadro para a Segunda
Guerra do Congo.

Kivus. Mais do que isso, ruandeses e ugandeses agiam como se fossem o governo legal em seus
respectivos espaços de ocupação no leste do Congo, redesenhando fronteiras e emitindo documentos legais
- até mesmo para o exterior. Sua capacidade de projeção de força possibilitava que aumentassem suas
demandas não somente por fronteiras seguras, mas também pelo direito de penetrar e controlar o território
interno congolês entre a fronteira leste e 700 milhas a oeste.
237
Na escolha de seu Gabinete, Kabila suprimiu a sociedade civil congolesa e a arrojada oposição política
de Mobutu comandada por Etienne Tshisekedi. Este político havia manifestado apoio a AFDL durante a
Primeira Guerra do Congo – o que acabou sendo fundamental para a obtenção de suporte popular por parte
do grupo de Kabila.
238
Aqui cabe no mínimo uma ressalva para a tese de que L. Kabila sinalizou o estabelecimento de
reformas autofortalecedoras. O presidente passou a utilizar, como o seu predecessor, os Banyamulenge
como bode expiatório para adquirir confiança da população congolesa – que já se incomodava com a
presença estrangeira. Assim, encorajou que seu exército tomasse parte de massacres em Kishasa,
Lubumbashi e Kisangani de Banyamulenge e de pessoas com traços físicos semelhantes aos dos Tutsi
(ATZILI, 2006:163; LEMARCHAND, 2003:45-46; MISSER & RAKE, 1998:15).
142
Conclusão do Capítulo 3
Novamente, a combinação de fatores estruturais e individuais foi
centralmente importante para as implicações da relação entre guerra e Estado no
Congo.
A estrutura parece ter determinado a natureza das ameaças da Primeira
Guerra do Congo. O fim da Guerra Fria gerou instabilidades no continente
africano. Houve a quebra do sistema de patronagem e tutela – fundamental para a
defesa da integridade estatal (território e governos) – e a intensificação das
rivalidades interestatais. O resultado foi o aumento das guerras proxies (agora
agenciadas pelos próprios países africanos) e, mais especificamente das guerras
mistas. No caso do Congo, enquanto Mobutu se baseava em antigas alianças da
Guerra Fria que já se exauriam (França), a aliança agressora mostrava que os
países africanos estavam dispostos a empreenderem seus próprios consórcios e
articularem diretamente a criação de grupos armados para dar legitimidade a suas
iniciativas.
As forças extrarregionais continuaram a importar no suporte logístico e
no treinamento das forças, além do financiamento das operações (este,
empreendido, em geral, por companhias transnacionais). Porém, parecem ter tido
importância secundária vis a vis as articulações e os interesses político-
econômicos regionais. Durante o breve regime de L. Kabila, a disponibilidade de
forças e assessores militares dos países vizinhos que o haviam apoiado contribuiu
para o adiamento dos esforços de reconstrução de um exército autóctone. Além
disso, a inserção de novas companhias transnacionais no ciclo de pilhagens dos
recursos naturais congoleses e no financiamento fácil do novo governo colaborou
para que fossem pouco necessários esforços para a constituição de uma economia
nacional.
Laurent Kabila também contribuiu para que a relação entre guerra e
Estado fosse nociva. Durante a guerra, rivalizou com lideranças da AFDL que
seriam necessárias para a futura formação de um exército nacional consistente e,
assim como na década de 1960 (quando contribuiu para o fracasso da iniciativa
de Guevara), não se preocupou em estabelecer um movimento que pensasse em
uma revolução nacional efetiva, baseada no treinamento militar voltado para a
ética da cidadania e na primazia do elemento nacional (em detrimento do tribal).
Ainda durante a guerra, iniciou-se uma perniciosa relação com companhias
transnacionais e com seus parceiros externos, que envolvia a pilhagem e divisão
dos recursos congoleses como moeda de troca do suporte à sua ascensão à
presidência do país. Estas escolhas tiveram papel determinante para a
inefetividade do exército no pós-guerra e para a dependência de uma economia
baseada na extração de recursos naturais e em contratos com companhias do
setor minerador. No primeiro caso, ainda houve a tentativa de restabelecer
prioridades em direção à construção do exército nacional e a exclusão dos
elementos estrangeiros da instituição. Todavia, o processo, além de tardio, não
envolveu um projeto de longo prazo. Implicou, assim como em Mobutu, a
exclusão de poderes rivais, na tribalização (exclusão de Tutsi) e na consolidação
de um controle mais direto sobre as forças de segurança. A inviabilidade das

143
ações diante dos interesses externos de Uganda, Ruanda e Burundi foi um dos
elementos cruciais para a explosão da Segunda Guerra do Congo.

144
CAPÍTULO 5
Segunda Guerra do Congo (1998-2003):
A Guerra “Mundial” Africana

Os capítulos 5 e 6 apresentam, em conjunto, a última conexão lógica


entre guerra e Estado proposta por este livro. Trata-se da relação entre a Segunda
Guerra do Congo (1998-2003) e o Estado de Violência, comandado por Joseph
Kabila, que a sucedeu (desde 2003).
A Segunda Guerra do Congo foi caracterizada pela preponderância das
rivalidades interestatais na África Central – o que não implicou a abolição da
estratégia proxy como forma de legitimação da guerra, principalmente por parte
dos países agressores (Ruanda, Uganda e Burundi). As principais forças
combatentes do lado defensor foram, assim como na Crise do Congo, as forças
externas que vieram em auxílio das tropas congolesas (neste caso, houve a
preponderância das forças de Zimbábue e Angola). A forma prioritária de
financiamento dos esforços de guerra foi, mais uma vez, a pilhagem dos recursos
naturais do povo congolês e a sua distribuição entre as forças aliadas (mormente
o Zimbábue), financiamento este que também foi amplamente adotado pelas
forças agressoras (sobretudo Ruanda e Uganda). A conjunção desses fatores,
juntamente com o fato de que a guerra não foi encerrada na prática (definição
militar), mas apenas mediante uma complexa gama de arranjos institucionais de
power-sharing, contribui centralmente para as estruturas Estatais pós-conflito.

5.1 A Natureza das Ameaças


A Segunda Guerra do Congo foi o conflito decorrente da quebra da
aliança vencedora da guerra anterior. Com as inflexões nacionalistas de L.
Kabila, a demora em resolver os problemas de inclusão social dos Banyamulenge
no leste do país, e a conivência do presidente com a continuidade de incursões
Hutu no território ruandês, a aliança Ruanda-Uganda-Burundi se refez – agora
para destituir do poder quem ela havia colocado (VISENTINI, 2010a:76-80).
A multiplicidade de países participantes na conflagração – tanto pelo
lado dos agressores (Uganda, Ruanda e Burundi) quanto pelo bloqueio (Congo,
Zimbábue, Angola, Namíbia, Sudão, Chade e Líbia), além das guerrilhas
armadas proxy (utilizadas como instrumento de combate por agressores e
defensores) – trouxe à tona o real peso estratégico do Congo na região.
A Guerra Mundial Africana foi de agosto de 1998 até junho de 2003. Em
termos gerais, Ruanda239, Uganda240 e Burundi241 acusavam o governo de Kabila

239
A invasão das tropas Ruandesas era justificada por massacres a Tutsi que ocorriam na capital, Kinshasa,
e em outras cidades, como Lubumbashi e Kisangani. Ademais, Ruanda denunciava o envolvimento de
extremistas Hutu nos quadros das FAC. Além dos interesses de segurança, pode-se dizer que interesses
econômicos incentivaram se não o início da guerra, a própria manutenção do ciclo de conflitos. Desde a
Primeira Guerra do Congo, Kigali já tinha noção da importância na exploração dos recursos naturais
congoleses e a própria guerra agravara a necessidade de exploração desses recursos. Houve o aumento de
quase 50% do gasto em defesa devido à importação de novos equipamentos militares e mantinha-se a
remuneração de tropas em zonas de guerra (ICG,1998b:10).
145
de não prevenir (possivelmente apoiar) incursões de grupos rebeldes em seus
territórios. Assim, estes países passaram a amparar a emergência de um novo
grupo, chamado Rassemblement Congolais pour la Democratie (RCD), que
posteriormente se dividiu em RCD-Goma (apoiado por Ruanda e Burundi) e
RCD-K, depois RCD-K/ML (apoiado por Uganda). O RCD e seus subgrupos
passaram, desde então, a controlar a região leste do país – uma das mais ricas em
recursos naturais. Além disso, em fevereiro de 1999, Uganda apoiou a formação
do grupo Mouvement pour la Libération du Congo (MLC). Juntos, Uganda e
MLC assumiram o controle de um terço do Congo, nas regiões norte e nordeste
(PIKE, 2008a).
Desta vez, logo no primeiro mês de guerra a SADC242, mesmo cindida,
interveio em favor da estabilidade regional e da soberania congolesa, por meio
das ações militares de Zimbábue243, Angola244 e Namíbia245. Outros países que
eventualmente atuaram na guerra em favor da RDC foram Chade246, Sudão247 e,

240
Os interesses de Uganda para o ingresso na guerra podem ser divididos em securitários e econômicos.
Na esfera de segurança, Uganda buscava prioritariamente (i) caçar os grupos rebeldes apoiados pelo Sudão
que operavam no Congo e buscavam a queda do regime de Museveni; e (ii), consecutivamente, cessar
ataques ao território e a populações ugandesas, principalmente vindos da ADF, do WNBF e do LRA. No
que diz respeito aos interesses econômicos, pode-se afirmar que Uganda buscava exploração de recursos
naturais congoleses como ouro, diamantes e madeira – cuja maior parte do comércio ilegal era articulada
pelo o meio-irmão de Museveni, General Salim Saleh (oficialmente, um assessor militar). Ao contrário de
Ruanda, que possuía uma política oficial de exploração de recursos, Uganda atuava a partir da exploração
econômica mais privada do que pública.
241
Os interesses principais que levaram Burundi à guerra eram de segurança (suprimir os rebeldes Hutu
que baseados no Congo; i.e. FDD e FNL), econômicos (prevenir a pirataria rebelde no lago Tanganyika, o
que desestabilizaria a capacidade econômica e de defesa do país) e comunitários (ajudar a proteger
comunidades Banyamulenge, sob ameaças de grupos Bembe, Fulero e Mai Mai).
242
SADC - Southern African Development Community (Comunidade para o Desenvolvimento da África
Austral). Organização intergovernamental com sede em Gaborone (Botsuana). Visa à integração e
cooperação política, econômica e de segurança entre os países da África Austral. Sua atuação é
complementar a da União Africana. Os atuais países membros são África do Sul, Angola, Botswana,
República Democrática do Congo, Lesoto, Madagascar, Malawi, Maurícia, Moçambique, Namíbia,
Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue.
243
Os interesses do Zimbábue na proteção do governo Kabila eram (1) salvaguardar o acordo de defesa
recíproca entre os membros da SADC (Mugabe ocupava a presidência do Órgão para Política, Defesa e
Segurança da organização); (2) estreitar relações comerciais com o Congo, como caminho à liderança
regional (contrapondo África do Sul e Uganda); (3) criar uma diversão às dificuldades internas e desafios
enfrentados por Robert Mugabe; (4) garantir contratos de mineração (cobre e cobalto) de companhias
pertencentes à família deste presidente, estimados em mais de US$200 milhões (ICG, 1998a:20); e (5)
honrar os laços criados pelo passado marxista dos dois líderes.
244
Angola possuía interesses genuinamente securitários. Primeiramente, tinha-se um débito com os
katangueses que haviam lutado na Primeira Guerra do Congo em apoio ao MPLA. Em segundo lugar,
Angola percebia a necessidade de travar uma nova guerra particular com a UNITA, que se aproximava de
Uganda e Ruanda – com viagens do vice-presidente da organização a Kigali e de Savimbi a Uganda. Dessa
forma, Angola tinha todos os interesses em evitar que a RDC se tornasse novamente um recanto de linhas
de suprimento (diamantes) para a UNITA. Em terceiro lugar, Angola queria proteger seu próprio território
(principalmente a região de Cabinda, rica em petróleo e desconectada do território angolano) – haja vista
que Uganda e Ruanda enviaram tropas a Bas-Congo, no jardim angolano. Por último, o país tinha
interesses centrais em estabelecer suas credenciais como uma potência regional africana.
245
A decisão pelo envio de tropas esteve diretamente relacionada com os estreitos laços entre este país e os
regimes de Angola e Zimbábue – antigos apoiadores do movimento de libertação da SWAPO frente à
contrainsurgência empregada pela África do Sul.
246
Sua participação representava a reentrada da influência francesa na região dos Grandes Lagos.
247
O governo sudanês acusava Uganda de apoiar o Sudanese People’s Liberation Army (SPLA), o qual
rejeitava as leis islâmicas de Cartum. Além do apoio indireto à RDC, em 1 de Setembro de 1998,
146
em menor escala, Líbia248 (ICG, 1998a). O governo Congolês também se valeu
de grupos proxies para a sua defesa, como a milícia Hutu Interahamwe249, os
xenófobos Mai Mai250 e ex-integrantes das Forças Armadas de Ruanda (ex-
FAR), cúmplices do genocídio de Tutsi.
Por seu turno, o papel da África do Sul foi um tanto duvidoso. Por um
lado, o país (também membro da SADC) insistiu em uma política herdada da
reputação de Nelson Mandela, buscando soluções diplomáticas para o conflito.
Por outro, forneceu armamentos para Ruanda e manteve bons relacionamentos
com Museveni (ICG, 1998a:23). Ademais, companhias mercenárias sul-africanas
trabalharam para ambos os lados da guerra – ao passo que o governo central
chamava negociações para o fim do conflito.
A partir do ingresso da coalizão de defesa, a guerra passou a uma
situação de equilíbrio, resultando, já em 1999, na divisão do território congolês
em três partes que representavam as áreas de influência de Ruanda, Uganda e
RDC (e de seus respectivos aliados).251 Nestas áreas, a exploração intensiva de
recursos naturais servia de base para o financiamento das operações militares
(NEST, 2006b; DUNN, 2002).
Cumpre também informar que a Segunda Guerra do Congo teve uma
importante particularidade. Presenciou uma guerra dentro da guerra. Trata-se dos
conflitos armados da região de Ituri, nordeste do país. Ali, rivalidades étnicas
entre grupos Hema/Gegere e Lendu/Ngiti – que já haviam sido
instrumentalizadas, manipuladas e transformadas em graves conflitos territoriais
pelas administrações colonial e de Mobutu, as quais favoreceram o grupo Hema
(HRW, 2003:14) – foram posteriormente estimuladas com a presença de tropas
externas (S/2004/573, 2004:7), tornando-se um conflito armado de proporções
consideráveis que continuou mesmo após o fim da guerra.

informantes confirmavam que Kabila havia visitado o Sudão em busca de ajuda. No dia seguinte, 300
mujahedins apareceram no Sudão dizendo-se congoleses e solicitando que fossem enviados ao Congo para
lutar ao lado de Kabila.
248
Seus interesses iam desde a aparente solidariedade “marxista/nacionalista” entre Khaddafi e Kabila até
a mais relevante necessidade fugir do isolamento imposto pelos EUA.
249
A milícia passou a ser conhecida como Rassemblement Démocratique pour le Rwanda (RDR) e,
posteriormente, como Armée de Libération du Rwanda (ALiR).
250
O termo Mai Mai refere-se a um conjunto heterogêneo de grupos atuantes desde a Segunda Guerra do
Congo com o objetivo comum de defender seu território local contra outros grupos armados. Sua
heterogeneidade é latente no que concerne ao alvo (alguns focam na resistência ante forças estrangeiras
como guerrilhas proxy, outros exploram a guerra para seu benefício próprio na forma de saques) e à
liderança (alguns grupos são liderados por senhores da guerra e líderes tribais, outros por líderes políticos
de resistência).
251
Em grande parte da guerra, o país ficou dividido em três porções: uma pertencente ao MLC (noroeste),
outra ao RCD (leste) e outra às Forças Armadas da RDC (FARDC) (restante). Após a divisão do RCD em
RCD-Goma e RCD-K-ML, o país ficou dividido na prática em quatro territórios (RCD-K-ML também no
leste), com Uganda influenciando tanto nos territórios de MLC quanto de RCD-K-ML.
147
Mapa 3 – Segunda Guerra do Congo: Zonas de ocupação

5.2 As Forças Combatentes Principais


Novamente as principais forças combatentes do lado estatal não foram as
tropas congolesas – as quais tinham a formação ainda incipiente devido às
mudanças provocadas pela vitória da AFDL na Primeira Guerra do Congo.
No que tange às características dos combatentes, o estudo sobre o Congo
apresenta que a lógica da guerra proxy – presente em larga escala na Guerra Fria
– continuou a ser adotada no período do pós-Guerra Fria em guerras locais ou de
menor escala e se reproduziu constantemente para microescalas, em que a
terceirização do esforço de guerra foi adotada por grupos cada vez menores (ver
figura 8).252
As principais forças combatentes na Segunda Guerra do Congo foram,
do lado defensor, as Forças Armadas nacionais de RDC (Forces Armees

252
Percebe-se um intuito de se reduzir custos econômicos, políticos e militares, assim como no caso da
flexibilização da produção industrial. Poder-se-ia chamar o fenômeno de "Terceirização Militar" que hoje
se traduz nas empresas militares privadas (EMPs) como maior exemplo de monetização da guerra proxy.
Entretanto, os mesmos efeitos colaterais que EMPs geram para Estados fracos, a guerra proxy em geral
também produz. Adia o processo de construção de forças armadas e, consequentemente, da própria esfera
coercitiva do Estado. Nesse sentido, a Segunda Guerra do Congo atentou contra esse processo em duas
frentes (no que cabe às operações militares): primeiro, o Congo se valeu de tropas externas; e, segundo,
adotou uma estratégia de utilização de combatentes proxies.
148
Congolaises - FAC), Zimbábue (Zimbabwe National Defence Forces - ZNDF),
Angola (Forças Armadas Angolanas - FAA), Namíbia (Namibia Defence Force -
NDF) e Chade (Forces Armées Nationales Tchadiennes - FANT); e, do lado
agressor, Ruanda (Armée Patriotique Rwandaise - APR)253, Uganda (Ugandan
People's Defence Force - UPDF) e Burundi (Forces Armées Burundaises -
FAB).
Como grupos proxies primários do lado defensor pode-se citar: os
grupos rebeldes ruandeses ex-FAR e Interahamwe, organizados na ALiR (Armée
pour la libération du Rwanda) – posteriormente dividida em ALiR I e II – e nas
FDLR (Forces Democratiques de Liberation du Rwanda); os grupos rebeldes
ugandeses, reunidos nas ADF (Allied Democratic Forces) e no WNBF (West
Nile Bank Front); as milícias burundianas, sob a forma de FDD (Forces pour la
Défense de la Démocratie) e FNL (Forces nationales de libération); e as milícias
congolesas Mai Mai. Como grupos proxy primários do lado agressor havia o
RDC-Goma, e suas facções dissidentes RCD-K/ML (Rassemblement Congolais
pour la Démocratie –Kisangani/Mouvement de Libération) e RCD-N
(Rassemblement Congolais pour la Démocratie- National), e o MLC. Como
grupos proxy secundários, pode-se citar aqueles presentes nas conflagrações de
Ituri, como o Hema UPC (Union des Patriotes Congolais), o Lendu FNI (Front
des Nationalistes et Intégrationnistes), e o Ngiti FRPI (Force des Resistance
Patriotique d’Ituri). A figura abaixo tenta representar a complexidade das
relações proxies da Segunda Guerra do Congo (setas pretas contínuas) e dos
conflitos de Ituri (setas cinza tracejadas).
No que tange às características das operações militares, a Segunda
Guerra do Congo foi marcada pela multiplicidade. Houve batalhas convencionais
e irregulares misturadas pela característica proxy, fazendo com que, por mais
regular que fosse o combate, sempre estivessem envolvidos algum grau de
irregularidade e a adoção de práticas de insurgência e contrainsurgência.
Cumpre ressaltar que nenhum exército era muito amplo e as forças
combatentes estavam espalhadas pela vastidão do país. A linha de frente de
batalha alcançou uma extensão de 2.000 a 2.400 km, na prática dividindo o país
pela metade, com dois fronts principais (a sul-sudeste e a centro-norte). Como
resultado, tropas ficavam concentradas em bastiões junto a recursos logísticos
como portos, aeródromo e rodovias. Ataques eram possíveis apenas após longas
marchas através da floresta ou da savana. Ademais, soldados eram comumente
cortados das linhas de suprimento regulares e acabavam tendo de abordar civis
nas proximidades dos teatros de operações. Os quadros abaixo tentam dar uma
noção da escala do conflito.

253
Em junho de 2002, tornou-se Forces Rwandaises de Défense (FRD).
149
Figura 8 – Organograma Proxy: As principais forças combatentes na
Segunda Guerra do Congo

Notas: Nota 1º Plano - Forças organizadas por ordem e tamanho correspondente a sua participação na guerra. Nota 2º
Plano - Forças organizadas na ordem correspondente ao seu peso na guerra. No caso das forças defensoras, em geral o
Congo e os seus parceiros defensores majoritários (Zimbábue e Angola) cooperavam com os rebeldes estrangeiros e as
milícias congolesas. No caso dos agressores, os grupos congoleses eram financiados diferenciadamente pelos países
vizinhos (o que é demonstrado pelas flechas pretas contínuas). Flechas pretas contínuas - Representam os
financiamentos particulares de grupos agressores. Flechas cinza tracejadas - Correspondem a alianças temporárias
relativas especificamente ao conflito de Ituri em finais de 2002 e durante o ano de 2003. O Sudão financiava
especificamente os grupos rebeldes ugandeses. O RCD-K/ML, no final da guerra, foi apoiado pelo governo central
congolês, após os acordos de paz, e passou a financiar os grupos Lendu. O SLPA não atuava contra o governo congolês,
mas contra o governo sudanês. Alianças relativas aos grupos Mai Mai sempre foram instáveis e efêmeras e sua posição
como proxy das forças defensoras é relativa à maioria e não à totalidade dos conflitos (alguns desses grupos, como o
Mandura 40, se aliaram aos ruandeses contra os Interahamwe). O mesmo deve ser dito para o RCD-G, o qual entrou por
vezes em conflito com ruandeses da APR. Entretanto, sua aliança padrão foi a favor e não contra este exército. Os
conflitos de Ituri se distinguem da disposição agressores/defensores própria da Segunda Guerra do Congo. Entretanto,
os subgrupos presentes nessa guerra (FNI, FRPI, UPC e outros) foram aqui dispostos dentro dos dois grupos de acordo
com sua aliança mais próxima a Kinshasa (defensores) ou Ruanda (agressores). Os demais grupos que atuaram tanto na
Segunda Guerra do Congo em geral quanto nos conflitos armados de Ituri foram dispostos conforme suas alianças
iniciais na grande guerra.
Fontes: DUNN, 2002; HIIC, 2002, 2003; HRW, 2001a e 2001b; ICG, 1998a; ICG, 2000; ICG, 2003b; IISS, 2001, 2002, 2003;
NEST, 2006a; PIKE, 2008a; PRUNIER, 2009; REYNTJENS, 2009; RUPYIA, 2002; TURNER, 2002; TURNER, 2007; VISENTINI,
2010a.
Autor: CASTELLANO, 2012

150
Quadro 8 – Contingente Militar na Segunda Guerra do Congo: Forças nacionais
Defensores Agressores
Números Contingente na Números Contingente na
Força Força
Totais RDC Totais RDC

RDC (FAC) 45.000-81.400 45.000-55.000* Ruanda (APR) 55.000-75.000 17.000-25.000


Zimbábue Uganda
36.000-40.000 11.000-16.000 50.000-60.000
(ZNDF) (UPDF) 10.000
100.000-
Angola (FAA) 2.000-5.000 Burundi (FAB) 40.000-45.500 1.000-1.200
130.500
Namíbia (NDF) 9.000-10.000 1.400-2.000
Estimativa Total 59.400-78.000 Estimativa Total 28.000-36.200
Notas: *Trata-se da estimativa do contingente estabelecido no teatro de operações.
Fontes: IISS, 2001 e 2002; ICG, 2000; PRUNIER, 2009, RUPYIA, 2002, TURNER, 2002.
Autor: CASTELLANO, 2012

Quadro 9 – Contingente Militar na Segunda Guerra do Congo: Principais grupos


proxies
Defensores Agressores
Força Contingente na RDC Força Contingente na RDC

ALiR 14.000-16.000 RCD-Goma 17.000-30.000


FDLR 3.000-15.000 RCD-K/ML 2.500-5.000
FDD 16.000 MLC 6.500-18.000
FNL 1.000-2.000
Estimativa Total 34.000-49.000 Estimativa Total 26.000-53.000
Fontes: ICG, 2000 e 2003a; PRUNIER, 2009; RUPYIA, 2002; TURNER, 2002; DUNN, 2002; JANES, 2009; ICG, 2006; IISS,
2003.
Autor: CASTELLANO, 2012

Em relação às principais forças combatentes externas que lutaram ao


lado da RDC, o Zimbábue enviou inicialmente um contingente de 600 homens
em agosto de 1998, na Operação Restaurar Soberania. Em 2001, estas tropas
haviam aumentado em 300%, chegando a aproximadamente 16.000 homens – o
maior contingente dentre todos os aliados de Kabila (RUPYIA, 2002). O país
possuía forças bem equipadas e profissionais, porém com pobres performances
no campo de batalha. Entretanto, o peso dessa contribuição foi fundamental para
o bloqueio do avanço dos rebeldes à capital e para a segurança das províncias de
Katanga e de Kasai Oriental, principalmente da capital dos diamantes Mbuji-
Mayi (REYNTJENS, 2009:199).
Angola, por seu turno, enviou um contingente mais modesto, o qual foi
reduzido ao longo do tempo. Seu comprometimento inicial foi de mais de 5.000
homens, passando, no fim do ano 2000, para uma força de 2.500. Suas tropas
eram bem experientes (mais experiência de combate do que qualquer país no
continente) e equipadas, porém seu exército era pouco disciplinado. Além disso,
151
as tropas enviadas à RDC eram de segundo escalão, devido à prioridade da luta
contra a UNITA em Angola. Entretanto, apesar do pobre estado de manutenção,
seu poder aéreo foi uma vantagem decisiva na guerra e garantia a defesa de
Kinshasa, mesmo frente a um possível ataque vindo de Mbandaka (ICG, 2000:4).
Não obstante o pequeno número, as tropas angolanas tiveram importância central
para a proteção das cidades costeiras em resposta à blitzkrieg ruandesa no início
da guerra (TURNER, 2002).

5.3 A Cronologia da Guerra e as Principais Operações


A Segunda Guerra do Congo pode ser dividida em cinco fases principais
até o fim formal das conflagrações em 2003. Esta subseção descreve brevemente
estas fases e as principais operações militares ocorridas no conflito.

Primeira Fase - Rebelião de Kivu, Blitzkierg de Ruanda e Bloqueio Defensivo


A Segunda Guerra do Congo começou em 2 agosto de 1998, com motins
do exército nas cidades de Bukavu, Goma e Baraka – iniciados principalmente
por grupos Banyamulenge e ex-FAZ. Logo as insurgências se espalharam para
Kindu, Kisangani e até Kinshasa (bases Tsashi e Kokolo), pegando
desprevenidas facções Banyamulenge ligadas a APR que não haviam sido
avisadas das ações de seus camaradas em Goma e Kigali. Ademais, alguns
disparos eram ouvidos na base de Kitona.254
Em 3 de agosto, tropas da APR atravessavam a fronteira em apoio aos
"rebeldes" congoleses traçando dois fronts principais. Um deles era mais
justificativo e outro mais objetivo. O primeiro tratou-se do estabelecimento de
tropas no leste do Congo em amparo as forças rebeldes com o intuito de justificar
a própria entrada de tropas no país. A segunda foi uma jogada ousada do General
ruandês James Kabarebe (recém-destituído da função de Chefe do Estado-Maior
das FAC), que tentava, a partir de uma operação de transporte aéreo de tropas,
capturar Kinshasa rapidamente.255
No primeiro caso, as operações iniciais nos Kivus (Nord Kivu, Sud Kivu
e Maniema) tiveram, assim como na tentativa de captura de Kinshasa,
coordenação e velocidade próprias de uma operação de blitzkrieg (ICG,
1998b:13). A participação e coordenação das operações por parte de tropas
ruandesas possibilitaram esse perfil.256 Em 6 de agosto, rebeldes tomavam Uvira

254
Nas guarnições de Bukavu e Kisagani os soldados das FAC retomaram o controle e derrotaram os
rebeldes.
255
Apesar de as forças antigovernamentais apresentarem a guerra como um problema nacional e não
regional, como uma revolta militar patriótica contra um regime ilegítimo, a participação e organização por
parte de Ruanda foi fundamental para que o conflito ocorresse. Atitudes como a do General ruandês James
Kabarebe de modificar a composição étnica de unidades do exército congolês (quando ocupava a posição
de Chefe do Estado-Maior das FAC), principalmente do 10º Batalhão e da 222ª Brigada, com o intuito de
integrar o maior número de forças favoráveis à rebelião, sugere que Ruanda já se preparava para o pior e
incentivava e instrumentalizava a insurgência como forma de justificação de sua intervenção.
256
No primeiro momento da guerra, “pelo menos 40 caminhões do Exército ruandês foram vistos cruzando
a fronteira em direção ao leste do Congo” (ICG, 1998b:13. Tradução minha). Tropas ruandesas passam a
se restabelecer entre as áreas de Masisi e Walikale, procurando encontrar e destruir bases da milícia
152
e dois dias depois Beni, enquanto Uganda negava seu envolvimento no avanço
dos insurgentes. No dia 16 de agosto, estes oficializavam a criação do RCD e
anunciavam os nomes de seus líderes – o que, no entanto, não dirimia as
percepções generalizadas, inclusive da OUA, de que se tratava de uma nova
intervenção externa no Congo. Nesta mesma data, os agressores avançavam
significativamente, capturando Aru (na fronteira com Sudão) e Fizi (na estrada
para Katanga). A penetração continuou em finais de agosto – com a captura de
Kisangani257 (23 de agosto), Kalemie (26 de agosto) e Moba (30 de agosto). E
prosseguiu, mesmo após o cessar-fogo de Victoria Falls258, com a captura de
Kindu em outubro.259
O segundo front foi palco de uma das principais batalhas da Segunda
Guerra do Congo. Já, em 3 de agosto, três aviões foram sequestrados do
aeroporto de Goma pelo exército ruandês e pousaram na base de Kitona com o
comandante Kabarebe a bordo. Com a base de Kitona prestes a se amotinar, as
tropas da APR logo obtiveram o seu controle. Em 6 de agosto, Kabarebe e seus
homens seguiram para Moanda e Banana, gerando preocupações de Kinshasa e
movimentações diplomáticas regionais.260 Não obstante, os rebeldes apoiados por
Ruanda continuavam a avançar. Em 13 de agosto, capturaram a hidroelétrica de
Inga e cortaram a alimentação de energia de Kinshasa. Imediatamente, Kabila
voou para Lubumbashi por segurança, temendo perder a capital. Três dias depois,
rebeldes ocupavam Mbanza-Ngungu (a 130 km de Kinshasa), enquanto L. Kabila
buscava apoio externo, garantido no dia seguinte.261 Esta seria a última grande
conquista do avanço ruandês.
Com o bloqueio regional acertado, em 19 de agosto as primeiras 400
tropas do Zimbábue desembarcaram no aeroporto Ndjili (Kinshasa). No dia
seguinte, 20 cargueiros congoleses voaram para Grootfontein (Namíbia) e
trouxeram de volta 21 toneladas de armas. Em 21 de agosto, Angola enviou
cargueiros com tropas para Cabinda, de onde atacaram imediatamente Moanda.
Sua força expedicionária em Cabinda possuía tanques de guerra, caças-
bombardeiros MiG-23 e helicópteros de combate Mi-17 pilotados por

Interahamwe. A presença de tropas ruandesas gerava ressentimento em populações locais, intensificado


pelos diversos massacres que cometiam.
257
Terceira maior cidade do país.
258
Em 7 de setembro, todos os atores envolvidos no conflito encontraram-se em Victoria Falls
(Zimbábue), onde predominou a diplomacia dissimulada de Kagame e Museveni, que negavam a
participação de suas tropas na guerra. O resultado do encontro foi a assinatura de um cessar-fogo frágil (o
primeiro de vários), o qual foi rompido no dia seguinte, com bombardeios de forças angolanas a Kalemie,
partindo de Kindu com Antovonov An-12.
259
A queda de Kindu em 12 de outubro contribuiu para o avanço de Ruanda à região de Kasai, na medida
em que privava o governo congolês de um dos aeroportos que rompiam com a imensa distância entre
Kinshasa e o leste do país.
260
Em 8 de agosto, realizou-se um encontro especial de SADC em Victoria Falls para debater a questão.
Havia uma atmosfera tensa que combinava com a ausência de Angola e a incerteza sobre a sua posição no
conflito. Na ocasião, Ministro da Defesa do Zimbábue prometeu oficialmente ajuda a Kabila.
261
O presidente congolês havia-se direcionado, em 16 de agosto, para Luanda, buscando apoio de dos
Santos e do presidente da Namíbia, Sam Nujoma. No dia 17, Ministros da Defesa se reuniram no âmbito
da SADC, com a presença de Joseph Kabila, e decidiram apoiar o regime de Kinshasa. A África do Sul se
opôs à solução militar zimbabuena e levou consigo seus Estados clientes (Lesotho, Suazilândia,
Mauritânia, Botsuana e Seycheles). Alguns dias depois, Mandela chamou um encontro em Pretória, mas
nem Kabila nem seus aliados apareceram.
153
mercenários sul-africanos. Sua capacidade foi logo sentida pelas forças
ruandesas, as quais perderam 50% dos seus homens nos primeiros dois dias do
avanço. Em seguida, as FAA tomaram Banana, Kitona e Boma, cortando
qualquer possibilidade de ressuprimento vindo de Ruanda para Kabarebe.
Concomitantemente, este comandante recuou para Matadi, onde cargueiros
resgataram nos três dias seguintes os feridos e sobreviventes ruandeses.
Entretanto, um dia após Kabila ter retornado a Kinshasa, elementos
rebeldes aliados a Ruanda seguiram, em 26 de agosto, um trajeto suicida à
capital, tentando desesperadamente tomar o aeroporto de Ndjili. Aqueles que
tiveram sorte foram mortos na periferia da cidade por helicópteros das FAA, os
mais azarados caíram nas mãos da população e foram espancados até a morte.
Finalmente, entre 26 e 28 agosto, novas tropas do Zimbábue desembarcaram no
aeroporto de Ndjili e estabeleceram a operação de proteção da capital, tomando
posições na periferia e bombardeando focos rebeldes. Entre estes havia um grupo
de 7.000 ex-membros da DSP de Mobutu, que preparavam sua vingança a Kabila
(TURNER, 2002).

Mapa 4 – Representação da Blitzkrieg de Ruanda em direção a Kinshasa (1998)

Autor: CASTELLANO, 2012

Se, no leste do país, os rebeldes avançavam, era claro que a blitzkrieg de


Kabarebe no oeste havia falhado, principalmente devido à falta de um mapa
estratégico claro da situação, essencialmente no que se referia ao posicionamento
das potências regionais em relação à invasão que empreendia. De fato, apesar da
rápida recuperação de Kinshasa frente ao avanço das tropas ruandesas e rebeldes,
pode-se afirmar que, sem os aviões e helicópteros de combate angolanos e as
tropas zimbabuenas, Kabarebe teria conseguido tomar Kinshasa até o fim de
agosto. Mas a guerra envolvia interesses muito mais amplos – o que lhe passou
despercebido. Essas primeiras batalhas de características, mormente interestal e
regular, demonstraram que a guerra era muito mais do que uma simples revolta
rebelde.

154
Segunda Fase: o estabelecimento dos Fronts Sul e Norte até o Acordo de
Lusaka
Após a derrota da blitzkrieg de Kabarebe no oeste, restava às tropas
agressoras consolidar posições no leste e priorizar o avanço regular, nos moldes
daquele visto na Primeira Guerra do Congo. Todavia, ao contrário da guerra
anterior, a Segunda Guerra do Congo demonstrava maior complexidade e, à
medida que os rebeldes e invasores avançavam, dois fronts principais se
configuravam.
O front principal da ofensiva agressora era o Sul (incluindo porções do
sudeste e centro-oeste), no qual se objetivava prioritariamente a captura das
províncias de Katanga (cidades de Lubumbashi e Kamina) e de Kasai
(principalmente a capital dos diamantes, Mbuji-Mayi). As operações eram
realizadas pela parceria APR/RCD, com algum suporte da UPDF em termos de
artilharia e tanques. Cumpre salientar que, cada vez mais, se intensificava a
repulsa nacional ao RCD, o qual nunca foi popular e, em geral, era percebido
como uma organização exclusivamente Banyamulenge e um instrumento de
Ruanda em sua invasão ao Congo.262
Além da captura de Kindu em outubro, em uma batalha em que a
maioria dos combatentes eram não congoleses263, as tropas rebeldes avançam
com força para o sul. Em 20 de outubro, o RCD tomou Kabalo e, em 10 de
novembro, Kongolo – ambas as cidades situadas em Katanga, cujo norte foi
rapidamente controlado com a captura de Moba, Pepa, Manono e Kasange. Em
seguida, a luta chegava a Pweto, quando as forças defensoras ensaiavam uma
reação. Esta começou a ser sinalizada no centro do país. Entre 18 e 22 de
novembro, Kabila utilizou aviões de transporte angolanos e zimbabuenos para
carregar 8.000 ex-FAR e Interahamwe para Lodja com o intuito de conter o
avanço rebelde.264
Todavia, no início de 1999, os rebeldes continuavam ganhando posições,
avançando para o cerco a Mbuji-Mayi. As batalhas que compuseram esse
movimento tiveram característica intraestatal relativamente mais visível, pelo
fato de que o RCD-G estava mais bem estruturado e comandava, pelo menos
formalmente, as operações agressoras (obviamente, apoiado pela APR). A
conquista desta cidade foi uma das prioridades das forças agressoras logo após o
insucesso da ofensiva direta à Kinshasa. A cidade era coração geográfico do país;
após os Kasais, há quase nenhum obstáculo natural em direção à capital.
Provavelmente, percebendo esse intuito, em novembro, as forças defensoras
reforçaram suas posições na região com forças ex-FAR, Interahamwe e do

262
Como exemplo, pode-se citar que em fins de agosto de 1998, a população de Uvira, em resposta ao
massacre de 600 pessoas pelo RCD em Kasika, matou aproximadamente 250 Banyamulenge à medida que
o RCD se aproximava da cidade. Contribuiu para essa repulsa popular a instabilidade dentro da
organização e as tentativas fracassadas de acomodação no lado agressor. Em meados de outubro, o
primeiro governador do RCD em Sud Kivu foi destituído, devido a tensões dentro do RCD pela recusa do
presidente Ernest Wamba dia Wamba em dividir o poder, mantendo-se como protegido de Ruanda. A
situação se agravou com o anúncio de criação do MLC.
263
A defesa era composta por uma guarnição de 5 mil tropas ruandesas da ex-FAR e da Interahamwe.
264
Ademais, o exército do Zimbábue (ZNA) estabeleceu mais 2.000 tropas em Lubao e Kabinda na
tentativa de proteger o alvo mais próximo dos rebeldes: Mbuji-Mayi. A cidade tinha importância central
por suas minas de diamantes e por ser um dos únicos territórios produtivos ainda em controle do governo.
155
Zimbábue, como visto anteriormente.265 Todavia, os reforços não foram
suficientes: em janeiro, Lubao caiu para os rebeldes e, em março, Kabinda foi
capturada parcialmente com o abatimento de um caça-bombardeiro
(provavelmente um antigo Hawker Hunter) e a morte de muitos soldados. O
Zimbábue contra-atacou em maio e perdeu mais de 2.000 homens na batalha de
Eshimba (120 Km de Mbuji-Mayi), dentre os quais 130 eram da ex-FAR. Com a
dificuldade de tomar Kabinda por completo, as forças APR/RCD tentaram em 15
de junho uma manobra de envolvimento, ocupando Lusambo para ameaçar
Mbuji-Mayi pelo norte. As FAC fugiram, deixando para trás os aliados de
Zimbábue e Namíbia, enquanto a APR seguia em direção a Kananga. Todavia, o
ataque a Mbuji-Mayi foi dissuadido. Contribuíram para isso os reforços de
aeronaves de ataque zimbabuanas e de helicópteros Mi-24 e Mi-25 de Angola
enviados a Mbuji-Mayi e Lodja (ao norte de Lusambo) (REYNTJENS,
2009:199) e, sobretudo, o bloqueio diplomático representado no Acordo de
Lusaka de julho de 1999.

Mapa 5 – Representação do Avanço das Forças Agressoras a Mbuji-Mayi (1999)

Autor: CASTELLANO, 2012

Antes de tratar do acordo, cumpre referir aos acontecimentos do front


norte-nordeste. Este seguia em direção à província Orientale e era sustentado
fundamentalmente pela UPDF. Desde finais de agosto de 1998, o avanço das
forças agressoras foi intenso enquanto o bloqueio permaneceu tímido, apesar de
contar com o apoio de forças do Chade, da Líbia e de rebeldes ugandeses
estabelecidos no Congo.266 Já, em novembro, com a criação do MLC de Jean-

265
Zimbábue e Angola também se preocupavam, respectivamente, com a possibilidade do rompimento de
contratos de exploração de minérios e o estabelecimento de conexões mais estreitas dos agressores com a
UNITA decorrente do aumento do comércio de diamantes.
266
Em agosto, as forças agressoras atacaram Isiro e Buta, enquanto, após o pedido de Kabila, aviões da
Líbia desembarcaram mil soldados chadianos em Gbadolite. Em 25 de setembro, com o ataque combinado
de RCD/UPDF/SPLA, rebeldes tomaram Dungu. Em contrapartida, insurgentes ugandeses estabelecidos
no Congo revidaram, saqueando a cidade e destruindo a estação de energia elétrica. Após, seguiram para o
Parque Nacional Garamba para preparar um ataque a Isiro. Por outro lado, as consecutivas tentativas de
156
Pierre Bemba Gombo, as forças rebeldes congolesas obtiveram vitórias ainda
mais importantes, chegando a Gemena em 30 de dezembro de 1998 – causando
pânico às FAC pelos riscos que essa conquista oferecia à capital.267 Somente em
1999 as forças do bloqueio conseguiram realizar contraofensivas eficientes.268
Desde o início de 1999, pressões por um cessar-fogo efetivo resultaram
em um gradual congelamento das posições em ambos os fronts. No entanto,
algumas alterações ocorreram até meados do ano. No sul, rebeldes permaneciam
estabelecidos no norte de Kasai e Katanga.269 Já no norte, em meados de abril,
Bemba capturou Kateke e Bondo, e, em 3 de julho, conquistou algumas de suas
principais vitórias: tomou Gbadolite e expulsou tropas da FAC de Gemena,
Bokungu e Zongo.270
Apesar dos avanços dos agressores em ambos os fronts, é importante
ressaltar que cada vez menos era factível aos rebeldes a possibilidade de atingir
uma vitória militar.
A situação não era a do início de 1997, quando a AFDL e os seus apoiadores
continentais podiam andar de forma desimpedida em todo o Zaire,
praticamente sem oposição. As FAC, fracas como eram, estavam tentando dar
o seu melhor, ao contrário das FAZ de dois anos antes. E, ao contrário das
FAZ, eles tinham aliados razoavelmente fortes. Em meados de abril Ondekane
ainda podia declarar desafiadoramente, "O objetivo continua a ser a libertação
de todo o país e estamos nos direcionando para Kinshasa", mas isso soava cada
vez mais como assobiar no escuro. Era tempo de "negociações de paz".
(PRUNIER, 2009: 209. Tradução minha).

