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REVISÃO

Síndrome de Ardor Bucal:


Controvérsias e Realidades
Arlindo Almeida*, Maria Teresa Gago**

Resumo: O Síndrome de Ardor Bucal (S.A.B.) é uma entidade clínica dolorosa crónica da mucosa oral, cujas nomenclatura,

etiologia e terapêutica são controversas por não estarem ainda bem esclarecidas nalguns aspectos.

O presente trabalho faz uma revisão bibliográfica deste síndrome nos seus múltiplos aspectos: nomenclatura, etiologia,

classificação, fisiopatologia, manifestações clínicas e terapêutica.

Na tentativa de contribuir para a uniformização dos critérios de diagnóstico, com base na literatura e em alguma experiência

adquirida na observação e tratamento de doentes com esta patologia, propõe-se a utilização de um protocolo de diagnóstico,

de acordo com a metodologia adoptada na consulta de Medicina Oral da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de

Lisboa (F.M.D.U.L.).

Palavras-Chave: Disgêusia; Estomatodínia; Estomatopirose; Síndrome de Ardor Bucal; Xerostomia.

Abstract: Burning Mouth Syndrome (B.M.S.) is a chronic clinical condition of the oral mucosae. Burning mouth syndrome’s etiology

and treatment options are controversial due to ill knowledge in this field. The present article is a literature review of the

syndrome’s nomenclature, etiology, classification, pathofisiology, clinical manifestations and treatment options.

In order to contribute to the uniformization of the diagnostic criteria we suggest a diagnosis protocol that is used at the Dental

Medical School of Lisbon University. The protocol is based on literature and our own experience in observing and treating people

with burning mouth syndrome.

Key-words: Burning Mouth Syndrome; Dry Mouth; Dysgeusia; Stomatodynia; Stomatopyrosis.

(Almeida A, Gago MT. Síndrome de ardor bucal: Controvérsias e realidades. Rev Port Estomatol Cir Maxilofac 2004;45:85-103)

*Professor de Medicina Oral da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa.


**Aluna do 6º ano do curso de Medicina Dentária da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa.

Volume 45, N°2, 2004 Revista Portuguesa de Estomatologia, Medicina Dentária e Cirurgia Maxilofacial 85
Almeida A, Gago MT

gações recentes sugerem poder tratar-se de uma


INTRODUÇÃO
variante da dor facial atípica(16,20), com causas
O ardor bucal é um dos motivos mais orgânicas na sua génese, ao contrário de factores
frequentes de consulta dos doentes que acorrem à psico-neurológicos habitualmente considerados a
clínica da disciplina de Medicina Oral da F.M.D.U.L. causa do síndrome.
De acordo com vários autores a prevalência é
de 1% a 5% da população(1), sendo 3 a 6 vezes NOMENCLATURA
mais frequente nas mulheres em relação aos
homens(2), ocorrendo sobretudo na peri e pós- A designação genérica de “Burning Mouth
menopausa . (3)
Syndrome” não é consensual. Para tal contribuem
A dor pode manifestar-se em qualquer região duas questões fundamentais: a etimologia no que
da mucosa bucal, sendo mais frequente na língua, respeita à nomenclatura e a definição de
lábios e palato(4,5), com intensidade variável de síndrome.
ligeira a moderada e, raramente, severa . (5,6)
A ausência de sinais semiológicos nesta
Apesar das características clínicas: sensação de patologia está em contradição com a definição de
ardor, picada ou prurido, na mucosa bucal normal, síndrome: “conjunto de sinais e sintomas de
por vezes acompanhada de disgêusia(7,8,9,10,11), boca etiologia mal esclarecida”.
seca (7,8,11)
e sede (7,9,10,11,12)
que o doente ocasional- Lamey(15), em 1989, aceita a designação
mente relaciona com determinados factores Síndrome de Ardor Bucal por estar generalizada.
(tratamentos dentários, stress pós-traumático, Embora, reconheça que a utilização dos termos
doenças,…) raramente existem sinais semioló- glossopirose, glossodínia, estomatopirose, esto-
gicos ou alterações laboratoriais que evidenciem matodínia e disestesia oral fossem mais ade-
uma causa orgânica, o que obriga a um trata- quados.
mento empírico e sintomático . (13)
Em 1991 Gorsky(12) considera que o nome
A etiologia desta patologia tem constituído nos Síndrome de Ardor Bucal descreve uma variedade
últimos quinze anos um interessante e aliciante de sintomas orais crónicos e Tourne(4), em 1992,
campo de investigação para vários autores, o que afirma que o termo é usado de forma a abranger
originou diversos estudos por vezes discordantes o quadro sintomático. Bergdahl(6), em 1993,
nalguns aspectos. explica que as várias designações são sinónimas,
Nos diferentes estudos o Síndrome de Ardor excepto a de glossodínia que explicitamente se
Bucal é também designado como hot tongue restringe à dor e ardor na língua.
(14)
syndrome ; glossodínia , glossalgia , glosso- (15) (16)
Cibirka(5), em 1997, defende a utilização do
pirose(15), estomatopirose(15,17), estomatodínia(15,18), termo síndrome devido às características das
(15)
disestesia oral , disestesia bucofaríngea psico- manifestações sintomáticas concomitantes, dor e
génica(18), parestesia bucal psicogénica(18)e estoma- ardor na mucosa oral. Contudo, Woda(9), em 1998,
tite protética dolorosa(19). afirma que a designação Síndrome de Ardor Bucal
Embora continue por esclarecer a etiologia é genérica e pouco precisa porque abrange
desta patologia na maioria dos casos, investi- condições patológicas diferentes e é conceptu-

