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4 - Agosto de 2015
CONGO: DESORDEM,
INTERESSES E CONFLITO1
Renato Henrique Valenzola2
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Série Conflitos Internacionais
Don-kun;Uwe Dedering/CC
países africanos, os Estados Uni-
dos financiaram a manutenção
de um governo autocrático na
RDC alinhado com suas perspec-
tivas hegemônicas. Resultou des-
ta conjuntura o longo período do
governo de Joseph-Desiré Mobu-
tu, que durou de 1965 até 1997.
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V. 2, n. 4 - Agosto de 2015
MONUSCO/Abel Kavanagh
termediador reconhecidamente
legítimo, as partes se sentiriam
capazes de buscar seus interesses
por seus próprios meios. O pro-
blema maior é que os meios pe-
los quais as milícias atuam fazem
com que os civis acabem sendo os
maiores afetados pelo conflito.
A atuação da MONUSCO é de
grande importância para a histó- Forças da MONUSCO na última linha de defesa próximo de Goma
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Série Conflitos Internacionais
Neste sentido, o histórico recen- ambas eram milícias de motiva- nós também vamos atacá-los...
te do conflito centra-se na luta ções díspares e que a somatória Nós vamos acertá-los forte”.9
do governo de Kabila contra as de forças com uma delas poderia
milícias que configuram um po- gerar benefício mútuo. Dos combatentes que restaram
der paralelo dentro do território no CNDP e que não foram incor-
congolês. Depois de sua eleição Como resultado, as FDLR passa- porados nas forças armadas, sur-
definitiva, em 2006, o presidente ram a intensificar o uso da vio- giu um novo movimento contra
tem como adversários duas prin- lência contra civis como forma de o próprio governo de Kabila em
cipais milícias que se sobressaem punir o governo por ter escolhido 2012. A insurgência chamada de
entre outras de menor expressão: ficar contra elas. Por outro lado, os M23 se rebelou devido ao não
o Congresso Nacional pela Defesa membros do CNDP que se incor- cumprimento de todas as propos-
do Povo (CNDP), uma dissidência poraram às forças armadas congo- tas realizadas pelo governo em 23
de maioria tutsi da RCD, e as For- lesas continuaram a agir segundo de março de 2009 que iam no sen-
ças Armadas pela Libertação de suas táticas de milícia, isto é, não tido de empoderar e incorporar
Ruanda (FDLR), de maioria hutu.7 cessando a violência contra civis em plenitude o CNDP ao aparato
quando em combate, resultando estatal congolês.10
Os primeiros movimentos de Ka- em um prejuízo ainda maior para
bila no combate foram no sentido a população congolesa. O movimento cresceu rapida-
de incorporar membros do CNDP mente, incorporando outras milí-
às forças armadas da RDC, pen- Um bilhete deixado pelas FDLR cias menores que se sentiam igno-
sando que ao mesmo tempo em depois de um ataque a civis que radas pelo governo, e logo passou
que eles serviriam de contingente deixou diversos mortos dizia: a representar uma ameaça em po-
na luta contra as FDLR, diminuir- “População Congolesa e FARDC8, tencial. O Conselho de Segurança
se-ia o poder do próprio CNDP. desde que vocês decidiram que é aprovou a Resolução 2098, em 28
Isso partindo do pressuposto que bom nos expulsar de nosso lugar, de março de 2013, criando dentro
MONUSCO
da MONUSCO uma brigada mul- ADF composta por muçulmanos Eleições também foram marca-
tinacional, com o objetivo central e o LRA formado por católicos. das e as resoluções apontam que
de desmobilizar o M23. Com isso, Ataques a escolas e hospitais, prá- o pessoal da MONUSCO terá a
a missão passou de uma condição ticas de tortura e violência sexual função de auxiliar na realização
de neutralidade à tomada de par- e conversão religiosa forçada são da mesma. Com as eleições mar-
tido e ataque armado a uma das corriqueiras no conflito.13 cadas para novembro de 2016, há
partes envolvidas no conflito. No a indicação de que a MONUS-
dia 8 de novembro daquele ano, Nos últimos anos um grupo de CO se fará presente para além da
o M23 abriu mão da luta armada, experts vem monitorando, den- data estipulada para seu mandato
afirmando passar a existir somen- tro da MONUSCO, a dinâmica atual, uma vez que a organização
te como oposição política.11 do conflito e sugerindo medidas a de eleições configura um passo