Terceira Fase: o congelamento das posições em Lusaka e o embate entre


Ruanda e Uganda
A terceira fase da guerra importa mais pelo fato de que uma nova
articulação de forças estava sendo construída do que pela própria ocorrência do
Acordo de Lusaka. Este – apesar de sua relevância com marco das tratativas de

bloqueio não impediram que, em 29 de setembro, o exército ugandês, supervisionado por Jean-Pierre
Bemba, chegasse a Kisangani. Como resposta ao avanço, em 4 de outubro, rebeldes ugandeses finalmente
atacaram Isiro. Além disso, as forças do Chade chegavam ao front de batalha em 4 de novembro, sendo,
contudo, açoitadas em Aketi e Bondo, perdendo mais de 70 homens em baixas e 120 como prisioneiros.
267
Em 7 de novembro, foi anunciada a criação do MLC. Enquanto Bemba seguia para a província de
Équateur, em 13 de novembro, as tropas do Chade eram novamente emboscadas por uma companhia de
ugandeses, desta vez em Buta, matando 122 e capturando 148. Apesar de negar, os chadianos tiveram uma
pobre estreia, perdendo mais de 250 homens e 400 prisioneiros em poucas semanas. Em 17 de novembro,
uma operação combinada entre MLC e UPDF capturou Bumba e nos dias seguintes recrutou mais de mil
jovens, todos ansiosos para se unir ao herói Bemba, e capturou Gemena.
268
Em janeiro, a contraofensiva pelo norte valeu-se de Boeings namibianos e Tupolev angolanos, que
transportaram mil soldados das FAC para Bangui na RCA para montar uma contraofensiva em Équateur.
As forças combinadas de MLC/UPDF não suportaram a pressão, perdendo Gemena, Businga e Libenge e
recuando para Lisala.
269
Ao mesmo tempo, reforços eram adotados por FAC e ZNA para a segurança de Mbuji-Mayi, que estava
cada vez mais difícil de ser violada com a implantação de minas. A esperança dos agressores era uma
intervenção por parte da UNITA pelo sul – que se iniciou em Tchikapa, mas teve de se interrompida por
prioridades de Savimbi em outros fronts.
270
Com isso, os rebeldes passavam a controlar praticamente toda a província do Équateur; e, o mais
importante, sem tensões com os civis (ao contrário do RCD) devido à popularidade de Bemba com as
populações locais.
157
paz e como fundamento básico para a criação da MONUC – não foi cumprido
pelas partes beligerantes nem conformaria por si só uma fase da guerra. A nova
articulação de forças, por seu turno, tem relevância central para a compreensão
da insustentabilidade do projeto de tomada de Kinshasa. Foi representada pelo
rompimento da aliança Uganda-Ruanda (simbolizada pelos conflitos armados em
Kisangani) e o consecutivo enfraquecimento da unidade rebelde. Dessa forma,
importam como fase do conflito armado as conflagrações ocorridas em
Kisangani no momento das tratativas de Lusaka, quando os fronts estavam
praticamente congelados.
As batalhas de Kisangani foram conflagrações entre RPA e UPDF nesta
cidade congolesa e podem ser divididas em dois momentos: um em 1999 e outro
em 2000.
O primeiro deles ocorreu concomitantemente às tratativas de Lusaka,
mais especificamente entre 7 e 16 de agosto de 1999 e teve relações com as
cisões internas do RCD.271 Em 7 de agosto, APR e UPDF entraram em confronto
armado direto quando Uganda apoiava a tentativa de Wamba dia Wamba de
fazer um comício na cidade. Utilizou-se artilharia pesada de imediato e tomou-se
nenhum cuidado para com a população civil congolesa. Em 14 de agosto, novas
conflagrações iniciaram e duraram 3 dias. Os dois exércitos lutaram pelo
aeroporto, pelo banco central da cidade e rodovias principais da região. As lutas
causaram 600 mortes e forçaram grande parte da população a recorrer ao refúgio
das florestas. Mesmo com o cessar-fogo, Uganda não aceitou o veredito da
Comissão Militar Conjunta de Lusaka (vide abaixo) de que era culpada pelos
conflitos, o que indicava que era apenas questão de tempo para a luta ser
retomada.
Um ano após o primeiro incidente (maio de 2000), a luta reiniciou
devido a tensões crescentes e ataques a forças ugandesas cuja autoria era incerta.
Ao raiar do dia, 250 projéteis caíram na cidade de Kisangani matando vários
civis e ferindo outros 150. Inúmeras acusações partiram de ambos os lados. Em
12 de maio, observadores militares da ONU conseguiram convencer as duas
partes de desmilitarizar a cidade. Todavia, enquanto Uganda retirava a maior
parte de suas tropas de Kisangani, um misterioso acidente aconteceu com um
veículo da UDPF, matando dois passageiros. Ugandeses imediatamente acusaram
Ruanda de ter armado uma emboscada. Uma hora depois canhões e armas de
fogo voltaram a soar em Kisangani, continuando por seis dias, com artilharias se
atacando livremente, a despeito da população civil ali presente. Por fim, no dia
11 de junho de 2000, a luta acabou após a negociação de 10 cessar-fogos pela
MONUC. Se tomados os números contabilizados, 630 civis e 140 combatentes
foram mortos durante a conflagração.
Resumidamente, pode-se dizer que os conflitos armados de Kisangani
geraram reveses para ambos os países agressores, além de para as forças

271
Em março de 1999, uma oposição dentro do RCD levou ao líder Wamba di Wamba (apoiado por
Uganda) a mudar sua base de Goma para Kisangani. Em maio, era formalizada a separação dos dois
movimentos, quando os membros fundadores votaram pela remoção de Wamba e a sua substituição pelo
katanguês Emile Ilunga. Wamba considerou a ação um golpe e se declarou o líder legítimo da rebelião
com o RCD-K (depois RCD-K/ML).
158
rebeldes. Ao mesmo tempo em que a comunidade internacional ficava perplexa,
os próprios países até então favoráveis à causa de Uganda e Ruanda, como os
EUA, trataram a situação como uma afronta. A passagem a seguir sintetiza as
consequências do evento:
O pior golpe para a causa rebelde foi a luta interna entre Ruanda e Uganda em
Kisangani. Ela revelou ao mundo que a aliança rebelde era um mito, criado
para esconder os projetos de Kampala e Kigali. A exploração ilegal de recursos
RDC foi exposta de forma semelhante. Ainda mais importante, porém, foi o
dano causado aos esforços de guerra de Ruanda e Uganda. Os três confrontos
em Kisangani deixaram um resíduo de desconfiança entre os dois outrora
aliados, que doravante iriam inevitavelmente permanecer como uma ameaça ao
outro. (ICG, 2000:11. Tradução minha)

Quarta Fase: da falência de Lusaka às novas conflagrações


O Acordo de Lusaka (10 de julho de 1999) foi centralmente importante
na Segunda Guerra do Congo, por ser o primeiro acordo que incluía os principais
atores da guerra (forças nacionais e grupos rebeldes RCD e MLC) e que tratava
dos pontos centrais para a resolução do conflito. Assim, foi mais do que um
simples cessar-fogo, pois previa elementos externos, internos e regionais para a
solução do conflito.272
Se, por um lado, o acordo de Lusaka dava inúmeras vantagens às forças
agressoras273, por outro congelava uma guerra na qual a situação das forças de
defesa estava ficando cada vez mais precária – representando um
constrangimento efetivo, embora temporário, às batalhas que se davam nos
maiores fronts ao oeste de Équateur e norte de Katanga, onde eram empregadas
grandes unidades e modernos equipamentos. Entretanto, o que o tratado não foi
capaz de conter foram escaramuças, massacres, emboscadas e pilhagens
aleatórias que ocorriam principalmente no leste do país. Pode-se afirmar,
portanto, que parte da guerra irregular foi imune ao acordo de paz.274

272
No âmbito externo (cessar-fogo propriamente dito), foram previstos o retrocesso dos combatentes das
linhas de frente, a retirada das tropas externas, o estabelecimento de uma força de paz da ONU e a criação
de uma Comissão Militar Conjunta e de um grupo de Observadores conjuntos da ONU e OUA. No nível
interno, previa-se a entrega de direitos de cidadania para os Banyarwanda, o restabelecimento da
administração central no território nacional, a formação de Forças Armadas integradas, o desarmamento de
milícias e a construção de um Diálogo Intercongolês entre governo, RCD, MLC e oposição não armada.
Na esfera regional, tratava sobre controle do tráfico de armas e a infiltração fronteiriça de grupos armados.
Contudo, grande parte dos analistas identificou o Acordo de Lusaka como, por si só, impossível de ser
realizado - tanto pela quantidade e amplitude de suas exigências, quanto pela estreiteza de seu cronograma
(DUNN, 2002; REYNTJENS, 2009; ROGIER, 2004). Tratava-se de uma lista de desejos da comunidade
internacional (PURNIER, 2009:225).
273
O acordo legitimava a guerra de agressão em três sentidos. O primeiro deles era na referência feita ao
fato que países deveriam assegurar sua segurança interna, evitando que Estados vizinhos tivessem de fazê-
lo (REYNTJENS, 2009:249). O segundo era que o acordo reconhecia as diferentes linhas de frente e áreas
de ocupação sobre a influência externa, o que passava a cristalizar a presença e os domínios das forças
estrangeiras e rebeldes. O terceiro sentido dizia respeito à situação de Kabila. O acordo era uma garantia
de que Kabila sairia eventualmente do poder (na medida em que uma conferência nacional de forças
políticas fosse estabelecida) e de que a permanência das forças agressoras no país obteria uma legitimidade
tácita caso esta transição fosse bloqueada pelo presidente (CLARK, 2001:283).
274
Em 2 de novembro de 1999, homens armados não identificados chacinaram 30 civis em Kahungwe.
Vinte dias depois, forças Mai Mai atacaram a pista aérea de Butembo, matando mais 30. Em meados de
159
A predominância de pequenas escaramuças no imediato pós-Lusaka foi
rompida em pouco tempo com a ocorrência de novas e maiores batalhas. Estas
também foram incentivadas por Laurent Kabila, que buscava a todo o custo uma
vitória militar no conflito. Dois fatores contribuíram para a percepção de que isso
poderia ser obtido. O primeiro foi o retrocesso de forças agressoras em até 200
km no front de batalha, conforme tratativas no âmbito de Lusaka. O segundo foi
a cada vez mais visível instabilidade interna dos grupos rebeldes. Nesse sentido,
pode-se citar a situação precária pela qual passava o RCD, com divisões cada vez
mais expressivas e incapacidade de controlar suas próprias áreas conquistadas,
enfrentando oposição de populações locais.275 Por outro lado, enquanto o conflito
imperava entre as forças agressoras, o governo de Kinshasa tentava estreitar cada
vez mais seus laços com os grupos Mai Mai. Ademais, conforme ponderado
anteriormente, a falência de Lusaka está diretamente relacionada com os
conflitos de Kisangani e a percepção de L. Kabila sobre a precariedade da
situação das forças agressoras.276
Assim, com o fim do equilíbrio previsto por Lusaka, houve a retomada
dos fronts mais organizados do noroeste com MLC e centro-sul com RCD-G. No
entanto, a defesa de Kinshasa impossibilitava qualquer avanço mais significativo.
Ademais, as tropas de Ruanda tinham de enfrentar problemas logísticos
relacionados à manutenção de um exército estabelecido desde o sul de Équateur
até a fronteira da Zâmbia e responder a insurgências pesadas nos Kivus e
combates com Uganda em Kisangani. Não obstante esses esforços intensos,
Ruanda intentou, após Lusaka, manter a superioridade militar existente no
momento do acordo e tomou ações preemptivas como o avanço a Ikela em
novembro de 1999, no qual pegou desprevenidas as forças defensoras. Além
disso, em março de 2000, as pressões de Ruanda se intensificavam em Kasai
Ocidental.277 O avanço possibilitou que os agressores obtivessem muitos
quilômetros da ferrovia que liga Kinshasa ao sul da província de Kasai Ocidental
via Porto de Ilebo. Como resposta, as FAZ e o exército do Zimbábue contra-
atacaram na fronteira de Katanga-Kivu – ao longo de uma linha entre Kabalo e
Kongolo (ICG, 2000). Além disso, após a condenação internacional da segunda
fase de batalhas entre Ruanda e Uganda em Kisangani (resolução 1304 do
CSNU), Ruanda se viu obrigada a adotar uma posição mais conciliatória. Em
agosto de 2000, ofereceu o retorno de 200 km de suas linhas de frente.

dezembro, confrontos em Ituri entre soldados irregulares Hema e Lendu, causava o deslocamento de
30.000 civis. Em 23 de dezembro, a milícia Interahamwe atacava Tamira (em Ruanda) partindo do Congo,
matando 20 refugiados congoleses. Em 29 de dezembro, o exército ruandês foi acusado de massacrar 50
mulheres em Sud Kivu. Em 6 de janeiro de 2000, milicianos Lendu mataram 425 civis Hema em Blukwa.
Em 3 de fevereiro de 2000, uma ofensiva de APR/RCD retomou Shabunda e arredores, anteriormente
tomados por Mai Mai e ex-FAR.
275
Pode-se citar como exemplo a criação das Forces Républicaines Fédéralistes de Banyamulenge para
não serem manipulados por Kigali.
276
“[…] a luta em Kisangani destruiu qualquer credibilidade que o RCD tinha como alternativa a Kabila.
Além disso, a vantagem militar que tinham apreciado como consequência da aliança Ruanda- Uganda
desapareceu quando os dois se tornaram rivais” (ICG, 2000:11. Tradução minha).
277
As tropas de APR/RCD capturaram Idumbe, Mashala e Demba – além de Kabinda ter sido novamente
atacada.
160
Interpretando que a situação havia virado a seu favor, Kabila lançou, em
outubro, uma nova ofensiva em Katanga visando abrir um corredor para o Lago
Tanganyika. Ademais, avançou tropas em Sud Kivu, atacando em aliança com
rebeldes da ALiR. Em setembro de 2000, ocorreram batalhas ao redor de Pepa,
perdida por Kigali em outubro, junto com Moba. Tropas anfíbias e lanchas
torpedeiras (canhoneiras) vindas do Lago Tanganyika ampararam as operações
das FAC. O avanço resultou em uma pesada contraofensiva. Humilhada pelo
sucesso aparente do ataque, o APR contra-atacou, retomando Pepa e, por fim,
Pweto – afugentando FAC e ZAN defensores, os quais abandonaram suas armas.
De fato, o avanço de Kabila foi quase suicida, pois era insustentável, haja vista
que não tinha forças suficientes para manter suas posições ou bloquear um
contra-ataque de Ruanda, e seus aliados estavam cada vez menos aptos a auxiliar
sua empreitada para obter uma vitória militar na guerra.278
Com a gradual cisão também nos interesses na coalizão defensora e a
iminente queda da região motora da economia congolesa (Katanga) – o bloqueio
militar teve de ceder espaço ao bloqueio político. Por um lado, Bill Clinton havia
saído da presidência e com ele os simpatizantes de Ruanda, John Prendergast e
Susan Rice. Por outro, violar o acordo de Lusaka esporadicamente era aceitável
para Bush e o Colin Powell, entretanto jogá-lo no lixo era absolutamente
intolerável. Os exércitos congelaram no sul.
No que tange ao front norte, após o acordo de Lusaka, Kabila foi
responsável, à semelhança de no front sul, por uma contraofensiva em direção às
forças combinadas UPDF/MLC. Esta gerou respostas incisivas, trazendo novos
riscos à capital Kinshasa. Após Lusaka, Kinshasa empreendeu dois grandes
movimentos na região de Équateur ao longo do Rio Oubangui, que compuseram
uma das principais operações durante a guerra.
O primeiro movimento começou em fins de 1999 e início de 2000,
quando Kabila intentou definir militarmente a guerra em Équateur. Entretanto,
foram dois meses de esforços com pouco progresso. Suas ofensivas principais em
Imese, Libanda e Lisala foram pouco planejadas, o que levou a 300 baixas e 255
perdas em prisioneiros. Os ataques geraram reações de Bemba que, com o
suporte da UPDF, de mercenários norte-americanos e de tropas do MLC
(somando 3.000 homens), avançaram para Libenge e de lá para Dongo. Em
fevereiro de 2000, houve mais um avanço de Bemba, atacando Likwelo. Nessa
época, o MLC estava recrutando amplamente na RCA. As confrontações foram
formalmente congeladas por um encontro entre as partes em Victoria Falls em 21
de abril de 2000, no qual os lados reafirmam o compromisso com o cessar-fogo,
mas continuavam na prática com as conflagrações.
Uma breve pausa após Victoria Falls fez com que Kabila pudesse
recuperar o fôlego. Neste momento, norte-coreanos haviam acabado de
comissionar e treinar a nova 6ª Brigada de Elite das FAC (15.000 homens).
Iniciou-se imediatamente a preparação para uma nova ofensiva em Équateur – a

278
A ofensiva de Kabila pegou Mugabe desprevenido. O presidente do Zimbábue chegou a declarar, após
as retaliações de Ruanda, não ter intenção em tomar parte nas lutas. Com a queda de Pweto, Harare teve de
enviar mais milhares de tropas para evitar a queda de Lubumbashi. Utilizou seus aviões de transporte
CASA STOL, levando reforços em cima do front, na costa do Lago Mwelu.
161
qual foi incentivada pelas novas conflagrações em Kisangani (maio/2000) e o
decorrente enfraquecimento da aliança Uganda-Ruanda. Por seu turno, Bemba
havia conseguido reunir a artilharia da UNITA que atuava em seu favor. No
avanço, Kinshasa passou a bloquear qualquer barco que adentrava o Rio do
Congo, mesmo se estivessem com bandeiras da RCA ou de Congo-Brazzaville.
O movimento conseguiu paralisar o comércio ribeirinho e a entrada de petróleo
na região. Kabila tentava ganhar tempo, argumentando que suas ofensivas eram
legítimas e que o MLC deveria voltar às suas posições de julho de 1999.
Finalmente, em julho de 2000, Kabila e suas forças avançaram na
ofensiva em direção ao norte, com o intuito de tomar Libenge e, quiçá,
Gbadolite. No início de agosto, as FAC haviam avançado quase 200 km ao norte,
retomando as cidades de Dongo e Imese. As forças rebeldes (UPDF e MLC)
recuaram para Libenge e prepararam um contra-ataque. Em 8 de agosto de 2000,
pesadas barcaças de madeira que se moviam rio Oubangui acima foram atacadas
por fogo de morteiro, enquanto colunas que se moviam na margem do rio foram
emboscadas. Mais de 900 homens foram mortos em uma tarde, esmagando a 10ª
Brigada de Elite, incluindo 20 assessores zimbabuanos que estavam nos navios.
Em outubro, iniciou-se um novo avanço dos rebeldes. As FAC foram derrotadas
em Konongo, Lulonga (60 quilômetros ao norte de Mbandaka) e os agressores
começam a avançar para Boende, vindos de Basankusu. Após Mbandaka, peça
chave para as batalhas ribeirinhas, o último alvo era a capital.

Mapa 6 – Representação das Batalhas em Équateur (1999-2000)

Autor: CASTELLANO, 2012

As batalhas de meados de 2000 tiveram importância central no que diz


respeito às pressões para um cessar-fogo. Aliados de Kabila se irritaram, pois não
haviam sido consultados sobre a ofensiva em Équateur. Isso fez com que Angola
passasse a se encontrar com Uganda e MLC e a pressionar cada vez mais por
uma solução imediata do conflito. Uma reação do presidente foi logo articulada
quando, entre 25 e 29 de setembro, visitou Luanda, Harare e Windhoek, tentando

162
segurar seus aliados.279 Entretanto, à medida que lutas pesadas ainda estavam em
progresso no rio Oubangui, os aliados de Kabila começam a se cansar com suas
políticas. Um exemplo é que, no início de outubro de 2000, Zimbábue decidiu
retornar 75% de sua aviação do Congo.280
Como visto, as ofensivas nos fronts sul e norte foram quase suicidas,
pois pouco planejadas e não acordadas com seus aliados, de quem Kabila
dependia para sua própria defesa. As manobras geraram reações pesadas dos
rebeldes e invasores – que recuperaram grande parte das posições e avançaram
um pouco além do que haviam conquistado até Lusaka – e provocaram a redução
do apoio a Kabila por parte de seus aliados, desiludidos com o líder. Havia-se
generalizado a percepção de que Kabila era uma pedra no caminho, não somente
por parte de seus inimigos, mas também pelos defensores da integridade
congolesa. Além disso, no campo diplomático, todas as negociações tornaram-se
novamente bloqueadas – acreditava-se, em grande parte, pela postura de Kabila.
Essa realidade está diretamente relacionada com o seu assassinato poucos meses
depois.281

Quinta Fase: a ascensão de Joseph Kabila e o caminho para Pretória


O filho Joseph Kabila assumiu o poder trazendo boas impressões desde
o primeiro discurso. Entretanto, haveria de enfrentar grandes desafios, um deles
era relativo ao colapso humanitário – que se manifestava tanto no alto índice de
mortalidade decorrente direta ou indiretamente da guerra, como no acúmulo de
refugiados e deslocados internos. Outros desafios eram a falta de democracia, a
crise econômica e a caos institucional gerado pelo assassinato de seu pai.
Quanto à guerra, a ascensão de J. Kabila também trouxe uma mudança
de postura. A relação custo-benefício de permanecer na guerra estava ficando
cada vez mais nula ou negativa para todos os participantes, mesmo para aqueles
que lucravam com a exploração dos recursos naturais congoleses. Talvez Ruanda
fosse o único país disposto a continuar com a ocupação. Entretanto, todos os
adversários adotavam movimentos sutis de recuo e observavam atentamente seus
oponentes buscando por sinais prévios de desengajamento.

279
Cumpre lembrar que apesar de poucas tropas angolanas restarem no Congo, eram ainda fundamentais
para a defesa de Kinshasa.
280
A crise econômica no Zimbábue restringia a compra de peças e Harare temia não conseguir mais tirar
seus aviões do solo congolês. De fato, os custos de guerra haviam aumentado para o Zimbábue, com a
necessidade de reaparelhamento militar. Em 2000, o governo de Mugabe adquiriu armas da China ($72,3
milhões), 3 MiG-23 da Líbia ($1,3 milhões) e peças para seus Hawks caças-bombardeiros ($5-10
milhões).
281
L. Kabila queria definir militarmente a guerra e derrotar os violadores da soberania congolesa.
Entretanto, não tinha condições de fazer isso sozinho – o que retira toda a virtude desse tipo de ação. A
vitória militar importa por causa de seus esforços para consegui-la: criação de um exército forte que seja
capaz de garantir a integridade territorial de maneira autônoma. A tentativa de definir militarmente a
guerra por parte de Kabila não passava por um processo de autonomia e construção estatal. Pelo contrário,
dependia da disposição e capacidade de Estados aliados, que, à medida que a guerra se enredava,
passavam a se preocupar menos com a integridade territorial congolesa do que com seus próprios
interesses políticos e econômicos internos.
163
Em 2001, Namíbia já começava a retirar suas tropas. Por outro lado,
Ruanda e Uganda agiam com mais cautela.282 Suas posturas receosas explicam
em parte a falência nos diálogos de paz de Addis Abeba em 2001. Entretanto, a
nova fase de tratativas, agora mediadas pela África do Sul, prometia maiores
avanços. Um marco importante no período que mostrava novas disposições para
o diálogo foi o acordo entre MLC e Kinshasa, retomando o comércio e a
circulação de pessoas na rota Kinshasa-Lisala-Basankusu-Bumba-Kinshasa. Já
no momento dos acordos de Pretória, as alianças de caráter proxy entre invasores
e rebeldes estavam cada vez mais instáveis283 e havia uma convergência de
fatores em direção ao entendimento pacífico284, como se verá adiante.

5.4 O Financiamento da Guerra


O financiamento da guerra pelo Estado, ou melhor, o financiamento da
intervenção dos exércitos estrangeiros na guerra foi realizado em grande medida
por meio de concessões de exploração de recursos naturais congoleses. Michael
Nest oferece uma perspectiva direta do problema. Para o autor
“independentemente dos interesses iniciais dos governos estrangeiros, o custo de
suas campanhas resultou na sua busca explícita para compensar as despesas
militares” (NEST, 2006b:40. Tradução minha).
O quadro abaixo resume os interesses econômicos dos principais
beligerantes na Segunda Guerra do Congo e sugere que o próprio governo de
Kabila lucrou com a exploração de recursos naturais para o financiamento de
campanhas militares. Segundo o grupo de especialistas da ONU sobre a
exploração ilegal de recursos naturais congoleses, seu financiamento de guerra se
baseava em três pilares principais: (1) a atribuição de monopólios 285, (2) a
tomada direta e indireta de fundos de paraestatais e outras companhias

282
No mesmo ano, ambos os países anunciaram e depois voltaram atrás nas promessas de evacuação de
pontos-chave da ocupação. Ademais, passaram a fortalecer seus grupos proxies, com armamentos e
suprimentos, para que eles pudessem garantir a retirada das tropas regulares e, mesmo, manter suas
posições. Importa também lembrar que quanto mais se aproximava a possibilidade de assinatura de um
acordo de paz, iniciava-se cada vez mais a corrida final por recursos (nesse sentido é que se enquadram as
batalhas entre Uganda e Ruanda por Kisangani, logo após a assinatura do acordo de Lusaka).
283
Em maio de 2002, houve um motim de parte da guarnição do RCG-G estabelecidos em Kisangani
contra oficiais ruandeses. Os conflitos somaram-se a críticas anteriores ao governo de Ruanda e geraram
embates entre Ruanda, RCD e ONU e o resultante isolamento de Ruanda.
284
Entre os fatores, pode-se citar que (1) todos os atores envolvidos com o conflito estavam exaustos e
preocupados com os custos da guerra; (2) as razões iniciais das intervenções acabaram (Angola) ou
falharam (Uganda e Zimbábue); (3) a ONU recuperou alguma credibilidade no conflito com a publicação
dos relatórios sobre a exploração ilegal de recursos no país; (4) os EUA mudaram sua postura para a
neutralidade; (5) houve um considerável peso da diplomacia sul-africana (mais pujante e bem informada);
e (6) L. Kabila estava morto.
285
Importa o rompimento do contrato com a De Beers de exclusividade de compra de diamantes em junho
de 1998 e o subsequente acordo firmado em julho de 2000 com a companhia israelense International
Diamond Industries. O contrato acordava o pagamento de US$ 20 milhões para o Congo em troca do
monopólio da comercialização de diamantes. Além de recursos rápidos para o investimento em
armamentos, a empresa serviria como uma via de acesso aos equipamentos militares e de inteligência do
exército de Israel. Todavia, a empresa pagou somente US$ 3 milhões ao Congo, nunca forneceu
equipamento militar algum e contrabandeou US$ 60 milhões em diamantes para Brazzaville, de onde os
exportou – deixando os cofres congoleses sem receber taxas de exportação (S/2001/1072, 2001:15).
164
privadas286 e (3) a criação de joint ventures com companhias de países aliados a
RDC287.

Quadro 10 – Interesses Externos e Internos na Segunda Guerra do Congo


Beligerante Café Ouro Coltan Madeira Diamantes Cobre Cobalto Petróleo Comércio Estado

Governo RDC * * * * * * *

Forças Governo Zimbábue * * *


pró-
RDC Governo Angola * *

Mai Mai * * * *

Governo Ruanda * * * * *

Governo Uganda * * * * * *
Forças
anti- RCD-Goma * * * * *
RDC
RCD-ML * * * * * *

MLC * * * * *
Fonte: NEST, 2007b; S/2001/357, 2001; S/2001/1072, 2001; S/2002/1146, 2002.
Autor: CASTELLANO, 2012 (adaptado de NEST, 2007b)

Neste último ponto, é relevante dizer que o Zimbábue era o país


pertencente à aliança defensora que possuía maiores interesses econômicos na
guerra. Esta realidade foi percebida pelo governo de Laurent Kabila e
devidamente explorada.
Além do orçamento de defesa nacional do Zimbábue e de pagamentos
diretos de entidades congolesas ao governo de Mugabe, o financiamento do
envolvimento do país na guerra foi baseado em joint ventures com empresas
congolesas – o que garantia altos rendimentos advindos da exploração de
recursos naturais. O exemplo mais notório do caso foi a criação da empresa
Sengamines. Trata-se de uma empresa resultante de uma joint venture entre duas
companhias, uma associada a Kabila (COMIEX) e outra a Mugabe (OSLEG),
formando a COSLEG288. A manobra tinha o intuito de auxiliar nos custos de
guerra e logo se expandiu, criando uma subsidiária da COSLEG, a
Sengamines289. Esta empresa recebeu, em fevereiro de 2000, grandes concessões
de exploração de diamantes no Congo (S/2001/1072, 2001:10-11).

286
Os casos mais importantes foram a aplicação de taxas parafiscais a companhias de petróleo, a
apropriação, desde agosto de 1998, de dois a três quintos das receitas da MIBA (até US$ 4 milhões por
venda) e a tomada de um terço dos lucros da Gecamines em 1999 e 2000. A maior parte dos recursos
(quase 75%) o governo destinou a salários e bônus para combatentes congoleses – o que não incluía a
compra de armamentos e equipamentos.
287
Está relacionado com o financiamento dos esforços de guerra de Zimbábue, Angola e Namíbia no
Congo e os seus interesses econômicos na guerra.
288
Em fins 1998, a companhia zimbabuana Operation Sovereign Legitimacy (OSLEG), controlada por
altos oficiais e funcionários da área de defesa, fechou uma parceria com a COMIEX (empresa de Kabila e
sua família, fundada na década de 1970) – criando a COSLEG. Por meio desta empresa, o ZANU-PF
passou a ter a possibilidade de explorar e comercializar minerais, madeira e outros recursos do Congo.
Diversas concessões na região do Kasai foram passadas à empresa.
289
Para viabilizar os negócios da COSLEG, ambos os países tiveram de contratar a Oryx Natural
Resources (de Thamer Al Shanfari), a qual forneceria expertise financeira e técnica. O resultado foi uma
165
Outras articulações que garantiram os interesses dos parceiros do
ZANU-PF foram os bônus pagos aos soldados da ZNDF; a indicação do CEO
zimbabuano Billy Rautenbach para o controle da Gecamines (estatal de cobre e
cobalto)290; a concessão de cobalto e cobre em Kambove-Kakanda em fevereiro
de 2001 para o grupo KMC de Rautenbach; a concessão dada à companhia do
General zimbabuano Zvinavashe, na área de serviços transporte, para o
provimento de alimentos ao exército congolês; e a concessão de direitos de
mineração diretamente a Robert Mugabe. Por fim, Kabila doou ao Zimbábue
500.000 hectares de terras katanguesas para agricultura e pecuária (NEST,
2006b:50; DUNN, 2002:65).
Acordos de compensação econômica pelos esforços de guerra de Angola
e Namíbia foram comparativamente reduzidos. No que diz respeito a Angola,
não obstante seus interesses securitários prioritários, ambições econômicas
também estavam em jogo na sua participação na guerra. Acordos entre o governo
de Laurent Kabila e o de José Eduardo dos Santos permitiram o estabelecimento
de uma joint venture entre Sonangol (60%) e COMIEX (40%) para o
fornecimento de gasolina à RDC e a exploração conjunta futura de petróleo na
costa dos dois países. Além disso, o governo angolano “demandou
compensações, na forma de concessão de diamantes, para despesas militares
incorridas ao auxiliar o governo congolês” (NEST, 2006a:51. Tradução minha).
No caso da Namíbia poucos são os indicadores, mas sabe-se que houve uma joint
venture entre uma companhia namibiana August 26 (com participação
majoritária do Ministério da Defesa), a COMIEX e uma empresa norte-
americana (S/2001/1072, 2001:19).
É importante também lembrar que os recursos naturais (principalmente
minerais) congoleses foram fundamentais para o suporte financeiro das
operações militares dos grupos agressores. Uganda e Ruanda intensificaram e
expandiram os mecanismos da pilhagem iniciada durante a Primeira Guerra do
Congo, dando-lhes mais racionalidade e sistematicidade.
Com o romper da guerra, a fase de pilhagem em massa dos recursos do
país, ensaiada no conflito anterior, foi intensificada.291 Entre setembro de 1998 e
agosto de 1999, os estoques de produtos minerais, agropecuários e florestais
foram drenados das zonas ocupadas por tropas estrangeiras e grupos rebeldes.

nova joint venture entre COSLEG e Oryx, criando a Oryx Zimcon, Ltda. Para esta empresa foram
fornecidas minas e regiões de propriedade da MIBA. A exploração de duas das regiões mais ricas em
diamantes, os depósitos de Tshibua e o rio Senga Senga, levou à necessidade de criação de uma nova joint
venture, agora entre Oryx Zimcon e COSLEG, criando a Sengamines. No negócio, Oryx tinha 40% de
participação, OSLEG 40% e COSLEG 20%. Mesmo mudanças posteriores na estrutura da Oryx não
envolveram o rompimento das concessões e participações do governo do Zimbábue (S/2001/1072,
2001:10).
290
Posteriormente, a empresa de Rautenbach, Ridgepointe Overseas Ltd. comprou a participação de 80%
da Gecamines (DUNN, 2002).
291
Cumpre ainda diferenciar o tipo de exploração econômica entre Uganda e Ruanda. Por parte do
primeiro país a exploração ilegal de recursos naturais congoleses era feita em termos mais privados – com
oficiais se beneficiando da exploração mais do que o próprio Estado. No segundo caso, pode-se afirmar
que havia uma política estatal de desvio dos recursos congoleses. Sustenta a assertiva a criação de uma
célula dentro do Ministério da Defesa ruandês, a chamada Congo Desk, para lidar com os recursos
provenientes do país vizinho. Fontes afirmam que, em 1999, a unidade contribuiu com $ 320 milhões,
80% do orçamento de defesa do país (S/2002/1146, 2002: 15; ARMBRUSTER, 2003).
166
Soldados burundianos, ruandeses, ugandeses e dos grupos proxies RCD-G e
MLC, comandados por altos oficiais dos governos estrangeiros, pilharam
fazendas, instalações de armazenamento, fábricas e bancos congoleses.292 O
confisco direto de economias e propriedades de cidadãos congoleses resultou no
aumento do ressentimento frente a soldados estrangeiros e alguns grupos
rebeldes.
Todavia, com a exaustão das possibilidades de pilhagem descontrolada,
a exploração ilegal de recursos passou para uma fase mais sistemática. Tal fase
envolvia a extração direta de recursos, a imposição de monopólios comerciais e
fixação de preços, a construção de estruturas administrativas e o estabelecimento
de empresas privadas e de uma rede de financiamento.
No caso da extração direta de recursos, pode-se citar a exploração ilegal
de madeira da província de Orientale pela empresa ugandesa DARA-forest desde
1998 (com parceria de tropas ugandesas e do RCD-ML) e de outras províncias,
por ruandeses e burundianos.293 No setor minerador, a extração era ainda mais
generalizada, em geral utilizando mão de obra local ou imigrante. Na província
de Équateur, Bemba e seus aliados ugandeses forçavam o trabalho de jovens de
12 a 18 anos para extrair ouro, diamantes e coltan; na província de Orientale
(mais especificamente no distrito mineral de Kilo-Moto), comandantes e
soldados das UPDF encorajavam a população a trabalhar nas minas de ouro
deixando uma contribuição que somava uma média de 2 Kg diáros; e, nos Kivus,
comandantes da APR coordenavam, sob a mira de armas de fogo, grupos de
congoleses em busca de coltan.294
A imposição de monopólios comerciais e fixação de preços podem ser
exemplificadas nas ações de rebeldes e de tropas Ugandesas e Ruandesas no
sentido de forçar empresários locais e estrangeiros a fecharem seus negócios,
devido a pilhagens e explorações, com vistas a ganhar o controle do comércio
local. Isso possibilitou a entrada em massa de bens e produtos de toda a ordem
vindos de Uganda, Ruanda e Burundi - como cigarros, bebidas e papéis-

292
Dentre os casos mais notórios, tropas ruandesas e do RCD-G se apropriaram de 3.000 toneladas de
cassiterita e 1.500 toneladas de coltan da SOMINKI (Société minière et industrielle du Kivu), estoques que
representavam sete anos de produção. O General ugandês James Kazini, por seu turno, comandou, em
agosto de 1998, o roubo de pilhas de estoque de madeira das companhias Amex-bois e La Forèstiere; e, em
janeiro de 1999, com o auxílio de Jean-Pierre Bemba, passou a remover enormes quantidades de café da
província Équateur, resultando na bancarrota da Société congolaise du café. Ademais, fábricas de açúcar
foram pilhadas e seus equipamentos roubados pelo RCD; carros foram capturados e enviados para
Uganda; e grandes quantidades de dinheiro foram roubadas do Banco de Kisangani (entre 1 e 8 milhões de
francos congoleses) por soldados ruandeses e do RCD-G e do Banque commerciale du Congo (1,5 milhões
de francos congoleses) por Bemba (S/2001/357, 2001:8-10).
293
O desflorestamento era feito principalmente nos arredores de Djugu, Mambassa, Beni, Komanda, Luna,
Mont Moyo e Aboro, e a madeira (principalmente Mogno) era exportada para Ásia, Europa e América do
Norte desde o Quênia. A conivência de Uganda era tamanha que o Ministro de Águas, Terras e Florestas
do país tentou articular a obtenção de um certificado de procedência do produto extraído pela DARA. Em
2000, a empresa matinha uma média de 48.000 m3 de madeira exportadas por ano (S/2001/357, 2001:11-
12). Com este suporte, a DARA-Forest passou a se envolver em negócios de diamantes, ouro e coltan.
294
No que diz respeito à mão de obra importada, Ruanda utilizava prisioneiros ruandeses para cavar coltan
no Congo em troca de redução de sentença, como no caso dos prisioneiros na região de Kalehe. Além
disso, a colheita do café de particulares continuava a ser largamente utilizada por Jean-Pierre Bemba no
norte do Congo e o uso de trabalho infantil era uma prática comum nas minas de ouro em Kilo Moto e de
diamantes em Équateur.
167
higiênicos – para os quais em geral estes países não pagavam impostos. Tropas
de Uganda e Ruanda e seus aliados congoleses também controlavam as
economias locais impondo preços, condições de produção e controle de comércio
para produtos agrícolas como café e óleo de palma, além de emitir em larga
escala notas falsas do Franco congolês para comprar recursos naturais e
implementar um sistema próprio de taxação à população – burlando os impostos
nacionais (S/2001/357, 2001:13).
A construção de estruturas administrativas foi feita para facilitar a
exploração de recursos. Uganda e Ruanda apontavam autoridades direta e
indiretamente em governos locais e regionais – as quais defendiam as políticas de
seus patrões. Como exemplo, Uganda indicou, em junho de 1999, a governadora
Adele Lotsove para a então província de Ituri (a qual seria instrumento de
controle e transferência de fundos para autoridades ugandesas e da relocação de
terras para os Hema favorecidos); e Ruanda assegurou o apontamento do aliado
Gertrude Kitembo como governador de Maniema (S/2001/357, 2001).
Por fim, o estabelecimento de empresas privadas e de uma rede de
financiamento foi percebido com o aumento de empresas áreas operando no
Congo, as quais eram em geral ugandesas e ruandesas (seu corpo administrativo
possuía links diretos com altas lideranças dos governos destes países) e
permitiam o escoamento mais assegurado dos recursos naturais congoleses.
Houve também a intensificação das operações de companhias privadas e bancos
cada vez mais ligados aos países vizinhos. Neste caso, pode-se citar o movimento
de transferência para Kigali de diretorias de bancos operantes no Congo, como o
Banque commerciale du Congo, ou mesmo a intensificação das operações de
bancos nacionais e estrangeiros no leste do país (relacionando-se fortemente com
interesses externos), como a Union des banques congolaises, o Banque
commerciale du Rwanda, o Banque à la confiance d’or (BANCOR) e o Banque
de commerce, du développement et d’industrie (BCDI) (S/2001/357, 2001).295
Como resultado deste sistema, a exploração de recursos naturais
congoleses foi altamente intensificada em relação à Primeira Guerra do Congo.
Isso pode ser percebido principalmente no que concerne à exploração de ouro,
diamantes e nióbio. As figuras abaixo sustentam o argumento:

295
Outras companhias privadas que atuavam no leste do país e que estavam diretamente envolvidas na
exploração ilícita de recursos naturais são o Victoria Group (atuava no comércio de diamantes, ouro e café
do nordeste e norte do Congo para Uganda, mantendo relações com o MLC), o Trinity Group (pertencente
a Salim Saleh, meio irmão de Museven, atuava na importação de ouro, café e madeira da província
Orientale sem o pagamento de taxas), a Runda Metals (controlada pelo FPR, comprava coltan e exportava
para fora do continente), a Grands Lacs Metals (companhia de comércio de coltan com participação
acionária da APR), a Jambo Safari (mediante ligações diretas com o presidente Kagame, negociava café e
fazia transportes aéreos e terrestres), a Établissement Habier (ligada a APR, atuava na distribuição de
gasolina e petróleo em Goma e Bakuvu), STIPAG (controlada por altos oficiais ruandeses, era envolvida
em negócios de café e diamantes); e a Grands Lacs Metals (englobava altos oficiais de Ruanda e do RCD e
atuava na extração de todos os tipos de minérios no leste do Congo) (S/2001/357, 2001).
168
Figura 9 - Ruanda: Produção mineral, 1995-2000

450
400
350
300
250
200
150
100
50
0
1995 1996 1997 1998 1999 2000

Ouro (kg) Cassiterita (ton) Coltan (ton) Fonte: S/2001/357, 2001:24


Autor: CASTELLANO, 2012

Figura 10 - Uganda: Produção e exportação de ouro, 1994-2000


14
12
10
8
6
4
2
0
1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

Fonte: S/2001/357, 2001:20


Produção de ouro (ton) Exportações de ouro (ton) Autor: CASTELLANO, 2012

Figura 11 - Uganda: Exportação de diamante bruto, 1997-2001


(volume em quilates)

40.000

30.000

20.000

10.000

0
1997 1998 1999 2000 2001
Fonte: S/2001/357, 2001:22
Autor: CASTELLANO, 2012
169
Figura 12 - Uganda: Exportação de nióbio, 1995-1999
(milhares de US$)

800

600

400

200

0
1995 1996 1997 1998 1999
Fonte: S/2001/357, 2001:23
Autor: CASTELLANO, 2012

A pilhagem de recursos naturais do país ocorreu de forma tão intensa e


desgovernada que colaborou (1) para a demora das tropas externas se retirarem
do país; (2) para a continuidade do conflito mesmo após o Acordo de Paz de
Lusaka de 1999; e (3) para a agressão entre as próprias tropas de Uganda e
Ruanda na disputa de zonas ricas em minérios.296

5.5 A Finalização da Guerra


Em relação aos conflitos anteriores, a Segunda Guerra do Congo
apresentou, contudo, uma grande diferença que influenciou nas próprias
estruturas do Estado congolês. Nomeadamente, foi encerrada sem a definição
militar do conflito. Como visto, os altos custos da guerra para ambos os lados e
as pressões internacionais (notadamente atrasadas e modestas frente à guerra de
agressão) para o estabelecimento de cessar-fogo levaram a assinatura do Acordo
de Lusaka em 1999. O acordo previa a retirada das tropas estrangeiras, o
estabelecimento de uma missão de paz da ONU (MONUC) e a abertura política
mediante um Diálogo Intercongolês (DIC). De fato, Lusaka foi fundamental para
a criação da Missão da ONU no Congo (MONUC) em 30 de novembro de 1999.
Todavia, Laurent Kabila bloqueou todos os três processos buscando uma
legítima, mas quixotesca, vitória militar na guerra - haja vista que o líder era
completamente dependente das tropas aliadas e não tinha nada do que se poderia
identificar como um exército nacional. A situação irritou inimigos e aliados e o
impasse resultou, direta ou indiretamente, em seu assassinato em 16 de janeiro de
2001 – demonstrando que a maldição de Lumumba parece permanecer viva até
os dias atuais.