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Síndrome de ardor bucal: Controvérsias e realidades

almente inadequada, pois as manifestações Considera-se existirem 3 tipos de Síndrome de


clínicas não constituem um quadro sindrómico . (18)
Ardor Bucal, de acordo com a forma de
Prefere utilizar o termo Estomatodínia(9), enquanto manifestação dos sintomas: tipo 1 – sintomas
Rhodus recomenda a designação de “Burning ausentes ao acordar (aparecendo durante o dia,
Mouth Disorder”( 3). agravando-se para a noite); tipo 2 – sintomas
Analisando etimologicamente os termos usa- contínuos (associado a factores psicológicos); tipo
dos na nomenclatura verifica-se que os mesmos 3 – sintomas intermitentes e queixas dolorosas em
pretendem caracterizar determinado tipo de locais pouco usuais como pavimento da boca e
sintoma e a sua localização: dor, ardor ou alteração faringe.
de sensibilidade da língua ou mucosa oral. Lamey(25) considera importante a distinção de
A sensação de ardor ou queimor bucal pode ser síndrome em vários tipos devido ao prognóstico e
causada por múltiplas patologias, pelo que ao às diferentes abordagens terapêuticas. É possível
considerar o Síndrome de Ardor Bucal como que exista uma inter-relação de factores orgânicos,
entidade autónoma, é necessário distingui-lo do psicológicos (ansiedade crónica) e imunoalérgicos
sintoma de ardor bucal(1,2,6,9). (alimentos) entre os três tipos.
Em1994 Eli(24) sugere que os doentes com
ETIOLOGIA Síndrome de Ardor Bucal podem ser divididos em
dois grupos: os que respondem ao tratamento e os
A etiologia do Síndrome de Ardor Bucal é refractários às várias terapêuticas.
multifactorial (4,5,6)
, mas por motivos de sistema- Nunes da Silva(17), em 1998, refere que existem
tização a divisão dos factores etiológicos faz-se de vários conceitos de Síndrome de Ardor Bucal. Para
acordo com 3 grandes grupos (4,5,6)
: Local, Sistémico clarificar a linguagem e definir com precisão o(s)
e Psicogénico (Quadro 1). fenómeno(s), propõe a sua sistematização em 2
Os numerosos factores responsabilizados pelo categorias:
ardor bucal estão geralmente associados a outras
patologias, pelo que Van der Waal(11) propõe que a 1º. Síndrome de Ardor Bucal Essencial – “quadro
designação Síndrome de Ardor Bucal, seja reser- de etiopatogenia obscura e terapêutica frustrante,
vada aos casos de ardor bucal de causa des- que leva os doentes de consulta em consulta ao
conhecida ou idiopática. longo de penosos anos.”
Dentro da categoria do Síndrome de Ardor Bucal
CLASSIFICAÇÃO Essencial, cria duas sub-divisões:
1.1 - Verdadeiro, primário ou idiopático – exame
A evolução do conhecimento sobre o Síndrome objectivo negativo e exames laboratoriais
de Ardor Bucal tem originado várias propostas de negativos.
classificação, de acordo com diferentes critérios, 1.2 - Pseudo-essencial – exame objectivo nega-
designadamente a forma de manifestação dos tivo, existindo alterações laboratoriais.
sintomas(23), a resposta à terapêutica(24) e a 2º. Ardor Bucal Secundário – existência de lesões
existência de sinais semiológicos associados . (17)
no exame objectivo.

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Síndrome de Ardor Bucal: Etiologia

Factores Locais Factores sistémicos


Alergia (4,5,6)

Doenças hematológicas(8)
Alergia alimentar(8,11)
Anemia perniciosa(11)
Ácido sórbico(19)
Anemia ferropénica(4,6,11)
Ácido nicotínico(19)
Doenças da nutrição(8)
Propileno glicol(19)
Deficiências vitamínicas( 4,5,6,11)
Alergia de contacto ao acrílico(8)
Complexo B(B1, B2, B6, B12)
Alergia ao metal(8,11)
Ácido Fólico
Irritação mecânica(4)
Deficiência de Lítio (22)

Má adaptação protética(19)
Hipocalcémia(11)
Desrespeito pelo espaço de Donders(19)
Xerostomia(4)
Oclusão desadequada(19)
Menopausa(4,5,8,17)
Infecção(4,5,6,17)
Diabetes(4,8,11)
Viral(8)
Medicação(4,11,17) (Antidepressivos tricíclicos, Sedativos,
Fusoespiroquetas(11)
Hipnóticos, Anti-hipertensores
Helicobacter pylori(21)
Inibidores da Enzima de conversão da Angiotensina,
Hábitos parafuncionais(5,8,17)
Anticolinérgicos, Antiespasmódicos,
Dor miofascial(4)
Antiparkisónicos, Anti-histamínicos, Diuréticos)
Glossite losângica mediana(11)
Alterações vasculares(11,17)
Língua geográfica(4,8,11,17)
Alterações imunológicas(5,6,11,17)
Lingua fissurada(11)
Alterações do Sistema Nervoso Central(8)
Língua pilosa(11)
Neuropatias(17)
Papilite foliácea(11)
Hipotiroidismo(11)
Refluxo gastro-esofágico(4)
Hipocloridria ou Acloridria(11)
Mecanismos neuronais(5)
Velocidade de sedimentação(11)
Neuroma do nervo auditivo(4)
Síndrome de Sjogren(8)
Disfunção nervosa periférica(8)
Disfunção gustativa(8)
Factores Psicogénicos(4,5,6,8,17)
Disfunção das glândulas salivares(5,6,8,11,17)
Depressão
Electrogalvanismo(11)
Ansiedade
Candidiase(8,11)
Stress pós-traumático
Doença periodontal(8)
Doenças vesiculo-bolhosas(8)
Epitelioma(11)
Eritroplasia(11)
Leucoplasia(11)
Líquen plano(11)