serem implementadas pelo Con- importante na manutenção da
Ainda assim, o ambiente confli- selho de Segurança, num meca- paz através das vias democráticas
tuoso na RDC continua ativo. A nismo semelhante ao que diversas sempre ressaltadas pela ONU.17
desmobilização do M23 confi- Organizações Não Governamen-
gurou uma vitória parcial, mas a tais (ONGs) de Direitos Humanos Dados importantes que figuram
quantidade de milícias ativas no praticam, mas com um grau maior nestas resoluções são relativos à
território e o poder paralelo que de legitimidade e resultado, dado manutenção da brigada criada
elas representam não se configu- sua conexão direta com o Conse- para se opor às milícias na RDC,
ram somente uma ameaça políti- lho de Segurança. mesmo com a desmobilização
ca, mas uma ameaça cotidiana aos armada do M23. Determinam
civis que seguem sendo alvo da As resoluções 2198, de 2015, con- que a MONUSCO deve “neutra-
violência das mesmas. sideraram os informes deste gru- lizar grupos armados através da
po para determinar em que medi- brigada de intervenção”18, isto é,
De 2014 até a presente data, são da continuará com suas ações de ampliando seu escopo de atuação
três as instituições que se apre- proteção à paz e ataque a milicia- para todas as milícias que amea-
sentam como maiores causas dos nos no território congolês.14 çam a paz no país, com foco es-
problemas de Kabila na centrali- pecial para as três milícias apon-
zação da regulação das atividades Desta forma, aponta-se que o em- tadas anteriormente, diretamente
sociais na RDC. A primeira delas bargo de armas determinado em citadas na resolução.
são as FDLR, que durante os anos, 2008 pelo Conselho permanecerá
a pesar de serem alvo seguido das vigente até 1 de julho de 2016 a Outros dados de relevância reti-
ações estatais e da ONU na busca ser monitorado pela MONUSCO. rados da maioria das resoluções
de sua desmobilização, apresen- Até esta data também vigorarão do Conselho de Segurança da
tou uma capacidade assustadora os trabalhos a serem realizados ONU aprovadas nos últimos anos,
de regeneração e continuidade pelo grupo de experts, visando possibilitam que se levante alguns
operativa. As outras duas são pro- monitorar o desenvolvimento do pontos centrais de preocupação
venientes de Uganda: as Forças conflito.15 no desenrolar do conflito.
Democráticas Aliadas (ADF) e
o Exército de Resistência do Se- Foi estabelecida a data provisó- O primeiro seria a preocupação
nhor (LRA).12 ria de 31 de março de 2016 para com o envio dos prisioneiros e
o término das ações da MONUS- dos voluntários que se encontram
Analogamente ao conflito exis- CO. Uma resolução futura indi- na área de conflito, mas que são
tente entre tutsis e hutus que cará a data de encerramento, mas naturais de outros países. Na RDC
motivou o enfrentamento en- desde este momento, se iniciou muitos dos integrantes das milí-
tre o CNDP e as FDLR na RDC, a redução do efetivo em dois mil cias são naturais ou tem alguma
a oposição entre muçulmanos e homens, para um total de 19815 ligação com os países vizinhos
católicos dentro de Uganda, tam- militares combatentes, 760 ob- principalmente da fronteira les-
bém encontra reflexos na órbita servadores militares, 391 policiais te da RDC, com foco em Ruanda
do conflito armado entre as ins- e 1050 em unidades de polícia e Uganda. Há uma preocupação
tituições citadas acima, sendo as formada.16 muito grande com o envio desse
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Série Conflitos Internacionais
CONSIDERAÇÕES FINAIS
que fica é se o Estado terá a capa- cíficos se beneficiem de tais re- para fins particulares, pensando
cidade de se auto-sustentar quan- cursos. Haveria uma saída para no seu gerenciamento a partir
do a MONUSCO se retirar. isso? Talvez o empoderamento do interesse da nação. E para isso
do Estado, de modo que consiga tem-se que construir a nação, ou
Enquanto houver interesses administrar os recursos em prol seja, a violência armada pode até
alheios nos recursos naturais do da sociedade. Mas para que isso cessar, mas suas causas são mais
país haverá ações que incitam a ocorra é necessário que se mude a profundas e levarão mais tempo
desordem para que grupos espe- lógica de apropriação dos mesmos para serem sanadas.