296
A guerra posterior, entre grupos apoiados por Ruanda (RCD-Goma) e os apoiados por Uganda (RCD-
K/ML) na região rica em diamantes de Kisangani (2000 e 2002), deixa clara a preocupação dos vizinhos
com o controle dos recursos congoleses. Após o conflito, a ONU publicou documentos que confirmavam a
apropriação indevida de recursos naturais por Ruanda e Uganda na região (S/2001/357, 2001;
S/2001/1072, 2001; S/2002/1146, 2002).
170
Sobre o assassinato, pouco se pode dizer com alguma certeza. Fato
comprovado é que o ato foi cometido em 16 de janeiro de 2001 em um escritório
do Palácio Presidencial de Kinshasa por um de seus seguranças, Rashidi
Kasereka, pertencente ao grupo de soldados crianças (Kadogos) combatente na
Primeira Guerra do Congo. Imediatamente após o incidente, o assessor
presidencial Coronel Eddy Kapend atirou no assassino à queima-roupa. Além
desses poucos detalhes, há um caleidoscópio de versões sobre o incidente,
nenhuma delas comprovadas (REYNTJENS, 2009). Dentre as principais, pode-
se citar a que acusava os Kadogos de Kivu como seus executores297 e aquela que
dá a Angola o papel de articuladora298.
Apesar do grande cunho conspiratório, a segunda versão é plausível.
Além dos problemas diplomáticos que foram surgindo entre Kabila e Angola
(bem como com seus outros parceiros) após Lusaka, o presidente congolês
adentrou um terreno perigosíssimo: devido a problemas financeiros, começou a
negociar diamantes com a UNITA.
Em agosto de 2000, seu assessor próximo, o comandante Jean-Calvin Kondolo,
contatou um comerciante de diamantes, que era um conhecido operador de
Savimbi. Em outubro o periódico Africa Confidential escrevia na mesma
edição "Relatórios recentes indicam que os aliados de negócios de Savimbi
estão novamente negociando diamantes em Kinshasa" e "Vários diplomatas
acreditam que a queda de Kabila pode desbloquear as negociações de paz".
(PRUNIER, 2009:254. Tradução minha)
Além disso, onze libaneses que eram supostamente o link entre o
negócio de Kabila e a UNITA foram encontrados mortos poucos dias após o
assassinato de Kabila, aparentemente por ordens dos Generais Nawesh e Kapend.
Finalmente, ambos os militares Lunda e outros oficiais pró-angolanos estavam
cientes do fato de que os Kadogos queriam se livrar de seu “pai” (PRUNIER,
2009:254).299

297
Os Kadogos foram arregimentados pela necessidade de Kabila construir uma força em armas para a sua
própria facção da AFDL. Tratava-se de 10 a 15 mil garotos entre 10 e 20 anos. A despeito de seu carisma
com as crianças (o presidente era tratado como um pai, sendo chamado pelo apelido carinhoso Mzee – o
homem velho em Kiswahili), Kabila tratava seus kadogos com baixos salários, sem possibilidade de
contato por carta ou telefone e sem serviço médico. A situação teria sido agravada com as prisões por parte
de Kinshasa de um de seus líderes mais carismáticos, Masasu Nindaga (uma das principais lideranças da
AFDL) – devido a ligações estreitas com Ruanda – e, posteriormente, a sua execução mal explicada. Por
fim, a desconsideração com os garotos foi agravada quando Kabila os acusou de covardia após recuarem
para a Zâmbia na batalha de Pweto frente à APR. O conjunto de frustrações teria levado ao assassinato.
298
A segunda versão está ligada à rivalidade Luba e Lunda de Katanga. Este dois grupos étnicos rivais da
província de Katanga participavam do governo de Kabila (um Luba-Katanga), sendo que os Lunda
possuíam uma relação de longa afinidade com Angola – incluindo os próprios Tigres de Katanga, que
auxiliaram a ascensão de Kabila. As figuras Lunda mais próximas de Kabila eram o General Yav Nawesh
e o Coronel Eddy Kapend – sendo o último quem matou rapidamente o assassino de Kabila (o único que
poderia desvendar o grande mistério) ao invés capturá-lo e interrogá-lo.
299
Igualmente, um dia antes do assassinato, General Nawesh ordenou o desarmamento de diversas
unidades das bases militares de Tshatshi e Kokolo, as quais eram compostas em sua maioria de Luba-
Katanga – os quais, além de serem rivais dos Lunda, eram considerados pouco confiáveis por Angola. Por
fim, em uma reunião que decidia sobre a sucessão presidencial, Kapend decidiu não indicar o pró-
angolano Victor Mpoyo, possivelmente com receio de que a conspiração de Angola ficasse muito óbvia e
resultasse em uma revolta dos Luba. Optou assim por quem levava em seu sangue as duas etnias (pai Luba
e mãe Lunda): o filho de Laurent, Joseph Kabila (TURNER, 2002).
171
Para além do exercício de suposição, o que se pode afirmar com mais
certeza é que, ao contrário do que se poderia supor, a subida de Joseph Kabila
(filho de Laurent) em 24 de janeiro de 2001, articulada por Zimbábue e Angola,
foi decisiva para o encerramento do conflito. As negociações em todo o ano de
2002 abriram o caminho para o cessar-fogo.
Apesar de avanços e retrocessos (vide quadro 11), o novo presidente
detinha uma postura mais colaborativa, cedendo em pontos fundamentais para o
estabelecimento do cessar-fogo. Assim, acordos entre os países e grupos
beligerantes (acordos de Sun City, de Pretória e de Luanda), resultaram no
Acordo Global e Todo-Inclusivo de Paz, assinado na África do Sul em 2002. O
pacto consolidou a saída das tropas de Uganda e Ruanda, recuperando
simbolicamente a integridade do Congo. A Segunda Guerra do Congo se
encerrou formalmente em 2003, quando, em março, o DIC introduzia uma nova
Constituição de transição; em 2 de abril, todas as partes em conversações
assinavam o acordo de paz; em 9 de abril, Kabila era mantido como presidente
de transição (RCD-Goma rejeitou inicialmente); e, em 30 de junho, o Governo de
Transição e o Parlamento provisional eram estabelecidos.
No que tange às consequências dos acordos de paz, estes, por um lado,
tiveram um efeito positivo na economia: houve crescimento econômico pela
primeira vez em 13 anos, além do fortalecimento nas finanças públicas e o
retorno aos procedimentos normais do orçamento (IISS, 2003:323). Por outro, as
inconsistências intrínsecas do Acordo de Pretória anunciavam a instabilidade que
estava por vir: (i) instituía arranjos amplos de power-sharing entre beligerantes e
pouca participação da sociedade civil (ou seja, recompensava sobretudo os que
haviam pegado em armas); (ii) estabelecia um governo composto por um bando
de saqueadores; e (iii) dividia a administração do país entre rebeldes predadores e
servidores corruptos (PRUNIER, 2009:277).300
Assim, como a Segunda Guerra do Congo tratou-se também de uma
guerra civil, a indefinição militar deste conflito implicou a falta de monopólio
dos meios coercitivos por parte do Estado (inefetividade da coerção interna) e os
incentivos para a continuidade de conflitos em seu interior.

300
Todavia, pode-se dizer que a postura de J. Kabila tentava superar essas dificuldades. Enfrentava
diretamente problemas econômicos, a partir de duas prioridades: a regulação da mineração (junção
princípios estatistas e liberais) e a limpeza de custos parasitas (limpar o ambiente administrativo). Estas
políticas garantiram uma nova credibilidade e o reinício do apoio internacional ao país.
172
Quadro 11 – Segunda Guerra do Congo: Cronologia das tratativas de paz
(2001-2002)
2001
20-24 de agosto Pré-diálogo em Gaboronne
DIC oficialmente iniciado em Addis Ababa, mas rapidamente suspenso devido à falta
15 de outubro
de fundos e pouca disposição das partes.
Decisão conjunta entre os grupos participantes de que o DIC seria reinaugurado e
20 de outubro
restabelecido na África do Sul.
6 de dezembro ONU medeia nova rodada de tratativas.
2002
1 de janeiro Burundi anuncia a saída de tropas.
15 de janeiro Encontro de Kabila com vários líderes rebeldes na cúpula da SADC em Malawi.
25 de fevereiro O DIC, acordado e previsto em Lusaka, incia-se em Sun City.
Kabila deixa as tratativas após RDC-Goma conquistar a cidade de Moliro com suporte
15 de março
de Ruanda em fevereiro.
Novo Diálogo em Sun City com o objetivo de apoiar o processo de paz. Oposição
armada (MLC e RCD), oposição não armada, partidos políticos, sociedade civil
organizada e governo fizeram parte do diálogo que durou 7 semanas. Mas desacordos
abril
quanto à divisão de responsabilidades e posições no governo e pressões de Ruanda
fizeram com o RCD rejeitasse o acordo. O governo entrou em acordo com MLC e o
RCD aliou-se a grupos da oposição política congolesa.
Kigali pressionada internacionalmente, pelos EUA em particular, mudou sua política
junho
para o Congo.
Acordo entre Ruanda e Congo assinado em Pretória, mediado pela África do Sul. Por
este, Ruanda tinha de deixar o Congo e Kinshasa tinha de desarmar e desmantelar ex-
30 de julho
FAR e Interahamwe em 90 dias, extraditando os rebeldes ruandeses para África do
Sul.
16 de agosto Uganda consente na retirada completa de suas tropas.
agosto UPC toma Bunia com o apoio de Uganda.
6 de setembro Acordo entre Congo e Uganda assinado em Luanda.
setembro Ruanda oficialmente retira tropas da RDC.
Interahamwe conquista a importante cidade de Uvira, depois retomada pelo RCD-
14 de outubro
Goma.
novembro Batalhas entre RCD-K/ML e RCD-N.
Kabila, MLC e RCD-Goma concluem acordo sobre a participação dos últimos no
06 de dezembro governo. Rebeldes RCD-N e RCD-K/ML preenchem parcialmente o vácuo deixado pela
UPDF.
Assinado o Acordo Todo-Inclusivo de Paz em Pretória. Decisão final sobre o
17 de dezembro estabelecimento de um governo de transição, para existir durante 2 anos,
arregimentando membros de todos os grupos rebeldes.
23 de dezembro Nova luta entre MLC, RCD-N e RCD-K/ML

Notas: Linhas tracejadas indicam retrocessos nas tratativas de paz.


Fontes: HIIC, 2002, 2003; IISS, 2001, 2002, 2003; PRUNIER, 2009; REYNTJENS, 2009; ICG, 2002.
Autor: CASTELLANO, 2012

5.6 A Guerra Dentro da Guerra: Os conflitos armados de Ituri


Antes de encerrar este capítulo, importa referir brevemente sobre os
conflitos armados da região de Ituri, que ocorreram quase que paralelamente à
Segunda Guerra do Congo e que envolveram a exacerbação das rivalidades entre

173
grupos Hema e Lendu, agravadas pela interferência de forças externas. O conflito
merece uma seção especial por sua lógica particular e por ter agregado
complexidade à cadeia proxy da guerra principal.
Como visto nos capítulos anteriores, os conflitos armados de Ituri estão
diretamente relacionados com as rivalidades entre grupos Hema e Lendu e o
favorecimento histórico dos grupos Hema pelo governo central. Esta realidade
alia-se a disputas territoriais relacionadas ao controle sobre a terra e recursos
naturais. Durante as guerras do Congo, a situação se agravou. Em parte, isso se
deveu a uma identificação generalizada, mas equivocada, de que a causa dos
Hema era a mesma que a de seus primos Tutsi – o que também era apregoado
sobre os Lendu em relação aos Hutu ruandeses. No contexto da Segunda Guerra
do Congo, esses grupos, agora organizados militarmente, também serviram como
forças proxies secundárias para governos e grupos rebeldes organizados que
buscavam agendas próprias e voláteis na região (HRW, 2003). A interferência
nociva de forças externas contribuiu para o agravamento das tensões.
A presença das Forças Armadas de Uganda (UPDF), sobretudo,
exacerbou os conflitos regionais. 301 A despeito de adotar uma postura por vezes
conciliadora (levou líderes a Kampala 15 vezes para negociar), na maioria das
ocasiões apoiava tacitamente um ou outro lado do conflito, embora seu suporte
preferencial tenha sido dado ao grupo Hema.302 A nociva presença ugandesa era
agravada com o eventual treinamento de guerrilhas rivais, auxiliando a manter
vivo o ciclo de conflagrações (HRW, 2001a e 2001b; ICG, 2003b:4). Cumpre
também salientar que as interferências de Ruanda e do próprio governo de
Kinshasa financiando milícias étnicas para obter benefícios políticos e
econômicos agravaram a situação.303 Dois outros conflitos paralelos também
prejudicaram a situação local: (i) disputas internas ao RCD-K/ML304 entre
Wamba e Nyamwisi305; e (ii) disputas entre MLC (aliado ao RCD-N306) e RCD-

301
A reedição mais violenta dos conflitos de Ituri em fins da década de 1990 e início da de 2000 resultou
em grande parte da manipulação de oficiais ugandeses de contradições sociais latentes na região,
principalmente por direitos a terra, item central para a produção econômica local (HRW, 2001b).
302
Alinhou-se a Hema ricos e alguns oficiais armaram e treinaram grupos milicianos (UPC) em retorno de
pagamentos de negociantes Hema (ICG, 2000:11). O apoio aos Hema foi significativo em diversas
ocasiões importantes, como (i) com a criação da província de Ituri por parte do comandante da UPDF
James Kazini, este nomeou como governadoras Adele Lotsove Mugisa (líder identificada com interesses
Hema); (ii) oficiais da UPDF colocaram soldados para lutar junto a Hema contra Lendu; (iii) soldados da
UDPF estiveram envolvidos em matanças de civis Lendu em 1999 e 2000; (iv) Hema contrataram
soldados de Uganda para proteger suas propriedades (HRW, 2002b).
303
Para Ruanda, interessava opor-se a Uganda e pressionar a fronteira do país vizinho. Para Kinshasa,
importava opor-se à UPC e restabelecer o controle central sobre Ituri.
304
O RCD-K/ML (Rassemblement Congolais pour la Démocratie –Kisangani/Mouvement de Libération)
tem suas origens na fundação do RCD-K (Kisangani) de Wamba dia Wamba, após a divisão oficial do
RCD em maio de 1999 (ICG, 2003:19). Após a derrota nos conflitos de Kisangani entre Uganda (seus
apoiadores) e Ruanda, mudou-se para Bunia. Uma disputa interna entre Wamba e Mbusa Nyamwisi levou
à ascensão deste último, que agregou a sigla ML ao nome do movimento.
305
Com a cisão entre Wamba e Nyamwisi, em 2000 suas forças se alinharam aos grupos étnicos da região
e passaram a apoiar, respectivamente, etnias Lendu e Hema. Nyamwisi triunfou e, em 2002, mudou sua
base aliada para os Lendu, para o desagrado de seu ministro da defesa, o Hema Thomas Lubanga, que
renunciou, formando a UPC. O grupo de Nyamwisi controlou durante boa parte da guerra a porção norte
de Nord Kivu (Beni e Lubero), onde impera a comunidade Nande, etnia de Nyamwisi (ICG, 2003:19). Em
2002, o governo congolês passou, paradoxalmente, a patrocinar o grupo no treinamento de milícias Lendu
(FNI) e Ngiti (FRPI) para a defesa de Bunia (capital de Ituri) e o ataque ao UPC.
174
K/ML, sendo que o MLC financiava a UPC para atuar contra o RCD-K/ML.
Assim, a presença de interesses externos, a grande disponibilidade de armas, a
destruição econômica pela guerra e o surgimento de uma ideologia étnica deram
combustível ao conflito armado (LEMARCHAND, 2009).
No que tange aos conflitos entre Hema e Lendu propriamente ditos,
pode-se dividir as conflagrações em dois momentos. A primeira fase foi de 1999
a 2000, e a segunda fase começou em janeiro de 2001, com o reinício das lutas
interétnicas.
A partir de 1999, a violência aumentou em níveis inéditos na região. O
marco inicial do conflito foi a criação, em 1999, por parte do General ugandês
James Kazini, da província de Ituri, antes parte da província de Orientale. A nova
província, ocupada por tropas ugandesas, já nascia como uma das mais ricas do
Congo, possuindo importantes reservas de ouro, madeira e coltan, além de
plantações de café. O problema central deste ato foi o apontamento de uma
negociante Hema como governadora da província. A decisão levou à revolta
Lendu e ao início de conflagrações (HRW, 2002a).
Além disso, em junho, alguns membros da elite Hema tentaram burlar e
modificar registros de propriedade de terra dos já ressentidos Lendu de Walendu
Pitsu (parte do distrito de Djugu) e expulsá-los junto às suas famílias.
Aproximadamente 200.000 Lendu tiveram de deixar suas terras e casas. O
incidente levou a um ciclo intermitente de pesadas confrontações entre as
comunidades e à expansão geográfica e étnica da violência. Neste ponto, importa
que outros grupos étnicos da região – tais como Nande, Gegere, Bira e Alur – se
viram forçados a se alinhar com um dos dois lados contentores (HRW, 2002b).
Ainda em 1999, houve uma nova crise, decorrente da contratação de
soldados ugandeses por proprietários Hema em troca de dinheiro. Os soldados
das UPDF se envolveram na destruição de vilarejos e em caçadas a civis Lendu.
Por outro lado, no ano 2000, o exército de Uganda passou a prover instrutores e
treinamento paramilitar para ambos os grupos étnicos em disputa (HRW, 2002a).
Na ocasião, as UDPF buscavam compor uma força para o RCD-K/ML, que
reuniria inclusive soldados crianças.307 Mesmo dando apoio agora para ambos os
lados, o ressentimento contra tropas ugandesas não havia cessado, sobretudo
entre os Lendu. A situação levou povos locais a direcionarem suas armas contra
soldados e oficiais das UPDF em diversas ocasiões. Como saldo geral, os
embates generalizados de 1999 e 2000 geraram de 7 a 15 mil mortos, 150 mil
deslocados e a proliferação de uma cultura de extermínio 308 (VLASSENROOT e
RAEYMAEKERS, 2004:392).

306
Grupo liderado por Roger Lubanga, que inicialmente operava como uma organização subsidiária de
Uganda para explorar diamantes de Bafwasende. Em 2001 e 2002, passou a apoiar as ações de Bemba para
obter as áreas ricas em recursos naturais controladas pelo RCD-K/ML, possuindo poucos soldados e
dependendo do exército do MLC.
307
Ademais, em algumas ocasiões, soldados da UPDF auxiliaram exclusivamente milícias Lendu. O
coronel ugandês Peter Kerim, por exemplo, era visto como protetor de Lendu e treinou milícias desse
grupo durante o ano de 1999.
308
Ambos os grupos étnicos passaram a se valer de mitos e propagandas para justificar sua causa,
distorcendo fatos históricos e fabricando novas narrativas para ganhos políticos. Como exemplo, espalhou-
se a versão de que havia uma conexão entre Hema de Ituri e Tutsi de Ruanda, ambos sendo vítimas de
genocídio, que, no caso de Ituri, estaria sendo perpetrado por Lendu em parceria com Hutu da
175
Na segunda fase dos conflitos, iniciada em janeiro de 2001, a posição
Pretória em seus interesses. Dizia o porta-voz das UPDF, “Deixe-os lutar. Vamos
esperar por qualquer um que venha para nossas áreas de Beni e Bunia. É quando
iremos responder” (HRW, 2002a:on-line. Tradução minha).309
No decorrer de 2001, a situação foi agravada com a luta entre MLC (de
Jean-Pierre Bemba) e RCD-K/ML (de Nyamwisi), a qual está diretamente
relacionada ao patrocínio de Uganda a Bemba, no início de 2001, na tentativa de
uma fusão entre os grupos rebeldes, chamada FLC (Front de Libération du
Congo) e presidida por Bemba. Em meados de 2001, Nyamwisi, que havia sido
colocado no posto de primeiro-ministro da FLC, destituiu Bemba e expulsou-o
para Gbadolite. Em fins de 2001, Bemba tomou a iniciativa e começou uma
ofensiva contra forças de Nyamwisi.310 Os conflitos entre MLC e RCD-K/ML
geraram um vácuo administrativo na região em fins de 2001, o que contribuiu
para a ocorrência de mais batalhas violentas entre grupos étnicos Lendu e Alur, e
entre Hema (coligados aos Gegere e Ngiti) e Lendu.311
Em 2002, o conflito se intensificou, pois esses grupos étnicos locais
começaram a se organizar em grupos militares formais, mais ou menos
estruturados. Ademais, os conflitos locais continuaram a se agravar à medida que
as milícias passaram a se ligar às rivalidades entre grupos maiores (RCD-K/ML,
MLC e RCD-N), com o intuito de obter poder na região. Assim, a guerra proxy
adquiriu uma nova extensão com o estabelecimento de um plano de grupos
proxies secundários (HRW, 2002b).
Em fevereiro de 2002, o RCD-K/ML possuía o controle da província de
Ituri e o novo governador Jean-Pierre Molondo Lompondo foi nomeado e
assumiu controle efetivo das forças militares. O rompimento da aliança inicial
entre Nyamwisi e os Hema (de Thomas Lubanga) já se vislumbrava. Em abril,
um bispo local Hema foi substituído por um Nande, o que provocou as
percepções da elite Hema de que os Nande estavam roubando suas posições

Interahamwe e rebeldes Ugandeses da ADF. Por outro lado, Lendu e Ngiti passaram a publicar panfletos
que acusavam os Presidentes Kagame e Museveni de procurar estabelecer um Império Hima-Tutsi na
região - sugerindo as intensões de Hema de realizar uma limpeza étnica de Lendu em Ituri. Ao mesmo
tempo, a associação cultural Lendu LORI salientava as injustiças históricas sofridas pelo seu povo,
conclamando-o à resistência. De fato, a guerra cultural teve seus resultados: pode-se afirmar que os
conflitos em 2002 e 2003 entre milícias organizadas Hema e Lendu tiveram traços de limpeza étnica
(HRW, 2003).
309
Com essa posição Uganda retirava suas tropas do interior e concentrava em Bunia. Nesta cidade, tropas
de Uganda auxiliaram forças de Nyamwisi a retaliar um ataque Lendu e Ngiti de 19 de janeiro que matou
aproximadamente mil Hema. Além disso, ainda no início de 2001, tropas de Uganda ajudaram Nyamwisi a
retomar Butembo de um grupo Mai Mai.
310
MLC e RCD-N, de Roger Lumbala, capturaram diversas cidades no nordeste do país, culminando com
a captura, em dezembro de 2001, de Isiro; em janeiro de 2002, de Watsa (rica em ouro e minas de
diamantes); e, em 26 de janeiro, de Bafwasende (rica em diamantes).
311
Na ocasião, o RCD-K/ML, acusava tropas das UPDF instaladas em Buta de auxiliar as forças de
Bemba. O que se via na realidade, era a sinalização por parte de Bemba, em fins de 2001, de uma
aproximação com RCD-Goma (então rival de Uganda). Frente a essa ameaça, Uganda ameaçou retirar
suas tropas de Gbadolite, Buta e Banalia – bases do MLC (HRW, 2002a). Em meados de outubro de 2002,
MLC e RCD-N avançaram novamente, capturando cidades de Epulu e Mambasa (Orientale) e seguindo
para Beni (Nord Kivu) (HRW, 2002b). Todavia, devido aos treinamentos que as FAC ofereciam à APC, o
RCD-K/ML conseguiu, com a ajuda de grupos Mai Mai, parar o avanço das forças de Bemba em Teturi e
Eregenti (HRW, 2003:9).
176
privilegiadas. No mesmo mês, Nyamwisi participou das negociações de Sun City
– enquanto os Hema (agora organizados na UPC) as boicotaram. Na ocasião, o
RCD-K/ML estabeleceu links com o governo de J. Kabila – aliança que poderia
utilizar para aumentar suas forças em Ituri.312 Nos meses seguintes, o então
governador de Ituri, Lompondo, integrou milícias Lendu (FNI) e Ngiti (FRPI)
dentro das forças do braço armado do RCD-K/ML (APC). Por seu turno, as
milícias Hema o acusavam de favorecer os grupos rivais e se recusaram a
estabelecer alianças.
Como fator agravante das tensões, o chefe da guarda presidencial de
Nyamwisi foi assassinado e o crime foi atribuído a Lubanga, o que levou à
explosão de lutas entre a APC e a UPC. Estes últimos tinham base em Mandro, a
15 quilômetros de Bunia. Nestas batalhas, a UPC conseguiu tomar o controle de
parte de Bunia, sem intervenção ou impedimento das UPDF (que sinalizava
apoio tácito a Lubanga), cometendo abusos contra populações civis. Com a crise
relâmpago, Nyamwisi foi impedido de retornar a Bunia, pelo bloqueio da capital,
sendo forçado a seguir para Beni, sua cidade natal.
Uganda, por um lado, agiu publicamente contra a UPC. Prendeu
Lubanga e oito lideranças do grupo, quando estes estavam em Kampala, em
junho de 2002. Os líderes foram entregues a Kinshasa. Por outro lado, o país não
contribuiu para a interrupção do avanço da milícia, mantendo o suporte velado.
Em 6 agosto de 2002, tropas da UPC junto a UPDF atacaram o campo de
treinamento Ndoromo em Bunia, onde o APC treinava 1.200 combatentes. O
APC repulsou o ataque e clamou ter matado dois soldados ugandeses entre as
tropas do UPC. Não obstante a falha na ofensiva anterior, em 7 e 8 de agosto, o
UPC tentava ocupar vizinhanças de Bunia. No processo, matou civis Lendu,
Nande e Bira. Como resposta, milícias Lendu mataram dezenas de Hema em
Mudzi Pela, Saio, Rwambuzi e Simbilabo. Dias depois, a UPC atacava povos
Lendu, Nande e Bira na mesma região. Ademais, em 9 de agosto, UPC e UPDF
mataram civis no bairro onde oficiais do RCD-K/ML viviam. As UPDF
utilizaram tanques e armas pesadas acompanhando o UPC.
Com o intuito de pacificar a situação, em 29 de agosto, o Ministro de
Direitos Humanos do Congo, Ntumba Lwamba, chegou a Bunia trazendo
consigo Lubanga na busca de persuadir a UPC a compor uma conferência de paz
em Kinshasa. Entretanto, a tática não obteve sucesso e o ministro foi tomado
como refém e trocado pela liberdade de Lubanga.313 Nesta altura, a UPC se
estabelecia como força em controle de Bunia. Como resposta, em 5 de setembro,

312
O governo de Kabila buscava adquirir mais influência no nordeste congolês - focando inicialmente em
readquirir o controle sobre os recursos naturais da região (ouro, diamantes, coltan, cassiterita e petróleo) e
fortalecendo as forças de seus aliados. Neste ponto, tratava-se de fortalecer e integrar as tropas do RCD-
K/ML (denominadas Armée Populaire Congolaise-APC) no exército congolês, provendo uniformes,
munição e treinamento. Isso ocorreu desde 2002, e, no início de 2003, dois batalhões das FAC chegaram a
Beni para treinar forças locais. Através do RCD-K/ML, a RDC começou a auxiliar grupos Lendu (FNI),
Ngiti (FRPI) e entre outros – evitando qualquer aproximação com os Hema. No que tange aos recursos
naturais, a RDC assinou uma licença exclusiva de exploração de petróleo com a companhia canadense-
britânica Heritage Oil.
313
O evento intensificou a determinação de J. Kabila em desmobilizar a UPC e provavelmente contribuiu
para o incremento do seu apoio à APC.
177
a APC e grupos Ngiti tomaram a cidade de Nyankunde, após derrotar a UPC e
matar centenas de civis Hema e Bira.
Na esteira do Acordo de Luanda (setembro de 2002), que pressupunha a
rápida evacuação de forças ugandesas, e percebendo sua incapacidade de
controlar a situação de Ituri, o governo de Kinshasa promoveu, em 6 de
setembro, um acordo adicional junto a Uganda, firmando que este país
controlaria Bunia até que uma nova administração fosse estabelecida. De fato,
em outubro de 2002, o Exército ugandês já saía de partes do nordeste do Congo,
mas continuava a ocupar a capital de Ituri.
Com a chegada de 2003, Ruanda e seu proxy RCD-Goma de inseriram
mais fortemente nas lutas da região, travando confrontos contra a Mai Mai e
RCD-K/ML.314 Buscaram apoiar diretamente ou indiretamente milícias Hema,
como a UPC, PUSIC e as FAPC. Ademais, em 6 de janeiro de 2003, a UPC de
Lubanga se aliou formalmente com o RCD-Goma, o que gerou o seu
rompimento com Uganda.315 Em suma, a entrada de Ruanda em Ituri agravou a
complexidade dos conflitos na região.316
Finalmente, em 17 de fevereiro de 2003, houve o estabelecimento da
Comissão de Paz de Ituri (IPC – International Pacification Commission) em
Luanda, acordada por RDC e Uganda. Tratava-se de um órgão neutro instituído
para tentar resolver a situação da região. Com este marco, Museveni concordou
em remover 25 mil homens de Bunia. Entretanto, a comissão era incapaz de
instalar qualquer forma de administração civil em Ituri, sendo que sete milícias
continuavam operando na região, lutando umas com as outras. Em março, o
avanço de forças rebeldes apoiadas por Ruanda e a queda de Bunia para a UPC
fizeram com que as UPDF prolongassem a sua permanência em Ituri, em seguida
retomando à capital.
Todavia, em 18 de março, devido a pressões internacionais sobre
Museveni, Uganda e UPC assinaram um cessar-fogo e tropas de Uganda foram
substituídas por 700 capacetes-azuis do Uruguai. Esta força, contudo, se mostrou
insuficiente – visto que as lutas continuaram317 e no mês seguinte a UPC retomou
Bunia. Como resposta, Uganda interveio novamente após as batalhas penetrarem
seu próprio território. Neste mês, o cessar-fogo era realmente rompido.

314
A inserção de Ruanda na região podia ser explicada pela tentativa de contrapor a presença de Uganda e
Congo, de capturar recursos naturais e de auxiliar o grupo Hema - visto como minoria ligada aos Tutsi
(HRW, 2003:11).
315
Após auxílios tácitos, em 6 de janeiro de 2003, foi assinado um acordo em que o RCD-G (incentivado
por Ruanda) concorda em prover apoio militar (treinamento, armas, munições e uniformes) e político ao
UPC.
316
“O envolvimento de Ruanda em Ituri, seja diretamente seja através de RCD-Goma, aumentou a
complexidade do conflito, bem como os riscos de ele continuar e se expandir. Ruanda e Uganda, inimigos
nos últimos três anos, acusaram-se mutuamente de preparar ataques no leste da RDC. O governo de
Uganda acusou Ruanda de apoiar grupos armados hostis a ela, incluindo o Lord’s Resistance Army (LRA)
e de treinar outros dissidentes, como o People’s Redemption Army (PRA). O governo de Ruanda, por sua
vez afirmou que Uganda estava ajudando rebeldes ruandeses e a milícia Interahamwe envolvidos no
genocídio de 1994, assistência que eles viam como uma ‘ameaça direta de segurança’ para Ruanda”.
(HRW, 2003:11. Tradução minha).
317
Em abril, conflagrações entre rebeldes deixaram 1.000 pessoas mortas em Drodro, a aproximadamente
60 km de Bunia.
178
No mês seguinte (dia 12 de junho), a União Europeia decidiu enviar uma
missão de estabelecimento de paz com mandato da ONU restrito para as
fronteiras citadinas de Bunia (Operação Artemis). A força de 1.800 homens
(IEMF- Interim Emergency Multinational Force), com liderança francesa, já
estava estabelecida e possuía de 900 a 1.400 tropas francesas, engenheiros
militares e aviões de transporte do Reino Unido, e contribuições da África do Sul
e do Brasil. Nesse momento, as tropas da UPDF se retiravam, deixando, contudo,
parte de sua artilharia para milícias proxies Lendu. Ainda em junho, as últimas
tropas do 53º batalhão da UPDF retornaram a Uganda, enquanto este país
reforçava suas guarnições na fronteira, sem, contudo, estabelecer mais tropas no
Congo. Em julho, a força de paz da EU parecia conseguir lentamente desarmar as
milícias.318 Entretanto, esta era apenas uma falsa impressão. Os conflitos de Ituri
continuaram presentes no Estado de Violência.

Conclusão do Capítulo 5
Estrutura e indivíduo, sistema e agente novamente afetaram as
características da guerra na RDC e as consequências que esta teria para as
estruturas do Estado.
No que tange ao sistema, a rivalidade e a competição entre Estados
africanos alcançaram níveis praticamente inéditos no período pós-Guerra Fria,
quando o sistema de patronagem extrarregional foi reduzido a proporções
limitadas. Apesar da preponderância gradualmente adquirida pelas Nações
Unidas e por Organizações Regionais como substitutos do antigo modelo – estes
apresentavam diferenças qualitativas (capacidade de coação reduzida) em relação
às antigas forças protetoras da ordem internacional. Como resultado, os países
africanos adquiriram maior liberdade e espaço de manobra para traçar suas
próprias políticas – as quais poderiam ou não ter a aderência das grandes
potências.
Essa importante mudança nas estruturas pode ser empiricamente
observada no perfil das ameaças da Segunda Guerra do Congo. Embora a guerra
mantivesse as tradicionais relações proxies que buscavam legitimar as pretensões
políticas e as operações militares dos grupos agressores e defensores, a presença
majoritária de forças armadas nacionais de um grande número de países
africanos trouxe à tona o peso da disputa interestatal na região. Por outro lado,
exatamente pelo fato de esta disputa envolver até mesmo o destino do equilíbrio
regional é que tropas vizinhas foram ao auxílio do frágil Estado Laurent Kabila –
atuando no papel de forças principais durante a conflagração.
No âmbito do indivíduo, Laurent Kabila buscava a vitória militar, mas
era centralmente dependente das forças amigas e preocupava-se muito pouco
com o fortalecimento de seu próprio exército. Além disso, intensificou a

318
Como parte do estabelecido em mandato, 1 de setembro de 2003, as forças da UE entregaram Bunia
para o MONUC, que, 15 dias depois, expandia suas operações de desmobilização e desarmamento em
Ituri, aumentando suas forças e revisando regras de engajamento. Tais operações não eram realizadas sem
enfrentar resistências locais, como as de novembro de 2003, quando tropas da ONU se envolveram em
troca de tiros com o PUSIC.
179
pilhagem dos recursos naturais de seu país, distribuindo-os entre os aliados na
guerra – enquanto políticas de construção de uma economia nacional e de redes
de infraestrutura que dessem suporte para o esforço de guerra ficaram para o
segundo plano. Essas opções, bem como o pano de fundo estrutural que as
condicionava, importaram centralmente para o resultado que a guerra teria na
configuração do Estado de Violência.

180
CAPÍTULO 6
O Estado em Joseph Kabila (2003-....):
O Estado de Violência

O Estado congolês herdeiro da Segunda Guerra do Congo foi


diretamente condicionado pelas características particulares deste conflito. A
dependência das forças armadas estrangeiras durante a guerra contribuiu,
novamente, para a incapacidade do Estado em prover segurança externa para
seus cidadãos. Além disso, o regime de Joseph Kabila se diferenciou do perfil de
governos anteriores. Isso porque foi incapaz de cumprir sua tarefa coercitiva
interna – a qual, pode-se dizer, foi a única tarefa que historicamente o Estado do
Congo foi relativamente capaz de realizar. Uma das principais causas dessa
realidade é a completa inexistência do que se pode chamar de um exército
nacional. Fato que, por sua vez, tem suas origens remotas no movimento de
enfraquecimento das forças nacionais por parte de Mobutu, e, mais recentemente,
no processo de integração automática de ex-combatentes nas forças de segurança
estatais. Além disso, a esfera extrativa do Estado manteve e intensificou a sua
dependência frente a recursos naturais e capitais externos. Como consequência,
permaneceram reduzidos os incentivos à construção de uma rede de
infraestrutura nacional, o que, por sua vez, prejudica a própria pacificação e
inclusão de zonas dispersas do leste do país. Por fim, a ausência de uma
economia nacional, fundamental para o surgimento de uma classe média
(burguesia) que traga a necessidade de barganha entre o Estado e a sociedade,
não cria necessidades práticas para aquele distribuir direitos e garantias (sociais,
civis e políticos) reais à população.
O capítulo 6 ainda analisa os atuais esforços para a superação das graves
deficiências do Estado congolês no que diz respeito à esfera prioritária de
qualquer Estado, a coercitiva. Trata-se de analisar o perfil dos atuais programas
de Reforma do Setor de Segurança do país, prospectando quais são suas
deficiências e por que ainda não conseguiram criar forças armadas e policiais
eficazes e eficientes, coesas e responsivas. Por fim, faz-se uma breve descrição
das relações bilaterais Brasil-Congo e prospecta-se como o nosso país poderia
contribuir para a grave situação congolesa, no eixo de sua crescente e pujante
política externa africana.

6.1 A Esfera Coercitiva


A esfera coercitiva do Estado congolês após a Segunda Guerra do Congo
manteve o padrão histórico de insuficiência. Desde o fim dos conflitos, incursões
de Ruanda e Uganda ao território da RDC foram frequentes e só tiveram freio
com a declaração de Angola, em agosto de 2006, de que 30.000 tropas estavam
preparadas na província angolana de Cabinda para serem utilizadas contra
qualquer invasão Ruandesa (STRAFOR, 2006). Todavia, além da tradicional
incapacidade coercitiva externa, a esfera coercitiva interna foi prejudicada pela
inclusão de grupos beligerantes nas instituições de transição e a continuidade das
operações de grupos insurgentes dentro do país. Além disso, esses grupos
181
armados continuam valendo-se, em geral, de um sistema bem estruturado de
exploração de enclaves mineradores como forma de financiar suas operações
militares. Como fator agravante as forças de segurança são mal treinadas mesmo
com esforços empreendidos para a sua reforma.

A coerção interna e externa


No que tange à coerção interna, apesar de a Segunda Guerra do Congo
ser considerada, em parte, uma guerra civil, a recorrente especialização das
forças de segurança com relação à repressão interna não ocorreu.
Com relação aos grupos internos nacionais, em um primeiro momento
(após o cessar fogo de 2003), houve a continuidade do conflito na região de Ituri
envolvendo, mormente, etnias Lendu (FNI - Front des Nationalistes et
Integrationnistes) e Hema (UPC - Union des Patriotes Congolais), enquanto
forças Mai Mai continuavam a lutar contra grupos de origem ruandesa
(principalmente os Banyamulenge) – o que contribuiu para uma grave crise na
região de Kivu logo após o fim da guerra. Já, em um segundo período (após
2007), o grupo CNDP (Congrès National pour la Défense du Peuple) foi o foco
das atenções.
Atualmente, há novas ameaças surgidas com os conflitos armados por
direitos à agricultura e à pesca entre etnias Enyelle e Munzaya (desde o final de
2009)319, a criação da Aliança para Salvaguarda dos Acordos de Paz de Goma
(início de 2010)320 e o surgimento do grupo M23, que traz consigo ameaças de
renovação do conflito regional.
No que concerne aos grupos internos estrangeiros, os principais
rebeldes armados, operantes desde a Segunda Guerra, são os Hutu da milícia
Interahamwe e ex-FAR organizados sobre a forma das FDLR (Forces
Démocratiques de la Libération du Rwanda). O segundo principal grupo de
guerrilheiros estrangeiros que atua na RDC é o LRA (Lord's Resistance Army) -
que opera no nordeste do país e tem como alvo central o governo de Museveni
em Uganda (HRW, 2009c).