Quadro 1 – Síndrome de Ardor Bucal: Etiologia

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Síndrome de ardor bucal: Controvérsias e realidades

De acordo com o envolvimento de mecanismos


FISIOPATOLOGIA
neurológicos está a hipótese da existência de
Woda(26), considera o Síndrome de Ardor Bucal alterações na via gustativa(28). Existem vários
como entidade clínica idiopática e propõe a criação modelos baseados nesta hipótese:
de um Conceito Unificado de Dor Orofacial a) “Supertasters”, isto é: indivíduos com limiar
Idiopática, englobando o Síndrome de Ardor Bucal, gustativo elevado, naturalmente devido a
a Odontalgia atípica, a Dor facial atípica e a grande densidade de papilas gustativas,
Artromialgia facial idiopática. Estas 4 entidades rodeadas por terminações nervosas da via
apresentam, em comum, a idade do aparecimento nociceptiva do trigémio, cuja lesão poderá
das manifestações clínicas (menopausa), a desencadear uma sen-sação de dor atípica.
prevalência no sexo feminino e o facto de não b) “A menopausa afecta a capacidade de detecção
irradiarem segundo os trajectos dos nervos do sabor amargo”, assim, a redução de
cranianos. Na sequência desta proposta, sugere percepção deste sabor na corda do tímpano,
que vários mecanismos neuropáticos poderão ramo do nervo facial, poderá resultar na
estar envolvidos nesta patologia(27) e que para cada intensificação de sensações gustativas na área
indivíduo, a sintomatologia final da dor orofacial inervada pelo glossofaríngeo e na produção de
idiopática dependerá do tecido orgânico envolvido sabores anormais.
e da prevalência dos factores de risco .(27)
c) Perda de controlo de inibição central das fibras
Os principais factores de risco subjacentes a nociceptivas aferentes do trigémio.
esta teoria são: disfunções hormonais (estro- d) Alteração da composição da saliva resultante de
génios); estímulos locais (inflamatórios ou mecâ- actividade simpática alterada devido ao stress
nicos); lesões neurológicas minor e perturbações ou alterações na interacção entre pares
psicológicas que poderão desencadear disfunções cranianos envolvidos na percepção do paladar
neurológicas como aumento da sensibilidade e na sensação de dor.
central e periférica; alteração do controlo de Embora não tenha sido possível definir, com
inibição segmentar; actividade do sistema nervoso base em características psicológicas, a população
simpático anómala; focos de tecido nervoso com de risco susceptível de desenvolver o Síndrome de
actividade ectópica e hiper ou hipoactividade dos Ardor Bucal, nem estabelecer uma relação
sistemas de controlo descendente(27). Da conjunção causa/efeito entre o perfil psicológico dos doentes
destes vários factores dependerá o desencadear e o síndrome, existem evidências clínicas de poder existir
dos mecanismos neurológicos do síndrome, cuja a associação ansiedade /depressão /síndrome(27).
identificação será importante para delinear a
estratégia de tratamento. CLÍNICA
Os factores psicológicos podem provocar uma
modulação dos mecanismos de controlo descen- O principal sintoma do Síndrome de Ardor Bucal
dente, excitatórios ou inibitórios, fazendo a ligação é a sensação de queimor ou ardor que se pode
entre o cérebro e o nível segmentar(27). manifestar em qualquer região da mucosa oral(11),

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embora seja mais frequente em determinados encontram-se expressos nos quadros seguintes
locais (7,10,12,14,15)
(Quadros 2, 3, 4, 5, 6 e 7). (Quadros: 8, 9, 10 e 11).
Da análise comparativa dos quadros anteriores, Grushka(7) refere que a percentagem de
verifica-se que a língua é a região mais frequen- disgêusia é de 69% e, analisando as suas formas
temente envolvida e que o pavimento da boca é de manifestação, verificou que em 88% dos casos
onde menos se manifestam os sintomas. Os resul- existia a queixa de sabor persistente e que em
tados obtidos para os lábios e palato são discordantes. 59% dos doentes a alteração referida era de
Embora sendo possível comparar os resultados percepção gustativa alterada. No grupo que
obtidos pelos vários autores, tal comparação é manifestava a existência de sabor persistente,
pouco rigorosa, devido à ausência de critérios 33% dos doentes referiam ser o sabor amargo,
uniformes para a localização das regiões anató- seguido do sabor metálico em 27% dos casos
micas atingidas e da associação do seu envolvi- e ambos os sabores associados em 10%. A
mento em simultâneo. percepção do sabor mais frequentemente alterado
Encontra-se frequentemente referido na é o salgado (70%), seguido do doce (40%), ácido
literatura, associados ao ardor bucal, a existência (40%) e amargo (35%). A sensação de sede é
concomitante de disgêusia e xerostomia (7,8,910,12)
– referida por 37% dos pacientes.
constituindo, para alguns autores, a tríade sinto- Da análise comparativa da frequência de
mática característica do síndrome (7,17)
. sintomas associados ao Síndrome de Ardor Bucal
Os resultados das investigações conduzidas resulta que a disgêusia e a sensação de “boca
para determinar a prevalência e frequência de seca”, apresentam resultados discordantes, o que
factores associados ao Síndrome de Ardor Bucal, torna difícil estabelecer a tríade sintomática (ardor

