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Narrativa - Terapêutica

Médica

Renato Colenci
Fevereiro de 2018


NARRATIVA RENATO COLENCI !1


1) A disciplina de Terapêutica Médica contribuiu
para a sua formação?
Quando a gente vai entrar para o quarto ano, temos a cabeça fechada para a
continuidade do ciclo pré-Clínico de nossa formação médica e a expectativa é
de se ter noção prática/aplicada dos medicamentos e das condições patológicas
que estudamos até agora. Nesse contexto, a proposta de iniciar o ano com uma
disciplina que se começou com uma palestra brilhante da Dra. Thaís, a qual, no
alto de sua experiência profissional e pessoal, veio nos esclarecer sobre boas
práticas de prescrição e o impacto disso no SUS, já “começou com o pé direito”.
Em sequência, a aula da Dra. Vânia sobre saúde baseada em evidências,
permitiu-me aprender a buscar por informações confiáveis e de como
desenvolver um olhar crítico sobre novos tratamentos.
Assim, somente pelo primeiro dia de aulas, senti-me estimulado a desenvolver
uma visão mais crítica e embasada sobre a terapêutica alopática. Na sequência,
com a introdução dos temas de medicina complementar, pude ter conhecimento
de uma abordagem completamente diferente do processo saúde-doença.
Especialmente sobre fitoterapia, massoterapia/quiropraxia/terapias manuais,
mindfulness e Yoga, através da conversa/aula e da prática, ficou bastante claro
para mim o impacto dessas abordagens como terapias complementares e o nível
de evidência científica que possuem em sua aplicabilidade. Confesso que sobre
acupuntura e auriculoterapia não me senti convencido pelas palestras acerca de
sua efetividade e nível de evidência, mas em uma busca rápida na PubMed é
notório que há uma vasta literatura a respeito, além de seu histórico de
aplicação milenar. Concluindo, essa disciplina contribuiu tanto para aprimorar
minha formação alopática quanto para compreender e quebrar paradigmas e
preconceitos acerca das técnicas de medicina integrativa e complementar.

2) Como estes conhecimentos podem ou não estar


presentes em sua atuação/vida futura?
Certamente, os conceitos de boas práticas de prescrição, farmacovigilância e
saúde baseada em evidências serão rotina a todo momento em nossa vida
profissional e, portanto, ter o conhecimento de seus princípios nos permite
voltar e estudá-los e aprimorá-los cotidianamente. Os conceitos de medicina
complementar e integrativa talvez não estejam tão presentes em meu dia-a-dia,

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mas, dada a crescente busca dessas técnicas pelos pacientes e o crescente
respaldo científico que tem sido dado, é possível que, até o final da minha
graduação eles já sejam realidade em nossas abordagens ambulatoriais e sinto-
me privilegiado por estar em uma escola médica que não negligencia essa visão
diferenciada e certamente optará por incorporá-las, como já tem feito com
algumas (e.g. acupuntura para alívio da dor crônica). Particularmente, tenho
agora uma visão muito mais aberta para buscar essas terapias como alternativas
para mim, meus familiares, amigos e futuros pacientes.

3) Conte sobre cada uma das oficinas que você


participou: trazendo dados da literatura sobre cada
uma e como outros municípios oferecem estes
serviço. Depois eleja 1 e discuta como ela poderia
ser inserida em Botucatu.

3.1. Mindfulness:
Eu não conhecia o termo e fiquei bastante surpreso ao ver o impacto desta
técnica, especialmente nas doenças mentais, como depressão e ansiedade, com
eficácia comparada a terapia cognitivo-comportamental (1). Particularmente, a
experiência na oficina permitiu-me despertar o interesse por aprofundar o
estudo sobre este método para utilizá-lo como ferramenta diária de higiene
mental para profilaxia de distúrbios mentais. No âmbito do SUS, essa técnica
ainda não está disponível em larga escala, sendo restrita a alguns centros
universitários, conforme apontam algumas notícias (2). Na última edição da
política nacional de práticas integrativas e complementares (3) ainda não
constava o termo “mindfulness” (trás práticas mentais de uma maneira geral), mas
como tema está em evidência nas pesquisas atuais das práticas de saúde
complementar, conforme exaustivamente apresentado nas palestras e oficinas
que tivemos, certamente a próxima edição trará dados da inclusão desta técnica
no SUS.