Os principais grupos beligerantes do Estado de Violência


Os principais grupos beligerantes do Estado de Violência são o CNDP,
as FDLR, o LRA e, atualmente, o M23. Importa fazermos uma breve descrição
sobre suas origens e características.
O CNDP foi lançado em dezembro de 2006 pelo General Tutsi Laurent
Nkunda, ex-oficial do RCD-Goma, que, após ter sido incorporado ao exército
congolês no governo transnacional de 2003 (como Coronel e, depois, General),

319
Em 2009, nos confrontos entre os dois grupos, houve 270 mortos e mais de 100.000 pessoas foram
deslocadas. Os conflitos na região de Mbandaka (capital da província de Équateur) se repetiram em 4 de
abril de 2010, quando o grupo Enyele se insurgiu, isolando o aeroporto da cidade. Dois soldados das
forças do MONUC morreram ao tentarem auxiliar na liberação do aeroporto. Durante todo o de 2010, nem
medicamentos, nem alimentos tinham acesso garantido à cidade (IRIN, 2010; RFI, 2010a).
320
A Aliança para a Salvaguarda dos Acordos de Paz de Goma reúne 17 grupos armados, dentre eles o
CNDP e forças Mai Mai. Estes grupos ameaçam a voltar à guerra se o governo não respeitar de uma vez
por todas o cessar-fogo de março 2009, que desmobilizou os grupos armados, inclusive o CNDP. O
governo diz que as manifestações são insignificantes e que o acordo funciona bem (RFI, 2010b).
182
rejeitou sua autoridade e formou um novo grupo rebelde com antigos aliados
Tutsi para atuar contra grupos armados Hutu (sobretudo as FDLR), recebendo
amparo de Ruanda. A aliança foi sempre autodeclarada um partido político,
apesar de as ações militares terem sido sua atividade principal. Seus objetivos
misturavam demandas políticas (anticorrupção), sociais (emprego) e interesses
pessoais de Nkunda (fim das acusações por crimes de guerra em Kisangani) com
a causa de Tutsi descontentes. Este grupo era a sua base de arregimentação, além
de Hutu Banyarwanda de Masisi e membros de outras tribos guerreiras
desmobilizadas pelo MONUC – como grupos Mai Mai Mundundu 40. O CNDP
era ainda fortalecido pela presença de Tutsi de Ruanda e Burundi no território
congolês, que se mobilizavam por promessas de emprego e inclusão social. Após
obter o controle de partes importantes do território dos Kivus, o grupo foi
desmobilizado em março de 2009, como se verá a seguir.
São discrepantes as fontes, mas pode-se afirmar que, em fins de 2008,
possuíam entre 6.000 e 12.000 homens (a maior parte estabelecida na região de
Walikale-Rutshuru; e o restante em outras localidades de Nord Kivu e em Sud
Kivu), muitos deles recrutados em Ruanda (PRUNIER, 2009). Sua estrutura
estava dividida em cinco brigadas, com sede em Bwiza e forças estabelecidas ao
redor de Kitchanga (entre Masisi e Rutshuru) indo até Bunagana, na fronteira
com Uganda.
Seu armamento era conseguido por duas formas. A primeira era a coleta
de armas abandonadas pelas FARDC durante combates e a transferência de
armas para as tropas de Nkunda durante o processo de integração nas Forças
Armadas. A segunda maneira era através de redes de contrabando internas e
regionais que traziam armamentos ilegais ao leste congolês via áreas fronteiriças
de Bunagana e Runyoni.
O recrutamento de suas forças era realizado através das fronteiras. Em
julho de 2007, Nkunda recrutava amplamente em campos de refugiados no norte
de Ruanda (inclusive de crianças), com o auxílio principal da Association des
jeunes réfugiés congolais.321 O suporte financeiro de suas operações era
conseguido mediante contribuições voluntárias – de cidadãos de Nord Kivu e
membros da comunidade de negócios da região – e compulsórias, taxando
comerciantes que passavam em estradas e alfândegas controladas pelo grupo.322
As FDLR compõem um movimento político-militar criado como
sucessor da ALiR, em 30 de setembro de 2000, apesar de aparecer publicamente
somente em setembro de 2001 (ICG, 2005). Tratou-se de uma união das forças
Hutu de Kinshasa e Kivu (ICG, 2003a). Seus membros estavam baseados

321
De acordo com o Grupo de Especialistas da ONU sobre o Congo (GoE), o CNDP utilizou
extensivamente crianças como soldados e a Association des jeunes réfugiés congolais tinha o papel de
recrutar essas crianças em campos de refugiados localizados na RDC e em Ruanda. Em 2007, o CNDP
intensificou os esforços no recrutamento de crianças, sequestrando um grande número de garotos ao redor
de escolas e de campos de refugiados. Essas crianças treinavam durante um mês em Itebero e Bwiza sob
condições cruéis (S/2008/43, 2008).
322
No que diz respeito às suas ligações com outros grupos, o movimento de Nkunda incorporou elementos
do MRC de Ituri, do grupo Mai Mai Mundundu 40 e de uma milícia Mai Mai de Walungu, Sud Kivu.
Outro grupo parceiro do CNDP foi o “Grupo Moramvia” (posteriormente Forces republicaines
fédéralistes) de Minembwe, Sud Kivu.
183
inicialmente em Kamina (Katanga), onde somavam aproximadamente 3.000
homens treinados por zimbabuanos, que apesar de configurarem um exército
convencional amplamente armado, ainda não haviam travado batalhas.323
A milícia de maioria étnica Hutu baseia-se no leste congolês e seus
principais líderes participaram do genocídio de Ruanda em 1994. Seus objetivos
centrais são a derrubada do governo de Kagame em Ruanda e a promoção de
maior representação política aos Hutu, além de atuar contra Banyamulenge na
fronteira leste do Congo. A FDLR era aliada do governo da RDC até o acordo de
fins de 2008 entre J. Kabila e Kagame324. Este último se comprometeu em
prender Laurent Nkunda e cessar seu apoio ao CNDP em troca do apoio congolês
contra as FDLR (ICG, 2009; HRW, 2009a). Estimava-se que possuía, em fins de
2008, aproximadamente 6.000 combatentes, dos quais quase metade foi
desmobilizada com operações de contrainsurgência durante 2009. Todavia, ainda
controlam áreas importantes em Nord e Sud Kivu - inclusive áreas de
mineração.325
Seu braço armado é chamado Force Combattante Abacunguzi (FOCA) -
a última palavra significa "libertadores" em Kynarwanda. Até 2009, antes das
grandes operações de contrainsurgência lideradas pelo governo de Kabila, as
FDLR-FOCA estavam organizadas em duas divisões (uma em Nord e outra em
Sud Kivu) e suas estruturas de comando eram baseadas em Ngando (região de
Mwenga, Sud Kivu), Kibua (região de Walikale, Nord Kivu) e Kalonge (região
de Walikale, Nord Kivu). Possuem um sistema de rotação, em que os milicianos
se revezam em bases entre os dois Kivus (via a floresta Kahuzi) bianualmente ou
quando as operações militares exigem (S/2008/43, 2008). Os principais
armamentos usados pelo grupo são AK-47 velhos, granadas de mão, granadas
propelidas por foguete, morteiros de 60/81/120 mm e metralhadoras automáticas.
Adotam o recrutamento de crianças de 10 anos ou mais, sendo que as garotas são
em geral abusadas sexualmente.326 Os principais grupos relacionados às FDLR
são o PARECO327, os Rastas328 e o RUD-Urunana329.

323
Após a morte de Kabila em 2001 e com os avanços do DIC em 2002, as unidades desse grupo
começaram a mover-se de Kasai e Katanga para os Kivus, unindo forças com seus camaradas do leste
(ICG, 2003a:3).
324
Kinshasa sempre considerou a FDLR um proxy vital para o travamento da guerra nas portas de Ruanda.
325
Desde a prisão de seu presidente Ignace Murwanashyaka, na Alemanha, em 17 de novembro de 2009, o
comando militar do grupo está a cargo do Gen. Sylvester Mudacumura.
326
Até 2009, o governo congolês demonstrou certa tolerância para com o grupo (devido ao apoio
fornecido na Segunda Guerra do Congo e nos confrontos posteriores contra inimigos Tutsi), chegando a
apoiá-lo em operações contra o CNDP (ICG, 2009). A parceria com as FDLR em geral se concretizava
com o provimento de armas e dinheiro por parte de elementos das FARDC. Em fins de 2008, a crescente
necessidade de desmobilizar o CNDP - o que incluía bloquear o apoio de Ruanda recebido por este grupo -
fez com que Kabila se alinhasse ao país vizinho, comprometendo-se a desmobilizar as FDLR em troca da
cooperação de Kagame na supressão do CNDP.
327
PARECO – O Coalition des patriotes résistants congolais foi formado em 2007. É caracterizado como
a maior das milícias Mai Mai - juntando várias guerrilhas baseadas etnicamente, como Hutu, Hunde e
Nande. Aliado às FDLR na luta contra o CNDP, baseou-se em Kibua, próximo ao comando dos rebeldes
Hutu. Até a desmobilização de grande parte de suas tropas em 2009, era comandada por Sikuli Lafontaine
(em Bingi, Lubero). Muitos combatentes e comandantes foram integrados nas FARDC em 2009 – exceto
comandantes Hunde e Nande, para os quais não foram oferecidas posições de comando como as oferecidas
para seus parceiros Hutu. Esta cisão de etnias dentro do PARECO já ocorria anteriormente. Em abril de
2008, um grupo de maioria Hunde rompeu com o PARECO e formou a Alliance des patriotes pour un
184
Como se verá adiante, a sustentação econômica e militar do grupo é
possibilitada até hoje, sobretudo, por redes de contrabando de minerais (além de
drogas e armas) dentro e fora do Congo, viabilizadas pelo controle de depósitos
minerais em Nord e Sud Kivu (cassiterita, ouro e coltan). Além disso, o grupo
capitaliza suas ações mediante o bloqueio de estradas para taxar a população, a
taxação do comércio em áreas sob controle do grupo, o apoio de civis
simpatizantes e o roubo e a pilhagem em larga escala.
O LRA tem lutado contra o governo Ugandês desde 1987, buscando
implantar uma teocracia salvacionista cristã nesse país, recebendo o suporte do
Sudão. Por outro lado, Uganda intensificou gradualmente suas operações de
contrainsurgência – o que levou ao fim dos ataques do grupo em seu território em
2006. Essa situação incentiva o grupo a se deslocar entre os diversos países da
região (Uganda, RDC, Sudão e RCA) – realizando suas operações de ataques a
populações civis. Na RDC, o grupo rebelde ugandês chegou durante Segunda
Guerra do Congo, apoiado pelo Sudão, mas se fixou somente em 2005 com a sua
expulsão de Uganda. Estabeleceu bases na fronteira com o Sudão (Parque
Nacional Garamba).
As diversas tratativas de paz entre o seu líder Joseph Kony e Museveni
não conseguiram avançar nos últimos anos e forneceram tempo para o grupo se
organizar após operações de contrainsurgência. Estas foram expandidas em 2008
e se tornaram cada vez mais amplas, com a articulação conjunta dos principais
atores da região prejudicados pela atuação do grupo, Uganda, RDC, SLPM e
RCA.
O grupo utiliza operações de terror contra populações locais como sua
principal prática de guerra. Tem o intuito de destruir as bases sociais de apoio
aos regimes vigentes nos países onde atuam, por meio do impacto psicológico
nas comunidades locais. Além de atacar cruelmente populações civis, abduzem
mulheres e crianças para servirem de soldados ao seu movimento e utilizam o
estupro como arma de guerra. Exatamente por esse motivo, sabe-se que a base
popular do grupo é deveras reduzida. Se, nos anos 1980, o LRA possuía algum
suporte popular dos Acholi no norte de Uganda, suas operações, cada vez mais
violentas, fizeram com que o apoio declinasse. Estima-se que tenha entre 500 e
3.000 combatentes (HRW, 2009a; ISN, 2009), dentre os quais grande parte é
composta por crianças-soldado.
Por fim, o M23 é um grupo armado lançado formalmente em 6 de maio
de 2012. Reúne principalmente forças ex-CNDP que haviam sido integradas às
estruturas das FARDC desde 2009 e que se amotinaram em abril de 2012 em Sud

Congo libre et souverain (APCLS). Este grupo de 500 a 800 combatentes tem sua base em Lukweti e é
aliado às FARDC e se recusa ingressar nas FARDC sem a garantia de que permanecerão em seus
territórios de origem e que será reduzida a participação do CNDP no exército (HRW, 2009d).
328
Rastas – Possuía (até 2008) links operacionais com as FDLR e operava da floresta Mugabo em Sud
Kivu. Ficou conhecido por sua extrema violência e a utilização em grande escala do estupro como arma de
guerra e a adoção de garotas e mulheres como escravas sexuais.
329
RUD-Urunana – O Rally for Unity and Democracy-Urunana foi criado em 2004 a partir de uma cisão
nas FDLR e é formado por aproximadamente 400 combatentes baseados em Nord Kivu. Sua liderança
política é baseada nos EUA e na Europa (S/2008/43, 2008). Desde o início das operações de
contrainsurgência lideradas pelo governo congolês em 2009, o grupo se reuniu militarmente às FDLR.
185
Kivu e Nord Kivu. Após a derrota desses grupos devido a articulações políticas e
operações militares por parte das FARDC, no mês de abril, ambos se reuniram
no território de Rutshuru, agora sob o comando do Coronel Sultani Makenga.
Este comando é, pelo menos, formal - haja vista que alguns elementos do grupo
armado prestam obediência ao General Bosco Ntaganda.330 Há aqui uma clara
rivalidade interna no grupo, que se divide, pelo menos informalmente, na facção
de Ntaganda e na de Makenga. Este é fiel aliado de Nkunda – que fora preso em
2009 devido a articulações do primeiro (S/2012/348, 2012:22).
Sua região de atuação principal é os arredores de Goma, capital de Nord
Kivu, e o setor fronteiriço com Ruanda e Uganda. O grupo possui
aproximadamente 1.000 tropas e também reúne forças ex-PARECO, igualmente
integradas em 2009, e outros grupos armados locais de menor porte.331
O nome do movimento remete aos acordos de paz de 23 março de 2009,
que estabeleceu o cessar-fogo e a integração militar do CNDP e de grupos
aliados. De fato, as origens do grupo estão diretamente relacionadas com a
fragilidade do processo de integração do CNDP nas FADRC. Os motins tiveram
sua causa principal no avanço do governo Kabila em direção à dissolução da
perigosa estrutura paralela de forças ex-CNDP dentro do exército332, que
dominava grande parte das composições das FARDC no leste do país. Além
disso, gradualmente os grupos ex-CNDP das FARDC tornaram-se receosos de
que o governo Kabila acolheria as pressões do TPI e prenderia Ntaganda (ex-
líder do CNDP, agora em posição de comando do exército congolês). Ligado a
essa questão estava o fato de que, apesar do seu apoio à reeleição de Kabila nas
eleições de fins de 2011, candidatos políticos do CNDP tiveram seus votos
anulados pela Suprema Corte no concomitante processo de eleições legislativas,
devido a fraudes generalizadas.
O M23 clama pelo cumprimento dos Acordos de Paz de Março de 2009.
Isso significa que procuram, além de manter uma estrutura paralela de poder
dentro do exército no leste do país, obter cotas de participação na administração
pública. Trata-se de mais um dos efeitos nocivos do sistema de power-sharing.
Os rebeldes pegam em armas, pois acreditam – com base no precedente histórico
– que essa é a melhor forma de obter ganhos e espaço políticos. Assim, ignoram
o potencial retaliatório e coercitivo das FARDC, já que a força acaba por se
resumir a uma junção desses mesmos grupos enquanto mantém intactas as
estruturas de poder dos bandos integrados. Ademais, o M23 possui objetivos
semelhantes ao do CNDP, entre eles: proteger a população Banyamulenge, lutar

330
Algumas testemunhas afirmam que o grupo de Ntaganda possui posições paralelas no parque de
Runyoni, conquistadas com o apoio de forças Mandevu (S/2012/348, 2012:22).
331
Dentre os grupos armados de menor porte que apoiam o M23, pode-se citar o Nduma Defence for
Congo (NDC), com atuação em Walikale, onde possui controle de minérios; o Front de défense du Congo
(FDC), estabelecido na região de Kashebere; as Local defence forces (Busumba), que operavam ao norte
de Masisi e que deixaram a região em direção a Rutshuru; e o Mandevu, composto de desertores das
FDLR (S/2012/348, 2012:24-6).
332
As iniciativas tiveram início em setembro de 2010, mas foram intensificadas no início de 2012, com o
anúncio de reformas no exército e de redistribuições de tropas e a tentativa de arregimentar ex-lideranças
do CNDP para a causa das reformas (S/2012/348, 2012:16,18).
186
contra grupos Hutu (sobretudo as FDLR) e obter vantagens econômicas nos
Kivus.
Atualmente, detém posições em regiões próximas à cidade de Goma,
principal alvo militar do grupo333. Nesta área, o M23 faz campanhas regulares de
arregimentação voluntária e forçada da população local para a sua causa. Alguns
relatórios acusam a abdução de crianças e a destruição de aldeias inteiras na
busca de combatentes.334 Outros resultados nocivos à população local são vistos
no número de deslocados internos e refugiados. De acordo com o ACNUR, desde
abril de 2012, o conflito entre M23 e o exército congolês gerou mais de 220.000
deslocados internos e 54.000 refugiados para países vizinhos como Uganda e
Ruanda (OCHA, 2012). Outras fontes são mais pessimistas, contabilizando quase
500 mil deslocados (IRIN, 2011a; ALL AFRICA, 2012).335
A população de Nord Kivu também relata que há dificuldades em
distinguir o M23 das FARDC porque ambos usam o mesmo uniforme (IRIN,
2012b). Em termos de arsenal, agregam equipamentos das FARDC acumulados
desde fins de 2011 e, possivelmente, armas e munições vindos de Ruanda. Esse
ponto, que engloba também as formas de financiamento do grupo, é o mais
polêmico. O Grupo de Especialistas (GoE) da ONU acusa o governo de Kagame
de apoiar o M23 de forma significativa. Em relatório publicado em 13 de junho
de 2012, o GoE reconheceu uma ajuda direta de alto-comissários ruandeses ao
M23 – apoiando o com armas, munições, amparo médico, inteligência, lobby
político e recrutamento de combatentes. O anexo do relatório acusou oficiais de
alto escalão de apoiar política e financeiramente o M23 e o exército ruandês de
prover equipamentos e suprimentos ao grupo.336

333
Em termos táticos, o alvo primário do avanço do M23 para obter esses objetivos é a captura da cidade
de Goma, capital de Nord Kivu (ISS, 2012) - o que já havia sido tentado pelo próprio CNDP. Esse plano
traz preocupações ao governo de Kinshasa. A obtenção de Goma traria maiores fragilidades para o Estado
congolês e representariam, exceto talvez para os Banyamulenge, inúmeras ameaças para as populações
locais.
334
Os líderes do M23 são notórios agressores de populações locais congolesas, ambos Bosco Ntaganda e
Sultani Makenga estão envolvidos em massacres, estupros e utilização de crianças-soldado. O grupo é
acusado pela ONU de se utilizar de crianças-soldado nos seus quadros, acusações que são refutadas por
seus líderes (RFI, 2012). Todavia, algumas testemunhas têm presenciado um esforço do grupo em ampliar
o recrutamento - fazendo incursões em aldeias de Nord Kivu, próximas à Bunagana, como Rugari, em
busca de jovens e crianças. Estimativas da MONUSCO e de ONGs que atuam no local estipulam que o
grupo tenha aproximadamente entre 150 e 200 crianças de até 12 anos em seus quadros, entre outros civis
abduzidos (IRIN, 2012a).
335
O conflito armado também tem prejudicado os esforços de combate ao surto de cólera que atinge o leste
do Congo, devido às dificuldades que a população local passa a ter para acessar os centros de tratamento.
Houve aproximadamente 15.000 novos casos de cólera na região nos últimos meses (IRIN, 2012b) e há
temores de que a endemia se espalhe para países vizinhos. Uma das principais causas da doença está
relacionada com a infraestrutura deficitária da RDC (o acesso insuficiente à água potável).
336
O Ministro da Defesa ruandês James Kabarebe, o mesmo que comandou tropas ruandesas na Segunda
Guerra do Congo, teria papel central na organização dos rebeldes. Além dele, outros quatro oficiais do
exército ruandês são citados como responsáveis pelo apoio ao M23, entre eles, o Chefe do Estado-Maior,
Charles Kayonga, e o ex-chefe de inteligência militar, Jacques Nziza. Além disso, Laurent Nkunda, que
estaria supostamente preso em Gisenyi (oeste de Ruanda), já teria participado de várias reuniões do M23
(MACPHERSON, 2012).
187
As principais conflagrações do Estado de Violência
Cronologicamente, pode-se dividir em duas fases as conflagrações que
mantiveram e mantêm a RDC como um território marcado por conflitos armados
mesmo após 2003. A primeira fase, no imediato pós-cessar fogo, foi marcada por
pela crise de Kivu, a continuidade dos conflitos em Ituri e os levantes no
contexto eleitoral. A segunda, iniciada com o novo governo de J. Kabila em
2007, foi caracterizada pelas lutas contra o CNDP e a complexificação das
operações contra as FDLR e o LRA. Atualmente, pode-se incluir ainda a
emergência do M23.

Primeira Fase – A crise de Kivu, os conflitos de Ituri e as escaramuças nas


eleições
A crise de Kivu representou a continuidade e a complexificação dos
conflitos armados entre rebeldes ruandeses e Ruanda no território congolês.
Desde a negociação dos acordos de paz em 2002, a situação nos Kivus manteve-
se instável e longe de estar pacificada.
Em fevereiro de 2004, um então coronel Tutsi do exército congolês,
Jules Mutebutsi, foi destituído de seu cargo por recusar obedecer a seu superior
devido à percepção de que o governo congolês estaria perseguindo um ex-oficial
da RCD-G. Este foi o estopim para uma situação de quase motim em Bukavu.
Ademais, em finais de abril de 2004, tropas ruandesas se acumulavam na
fronteira com Burundi, enquanto a MONUC reportava a presença de 1.000
homens de Ruanda próximos a Buganga, em Sud Kivu. Por um lado, Kigali
acusava o governo congolês de complacência com os supostos 15.000 homens da
FDLR ainda presentes no país, enquanto a RDC argumentava que estava fazendo
sua parte no desarmamento e desmobilização dos rebeldes. Apesar das tentativas
de diálogo, mediadas por oficiais da ONU, conflagrações logo começaram em
Bukavu. O que iniciou com confrontos limitados entre soldados Banyamulenge
seguidores do Coronel Mutebutsi e soldados leais ao General Mbuza Mabe
(comandante da 10ª região militar das FARDC), tomou grandes proporções com
a chegada a Bukavu de 10.000 tropas do RCD-G. A situação também gerou uma
onda de violências interétnicas.337
Em fins de maio, a situação foi agravada com a entrada de Laurent
Nkunda nos confrontos, a partir do argumento de que estaria defendendo os
Banyamulenge.338 O ex-comandante do RDC-G trazia consigo aproximadamente
25.000 homens, os quais logo tomaram Bukavu devido à recusa de tropas
uruguaias da MONUC de defender a cidade – situação que gerou protestos em
Kinshasa, Kindu, Kisangani, Lubumbashi e Goma. Todavia, já em 4 de junho,
com a mediação da MONUC, Nkunda decidiu evacuar Bukavu e se direcionar
para Walikale e localidades próximas à fronteira com Ruanda. Não obstante, o

337
Ao passo que soldados de Mutebutsi matavam e estupravam em Bembe e Barenga, civis e soldados das
FARDC faziam o mesmo em Banyamulenge.
338
Nkunda é um Tutsi de Rutshuru (Nord Kivu) que lutou junto ao FPR na guerra civil ruandesa e que se
tonou um dos grandes comandantes do RCD-G. Esteve envolvido em massacre cometidos em Kisangani
(2002), o que foi utilizado de pretexto para não ter sido incorporado às FARDC, apesar de alguns de seus
camaradas como Gabriel Amisi (Tango Four) terem conseguido tal façanha.
188
governo congolês estabeleceu 20.000 homens no leste – o que causou apreensão
da APR.
Além da capacidade militar reduzida das FARDC, havia elementos
complicadores, tais como o ingresso de outros grupos nos confrontos (Mai Mai
Mudundu 40 e a milícia Bashi) em suporte dos Tutsi Banyamulenge e a
declaração por parte de Burundi de que centenas de FDLR haviam invadido seu
território e se direcionado para a floresta de Kibira. Foi a partir dessa infiltração
de elementos Hutu em Burundi que ocorreu o massacre de Gatumba (cidade do
noroeste de Burudi, próxima à fronteira com o Congo), em que aproximadamente
160 foram mortos em 13 de agosto de 2004 (HIIC, 2004:17). Tratava-se de uma
operação conjunta entre Mai Mai, FDLR e FNL. O massacre mexeu com os
nervos do campo Tutsi e levou ao reinício das hostilidades.339 No entanto, a
situação entrou em um dilema quando, em 25 de novembro, Ruanda anunciou
oficialmente a sua decisão de atravessar a fronteira e caçar as FDLR (o que, na
prática, já estava fazendo). Nesse momento, a África do Sul defendeu a
credibilidade do cessar-fogo por ela mediado e pressionou as tropas da MONUC
para atacarem as FDLR. Ademais, pressionou diretamente Kagame para
recuar.340 Finalmente, como marco final à crise, em fevereiro de 2005, Ruanda e
RDC assinaram um mecanismo de verificação conjunta (proposto em 2002), para
investigar e controlar o movimento de armas e combatentes através de suas
fronteiras.
No ano de 2005, a violência entrou em escala decrescente no leste do
país, devido ao bloqueio diplomático das ações de Ruanda no território congolês
e a desmobilização parcial do grupo de Nkunda.341 Outro avanço de 2005 foi o
fato de que os confrontos armados com as FDLR foram relativamente reduzidos.
Em 31 de março, as FDLR sinalizaram sua prontidão para se desarmar e retornar
a Ruanda. O governo de Kagame, pressionando para que a posição fosse
efetivamente adotada, declarou que não negociaria com os rebeldes antes que a
promessa fosse cumprida.342 Com a demora para o desarmamento, em agosto, os
governos de RDC, Uganda e Ruanda pressionaram o grupo e, em novembro,

339
Em 23 de agosto, o então vice-presidente do governo de transição e ex-líder do RCD-G suspendeu sua
participação no governo de Kinshasa e seguiu para o leste. Ademais, a própria cisão interna às FARDC
entre clivagens Banyarwanda/outros, Tutsi/Hutu e Mbuza/Mutebutsi trazia receios de que todo o processo
iniciado em Sun City estava desmoronando. Ao mesmo tempo em que militares congoleses recuperavam
posições (como a cidade de Minova), o exército ruandês invadia o país na procura de elementos das FDLR
em Rutshuru (com o auxílio de Nkunda), enquanto Burundi fechava suas fronteiras para a RDC e seu
exército ameaçava atacar o país (HIIC, 2004:17).
340
Além disso, atitudes como a retirada do General Rwibasira (cunhado de Mutebutsi) da 8ª região militar,
a redistribuição das tropas da MONUC para as cidades de Kanyabayonga e Lubero e o comprometimento
da Europa com o incremento das tropas da missão para 16.700 (S/RES/1565, 2004) auxiliaram na
estabilização relativa da situação.
341
Permaneceram confrontos entre grupos Mai Mai e ex-soldados do RCD-G sob comando de Laurent
Nkunda; e operações mais intensas de desmobilização de milícias Mai Mai e grupos Hutu Interahamwe
por parte das FARDC e da MONUC. Esta última intensificou, em junho de 2005, suas operações de
desarmamento compulsório (HIIC, 2005:28-29).
342
A partida estava prevista para 5 de maio, mas o prazo foi rompido devido à falta de um acordo sobre os
termos da repatriação. O governo de Kagame rejeitou a instalação de qualquer comitê internacional de
monitoramento ou a anistia para os genocidas ainda presentes no grupo rebelde. Por outro lado, a liderança
das FDLR admitiu que não conseguia controlar todas as suas milícias, como o Movimento Rasta, que
continuava com ataques (IISS, 2005:362).
189
tropas congolesas e da MONUC iniciaram operações de desarmamento
compulsório – as quais obtiveram resultados tímidos (no dia 9, 336 Hutu se
rendiam). Além das FDLR, facções da ALiR continuavam a realizar incursões no
território ruandês atacando populações civis (em geral Tutsi).
Em Ituri, a situação permaneceu violenta, porém com intensidade
reduzida. Desde a retirada das tropas da IEMF, a MONUC controlou a região
mediante o estabelecimento de 4.000 homens, o suporte aéreo na área e a adoção
efetiva de um mandato baseado no capítulo VII. Ademais, em 18 de fevereiro de
2004, a ONU iniciou um processo de desarmamento das facções beligerantes de
Ituri, com o objetivo de integrar membros dos grupos armados às FARDC ou
mesmo reintegrá-los à vida civil. Além disso, em 14 de maio, a partir do convite
de Joseph Kabila, líderes rebeldes da região assinaram um acordo de paz e
desarmamento. Apesar do peso dos esforços da MONUC e do governo congolês,
a região não esteve livre de conflagrações como as que ocorreram em 2004 (IISS,
2004; HIIC, 2004).343 Contudo, no início de 2005, as milícias estavam tão
enfraquecidas que foi possível a prisão de vários líderes e o avanço dos
programas de desarmamento que passaram a alcançar dezenas de milhares de
combatentes.344
Em 2005, a guerrilha ADF retomou suas operações no leste. A repressão
foi cumprida pela MONUC em cooperação com as FARDC, enquanto a UPDF
aguardava os rebeldes no outro lado da fronteira. Somente em dezembro de 2005,
foram mortos 86 combatentes da guerrilha. Outra ameaça vinda da região de Ituri
rompeu com o ciclo de guerras propriamente intraestatais, retornando ao padrão
proxy. Trata-se da tentativa de Uganda de manter sua influência na região
criando um novo grupo em julho de 2005, o Mouvement Révolutionnaire
Congolais (MRC) – principalmente devido ao ressurgimento da ADF e a
continuidade das operações do LRA.345
Também em 2005, começou em Ituri um problema que iria se prolongar
por anos, estando ainda não solucionado nos dias atuais. Trata-se da instalação
do LRA no território congolês. No início de 2005, um acordo entre o governo
Ugandês e o LRA não foi respeitado pelos rebeldes, os quais retomaram as armas
e os ataques a civis a partir de fevereiro.346 Em abril, o governo sudanês renovou
a permissão de 2001 às forças ugandesas de adentrarem seu território e perseguir
os rebeldes do LRA. Como resultado do avanço das UPDF, os rebeldes do LRA

343
Em 11 de fevereiro, tropas da ONU descobriram 12 corpos após a informação de um massacre.
Ademais, já em junho o armistício tratado pelo governo congolês foi efetivamente quebrado e as diferentes
milícias voltaram a se digladiar. Diversas guerrilhas como FNI, FRPI e FAPC estavam ainda sob controle
de Ruanda e Uganda e suas batalhas estiveram diretamente relacionadas com a crise de Kivu.
344
No que diz respeito ao conflito Hema-Lendu, o único ataque a alvos civis em 2005 ocorreu em 28 de
janeiro, quando elementos do FNI atacaram um vilarejo matando 15 pessoas. Ademais, o incidente mais
severo do ano ocorreu em março, quando tropas da MONUC buscavam por perpetradores de uma
emboscada que deixou 9 peacekeepers mortos. Como resultado, tropas da ONU mataram 50 guerrilheiros
nesta operação (HIIC, 2005: 22).
345
Em maio de 2006, o governo congolês pressionou Museveni para cessar o apoio ao MRC e as FARDC
estabeleceram uma ofensiva em Garamba, forçando Bosco Ntaganda (então, um dos líderes da UPC) a
negociar com autoridades congolesas.
346
Na verdade tratava-se do segundo cessar-fogo anunciado entre Uganda e LRA em menos de três meses.
O primeiro foi declarado em 14 de novembro de 2004 e logo abandonado. O segundo foi adotado em 4 de
fevereiro de 2005 e tem vida tão curta quanto o precedente.
190
adentraram o Congo e lá conseguiram permanecer, mesmo com as pressões
diplomáticas e militares das FARDC e da MONUC para que se retirassem (HIIC,
2005:30).
Por fim, em 2006, as principais batalhas em Ituri ocorreram entre
FARDC/MONUC e as várias milícias na região. Na tarefa de desarmamento, em
Bunia, as tropas da ONU enfrentaram resistência de elementos do FRPI e do
novo MRC; e em Tcheyi, do FNI. Outros milicianos menores recusavam entregar
suas armas e se mantinham leais a Mathieu Ngundjolo (MRC) e a Peter Karim
(FNI).347 Após ultimatos e o estabelecimento de mais tropas para perseguir as
milícias, em 13 de julho, a RDC assinou um acordo de paz com o FNI e, em 23
de julho, como o MRC (HIIC, 2006). Embora meses depois algumas milícias
estivessem se rearmando e voltando à luta, Thomas Lubanga (líder da UPC) foi
detido em agosto de 2005 e, em novembro, o líder do FRPI, Cobra Matata,
concordou em tomar parte de um acordo de DDR (Desarmamento,
Desmobilização e Reintegração de grupos nacionais).
Na região de Katanga, conflitos armados intraestatais ocorreram entre as
FARDC e grupos armados Mai Mai. O líder de um grupo Mai Mai, conhecido
como comandante Gédéon, aterrorizava a área de Dubie-Kato-Kilwa. Como as
tropas da MONUC estavam empregadas preferencialmente no leste e em Ituri, as
FARDC assumiram a repressão realizando massacres e causando destruição na
região.348
Houve também, no imediato pós-cessar-fogo, levantes no contexto
eleitoral. Os primeiros deles tiveram relação com o adiamento das eleições em
2005 e a declaração de Apollinaire Malu Malu (padre que chefiava a Comissão
Eleitoral) de que políticos do governo de transição estavam bloqueando a
realização de eleições e beneficiando-se com o status quo. A partir dessa
percepção, levantes antiadiamento se espalharam, matando 30 pessoas ao redor
do país na última semana de julho de 2005.
Os demais levantes foram diretamente relacionados com as eleições de
2006, apesar (i) da nova disposição das tropas da MONUC e de novos esforços
logísticos; (ii) da contribuição da União Europeia com 2.000 homens sob o
comando franco-germânico; e (iii) do estabelecimento de duas brigadas das FAs
Angolanas em pontos estratégicos da fronteira oeste congolesa. O resultado do
segundo turno das eleições presidenciais (29 de outubro de 2006), disputado
entre Joseph Kabila e Jean-Pierre Bemba, deu vitória para o primeiro. No
entanto, Bemba o rejeitou e começou um procedimento na justiça para anular as
eleições. Com a resposta negativa da Suprema Corte, a milícia particular de
Bemba invadiu e incendiou suas dependências, enquanto as forças policiais
desertavam. A tensão diminuiu quando Bemba decidiu obedecer ao ultimato
presidencial para que removesse suas tropas a Camp Maluko, fora da capital.349

347
No caso de Karim, este se integrou às FARDC em outubro, mas seus homens permaneceram em Ituri -
provavelmente como base de segurança para qualquer imprevisto.
348
Em 24 de fevereiro de 2004, 15.000 pessoas deixaram a província de Katanga após uma milícia Mai
Mai ter matado mais de 100 pessoas. Em 15 de outubro de 2004, pilhagens de grupos Mai Mai em
Katanga foram repulsadas pelo exército.
349
Entretanto, como Bemba cumpriu somente parte do acordo (evacuando apenas 100 das 1.200 tropas que
possuía), em 13 de novembro Kabila emitiu um decreto ordenando que as tropas pessoais dos quatro vice-
191
Apesar da intensidade destes e de outros conflitos armados relacionados
ao processo eleitoral, cumpre lembrar que nenhuma dessas conflagrações tinha a
capacidade de desequilibrar o país mais profundamente e a longo prazo. Por
outro lado, as conflagrações do leste “eram mais problemáticas porque
preexistiram à guerra, agravaram-se pela guerra, e não iriam acabar mesmo que a
guerra acabasse” (PRUNIER, 2009:320. Tradução minha). Exatamente por esses
motivos, é que elas permaneceram mesmo após tentativas apressadas de cessar-
fogo e pacificações temporárias.

Segunda Fase – As ofensivas contra Nkunda, FDLR, LRA e M23


Após a posse do presidente J. Kabila, agora democraticamente eleito, a
situação no leste do país deteriorou-se de forma mais dramática. Conflitos
armados intraestatais se agravaram, como aqueles em que grupos insurgentes
(i.e. CNDP, FDLR, LRA, grupos de Ituri e M23) desafiavam as FARDC e seus
aliados regionais. Adicionalmente, conflitos armados de caráter subestatal
(grupos guerrilheiros entre si) também ocorreram – em geral relacionados a
rivalidades intraestatais mais amplas.
No que tange aos conflitos armados intraestatais e subestatais que
envolveram o CNDP, cumpre informar que Laurent Nkunda se manteve
escondido após a tentativa de ocupar Bukavu em 2004. Em novembro de 2006,
rebelou-se novamente e atacou Goma buscando meios de barganha para alguma
negociação futura. Após perder quase trezentos homens para o batalhão
paquistanês da MONUC, concordou em colocar suas tropas no processo de
mixage350. A inconsistência desse mecanismo de integração permitiu que os
homens de Nkunda continuassem sua ofensiva contra as FDLR na região
setentrional de Nord Kivu (Walikale-Rutshuru), agora dentro do próprio exército.
Suas vitórias, repletas de massacres e abusos a civis, incentivaram Nkunda a
ampliar sua cruzada, criando em 30 dezembro de 2006 o Congrès National pour
la Défense du Peuple (CNDP).351
Na virada de 2006 para 2007, as batalhas chegaram à cidade de Jomba.
No decorrer do ano, as tropas do CNDP assumiram o controle dos territórios de
Masisi e Rutshuru em Nord Kivu. Houve durante o ano todo diversas tentativas
de diálogo entre RDC e CNDP, mediadas tanto por Ruanda quanto pela

presidentes fossem incluídas no exército nacional. Apenas Bemba permaneceu em silêncio, rejeitando
tacitamente o decreto. Assim, em 6 de março de 2007, o Chefe do Estado-Maior das FARDC, deu nove
dias para que Bemba retirasse seus homens de Kinshasa. Como as ordens foram novamente
desobedecidas, em 22 de março, as tropas da GSSP atacaram elementos da guarda pessoal de Bemba em
La Gombe (Kinshasa). Repulsadas, as tropas de Bemba seguiram para a praia de Nguila e ao aeroporto de
Ndolo, onde conseguiram reforços de ex-FAZ vindos de Brazzaville. A situação ficou preocupante para as
tropas do governo, tendo de apelar por uma intervenção de comandos treinados por Angola para estabilizar
a situação. Estes utilizaram artilharia leve, metralhadoras pesadas, morteiros e armas antitanque RPG-7.
Nos confrontos, 348 pessoas foram mortas. Como resultado Bemba abandonou seus homens, tomando
refugio na embaixada da África do Sul e, em 11 de abril, seguiu para Faro, Portugal.
350
Na mixage ex-rebeldes são colocados com outras tropas, mas suas unidades não são dissolvidas, apenas
justapostas. Na brasssage eles são efetivamente misturados e redistribuídos geograficamente.
351
O problema maior das ações do CNDP estava no fato de que reavivaram as FDLR, que retaliaram
ofensivas passando a atacar civis em larga escala – como no massacre de Kanyola (Sud Kivu) em 29 de
maio de 2007. Outras tensões generalizadas foram aquelas geradas pela reação de tribos anti-RCD-G como
Nande, Hunde e Nyanga – lutando contra Nkunda.
192
MONUC. Entretanto, 2007 se encerrou com a retomada das conflagrações,
enquanto o CNDP apresentava cisões internas.352
As diversas tentativas de acordo e cessar-fogo entre RDC e CNDP
durante 2008 envolveram inclusive uma conferência de paz e o estabelecimento
de um grupo de monitoramento, que também fracassaram. Em outubro, o CNDP
lançou sua maior ofensiva em direção à cidade de Goma. O grupo capturou uma
grande base das FARDC (Rumangabo) no dia 26 e em seguida chegou a apenas
15 km da capital de Nord Kivu. Apesar de um novo cessar-fogo de 29 de
outubro, a luta continuou, causando graves danos a civis.353 Com as evidências
cada vez mais fortes de que países vizinhos estavam envolvidos nos combates e o
decorrente medo de uma explosão do conflito, em 20 de novembro, o CSNU
autorizou o estabelecimento de mais 2.785 tropas para fortalecer a MONUC na
região, enquanto SADC e UE estudavam envio de missões para estabilizar a
situação.
Finalmente, o novo fracasso das tentativas de negociação com o CNDP,
desta vez ocorridas em Nairobi, em dezembro de 2008, incentivaram o
estabelecimento de um acordo entre RDC e Ruanda que estabelecia uma união de
forças para desmobilizar as FDLR e o CNDP, integrar as forças deste grupo as
FARDC e capturar Laurent Nkunda. Isso rompia com o apoio precedente de
Ruanda para o CNDP e de Congo para as FDLR. Com relação ao CNDP, a
evolução da situação deu-se de forma menos violenta. Em 5 de janeiro, o Chefe
do Estado-Maior do CNDP, Bosco Ntanganda (já procurado pelo TPI por crimes
cometidos pela UPC em Ituri), assinou um acordo de paz com o governo, que
resultou no anúncio do fim das hostilidades entre CNDP e RDC em 16 de
janeiro. Nkunda rejeitou o acordo, foi deposto da liderança do CNDP por
Ntaganda e acabou sendo preso em 22 de janeiro por autoridades ruandesas em
Rubavu, Ruanda – sendo mantido em prisão domiciliar a despeito dos pedidos
congoleses de extradição. Um novo acordo entre Ntaganda e RDC foi firmado
em 29 de janeiro prevendo a integração das tropas do CNDP às FARDC. Outros
acordos (em 22 de fevereiro e 23 de março), estabeleceram os termos da
integração e da transformação da guerrilha em partido político (anunciada em 5
de fevereiro e concretizada em 26 de abril de 2009) (HRW, 2009d:25).
Acerca das batalhas travadas pelas FDLR, importa reter, como visto
anteriormente, que a atuação do CNDP contribuiu para o ressurgimento do
grupo. No que diz respeito à cronologia, em janeiro de 2007, as FARDC
iniciaram uma operação para afastar a guerrilha das cidades e pressioná-la para
iniciar o processo de DDRRR. Todavia, em março as FDLR e o exército
congolês trocaram fogo em Burumba em Sud Kivu. O avanço rebelde continuou
no início de abril e em maio.
Em 2008, as operações das FARDC contra as FDLR se mantiveram até
o estabelecimento, em novembro, de uma aliança informal destes grupos contra o

352
Desde janeiro de 2007, facções internas ao CNDP começaram a lutar entre si devido a diferenças de
posturas no que concerne a integração.
353
Em novembro, grupos Mai Mai e milicianos das FDLR reforçaram as forças congolesas na luta contra o
CNDP, o qual passou a caçar mais fortemente Hutu ruandeses em Kiwanja (dia 6), Ngungu (dia 8) e
Kanyabayonga (dia 10). As lutas em geral transbordavam para o massacre de civis.
193
CNDP. Por um lado, Ruanda continuava acusando a RDC de colaborar com o
grupo; por outro, 8.000 rebeldes ruandeses foram repatriados entre 2001 e 2006.
Entretanto, após o não cumprimento de um acordo de desarmamento voluntário e
repatriação por parte do grupo (entre 15 e 30 por cento do grupo era composto
por congoleses que poderiam permanecer no país), em maio e abril as FARDC
iniciaram uma ofensiva contra os rebeldes. Como resultado, em agosto
aproximadamente 100 membros do grupo iniciaram o processo de integração nas
FARDC.
A reaproximação entre Congo e Ruanda em fins de 2008 resultou
também na intensificação do avanço contra as FDLR a partir do ano de 2009.
Como visto acima, em 5 de dezembro de 2008, na conclusão do terceiro encontro
da Comissão Bilateral estabelecida em outubro de 2008, os dois países assinaram
em Bunia um acordo para unir esforços contra as FDLR e o CNDP e também
concordaram com o restabelecimento total das relações bilaterais (S/2009/160,
2009). Em 20 de janeiro de 2009, tropas de Ruanda (FDR) atravessaram a
fronteira com a RDC para integrar a operação militar Umoja Wetu (“Nossa
União” em Kiswahili) de cinco semanas para neutralizar as FDLR em Nord
Kivu.354 A operação envolveu aproximadamente 4.000 FDR e 16.000 FARDC.355
As FDLR, por um lado, moveram-se a oeste em direção a localidades
remotas distantes da fronteira, por outro, enfrentaram diretamente as FARDC-
FDR a partir de 30 de janeiro nas áreas de Nyabiondo e Pinga e nos território de
Walikale e Masisi. A represália a populações locais de Nord Kivu foi outra
prática adotada em grande escala pela guerrilha, que até então mantivera uma
convivência relativamente pacífica com a comunidade local congolesa.356 Em
vias de retaliação, as próprias tropas congolesas foram responsáveis por
massacres e estupros coletivos a grupos ligados à etnia Hutu, como forma de
vingança à FDLR.357
As operações foram encerradas em 25 de fevereiro, com o retorno de
tropas de Ruanda. As conquistas da primeira operação foram limitadas, porém
significativas. Houve a expulsão de elementos das FDLR de suas principais
possessões em Rutshuru, Lubero e Masisi e o bloqueio de importantes fontes de
renda e taxação para a guerrilha. Ademais, obtiveram o retorno de 6.000
ruandeses para o território natal, mais do que todo o montante do ano de 2008.
Além disso, mais de 90 líderes das FDLR foram mortos e outros 140 capturados

354
As forças procederam ao longo de três eixos principais em Nord Kivu: Goma-Rutshuru-Ishasha,
Rutshuru-Tongo-Pinga e Sake-Masisi-Hombo (S/2009/160, 2009). A operação não se estendeu a Kivu Sul,
apesar de o grupo estar presente no território Mwenga e controlar a área, militar e economicamente. As
principais posições atacadas foram as de Kibua, Nyamilima, Nyabiondo, Pinga e Ntoto (ICG, 2009).
355
A participação da MONUC limitou-se à proteção de civis, ao auxílio no comando das operações (6
oficiais se juntaram à estrutura de comando e planejamento operacional em Goma), e ao apoio logístico às
FARDC.
356
As FDLR espalharam rapidamente matanças acompanhadas por estupros e incêndio de casas, escolas,
postos de saúde e outras estruturas civis (HRW, 2009d). Tratava-se de uma ordem punitiva por parte das
suas lideranças àqueles que supostamente colaboravam com as operações militares congo-ruandesas.
Faziam parte da prática de terror as cartas enviadas a vilarejos em Nord e Sud Kivu, adiantando que as
populações civis seriam punidas pelas ações militares conjuntas (HRW, 2009d:54).
357
A operação resultou em milhares de casos de estupro (7.500 nos nove primeiros meses de 2009),
centenas de vilarejos queimados e pelo menos 1.000 civis mortos (UN, 2010b).
194
(HIIC, 2009:35). Todavia, em março os rebeldes começaram a se reagrupar em
Nord Kivu, partindo para novos massacres de civis nos dois meses seguintes.

