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ARARAQUARA
2017
INTRODUÇÃO
O MÉTODO ETNOGRÁFICO
Clifford Geertz aborda em seus textos o fazer etnográfico com uma matriz
hermenêutica, criticando a utilização desenfreada do conceito de cultura como Tylor
fazia de modo abrangente, por exemplo, ou como Clyde Kluckhohn tratava de maneira
difusa, pois para Geertz a cultura é pública e seria como uma teia de significados, ou
seja, seria um conjunto de símbolos que estariam abertos para as pessoas e que estas
pessoas poderiam compartilhar, por isso tal conceito é semiótico.
De acordo com Geertz, a antropologia seria a interpretação destas teias,
possuindo como instrumento a etnografia para a realização desta interpretação. A
etnografia, portanto, deveria ser uma descrição densa, já que permite compreender o que
representa a análise antropológica como forma de conhecimento, permitindo uma
hierarquia estratificada de estruturas significantes, onde os sistemas simbólicos se
apresentariam de formas múltiplas. Logo, a descrição etnográfica seria interpretativa,
pois interpreta o fluxo do discurso social, já que tenta salvar o dito e fixa-lo em formas
pesquisáveis, ou seja, segundo Geertz, a cultura poderia ser entendida como um texto
que poderia ser lido, sendo deste modo uma interpretação. Por este motivo, o texto
antropológico será sempre uma ficção e uma interpretação de segunda mão.
Com base neste aporte téorico, relatei minha ida a campo da seguinte maneira:
Em minha primeira ida a campo, o dia (24/04/2016) estava muito quente, os
termômetros de Araraquara marcavam 35 graus. Cheguei por volta das 15:40 na “Esfiha
da Fonte”, um bar localizado dentro de uma galeria famosa por transmitir jogos de
futebol. Estava vazio, as mesas estavam sendo colocadas ainda e havia um grupo de 4
pessoas apenas no local. Sentei-me e aguardei as pessoas chegarem. Era a semi-final do
campeonato paulista de 2016 e eu sabia que este jogo iria mexer com o coração dos
torcedores porque Santos e Palmeiras inflaram uma rivalidade enorme em seus últimos
jogos.
Aos poucos, os torcedores dos dois times foram chegando e se acomodando nas
mesas. O clima de tensão era perceptível. Todas as mesas continham ao menos uma
garrafa de cerveja e apesar daquelas pessoas, imagino eu, estarem ali por lazer e
diversão, era notório a preocupação com seus respectivos times, com o jogo, como se
estivessem esperando apenas uma jogada bem trabalhada, um drible desconcertante,
uma defesa ou um gol para explodirem de emoção.
A maioria das pessoas presentes no estabelecimento estava muito animada, na
medida em que o tempo ia passando e o jogo se encaminhando, os torcedores iam
pedindo mais cervejas e ficando cada vez mais exaltados, tão exaltados a ponto de
jogarem cadeiras quando o Palmeiras empatou o jogo. Antes do gol de empate, o Santos
vencia por 2 a 0 e os santistas cantavam o hino do clube e gritavam por diversas vezes
“chupa”, “chupa porcada”. No entanto, após o empate a euforia palmeirense foi geral,
cadeiras foram arremessadas em direção a um canto vazio, muitas batidas nas mesas
com um caráter agressivo e muita gritaria foi ouvida.
Ao meu lado, estava um rapaz jovem já alterado por conta da bebida, vestindo a
camisa do Palmeiras, pulou a grade do estabelecimento e foi para a rua gritar: “chupa,
chupa, aqui é Palmeiras”. O rapaz retornou ao bar e se dirigiu a cada mesa santista e
gritou para os torcedores rivais: “toma, chupa bando de otários, o Palmeiras é grande,
segura o medo agora, segura”, além de vários palavrões. Como todos perceberam que
ele já estava alterado, simplesmente o ignoraram, mas assim que o jogo terminou e o
Santos se classificou, um grupo de santistas cercou o rapaz e o xingaram por alguns
minutos, felizmente o rapaz estava acompanhado da família e não rebateu os santistas.
Após essa imersão, um fato que me despertou o interesse foi a apropriação da
palavra “chupa”, na qual interpreto como um marcador de identidade, cujo grito sai da
boca dos torcedores de forma exaltada, pois o etnógrafo “deve atentar-se para o
comportamento e, com exatidão, pois é através do fluxo do comportamento – ou mais
precisamente, da ação social – que as formas culturais encontram articulação”
(GEERTZ, 1989, p.27).
Além deste marcador de identidade, considero também a utilização das
camisetas de clubes que automaticamente já demonstram o grupo, no caso de torcidas
organizadas, ou time de pertencimento da pessoa. No entanto, esta é uma interpretação
minha, ou seja, de segunda mão.
Diferentemente desta proposta téorico-metodológica, Fravet-Saada utiliza a ideia
do sensível metodologicamente, pois:
“Com efeito, minha experiência de campo com o
desenfeitiçamento, e, em seguida, minha experiência com a terapia
analítica levaram-me a pôr em questão o tratamento paradoxal do
afeto na antropologia: em geral, os autores ignoram ou negam seu
lugar na experiência humana. Quando o reconhecem, ou é para
demonstrar que os afetos são o mero produto de uma construção
cultural, e que não têm nenhuma consistência fora dessa construção,
como manifesta uma abundante literatura anglo-saxã; ou é para votar
o afeto ao desaparecimento, atribuindo-lhe como único destino
possível o de passar para o registro da representação, como
manifesta a etnologia francesa e também a psicanálise. Trabalho, ao
contrário, com a hipótese de que a eficácia terapêutica, quando ela se
dá, resulta de um certo trabalho realizado sobre o afeto não
representado.” (FAVRET-SAADA, 1990)
Mediante a isto, reflito aqui sobre como seria minha experiência no campo a
partir da proposta de Favert-Saada.
Ao chegar no bar, sentei em uma mesa próxima ao aglomerado de torcedores. Eu
gosto de futebol, e gosto muito e por isso alguns acontecimentos da minha ida a campo
não me surpreenderam, porque eu vivi e vivo nesse universo há muito tempo. Porém,
aprendi que para realizar uma etnografia do seu universo familiar é preciso torná-lo
exótico (ROBERTO DAMATTA, ANO). Fui desarmada de aportes teóricos e por mais
que o jogo não fosse o do meu time do coração, senti-me afetada, mas sem intenção.
Como o jogo era decisivo, uma semi-final, o clima no bar era de tensão total. Eu
pude sentir isso e senti a cada gol perdido de ambas as equipes, a cada “uuuh” de
torcedores, a cada gol, a cada pênalti batido ou defendido. Acredito que fui afetada e
assim como a autora trata em seu texto, abri uma comunicação involuntária com alguns
torcedores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao realizar este exercício de adequar meu objeto de pesquisa a proposta téorico-
metodológica destes dois autores concluo que um dos maiores desafios para os
antropólogos esteja na escrita ou no processo de transformar o observado e o sentido no
escrito, porque quando apenas observamos e/ou participamos de alguma experiência,
estamos no campo da percepção, no entanto o desafio torna-se maior ainda quando
partimos para a escrita e colocamos todos os nossos pensamentos na ponta do caneta
principalmente com o cuidado de não sermos etnocêntricos, donos da verdade e
contribuidores para o "Grande Divisor” (GOLDMAN; LIMA, 1999)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DAMATTA, Roberto.
FAVRET-SAADA, Jeanne. 1990. “Être Affecté”. In: Gradhiva: Revue d’Histoire et d’Archives de
l’Anthropologie, 8. pp. 3-9.