Síndrome de Ardor Bucal - Localização


(Grushka et al. 1987)(7)
Locais de manifestação de ardor %
Ponta da língua 78
Dois terços anteriores da língua 58
Terço anterior do palato duro 49
Mucosa do lábio inferior 49
Mucosa do lábio superior 39
Dois terços posteriores do palato duro 26
Crista alveolar inferior 25
Crista alveolar superior 24
Porção cutânea do lábio inferior 24
Porção cutânea do lábio superior 18
Face ventral da língua 17
Mucosa bucal 14
Pavimento bucal 13
Orofaringe 13
Terço posterior da língua 11
Palato mole 6
Quadro 2 – Síndrome de Ardor Bucal: Localização (Grushka et al. 1987)(7)

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Síndrome de ardor bucal: Controvérsias e realidades

bucal, disgêusia e xerostomia) como característica sintoma “boca seca”, por nem todos os autores
do síndrome. explicitarem se a sensação é apenas subjectiva ou
Os resultados apresentados pelos diversos se é devida a hipossialismo.
autores nem sempre permitem uma comparação As alterações laboratoriais referidas que podem
precisa, uma vez que são fornecidas frequências estar associadas ao Síndrome de Ardor Bucal são
de disgêusia, em simultâneo com tipos de anomalias imunológicas (58%)(7), ligeiro aumento
disgêusia, sem especificar a relação entre ambas da velocidade de sedimentação (63%)(8) e
as situações. O mesmo se verifica na análise do deficiência de lítio sérico (95%)(22) dos casos.
Síndrome de Ardor Bucal - Localização
(van der Ploeg et al. 1987)(14)

Locais de manifestação de ardor %

Ponta da língua 71
Lábios 50
Bordos da língua 46
Dorso da língua 46
Palato 46
Área em contacto com prótese superior 25
Mucosa bucal 21
Faringe 19
Área em contacto com prótese inferior 19
Orofaringe 7
Quadro 3 – Síndrome de Ardor Bucal: Localização (van der Ploeg et al. 1987)(14)

Síndrome de Ardor Bucal - Localização


(Lamey et al. 1989)(15)

Locais de manifestação de ardor %

Língua >70
Palato e crista alveolar superior >40
Lábios >30
Área de suporte protético inferior >30
Orofaringe, Mucosa bucal, Pavimento Bucal <10
Quadro 4 – Síndrome de Ardor Bucal: Localização (Lamey et al. 1989)(15)

Síndrome de Ardor Bucal - Localização


(Gorsny et al. 1991)(12)

Locais de manifestação de ardor %

Língua 72
Palato duro 25
Lábios 24
Outras localizações (mucosa bucal, mucosa labial, palato mole, pavimento bucal) 36

Quadro 5 – Síndrome de Ardor Bucal: Localização (Gorsny et al. 1991)(12)

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Síndrome de Ardor Bucal - Localização


(Bergdahl et al. 1999)(10)

Locais de manifestação de ardor %

Língua 67,9
Gengiva 11,3
Mucosa bucal 7,5
Lábios e Palato 5,7
Mucosa jugal 1,9

Quadro 6 – Síndrome de Ardor Bucal: Localização (Bergdahl et al. 1999)(10)

Síndrome de Ardor Bucal - Localização

Frequência relativa das diferentes localizações (%)


Autor/ Ano N Língua Pavimento Palato Mucosa
Bucal duro/mole Lábios jugal Orofaringe
Grushka/1987 102 nc 13 nc/6 nc 14 13
Van Ploeg/1987 154 nc nc 46* 50 21 7
Lamey/1989 ? > 70 < 10 nc > 30 < 10 < 10
Gorsky/1991 130 72 nc 25/nc 24 nc nc
Bergdahl/1999 53 67,9 nc 5,7* 5,7 nc nc
? – não especifica o número de indivíduos considerados na amostra; nc – dados não comparáveis; * – refere somente Palato (não subdivide em
duro e mole)
Quadro 7 – Síndrome de Ardor Bucal: Localização

Síndrome de Ardor Bucal - Sintomas associados


(Grushka et al. 1987)(7)
Frequência de sintomas concomitantes %
Boca seca 63
Disgêusia 69
Sabor persistente 88
Percepção gustativa alterada 59
Sede 37
Quadro 8 – Síndrome de Ardor Bucal: Sintomas associados (Grushka et al. 1987)(7)

Síndrome de Ardor Bucal - Sintomas associados


(Ship et al. 1995)(8)
Frequência de sintomas concomitantes %
Disgêusia 68
Xerostemia 58
Cacogêusia 45
Hipogêusia ou Agêusia 30
Hipergêusia 27
Quadro 9 – Síndrome de Ardor Bucal: Sintomas associados (Ship et al. 1995)(8)

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Síndrome de ardor bucal: Controvérsias e realidades

Síndrome de Ardor Bucal - Sintomas associados


(Bergdahl et al. 1999)(10)
Frequência de sintomas concomitantes %
Xerostemia 69
Disgêusia 11
Quadro 10 – Síndrome de Ardor Bucal: Sintomas associados (Bergdahl et al. 1999)(10)

Síndrome de Ardor Bucal - Sintomas associados

Autores Disgêusia (%) Boca seca (%)

Grushka 87 69 63s
Gorsky 91 n.r 39
Ship 95 68 58s
Woda 98 30-40 40-50
Bergdahl 99 11 66s
s – autores explicitam que a sensação é subjectiva
n.r – não refere

Quadro 11 – Síndrome de Ardor Bucal: Sintomas associados

possíveis patologias associadas ao ardor bucal.