3.2. Auriculoterapia:
Também não conhecia esta técnica, sendo que fiquei bastante surpreso pelo
relato de caso da professora acerca do tema. Ela nos contou que seu irmão, há
alguns anos afetado pela doença de Crohn e já tendo tentado diversos

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tratamentos alopáticos e caros, porém sem sucesso no controle desta moléstia,
tentou técnicas de acupuntura e obteve sucesso, o que a fez direcionar sua
atuação profissional para técnicas de saúde complementar, dentre elas a
auriculoterapia. Além deste relato, infelizmente a palestra não enfocou
apresentação de dados de evidência científica sobre a aplicação desta técnica.
Em uma busca na PubMed para artigos de revisão com a palavra chave
“auriculotherapy”, encontrei 49 publicações. Dentre estes, há 5 trabalhos
publicados em 2017/2018 (4 - 8). A maioria deles enfocado para patologias
específicas, contudo um deles (8) tem uma conclusão bastante pertinente sobre o
tema de uma maneira geral: “Concluímos que a quantidade e a qualidade de publicações
atualmente sobre o tema não justifica uma ampla adoção dessa prática por parte de profissionais
estritamente aderentes à medicina baseada em evidências”.
Particularmente sobre a minha experiência na parte prática da oficina, não senti
efeito benéfico da técnica (possuo dores crônicas no ombro), mas também não
tive nenhum efeito colateral. A PNPIC (3) trata sobre a acupuntura, mas não
sobre a auriculoterapia.

3.3. Quiropraxia:
Nesta oficina, tivemos a possibilidade de ter um contato mais prático com esta
técnica. Particularmente, eu conhecia esta prática, já tendo usufruído dela como
adjuvante para a prática desportiva. Sempre gostei muito, por promover
resolução de pontos de tensão, muitas vezes resultantes de uma prática esportiva
exaustiva ou mesmo de uma rotina de estresse. Com relação ao nível de
evidência, há 41 trabalhos de revisão sobre o tema publicados em 2017/2018,
sendo que uma revisão sistemática recente (9) traz a conclusão “Há evidências de
qualidade moderada de que a manipulação e a mobilização reduzem a dor e melhoram a função
de pacientes com dor lombar crônica”. A técnica não consta na PNPIC (3), sendo que
tem ganhado cada vez mais espaço nos serviços particulares, especialmente
dentre os fisioterapeutas. Uma vez que a fisioterapia está incluída no SUS
através do NASF ou em centros específicos de tratamento, como em nosso HC,
a implantação desta técnica é dependente da capacitação destes profissionais e
divulgação da técnica nos serviços de encaminhamento, especialmente para
dores de origem osteomuscular crônicas.

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3.4. Massoterapia:
A técnica de massoterapia talvez seja a de maior disseminação e incorporação
em nossa sociedade. A oficina se iniciou com a apresentação do nível de
evidência desta técnica, sendo o enfoque da magnitude da evidência bastante
convincente, com dados sólidos da PubMed. A prática nos permitiu conhecer as
variações das técnicas e correntes de massoterapia existentes, de tal forma que
pudemos compreender a utilização de adjuvantes (instrumentos, óleos, cremes e
loções), bem como pudemos experimentar e executar diferentes técnicas
manuais - pinçamento, percussão, tapotagem, compressão. Compreendemos
sobre a importância de que quem executa a massagem desenvolve a
preocupação de causar bem estar em quem recebe, de tal forma que não deve
ser dolorosa. A massagem é reconhecida no PNPIC (3) como recurso
terapêutico da medicina antroposófica.

3.5. Yoga:
A oficina de Yoga foi a minha última e a que mais me agradou em termos de
experiência prática. Incialmente, a quebra de preconceito que eu tinha de que
se tratava apenas de uma técnica de alongamento com objetivo de melhora de
parâmetros físicos (equilíbrio, elasticidade, flexibilidade), sendo que na verdade
trata-se de uma metodologia de busca de integração fisico-mental baseada em
oito partes (8 angas do yoga clássico): disciplina (yama), autocontrole (niyama),
posturas (asana), controle da respiração (pranayama), recolhimento dos
sentidos (pratyahara), concentração (dharana), meditação (dhyana) e
iluminação (samadhi). Desta forma, pudemos experimentar na oficina prática
que o “alongamento” se trata apenas de uma das partes da prática do Yoga
(asana), sendo que se aproxima muito das técnicas de mindfulness em termos de
controle da respiração, introspecção e concentração, sendo associada com as
posturas específicas para melhoria de desempenho de órgãos relacionados.
Particularmente, achei mais eficaz que a prática de mindfulness, uma vez que
trabalha com o físico e com a mente em uma sincronia mais intensa.
Na parte teórica da oficina não foi nos apresentada de maneira acadêmica o
embasamento científico desta técnica, porém em uma busca por artigos de
revisão publicados na PubMed entre 2017 e 2018 com o descritor “Yoga” revela
que 98 artigos publicados, dos quais apontam evidências para melhora de
diferentes distúrbios, tais como desconforto respiratório em pacientes com