Mapa 7 – Representação da Operação Umoja Wetu em Nord Kivu (2009)

Autor: CASTELLANO, 2012

Como forma de resposta às agressões a civis, e para garantir as


conquistas e avançar ainda mais em direção às FDLR, Kabila anunciou em
seguida uma nova campanha militar. A Kimia II (Paz II) foi lançada em 2 de
março de 2009 e apoiada pela MONUC.358 Desta vez, a operação foi mais longa
(encerrou-se apenas em 31 de dezembro de 2009) e mais ampla (abarcou
territórios em Sud Kivu). Contou também com o amplo emprego de ex-tropas do
CNDP (agora integradas às FARDC), que perseguiam avidamente seus inimigos
das FDLR; e contou com Bosco Ntaganda, então procurado pela CPI, como
subcomandante das operações.
Ataques às FDLR foram intensos. As operações iniciais foram
estabelecidas em Lubero, Rutshuru (Parque Nacional Virunga) e Masisi (área de
Nyanzale). Até junho, batalhas entre FARDC e FDLR ocorreram no Parque
Nacional Virunga, em Kashebere e Luofo, com conquistas importantes das tropas
governamentais. Estas reocuparam e mantiveram o controle de áreas
conquistadas na ofensiva com Ruanda.359 O avanço se intensificou com a
expansão das campanhas para Sud Kivu em 12 de julho. As FARDC obtiveram
importantes sucessos, controlando grandes porções dos territórios de Kalehe,

358
Novamente o papel da MONUC foi a proteção de civis e o apoio logístico das FARDC. Todavia, nessa
operação a MONUC também procurou a neutralização das FDLR prevenindo a reocupação de posições e
cortando linhas de suprimento e de aquisição de recursos econômicos.
359
Adicionalmente, as FARDC conseguiram expulsar as FDLR de áreas de mineração em Walikale,
Lubero e Shabunda (S/2009/335, 2009) e dividi-las em pequenos grupos (S/2009/472, 2009).
195
Kabare e Shabunda – que haviam ficado durante anos sob o controle das FDLR
(S/2009/472, 2009).
Como resultado, houve a captura da base de comando da guerrilha, em
Kashindaba em 28 de julho.360 As operações de Kimia II conseguiram
desmantelar fortalezas das FDLR, neutralizar um número considerável de
guerrilheiros, embora continuassem operando em pequenos grupos na região (sua
força foi reduzida pela metade) e expulsá-los dos principais centros
populacionais (S/2010/164, 2010).361 Ademais, uma vitória importante foi
conquistada fora do campo de batalha, quando, em 17 de novembro, autoridades
alemãs capturaram, em nome do TPI, Ignace Murwanashyka (presidente da
guerrilha e supremo comandante militar) e Straton Musoni (vice-presidente da
guerrilha e presidente do alto comando) (HIIC, 2009:28).

Mapa 8 – Representação da Operação Kimia II em Nord Kivu (2009)

Autor: CASTELLANO, 2012

Todavia, as operações deixaram marcas profundas na população civil, a


qual sofreu com ataques de ambas as partes durante todo o ano. Entre janeiro e
setembro de 2009, as FDLR mataram pelo menos 701 civis362, enquanto as

360
Em 28 de julho, as FARDC conseguiram expulsar as FDLR de Kashindaba (RADIO OKAPI, 2009;
VIGILANCE RDC, 2009), seu principal QG em Sud Kivu. Em agosto, operações das FARDC desafiaram
as posses das FDLR em Walungu, Mwenga e Sange e ao redor de Uvira, além de limpar a presença da
guerrilha no Parque Nacional Kahuzi-Biega e nas áreas de Tchivanga e Ningja em Kabare.
361
Além disso, “como resultado das operações, o comando e controle, a logística e as estruturas
administrativas e políticas das FDLR foram rompidos em ambos os Kivus" (S/2009/472, 2009:2. Tradução
minha).
362
Retaliação de civis, incluindo matanças, incêndio de casas e vilas, estupros, pilhagens e sequestros
pautaram as práticas do grupo (HRW, 2009d) – o que demonstrava que a capacidade de a guerrilha
conduzir ataques a comunidades locais ficou intacta. Os principais ataques foram, em Nord Kivu, a
196
FARDC mataram 531 civis nas operações Kimia II - cometendo o massacre de
Likweti - que fez a MONUC cessar a cooperação com a 213ª Brigada no início
de novembro363. Outrossim, alguns comandantes das FARDC continuavam a
cooperar com as FDLR em Sud Kivu, além de elementos na Tanzânia
continuarem a fornecer armas e Uganda e Burundi facilitarem o recrutamento de
novos combatentes (HRW, 2009d:54; S/2010/252, 2010). As operações
capturaram aproximadamente 1.400 homens das FDLR, sendo parte repatriada e
parte integrada nas FARDC.

Mapa 9 – Representação da Operação Kimia II em Sud Kivu (2009)

Autor: CASTELLANO, 2012

Após o encerramento da Operação Kimia II em dezembro de 2009, em


janeiro de 2010 as FARDC e o MONUC iniciaram novas operações conjuntas
contra as FDLR, chamadas de Amani Leo. De fato, as operações Kimia II e
Amani Leo tornaram mais difícil a exploração de atividades econômicas pelas
FDLR, mas esta ainda ocorrem em áreas remotas Nord e Sud Kivu. Ademais, a
prisão de líderes do grupo na Europa exacerbou rivalidades interna e a
dissidência de algumas facções, como a do próprio RUD-Urunana, que já era

vilarejos de Luofu em Lubero e a vilarejos no sudeste de Walikale-Busunguri (S/2009/335, 2009), e em


Sud Kivu, nas regiões de Mwenga, Sange-Uvira e Hombo em julho. O pior ataque foi o cometido em 9-10
de maio no vilarejo de Busurungi, em Waloaluanda.
363
Os ataques a civis não foram prerrogativa dos grupos rebeldes nas operações de 2009. Tropas das
FARDC e FDR utilizaram esse expediente em larga escala. Em alguns casos, falharam em distinguir civis
dos combatentes; em outros, castigavam populações supostamente cúmplices dos grupos guerrilheiros.
Assim, entre janeiro e setembro de 2009, foram 732 casos de morte deliberada de civis por parte de
FARDC e FDR (HRW, 2009d), as principais delas ocorrendo na área entre Nyabiondo e Pinga. Cumpre
ressaltar que, como no caso das FDLR, as mortes eram acompanhadas de estupros de mulheres e garotas.
197
instável (S/2010/252, 2010:10).364 Todavia, o grupo armado é o mais
significativo ainda atuante na RDC. Integra ainda aproximadamente 5.000
homens, dispersos em Nord Kivu – sobretudo em Walikale, onde se aliaram ao
grupo Mai Mai Sheka – e em Sud Kivu, onde operam com as Forces
républicaines fédéralistes (FRF), as FNL365, PARECO e Mai Mai Yakutumba.
Os dois últimos haviam assinado os acordos de Março de 2009 com o CNDP e
integraram apenas parcialmente às FARDC, mantendo tropas e capacidade
operacional paralela (S/2010/252, 2010:11). Destacam-se as ações em Walikale,
onde, entre 30 de julho e 3 de agosto, 200 de suas tropas, junto a grupos Mai Mai
Sheka, realizaram o maior estupro em massa cometido na RDC, atacando mais
de 300 mulheres, homens e crianças. Outra questão significativa foi o
estabelecimento de tropas ruandesas na região de Walikale para realizar
operações de caça às FLDR entre setembro e outubro de 2010 (HIIC, 2010:30).
Finalmente, no início de 2012, novas ações contras as FDLR foram
estabelecidas pelas FARDC/MONUSCO (Amani Kamilifu) em Sud Kivu.
Todavia, os principais vieses para os rebeldes foram relacionados a conflitos
entre grupos internos e ao ataque de milícias de defesa local, incluindo o
assassinato de importantes lideranças rebeldes (S/2012/348, 2012:10).
No que tange ao LRA, as tratativas de paz, iniciadas em 2006 com o
governo de Uganda (Juba Peace Talks) e mediadas pelo governo do sul do
Sudão, falharam em última instância, fornecendo tempo para Kony se
reorganizar. Por outro lado, em 2007, o LRA barganhou a sua permanência nas
negociações de Juba e garantiu a permissão para mover seus guerrilheiros para
um ponto de reunião em Kwangba, na fronteira entre Sudão e RDC (HIIC, 2007).
Já, em 2008, foram apenas aparentes os progressos feitos para a desmobilização
do grupo. Se, em 31 de janeiro, as partes voltaram às tratativas de paz em Juba e,
em 19 de fevereiro, chegaram a um acordo (Agreement on Accountability and
Reconciliation), Joseph Kony não apareceu à cerimônia de assinatura, solicitando
que fossem levantados todos os mandatos de prisão contra a liderança do grupo.
Como agravante, em junho, as forças do LRA atacaram a base do SPLA em
Nabanga e Yamba (próximas à fronteira congolesa) e, em setembro,
incursionaram em Bitima, Bayote, Bangbi, Kiliwa, Nawenanga e Namibia no
distrito de Haut-Ulele (atual província de Orientale), abduzindo
aproximadamente 300 pessoas. Como resposta, membros da equipe de

364
Além de diversos outros líderes do grupo capturados entre 2009 e 2010, em outubro de 2010, Callixte
Mbarushimana, secretário executivo das FDLR, foi capturado por autoridades francesas. Todavia, as
acusações do TPI foram retiradas em dezembro de 2011 e o líder rebelde foi imediatamente solto.
365
Em 2010, houve no Burundi diversos confrontos entre as FNL de Agathon Rwasa e as forças
governistas e grupos aliados de Pierre Nkurunziza (CNDD-FDD) nas vésperas das eleições presidenciais –
as quais as FNL posteriormente boicotaram. Com o aumento das tensões Rwasa fugiu para a RDC em
julho temendo ser capturado e de lá passou a reestruturar uma facção exilada do movimento, armando-se
novamente e arregimentando grupos anteriormente integrados nas FAs de Burundi e elementos locais.
Atua em Sud Kivu, próximo à fronteira nas margens do rio Ruzizi, aliado a grupos rebeldes Hutu (Mai
Mai Yakutumba) e atacando populações burundianas e Banyamulenge – a despeito das repetidas ações de
contrainsurgência operada pelas FARDC contra grupo desde 2009. Estima-se que possua 700 tropas que
são apoiadas por grupos dentro das FARDC e das FAs burundianas, além de comprar armas na Tanzânia e
ser auxiliado forças políticas oposicionistas do Burundi.
198
negociação (incluindo representantes do Sudão e da RDC) lançaram o ultimato
da assinatura do acordo de paz para 30 de novembro.
Como isso não ocorreu, os últimos meses de 2008 ficaram marcados
pelo avanço das forças regionais contra o LRA. No que tange às operações,
importa citar a operação conjunta de RDC, Uganda e SPLA (Lighting Thunder)
acordada em 14 de dezembro de 2008 frente à recusa de Kony de assinar o
Acordo de Paz de Juba. A operação envolveu forças aéreas e terrestres no
nordeste congolês, sendo que o CSNU apoiou formalmente as operações e os
EUA ajudaram Uganda com recursos militares.366 A MONUC não entrou
formalmente na aliança, a não ser como provedor de suporte logístico às
FARDC, incluindo transporte aéreo e manutenção das tropas na região.
As operações conjuntas integraram 1.186 UPDF e 3.496 FARDC
estabelecidos em Haut-Uele (S/2009/160, 2009) e começaram com um
bombardeio aéreo na região do Parque Nacional de Garamba, que, apesar dos
imprevistos367, destruiu os campos do LRA e fez com que seus combatentes
dispersassem em diversos grupos.368 Todavia, o ataque surpresa não pegou Kony
desprevenido – conseguindo fugir e possibilitando a organização de novas
operações do LRA.369 Outras operações de larga escala foram realizadas no
Sudão (principalmente no estado de Western Equatoria, aqui com o auxílio
particular do SPLA) e posteriormente na RCA. Entretanto, grande parte das
operações foi revidada com pesados ataques a civis.370
A resposta principal do LRA à tentativa de repressão veio, em 25 e 26 de
dezembro de 2008, com o chamado "Massacre de Natal" (Christmas Massacre).
Este foi uma chacina de civis cometida principalmente no triângulo das cidades
de Doruma, Dungu e Faradje em Haut-Uele, além de Batande. Entre 400 e 700
pessoas foram mortas, outras tantas mutiladas e centenas de crianças abduzidas.
Além disso, estupros coletivos foram realizados em larga escala (S/2009/160,
2009; ALEXANDER, 2009; HRW, 2010).371 Os ataques só puderam ser
366
Os EUA, a partir do AFRICOM (Comando Africano), forneceram apoio substancial em planejamento,
logística e inteligência. De fato, as pressões dos EUA foram centrais para que o presidente Kabila viesse a
aceitar as operações militares de Uganda dentro de seu território.
367
O plano inicial era o bombardeio aéreo à base de Kony em Camp Kiswahili usando MiGs ugandeses em
articulação com um assalto terrestre da UPDF. Entretanto o mau tempo fez com que tivessem que apelar
para helicópteros mais lentos e barulhentos, reduzindo o elemento de surpresa. Ao mesmo tempo, as tropas
terrestres chegaram 72 horas atrasadas devido a problemas de transporte. Os atrasos fizeram com que as
operações não avançassem como o esperado – demorando a capturar as cidades principais ao redor de
Camp Kiswahili.
368
O principal domínio do LRA no Congo foi destruído junto a algumas bases, enquanto 149 rebeldes
foram mortos e cinco comandantes capturados.
369
Pode-se afirmar que, apesar dos avanços, as operações não possibilitaram a destruição da cadeia de
comando e controle do LRA nem a captura de seus líderes. Na ocasião, o LRA se dividiu em 7 a 10
grupos, cada qual com aproximadamente 100 homens, os quais se dispersaram para a RCA, o sul do Sudão
ou em direção ao sul da RDC.
370
Na RDC, entre 14 e 26 de dezembro de 2008, rebeldes do LRA deslocaram aproximadamente 30.000
pessoas na fronteira da RDC com o sul do Sudão. Em fins de 2008 e início de 2009 atacaram
aproximadamente 30 vilarejos nos distritos de Haut e Bas-Uele, matando aproximadamente 1.000 pessoas
e abduzindo aproximadamente 160 crianças (HRW, 2009c).
371
O LRA evitava atacar congoleses até o setembro de 2008, quando FARDC e MONUC empreenderam a
Operação Rudia para conter o LRA dentro do parque nacional Garamba. Entretanto, a partir desse mês o
grupo passou a revidar na população local, as tarefas de contrainsurgência das forças nacionais (HRW,
2009c).
199
realizados com tamanha coordenação devido a ordens de uma estrutura de
comando comum.372

Mapa 10 – Representação da Operação Lightning Thunder em Haut Uele (2009)

Autor: CASTELLANO, 2012

Por outro lado, a ofensiva regional gerou algum sucesso com a prisão de
importantes líderes da guerrilha.373 No entanto, se, em novembro, podia-se dizer
que restavam poucos guerrilheiros do LRA na RDC (a ONU relatava a presença
de apenas 100), na realidade a maior parte da guerrilha direcionou-se para a RCA
e Sudão (aproximadamente 350 combatentes) – agravando a situação no país
vizinho.
Ademais, apesar do acordo tácito entre os governos congolês e ugandês
de afirmar publicamente que o LRA não é mais uma ameaça séria no norte do
Congo, o grupo manteve a sua capacidade de operar no país (abduzindo crianças
e cometendo atrocidades contra populações civis) e continuou a ser perseguido
pelas FARDC e pela UPDF (as quais continuaram a realizar operações dentro do
Congo de forma encoberta e com a anuência de Kabila). Além disso, os
principais líderes do LRA - Joseph Kony, Okot Odhiambo e Dominic Ongwen –
continuam capazes de coordenar livremente as atividades do grupo.
No que tange aos conflitos armados de Ituri, a situação continuou
instável após as eleições de Laurent Kabila. Apesar das sucessivas negociações
para desmobilização dos grupos rebeldes em 2006, batalhas entre o exército e

372
Foi difícil para a coalizão prever os ataques do LRA, pois estes haviam se dispersado - o que implica
dificuldade para encontrá-los e para impedir qualquer ataque. Ademais, o LRA havia capturado, no início
de 2008, equipamentos militares das bases do SPLA no sul do Sudão – o que incluía sofisticados
equipamentos de comunicação e óculos de visão noturna.
373
Apesar de a operação Lighting Thunder ter falhado em capturar Kony, possibilitou a captura na RDC de
Okot Odhiambo (segundo no comando) em 28 de janeiro de 2009; de Thomas Kwoyelo, em 5 de março; e
de Charles Arop, em 5 de novembro. Diversos outros comandantes foram capturados ou mortos, enquanto
100 crianças foram libertadas.
200
milícias logo reiniciaram no ano seguinte – o que não impediu que houvesse
avanços importantes.374 Já, em 2008, finalmente passaram a serem sentidos os
efeitos dos acordos sobre anistia e integração de 2006. Na prática, possibilitaram
a abertura de espaços para a entrada de ajuda humanitária na região. Contudo,
durante todo o ano a situação continuou instável.375 Como resposta, o governo
estabeleceu reforços em Ituri. Por outro lado, em 7 de fevereiro, Mathieu
Ngujolo (líder do FNI) foi entregue à CPI, somando, até então, junto a Thomas
Lubanga (UPC) e Germain Katanga (FPRI), três líderes capturados pela corte.
No que tange ao grupo rebelde islâmico ADF, em meados de 2008,
iniciaram-se tratativas de paz entre seus líderes, Jamil Mukulu e Yusuff
Kabanda, e o governo ugandês. Todavia, as negociações não tiveram resultado
prático. Não obstante as operações de FARDC/MONUSCO, o grupo continua
ativo na fronteira de Nord Kivu e Ituri, atacando e recrutando civis e possuindo
vínculos com o grupo terrorista somaliano Al-Shabaab (S/2012/348, 2012:7).
Cumpre adicionar que a atuação de grupos armados Mai Mai no leste do
país agregou complexificação para os conflitos armados durante todo o período.
Apesar de sua heterogeneidade, é possível afirmar que, em geral, atuavam contra
outros grupos armados não estatais (conflitos subestatais). Dividiram-se, em
grupos apoiadores da causa do CNDP e facções que auxiliavam a atuação das
FDLR. Após os acordos entre FARDC e CNDP, diversos grupos Mai Mai
mantiveram sua heterogeneidade e ainda a agravaram nos anos seguintes. Uma
parcela do grupo integrou-se às FARDC junto ao CNDP376, outra parte rejeitou a

374
Quanto ao FNI, as lutas se reiniciaram mesmo com o acordo entre o governo e Peter Karim, apontado
como coronel das FARDC. Por outro lado, Thomas Lubanga (líder da UPC) e Germain Katanga (oficial
do FRPI) haviam sido capturados pela CPI. Ademais, em maio de 2007, aproximadamente 200 homens do
FNI integraram o processo de DDR. Outros grupos, como FRPI e MRC foram mais relutantes. Contudo,
em agosto 3.500 integrantes de FNI, FRPI e MRC entregaram suas armas. Ademais, mesmo com alguns
retrocessos em outubro (conflagrações entre FARDC e FNI), em 6 de novembro Karim e Matthieu
Ngudjolo (líder do MRC), junto com 14 grupos rebeldes minoritários, seguiram para Kinshasa para
integrar às FARDC.
375
Em janeiro de 2008, os 2.000 homens do FPRI atacaram as FARDC e mataram dois soldados; em
fevereiro, as batalhas se repetiram ao sul de Bunia. Posteriormente, em fins de setembro e meados de
outubro, a FPRI e o grupo chamado Popular Front for Justice in Congo (FPJC), realizaram ataques às
FARDC e a vilarejos de Ituri. Em 30 de setembro, o FPRI emboscou um comboio da MONUC; em 7 de
outubro, 13 combatentes morreram em combates entre FARDC e FPJC; e, em 8 de outubro, milicianos das
FPJC incursionaram em Kombokabo, um vilarejo próximo a Bunia.
376
Cumpre relatar o caso do grupo PARECO (Coalition of Congolese Resistant Patriots). Assim como
grande parte grupos Mai Mai, este permaneceu operando contra o CNDP, colaborando informalmente com
as FDLR. Entretanto, após a pacificação do CNDP e o anúncio de sua integração, em 17 de janeiro de
2009, o PARECO anunciou sua integração nas FARDC, efetivada em março (5.000 homens ingressaram
no exército); e, em 6 de fevereiro, declarou que se transformaria em partido político. Adicionalmente, em
18 de abril, outros dezoito grupos Mai Mai assinaram um acordo de paz com a RDC.
201
integração e aliou-se, ou manteve a aliança, às FDLR377 e uma terceira atuou
contra as FDLR de maneira mais autônoma378.
Finalmente, em relação ao M23, pode-se dizer que a ascensão do grupo
trouxe instabilidades significativas para o leste do país. Os ânimos esquentaram
com o avanço das iniciativas do governo de J. Kabila para estabelecer reformas
nas estruturas militares. O presidente procurava arregimentar à sua causa ex-
líderes do CNDP (agora integrados às FARDC) que estavam mais propensos à
política de desestruturação de cadeias de comando paralelas no exército. Como
resposta, em Nord Kivu, em março de 2012, o General Bosco Ntaganda ameaçou
os oficiais que sinalizavam apoio às iniciativas do governo e ordenou que os
emblemas da operação Amani Leo fossem retirados dos veículos dos oficiais a
ele subordinados. Além disso, temeroso pela sua prisão iminente (decorrente do
mandato emitido pelo TPI), Ntaganda ordenou a proteção de 200 soldados à sua
residência e, em 7 de abril, direcionou-se para seus ranchos em Masisi. A atitude
foi acompanhada por um motim e deserções nas FARDC, tanto em Nord como
em Sud Kivu.
Em Sud Kivu, o motim foi organizado em março de 2012 por oficiais
que não apoiaram as iniciativas do governo e que temiam a traição daqueles que
o fizeram. Os motins se iniciaram em 1 de abril em Uvira e as tropas seguiram
para Mwenga em 4 de abril. Somavam aproximadamente 130 homens,
carregando armas obtidas nos regimentos das FARDC. Todavia, a sua trajetória
em direção à cidade de Bukavu, onde encontrariam o Coronel Makenga, foi
impedida pelas FARDC. Grande parte dos rebeldes se rendeu, como sugestão do
próprio Cel. Makenga, que vislumbrava impunidade (como de costume) e o seu
retorno às posições de comando. Relatórios das FARDC afirmam que houve, ao
todo, a captura de 369 soldados que integraram os motins em Sud Kivu, os quais
foram presos ou transferidos para Kananga. Outros grupos de Sud Kivu
conseguiram escapar do bloqueio das FARDC e seguiram para Masisi, em Nord
Kivu, ao encontro do Gal. Ntaganda.
Em 9 de abril, o presidente Kabila e o Alto-Comando das FARDC foram
aos Kivus anunciar o fim das Operações Amani Leo e o estabelecimento de
oficiais ex-CNDP aliados para substituir os insurretos nas estruturas de exército.
Com a possibilidade também anunciada de absolvição e transferência dos
insurgentes para Kananga, quase 700 soldados e oficiais do importante 811º
regimento de Nord Kivu (possuía 65% das tropas ex-CNDP) renderam-se e
foram transferidos. Nesta província, militares ex-CNDP e ex-PARECO se
amotinaram em diversas bases militares, como em Rutshuru, Nyamilima e
Masisi, e se reuniram nos arredores das colinas de Masisi com aproximadamente

377
Alguns grupos desistiram da ou rejeitaram a integração às FARDC e passaram a lutar lado a lado com a
FDLR contra as forças nacionais. Foi o caso da facção do grupo PARECO liderada pelo Coronel Sikuli
Lafontaine, dos Mai Mai Kifwafwa, e de uma milícia Mai Mai Hunde chamada Alliance of Patriots for a
Free and Sovereign Congo (APCLS). Em 18 e 19 de maio de 2009, parte dessas guerrilhas atacaram um
campo das FARDC e uma estação de polícias em Nord Kivu, revidando supostos ataques à população
Hunde de Lukweti (Nord Kivu) cometidos por ex-CNDP integrados às FARDC no âmbito da operação
Kimia II.
378
Facções Mai Mai atuavam mais autonomamente contra as FDLR, como em meados de setembro de
2009, quando grupos Mai Mai atacaram em Sud Kivu deixando onze mortos.
202
1000 homens (S/2012/348, 2012:18). Nesta localidade, os amotinados
encontraram Ntaganda, iniciando a escalada dos conflitos. Ntaganda e alguns de
seus principais oficiais aliados reconstruíram suas posições, organizaram suas
tropas e passaram a buscar capturar territórios anteriormente ocupados pelo
CNDP, nomeadamente, em Mushaki, Karuba, Kilolirwe, Kitchanga and Bwiza
(S/2012/348, 2012:23). Uma campanha de recrutamento intensivo também se
iniciou nesse momento. Baseava-se na captação de ex-CNDP atuantes nas forças
policiais, na busca forçada de quadros em aldeias locais e na aliança com outros
grupos armados atuantes na região.
Em 24 de abril, o grupo iniciou ataques às FARDC, que, na ocasião,
procurava bloquear a chegada aos rebeldes de reforços amotinados em Sud Kivu.
Os combates em Masisi acirraram os confrontos e colocaram em lados opostos
forças ex-CNDP, parte compondo o grupo de insurretos e parte representando as
FARDC. Em 29 de abril, as tropas nacionais foram atacadas concomitantemente
em Mushaki (sul de Masisi) e Muhongozi (norte de Masisi). Além disso, as
forças rebeldes quase obtiveram Sake, a 25 km de Goma. Contudo, nos primeiros
dias de maio, o avanço sofreu retaliações das FARDC, que foram fortalecidas
com unidades especiais de Katanga e Maniema (estabelecidas em abril para a
proteção das capitais Goma e Bukavu) e de tropas reestabelecidas em Rutshuru,
Lubero e Sid Kivu. Em 4 de maio, as forças deslocaram os rebeldes para o
Parque Nacional Virunga – da onde 500 tropas conseguiram se direcionar para
Rutshuru, sobre o comando de Ntaganda. Além de outros ex-líderes do CNDP
que se deslocaram para Nord Kivu após a supressão dos motins em Sud Kivu,
Cel. Makenga esteve envolvido no fortalecimento dos grupos de Masisi. Agora
de maneira mais ativa, em 4 de maio, o Cel. Makenga, então situado em Goma,
desertou com 100 soldados e estabeleceu um novo fronte em Rutshuru. Em 6 de
maio, anunciou a criação do M23, sob a sua liderança. Dois dias depois, o grupo
de Ntaganda vindo do Parque Virunga se juntou ao de Makenga, na encosta das
montanhas Mikeno e Karisimbi, próximo à fronteira com Ruanda. Apesar de
choques com as tropas das FARDC, em dois dias o grupo obteve posições em
Runyoni, Chanzu e Mbuzi – localidade também próxima às fronteiras. Em fins
de junho, mais aproximadamente 300 soldados desertaram das FARDC e se
juntaram ao M23.
No início de julho, os rebeldes tomaram a cidade de Rutshuru sem
muitos esforços, além de Bunagana, Ntamugenga e Rubare – esta última a
aproximadamente 10 km da capital provincial, Goma. Nas ofensivas, os soldados
da FARDC foram superados com facilidade. Em alguns casos se retiraram,
deixando armas para trás, as quais foram capturadas pelo M23. Além disso, a
MONUSCO tem ajudado muito pouco na crise, não tendo sucesso no
estabelecimento do seu mandato. Ainda em julho, houve o fechamento da
fronteira de Bunagana por parte do governo de Kabila379, uma ofensiva das
forças governamentais à localidade de Kibumba e o ataque rebelde às posições

379
A medida visava evitar que os rebeldes que controlavam a cidade se utilizassem de taxação aduaneira
de mercadorias vindas do leste africano (Uganda e Quênia) para financiar o seu grupo. Além disso,
Bunanga é um ponto estratégico de trânsito para a exportação de minerais da RDC, o que justifica o
grande interesse dos rebeldes pela cidade.
203
das FARDC no mercado de Rumangabo, a 50 km ao norte de Goma. O ataque
foi contido pelas forças nacionais.

Origens da incapacidade coercitiva


Além da atuação extensiva de grupos armadas no território nacional, a
incapacidade do Estado em prover segurança interna é demonstrada nos
indicadores de mortalidade do país. Estes, como apresentado na introdução deste
livro, contabilizam mais de 1.000 mortes ao dia, de causas direta ou
indiretamente relacionadas com os conflitos armados (IRC, 2007; BAVIER,
2008).
O quadro de incapacidade de prover segurança externa e interna e de
proteger as riquezas naturais nacionais parece ocorrer por duas razões principais.
A primeira relaciona-se aos grupos armados nacionais e a segunda, aos
estrangeiros.
Em relação aos grupos nacionais, cumpre salientar que esses foram
inseridos automaticamente (pelos mecanismos do Acordo Todo-Inclusivo de
Paz) nas instituições estatais (forças armadas, burocracia e sistema político) e no
sistema político a partir de mecanismos de power-sharing. Este processo (a)
gerou incentivos para o surgimento de novos grupos armados que reivindicavam
inclusão e ganhos políticos380 e para a luta armada de grupos e atores já inseridos
no sistema visando novas reivindicações381; e (b) contribuiu para a cristalização
de diferenças étnicas não primordiais382. Nesse caso, além de o Estado congolês
não possuir o monopólio do poder coercitivo – seus instrumentos de integração
atuam de forma a adiar a sua obtenção e a dissolver o poder político-militar
escasso que ainda possui.
No que concerne aos grupos estrangeiros, não houve acordo de paz
algum para o cessar-fogo desses insurgentes. Eles não participaram do Acordo de
Lusaka nem do Diálogo Intercongolês, muito menos do resultante Acordo Todo-
Inclusivo de Paz. Ao mesmo tempo em que continuam em situação de guerra, o
Estado congolês não possui mecanismos suficientes para reprimi-los. De fato,
desde o Acordo de Lusaka (1999), um pacto tácito ficou firmado entre as forças
combatentes da Segunda Guerra do Congo de que a MONUC seria responsável
pelas tarefas de desmobilização, desarmamento, repatriamento, reintegração e
reassentamento (DDRRR) dos grupos armados estrangeiros em guerra no país
(SWARBRICK, 2004). Todavia, a demora do Conselho de Segurança das
Nações Unidas em estabelecer um mandato impositivo e que pudesse dar
competência à MONUC (hoje MONUSCO) para esta matéria, permitiu o

380
É o caso dos conflitos já mencionados entre os grupos Enyelle e Munzaya, de fins de 2009 e do início
de 2010, que apelavam para as armas para adquirir direitos à agricultura e à pesca.
381
Esse é o exemplo do CNDP, que foi liderado por um General já inserido no novo arranjo do exércit o
congolês, Laurent Nkunda, o qual reivindicava a supressão completa do grupo FDLR e era apoiado e
incentivado por Ruanda. Atualmente, o surgimento do M23 é a maior comprovação desta tese,
reproduzindo a lógica vista no caso do CNDP.
382
Trata-se do caso dos grupos xenófobos Mai Mai, que se dizem autênticos congoleses e se tornam cada
vez mais politicamente diferenciados de outros grupos étnicos – o que não ocorria anteriormente.
204
fortalecimento desses grupos operantes no leste e a continuidade do ciclo de
mortes que não se encerrou com o fim formal das hostilidades.383
Mesmo com o estabelecimento de um mandato impositivo a partir de
2003 (resolução 1493), a MONUSCO depende das tropas congolesas para
realizar qualquer operação de DDRRR. Ou seja, as expectativas de que a ONU
pudesse realizar por si só o processo de DDRRR dos grupos não foram
correspondidas.384 E muito provavelmente não serão. Atualmente, as ações da
MONUSCO são, sobretudo, voltadas para atividades de apoio logístico – nas
quais, mesmo assim, apresenta grandes deficiências. Cabe, enfim, ao Estado
congolês liderar o processo a partir de suas próprias forças armadas ou com
missões integradas junto a países vizinhos. Entretanto, o sucesso do DDRRR a
partir das próprias Forças Armadas congolesas ainda não pôde ser alcançado –
principalmente pela incapacidade militar do país (que resulta na dependência
militar externa, principalmente logística) e da falta de um comando efetivo
(devido à integração de tropas inimigas às FARDC e às insuficiências do
processo de RSS, como se verá adiante).

O financiamento dos grupos


Um fator agravante que possibilitou, e continua possibilitando em alguns
casos, a continuidade das operações de grupos armados dentro do território
congolês é o controle da extração e do comércio ilegais de recursos naturais de
enclaves no leste do país.
O primeiro grande problema relacionado à exploração ilegal de recursos
congoleses por guerrilhas no período do governo Joseph Kabila se situou na
província de Ituri e no grande potencial de ouro da região. Com as concessões
minerais sendo redistribuídas em 2002, a exploração do ouro de Ituri –
administrada pela paraestatal OKIMO (Office des Mines d'Or de Kilo-Moto) –
foi levada a cabo por entidades privadas (companhias ou indivíduos) que
acabaram entrando em acordo com grupos armados atuantes na região,
financiando direta ou indiretamente a compra de armas e abusos aos direitos
humanos.385 Outro tipo de exploração econômica do ouro de Ituri ocorria a partir
383
Inicialmente, mandatos limitados emitidos pelo CSNU davam a possibilidade de a MONUC desarmar
os beligerantes externos somente se estes cooperassem de forma voluntária. Entretanto, ao contrário dos
casos de Angola, Serra Leoa, Moçambique e Camboja, na RDC as guerrilhas estrangeiras não foram
signatárias do cessar-fogo. Ou seja, na prática ainda estavam em guerra e não iriam concordar com o
desarmamento voluntário (SWARBRICK, 2004). O resultado foi a permanência no país de grupos
armados estrangeiros mesmo após a retirada das forças armadas dos países beligerantes. Somente após a
resolução 1493 de 2003 é que a MONUC passou a cooperar com as ações ofensivas do governo congolês
para o DDRRR – as quais na prática só foram ocorrer efetivamente a partir de 2009.
384
Como exemplo da inação da MONUSCO frente a grupos armados, tem-se que, entre 30 de julho e 2 de
agosto de 2010, tropas rebeldes massacraram e estupraram mais de 300 civis, na região de Walikale (Nord
Kivu), a apenas 32 km de distância de uma das bases militares das MONUSCO (BBC, 2010; ALL
AFRICA, 2010).
385
O caso mais polêmico é o do grupo AngloGold Ashanti – resultado de uma joint venture entre Ashanti
Goldfields Ltd. e AngloGold Ltd.. O grupo recebeu, em 1996, direitos do governo de Laurent Kabila para a
exploração da concessão 40 da OKIMO. A concessão foi renovada em 3 de junho de 2000 com o
estabelecimento de uma joint venture entre a companhia e a OKIMO, criando a Ashanti Goldfields Kilo
s.a.r.l.(AGK). Devido à ambição de extrair o mais rápido possível o ouro de Ituri, a companhia percebeu
que o Governo de Transição da RDC só possuía o controle formal da região. O controle na prática estava
sob o grupo FNI de Floribert Njabu. Assim, com ciência e aprovação do então primeiro-ministro Jean-
205
da extração artesanal do produto em diversas sub-regiões e minas controladas por
grupos rebeldes. Esse ouro era em geral transportado por companhias aéreas
controladas pelas guerrilhas para centros de distribuição ainda em Ituri (como
Butembo e Ariwara), onde era negociado e direcionado para o mercado de
Uganda sem gerar qualquer renda ou taxa para o governo da RDC.386
Outro grupo que continua a explorar extensivamente os recursos naturais
congoleses após a Segunda Guerra do Congo são as FDLR. Os rebeldes
ruandeses controlaram diversas zonas de mineração nas regiões de Nord e Sud
Kivu desde 2003387 e só foram relativamente desmobilizados recentemente,
mediante operações militares incisivas das FARDC, com auxílio das tropas de
Ruanda ou da MONUC.388 O grupo explorou (e explora) vastas reservas de ouro,
cassiterita e coltan da região, mediante uma rede bem montada, que possibilita a
chegada dos recursos a compradores extracontinentais.389 Suas ações interferem
em diferentes etapas do ciclo de exploração do produto.390 Além disso, com a
complexificação do negócio, a exploração de recursos naturais passou a ser a
atividade primária do grupo, em detrimento de suas pretensões políticas 391. O

Pierre Bemba, o grupo passou a contatar Njabu – que, mediante a troca de diversos favores (propina,
pagamentos, assistência com transporte e logística e defesa dos interesses da FNI junto a autoridades
locais), permitiu que a AGK extraísse o ouro da rica região de Mongbwalu. Sabe-se que a aliança entre
AngloGold Ashanti e o FNI gerou recursos para este grupo – o qual os utilizou para a compra de armas e
para financiar operações militares que envolviam abusos e massacres de povos Hema – e deu renovada
credibilidade para suas lideranças (HRW, 2005). As práticas se estenderam desde 2000 e somente
sinalizaram uma redução após a publicação do relatório do Human Rights Watch em 2005, intitulado The
Curse of Gold (HRW, 2005a).
386
No país vizinho, por intermédio de comerciantes locais, o ouro chegava a grandes empresas de
exportação, como a Uganda Commercial Impex Ltd e a Machanga Ltd. A partir daí o valioso produto que
financiava a guerra e os massacres de Ituri era reexportado para Suíça, África do Sul e Dubai – onde se
transformava em artigos de luxo.
387
Mais especificamente, em 2007, as FDLR controlavam mais de 50% do comércio de minerais em Kivu
(MERCIER, 2009:14)
388
Se a operação conjunta entre RDC e Ruanda contra as FDLR (Umoja Wetu) manteve intocadas as
minas de Sud Kivu controladas pelas forças rebeldes, as operações militares Kimia II e Amani Leo
dificultaram o controle de atividades econômicas (principalmente a mineração) por parte de líderes das
FDLR (S/2009/623, 2009; S/2009/253, 2009). Todavia, em Sud Kivu (sobretudo, no território de Fizi), o
grupo entrou em cooperação com forças Mai Mai descontentes com o processo de integração e estabeleceu
divisão de lucros em atividades mineradoras (S/2010/252, 2010).
389
A maioria da exploração de recursos naturais nos Kivus se dá de forma artesanal - o que facilita o
acesso a estes recursos. Os minerais possuem um ciclo próprio de exploração, formado por creusers
(extratores), négociants (compradores intermediários) and comptoirs (negociantes encarregados da
exportação). Posteriormente, o trânsito é feito via Uganda, Ruanda e Burundi, e a saída do produto dá-se
via portos de Mombasa (Quênia) ou Dar es Salaam (Tanzânia), da onde os minérios partem para Ásia e
Europa (MERCIER, 2009:16).
390
As FDLR atuam: (i) no comércio, correspondendo a 75% das receitas do grupo (o que equivale a alguns
milhões de dólares); (ii) no controle do acesso a minas, taxando a produção de cada extrator local (no caso
da cassiterita, o explorador tem de doar um quilo do produto ou o equivalente em dinheiro a cada semana
para as FDLR, sob pena de prisão ou tortura); (iii) no controle do comércio de terceiros, taxando
compradores intermediários que chegam para comprar minerais dos extratores; (iv) no controle do
transporte de minerais, mediante barreiras em estradas (principalmente nos eixos Kigulube-Bukavu e
Shabunda-Bukavu) - o que leva comptoirs a utilizarem cada vez mais o transporte aéreo; (v) na extração
própria de minérios; e (vi) na cobrança de serviços de segurança, impondo taxas a empresas que se
instalam na região controlada pelo grupo em troca de "proteção" (S/2008/773, 2008; GW, 2009).
391
A ONG belga Groupe de recherche et d'information sur la paix et la sécurité (GRIP) resume com
precisão a situação em que os meios excederam os fins: “A exploração de recursos e o enriquecimento
pessoal parece terem-se tornado mais importantes para as FDLR do que as suas motivações políticas
206
caso está diretamente relacionado com uma teoria paralela de Jeffrey Herbst, que
relacionou a prática de priorização da exploração de recursos naturais por grupos
armados – ao invés do foco exclusivo na tomada de poder – com casos em que a
autoridade estatal é reduzida (HERBST, 2000b). Pode-se dizer ainda que a
participação de atores que pertencem ao ciclo de exploração de recursos naturais
comandado pelas FDLR tem-se tornado cada vez mais regular. Em outras
palavras, cada vez mais os membros do ciclo de exploração dos recursos
congoleses, juntamente com grandes grupos importadores estrangeiros,
participam do enriquecimento das FDLR.392
A exploração de recursos congoleses também foi realizada pelo grupo
rebelde CNDP. Antes de ser desmobilizado, este grupo mantinha uma estrutura
de financiamento muito semelhante a das FDLR.393 Ademais, mesmo com a
integração nas FARDC em 2009, o grupo manteve cadeias paralelas de comando
militar e político sobre diversas áreas mineradoras nas províncias de Kivu e
Maniema (S/2009/623, 2009:4). A situação novamente sugere os resultados
nocivos para a economia nacional advindos do processo de integração automática
de beligerantes nas forças armadas e da falta de um projeto efetivo para a
construção do exército nacional. A falta de controle e a pulverização das forças
fazem com que grupos dentro das próprias FARDC sejam responsáveis pelo
trafico ilegal de recursos e a pilhagem das riquezas nacionais.
Apesar do quadro grave, novas iniciativas de J Kabila vão de encontro à
exploração ilegal de recursos naturais no leste do país. Entre setembro de 2010 e
março de 2011, o presidente estabeleceu o banimento da mineração, do
processamento e do comércio de minerais em Nord Kivu, Sud Kivu e Maniema –
esforço que auxiliou na identificação de locais sob exploração ilegal, sobretudo
aqueles detidos por FDLR, CNDP e membros das FARDC (S/2011/738,
2011:4).394 Outra ação neste mesmo sentido é o estabelecimento de contadores
(fiscalizadores) do comércio da exportação mineral no leste da RDC
(PRENDERGAST, 2010), e o apoio à criação de centres de négoce no leste do
país – mercados para a venda de minérios com rastreabilidade garantida
(S/2011/345, 2011:20).

originais. De fato, o controle das minas parece representar um fim em si mesmo e não mais um meio para
financiar um combate político e militar” (MERCIER, 2009:15. Tradução minha).
392
Compras de minérios em zonas controladas pelo grupo são realizadas regularmente por negociantes que
são muitas vezes ligados a um único comptoir, por quem são pré-financiados (estabelecendo-se relações
quase empregatícias ou de exclusividade de trabalho) (S/2009/253, 2009:22). Por sua vez, alguns
comptoirs possuem vínculos regulares com companhias estrangeiras – as quais também pré-financiam suas
atividades. Nesse caso incluem-se três importadores principais: as companhias Traxys (Bélgica), Afrimex
(Grã-Bretanha) e THAISARCO (Thailândia). A última companhia fabrica componentes eletrônicos
utilizados em produtos Microsoft, Samsung, Motorola e LG (S/2008/773, 2008).
393
O CNDP obtinha recursos mediante taxas administrativas em áreas sob o seu controle, sobretudo em
Nord Kivu. Dentre as receitas, tinha-se taxas sobre alimentos, taxas sobre carvão, taxas sobre circulação de
carros nas principais rotas controladas pelo grupo (Sake-Masisi e Sake-Mweso), taxas sobre proteção de
territórios e taxas aduaneiras. Havia ainda os rendimentos relativos aos recursos naturais propriamente
ditos. Taxas eram cobradas sobre os concessionários e seus comptoirs na exploração de coltan. Outra
forma de rendimento era a extração direta de minérios, mormente o coltan. Concessionários eram
cooptados a fornecer parte de suas concessões de exploração e os produtos eram vendidos principalmente
à comptoir MUNSAD em Goma, conhecida por ter fortes laços com o grupo.
394
Esforço anterior de suspender as atividades minerais no leste já havia ocorrido em junho de 2009.
207
Demais iniciativas em curso são as ações de diversas empresas
internacionais do setor eletrônico, frente a pressões de ONGs internacionais, em
direção à maior transparência em seus canais de fornecimento, dentro das
iniciativas do GeSI (Global e-Sustainability Initiative) e da EICC (Electronic
Industry Citizenship Coalition). Cita-se também a importante lei norte-americana
The Congo Confict Minerals Act aprovada em 2010, que estabelece que todas as
companhias norte-americanas registradas em bolsa de valores devem mencionar
a origem de seus fornecedores de minérios e as que mantiverem negócios com
fornecedores da RDC (ou de países vizinhos) devem rastrear a origem dos
minérios adquiridos (PRENDERGAST, 2010). Contudo, sabe-se que, se a
iniciativa não for acompanhada de sucessos no estabelecimento de um sistema
comum de rastreabilidade e de supressão da exploração ilegal, pode resultar na
fuga de capitais do leste do país. A Conférence internationale sur la Région des
Grands Lacs (CIRGL), por outro lado, lidera uma iniciativa regional contra a
exploração ilegal de recursos naturais da região e está trabalhando para a criação
de uma ampla certificação regional de minérios à imagem da feita para diamantes
no Processo de Kimberley (2003). Por fim, o CSNU tem percebido a necessidade
de ações mais efetivas da MONUSCO para “utilizar a sua capacidade de
monitoramento e inspeção para bloquear a provisão de suporte derivado de
comércio ilícito de recursos naturais para grupos armados ilegais” (S/RES/1856,
2008:5. Tradução minha).

