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Abstract: This work analyzes the Paul Ricouer’s theory about the recognition however it
points out the criticism from Axel Honneth’s theory on moral sources of social changes as
the social fight and the conflict. In his inquiry, Honneth develops the idea about how the
moral source could be on not-recognition of moral normative claims of some subjects of
intersubjective relation. None the less, Paul Ricouer disagrees of Honneth’s theory about
the basis on social fight and conflict, gift and reciprocity, and not violence. Then, this
study intends analyze the main criticisms of Ricouer about the Honneth’s recognition
theory and pursues check whether there divergence between the both theory or it is a
misunderstanding of Ricouer in relation to Honneth’s argument.
1. Introdução
Professor da Universidade Estadual do Piauí (UESPI). Mestrando em Filosofia (UFPI). E-mail:
mluizsilva@hotmail.com.
teoria em que as pretensões normativas dos sujeitos decorreriam de sentimentos negativos
surgidos a partir do não reconhecimento social de demandas de ordem moral, de modo que
os indivíduos em uma relação intersubjetiva se veriam em situação de vergonha,
humilhação ou desprezo em relações intersubjetivas mantidas nas dimensões do amor, do
direito ou da estima social, o que lhes daria o impulso necessário à busca, pela via do
conflito social, do alcance dessas pretensões na esfera pública.
A concepção de reconhecimento honnethiana, portanto, está calcada na ideia de
conflito social, que seria o vetor propulsor do engajamento cidadão, fomentando a
formação e a atuação de movimentos sociais em defesa de pautas relacionadas às situações
de desrespeito, desprezo, humilhação ou mesmo violência sofrida por esses indivíduos.
Paul Ricouer, no entanto, a despeito de compartilhar com Honneth grande parte dos seus
argumentos, envereda por caminho diverso quando se trata de justificar o modo como se dá
a estratégia de mediação das demandas de reconhecimento no âmbito da sociedade,
defendendo uma alternativa menos “belicosa”, na qual a violência e o conflito não seriam
os pontos chave da motivação moral para o atendimento de pretensões normativas de
reconhecimento interrelacional, e sim vias pacíficas como o perdão ou a economia de dons.
No presente estudo, dada a amplitude das duas principais obras analisadas,
envidaremos uma análise tão somente desse aspecto central da teoria do reconhecimento de
ambos os autores: onde se dá a mediação da dinâmica de reconhecimento? nos conflitos ou
lutas sociais? Ou, em outras instâncias, como nos “estados de paz”, dentre os quis o dom e
o perdão, como quer fazer crer Ricouer?
Nos próximos tópicos analisaremos, na sequencia, alguns aspectos da teoria
honnethiana relacionada a esse problema, em seguida a compreensão de Ricouer sobre o
tema, para que possamos ao final realizar as devidas distinções entre um e outro autor
acerca dessa problemática.
1
Honneth foi orientando de Jürgen Habermas e é atualmente o Diretor do Instituto de Pesquisa Social da
Universidade de Frankfurt, onde atuaram alguns pensadores que conceberam a Teoria Crítica, como Theodor
Adorno, Max Horkheimer, e Walter Benjamim. Segundo Marcos Nobre, “diferentemente de outras tradições
mais destacada foi publicada em 1993, na obra Luta por Reconhecimento: a gramática
moral dos conflitos sociais, onde Honneth desenvolve uma teoria social emancipatória a
partir de uma reconstrução da filosofia social do jovem Hegel, ainda na sua fase de Jena,
onde toma a ideia de intersubjetividade e de um conhecimento moral construído de forma
dialógica como a base do seu pensamento.
A filosofia de Hegel e a psicologia social de Mead são a base da teoria do
reconhecimento de Axel Honneth. Em Hegel ele assegura uma visão epistêmica e
ontológica diferenciada no que concerne à formação da identidade individual e dos juízos
morais, afastando-se da concepção monológica e subjetiva de origem kantiana. Em Hegel,
segundo afirma o próprio Honneth em Luta por Reconhecimento, ele encontrou as bases
para uma teoria social calcada na ideia de intersubjetividade, onde a formação da
individualidade se daria não de forma puramente racional e subjetiva, mas a partir das
práticas sociais e da interação dos indivíduos com os outros membros da sociedade. Para
Honneth, a base da formação moral de um indivíduo não está de forma isolada na sua
mente, mas em uma forma reflexiva e dialógica de racionalidade onde o seu pertencimento
a uma comunidade se faz como aspecto central da formação do juízo moral e ético.
