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FUNDAGAO PARA O DESENVOLVIMENTO DA UNESP Praidete de Co ‘Arthur Roquete de Macedo Carader Dirtor-Breidente ‘Amilton Ferccina Dintera de Fomeuto 3 Prguisa Hermione Elly Melara de Campos Bicudo Dinter de Pabiases José Catili Marques Neto EDITORA UNESP Dindor Jos Castitho Marques Neto Conta Batra Academica Aguinaldo José Goncalves ‘Anna Matia Martinge Coté ‘Aatonio Catlos Massari Antonio Clo Wagner Zanin Antonio Manoel dos Santos Silva (Cacos Erivany Fantinat Fausto Fore Jost Ribeiro Jénior Roberto Kraenet Balto Aint José Aluysia Reis de Andrade Matin ApposecidaF.M. Busolotti Talio ¥. Kawata GILLES-GASTON GRANGER A CIENCIA E AS CIENCIAS ROBERTO LEAL FERREIRA Meas Copyright © 1993 by Preses Universitaires de Ponce ‘Titulo original em francs: La ieee le wens Copyright © 1994 da traducio brasileia: Editors UNESP ds Fundagao pars 0 Desenvolvimento sls Universidade Estadual Paulista (FUNDUNESP) ‘Av. Rio Branco, 1210 (01206-904 - Sdo Paulo~sP ‘TeldFax: (011) 223-9560 Dados Internacionais de Catalogagao na Pablicagio(C1P) (Cara Beasilcta do Livo, SP, Brasil) Granger, Gilles Gusto, 1920- ‘Acincia a8 cgacias /Gille- Gaston Granger; trad Roberta Leal Fercera ~ Sho Paulo Editors da Universidade Fytadual Paulista, 1994. — (Arado), DBibliogras ISBN 85-7139-064-9, 1, Ciéngia 2 Cigncia— losin 1 Titulo, I. Sétie. 94.2565 cpp301 Indices para catéogo sstemstico: 1, Citi Filosofia 501 [ononoe Si | Neha Biles iA Bie SS cM-o0067 ‘SUMARIO Preficio a edigdo brasileiea 7 Preimbulo 9 1, Os problemas de uma “Idade da ci€neia” 11 1. Odesenvolvimento explosive da citncia 11 I, Acitnciaea vida quotidian 16 TL, A vulgatizagio de uma ida da citacia 17 IV. Os novos problemas étices 19 2. Deve-se confundir conhecimento cientifico esaberes técnicos? 23 1, Uma idéia antiga sobre as relages entre as ciéncias os saberes técnicos: Aristételes 23, H, Das técnicas empiric is téenicas cientices 25 II, Ciencia, técnica e produgio de massa 36 3. Diversidade dos métodos ¢ unidade de visio 41 I. Pluralidace dos métodos e anarquisuo metodolégico 42 IL Tris teagos caracterfsticos da visio cientifica, 45 IIL Astinguagens da cigncis 51 4, Citas formaise citncias da empiria 59 1 Os abjetos matemdticos 59 1, Demonstragioe vedade nas matemiticas 66 TIL, Os objetos das ciéncias da empiria 70 IV. Asteorias 76 LV. A validagio dos enunciados das cigncias empiicas 78 5. Cigncias da natureza e cigncias do homem — 85 1, Ocasollimite da histéria 86 II, Conceitualizagio eobservasio 87 UL, O emprego das mateméticas 92 IV. A validagio dos enuncisdos 97 6. A evolugio das verdades cientificas 101 1, Continuidade e descontinuidade da histéria ds cidacias 101 IL As descontinuidades internas da historia das citncias 105 IK, A idéia de progeesso cientifico 108 Conclusio 113 Léxico de alguns termos cientificos 125 Bibliogtafia 123 PREFACIO A EDIGAO BRASILEIRA Este pequeno livro, apés quarenta anos de intervalo, serve, pot assim dizer, de pendant ao manual que, joven professor da Universidade de So Paulo, publique! com 0 titulo de Légica ¢ filosofia das cifuias e, na. colegio Que sais-je?, como La raison, pouco depois traduzido pata 0 portugues. Pottanto, € para mim, cujos lagos com 0 Brasil sio tio antigos ¢ tio fortes, uma satisfagio imensa ver também, traduzido em portugues A cifecia eas céncas, Nele se encontrario, numa forma resumida ¢, creio, acessivel até ao leitor no fildsofo, as rellexdes sobre a rnaturcza, 0 valor eo alcance do saber cientifico que uma caminhada jd longa me inspirou. Alegro-me, pois, em pen sar que 0s leitores brasileiros poderio Ié-lo em sua lingua € Ihes sou antecipadamente geato pela atengIo que terio a gentileza de Ihe prestar. Cassiopée, 20 de maio de 1994. PREAMBULO 1. Hoje, no teatro desmedidamente extenso das repre sentagies de nosso mundo oferecidas a todos pelos textos © plas imagens, a cineia certamente aparece como uma petsonagem essencial. Misteriosa, porque o pormenor de sua figura nao esté a0 alcance dos préprios cientistas; tutelar, porque dela dependem as maravithosas miquinas que po- ‘yoam os lugares em que vivemos; inquietante, porque