A estrutura das FARDC


A precária organização das forças militares da RDC contribui para a
continuidade da atuação de grupos armados e a exploração ilegal de recursos
naturais por parte dos beligerantes e de soldados das forças nacionais (GW,
2009). As FARDC foram reestruturadas a partir do DIC e do Acordo Global e
Todo-Inclusivo de Paz de 2002, adotado em 2003, nas vésperas do lançamento
do Governo de Transição (2003-2006). O princípio básico foi a organização de
Forças Armadas novas e integradas, as Forces Armées de la République
Democratique du Congo (FARDC), inauguradas em setembro de 2003. A partir
de sua formação, as FARDC foram divididas em três comandos preexistentes395 e
10 regiões militares396 e integradas com os cincos grupos insurgentes principais
da Segunda Guerra do Congo397. Em essência, as tropas do governo e dos antigos

395
Há três comandos para as Forças: Leste (incluindo o nordeste), Sul (sul e oeste) e Central (Kinshasa e
arredores).
396
As 10 regiões militares eram 1- Bandundu; 2 - Bas-Congo; 3 - Équateur; 4 - Kasai-Occidental; 5 -
Kasai-Oriental; 6 - Katanga; 7 - Maniema; 8 - Nord-Kivu; 9 - Orientale; 10 - Sud-Kivu.
397
Os cinco grupos eram o RCD-Goma, o MLC, o RCD-K/ML, o RCD-N e as guerrilhas Mai Mai. O
contingente dos primeiros três grupos está expresso no quadro 9 deste livro (p. 151). No que tange ao
RCD-N, a maior parte das fontes identificam um número reduzido de tropas, haja vista que o movimento
se valia, sobretudo, do contingente militar do MLC (ICG, 2006:15; S/2004/573, 2004:50; HRW, 2003:15).
Já os grupos Mai Mai somavam até 40.000 (ICG, 2006:15). Posteriormente foram incluídos, a partir de um
acordo de paz de Dar es Salam em 2003, os grupos beligerantes nos conflitos armados da região de Ituri.
Estes compunham entre 15 e 50 mil tropas. Ademais, as antigas FAC também tiveram de ser integradas
nas novas FARDC. Possuíam uma força declarada de 100-120.000 homens, apesar de alguns analistas
argumentarem que metade dessas forças eram soldados “fantasmas” (ICG, 2006:14). Posteriormente,
tropas do CNDP, além de diversos grupos armados menores atuantes no leste foram sendo integrados às
Forças.
208
grupos rebeldes continuaram controlando o território sob a sua ocupação
(mixage), mas com o envolvimento de outras facções e gradualmente se
integrando às estruturas estatais (JANES, 2009). A base institucional do processo
de integração das Forças Armadas foi dada pela Estrutura Militar de Integração
(Structure Militaire d’Intégration - SMI), estabelecida em 2004, a partir do
lançamento do Programa Nacional de Desmobilização, Desarmamento e
Reintegração (PNDDR).398 O comando das forças também foi inicialmente
repartido entre os grupos beligerantes principais. Posteriormente, após a vitória
nas eleições de 2006, J. Kabila estreitou seu controle sobre as FARDC. 399
As forças terrestres possuem atualmente 159 mil homens, sobretudo de
infantaria, tendo mais do que triplicado desde 2007 – graças à integração de
guerrilhas no leste e da antiga GSSP, agora Guarda Republicana (Garde
Républicaine - GR) (IISS, 2006, 2007, 2008, 2010 e 2012). As forças aéreas e
navais continuam reduzidas e com equipamentos precários. A Força Aérea
possui cerca de 2.500 homens com poucas capacidades e a Força Naval possui
cerca de 6.700 homens (IISS, 2012; FR, 2006). Por fim, importa ressaltar que o
recrutamento das FARDC é feito em bases voluntárias; não há o instituto da
conscrição.400
Um dos motivos da incapacidade das forças de segurança é que J. Kabila
manteve uma posição de desconfiança frente às forças de segurança do Estado,
principalmente devido ao fato de seu pai ter sido assassinado por um complô
vindo de dentro dessas estruturas. Destarte, assim como L. Kabila e Mobutu, o
novo presidente não incentivou o fortalecimento de estruturas concorrentes
(exército) e blindou-se frente a estas forças, reforçando o poder e o tamanho da
guarda presidencial (ex-GSSP)401 e centralizando o comando da maior parte das
forças de segurança no escritório militar presidencial (Maison militaire).402 A

398
O coordenador do SMI tem como função a gestão da reconstrução de um exército nacional
reestruturado e integrado, atuando com auxílio de delegados da Missão Europeia EUSEC e da MONUSCO
(FR, 2006).
399
A partir de mecanismos de power-sharing, no Governo de Transição, o comando das forças de
segurança (Chefes do Estado-Maior do Exército, da Marinha, da Aeronáutica, de Inteligência, de
Administração, de Logística e de Operações) havia sido divido entre os grupos beligerantes principais
(FAC, RCD-Goma e MLC). Entretanto, a partir de junho de 2007, Joseph Kabila estreitou o seu controle
sobre as forças armadas - substituindo em posições estratégicas os oficiais de facções rivais por seus
aliados de confiança. Atualmente, o presidente detém poderes centralizados e não necessita de aval da
Assembleia Nacional e do Senado para questões de segurança e defesa. Entretanto, deve consultar o
Conselho Supremo de Defesa (CSD, sucessor do CSE, em assuntos relevantes para a defesa nacional) e o
governo, antes de declarar guerra ou estado de emergência. O CSD reúne o presidente, o vice-presidente,
os ministros da defesa, do interior e das relações exteriores, os chefes dos Estados-Maiores das Forças
Armadas, do Exército, da Marinha e da Aeronáutica (JANES, 2009).
400
Outros órgãos que sofreram processo de integração foram o Serviço de Inteligência Militar (Service de
Renseignement Militaire – SRM), a Segurança Militar (Sécurité Militaire – SM) e a Polícia Nacional
Congolesa (Police Nationale Congolaise – PNC).
401
Com o novo governo de J. Kabila, a GSSP foi, por um lado, reforçada; por outro, tornou-se a Guarda
Republicana (GR) como medida parcial frente às pressões para a integração de fato desta força dentro do
exército. Entretanto, o procedimento geral tem sido demorado e os principais elementos não são
responsivos à estrutura de comando das FARDC, mas ao próprio presidente.
402
Trata-se de um poder paralelo ao comando formal das forças de segurança “não importa a hierarquia
formal, os vários serviços de inteligência civis e militares e a Guarda Presidencial (GSSP), todos se
reportam a Maison militaire” (ICG, 2006:14. Tradução minha).
209
ANR também continuou sendo outro meio de blindagem frente a grupos pouco
confiáveis dentro das forças de segurança e à oposição política.
Outro motivo para a precariedade das FARDC diz respeito aos recursos
para elas direcionados. De acordo com os dados disponíveis, mesmo em período
de conflitos armados, o gasto em defesa do Congo nunca chegou a mais de 2,4%
do PIB (dado relativo a 2006), enquanto, em 1998, ano do início da Segunda
Guerra do Congo, quando o país foi invadido, a RDC foi o país que apresentou o
menor gasto relativo em defesa da África Subsaariana (dados de gasto sobre o
PIB). O gráfico abaixo apresenta esta realidade em comparação com os
principais países beligerantes das duas guerras do Congo.
Figura 13 - Gasto Militar dos Principais Beligerantes das Guerras
do Congo, 1996-2009 (% do PIB)

20

18

16

14

12 RD Congo

Uganda
10
Ruanda
8
Namíbia
6
Angola
4
Burundi
2 Zimbábue
0
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

Nota: Os dados para 2001 e 2002 para a RDC foram estimados por meio de uma média simples dos anos de
2000 e 2003. O mesmo foi feito no caso do Zimbábue para o dado de 1998.
Fonte: WB, 2012
Autor: CASTELLANO, 2012

As novas articulações de J. Kabila: rumo à acomodação regional?


Possivelmente percebendo e tentando reverter esse estrangulamento na
área de segurança é que o governo de Joseph Kabila costurou uma aproximação
com seus vizinhos e antigos inimigos – na busca de unir esforços para a
supressão das principais ameaças atuais.
A reaproximação de Congo e Ruanda em fins de 2008 representou
também a intensificação do avanço contra as FDLR a partir do ano de 2009,
mormente nas operações Umoja Wetu e Kimia II. Apoiada pela MONUC, as
campanhas resultaram na conquista de posições e na captura da base de comando
da guerrilha (27 de julho) e mais de 1.500 tropas rebeldes (HIIC, 2010). Em 2010
e 2011, as tropas de Ruanda continuaram cooperando na supressão das FDLR,
inclusive adentrando ao território congolês com a permissão de Kabila.

210
No que diz respeito à aproximação com Uganda, além da referida
operação Lighting Thunder que envolveu em dezembro de 2008 forças de RDC,
Uganda e SPLA, além do apoio do AFRICOM, cumpre ressaltar que, em outubro
de 2010, houve um acordo para a criação de uma força regional de
contrainsurgência composta por tropas de RDC, Uganda, Sudão, e República
Centro Africana (GIACOPELLI, 2010).403
Estas iniciativas junto à Uganda e Ruanda, apesar de não terem obtido o
sucesso esperado, colaboraram com a repressão gradual dos grupos armados e o
restabelecimento de relações entre a RDC e seus vizinhos.
Por outro lado, há atualmente especulações sobre a continuidade de
incursões unilaterais e recorrentes de Uganda no território congolês para a
repressão de rebeldes da ADF. Além disso, iniciativas como o envio de 100
assessores militares para a África Central por parte do Governo Obama, podem
tanto contribuir para os esforços de estabilização da região como desestabilizá-la
ainda mais, mediante a penetração mais aberta de grades potências, auxiliadas ou
não por forças proxies.
Nesse mesmo sentido, as recentes acusações de apoio de Ruanda ao M23
mostraram que o caminho da acomodação regional não está de todo garantido. A
situação levou a constrangimentos diplomáticos e a troca de acusações entre
RDC e Ruanda, reavivando o fantasma da Segunda Guerra do Congo. Contudo,
um conflito de maiores proporções foi, pelo menos temporariamente, bloqueado
pela mediação de Uganda. Kabila e Kagame reuniram-se com mais 9
representantes dos países que compõem a Conferência Internacional da Região
dos Grandes Lagos (ICGLR) entre 7 e 8 de agosto de 2012 em Speke Resort
Munyonyo, Uganda. Além de ânimos mais calmos, a Cúpula teve como resultado
a iniciativa de criação de uma força regional para atuar no leste da RDC e
resolver definitivamente os desafios militares nessa região. Seria, de fato,
significativo se a crise fosse o gatilho para iniciativas regionais mais agudas em
direção à estabilização dos conflitos dos Grandes Lagos.

6.2 A Esfera Extrativa


No que tange à esfera extrativa do Estado congolês, sua estruturação
efetiva também não foi incentivada pela Segunda Guerra do Congo. Isso se
deveu, novamente, à dependência das forças estrangeiras no travamento da
guerra e ao financiamento dessas forças e dos encargos nacionais mediante
receitas derivadas da extração e do comércio de recursos naturais. Com o fim
formal da guerra, o perfil extrativo do Estado congolês parece ter seguido os
padrões anteriores. A conjunção desses fatores e a reduzida dependência da
taxação de populações continuaram gerando poucos incentivos à superação do
colapso infraestrutural do país.

403
A despeito dos esforços as guerrilhas ainda continuam a operar no leste e nordeste do país, atuando
mediante prática da guerra irregular – o que envolve a permanência em um ambiente inóspito e complexo
e ataques, massacres e estupros coletivos a populações civis. Devido à falta de treinamento e controle,
estas últimas práticas também são empreendidas pelas próprias FARDC – o que gera certa simetria ao
conflito armado irregular.
211
A dependência de recursos naturais e de capitais externos
Como demonstrativo da dependência de recursos naturais, pode-se citar
o contrato de US$ 9 bilhões firmado em 2009 entre China e RDC como
concessão para a extração em Katanga de 10,6 milhões de toneladas de cobre e
626.619 toneladas de cobalto. Pelo acordo, era como se a RDC ganhasse um PIB
inteiramente novo, haja vista que o produto da economia congolesa em 2009 era
de apenas US$11,1 bilhões (hoje chega a US$15,6 bilhões). Por um lado, a
operação evidencia que os rendimentos advindos do mercado de minérios
continuam representando a maior fração da renda nacional. Por outro, a China se
comprometeu a “construir uma rede rodoviária que se estende por 4.000 km e um
sistema ferroviário que chega a 3.200 km. Este é um desenvolvimento muito
importante para um país do tamanho da Europa Ocidental e o segundo maior na
África, mas que possui apenas 200 km de estradas asfaltadas” (NIEUWOUDT,
2009. Tradução minha). Entretanto, essa cláusula não reflete necessariamente a
postura do governo congolês em trabalhar pela construção do Estado, mas sim
uma política mais ampla da China para a África.
Por outro lado, a tendência iniciada em 1993 de aumento na participação
das taxas no PIB nacional foi renovada com a ascensão de Joseph Kabila em
2001 (vide figura 14). Todavia, apesar de não estarem disponíveis dados para
períodos posteriores a 2002, ressalta-se que, mesmo com este incremento, a RDC
continuou sendo o país da África Subsaariana com menor nível de participação
de taxas no PIB nacional, com proporção consideravelmente inferior à média da
África Subsaariana (vide figura 15). Ademais, a reduzida capacidade extrativa do
país também pode ser evidenciada pela baixa quantidade de receitas provenientes
de taxas em proporção à população nacional (cálculo per capita das receitas
provenientes de taxas). Neste quesito, o Congo apresenta valores
correspondentes a apenas 6,5% (US$ 30,70) da média africana (US$ 468,64),
incluindo os países do Magreb (vide figura 16).

Figura 14 - RDC: Participação das taxas no PIB nacional,


1990-2002
10
9
8
7
6
5
4
3
2
1
0
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Receitas Provenientes de Taxas (% of PIB)


Fonte: WB, 2012
Tendência Polinomial de Ordem 4 Autor: CASTELLANO, 2012

212
Figura 15 - RDC e Afr. Subsaar.: Participação das taxas no PIB
nacional, 1990-2002
20

18
Receitas Provenientes de Taxas (% PIB)

16

14

12

10

0
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
RDC
Média da África Subsaariana
Nota: Média obtida a partir dos dados do Banco Mundial, cuja disponibilidade varia anualmente e engloba, de
1990 a 2002, um número total de 26 países: RDC, Madagascar, Rep. do Congo, Etiópia, Burkina Faso, Uganda,
Serra Leoa, Mali, Benin, Quênia, Zâmbia, Gana, África do Sul, Suazilândia, Namíbia, Seychelles, Lesoto, Senegal,
Sudão, Guiné, Camarões, Burundi, Zimbábue, Botsuana, Ruanda e Gâmbia. De acordo com a disponibilidade de
dados para cada ano, as médias aritméticas anuais foram computadas a partir de uma amostra que vai de 12 a 18
países.
Fonte: WB, 2012

Devido, em parte, à reduzida capacidade extrativa interna, uma fonte


constante de recursos foram, novamente, os cofres internacionais, aos quais J.
Kabila soube costurar muito bem o seu acesso. Em seu primeiro discurso à
população congolesa e à comunidade internacional, Kabila afirmou o seu
comprometimento com o relançamento do Acordo de Paz de Lusaka, o
estabelecimento de um Diálogo Intercongolês, a liberalização da economia e a
abertura do sistema político. Sua fala foi cuidadosamente construída para agradar
a todos: a linha-dura do governo, os ativistas de direitos humanos, a comunidade
internacional, o setor de negócios, os seus aliados na guerra, EUA e Europa
(ICG, 2001a).

213
214
Na prática, para além dos comprometimentos com a liberalização
política404, J. Kabila avançou de imediato nos esforços de paz: em 15 de
fevereiro de 2001, anunciou que iria cooperar com o mediador Quett Ketumile
Joni Masire (ex-presidente de Botsuana) para estabelecer um DIC e permitir o
estabelecimento de uma força de observadores da ONU.405 Militarmente, J.
Kabila percebeu também que dependia sobremaneira de seus apoiadores externos
(Angola, Zimbábue e Namíbia)406 e adotou políticas que favoreciam a resolução
do conflito e a retirada de tropas. Ademais, procurou fortalecer amizades antes
ignoradas por seu pai.407
Na área econômica, Joseph derrubou o monopólio de comercialização de
diamantes que havia sido garantido em julho de 2000 para a companhia
israelense IDI Diamonds, restabelecendo o comércio com a África do Sul.408
Anunciou também reformas econômicas, as quais foram bem recebidas pela
União Europeia, pelo FMI e pelo Banco Mundial. Em 22 de fevereiro,
reautorizou a liberalização do comércio de moeda estrangeira e estabeleceu
novas regulações para os comptoirs (compradores) de diamantes – os quais
tinham de ser registrados mediante o pagamento de taxas anuais por agente e por
quantidade exportada. Ademais, a Bélgica “emprestou” seu antigo presidente do
Banco Central, Alphonse Verplaetse, para uma reforma no código comercial do
país e a adoção de políticas monetárias mais responsáveis.
Já em 2001 essa postura amistosa adotada pelo presidente –
representada, sobretudo, pela nova regulação do setor minerador (liberal o
suficiente para agradar os operadores nacionais e o FMI) e pelos cortes de custos
parasitas (como a limpeza do ambiente administrativo e de burocratas fantasmas)
– sensibilizou os doadores internacionais.409 A figura abaixo apresenta o aumento
exponencial da ajuda externa ao regime de Joseph Kabila. Esse suporte
representou o maior fluxo de recursos financeiros externos em toda a história do
país e contribuiu sobremaneira para a sustentação do governo.

404
Em 17 de maio de 2001, retirou as restrições aos partidos políticos e, em outubro de 2001, iniciaram-se
as primeiras movimentações para retomar o Diálogo Intercongolês (DIC), o qual possibilitou a criação do
Governo de Transição.
405
Para assegurar essa decisão, J. Kabila teve de eventualmente reestruturar seu Gabinete e suprimir a
facção mais linha-dura do governo – composta por alguns familiares, amigos e katangueses que apoiavam
L. Kabila.
406
Kevin Dunn afirmava em 2002: “a sobrevivência de Joseph Kabila está nas mãos de seus patrões
externos” (DUNN, 2002:70. Tradução minha).
407
Na busca por suporte externo, encontrou-se com o presidente sul-africano Thabo Mbeki dois dias após
a sua posse e, menos de uma semana depois, viajou para Paris, Washington, Nova York (ONU) e
Bruxelas. O jornal The Guardian chegou a taxar Kabila como “o novo queridinho do ocidente” (DUNN,
2002:70. Tradução minha). Gerard Prunier afirma que J. Kabila “desprovido de qualquer eleitorado
nacional, […] havia decidido tratar a comunidade internacional como sua base de poder” (2009:258.
Tradução minha).
408
Outro monopólio rompido foi o da companhia angolana de petróleo Sonangol, enquanto a congolesa
Cohydro assinava um contrato de US$ 125 milhões com a sul-africana Thebe Petroleum (PRUNIER,
2009:262). Consecutivamente, novos investimentos das elites econômica da África do Sul e do Zimbábue
começaram a retornar a Kinshasa.
409
A Bélgica garantiu um pacote de ajuda emergencial de 20 milhões de euros; a França doou 240 milhões
de dólares; o FMI disponibilizou um crédito de US$750 milhões (programa de Redução da Pobreza e
Facilitação do Crescimento); o Banco Mundial garantiu US$ 450 milhões; e o Clube de Paris aprovou o
reescalonamento da dívida de US$8,98 bilhões (PRUNIER, 2009:280).
215
Figura 17 - Ajuda Externa para o Congo, 1965-2007
8000

7000

6000

5000

4000
3000

2000

1000

Assistência oficial para o desenvolvimento e ajuda oficial Fonte: WB, 2012


recebidas (milhões de USD, 2008) Autor: CASTELLANO, 2012

Outro indicador da dependência de recursos externos é o índice do


Banco Mundial denominado “uso de crédito do FMI” em US$ correntes. Desde
2001, o Congo aumentou consideravelmente a utilização de créditos do FMI. Em
2004, chegou ao dobro do nível de 2001 e, entre 2005 e 2007, foi o maior
utilizador da África Subsaariana, sendo ultrapassado em 2008 somente pela
Libéria (WB, 2012).
Por fim, cumpre ressaltar a colaboração do Banco Mundial e do FMI
com o país no que tange ao perdão da dívida. Os bancos sustentaram a iniciativa
de perdoar a dividida externa do país por meio do programa Multilateral Debt
Relief Initiative (ALL AFRICA, 2011). Como resultado, não obstante a tentativa
de bloqueio do Canadá, em novembro de 2010, o Clube de Paris garantiu o
perdão de quase US$ 8 bilhões da dívida externa congolesa (REUTERS, 2011).

A intensificação do colapso infraestrutural


Este perfil de arrecadação de recursos por parte do Estado – o qual, além
de possuir origens históricas, foi reproduzido e incentivado pelo tipo de
financiamento adotado para os esforços da Segunda Guerra do Congo –
contribuiu para a intensificação dos problemas infraestruturais nacionais. Isso
ocorreu na medida em que uma esfera extrativa estatal pouco dependente da
taxação da população produziu incentivos reduzidos para que fossem interligados
os distantes núcleos populacionais do país.
Assim, se historicamente a falta de uma infraestrutura básica tornou
penosa a conexão de centros econômicos, políticos e demográficos dispersos,
atualmente “a RDC enfrenta o que é provavelmente o mais assustador desafio
infraestrutural do continente africano” (AICD, 2010:1. Tradução minha). Há
redes danificadas devido aos conflitos armados, com mais da metade da atual
infraestrutura precisando de reabilitação. Apesar de a população congolesa estar
concentrada em três centros urbanos (Kinshasa, Lubumbashi e Kisangani), há a
216
ausência de uma infraestrutura bem desenvolvida ligando essas três regiões,
principalmente no que diz respeito a rodovias e ferrovias. Essa realidade é
agravada quando se consideram outras localidades com densidades demográficas
relevantes no leste do país (sobretudo, na região de Nord Kivu). Como resultado,
diversas regiões (principalmente o sudeste e o nordeste) são, em termos
infraestruturais, mais bem conectadas com países vizinhos do que com o próprio
governo central de Kinshasa. A realidade gera, por si só, efeitos centrífugos
desestabilizadores, relacionados com o histórico separatismo de Katanga e os
conflitos armados dos Kivus e de Ituri.
No período pós-colonial, pouco progresso foi feito para superar as
deficiências na esfera infraestrutural, tanto no Congo como no caso dos outros
países africanos com geografia pouco favorável.410 No caso específico da RDC, a
infraestrutura de transportes foi negligenciada desde a independência e hoje está
dilapidada. Necessita de financiamento e adequação institucional.

Mapa 11 – Planta Viária da RDC (2006)

Autor: CASTELLANO, 2012

Atualmente as rodovias não pavimentadas representam a maioria (97%)


de uma rede rodoviária de aproximadamente 157.000 km totais e estão em graves

410
Estes se mantiveram, em 1997, com a densidade de rodovias abaixo da média da África Subsaariana
(exceto Nigéria e Tanzânia) (HERBST, 2000a). Assim, os países que mais precisavam construir uma
infraestrutura que os blindasse de problemas decorrentes do desfavorecimento geográfico não o fizeram.
217
condições (apenas 42% em condições boas ou razoáveis). Como fator agravante,
a vasta quantidade de rios e chuvas em um país já extenso e pouco povoado
dificulta a construção de rodovias e a manutenção acaba tornando-se a tarefa
principal.411 O mapa 11 traz um panorama geral sobre a gravidade da situação
viária na RDC. Pode-se perceber que as principais rotas pavimentadas para a
exportação de produtos das regiões sudeste e leste não passam pelo território do
país. As vias em melhores condições seguem para Ruanda, Tanzânia e Zâmbia –
o que gera efeitos negativos para a integração destes enclaves econômicos dentro
da economia nacional. O quadro 12 detalha, para o setor rodoviário, alguns dos
principais gargalos infraestruturais.

Quadro 12 - Infraestrutura da RDC: Principais gargalos rodoviários


Estados
Indicador Unidade PBR* RDC
Frágeis**
km/1.000 km2 de
Densidade de rodovias pavimentadas 16 1 21
território

km/1.000 km2 de
Densidade de rodovias não pavimentadas 68 12 75
território

Tráfego de rodovias pavimentadas Tráfego médio anual 1.027 257 843

Tráfego de rodovias não pavimentadas Tráfego médio anual 55 20 55

% em condições boas
Condições da rede pavimentada 75 70 69
ou razoáveis

% em condições boas
Condições da rede não pavimentada 58 42 55
ou razoáveis

% de empresas que
identificam os
Percepção sobre a qualidade dos transportes como o
23 30 -
transportes maior
constrangimento dos
negócios
Notas: * Países de Baixa Renda (LICs, Low-Income Countries) na África, de acordo com Banco Mundial: Benin,
Burkina Faso, Burundi, República Centro Africana, Chade, Comoros, RDC, Eritreia, Etiópia, Gâmbia, Gana, Guiné,
Guiné-Bissau, Quênia, Libéria, Madagascar, Malawi, Mali, Mauritânia, Moçambique, Níger, Ruanda, Serra Leoa,
Somália, Tanzânia, Togo, Uganda, Zâmbia e Zimbábue. ** Estados Frágeis na África, segundo o AfDB: Burundi,
República Centro Africana, Chade, Comoros, Congo-Brazzaville, Costa do Marfim, RDC, Djibouti, Guiné, Guiné Bissau,
Libéria, Ruanda, Serra Leoa, Somália, Sudão, Togo e Zimbábue.
Fonte: AICD, 2010:9
Autor: CASTELLANO, 2012 (adaptado de AICD, 2010)

411
A RDC chega a gastar quase US$ 400 milhões anuais para manter a infraestrutura de transportes em
condições mínimas de uso (quase 5% do PIB) (AICD, 2010).
218
No que concerne ao transporte ferroviário, a despeito da importância
histórica do sistema para o comércio exterior do país, atualmente o tráfego tem-
se reduzido devido a competições de outros meios de transporte e a deficiências e
gargalos nos serviços (vide quadro 13).412 Como resultado, as ferrovias
congolesas perdem sua importância central no sistema de transporte nacional,
bem como passam a representar uma parcela muito pequena do tráfego total na
África Central.413

Quadro 13 - Infraestrutura da RDC: Principais gargalos ferroviários


CFMK SNCC CFCO SETRAG CFM CAMRAIL SPOORNET
Indicador (DRC) (DRC) (Congo) (Gabão) (Angola) (Camarões) (Afr. do Sul)

Concessionária
0 1 1 1 0 1 0
(1)/Estatal (0)

Densidade do
tráfego, frete
172 214 428 504 469 1,092 5,319
(1.000 ton-
km/km)

Eficiência dos
carros (1.000 ton- 257 317 300 902 950 868 925
km por vagão)

Disponibilidade
10 4 27 39 30 26 -
das locomotivas

Tarifas
passageiros
4,2 3,1 5,6 8,6 - 2,2 -
(USD centavos/
passageiro-km)

Tarifas frete (USD


13,7 12,5 10,7 2,5 - 5,2 -
centavos/ton-km)

Fonte: AICD, 2010:11


Autor: CASTELLANO, 2012 (adaptado de AICD, 2010)

No que diz respeito às hidrovias internas, apesar de sua abundância e o


seu potencial de prover transporte de superfície a baixo custo e com poucas

412
As ferrovias congolesas são divididas em dois sistemas principais: a Chemin de Fer Matadi-Kinshasa
(CFMK), a qual opera a ferrovia de 366 km entre Kinshasa e Matadi; e a Société Nationale des Chemins
de Fer du Congo (SNCC), a qual conecta o sudeste do país com as saídas externas em Ilebo (via para o
porto de Lobito, atualmente em reconstrução) e Sakania (via para o porto de Durban na África do Sul –
saída natural para o cobre congolês). Apesar de boas condições, o serviço da CFMK tem-se deteriorado,
perdendo espaço para o corredor rodoviário que corre paralelamente ao seu trajeto. Já o serviço da rede
SNCC está em péssimas condições, com velocidade máxima permitida entre 10 e 35 km/h e deficiência
nos serviços. Isso faz com que a maior parte do cobre do país tenha de seguir por rodovia.
413
Outrossim, as altas tarifas (US$0,12-0,14 por ton/km) são 3 vezes mais caras que as taxas encontradas
nos outros países da África Austral) e o reduzido padrão de eficiência são problemas adicionais
enfrentados pelas ferrovias congolesas.
219
quantias de investimento414, faltam peças de reposição e mão de obra
especializada para manutenção de embarcações. A situação prejudica, desde o
início da década de 1990, o tráfego de passageiros e mercadorias no rio do
Congo entre Kinshasa e Kisangani (SMITH et alli, 1993:on-line).
O sistema de portos também representa um estrangulamento adicional na
infraestrutura da RDC. A ausência de portos de águas profundas
operacionalmente viáveis e a longa distância do litoral (e, por conseguinte, do
principal porto do país, Matadi) em relação às regiões produtoras do sudeste e do
nordeste fazem com que o país tenha de escoar sua produção via territórios
vizinhos da África Austral (Durban) e Central (a oeste, Pointe Noir; e, ao leste,
Dar es Salaam e Mombasa), o que representa uma fragilidade do Estado que
ameaça a soberania nacional.415 Enfim, com o estrangulamento infraestrutural e
as particularidades geográficas do país (grande tamanho e centros dispersos), o
transporte aéreo acaba sendo fundamental na RDC. Após a deterioração do
sistema durante o regime de Mobutu, nos últimos anos novas rotas foram
adicionadas e novas frotas de aeronaves foram adquiridas. Atualmente são oito
aeroportos e 14 linhas aéreas operando no país.416
Acerca da infraestrutura energética, cumpre salientar que a RDC possui
os maiores recursos hídricos da África, bem como o maior e mais custo-efetivo
potencial hidrelétrico do continente.417 Todavia, importantes aprimoramentos na
infraestrutura energética do país no período pós-colonial foram insuficientes e
atualmente deficiências nas linhas de transmissão prejudicam o desenvolvimento
de regiões distantes do principal foco gerador de energia elétrica do país, Bas-
Congo. O caso de Katanga, por exemplo, é centralmente grave. Apesar de a
única linha de transmissão conectada a alta voltagem no país ser a que liga Bas-
Congo a Katanga e a Zâmbia (ver mapa 12), constantes blackouts levam a
maiores limitações da atividade produtiva e à descentralização da geração
energética (realidade também presente no resto do país).418 Atualmente, o Congo
tem a necessidade de realizar a geração e a entrega de energia em uma maneira
mais custo-efetiva. Metade das plantas energéticas necessita de reformas e de
crescer no mínimo 35% na próxima década para suprir somente a demanda
414
Quase 15.000 km do rio do Congo e de seus tributários são navegáveis ou potencialmente navegáveis.
415
Além da capacidade reduzida de Port Matadi, suas operações são caras e pouco eficientes comparadas a
padrões regionais e globais. Ademais, a falta de equipamentos é uma realidade nos portos marítimos de
Matadi e Boma e nas estações ribeirinhas de Kinshasa e Ilebo – o que representa um obstáculo ao
transporte eficiente de pessoas e mercadorias.
416
Todavia, o aumento no número de linhas aéreas operantes no território congolês tem relação direta com
o aumento do transporte ilegal de recursos naturais feito pelo meio aéreo.
417
Isso se deve principalmente aos recursos hidrelétricos do rio do Congo e das quedas de Inga. Com eles,
a RDC possui o potencial de produzir mais de 400 TWh/ano (terawatt-horas/ano) de energia hidrelétrica
de exploração economicamente viável (ECA, 2010:9). Além disso, pela grande capacidade de oferta do
produto, no longo prazo o custo da energia congolesa tende a ser muito mais acessível do que os de outros
países (estima-se a US$1,4 centavos por kWh, frente aos 6,9 da Etiópia e os 5,8 de Guiné). O Congo tem
ainda o potencial de se tornar o maior exportador de energia da África, com a estimativa de exportar 51,9
TWh ao Southern African Power Pool (SAPP), representando 15% de todo o consumo da área e 10% das
necessidades da África do Sul.
418
Em Katanga, há, em média, 19 interrupções mensais e um déficit energético de 900 MW, as
companhias mineradoras têm de implementar de seus próprios sistemas hidrelétricos locais. No país como
um todo, quase 40% das empresas possuem geradores elétricos próprios e quase metade da capacidade
instalada de geração elétrica pertence a companhias privadas com o intuito de autoabastecimento.
220
doméstica.419 Além disso, apenas uma pequena parte (2.400 MW) dos 100.000
MW de potencial hidrelétrico está desenvolvida e somente uma pequena fração
deste potencial (1.000 MW) está de fato em ordem de funcionamento.420

Mapa 12 – Planta Energética da RDC (2010)

Fonte: Fonte: AICD, 2010:4


Autor: CASTELLANO, 2012

Em suma, a RDC apresenta atualmente as consequências históricas de


investimentos restritos e esparsos na área infraestrutural. Ineficiências gerais
desperdiçam recursos na ordem de US$ 430 milhões a cada ano. Segundo o
Africa Infrastructure Country Diagnostic (AICD), para reconstruir sua
infraestrutura e tornar-se competitiva frente aos demais países em
desenvolvimento, a RDC necessitaria gastar durante a próxima década
aproximadamente US$5,3 bilhões anuais (ou 75% do PIB) no setor. Somente
para manutenções, deveria ser direcionado US$1,1 bilhão ao ano. Seja qual for o

419
Há ainda a necessidade de se reduzir o custo da energia para o setor privado, atualmente em US$23
centavos por kilowatt-hora. Também importa realizar reformas operacionais e institucionais na empresa
nacional de energia elétrica (Société National d’Electrcité (SNEL), cuja ineficiência absorve quase 4,7%
do PIB.
420
Outro agravante é a ineficiência da companhia estatal de energia SNEL, a qual distribui energia com
40% de perda (comparado com os 12% padrões do mercado) e deixa de coletar 40% de suas receitas
devidas – o que resulta em custos ocultos operacionais da ordem de 595% em relação às receitas (AICD,
2010: 7).
221
montante, importa entender a necessidade de políticas públicas na área, pois
“sem aumentar os gastos ou incrementar a eficiência, a RDC levaria mais de um
século para corrigir o déficit nacional de infraestrutura” (AICD, 2010:2).
Todavia, alguns avanços alcançados desde o fim da Segunda Guerra do
Congo trazem esperanças. O mais importante deles é a captura de importantes
financiamentos para a reconstrução da péssima rede viária nacional. Desde o
final da guerra, a reconstrução das redes rodoviárias tem sido uma prioridade, o
que se tornou possível com a garantia de recursos financeiros multilaterais e
bilaterais (como o supracitado acordo com a China). Pode-se citar ainda a
profícua parceria com a África do Sul, visando o estabelecimento de projetos
autônomos de construção de infraestrutura energética.421

6.3 A Esfera Distributiva


Não obstante falhas particulares, a liderança de Kabila parece, sim, ser
mais comprometida com a construção da capacidade estatal congolesa se
comparada com as lideranças anteriores. Na esfera distributiva, o bem-estar
social melhora em alguns pontos. Na área da saúde, houve o incremento de 600%
no gasto público entre 2002 e 2006 e o aumento de 2,35% na expectativa de vida
ao nascer de 2001 a 2009 (AFDB, 2010b). Na educação, entre 2002-2009, houve
o aumento de 1,60% de professores de primeiro grau e de 1,70% de professores
de segundo grau; e o incremento de 1,93% no número de estudantes matriculados
no segundo grau e de 1,82% no primeiro grau (AFDB, 2010b). No entanto,
descontado o crescimento populacional de 1,02% no período de 2001-2009
(IMF, 2010) – o aumento de alguns indicadores de bem-estar parece irrisório.422
Além disso, há gargalos importantes em ambas as áreas. Na educação,
após duas décadas de declínio econômico, caos político e guerra, as condições
educacionais no país tornaram-se extremamente difíceis. A situação é agravada
pelos deslocamentos internos e movimentos de refugiados, o grande crescimento
da população de crianças (atualmente 48% da população do país tem menos de
15 anos de idade), a falta de recursos do governo central, além de problemas
naturais como o grande número de línguas locais e a alta proporção da população
vivendo em regiões de floresta (de difícil acesso a instituições escolares).
Atualmente, o setor, que contava com 24% do gasto total do governo em 1980,

421
Houve recente assinatura de um acordo entre Jacob Zuma e Joseph Kabila para a construção do projeto
da hidrelétrica de Grande Inga, que envolverá cerca de USD 10 bilhões em investimentos e o
estabelecimento da maior usina hidrelétrica do mundo – com a capacidade para produzir 40.000
megawatts e para fornecer energia para mais de metade das 900 milhões de pessoas do continente
(DAILY, 2011; PALITZA, 2011). Além disso, a África do Sul atualmente parece apoiar um projeto
autônomo de exploração dos recursos energéticos da região, especialmente de hidrocarbonetos do Lago
Albert, e juntamente com a Itália demarca frente ao avanço neoconservador franco-britânico representado
por empresas petrolíferas como Tullow e Total (KAVANAGH, 2010; MANSON, 2010).
422
Lembra-se que, em relação a outros indicadores de bem-estar, como PIB per capita e IDH a situação é
sobremaneira preocupante. A população sofre com a pior renda per capita da África Subsaariana e
Mundial; e a pior posição no IDH, dentro de uma lista de 182 países (IMF, 2010; UNDP, 2012).
222
absorve apenas 6% deste gasto (dados de 2002) – o que prejudica principalmente
a educação primária.423
Na área da saúde, um grande problema enfrentado pela população é o
reduzido acesso aos serviços. Em 2000 (último ano disponível no banco de dados
do AfDB), 59% da população do país tinha acesso ao sistema – valor abaixo da
média africana de 63,67% (AFDB, 2010b). Já de acordo com o USAID, em
2006, 70% da população congolesa tinha pouco ou nenhum acesso a tratamentos
de saúde (WALDMAN, 2006). Esta realidade implica diretamente a alta taxa de
mortalidade no país, verificável mesmo após o fim formal dos conflitos
armados.424 Outros problemas importantes são a epidemia de HIV/AIDS, que
coloca o país entre os dez casos mais graves do continente, a falta de prestadores
de serviços de saúde, a falta de tratamento e distribuição de água potável e de
sanitários aperfeiçoados – além da dependência de parcerias com atores públicos
e privados, a falta de comprometimentos de doadores internacionais com a
gratuidade dos serviços e a falta de coordenação entre doadores (WHO, 2006,
AFDB, 2010b). Embora existam gargalos profundos, há aperfeiçoamentos no
controle dos órgãos responsáveis e na imunização de doenças facilmente
preveníveis425 (USAID, 2010).
Em âmbito geral, importa lembrar que o Congo de Mobutu buscara
traçar uma trajetória de construção de direitos fundamentais semelhante àquela
traçada pelo Brasil: oferecer direitos sociais antes de direitos políticos e civis.
Todavia, o colapso do Estado fez com que mesmo esses direitos fossem
praticamente anulados. É apenas o resquício dos direitos sociais anteriormente
garantidos que faz com que os indicadores de direitos fundamentais gerais do
Congo sejam menos graves, em alguns quesitos, do que os casos mais precários
na África Subsaariana (vide quadro 14). Não obstante, o país situa-se, em geral,
abaixo das médias regionais.