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doenças pulmonares (10), redução de marcadores fisiológicos do estresse (11) e
efeitos colaterais de tratamentos oncológicos (12).
Assim como para o mindfulness, a PNPIC (3) não cita o Yoga como recurso
terapêutico, mas trás as praticas mentais de uma maneira geral, sendo que elas
poderiam ser indicadas dentro do contexto das práticas mentais.

De uma maneira geral, para todas as técnicas citadas, dado o viés acadêmico da
cidade de Botucatu, talvez a via mais rápida de implementação seja atrelada à
universidade, em forma de ambulatório, de tal forma que permitam que mais
pesquisas possam ser feitas e, a partir de então, potencializem a disseminação
destas técnicas para a toda a rede básica brasileira. Outra via de implantação e
disponibilização dessas técnicas seria através de grupos de apoio ou mesmo
através do NASF, onde profissionais capacitados poderiam coordenar atividades
semanais que reunissem demandas das UBS, uma vez que, em geral, são
técnicas de baixo custo e com baixo grau de efeitos colaterais, especialmente
quando orientadas por profissionais capacitados. Além disso, pelas evidências
apresentadas pela maior parte dos estudos, possuem impacto positivo em
quando aplicadas isoladamente para algumas condições ou em associação aos
tratamentos convencionais da medicina alopática.

4) Referências

(1) Hofmann SG, Gómez AF. Mindfulness-Based Interventions for Anxiety and
Depression. Psychiatr Clin North Am. 2017 Dec;40(4):739-749. doi: 10.1016/j.psc.
2017.08.008. Epub 2017 Sep 18. Review.
(2) https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2015/05/17/sus-
usa-meditacao-budista-para-tratar-estresse-e-depressao-aprenda-a-fazer.htm
(3) Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de
Atenção Básica. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS -
PNPIC-SUS /Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção
Básica. - Brasília : Ministério da Saúde, 2006. 92 p. - (Série B. Textos Básicos de Saúde)
(4) Mercante B, Deriu F, Rangon CM. Auricular Neuromodulation: The Emerging
Concept beyond the Stimulation of Vagus and Trigeminal Nerves. Medicines (Basel). 2018
Jan 21;5(1). pii: E10. doi: 10.3390/medicines5010010. Review.

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(5) Jan AL, Aldridge ES, Rogers IR, Visser EJ, Bulsara MK, Niemtzow RC. Does
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and Meta-Analysis. Med Acupunct. 2017 Oct 1;29(5):276-289. doi:10.1089/acu.
2017.1237. Review.
(6) Xiang Y, Wu X, Lu C, Wang K. An overview of acupuncture for psoriasis
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10.1080/09546634.2016.1224801. Epub 2016 Sep 15. Review.
(7) Murakami M, Fox L, Dijkers MP. Ear Acupuncture for Immediate Pain Relief-A
Systematic Review and Meta-Analysis of Randomized Controlled Trials. Pain Med. 2017
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(8) Federman DG, Gunderson CG. Battlefield Acupuncture: Is It Ready for
Widespread Dissemination? South Med J. 2017 Jan;110(1):55-57. doi:10.14423/SMJ.
0000000000000584. Review.
(9) Coulter ID, Crawford C, Hurwitz EL, Vernon H, Khorsan R, Suttorp Booth M,
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review and meta-analysis. Spine J. 2018 Jan 22. pii: S1529-9430(18)30016-0. doi:
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(11) Pascoe MC, Thompson DR, Ski CF. Yoga, mindfulness-based stress reduction
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(12) Lin PJ, Peppone LJ, Janelsins MC, Mohile SG, Kamen CS, Kleckner IR, Fung
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