Nesse ponto Honneth, a partir de Hegel, se contrapõe às teorias sociais e políticas
de Hobbes e Maquiavel, que vêm na luta pela manutenção do poder como o móvel que
impulsiona os diversos sujeitos de determinada coletividade a participarem de lutas sociais
e políticas. Assim como diverge da ideia de que tais transformações se dariam pelo vetor
da igualdade econômica, ou da distributividade, caro ao pensamento marxista, como já dito
anteriormente. Os impulsos que levariam diversos atores à esfera pública, em movimentos
sociais e coletivos, a lutarem contra o racismo, homofobia, igualdade de gênero, seriam de
ordem moral, decorrentes de experiência de desapreço ou de não reconhecimento de
demandas oriundas dos ideais relacionados à liberdade e a igualdade de direitos entre os
membros de uma dada comunidade, ou seja, à emancipação desses sujeitos.
Em Hegel, Honneth encontra o terreno ideal para construir a sua teoria social. E
utiliza dois conceitos que são fundamentais na teoria hegeliana nos seus escritos de Jena: a
concepção de identidade a partir da intersubjetividade; e a ideia de eticidade. Segundo
Honneth, nessa fase o modelo hegeliano permitirá reconstruir um modelo de formação da
intelectuais, a teoria crítica não toma a emancipação como um ideal, mas como uma possibilidade real,
inscrita na lógica efetiva do capitalismo. Isso significa também que sua tarefa não é a de simplesmente
descrever o existente, mas de compreender seu funcionamento concreto à luz de uma emancipação a um
tempo concretamente possível e efetivamente bloqueada pelas relações de dominação vigentes (Nobre, 2005,
p. 03)”.
identidade baseado na intersubjetividade, e ao mesmo tempo normativo, ou seja, isso
possibilitaria que a análise se pusesse não só sob o prisma da formação identitária dos
sujeitos inseridos em uma dada comunidade, como também realçaria os aspectos
normativos que possibilitariam uma mudança social visando a emancipação desses
sujeitos. Segundo Salvadori,
Um dos pontos cruciais da teoria honnethiana, e que será objeto de forte ataque
por parte de Ricouer, é a ideia de que o reconhecimento se dá mediado por lutas sociais. O
conflito estaria na origem, portanto, das transformações sociais que levariam ao
reconhecimento e ampliação de direitos emancipatórios. Como visto, para Honneth a
2
Tatyana Lellis da Mata e Silva, em dissertação sobre o tema, acresce que “o sujeito para se sentir
importante em sua singularidade assim como um grupo em sua especificidade, em seus valores e em suas
concepções de ‘bem viver’, necessita gozar da possibilidade de se sentir amado na esfera íntima, respeitado
perante o Estado e incluído na sociedade pelo que ele pode oferecer, dentre suas competências e habilidades
próprias, como valioso também para as demais pessoas. Faltando-lhe o reconhecimento em qualquer dessas
esferas, o sujeito é submetido a uma condição de negação do reconhecimento que tem reverberações em sua
própria personalidade e vida prática, ambas adulteradas (In: Teoria Crítica e Luta por reconhecimento:
contribuições de Axel Honneth ao debate da justiça e cidadania. Dissertação de mestrado. 2012, p. 61)”.