423
No que concerne à educação primária, cumpre salientar que, embora tenha atingido níveis de alto
desenvolvimento durante o período colonial, o seu sucateamento vem ocorrendo desde as políticas de
Mobutu de fortalecimento e priorização do ensino superior. Atualmente, o gasto público anual por aluno
secundário é três vezes maior do que o gasto com cada aluno primário, e o gasto com alunos superiores
chega a ser 20 vezes maior – graças principalmente aos baixos salários dos professores primários em
relação aos demais. As taxas de matrícula primárias são menores do que as existentes na década de 1970,
além de a taxa de graduação ser de apenas 29%, devido aos altos níveis de desistência e reprovação.
Ademais, entre 1986 e 2002, o número de matrículas cresceu a passos mais lentos que o próprio
crescimento populacional no período. (WB, 2010; AFDB, 2010b; WB, 2005:42)
424
De acordo com o International Rescue Committee, “de janeiro de 2006 a abril de 2007 a taxa bruta de
mortalidade (TBM) para o país foi de 2,2 mortes por 1.000 habitantes por mês. Esta taxa é 57% mais alta
que a linha básica relatada para a África Subsaariana (1,4) e mais de 80% maior do que as estimativas da
UNICEF antes do começo da guerra em 1998 (1,2). A TBM de 16 das 35 zonas de saúde (46%) excede a
norma regional da África Subsaariana. Cinco destas zonas estão no oeste e 11 no leste” (IRC, 2007:7).
Outro indicador importante é a taxa de mortalidade entre crianças com até cinco anos de idade. Neste
quesito, o Congo ocupa a terceira pior posição do continente (atrás somente de Chade e Angola), com
195,32 entre 1.000 crianças mortas até chegar aos cinco anos de idade – muito acima da média africana
(113,41 entre 1.000 crianças) (AFDB, 2010b). No mesmo sentido, está a expectativa de vida ao nascer da
população congolesa (47,81 anos de idade), a sétima pior do continente e bem abaixo da média africana de
55,34 anos (AFDB, 2010b).
425
Doenças facilmente evitáveis e tratáveis, como sarampo, malária, doenças diarreicas e infecções
respiratórias agudas, continuam a assolar uma população dizimada pela miséria absoluta, pela fome e pelos
deslocamentos internos - todos decorrentes diretos dos conflitos armados.
223
Cumpre ainda lembrar que as pressões internacionais para a
liberalização política e a implantação de uma democracia efetiva podem fazer
com que o país venha a traçar uma trajetória de aquisição de direitos
fundamentais raramente vista e relativamente questionável quanto à sua
sustentabilidade: a aquisição de direitos políticos antes mesmo de se estabelecer
direitos civis e sociais reais.
Estas pressões internacionais para a liberalização política resultaram na
construção de arranjos de power-sharing desde o estabelecimento do Governo de
Transição em 2003. A Constituição de Transição baseou-se em um evidente
sistema power-sharing, representado na efetivação da “inclusividade na política
congolesa” (KABEMBA, 2005:9. Tradução minha). Foi adotada a fórmula de
um presidente e quatro vice-presidentes (1+4) e um Parlamento bicameral
composto por cinco grupos principais e três entidades menores que participaram
do DIC e assinaram o acordo de paz final. Arranjos power-sharing foram
implementados no Executivo (1+4), no Parlamento426 e nas Forças Armadas.
Houve valorização da participação dos grupos beligerantes no governo, mesmo
aqueles financiados pelos países agressores.427

Quadro 14 – Índices de Direitos Fundamentais: RDC, África Subsaariana


e América Latina (2009)
Direitos
Direitos Civis Direitos Sociais
Políticos
Dir. de
Força dos propriedad Políticas de
Liberd. Proteção
direitos e respeito inclusão Liberdades
Civis social
legais aos social Políticas
(7=baixo; (1=baixo;
(0=fraco; contratos (1=baixo; (7=baixo; 1=alto)
1=alto) 6=alto)
10=forte) (1=baixo; 6=alto)
6=alto)
RD Congo 3 (13ª 2 (5ª pior) 6 (7ª 3 (17ª 2,8 (11ª 6 (8ª pior)
(posição na pior) pior) pior) pior)
ASS)
África 4,54* 2,76** 4,18 2,36** 3,12** 4,45
Subsaariana
Haiti 3 2 5 2,5 2,7 4
Brasil 3 n.d. 2 n.d. n.d. 2
Notas: *Dados para 46 países; ** Dados para 38 países. A escolha do Haiti deveu-se ao fato de que este país possui as
piores médias para os países da América Latina e Caribe, perdendo apenas para Cuba no que diz respeito a Direitos
Políticos e Liberdades Civis. A escolha do Brasil tem exclusivamente o intuito de comparação.
Fontes: FH, 2010; WB, 2012.
Autor: CASTELLANO, 2012

426
O Parlamento foi composto por 620 assentos alocados proporcionalmente, 500 da Assembleia Nacional
e 120 do Senado. Do total, 348 assentos foram destinados aos três grandes beligerantes (PPRD, RCD e
MLC) e 272 assentos para outros grupos relevantes e entidades menores.
427
Por um lado houve a tentativa de assegurar que o processo não fosse “controlado pelos beligerantes
[dando] à oposição não armada e à sociedade civil (...) o mesmo número de assentos tanto na Assembleia
Nacional quanto no Senado” (KABEMBA, 2005:12. Tradução minha). Por outro, “a situação na RDC é
que todos os beligerantes querem ter parte na administração do Estado; e como não houve vencedor no
campo de batalha, todos os beligerantes são [foram] considerados iguais nas negociações” (Ibidem).
224
Posteriormente, um novo sistema eleitoral foi formulado pela
Commission Electorale Indépendante (CEI), conforme previsto na Constituição
de Transição. Como base para processo eleitoral, foi referendada a nova
Constituição da RDC nos dias 18 e 19 de dezembro de 2005. A nova
Constituição, que entrou em vigor em 6 de dezembro de 2006, consolidou a
legislação eleitoral da RDC. O novo sistema definiu um governo presidencialista
com eleições majoritárias para presidente e com segundo turno tipo run-off. O
Legislativo nacional bicameral foi dividido em 500 assentos para a Assembleia
Nacional, eleita por um sistema misto (prevalecendo o sistema proporcional para
107 de 169 distritos) e 104 assentos para o Senado, eleitos pelas Assembleias
Provinciais por representação proporcional (RP)428. Para todo o Legislativo foi
adotado o sistema de lista aberta. Os mandatos do Executivo e Legislativo são de
5 anos, sendo que o presidente pode ser reeleito uma vez. Ademais, o país foi
redividido em 25 províncias, mais Kinshasa, intensificando-se a
descentralização, aos moldes do modelo indiano (LIJPHART, 1996).429 Os
principais arranjos de power-sharing dispostos no novo sistema político da RDC
são representação proporcional, federalismo, sistema bicameral e governo de
coalizão (EISA, 2006 e 2007; PACO, 2006).
Não obstante a instituição de um modelo institucional de power-sharing,
a poliarquia congolesa ainda é caracterizada pela instabilidade. As eleições
presidenciais realizadas em 2006 tiveram de ser protegidas pelas tropas da ONU
(além de o principal líder da oposição, Etienne Tshisekedi, as ter boicotado) e as
eleições locais (provinciais, comunais, territoriais, e municipais) não foram
realizadas e são constantemente prorrogadas.
Além disso, no início de 2011, J. Kabila conseguiu articular com a sua
maioria no parlamento a aprovação de diversas emendas constitucionais que
garantiam maiores poderes ao presidente. Houve, por exemplo, a mudança na
legislação eleitoral, estabelecendo a supressão do segundo turno e a eleição
presidencial em maioria simples no primeiro turno. A iniciativa desagradou os
partidos de oposição, que, contudo, permanecem pulverizados, incapazes de
estabelecer um movimento nacional e pacífico. Como resultado, J. Kabila
garantiu sua reeleição em 28 de novembro de 2011.
Ademais, como visto acima, a inclusão de grupos beligerantes no regime
político gera desequilíbrios consideráveis. Como resultado, a RDC continua
sendo relacionada como um país não livre nos indicadores da Freedom House
(índice 6).
Tudo parece depender da conquista da esfera mais importante para a
existência do Estado segundo o conceito weberiano. Não há como existir uma
estrutura extrativa efetiva ou a distribuição real de direitos e bem-estar sem que
haja um Estado de fato. Ou seja, o monopólio do poder coercitivo – um exército
nacional minimamente confiável e efetivo (eficaz e eficiente). Ademais, a
capacidade de se proteger contra ameaças externas parece ser fundamental para

428
Na câmara alta, há seis representantes de Kinshasa e quatro de cada uma das outras 25 províncias.
429
Importa que a nova divisão territorial, apesar de estabelecida na Constituição de 2005, ainda não foi
adotada na prática. Por esse motivo, este livro adotou a divisão territorial de 1997, que reúne 11
províncias.
225
um país tão vasto, com uma distribuição populacional tão irregular e possuidor
de recursos tão valiosos. Se antes de Joseph Kabila, a postura dos líderes
políticos parece ter sido o fator que mais barrou a construção de outras esferas
estatais, com a ascensão desse líder o Estado parece depender muito mais da
consolidação de sua capacidade coercitiva para realizar suas tarefas de extração e
de distribuição de direitos, bem-estar e justiça.

6.4 RSS na RDC: A peça-chave para a Definição Militar do Conflito


Esta seção trata do processo atual de Reforma do Setor de Segurança
(RSS) no Congo e prospecta os desafios para a construção de um exército
nacional permanente. A RSS é fundamental, pois a RDC, ao escolher a
alternativa da paz negociada, viu-se frente ao problema da inclusão dos grupos
beligerantes nas forças de segurança. Sob a agenda da RSS entram questões que
envolvem desde a formação ou não de um exército permanente, a estruturação
das forças policiais e constabulares, da estrutura carcerária, além do próprio
sistema judicial. A RSS no Congo padece do defeito óbvio da atomização, mas é
o que situa o debate acerca da importância da combinação dos meios militares e
não militares na definição da guerra. A construção de escolas, estradas e quartéis
é tão importante quanto a vitória militar sobre os grupos de Uganda e Ruanda
que ainda atuam no país, bem como o desarmamento dos insurgentes internos.
Caso a RSS adotasse o projeto do exército nacional permanente, teria um
elemento para unificar os aspectos civis e militares da agenda e hierarquizá-los
de acordo com prioridades claras.
Pode-se afirmar que, no presente momento, a definição do conflito na
RDC passa por três movimentos, dois militares e um não militar. O primeiro diz
respeito à vitória frente aos grupos estrangeiros ainda atuantes no país (FDLR e
LRA). Trata-se de perceber que mesmo antigos aliados, como Hutu de Ruanda,
têm de ser desarmados, pacificados e repatriados para que a população congolesa
possa obter segurança e dignidade. Embora originalmente estes grupos tenham
servido para o Congo fazer frente a seus vizinhos, é forçoso constatar que
atualmente as FDLR e o LRA representam uma ameaça maior para o próprio
Congo do que para os governos de seus países de origem. Isso importa também
como medida de confiança para seja possível uma maior aproximação com os
países vizinhos, importantes aliados nas tarefas de contrainsurgência, embora
restem dúvidas sobre a sua real integridade nesta aliança.
O segundo movimento militar refere-se à vitória frente aos grupos
internos insurgentes ainda atuantes. Isso importa para o êxito do próprio modelo
do power-sharing: é preciso que haja um sistema baseado na “recompensa” e no
“castigo” para os grupos que se integram ao processo de paz e àqueles que
permanecem em armas. Esta distinção é crucial para que os grupos já pacificados
e em processo de integração às forças de segurança não sucumbam à tentação de
retornar à condição de insurgentes. É fato que o processo de integração deve
acabar em algum momento. A situação atual – em que, por um lado, há
recorrente retomada da luta armada por grupos anteriormente integrados às
FARDC (i.e. CNDP e M23) e, por outro, os rebeldes nacionais já foram em sua
226
maioria desmobilizados ou desarmados – parece ser o momento ideal para que
isto ocorra.
O terceiro movimento é o mais importante, pois condiciona o sucesso
dos dois primeiros. Trata-se da construção de uma capacidade militar necessária
e suficiente para dissuadir o surgimento de novos grupos armados e para reprimir
os grupos já atuantes. Dito de outra forma, para superar as deficiências militares
históricas (ausência de elites gestoras e capacidade burocrática) e aquelas
agravadas pelo processo de integração (capacidade de combate) e pela RSS
atomizada. Em suma, a RDC vê-se diante da contingência de instituir um
processo de RSS coordenado, capaz de estabelecer cronograma, prioridades e
hierarquia entre tarefas, tendo um objetivo definido (missão), cujo propósito
superior (finalidade) serve de critério para implementar uma agenda que, de
resto, permanece atomizada (como se cada tarefa fosse um fim em si mesmo).
Então importa reconhecer o propósito de construir um exército nacional
permanente, objetivo que serve como missão, ou finalidade, para que as reformas
da RSS estabeleçam metas e prioridades precisas que sejam sinérgicas entre si. A
tradução empírica são reformas de longo prazo (quartéis, escolas e estradas),
integradas (coordenação entre diferentes programas e doadores) e sustentadas
(cooperação técnica internacional para a construção de estradas, escolas militares
e o treinamento de oficiais congoleses). Trata-se, em última análise, de superar
os atuais desafios da RSS no Congo tanto nas forças policiais quanto nas Forças
Armadas.

Breve histórico da RSS no Congo


A reforma das forças policiais da RDC começou em 2003 sem um plano
estratégico, permanecendo iniciativas ad hoc. Envolveram o suporte da União
Europeia (EUPOL); da França, de Angola, da África do Sul, da Grã-Bretanha, e
a ONU (MONUC Police) (ICG, 2006). O caso da reforma das forças policiais
serve de exemplo de como um plano de integração de forças beligerantes pode
vir ao fracasso logo no início de seu estabelecimento. O plano de integração
nacional das forças policiais adotado no Governo Transicional foi abolido em
2004, devido às complicações intrínsecas ao processo430, mantendo-se uma
integração (somente nas forças especiais)431.
A integração das ex-forças combatentes gerou alguns problemas
adicionais como: a insuficiência de recursos governamentais devido ao aumento
do gasto público decorrente da integração das forças432 e a corrupção em larga

430
“O processo de integração se mostrou tão complicado, o transporte tão difícil e a habitação tão escassa,
[...] que em outubro de 2004, a Comissão Mista de Reforma da Segurança, em que as autoridades
congolesas e os doadores se encontravam, abandonou a integração nacional e decidiu procedê-la em nível
local” (ICG, 2006:6. Tradução minha).
431
“Ao contrário do exército, não houve a integração nacional da polícia. Houve um esforço para integrar
as diversas facções em unidades especializadas, mas não na Polícia Territorial. Para esta última, as
estruturas já existentes foram mantidas, e o treinamento foi descentralizado para o nível provincial” (ICG,
2006:7. Tradução minha).
432
Houve pouco envolvimento de doadores na reforma policial (poucos equipamentos e treinamentos
curtos).
227
escala433. Mesmo com alguns sucessos em Kinshasa434, as forças policiais
permanecem incapazes de prover segurança à população e ao Estado; sua tarefa
acaba sendo cumprida com o auxílio de outras forças como as FARDC. Por outro
lado, a tentativa ineficaz das Forças Armadas em compensar nas tarefas policiais
desvia seu foco principal de dar cabo aos conflitos do leste (LRA, FDLR e M23).
Por seu turno, a RSS das Forças Armadas (FARDC) teve início
concomitante à formação do Governo de Transição, com vistas a sustentar o
processo de integração dos ex-grupos beligerantes. A base principal para o
processo ocorreu a partir de parcerias técnicas bilaterais (o que, em princípio,
dificulta a coordenação e tende à atomização). Por exemplo, Bélgica e Holanda
proveram fundos para a melhoria de centros de reagrupamento das FARDC,
enquanto Bélgica, Angola, África do Sul e, posteriormente, a MONUC
auxiliaram com treinamento militar (BOSHOFF, 2008; WOLTERS e
BOSHOFF, 2006; JANE`S, 2009).
No que tange ao processo de integração de ex-combatentes nas FARDC,
a RSS pode ser dividida em duas fases principais: a primeira, de 2003 a 2006; e a
segunda, de 2008 até os dias atuais.
Na primeira fase (2003-2006), a integração militar iniciou-se como parte
de um programa conjunto (Tronc Comum) que englobava, por um lado, a
Desmobilização, o Desarmamento e a Reintegração (DDR) de ex-combatentes
que quisessem ingressar na vida civil435 e, por outro, a integração nas Forças
Armadas dos combatentes que preferissem seguir a carreira militar.436 Como
resultado, foram desmobilizados 180.000 combatentes, dos quais 130.000 foram
reintegrados à vida civil e 50.000 incorporados às FARDC. O objetivo principal
da primeira fase era desmobilizar os combatentes da Segunda Guerra do Congo e
estabelecer a segurança interna para as eleições de 2006. Nesta data, com 70.000
soldados das FAC e 19.000 rebeldes ainda por serem desmobilizados, as metas
da primeira fase de integração estavam longe de serem alcançadas. Contudo, o
processo foi dado por encerrado no início do novo mandato de J. Kabila, em
2007.
Para além do passivo da primeira fase, a segunda fase da integração foi
ainda mais conturbada devido à pressão do ressurgimento da guerra do leste
(Estado de Violência). Esta etapa teve início em 2008, justamente, no auge dos
combates com o CNDP e grupos Mai Mai. A principal resposta não militar
constituiu-se na pura e simples aceleração do processo de integração dos grupos
rebeldes nas FARDC. Isso se intensificou ainda mais após o acordo de paz
assinado com o CNDP em março de 2009. Em síntese, se o processo de

433
A integração e a falta de comprometimento dos ex-grupos rebeldes com o governo central fazem com
que salários não sejam devidamente passados pela cadeia de comando, sendo desviados.
434
Em junho de 2005, houve o controle de levantes em Kinshasa devido ao adiamento das eleições,
mediante o envio de 2.500 homens da Polícia de Intervenção Rápida (PIR), unidade de mobilidade
especializada no controle urbano, e 1.000 homens da Unidade de Polícia Integrada (UPI), unidade
direcionada à proteção das instituições de transição em Kinshasa (ICG, 2006:6 e 32).
435
O DDR teve o seu instrumento legal no Programa Nacional de DDR (PNDDR); a sua administração na
Comissão Nacional de DDR (CONADER); e o seu financiamento principal no fundo Emergency
Demobilization and Reintegration Project (EDRP) do Banco Mundial.
436
A integração das Forças Armadas foi administrada pela Structure Militaire d’Intégration (SMI) e
financiada pelo governo congolês e doações bilaterais.
228
incorporação havia sido precário na primeira fase (2003-2006), a retomada da
guerra no leste tornou o processo caótico a partir de 2008. O estabelecimento de
hierarquia, comando e controle no setor de segurança (forças policiais e
militares) tornou-se precário ou inexistente.
Os pontos negativos do processo são claramente observáveis. (1) A
integração foi feita sem controle dos que ingressavam nas FARDC ou na PNC,
como, por exemplo, antecedentes criminais, violações de direitos humanos ou
perpetração de crimes de guerra (BOSHOFF et alli, 2010). (2) As FARDC foram
criadas com base em um acordo de paz vago com relação aos detalhes e à
distribuição de poderes no novo exército. (3) O Diálogo Intercongolês falhou em
definir princípios adequados e mecanismos para a integração das várias facções
combatentes em um exército nacional unificado. (4) Os grupos buscaram manter
estruturas de comando suficientemente fracas para que nenhuma facção pudesse
sozinha controlá-las – o que resultou em múltiplas estruturas de poder
concorrentes. (5) Sobretudo no caso do CNDP, a prioridade foi simplesmente a
de neutralizar o impacto da ação dos grupos armados e de mais uma vez encerrar
nominalmente a guerra. A agenda da RSS ficava ainda mais distante de
estabelecer as bases para um exército nacional genuíno.
Além disso, o sistema de cotas para a alocação no exército
(racionalização imprescindível para a efetivação da integração) gerou graves
distorções. Esse sistema fez com que oficiais qualificados fossem demitidos,
enquanto oficiais não treinados ou treinados em poucos dias adquirissem um
cargo. Ao passo que ex-oficiais da FAZ haviam levado 20 anos para atingir o
posto de General, um cidadão armado Mai Mai chegava a este posto em um ano.
Estas distorções estabelecem dificuldades sobre as quais se assenta qualquer
cadeia de comando e controle (C2).437 É difícil de esperar que oficiais de carreira
sejam leais a comandantes “integrados” – como no caso descrito acima – e, de
forma análoga, é difícil esperar do miliciano a disciplina devida a seus oficiais
superiores, quando não pertencentes a seu próprio grupamento.
Aqui desponta a importância das escolas militares como critério para
formação de carreira burocrática (plano de cargos e salários), característica de
qualquer organização militar. Neste caso, o concurso da meritocracia (exercício
do comando baseado no conhecimento) é imprescindível para criar a base da
legitimidade sem a qual a disciplina militar torna-se meramente formal e acaba
sendo impossível falar em uma verdadeira cadeia de C2.
Além das dificuldades inerentes à integração promovida nos padrões do
power-sharing hard, verifica-se que mesmo seu cumprimento é contingenciado.
Isso é observado quando ex-líderes rebeldes relutam em enviar suas melhores
tropas para a estrutura de integração. Ao mesmo tempo, essas lideranças lucram
com o processo descontrolado de integração e com o aumento no número de
soldados fantasmas. Os comandantes das ex-forças combatentes inflam seus
números e garantem pagamentos para tropas inexistentes (dinheiro que segue

437
Comando e Controle (C2) - “O exercício da autoridade e direção por um comandante devidamente
designado sobre as forças atribuídas e designadas para o cumprimento da missão.” (USA, 2011:65.
Tradução minha). Simplificadamente, trata-se da capacidade de dar ordens e de verificar se estas foram
cumpridas.
229
para seus próprios bolsos). Inexistem números precisos sobre o novo exército e
os pagamentos são alocados para uma quantidade geralmente superior à real. Em
2006, a metade dos USD 8 milhões direcionados mensalmente para salários ia
para soldados fantasmas (ICG, 2006:16)
A RSS acaba por falhar em dois pontos principais. Primeiro, na falta de
coordenação entre doadores internacionais, em grande medida devido a disputas
pela liderança do processo. Como exemplo, ONU e EUSEC competem entre si
pelo controle dos programas, mas não conseguem cooptar efetivamente
doadores, tais como Angola, China e África do Sul (BOSHOFF et alli, 2010).
Além disso, a falta de coordenação permite que o Ministério de Defesa duplique
pedidos de doações e parcerias. Outro problema decorrente da falta de
coordenação entre parceiros bilaterais ocorre no caso do treinamento das forças
integradas. Diferentes programas bilaterais de treinamento pouco coordenados
produzem batalhões heterogêneos e com reduzida interoperatividade.
Reproduzem-se núcleos pouco integrados e baseados em diferentes doutrinas
militares.
Em segundo lugar, há importantes constrangimentos internacionais que
bloqueiam recursos multilaterais direcionados a programas de reestruturação
militar. O Banco Mundial, que coordena o maior fundo de DDR para a RDC,
proíbe a utilização de seus recursos para o pagamento de militares ou a
reestruturação de Forças Armadas. Os recursos têm de ficar a cargo do governo
congolês ou de doadores bilaterais. Há muito dinheiro para as pessoas que
deixam o exército, mas pouco para os que permanecem em serviço. Assim, “80%
dos ex-combatentes escolheram pela desmobilização ao invés da integração no
exército. Como consequência, as brigadas tiveram de ser reduzidas de 3.500 para
aproximadamente 2.200 homens” (ICG, 2006:25. Tradução minha). Na prática,
disposições como esta do Banco Mundial, oriundas das instituições multilaterais,
bem como a competição pelo controle de programas e as parcerias bilaterais
feitas à revelia proíbem que o exército nacional permanente seja colocado no
topo da agenda da RSS (simplesmente é impossível custeá-lo).
Enquanto doadores apoiam a MONUSCO com mais de US$1 bilhão
anuais, eles recusam a possibilidade de fornecimento de equipamentos básicos
para as brigadas integradas e recursos que contribuam para condições de vida
descentes aos militares. Mesmo os EUA, que lançaram o AFRICOM
(supostamente, o único Comando do país destinado a dar assistência e não
prioritariamente planejar operações militares ou missões de combate) pecam ao
contribuir apenas com itens secundários (materiais não letais, calçados e
purificadores de água) que pouco ou nada fazem para alterar o status quo do
Estado de Violência (ICG, 2006:21). Somente a Bélgica respondeu aos apelos
congoleses de melhoria logística e de equipamentos. A despeito do
comportamento belga, sem o suporte logístico (débil) da MONUSCO, as
unidades congolesas são ainda mais inefetivas. Em grande medida, a dificuldade
em obter doações de viaturas deve-se à inexistência de um corpo técnico (cabos e
sargentos) capazes de empreender as tarefas elementares de manutenção e
conservação dos mesmos. Para tanto, são necessárias escolas militares de nível
médio. Daí se constata que, mesmo para a mobilidade estratégica das tropas da
230
ONU, isso para não falar das FARDC, é preciso de um exército nacional que
forneça a estrutura logística às operações militares.
Como visto, os desafios à continuidade do processo de RSS não são
pequenos. Trata-se, no entanto, de uma empreitada fundamental para que se
alcance a definição militar do conflito, que requer comprometimento nacional e
internacional. Há, inclusive, a possibilidade de que o Brasil contribua para que
isso ocorra.

6.5 As Relações Brasil-RDC: oportunidades para a construção do Estado


A política exterior brasileira para a África teve historicamente elementos
de continuidade e ruptura. No âmbito da continuidade, importa o fato de que a
aproximação entre as duas regiões, vista desde o período do pós-II Guerra
Mundial, mas realmente realizada a partir da década de 1960, com a
independência da maior parte dos países africanos, priorizou os países de língua
portuguesa e a região da África Austral, expandindo-se eventualmente para o
Atlântico Sul como um todo. Estes elementos, bem como argumentos de que a
África está intrinsicamente vinculada aos fundamentos da história e da cultura
brasileira, perpassaram toda a recente trajetória de relações entre o Estado
brasileiro e os países africanos. Para esse elemento de continuidade, contribuiu
imensamente a diplomacia do Itamaraty – que adquiriu desde o início desse
processo a noção da centralidade que o continente africano deveria ter na política
exterior brasileira.
Houve, contudo, relevantes fatores de descontinuidade nessas relações,
que puderam ser percebidos nas variações de intensidade das relações comerciais
com o continente, na intensidade e no escopo geográfico das relações
diplomáticas (principalmente no que se refere a visitas presidenciais e
embaixadas estabelecidas no continente) e na maior ou menor institucionalização
das iniciativas. Mudanças nessas variáveis foram condicionadas por
constrangimentos advindos do sistema internacional e pelo tipo de política
externa levada a cabo em cada mandato presidencial no Brasil.438
Em termos gerais, houve durante os governos de Jânio Quadros e João
Goulart uma aproximação inédita do Brasil em direção ao continente, no
contexto das alternativas estratégicas buscadas pela Política Externa
Independente de San Tiago Dantas. Essa tendência teve um revés significativo
com a ascensão do regime militar brasileiro e as políticas de Castelo Branco e
Costa e Silva de alinhamento hemisférico e reprodução da agenda norte-
americana da Guerra Fria. O quadro levou ao país a apoiar os regimes
autoritários de Portugal – em detrimento dos movimentos independentistas nas
colônias africanas – e o regime racista da África do Sul.
Todavia, foi pelo lado do comércio e das necessidades estruturais de
transição do modelo de substituição de importações no Brasil para o de

438
Não é intenção desta seção fazer uma revisão da política externa africana para a África, mas apenas
traçar suas linhas gerais relacioná-las com a política brasileira para a RDC. Para análises aprofundadas
sobre a política africana do Brasil, vide Visentini (2010, 2011), IPEA (2011), Saraiva (1996, 2010),
Rodrigues (1964), Ribeiro (2007).
231
substituição de exportações que houve o início de relações mais assertivas com o
continente. O Governo Médici ampliou a intensidade do comércio e o escopo
geográfico das relações com os países africanos. Essa aproximação pelo lado
econômico teve sua complementação política com a chegada do governo Geisel e
o estabelecimento de um giro completo na política africana do Brasil até então
posta a cabo pelo regime militar. Três foram as principais inflexões. Primeiro,
houve o distanciamento da noção de segurança hemisférica que interessava aos
Estados Unidos no contexto da Guerra Fria. O subdesenvolvimento, e não o
comunismo, tornava-se a principal ameaça para o Brasil. Assim, o país se
aproximou dos movimentos independentistas de caráter marxista na África, tendo
como ponto simbólico o reconhecimento do governo do MPLA em Angola,
colocando Brasil e EUA em eixos de alianças opostos. A segunda inflexão, o
anticolonialíssimo, esteve diretamente relacionada com a primeira, na medida em
que o Brasil se distanciava do alinhamento com Portugal e passava a apoiar os
processos de independência de suas colônias. Por fim, outra inflexão foi o
antirracismo e a condenação do regime sul-africano do Apartheid, alinhando-se
aos demais países africanos em um dos únicos pontos que pareciam integrar todo
o continente no âmbito da OUA.
O governo de Figueiredo manteve a postura política anterior (realizando
a primeira viagem presidencial oficial ao continente), e o de José Sarney, apesar
de sofrer de constrangimentos sistêmicos muito mais significativos (que se
refletiam na redução gradual do comércio entre Brasil e África), assegurou à
política africana esforço de institucionalização. Neste âmbito, pode-se citar os
primeiros passos para a construção da CPLP, mediante a proposta de criação do
Instituto Internacional da Língua Portuguesa e a significativa iniciativa do
estabelecimento da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS), ato
simbólico (no âmbito das intervenções extrarregionais na Guerra das Malvinas e
na continuidade da Guerra Civil de Angola) que superou a oposição dos EUA.
Todavia, a chegada da década de 1990 e a ascensão de governos
neoliberais no Brasil contribuíram para agravar os obstáculos que a crise
econômica trazia para as relações entre as duas regiões. A exceção foi o breve
governo de Itamar Franco – que, pela postura de Celso Amorim no MRE, tentava
resgatar o papel da África na política exterior brasileira. Isso ocorreu mediante o
esforço significativo de criação da CPLP, a publicação de artigos sobre o tema, a
mobilização e valorização do grupo de embaixadores africanos em Brasília, e a
atribuição de um papel central para as missões de paz de que o Brasil participava
no continente. Exceto por esse interregno, houve um significativo distanciamento
do continente em termos de volume de comércio e em termos de escopo e grau
de institucionalização das relações diplomáticas – que presenciaram uma
amplitude geográfica mais restrita (viagens presidenciais restritas à África
Austral) e o fechamento de embaixadas (seis no total).
A mudança nessa tendência de distanciamento do continente africano em
favor de uma política de credibilidade com os países do norte, com os regimes
internacionais e de priorização de uma integração de cunho comercialista na
América do Sul (regionalismo aberto) foi percebida já no segundo mandato de
FHC, mas mais fortemente com a ascensão do Governo de Luiz Inácio Lula da
232
Silva. Lula estabeleceu a política africana no centro de sua política de
cooperação Sul-Sul – o que gerou uma importância inédita atribuída ao
continente. Isso pôde ser verificado em termos de comércio 439 e investimentos,
de escopo e institucionalização das relações diplomáticas440, de políticas de
cooperação técnica internacional.
Nesse âmbito, houve (1) o desenvolvimento de uma política de
segurança alimentar, com a abertura de escritórios da Embrapa no continente; (2)
os esforços para uma política de biocombustíveis, com estudos para a instalação
na África de uma unidade produtiva de cana-de-açúcar articulada a uma usina-
piloto de etanol; (3) a inauguração de uma política agrícola de desenvolvimento,
principalmente ligada à produção de algodão, com a implantação de fazendas-
modelos em Mali, Burkina Fasso, Chade e Benin; (4) e o fortalecimento de uma
política de saúde pública, que já vê resultados com a abertura, em Moçambique,
de um escritório da Fiocruz e de uma fábrica de medicamentos genéricos e
antirretrovirais. Destacam-se ainda os esforços gerais de cooperação técnica em
nível ministerial no âmbito da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), da
Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (APEX), da
Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), da EMBRAPA e da Agência Brasileira de
Desenvolvimento Industrial (ABDI).441
Além disso, houve a mobilização dos vínculos intersociais (empresas e
movimentos socioculturais). No último ponto, importa que houve de maneira
inédita a tentativa de resgate da importância que a África possui na construção da
identidade brasileira e do papel moral que o Brasil possui com o continente que
forneceu a maior parte de sua população – sendo que, desta, uma porção
considerável é descendente de escravos e ainda hoje vive em condições
econômicas precárias.
No que diz respeito à República Democrática do Congo, pode-se afirmar
que as relações do Brasil em direção a este país africano é marcada por dois
elementos estruturais. Em primeiro lugar, importa a relevância que populações
originárias de unidades políticas localizadas no território da atual da RDC
tiveram para a cultura e sociedade brasileiras. Vindos como escravos para o
Brasil, contribuíram para a construção de uma cultura popular geralmente
reprimida pelo branco, mas que pôde sobreviver ao longo do tempo pela luta
social do negro e a adoção de estratégias de ressignificação de símbolos culturais
do branco. Hoje esses elementos conformam parte significativa da multiplicidade
de manifestações presentes na cultura nacional. Em segundo lugar, importa a

439
O fluxo de comércio entre Brasil e África aumentou mais de 400% desde o início do governo Lula,
atingindo o patamar de US$ 26 bilhões em 2008 (PEB, 2009).
440
Em oito anos de mandato, Lula visitou o continente mais de dez vezes abarcando uma amplitude
geográfica significativa (todas as regiões do continente).
441
Momentos simbólicos dessa aproximação foram verificados nas duas Cúpulas América do Sul-África,
em novembro de 2006 (Abuja, Nigéria) e setembro de 2009 (Isla Margarita, Venezuela), com liderança
brasileira e nigeriana; na Assinatura do Acordo de Comércio Preferencial entre Mercosul e União
Aduaneira da África Austral (SACU) entre 2008 e 2009; no Discurso Luiz Inácio da Silva na cerimônia de
abertura da 13ª Assembleia da União Africana em julho de 2009; na criação do Diálogo Brasil-África
sobre Segurança Alimentar, Combate à Fome e Desenvolvimento Rural, em maio de 2010 (Brasília); e na
instituição da Universidade Federal da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira no mesmo
ano.
233
dívida histórica que possui o Brasil por ser parte sustentadora do sistema de
tráfico escravagista que contribuiu, ao mesmo tempo, para dizimar populações
(enquadrá-las em um sistema de trabalho forçado e suprimir parte de sua cultura
e estrutura social) e para desestabilizar unidades políticas africanas (como o
Reino do Kongo) em nome desse mesmo sistema.
Para além dos lados históricos positivos e negativos, as relações recentes
entre ambos os Estados tiveram um marco inicial profícuo. O Brasil reconheceu
a independência da então République du Congo em 17 de agosto de 1960 e logo
deu status de destaque à posição do país em sua política externa. Isso ocorreu,
sobretudo, no âmbito da ONU – quando o Brasil teve importante papel na
ONUC. Foram enviados quase 200 militares da FAB, que tiveram atuação em
situações reais de guerra, buscando garantir a soberania e autodeterminação do
governo de Lumumba. De fato, viam-se, em ambos os países, trajetórias
relativamente semelhantes de governos neutralistas e progressistas estabelecidos
em períodos análogos sendo ameaçados e depois derrubados por militares
também em momentos similares.
Se os governos progressistas civis haviam se aproximado pelo princípio
da solidariedade, paradoxalmente, as próprias ditaduras estabelecidas foram fator
de aproximação entre os dois países, agora por oportunidades econômicas.
Salienta-se que, apesar da atuação pró-ativa do Brasil na crise do Congo,
somente em julho de 1968 o país foi estabelecer relações diplomáticas com o
Congo. O alinhamento ideológico deixava livre o caminho para a exploração de
oportunidades econômicas. Lembra-se que, na época, o Congo possuía uma das
maiores economias da África e vivenciava políticas de fortalecimento estatal – o
que sinalizava um significativo potencial para a compra de produtos
industrializados brasileiros.
Assim, em abril de 1972, foi criada a embaixada do Brasil em Kinshasa,
sucedida pela visita do Ministro das Relações Exteriores Mario Gibson Barboza
ao Zaire, em novembro do mesmo ano. Na ocasião, o momento mais
desenvolvimentista do regime de Mobutu ficou marcado. O ministro brasileiro,
recebido pelo General, visitou obras infraestruturais como a estação terrestre de
telecomunicações e a barragem hidrelétrica de Inga, além de símbolos da
exaltação do partido e da figura de Mobutu (a cidade do Partido e o domínio
presidencial de Niselé), bem como do caráter africanista do regime (Feira de
Kinshasa). Na visita, foi firmada uma Convenção Geral de Cooperação (que
instituía a Comissão Mista-Brasil Zaire) e uma Declaração Conjunta que
destacava, além da centralidade da ONU para a manutenção de paz e a segurança
internacional, a imperatividade do desenvolvimento para os países do Terceiro
Mundo.
No ano seguinte, foi dada continuidade à aproximação com a visita ao
Brasil, entre 26 de fevereiro e 5 de março de 1973, de Nguza Karl I Bond,
Comissário de Estado Encarregado dos Negócios Estrangeiros da Cooperação
Internacional, e de uma delegação composta por Conselheiros e Comissários de
Estado responsáveis por temas ligados aos negócios estrangeiros, comércio e
cooperação internacional. O Comissário foi recebido pelo Ministro Mario Gibson
Barboza, com quem assinou quatro acordos específicos que davam continuidade
234
e cumprimento à Convenção “guarda-chuva” de 1972. Além dos acordos mais
genéricos de Cooperação Cultural e Cooperação Técnica e Científica destacam-
se o Acordo Comercial e o Acordo de Serviços Aéreos. O primeiro buscava
facilitar contatos e comunicações visando ao comércio dos dois países; incentivar
a promoção de feiras, exposições comerciais e missões empresariais; e facilitar e
apoiar por todos os meios o comércio bilateral, sobretudo de produtos listados.442
Já o segundo acordo procurava contribuir logisticamente para que a aproximação
comercial fosse efetivada.443 Ademais, a declaração ministerial conjunta
sinalizava o comprometimento com a identificação dos meios práticos para o
estabelecimento da ligação entre Brasil e Zaire e a intenção mútua de que se
instalasse a Embaixada do Zaire em Brasília – o que foi concretizado em 1974.
Se o início da década de 1970 foi marcado por uma aproximação
crescente e objetiva entre os países, tanto em termos diplomáticos quanto
comerciais, em meados da década, ambos os regimes fizeram inflexões
importantes em seu perfil de governo e política externa – o que gerou
consequências para o relacionamento bilateral. Enquanto o Brasil de Geisel
passava a valer-se mais do pragmatismo, Mobutu ideologizava cada vez mais o
regime e intensificava o seu papel como gendarme da Guerra Fria na África. Os
diferentes caminhos tomados pelos dois países e, paradoxalmente, o próprio surto
africano no governo brasileiro acabaram por afastá-los. Na prática, a postura
ideológica de Mobutu contra o governo do MPLA em Angola, apoiando política
e militarmente o rival FNLA, opunha-se a pelo menos dois dos três pilares da
política africana do Brasil. Isso, pois a política de Mobutu era claramente
sustentada no anticomunismo (contra MPLA e tinha uma história de repressão a
ameaças revolucionárias internas), além de flertar com o regime racista do
Apartheid (apoio tácito ao regime sul-africano quando passaram a ser aliados na
guerra). Como resultado, manteve-se congelada a aproximação diplomática
enquanto dava-se privilégio a uma política comercialista.444
Todavia, o distanciamento teve caráter passageiro. O arrefecimento das
relações Zaire-Angola e a necessidade de garantir legitimidade internacional por
parte de Mobutu, que já experimentava o declínio de seu regime, provocaram
aproximações importantes. Em 1980, a I Reunião da Comissão Mista Brasil-
Zaire, em Brasília, recebeu delegação do Zaire chefiada por seu Secretário de
Estado para Cooperação Internacional e sinalizou a retomada do estreitamento
diplomático. Assim, em agosto de 1984, o Ministro de Estado das Relações
Exteriores do Brasil, Embaixador Ramiro Saraiva Guerreiro, realizou visita
oficial ao Zaire. Na ocasião, os países voltaram a identificar posições e
aspirações comuns a respeito das relações internacionais em âmbito global