esta- mos conscientes dos poderes antinaturaise aparentemente ilimitados que um tal saber foie serécapaz de desencadear Informar-se sobrea natureza ca extensio doque muitas vezes se chamou de “conquistas” da cifncia parece realmente set, na proporcio das aptidées c da cultura de cada um, 0 interesse de todos, Este pequeno livro seri consagrado a esbogar uma tl reflexi9, dcixando, porém, deliberadamente de lado, na medida do possivel, as consideracBes mais t&- nicas a que, em outzas obras, seu autor se dedicou, 2. No Capitulo primero, recensearemos os problemas de-uma Idade da ciéncia que, justamente, se colocam na me- ddida em que a citncia hoje faz parte, a titulos diversos, da vida quotidiana dos individuos ¢ das sociedades. Observe-se aque a8 coisas no eram assim algum tempo atris, Sem daivida, é preciso datar este fenémeno do inicio do pés- Segunda Guerta Mundial. Ele aparentemente oi provoca~ do, primeizo, pela penettagio brutal das aplicagbes da. cia nas técnicas militares, com o golpe de teatro da bomba atdmica; depois, pela invasio generalizada das méquinas audiovisuais; mais recentemente ainda, pelas tentativas de ‘manipulagio da intimidade mesma da vida. (© Capitulo segundo tentaré elucidac a otigem de um ‘erro hoje bastante caracteristico desta Idade da cigncia, que consiste em confundir 0 saber f&enico com 0 conhecimento ientifico, Resulta daf uma cegucira que, em alguns, leva a ‘uma espécie de idolatria do que acreditam ser a cigncia e, ‘em outros, inversamente, a um desprezo por um conheci- mento tido por eles como terra a terra ¢ dotado de um, aleance apenas material © Capitulo terceiro examinaré o problema colocado pela pluralidade dos métodos adaptados aos diversos objetos da cincia, A questio principal sera a da sigoificagio de uma snide do pensamento centifico, apesar de sua flexibilidade. © Capitulo quarto, o mais longo, descreverd dois gran- des tipos de conhecimento cientifico, suas diferengas de ebjetos, de métodos eas relagdes que tém entre si: as ciéncias ‘matemiticas eas cigncias da empiria © Capitulo quinto colocars, no prolongamento do pre- cedente, 0s problemas especfficos de um conhecimento ientifico dos fatos humanos, No Capitulo sexto, finalmente, interpretaremos a evo- lusto das verdes cientificas enquanto ela é realmente um progtesso, apesar do paradoxo que provoca, Pois © que era admitido pela ciéncia de ontem pocle muito bem ser, em certo sentido, recusado pela cigncia de hoje ou de amanhi. Besse “certo sentido” que teremos de explicar, ustificando, assim, a solidez fundamental desse conhecimento evolutivo Concluiremos tentando responder a uma intetrogagio: tem limites a ciéncia? Existem drcas reservadas que cla no seria capaz de abordar? Que relagio deve ela manter com outras formas de saber? As palavras assinaladas por um asterisco so definidas e explicadas no “Léxico de alguns termos cient OS PROBLEMAS DE UMA “IDADE DA CIENCIA” 1. 0 desenvolvimento explosivo da ciéncia Podemos certamente qualificaresta segunda metade do século XX como a Idade da ciéncia.' Isto, por certo, significa menosprezar o papel e a impottincia do conheci ‘mento cientifico no século XIX, que assistiu ao nascimento, entre outros, da termodinamica e da teoria dos fendmenos étticos, com suas promessas de conseqiiéncias extraordi- niirias para a explicagio dos fendmenos da natuteza ¢ suas primeiras aplicagées& indistria, Mas 0 perfodo que vivemos no 56 6 0 herdeiro dessas conquistas fundamentais, mas também oferece o espeticulo de renovagies ¢ de desenvolvi- ‘mentos sem precedentes na histéria da ciéncia, pelo ntimero ce pela diversidade. Além disso, acontece que um tio prodi- -ioso desabrochar de novos saberes tem repercuss6es nunca antes atestadas na vida individual e social dos homens, ‘As recentes conquistas das ci€ncias ora constituem © desenvolvimento, a exploragio € a maturaglo de idcias essenciais jd aventadas no inicio deste século ou no fim do T Este €e titulo dado a uma efémera revista filosfia,fundads em 1968 por Jules Vuillemin ¢ por mim (Ed, Dune ttularetomado por ngs em 1988 (Ed. Odile Jacob século passado, como, por exemplo, as duas