conquista da autorrealização utiliza como medium as relações sociais e dialógicas, que não
se exaurem em meras comunicações dotadas de todos os predicados adequados para a sua
pronta efetividade, tal como concebido por Habermas3. Como esclarece com rara clareza
Salvadori,
Mas o que seria exatamente essa “luta” por reconhecimento? Que “conflitos”
seriam esses? Como se dariam na prática social? Ao que parece, Honneth indica que tais
conflitos se dariam no plano da luta política, entre movimentos formados por sujeitos com
uma mesma gama de interesses e demandas de reconhecimento. Na medida em que esses
fatores morais motivam vários indivíduos eles podem se reunir em movimentos sociais e
mobilizar-se politicamente em busca do reconhecimento de novos direitos e de respeito
social. Ou seja, a atuação desses movimentos, enquanto luta social, estaria ainda numa fase
pré-institucionalizada, muito embora Honneth ressalve também o papel do direito e do
poder judiciário na ampliação de direitos, como pudemos ver em decisões recentes
possibilitando o casamento ou a união entre casais homoafetivos pelo Poder Judiciário
brasileiro.
Honneth propõe, portanto, uma teoria que é crítica e ao mesmo tempo prática, ou
seja, uma concepção que se propõe a descrever mazelas da construção social na
contemporaneidade ao mesmo tempo em que oferece caminhos normativos que se
apresentam como uma proposta de ação concreta de transformação social. Nesse sentido,
Melo esclarece que a teoria do reconhecimento necessita de uma mediação pelos
movimentos sociais, sem os quais perde a sua força e potencial normativo:
3
Honneth, em verdade, diverge do seu mentor nesse ponto. Ainda que admita que haja um processo de
comunicação dialógico, entende Honneth que esse processo se encontra mediado socialmente, e não é tão
somente procedimental, como previsto pela teoria do agir comunicativo habermasiana. A mediação se dá por
lutas sociais, conflitos, que instaurariam uma verdade disputa de grupos vulneráveis socialmente, atingidos
por atos de desrespeito, pela ampliação dos seus direitos e do respeito social em demandas de
reconhecimento. Daí entender ele que a gramática social dos conflitos sociais por reconhecimento se dá na
esfera de motivações morais, e mediante conflitos, e não sobre um consenso comunicacional.
No entanto, é preciso considerar que, do ponto de vista crítico-normativo, o
conceito de reconhecimento serve também para que a teoria não se justifique sem
mediações diretamente a partir da perspectiva dos movimentos sociais. O teórico
precisa poder se distanciar dos atores para poder avaliá-los de maneira crítica,
identificando, portanto, aspectos regressivos quando presentes. Os padrões de
reconhecimento serviriam exatamente a esse propósito, ressaltando o referencial
normativo intrínseco às relações sociais e conflitos vigentes: da dinâmica social
gerada pelas experiências de desrespeito e da luta por reconhecimento é possível
extrair uma concepção formal de eticidade que sirva de padrão normativo para a
teoria política, já que, para Honneth (2003, p. 268), “o significado que cabe às
lutas sociais particulares se mede pela contribuição positiva ou negativa que elas
puderam assumir na realização de formas não distorcidas de reconhecimento”.
Nunca sem vincular o propósito crítico da teoria à práxis política e social a partir
da qual aquela reconstrói suas categorias normativas, a teoria honnethiana da luta
por reconhecimento procura reunir todos os pressupostos intersubjetivos que
precisam então estar preenchidos para que os sujeitos possam assegurar
processos exitosos de autorrealização (MELO, 2014, p. 25).
Feita essa breve reconstrução da teoria honnethiana, cabe agora vermos como
Paul Ricouer, em seu Percurso do reconhecimento, analisa a teoria honnethiana do
reconhecimento, e em que medida propõe alternativas às soluções propostas pelo filósofo
da tradicional escola de Frankfurt.
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Segundo Corá e Nascimento, o pensamento de Hobbes é inovador em vários aspectos, e dentre eles se
destaca a tese da “insociabilidade natural” (2011, p. 417), e ainda a concepção inovadora de direito natural,
decorrente da existência conflitos e desconfianças mútuas no “estado de natureza”, o que possibilitaria que
todos tivessem o mesmo direito (2011, p. 417). Segundo eles, “o estado natural é um estado de guerra de
todos contra todos e é somente porque esse estado é um estado de guerra que o direito natural se torna direito
a todas as coisas. Permanecendo, porém, o direito a todas as coisas, a guerra não poderá findar, por isso é
necessária à renúncia a esse direito (CORÁ, NASCIMENTO, 2011, p. 417)”.