DIAGNÓSTICO
Provas terapêuticas que visem a correcção de
Vários autores destacam a importância em anomalias detectadas ou esclarecer hipóteses de
distinguir o Síndrome de Ardor Bucal de outras diagnóstico, podem ser necessárias. Quando esgo-
entidades clínicas que possam apresentar tada a abordagem diagnóstico-terapêutica do Sín-
sintomas semelhantes(1,2,6,9,17). O diagnóstico clínico drome de Ardor Bucal sem resultados conclusivos
(11)
não é difícil , no entanto, na ausência de uma considera-se estar perante formas idiopáticas
definição precisa e universalmente aceite de (Quadro 12).
Síndrome de Ardor Bucal, é impossível conhecer Segundo vários autores o Síndrome de Ardor
com rigor os dados objectivos a pesquisar. Bucal é comum em pacientes com doenças
Sendo o Síndrome de Ardor Bucal uma entida- psiquiátricas(29), procurando, alguns deles, estabe-
de nosológica idiopática, o recurso a exames com- lecer a associação entre o Síndrome de Ardor Bucal
plementares de diagnóstico deve ser feito de e a presença de patologia do foro psiquiátrico
acordo com a história clínica, procurando eliminar, através de diversos métodos psicométricos de
sucessivamente, as patologias que mais frequen- avaliação(1,2,14,16,24,30,31) (Quadro 13).
temente são causa de ardor bucal. Ao comparar os resultados obtidos pelos vários
Fazer um diagnóstico por exclusão implica, a autores(1,2,14,16,24,30,31) sobre a relação psicopa-
par de uma anamnese detalhada, um minucioso tologia/síndrome de ardor bucal, constata-se que
exame objectivo, antes da realização de exames a depressão, a ansiedade, o neuroticismo e as
laboratoriais complementares para identificar reacções somáticas ao stress se encontram

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aumentadas em doentes com o síndrome(14,16,24,31). Embora cerca de 50% dos doentes com
Embora haja autores (23)
que atribuam a influência Síndrome de Ardor Bucal sofram de perturbações
de factores psicológicos a determinado tipo de psicológicas(30), não se demonstrou um perfil
manifestação sintomatológica do síndrome de ardor psicológico característico entre os doentes que
bucal, outros, afirmam que a relação exis-tente é apresentam alterações psicopatológicas e o
indeterminada por não se comprovar se é causa Síndrome de Ardor Bucal(1), o que explica o facto
ou consequência do problema de saúde oral(14,16,24). de vários investigadores(1,2,30), não considerarem a
De acordo com Eli(24) não existe associação entre existência nestes doentes de características
eventos recentes e o desencadear do Síndrome de psíquicas distintas da população em geral.
Ardor Bucal. Assim, sugere que o desenvolvimento Para uniformizar os critérios de diagnóstico é
do síndrome é facilitado por características de importante definir e estabelecer metodologias na
personalidade que apresentam maior tendência observação dos doentes com esta patologia. Na
para a somatização, ansiedade e psicoticismo, consulta de Medicina Oral da F.M.D.U.L. adoptamos
predispondo a condições de dor crónica. Esta um protocolo de diagnóstico que se tem revelado
hipótese dirime um factor psicológico gatilho em de grande utilidade (Figura 1).
favor de características psicológicas predisponentes.

Ardor Ardor
Ardor Bucal
Bucal Bucal
Pseudo-Essencial
Secundário Essencial

Figura 1 – Síndrome de Ardor Bucal: Fluxograma de diagnóstico


(Baseado em Nunes da Silva(17) e Bergdahl(6))

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Síndrome de ardor bucal: Controvérsias e realidades

Síndrome de Ardor Bucal - Métodos psicométricos de avaliação

Autores/Ano Métodos Psicométricos Utilizados Abreviaturas

Spielberger State Trait Anxiety Inventory – Dutch adaptation


STAI - form Y
van der Ploeg Depression Adjective Check List – Dutch adaptation
DACL
1987 Dutch Personality Inventory
DPI
Questionário para medir reacções corporais e somáticas ao stress

Lamb
Cattell 16PF – Form C
1988

Zilli General Health Questionnaire – versão de 28 itens GHQ – 28


1989 Irritability, Depression and Anxiety Scale IDA

Eli Recent Life Changes questionnaire


SCL -90
1993 Symptom Check List

Clinical Interview Schedule CIS


Eysenck personality questionnaire EPI
Hospital Anxiety and Depression Scale HAD
van der Waal
Montgomery-Asberg Depression Rating Scale MADRS
1993
General Healh Questionnaire GHQ
Irritability depression and anxiety scale IDA
Spielberger state-trait anxiety inventory, modelo Y STAI-Y