442
Dentre eles, destacam-se: para o comércio Congo-Brasil, minérios em geral, como cobre, cassiterita,
manganês e cobalto; e, para o comércio Brasil-Congo, alimentos e carnes em geral, vestuários e calçados,
materiais de construção, materiais, produtos e instrumentos médico hospitalares e farmacêuticos,
eletrodomésticos, máquinas e equipamentos agrícolas, rodoviários e, para mineração, e veículos.
443
O acordo designou as empresas AIR-ZAIRE e VARIG para operar serviços aéreos no transporte de
passageiros, carga, e mala postal entre o Brasil e o Zaire.
444
Em 1978 foram iniciados contatos com vistas à assinatura de um Acordo sobre Transporte Marítimo
Brasil-Zaire visando estimular relações comerciais (MRE, 1979:15) e em julho do mesmo ano realizou-se
uma missão comercial congolesa ao Brasil, chefiada pelo Ministro Lekoundzou Itihy-Ossetouba.
235
(projeto de uma nova ordem econômica internacional) e regional (apoio à
resolução 435 do CSNU que defendia a independência da Namíbia e condenação
de forma determinada das políticas do regime do Apartheid). Concernente às
relações bilaterais identificaram ser propício o aprofundamento de suas relações
de cooperação (intercâmbio de experiências econômicas, comércio de produtos e
serviços e cooperação técnica, científica e tecnológica) e "concordaram em
reforçar a cooperação técnica e cultural em nível de governo e encorajar a
cooperação econômica entre empresas de ambos os países" (MRE, 1984:67-68).
Tratava-se de uma aproximação que veria progressos em âmbito
comercial445; institucional, com a criação da ZOPACAS 446; e diplomático. A este
respeito, importa o marco principal, inédito e único nas relações bilaterais: a
visita do Presidente Mobutu Sese Seko ao Brasil em fevereiro de 1987. Na
ocasião, como exemplo da nova fase nas relações, o Presidente Sarney destacou,
em discurso no Palácio do Planalto, que, apesar das limitações impostas pela
situação da economia internacional, havia oportunidades para as relações entre
ambos os países na complementação de interesses na agricultura, indústria e
mineração. Ademais, reiterou o papel da ZOPACAS nesta aproximação e
evidenciou a importância para a retomada das relações bilaterais a posição do
Zaire em relação às questões de segurança da África Austral, mais
especificamente a "crescente participação do Zaire nas reuniões dos países da
Linha de Frente" (MRE, 1987:4), além do apoio à independência da Namíbia e a
condenação do regime do Apartheid. Foram assinados na ocasião um acordo de
cooperação na área de transportes e um protocolo complementar para abertura e
exploração da Mina de Ouro D 7 Kanga, do Office des Mines D'Or de Kilo-
Moto.447 Dando continuidade à aproximação durante o governo Sarney, houve,
em 1988, a II Reunião da Comissão Mista Brasil-RDC em Kinshasa.448
Todavia, a deterioração da situação política do Zaire e o gradual
afastamento do Brasil em relação à África – gerou um novo retrocesso, desta vez
de maiores proporções. De fato, a partir da década de 1990, o Zaire simplesmente
sumiu dos principais documentos diplomáticos brasileiros. Uma breve
demonstração de preocupações do Brasil com a África Central só veio com a
crise civil em Ruanda e Uganda e a participação brasileira na UNAMIR. A

445
Em palestra na Escola Superior de Guerra, em 27 de junho de 1986, o Ministro Abreu Sodré destacava
o Zaire, entre outros países africanos como Nigéria, como país que gozava de situação econômica mais
favorável e cujo intercâmbio comercial com o Brasil tinha grande importância (MRE, 1986:138).
446
A iniciativa da ZOPACAS, aprovada em 1986 na Assembleia Geral da ONU obteve nova resolução em
1987, apoiada por 22 países sul-atlânticos, inclusive o Zaire. (MRE, 1988:150).
447
O acordo possuía o objetivo de cooperar e envidar esforços de Brasil e Zaire para a abertura e
exploração da mina D 7 Kanga, para execução dos projetos e sondagens complementares e implantação de
parte da infraestrutura básica. O projeto da usina já havia sido encarregado à Construtora Andrade
Gutierrez, que havia vencido, em 31 de maio de 1984, concorrência pública internacional para a execução
e coordenação das obras e serviços envolvidos. O Acordo tinha o objetivo mais específico de atribuir ao
Brasil e ao Zaire papel mais claro no processo, dando maior viabilidade à sua execução. Ao Brasil coube
doar serviços à execução de sondagens complementares no terreno da mina de D 7 Kanga, além de
cofinanciar o projeto mediante a utilização da Carteira de Comércio Exterior do Bando do Brasil. Ao Zaire
coube obter no menor prazo possível o restante do financiamento para a execução total do projeto.
448
Na época, a Embrapa havia identificado vários projetos de interesse, e a construtora amazonense
Constrama, participado de projeto de construção de casas populares no vale do rio Congo (BRASIL,
2005:6).
236
postura sinalizava que o Brasil poderia ter um papel a cumprir na mediação da
posterior crise dos Grandes Lagos, na medida em que lhe interessava a
democratização no Congo e o restabelecimento da segurança interna – visando às
possibilidades que esses cenários traziam para a estabilização de duas de cinco
Missões de Paz que o país participava no momento. Outra delas (a UNAVEM II)
representava uma postura estratégica do país – que se mantinha firme como
defensor da pacificação do conflito em Angola. Entretanto, a aproximação do
país em direção à região e o possível interesse decorrente na RDC durou tanto
quanto o mandato de Celso Amorim no MRE de Itamar. Além disso, a
sinalização de uma retomada da importância da política africana do Brasil foi
logo suprimida com a ascensão do governo FHC e o ato simbólico de
fechamento de embaixadas brasileiras no continente. Nesse ponto, incluía-se a
própria embaixada na RDC, desativada em 1997. Outrossim, o governo brasileiro
silenciou durante toda a Guerra Mundial Africana, embora estivesse diretamente
ligada aos dois conflitos nos quais o Brasil havia-se inserido e posicionado anos
antes (Guerras civis em Ruanda e Uganda e Guerra Civil de Angola).
Todavia, se, em meados de 2000, o governo brasileiro passou a
mencionar, mesmo timidamente, a situação do Congo, sobretudo da Missão de
Paz da ONU, em alguns discursos relacionados à ONU ou à África (MRE,
2000:52, 130), após a posse de Lula, a RDC adquiriu renovada importância na
política externa brasileira.
Em âmbito diplomático, em fevereiro de 2004, foram retomadas as
relações bilaterais com uma missão do Diretor do Departamento da África do
MRE, Embaixador Pedro Motta Pinto Coelho, a Kinshasa.449 A missão viabilizou
a visita do vice-presidente da RDC, Arthur Zahidi Ngoma (encarregado de temas
culturais), ao Brasil, em novembro450 e a reabertura da Embaixada do Brasil em
Kinshasa, em dezembro do mesmo ano.
Após este marco, a agenda de visitas oficiais foi retomada. Em março de
2005, houve a vinda ao Brasil do Vice-Presidente Jean-Pierre Mbemba Gombo
com delegação de mais de 20 integrantes, inclusive Vice-Ministros do
Planejamento e das Minas e Cooperação.451 No mesmo ano, concretizou-se a
visita à RDC do Subsecretário-Geral para Assuntos Políticos II do MRE,
Embaixador Pedro Motta Pinto Coelho – abrindo portas para vínculos comerciais
mais intensos. Já, no segundo mandato do presidente Lula, em novembro de

449
O Embaixador foi acompanhado pelo Embaixador do Brasil em Luanda, Jorge Taunay (que detinha a
comutatividade da RDC), e pela Chefe da Divisão da África-I, Conselheira Maria Elisa Luna.
450
Tratava-se de um dos quatro vice-presidentes do Governo de Transição. Ngoma, que era encarregado
de temas culturais, esteve no Brasil para uma reunião da UNESCO e foi recebido pelo Vice-Presidente da
República e pelo Chanceler Celso Amorim. Foi também estabelecido um contato profícuo com o
Presidente da Companhia Vale do Rio Doce, interessado em oportunidades de negócios na área de
infraestrutura e mineração.
451
À época Bemba ocupava o cargo de Presidente da Comissão de Assuntos Econômicos e Financeiros na
RDC, além de ser um dos quatro Vice-Presidentes que compunham o Governo de Transição chefiado pelo
Presidente Joseph Kabila. O Vice-Presidente foi recebido em Brasília no dia 22 pelo Vice-Presidente José
Alencar, pela Ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff e pelo Ministro do Desenvolvimento, Indústria
e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, entre outras autoridades e representantes do meio empresarial
brasileiro. Na ocasião, foi ressaltado o objetivo de "dar continuidade ao processo de revitalização das
relações Brasil-RDC, que se insere tanto na prioridade conferida pelo Governo Lula da Silva às relações
do Brasil com a África" (MRE, 2005a:282).
237
2010, houve a visita de trabalho do Ministro Celso Amorim ao país africano.
Amorim foi recebido pelo Ministro de Negócios Estrangeiros, Alexis Thambwe-
Mwamba (MRE, Nota 2010e), com quem declarou a vontade de conjugar
esforços para o desenvolvimento positivo das relações bilaterais e assinou um
Memorando de Entendimento – ressaltando a solidariedade Sul-Sul e a
necessidade de expandir a cooperação bilateral para diversas áreas.452 Como
resultado direto da visita, efetivou-se, entre 18 e 19 de agosto de 2011, a III
Reunião da Comissão Mista Brasil-RDC em Brasília. Esta teve foco na
anunciada expansão dos temas da cooperação. Integrou temas tradicionais da
agenda Brasil-RDC, como educação, comércio, investimentos e cooperação
humanitária; e avançou para novas áreas, a saber, saúde, agricultura familiar,
agroecologia, formação profissional e normalização (MRE, 2011:Nota 304).
Na esfera comercial, houve avanço importante nos vínculos entre os dois
países. Nomeadamente, o volume de comércio bilateral entre Brasil e RDC
aumentou de US$2,84 milhões para US$58,56 milhões entre 2002 e 2009, um
acréscimo de mais de 20 vezes (MRE, 2010d).
Ressalta-se que um salto quantitativo no volume de trocas comerciais e
em contatos diplomáticos foi visto imediatamente após a reabertura da
Embaixada em Kinshasa, em 2004, e a referida visita do Subsecretário-Geral do
MRE à Kinshasa, visita que parece ter dado vida às relações comerciais. Ainda
mais importante foi a ampliação das relações para além do foco comercialista.
Nesse sentido, pode-se citar a intensificação de iniciativas de cooperação técnica
e aproximações na área de segurança.
No primeiro caso, importa que a cooperação técnica bilateral
experimentou avanços significativos, sendo um dos eixos de maior dinamismo
desde 2002. As iniciativas começaram em 2005 e 2006, com o suporte do Brasil
ao processo eleitoral ocorrido em 2006 na RDC. 453 Em 2007, foram realizadas
uma missão da Embrapa à Kinshasa, além de uma missão da própria ABC ao
país. Em 2008, o resultado prático dessa missão foi observado com o
estabelecimento de uma cooperação técnica Brasil-RDC na área de saúde.
Todavia, as iniciativas mais salutares foram observadas com a III Reunião da
Comissão Mista Brasil-RDC de 2011, que teve como eixo central a CTI. Entre os
acordos firmados na reunião (ajustes complementares ao Acordo de Coop.
Técnica e Científica de 1973), ressaltam-se projetos da ABC nos campos da
normalização454, da agroecologia e agricultura familiar455, do cultivo de café456,

452
Dentre elas, foram destacadas: saúde, agricultura, biocombustíveis, florestas, biodiversidade, pesca,
cooperação técnica, cultural e esportiva, formação profissional, desenvolvimento dos meios de transportes,
construção civil e cooperação industrial.
453
Em dezembro de 2005, dois representantes do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais
acompanharam como observadores internacionais o referendo sobre a adoção da Constituição da RDC,
ocorrido em 18 de dezembro. O governo brasileiro congratulou o governo e o povo congolês pelo sucesso
do processo (MRE, 2005b:407). Já em 2006, houve a continuidade da cooperação eleitoral Brasil-RDC no
período das eleições.
454
Projeto de capacitação dos especialistas do Escritório Congolês de Controle (OCC) no campo da
normalização pela ABNT, buscando favorecer as relações econômicas entre os países, mediante a
eliminação das barreiras técnicas ao comércio e implementar do projeto "Fortalecimento da Instituição
Nacional de Normalização da RDC".
238
da formação de recursos humanos457, e da cooperação entre academias
diplomáticas458.
Além da CT bilateral, houve iniciativas de estreitamento de laços
culturais. Em 2007, ocorreu em Kishasa uma exposição da artista plástica
brasileira Lilian Valladares. Em setembro de 2008, a Academia de Belas Artes de
Kinshasa apresentou a exposição de fotografias “Brasil – Congo, Olhares
Cruzados” e o lançamento do livro de mesmo nome (MRE, 2010b). Neste eixo,
sublinha-se o objetivo brasileiro de ressaltar a "identidade comum que aproxima
o Brasil da República Democrática do Congo" (MRE, 2008).
Finalmente, no âmbito da segurança, os vínculos Brasil-Congo
adquiriram caráter inédito. Importa que a própria reaproximação entre os dois
países no século XXI foi instituída primeiramente em âmbito securitário. Antes
mesmo da primeira viagem de Lula à África, ocorrida em novembro de 2003, e
das missões que resultaram na reabertura da embaixada em Kinshasa, o Brasil
contribuiu com dois aviões de transporte Hércules C-130 e tripulações para a
Interim Emergency Multinational Force da ONU em Bunia (Decreto Legislativo
n328, 2 de julho de 2003). Os aviões contribuíram para a capacidade logística
(transporte de tropas e equipamentos) da IEMF em apoio ao batalhão uruguaio da
MONUC. Integraram-se à força em 8 de julho sob coordenação dos Ministérios
da Defesa do Brasil e da França (MRE, 2003:272), fato que sinalizava a
aproximação militar entre Brasil e França no governo Lula.
Ademais, desde então, o governo brasileiro passou a emitir de forma
constante notas e pronunciamentos sobre a grave situação da RDC, o que
demonstrava uma preocupação inédita.459 Tais pronunciamento tiveram marco
mais significativo em 2010, quando, em 6 de setembro, o Itamaraty emitiu nota
de repúdio aos ataques a centenas de mulheres e crianças que foram vítimas de
estupro em massa praticado por rebeldes no leste do Congo entre 30 de julho e 3

455
Projeto de capacitação (formação de técnicos de diferentes instituições congolesas) em agroecologia e
agricultura familiar, para produção de alimentos básicos e fundamentais, no viés da segurança alimentar e
suas correlações econômicas e socioambientais.
456
Projeto de apoio ao cultivo do café Kivu na RDC, no âmbito da agroecologia, visando a contribuir para
a formação de professores da Universidade Livre dos Países dos Grandes Lagos em cultura, manejo,
colheita armazenamento e comercialização do café Kivu e em suas atividades correlatas diretas
(agronomia) e indiretas (social, humanas e comunicação), por parte da Universidade Federal de Lavras.
457
Projeto de formação de recursos humanos do setor público de comunicação da RDC (papel da
comunicação pública, direção e produção de programas televisivos e jornalismo em rede), pela ONG
brasileira União Planetária.
458
Cooperação entre o Instituto Rio Branco e a Academia Diplomática Congolesa do Ministério dos
Assuntos Estrangeiros da RDC, visando ao intercâmbio amplo de informação e experiências em atividades
acadêmicas, educacionais, de pesquisa e de treinamento, bem como de estudantes, diplomatas,
funcionários, professores, especialistas e pesquisadores de ambas as instituições.
459
Durante todo o ano de 2004, foram emitidas notas de preocupação e apoio à RDC em discursos do
Presidente Lula em eventos vinculados à África (MRE, 2004a:347; MRE, 2004b:61, 333). Em fevereiro de
2006, em visita ao Benin, o presidente, junto ao homólogo Mathieu Kérékou, mencionou o caso da RDC,
ressaltando a importância do estabelecimento de uma nova Constituição e o cumprimento dos acordos de
Lusaka e Pretória por todas as partes envolvidas (MRE, 2006:252). Em 2007, uma nota pública ressaltava
a crescente preocupação do governo brasileiro com a continuidade dos conflitos armados na RDC,
mormente os confrontos em Kinshasa no contexto eleitoral (MRE, 2007:272). Não raramente, o governo
brasileiro comparava a situação humanitária da RDC àquela presente no Haiti (MRE, 2010a:164).
239
de agosto.460 A nota teve consequência mais concreta em fins de outubro, quando
o governo brasileiro prestou assistência humanitária de US$1 milhão em doação
à RDC, por intermédio do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas
para Direitos Humanos (ACNUDH). A ajuda humanitária, de caráter pioneiro,
visava reforçar os "mecanismos de reparação e de acesso à justiça para vítimas
de violência sexual no país" (MRE, 2010d).
Todavia, na área de segurança, as iniciativas do governo brasileiro
combinaram com a atomização característica da maior parte das iniciativas
internacionais para a RDC e foram marcadas como soluções de curto prazo. De
fato, houve importantes e inéditos esforços brasileiros e a reiterada manifestação
da importância da MONUC para a estabilização do país e da percepção de que há
uma relação direta entre realidade atual e as dificuldades no processo de
construção de um novo exército nacional – responsável pela "insubordinação de
alguns grupos armados e pelas tensões que ainda se manifestam" (BRASIL,
2005:5). Contudo, não foi estabelecida como prioritária a cooperação Brasil-
RDC em áreas mais relacionadas à segurança – como a Cooperação Técnico-
Militar ou esforços mais claros no âmbito da ONU. Embora tenha sido sinalizada
durante o período a cooperação nas áreas de infraestrutura (o que cooperaria nos
desafios logísticos atuais da RDC) e de reestruturação da economia nacional (o
que daria oportunidades para populações que buscam se desvencilhar do ciclo de
conflitos armados), não são percebidas iniciativas mais estruturais do Brasil na
área de segurança que atuem diretamente na estabilização da guerra no país.
Não obstante, a política assertiva do Brasil em direção a África poderia
contribuir de forma significativa para esse setor na RDC. Entre as alternativas
para uma participação mais assertiva do Brasil na estabilização da RDC, está,
obviamente, a participação em uma eventual força tarefa de auxílio ao
MONUSCO nas crises mais recente no leste do país. Se o processo mais
sustentável para a estabilização da região dos Grandes Lagos parece ser a criação
de uma força de paz regional, a referida participação de Ruanda na constituição e
emparelhamento do M23 parece trazer dificuldades para a sua viabilização. Por
outro lado, o Brasil possui credibilidade como possível mediador na região, por
ter tido envolvimento nas missões da ONU em Uganda, Ruanda, Angola e RDC.
Além disso, a participação brasileira poderia trazer certa renovação para a
MONUSCO, podendo ser realizada em conjunto com forças angolanas, por
exemplo. As tropas das FAA foram uma das grandes responsáveis pela
integridade territorial da RDC na Segunda Guerra do Congo e o governo de José
Eduardo dos Santos possui grande interesse na estabilização da situação do leste
do país vizinho. Além disso, seus objetivos são mais claros e confiáveis do que
os de Ruanda e Uganda. A atuação em conjunto com o Brasil, além do próprio
Uruguai, poderia inclusive dar concretude aos pilares que sustentam a
ZOPACAS.

460
O MRE reiterou a "importância de que a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Congo
(MONUSCO) disponha dos meios necessários para assegurar a proteção de civis, particularmente
mulheres e crianças" (MRE, 2010c). O governo brasileiro também reafirmou que "tem buscado, no âmbito
da ONU, contribuir para o fortalecimento da estabilidade política da RDC" (MRE, 2010d).
240
Todavia, a verdadeira contribuição que o Brasil poderia oferecer a RDC
na área de segurança é a Cooperação Técnico-Militar para o treinamento e a
estruturação das forças armadas congolesas – nos moldes de projetos que já estão
sendo realizados com outros países africanos. Se a língua poderia ser vista como
um empecilho, lembra-se que o Brasil já possui experiência em cooperação
militar com países de línguas inglesa (Namíbia) e francesa (Benin). Além disso,
o histórico positivo de atuação de Angola, país de língua portuguesa, na própria
RDC, traz um precedente que pode ser seguido pelo Brasil. O Acordo Militar
Brasil-França, que se poderia concretizar de forma complementar em uma ação
conjunta em direção à RDC, também poderia ser elemento de facilitação da
interoperabilidade das forças e padronização de procedimentos e equipamentos –
o que poderia ser realizado, alternativamente, com Angola. Este país experimenta
atualmente um processo de reconstrução do Exército nacional baseado nos
princípios da soberania, integração nacional e do desenvolvimento – experiência
que poderia contribuir centralmente para a reestruturação das forças congolesas.
Em termos de contrapartida, além de ganhos humanitários e políticos
claros, a cooperação técnico-militar Brasil-RDC poderia trazer eventualmente
oportunidades para a venda de equipamentos de empresas brasileiras produtoras
de armamentos. Esse mercado encontra-se em expansão no Brasil e poderia ser
favorecido com a venda de equipamentos de perfil de contrainsurgência para a
RDC, tais como lanchas, helicópteros e aviões. O negócio poderia ser subsidiado
pelo governo brasileiro ou por um terceiro parceiro.
O diferencial do Brasil no ambiente de atomização da RSS congolesa
seria o seu foco histórico em um Exército nacional direcionado a contribuir com
tarefas de desenvolvimento econômico e integração nacional e as experiências
atuais de atuação em guerra irregular. Além disso, a diplomacia universalista
brasileira possibilitaria a composição de programas mais amplos com parceiros
estratégicos – tanto países (França e Angola) como blocos (SADC).
Novos projetos na área comercial e infraestrutura também poderiam
contribuir com o desenvolvimento e a estabilização da RDC. Ressalta-se a
possibilidade de serem operacionalizadas as complementariedades comerciais
dos países – sobretudo na indústria de mineração e na modernização agrícola,
setores em que o Brasil possui know-how, máquinas e equipamentos para
contribuir com o desenvolvimento dessas áreas vitais para a economia da RDC.
Novos projetos em infraestrutura também poderiam vincular experiências
valiosas de ambas as partes – sobretudo na área de energia hidrelétrica, na qual
ambos os países são líderes mundiais em potencial produtivo. Viabilizando
inclusive uma parceria com a África do Sul, o Brasil teria grandes oportunidades
ao apoiar o projeto da Grand Inga Dam – hoje viabilizado por Pretória. Tais
projetos poderiam, inclusive, integrar empresas brasileiras e congolesas
sensibilizando a sociedade civil de ambos os lados para a relevância, a
rentabilidade e o significado ético da cooperação entre os dois países.

241
Conclusão do Capítulo 6
A estrutura e o indivíduo foram novamente fatores condicionantes para a
relação entre guerra e Estado no Congo.
O nível sistêmico influenciou na resolução da Segunda Guerra do Congo
e na adoção do modelo politicamente correto do power-sharing – o que garantiu
a J. Kabila, juntamente com políticas alinhadas a potências ocidentais e a
instituições internacionais, um maciço suporte político-financeiro externo. A
conjunção dos fatores proteção regional (presente durante e após a segunda
guerra), mecanismo de power-sharing e disponibilidade de recursos
internacionais parece ter reduzido os incentivos positivos que a competição
interestatal poderia trazer para o processo de construção estatal.
No âmbito do indivíduo, importa que durante o regime de J. Kabila
optou-se novamente pela adoção de um exército composto por bandos armados;
por uma economia baseada em rendimentos que pouco incentivavam o
surgimento de uma burguesia nacional e a construção de obras de infraestrutura;
e pela manutenção do quadro de escassez de direitos fundamentais da população.
Observou-se a dependência da tutela da MONUSCO, do auxílio das forças
armadas de países vizinhos e da boa vontade de instituições internacionais em
emprestar recursos ou em perdoar a dívida externa do país. Ademais, iniciativas
pontuais como a aproximação com a China; o banimento da extração e do
comércio de recursos naturais; e a aliança militar aos países vizinhos no esforço
de supressão dos grupos rebeldes são ainda esparsas e voláteis para representar
um comprometimento de longo prazo com a construção do Estado.
Por fim, verificou-se que a ênfase do atual projeto de RSS para o Congo
está nas forças policiais e na capacidade de combate tático, e não no exército
nacional permanente. A julgar pela agenda da primeira reforma implementada
em 2003 e pelos limites do programa do Banco Mundial, não há qualquer
compromisso com a construção de um exército permanente e sequer se vislumbra
a sua tarefa não militar: a construção de uma elite nacional com capacidade
gestora, que seja justamente o núcleo que vertebra a concepção weberiana de
Estado (no caso, a dominação racional/burocrática). Desnecessário dizer que,
para Weber, a forma de dominação racional/burocrática, neste caso em oposição
à carismática e tradicional, é a única na qual se pode esperar o estabelecimento
de um Estado republicano e democrático. Por este percurso, a construção do
exército nacional se liga à própria formação do estado democrático de direito e
das instituições políticas.

242
CONCLUSÃO

No curso deste estudo, procurou-se apresentar argumentos que


sustentam a percepção de que a forma de resolução da Segunda Guerra do Congo
(paz negociada) colaborou para a criação de um ambiente adverso, definido aqui
como Estado de Violência (GROS, 2006, 2007 e 2008). Apesar dos argumentos,
sustentados empiricamente, contra a implementação de arranjos de power-
sharing como forma de resolver conflitos civis, procurou-se desenvolver uma
abordagem convergente, próxima aos termos propostos por Monica Toft (2010).
Esta percepção se encaixa no caso da RDC, em que, apesar de haver a
necessidade de esforços para efetivar a vitória militar contra grupos armados
ainda atuantes, a integração de ex-grupos combatentes já foi realizada e não pode
ser desfeita, sob a possibilidade de o Estado colapsar completamente.
Portanto, aliando-se às proposições de Toft, sugere-se que a Reforma do
Setor de Segurança do país pode trazer os benefícios da definição militar do
conflito para dentro dos arranjos da paz negociada. Isso se justifica, pois a RSS
tem potencial para desmobilizar efetivamente os grupos armados já integrados,
para criar mecanismos de enforcement para que esses grupos não venham a
retomar a luta armada e para estabelecer um poder coercitivo suficiente que
garanta a desmobilização e o desarmamento forçado ou voluntário de grupos
ainda em conflito. Trata-se, em última instância, de se construir um exército
nacional.
Contudo, a importância do exército nacional não deve ser entendida em
termos meramente coercitivos. Os gastos militares, conforme evidenciado
anteriormente, servem de suporte ao sistema tributário nacional, à Justiça Federal
e, por este percurso, a toda burocracia civil. Sem meios administrativos, as
instituições políticas reduzem-se à mera quimera. Mais do que instrumento
administrativo, por definição, o exército nacional é um instrumento de
sociabilidade, integração de etnias e de educação (ordens escritas). Trata-se de
produzir um organizador coletivo e um princípio reitor (graças às encomendas e
gastos militares) para que se possa constituir também a economia nacional. A
inclusão, operada inicialmente através do exército, passando pela formação de
uma burocracia também plural, parece ser condição para a possibilidade de
instituições políticas democráticas.
Procurou-se também evidenciar as particularidades históricas no
processo de construção do Estado na África Subsaariana, onde elementos
estruturais inscreveram uma realidade distinta do caso europeu. No caso africano,
a tutela internacional sobre as fronteiras foi um condicionador importante ao
limitar a natureza das ameaças interestatais. A estabilidade das fronteiras e da
territorialidade na África vis a vis um ambiente interno continuamente instável –
caracterizado pela ampla existência de movimentos insurgentes, em geral
apoiados externamente (guerras proxies) – contribuiu para uma trajetória de
construção do Estado que dava prioridade à segurança interna em detrimento da
percepção de ameaças externas.
A maior parte dos Estados africanos formou-se à época da bipolaridade.
Neste caso, a característica da estrutura, em que a ordem internacional dependia
243
da disciplina interna a cada bloco, garantiu a disponibilidade de forças externas
para interferir nos conflitos armados locais e de recursos para financiar a guerra
sem desenvolver a economia nacional. Sobretudo dos esforços de guerra dos
regimes que atuavam no papel de gendarme (defesa) dos interesses do
“ocidente”.
Na trajetória congolesa também importou a indisposição de lideranças
do país para a construção do projeto nacional. Exatamente por isso é que a
lembrança do nacionalista Lumumba permanece viva como um dos únicos
elementos autênticos do ideário nacional congolês. Mobutu parece ter sido o
grande depositário das políticas de Leopoldo II. Mesmo sob o governo do
ditador, o Congo esteve muito perto de tornar-se um país celeiro do
desenvolvimento africano. A base de tudo isso estava na construção de um
exército nacional que servia de elemento incubador da burocracia e burguesia
nacionais. O sistema de escolas militares congolesas, sua burocracia civil, as
empresas estatais e universidades, causavam a forte impressão de que RDC
encontrava-se em pleno processo de modernização. Todavia as ambições
pessoais do presidente falaram mais alto e ele preferiu não correr o risco de
assistir ao estabelecimento de novas elites emergentes. Como se demonstrou, foi
então que houve a desmontagem do exército e a intensificação da aplicação de
critérios exclusivistas (étnicos ou tribais) na direção das estatais. Até hoje o
Congo não teve uma oportunidade como a desperdiçada por Mobutu.
À queda de Mobutu seguiram-se as duas guerras do Congo e a
indefinição militar da Guerra Mundial Africana – que se relaciona com o tipo
frágil de solução do conflito baseada nos mecanismos formais de power-sharing.
Este último fator – que une tanto pressões estruturais quanto opções individuais –
conduziu à perda da capacidade coercitiva e ao processo de falência do Estado.
De fato, pode-se constatar pela experiência africana (e congolesa) que guerras
civis resolvidas apenas por acordos de paz formais não garantem o
estabelecimento do monopólio da força por parte do Estado – o que acaba por
gerar poucos incentivos para a manutenção da paz e da própria segurança interna.
Por outro lado, atualmente podem-se verificar mudanças no âmbito dos
condicionamentos oriundos da estrutura. A nova configuração multipolar do
sistema internacional apresenta, no mínimo, três fatores que podem colaborar
para alteração da situação atual da RDC. O primeiro concerne a um novo
ambiente internacional menos estável na África no pós-Guerra Fria – em que a
baixa competição interestatal é substituída por um ambiente mais favorável à
construção do Estado. Isso ocorre, pois líderes são incentivados à realização de
reformas autofortalecedoras visando não ficar para trás dentro deste ambiente
mais competitivo.
O segundo fator diz respeito ao novo ritmo da inserção chinesa na
África. Esta realidade incentiva o processo de construção estatal em dois
sentidos: (i) auxilia a construção de obras de infraestrutura pelo próprio padrão
de investimentos chineses e (ii) incentiva a “corrida para a África” por parte de
outras potências, o que cria um ambiente competitivo no qual os países africanos
podem vir a lucrar com o estabelecimento de um novo poder de barganha.

244
O terceiro e mais importante elemento se refere aos processos políticos,
econômicos e securitários de integração regional. Este fenômeno surge como
uma opção mais sustentável de médio e longo prazo e envolve de forma mais
intensa o próprio papel da RDC como agente de suas relações exteriores. Trata-
se, sem dúvida, de um momento histórico inédito - do qual o Congo pode se
utilizar para decidir favoravelmente sobre o seu destino.
Outro fator que agrega peso ao processo de integração regional é a
possibilidade de se passar a tratar o caso congolês a partir de sua verdadeira face:
como um problema regional. É evidente que, principalmente no caso de grupos
armados estrangeiros que atuam no país, a situação não se resolverá com ações
somente do governo da RDC. Isso acontece porque envolve problemas regionais
mais profundos, relacionados a embates entre etnias Tutsi e Hutu e entre grupos
que se dizem mais congoleses que outros.
Por outro lado, a integração regional também pode trazer soluções ao
Estado congolês à medida que se construa a infraestrutura da integração.
Ademais, o estabelecimento de operações conjuntas mais intensivas com os
países vizinhos tem a capacidade de auxiliar na recuperação da capacidade
militar do país. Em médio prazo, esta solução poderia ajudá-lo a superar a
dependência das forças da MONUSCO.
Finalmente, a criação de unidades políticas maiores parece poder
resolver alguns problemas históricos do Congo. Entre eles está (i) a escassa
expansão do poder do Estado através de redes de transporte, em que a
infraestrutura da integração pode interferir positivamente; (ii) a ausência de
direitos de cidadania congolesa à grande parte de Tutsi imigrados de Ruanda
(mesmo anteriormente à década de 1960), em que a integração pode fazer com
que todos passem a ser cidadãos dos Grandes Lagos; (iii) a reprodução de
mercados ilegais de comércio de armas e de recursos naturais, na qual a
integração poderá interferir deslocando as fronteiras aduaneiras para países
vizinhos (assim, Uganda e Ruanda passam a serem também prejudicadas pelo
comércio ilegal).
A integração regional pode trazer novas condições para a definição
militar do conflito e o desenvolvimento regional. No momento atual, em que o
paradigma epocal sugere que “os principais fenômenos políticos são a
reorganização territorial do mundo a partir da desintegração de Estados e a
formação de blocos econômicos (...)” (GUIMARÃES, 2005: 314-15), a
viabilidade do Estado nacional parece passar pela criação do Estado
multinacional.
Importam também para a RDC as parcerias extrarregionais. Com o
surgimento atual de uma ordem mundial multipolar nucleada regionalmente
observa-se a intensificação da atuação do Brasil no cenário internacional,
sobretudo no que tange ao eixo sul-sul. Consoante com essa realidade está a
renovação das posições brasileiras frente a questões estratégicas, indicada pelas
novas prioridades operacionais, institucionais e orçamentárias dadas ao setor de
defesa.
Pode-se citar como exemplo do novo posicionamento brasileiro a
intervenção no Haiti e o comprometimento com operações baseadas no capítulo
245
VII da Carta da ONU (operações de imposição de paz). Merece destaque o
Decreto nº 6.592/08 do SINAMOB (Sistema de Mobilização Nacional), que
estabelece uma nova percepção brasileira sobre as tarefas relacionadas à Defesa
integrando os gastos militares com o desenvolvimento sustentado através do
desenvolvimento e da entronização de novas tecnologias e a geração de emprego
e renda. A concreção deste esforço é claramente distinguida no documento como
a formação da “Base Industrial de Defesa”. Este enfoque multidimensional do
Ministério da Defesa do Brasil também está plasmado na Estratégia Nacional de
Defesa de 2008, que se apresenta como uma tentativa de afirmação de uma
doutrina militar integrada entre segurança, diplomacia e desenvolvimento
constituindo-se em um marco do estabelecimento da política de defesa brasileira
como uma política de Estado (suprapartidária). Além disso, a formação do
Conselho de Defesa da UNASUL em 2008 estendeu os pressupostos da política
de defesa do Brasil aos países sul-americanos. Há compromisso expresso na
criação de uma Base Industrial de Defesa Sul-Americana.
Ressalta-se também o papel do Acordo Militar Brasil-França (Decreto nº
6.011/07), que resultará, a partir de contratos que somam quase US$ 8 bilhões,
em uma nova capacidade militar para o país. Cumpre salientar que essas e outras
políticas seguem o objetivo maior buscado atualmente pelo Itamaraty de
conquista de um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações
Unidas. Como visto, as relações Brasil-África seguem este padrão do novo
posicionamento internacional do Brasil.
O registro importa para constatar as possibilidades de cooperação inter-
regional (América do Sul e África) entre as iniciativas internacionais que
busquem a superação do Estado falido no Congo. Relaciona-se, especificamente,
com a Reforma do Setor de Segurança – que, como se viu, empreende programas
de cooperação técnica internacional na área militar – para que se contribua com
os Estados africanos na buscar de empreender com seus próprios meios a sua
reconstrução nacional (TOFT, 2010).
Cabe retomar que aqui importam mais as parcerias técnicas
internacionais e a cooperação internacional do que propriamente a mera projeção
de força ou o deslocamento de tropas em nome da ordem internacional, o que
tem tido historicamente resultados duvidosos.
A constatação acerca do problema de segurança representado pelos
Estados ditos falidos, ao menos até a crise de 2008, tinha alimentado a tendência
ao intervencionismo. Tratava-se da resposta mais fácil aos custos da
globalização: apostar na escalada da violência e das operações de paz da ordem
internacional. Contudo, a crise de 2008 evidenciou que os EUA não são capazes
de arcar com os custos da condição de polícia mundial. Segundo Joseph Stiglitz,
ex-presidente do Banco Mundial, o custo das intervenções no Iraque e no
Afeganistão chegará à casa de três trilhões de dólares (STIGLITZ e BILMES,
2008). Atualmente, os números oficiais já excedem a cifra de um trilhão de
dólares (BELASCO, 2010:CRS-3). A concertação buscada pelos EUA
procurando envolver europeus, russos e chineses tampouco tem um alcance
capaz de permitir que as grandes potências façam frente aos custos da
globalização através de meios puramente militares. Pelo contrário, para além das
246
diferenças de interesses entre os quatro grandes polos internacionais (EUA,
Europa, China e Rússia), o espectro da crise econômica e da dívida pública ronda
a Europa e o mundo todo. Mesmo a China, que apresenta uma situação
comparativamente mais favorável em relação à dívida pública que seus parceiros,
recusou a ideia de interagir com os EUA como gendarme internacional (LIU,
2009; JUNBO, 2009). Abriu-se, contudo, uma nova agenda que, tendo como
centro a cooperação sino-estadunidense na construção da nova rota da seda
(infraestrutura na Ásia Central), oferece a perspectiva de novos enfoques aos
recorrentes problemas de segurança associados à globalização (STARR e
KUCHINS, 2010).
Diante da impossibilidade de uma polícia mundial, parece restar apenas
a alternativa da construção nacional. A formação do exército nacional tem sido
historicamente a origem da burocracia nacional e da própria economia nacional.
No caso do Congo, a função primeira do exército nacional seria a de servir como
abrigo e escola para as crianças-soldado, criar um ambiente que permita sua
recuperação, ressocialização e um eventual retorno à vida civil ou prosseguir na
carreira das armas como soldado profissional. A missão educacional é difundir o
conhecimento da língua, promovendo, através das transferências, a mistura dos
grupos étnicos e a destribalização. Esses primeiros passos, embora incipientes,
terão um papel considerável em negar o principal insumo aos senhores da guerra:
combatentes. Adiante, para cumprir sua função primária, incrementando a
capacidade de combate, o exército nacional, terá de ter armas combinadas cuja
oficialidade terá de ser apoiada por um corpo técnico (cabos e sargentos) com
conhecimentos que poderão ser utilizados também em profissões na vida civil.
Desta perspectiva parece mais frutífera à ordem internacional investir
seus recursos na construção de um exército nacional congolês que, de forma
certamente lenta, porém mais efetiva, que as tropas de paz das Nações Unidas
será capaz, a seu tempo, de pacificar o país. Mais importante que as funções
coercitivas, o exército poderá servir como um embrião de uma autêntica
burocracia civil apta a comunicar-se na linguagem burocrática (dos papéis), e seu
corpo de oficiais temporários fornecerem quadros para a formação de empresas
estatais. Esta burocracia civil e militar, através de parcerias técnicas
internacionais, poderá dar início às obras de infraestrutura e comunicações que
permitem solapar do enclave seu principal fator de força: o isolamento existente
entre as regiões do país. Desta perspectiva, mais do que lutar, construir quartéis e
estradas é a principal forma pela qual um dia se poderão vencer os senhores da
guerra.
Assim, mais que projetar intervenções da ordem internacional, importa
uma agenda da reforma do Setor de Segurança que habilite os estados falidos a
empreenderem a própria reconstrução nacional. Aqui importam mais as parcerias
técnicas internacionais e a cooperação internacional do que propriamente a mera
projeção de força ou o deslocamento de tropas em nome da ordem
internacional.461 Aos poucos a ordem internacional assimila a ideia de que os

461
Pode-se citar o exemplo da maior missão de paz da ONU na atualidade: o contingente de tropas da
MONUSCO, de aproximadamente 20 mil homens, envolve um custo anual de 1,4 bilhão de dólares.
Recentemente, permaneceu inerte diante de uma localidade a apenas 32 km de sua base de atuação.
247
problemas de segurança, à semelhança do que ocorre com a ordem interna, não
podem ter uma resposta apenas militar ou policial.
Os projetos dos países emergentes em direção à África são um exemplo
de relações de cooperação internacional em que a simetria se reduz e oferecem-se
modelos mais fecundos que os obtidos pelos programas dos países centrais.
Iniciativas como as de Brasil, China, Índia e da própria África do Sul, parecem
trazer diferenças qualitativas no que diz respeito aos projetos, às exigências e às
perspectivas de desenvolvimento dos países africanos. Espera-se que o Congo se
beneficie deste novo momento.

Alegadamente lhe faltaram meios de mobilidade. Em resumo, as tropas da ONU estacionadas no Congo
custam caro, não possuem mobilidade tática nem estratégica e sua capacidade de enforcement legal ou
proteção à população é consideravelmente reduzida. A julgar pela experiência mundial e a congolesa em
particular, as forças da ordem internacional não são um sucedâneo aos tradicionais exércitos nacionais.
248
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269
270
CEBRÁFRICA
Centro Brasileiro de Estudos Africanos

O Centro Brasileiro de Estudos Africanos


(CEBRAFRICA) tem suas origens no Centro de Estudos
Brasil-África do Sul (CESUL), um programa estabelecido
em 2005, através de um convênio entre a Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Fundação
Alexandre de Gusmão (FUNAG), do Ministério das
Relações Exteriores do Brasil. Suas atividades de pesquisa
são desenvolvidas junto ao Núcleo Brasileiro de Estratégia
e Relações Internacionais (NERINT), localizado no
Instituto Latino-Americano de Estudos Avançados da UFRGS. É importante
salientar que o CEBRAFRICA é uma instituição estritamente acadêmica e
independente, de uma Universidade pública brasileira, sem qualquer vínculo
governamental ou com fundações estrangeiras.
Devido ao crescente interesse de Professores-pesquisadores e de
estudantes de graduação em Relações Internacionais e do Pós-Graduação em
Estudos Estratégicos Internacionais (muitos dos quais africanos) por múltiplos
temas e regiões africanas, em março de 2012 o CESUL foi ampliado para
abranger o conjunto geográfico do continente africano, transformando-se em
CEBRAFRICA, enquanto a Série Sul-Africana, que publicou cinco livros, foi
transformada em Série Africana, com novas obras no prelo. O objetivo segue
sendo o mesmo: realizar pesquisas, apoiar a elaboração de teses, dissertações e
trabalhos de conclusão, congregar grupos de pesquisa em temas africanos,
realizar seminários, promover intercâmbio de professores e estudantes e
estabelecer redes de pesquisa e projetos conjuntos com instituições africanas e
africanistas, publicar obras produzidas no Brasil ou traduzidas e ampliar a
biblioteca especializada fornecida pela FUNAG.
As pesquisas têm por objetivo o conhecimento do continente africano e
de suas relações com o Brasil, nas seguintes áreas: Relações Internacionais,
Organizações de Integração, Segurança e Defesa, Sistemas Políticos, História,
Geografia, Desenvolvimento Econômico, Estruturas Sociais e sua Transformação
e Correntes de Pensamento. São parceiros do CEBRAFRICA conceituadas
instituições do Brasil, Argentina, Cuba, México, Canadá, África do Sul, Angola,
Moçambique, Senegal, Cabo Verde, Egito, Nigéria, Marrocos, Portugal, Reino
Unido, Holanda, Suécia, Rússia, Índia e China.
As pesquisas em andamento versam sobre: A presença do Brasil, da
China e da Índia na África; A África na Cooperação Sul-Sul; Conflitos e
Segurança na África; Integração e desenvolvimento na África; Relações
Internacionais da África: o sistema interafricano; A presença cubana na África; e
a Construção do Estado e da Nação: estudo de casos.

(www.ufrgs.br/nerint/cebrafrica)
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