Para Ricouer, além do conflito e do desconhecimento contidos no estado de
natureza Hobbesiano proporcionariam a negação do reconhecimento. E disso nasceria uma
necessidade do contrato social, que se daria, como já visto, com a reciprocidade e
participação de muitas pessoas, não sendo ele obra de um indivíduo isolado5. A
reciprocidade, portanto, é componente desse contrato social, de modo que isso
representaria para Ricouer a justificativa de uma “igualdade originária”, ou seja, todos são
iguais nessa coletividade institucionalizada na medida em que a renúncia se deu de forma
recíproca, entre todos os integrantes dessa sociedade. O problema é que esse contrato na
leitura hobbesiana decorreria do medo de todos contra todos, e Ricouer busca em seus
estudos identificar outra razão para essa renúncia, algo que foi também objeto de
questionamento de Honneth em sua Luta por reconhecimento.
Tanto Honneth como Ricouer, portanto, buscaram outros fundamentos que não o
medo, ou a luta pelo poder, para justificar a demanda por reconhecimento. E ambos
encontraram em Hegel algumas proposições no sentido de que há um fundamento moral
que justifica a ação individual em busca do reconhecimento. Para Hegel, “a consciência-
de-si é em si e para si quando e por que é em si e para si para uma outra; quer dizer, só é
como algo reconhecido” (RICOUER, 2006, p.142), isso significando que a dinâmica do
reconhecimento envolve uma dimensão reflexiva da racionalidade do indivíduo, ou seja, a
ideia de intersubjetividade, de aceitação mútua e reciprocidade na dinâmica de
reconhecimento.
Um outro componente visto por Ricouer para o reconhecimento seria a
negatividade. Negatividade no sentido de desprezo, ou seja, de “menosprezo rumo à
consideração, da injustiça rumo ao respeito” (2006, p. 188). A negatividade seria a
contrariedade do outro em relação ao desejo ou pretensão de reconhecimento do indivíduo,
o que em alguma medida vai gerar a motivação moral para a luta por reconhecimento.
Ricouer aponta ainda como componente do reconhecimento a ideia hegeliana de
vida ética, no que se vale também da concepção aristotélica de virtude ou de vida ética.
Segundo ele, “na expressão vida ética, há uma vontade de concretude da prática dos
5
Segundo Ricouer, “[...] cedo eu transfiro o meu direito de me governar a mim mesmo a este homem, ou a
esta assembleia de homens, com a condição de transferires para ele o teu direito, autorizando de uma maneira
semelhante todas as suas ações. Pois, todas as pessoas se unem num Estado, o qual é governado pelo
soberano, portanto, esse soberano tem três características que são necessárias para ele, à irrevogabilidade, o
caráter absoluto e a indivisibilidade (RICOEUR, 2006; p. 103)”.
homens e não unicamente de suas obrigações abstratas morais” (2010, p.359). Portanto,
para Ricouer as bases da teoria hegeliana do reconhecimento são esses três componentes: a
intersubjetividade, a negatividade, e a vida ética. O reconhecimento, portanto, teria uma
vinculação com a ideia de justiça, uma vez que para ele o desprezo e a negatividade
estariam vinculadas a comportamentos injustos, e que por isso implicariam em um
sentimento de indignação e revolta, e assim possibilitando um impulso moral rumo ao
atendimento dessas pretensões normativas de reconhecimento.
Vê-se, portanto, alguma similitude nas teorias de Honneth e Ricouer no que
concerne a responder à pergunta: há uma motivação moral mediada pelo conflito
decorrente de sentimentos de desapreço ou humilhação para o reconhecimento? Ou seria
penas uma luta pelo poder, ou pela vida, ou pela segurança, como em Hobbes e
Maquiavel? Aqui se verifica uma adesão quase que total de Ricouer em relação aos
fundamentos da teoria honnethiana da luta por reconhecimento.