Rojo
Symptom Check List SCL -90
1994

McGill Pain Questionnaire – Short Form MPQ - versão curta


Carlson
Revised Symptom Check List SCL -90R
2000
Multidimensional Pain Inventory MPI

Danhauer
Revised Symptom Check List SCL -90R
2002

Al Quran
Revised Personality Inventory NEO PI-R
2004

Quadro 12 – Síndrome de Ardor Bucal: Métodos psicométricos de avaliação

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Síndrome de Ardor Bucal: Diagnóstico laboratorial(3,11,18)

1. Testes clínicos
1.1. Sialometria
Fluxo salivar estimulado
Fluxo salivar em repouso
1.2. Alergias
Teste epicutâneo a materiais constituintes de próteses ou de obturações
2. Exames Imagiológicos
Ortopantomografia
3. Análises clínicas
3.1 Análises hematológicas
3.1.1. Hemograma e velocidade de sedimentação
3.1.2. Doseamentos séricos
Ferro
Ferritina
Transferrina
Zinco
Lítio
Vitaminas: B1, B2, B6, B12
Ácido Fólico
Estrogénios
Hormonas tiroideias: T3, T4, TSH
Glicemia
3.1.3. Marcadores de doenças autoimunes
3.2. Análise bacteriológica da flora oral
Candida albicans
3.3. Análise bioquímica da saliva
Ionograma (Na+, K+, Cl-, HCO3-)
Imunoglobulinas

Quadro 13 – Síndrome de Ardor Bucal: Diagnóstico laboratorial

96 Revista Portuguesa de Estomatologia, Medicina Dentária e Cirurgia Maxilofacial Volume 45, N°2, 2004
Síndrome de ardor bucal: Controvérsias e realidades

13% dos doentes, respectivamente. Sugere que a


TERAPÊUTICA
melhoria dos sintomas com comida picante se
A terapêutica racional de qualquer patologia é poderá dever à presença de capsaicina, que
a correcção ou eliminação dos factores etiológicos. diminui a substância P, um mediador químico
A existência dos múltiplos factores etiológicos central da dor, para níveis que levam a um
passíveis de desencadear o Síndrome de Ardor decréscimo da sensação de ardor bucal. Este facto
Bucal explica as várias terapêuticas empíricas que levou alguns autores a aconselharem o uso tópico
têm vindo a ser ensaiadas (Quadro 14). de capsaicina no tratamento do Síndrome de Ardor
Em 1992, numa revisão da literatura, Tourne(4) Bucal em bochechos na dose de uma colher de
verifica existirem as seguintes abordagens chá de pimenta vermelha diluída de 1:2 ou 1:1 em
terapêuticas: Adaptação protética; Correcção de água(28). A utilização de capsaicina a nível sisté-
hábitos parafuncionais; Controlo de alergia (Anti- mico, embora eficaz no tratamento a curto prazo
histamínicos); Psicoterapia; Antifúngicos; Anti- da patologia, produz efeitos gastro-intestinais
bacterianos; Corticosteróides; Sialogogos; Repo- indesejáveis . (33)

sição de vitaminas e sais minerais; Substituição Em 1998, Grushka(13) apresenta um estudo


hormonal; Benzodiazepinas e Antidepressivos. em que utiliza uma dosagem crescente de
Em 1993, Bergdahl(6) propõe um protocolo de clonazepam (benzodiazepina): 0,25mg de clona-
tratamento em que se instituem medidas zepam ao deitar durante uma semana, aumen-
terapêuticas de acordo com os exames local e tando a dose de 0,25 mg semanalmente, até à
sistémico para, por exclusão de patologias, remissão dos sintomas, sem ultrapassar a dose
minorar ou curar o ardor bucal. A ausência de máxima de 3,0 mg por dia fraccionada em 3
resposta positiva ao tratamento, caracteriza a tomas. Como resultados preliminares do referido
presença de um Síndrome de Ardor Bucal estudo apresenta uma melhoria do sintoma de
resistente, sendo necessário avaliação psicológica ardor bucal em 70% dos doentes.
e consequente psicoterapia. A terapia cognitiva Também em 1998, Woda(9) propõe a utilização
dada a sua indicação no tratamento de uma de benzodiazepinas, sugerindo, no entanto, a
grande variedade de perturbações mentais, exploração do seu efeito tópico por acção nos
incluindo depressão, ansiedade, fobias e receptores periféricos das benzodiazepinas. Os
problemas de dor(32) é a psicoterapia mais utilizada. doentes dissolvem 1⁄4 de comprimido de clona-
Ao testar os seus efeitos em doentes com zepam de 0,5mg na saliva e mantêm-no na boca
Síndrome de Ardor Bucal resistente, Bergdhal durante 3 minutos, sem engolir. Após este período
verificou uma significativa redução da intensidade os doentes expelem a saliva. A terapêutica deve
dos sintomas em quase todos os doentes, não ser repetida 2 ou 3 vezes por dia de acordo com a
apresentando 27% deles sintomatologia álgica intensidade da dor. Os doentes podem ajustar a
após 6 meses de tratamento(32). dose entre 1⁄4 a 1⁄2 comprimido até ao
Ship , em 1995, fazendo uma revisão da
(8)
desaparecimento da sintomatologia e devem
literatura, refere que a exposição ao calor e a manter o tratamento durante mais 10 dias, após a
comida picante alivia a sintomatologia em 22% e cura clínica. Os resultados apresentados referem