1
Texto preparado a partir de Iniciação Científica financiada pela FAPESP. 9
HRW, op. cit., p. 54, tradução nossa.
2
Renato Henrique Valenzola Discente do Curso de Relações 10
RIFT VALLEY INSTITUTE. Op. cit.
Internacionais da Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC) da UNESP
– Campus de Marília e membro do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre 11
RFI. Movimento M23 anuncia fim da rebelião na República Democrática do
Conflitos Internacionais (GEPCI). Congo. França, 05 nov. 2013. Disponível em: <http://www.portugues.rfi.fr/
mundo/20131105movimento-m23-anuncia-fim-da-rebeliao-na-republica-
3
HRW - HUMAN RIGHTS WATCH. “You Will Be Punished”: Attacks on democratica-do-congo>. Acesso em: 18 jan. 2015.
Civilians in Eastern Congo. New York: HRW, 2009.
12
ONU. Informe final ao Conselho de Segurança 2015/19. Nova Iorque: 2015
4
RIFT VALLEY INSTITUTE. From CNDP to M23: The evolution of an armed
movement in eastern Congo. Londres: 2012.
13
Ibidem.
5
ONU - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Resolução do Conselho de
14
ONU. Resolução do Conselho de Segurança 2211. Nova Iorque: 2015.
Segurança 1279. Nova Iorque: 1999.
15
ONU. Resolução do Conselho de Segurança 2198. Nova Iorque: 2015.
6
ONU. Resolução do Conselho de Segurança 1925. Nova Iorque: 2010.
16
ONU. Resolução do Conselho de Segurança 2211. Nova Iorque: 2015.
7
HRW. Op. cit.
17
Ibidem.
8
FARDC é a abreviação para Forças Armadas das República Democrática do
Congo.
18
Ibidem, p. 6, tradução nossa.
19
HRW. Op. cit., p. 67, tradução nossa.
Série Conflitos Internacionais é editada pelo Série Conflitos Internacionais mais recentes:
Observatório de Conflitos Internacionais da
Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC) da Rússia e Política de Influência V. 1, n. 1
Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Congo - A atual dinâmica do conflito e a rendição do M23 V. 1, n. 2
Filho (UNESP) - Campus de Marília – SP Oriente Médio: islamismo e democracia V. 1, n. 3
As invasões russas na Geórgia (2008)
Editor: Prof. Dr. Sérgio L. C. Aguilar e na Criméia (2014) V. 1, n. 4
Layout: Paula Schwambach Moizes A Nigéria e o Boko Haram V. 1, n. 5
A guerra civil síria, o Oriente Médio e o sistema internacional V. 1, n. 6
ISSN: 2359-5809 Colômbia: as FARC e os diálogos de paz V. 2, n. 1
Comentários para: oci@marilia.unesp.br O Estado Islâmico V. 2, n. 2
Disponível em: www.marilia.unesp.br/#oci Haiti: a atual conjuntura da Minustah e o Brasil V. 2, n. 3