teorias da telatividade, ora sio inovagées aparentemente mais radicais, como nas éreas da bioquimica e da estrutura do genoma. Evidentemente, uma descoberta cientifiea nunca aparece a ppattic de um nada de conhecimento, ¢ pata cada uma das mais espetaculares inovagées de nossa época poderfamos encontrar nio propriamente precuriors, mas idéias mais ou ‘menos precisas que prepararam 0 scu advento em épocas anteriores. E esta segunda metade do século talvez nio seja particularmente fértil em novidades fandamentais, cient camente revolucionirias. Sem divida, ela € grandemente ributgtia dos avangos corridos no inicio do século ou n0 final do século passado. Mas ela 6excepcionalmente rica em desenvolvimento ¢ em aplicagées, e € esta riqueza que Ihe pode valer, com todo 0 direito, o epiteto de “dade da cién- cia”, Ressaltemos em meio a desordem,e sem pretendermos, ‘de modo algum, a exaustio, alguns fatos de primeira gran deza, muito significativos nesta histria recente da citncia, 1. Comecemos com um fato ainda faturo, mas cuja realizasio jd estitem ampla medida iniciada, com um éxito sem divida longinguo mas garantido:a producto de energia utilizével por fusio nuclear, que seria uma fonte pratica mente inesgotivel, jf que a sua matétia é o hidrogénio, cembora, € verdade, sob formas natuealmente ratas, 2. Um acontecimento ocorrido em 1969, a alunissa- ‘gem dos americanos, seguida em 1970 do envio da sonda sovigtica Luna 3 Lua, Assim comecava uma era de exploracio espacial tica em descobertas acerca da estrutura do universo ¢, também, em subprodutos técnicos mais terta a terra 3. A descoberta, fortuita, em 1965, do “ruido de fun- do” universal e estivel, correspondente a uma radiagio de ondas centimétricas de um espectro idéntico ao que seria emitido pelo “corpo negro”* a 2,75 °K. Uma das interpre- tugdes possiveis desta descoberta confirmaria com certa plausibilidade a teoria formulada por Gamow (1948-1954) de uma expansio do universo a partir de um ponto singular, de altissima densidade e elevadissima temperatura, “ori- ‘gem’ de sua hist6ria, caracterizada por leis da fisica desco- anhecidas, provavelmente diferentes das que aplicamos com sucesso ao universo atual. Descoberta € conjectura que abrem no s6 todo um campo de hipsteses matemiticas, ‘mas também, para a vulgarizagio, um universo de especu- lagdes que dé vida nova aos vethos Sonos sobre a origem do universo. 4, Em 1948, a invencio do transistor, derivado de uma teoria dos semicondutores,* cujas conseqiiéncias priticas io extraordinétias, jf que, aperfeicoado sem cessar em suas, caracteristicas © em sua produgio industrial, o transistor permitiu, por exemplo, a criagio das diversas téenicas mé- dlicas por imagens, revolucionou as técnicas de radiotelevi- slo ¢ desenvolveu de mancira formidivel a técnica dos, computadores ¢ dos robas de toda espécie. 5. A descoberta dos antibiéticos, j feita para a pe lina de Fleming em 1928, & confirmada ¢ amplamente desenvolvida a partir da descoberta da cloromicctina, em. 1947. 6. Adescoberta da estrutura em dupla hélice do DNA, cm 1953, ea “explicagio” de seus mecanismos, em 1961, seguidas de continuos progressos na “decifragio” do cédigo genético, 7. ff impossfvel apontar acontecimentos mateméticos rmaiores no periodo atual, pois a expressio de tais aconteci- mentos exige, na maior parte dos casos, que se aprofunde ‘muito exposicio das teorias, sem o que os proprios termos dda exposigio ficam sem sentido. De resto, a especializagio na abstracio € hoje tal, que € muito dificil, mesmo para 08, ‘poucos matematicos mais universais © mais cruditos de hoje, descobrie os caminhos de passagem 0s fios condutores. Eu tentarei, porém, escolher, bascado em meu proprio gosto, tras fatos significativos ocorridos desde 1950, 8) Uma ctiagZo conceitual, as distribuigBes, que genera- lizam em certo sentido e unificam as noges de funcio e de medida (alécada de 1960) . b) Uma demonsteagio a respeito da estrutura légica _geral das matemiticas: a da independéncia da “hipétese do contfauo" edo.axioma deesclha relativamente aos axiomas

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