Volume 45, N°2, 2004 Revista Portuguesa de Estomatologia, Medicina Dentária e Cirurgia Maxilofacial 97
Almeida A, Gago MT

alívio total ou parcial em 52% dos doentes. grupos distintos: a um grupo efectuou psicoterapia
Gremeau-Richard(34) propõe um protocolo de cognitiva (2 sessões semanais de 1h durante 2
tratamento semelhante: dissolução de 1mg de meses), noutro grupo administrou ALA (600mg
clonazepam na saliva, mantendo-o na boca por dia durante 2 meses) e no terceiro grupo
durante 3 minutos sem engolir, 3 vezes ao dia, efectuou psicoterapia e administrou 600mg de
durante 14 dias. Dependendo da evolução da ALA durante 2 meses. A investigação mostrou que
resposta terapêutica poder-se-á administrar uma a psicoterapia cognitiva e administração de ALA
quarta dose de 1mg ou aumentar a dose para 2mg são eficazes em separado, mas que a terapêutica
por toma.(34) combinada resulta numa redução da sintoma-
Em 1999, Tammiala-Salonen (35)
efectuou um tologia mais significativa(37).
estudo sobre as possibilidades terapêuticas da Em 2003 Rhodus(3) sistematiza as opções tera-
trazodona (ansiolítico) no Síndrome de Ardor pêuticas em duas linhas de abordagem:
Bucal, tendo concluído não ser eficaz. a) correcção de factores sistémicos ou locais que
(22)
Blachman , em 2001, num estudo em 40 possam provocar o ardor bucal
doentes com Síndrome de Ardor Bucal verifica que b) correcção de mecanismos neuropáticos que
36 apresentam deficiências de lítio sérico (95%), possam contribuir para o fenómeno.
tendo constatado que os sintomas desapareceram,
em todos eles, após administração de lítio até se Enquanto a terapêutica do ardor bucal essencial
atingir a concentração plasmática de 1,2mEq/L. é empírica e geralmente pouco eficaz, o
(28)
Grushka , em 2002, afirma que o tratamento tratamento do ardor bucal associado a outras
do Síndrome de Ardor Bucal é normalmente patologias passa pela detecção e correcção ou
dirigido para a sintomatologia e tem o mesmo eliminação dos factores etiológicos.
tratamento médico que outras situações dolorosas Aos doentes que frequentam a consulta de
neuropáticas. Refere que a investigação, regra Medicina Oral da F.M.D.U.L, com queixas de ardor
geral consubstancia a utilização de doses baixas de bucal associados a xerostomia prescrevemos
clonazepam, clordiazepóxido, antidepressivos trici- habitualmente a seguinte preparação magistral:
clicos e gabapentina. Salienta que a medicação ácido cítrico (20g); sumo de limão (5ml a 10ml) e
com inibidores selectivos da recaptura da serotonina glicerina q.b. para um litro de solução. A utilização
ou outros antidepressivos serotoninérgicos não foi deste colutório em bochechos durante dois a três
ainda cientificamente demonstrada. minutos, principalmente antes das refeições e do
Femiano(36), num estudo em 60 doentes com acto de falar por períodos prolongados tem
Síndrome de Ardor Bucal verificou que a revelado bons resultados.
terapêutica com Ácido-Alfa-Lipóico (ALA), resultou
em diminuição da sintomatologia álgica na
maioria dos doentes. Os resultados mantiveram-se
estáveis em 70% dos indivíduos após 1 ano(36).
Num outro estudo, o mesmo autor, dividiu 192
doentes com Síndrome de Ardor Bucal em 3

98 Revista Portuguesa de Estomatologia, Medicina Dentária e Cirurgia Maxilofacial Volume 45, N°2, 2004
Síndrome de ardor bucal: Controvérsias e realidades

Classe Grupo Princípio Nome Prescrição


farmacológica terapêutico da marca
0,25mg ao deitar; aumentar
dosagem em 10mg de 4/4dias
ou de 7/7 dias até sintoma-
Clonazepam(9,13,28) Rivotril®
tologia diminuir ou ocorrência
de efeitos secundários.
1 toma ou 3 tomas.
Benzodiazepinas
Chupar 1⁄4 ou 1⁄2 de
comprimido, mantendo saliva
Ansiolíticos e sem engolir, durante 3 mins.
anticonvulsivantes Clonazepam(9) Rivotril®
Cuspir. Continuar protocolo após
diminuição/cessação de
sintomatologia durante 10 dias.
100mg ao deitar; aumentar
dosagem em 100mg de
Antiepiléticos Gabapentina(28) Neurontin® 4/4 dias ou 7/7 dias até
sintomatologia diminuir
ou ocorrência de efeitos
secundários. 3 tomas

5mg ao deitar; aumentar


Antiespasmódicos dosagem em 5mg de 4/4 ou
Parassimpaticolíticos com acção Clordiazepóxido(28) Librax® 7/7 dias até sintomatologia
no músculo liso diminuir ou ocorrência de
efeitos secundários. 3 tomas.

ADT®
Amitriptilina(28) Mutabon® 10mg ao deitar; aumentar
Tryptizol® dosagem de 4/4 ou 7/7 dias
até alívio da sintomatologia
Antidepressivos ou ocorrência de efeitos
Nortriptilina(28) Norterol®
tricíclicos secundários.

25mg-50mg por dia,


Clomipramina(18) Anafril® aumentando progressivamente
até 150 mg por dia.

Neurolépticos
Antidepressivos 50mg por dia durante
inibidores da 2 semanas e depois 150mg
Sertralina(18) Zoloft®

recaptura da por dia até que dores


serotonina regressem ou desapareçam.

0,4 a 1,2g por dia,


Estabilizadores
Lítio(22) Priadel® até reposição dos níveis
do humor
séricos de 0,60 a 1,20 mEq/L.

Quadro 14 – Síndrome de Ardor Bucal: Terapêutica

Volume 45, N°2, 2004 Revista Portuguesa de Estomatologia, Medicina Dentária e Cirurgia Maxilofacial 99
Almeida A, Gago MT

raquidianos pelos osteofitos na coluna vertebral).


DISCUSSÃO
Também carece de melhor avaliação a possível
A designação Síndrome de Ardor Bucal, apesar relação do Síndrome de Ardor Bucal com os efeitos
de vulgarizada, é ainda controversa devido à secundários de medicamentos, designadamente,
inexis-tência de um quadro clínico definido. A anti-hipertensores, anti-reumatismais e modifi-
tríade sintomática: ardor bucal, xerostomia e cadores do sistema nervoso, fármacos muito
disgêusia e as alterações laboratoriais, como usados no grupo etário dos doentes em que se
aumento da velocidade de sedimentação e ano- manifesta o síndrome e com acções secundárias
malias imunológicas são inespecíficas. conhecidas sobre a função das glândulas salivares
A etiologia multifactorial do síndrome dificulta que podem alterar a homeostasia da cavidade
a identificação das causas que podem estar na oral.
origem e consequentemente a instituição de uma A possibilidade do síndrome ser na sua
terapêutica racional correcta. essência uma forma de Síndrome Complexo de
Apesar de existirem estudos indicando poder Dor Regional tipo I (SCDR tipo I - anteriormente
tratar-se de uma dor de origem neuropática(38,39,40,41) designado por Distrofia Simpática Reflexa)
desconhece-se, no entanto, os mecanismos fisio- também não é de excluir dado que as suas
patológicos subjacentes. características se enquadram nesta patologia
Embora factores predisponentes e/ou desen- clínica.
cadeantes possam ser identificados, a natureza do A abordagem terapêutica é empírica, dirigida
Síndrome de Ardor Bucal continua por esclarecer. para a remissão do sintoma do ardor bucal. É
A ausência de sinais semiológicos conduz ao necessário conhecer melhor os mecanismos
diagnóstico de Síndrome de Ardor Bucal por exclu- fisiopatológicos subjacentes, para se poder instituir
são de outras patologias que possam originar ardor uma terapêutica racional etiológica correcta.
bucal. Este facto, associado à inexistência de critérios Embora a medicação psicotrópica e a psicoterapia
de diagnóstico universalmente adoptados, quer na apresentem, em alguns casos, resultados posi-
metodologia, quer na especificação de exames tivos, o nexo causa-efeito entre factores psico-
complementares, implica dificuldades acrescidas no neurológicos e o síndrome continua em discussão.
diagnóstico e na terapêutica desta patologia. No que respeita a acção terapêutica da
Novos estudos são necessários para esclarecer capsaicina investigações recentes(42,43) sugerem
a relação do ardor bucal com disfunções hor- que esta substância actua a nível de receptores, já
monais e do Sistema Nervoso, nomeadamente: identificados em terminações nervosas e células
degenerescência neuronal (polineuropatias), aci- epiteliais, na mucosa bucal do rato. Os referidos
dentes vasculares cerebrais isquémicos transitórios receptores são considerados integradores mole-
(AIT), défice de mediadores químicos centrais culares de estímulos nocivos nos terminais
(dopamina, serotonina), compressão de nervos periféricos dos neurónios sensitivos primários e
cranianos nos buracos de emergência do crânio (à são selectivos para a capsaicina sendo activados
semelhança do que acontece com os nervos por temperaturas elevadas e substâncias ácidas,

100 Revista Portuguesa de Estomatologia, Medicina Dentária e Cirurgia Maxilofacial Volume 45, N°2, 2004
Síndrome de ardor bucal: Controvérsias e realidades

induzindo a libertação de neuropéptidos que A controvérsia, no que respeita à denominação,


poderão estar envolvidos nos mecanismos de mantém-se: será o Síndrome de Ardor Bucal um
defesa da mucosa oral(43). verdadeiro síndrome, ou a designação reduz-se à
A terapêutica com lítio exige uma avaliação nomenclatura instituída? Será o Síndrome de Ardor
prévia do risco-benefício devido à toxicidade para Bucal uma entidade nosológica per se, ou uma
a glândula tiróide e rim, o que obriga à monito- forma de manifestação de um conjunto global de
rização das funções tiroideia e renal durante o dor orofacial (actualmente) idiopática?
tratamento. Não está esclarecido se os níveis Contudo, a denominação de Síndrome de Ardor
baixos do lítio sérico são responsáveis pelo ardor Bucal é útil por estar generalizada e permitir uma
bucal, uma vez que este oligoelemento não tem linguagem universal comum. No entanto, deve
funções fisiológicas conhecidas, ou se o efeito utilizar-se sob reserva, enquanto não se
terapêutico é sintomático, secundário à sua acção estabelecerem critérios uniformes para o
antidepressiva e modificadora do humor, ao nível diagnóstico desta patologia.
do sistema nervoso central.

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