Ricouer, no entanto, vai divergir de Honneth no que concerne a um aspecto
fundamental do problema do reconhecimento, que é identificar o lugar de mediação que
possibilita o atendimento das demandas individuais pelo atendimento de suas pretensões
normativas originárias de situações de desrespeito, menosprezo ou mesmo violência.
Identificou-se acima que dessas situações podem surgir pretensões normativas embaladas
por sentimentos de natureza moral, e que podem impulsionar os sujeitos a uma ação na
esfera pública, individual ou coletivamente, em busca do reconhecimento dessas
pretensões. Ricouer, no entanto, entende que tal dinâmica não é a única, e que existem
outras formas de mediar essa busca individual pelo reconhecimento que vai além da luta
social ou do conflito. Não que ele entenda que as outras formas de mediação para o
reconhecimento de alguma forma afastem ou impliquem no afastamento do conflito.
O conflito para ele continuará existindo, de forma permanente. O seu contributo
em relação a esse tema é no sentido de que existem outros modelos de reconhecimento
além desse, e é exatamente nesse ponto que adentramos no principal aspecto da sua teoria
do reconhecimento. E os modelos se baseariam na ideia de ágape e economia dos dons.
Nesse sentido, afirmam Corá e Nascimento que “ao invés de afirmar as experiências de
reconhecimento sob a ideia de luta, Ricoeur propõe o reconhecimento pela ideia de dom,
trazida à público por Marcel Mauss por meio de seus estudos sobre as sociedades arcaicas”
(2011, p. 417).
Nesse caso, Ricouer faz um deslocamento da ideia de dom de Mauss como força
mágica para uma representação como reconhecimento tácito, sendo que ele adota a
concepção de que “reconhecer o outro por meio da gestualidade do dom é que gera um
reconhecimento simbólico através da coisa dada, assim, sem a existência de conflito e sem
violência” (CORÁ, NASCIMENTO, 2011, p. 421). Portanto, o reconhecimento seria um
fenômeno simbólico e mútuo, envolvendo a reciprocidade, e com a participação dos dois
envolvidos, o doador e o destinatário do dom. O maior exemplo do que Ricouer chama de
dom seria a ideia da promessa ou do presente, onde um indivíduo se propõe a doar ao outro
algo que lhe pareça representativo e sem conotação econômica alguma.
Ágape seria um dos modelos de estados de paz lembrados por Ricouer e que para
ele, a princípio, “parece refutar por antecipação a ideia de reconhecimento mútuo na
medida em que a prática generosa do dom, ao menos em sua forma pura, não requer nem
espera uma dádiva em retribuição” (2006, p. 234). E conceituando ágape, Ricouer afirma
que
a ágape se distingue elo eros platônico pela ausência elo sentimento de privação
que alimenta seu desejo de ascensão espiritual. A abundância elo coração, elo
lado ela ágape, exclui esse sentido ela privação. O traço mais importante para
nossos objetivos reside na ignorância elo contra dom na efusão elo dom no
regime ela ágape. Este é um corolário ela ausência ele referência ela ágape a toda
ideia ele equivalência. Não que a ágape ignore a relação com o outro, como
demonstram os discursos sobre o próximo e sobre o inimigo; mas ela inscreve
essa relação ele busca aparente ele equivalência subtraindo-a elo julgamento.
Trata-se no máximo ele uma equivalência que não é medida ou calculada
(RICOUER, 2006, p. 235).
O que se percebe, pois, é que Ricouer acolhe e até mantém uma posição de
respeito à teoria do reconhecimento de Honneth6, inclusive reforçando a ideia de que o
conflito está lá como uma das condições do reconhecimento, e que esse conflito é
permanente, sendo, portanto, inerente à vida em sociedade. Esse, no entanto, é um dos
problemas que ele aponta na teoria honnethiana: se há conflito permanente, o contrato
social estabelecido de fato resolveu o problema da guerra de todos contra todos do estado
de natureza? Outrossim, ressalva, um pouco além de Honneth, que o reconhecimento não
vai se dar tão somente a partir da luta ou do conflito social, e que pode ser dar também por
outras vias, pacificamente, como no caso da mediação pela economia dos dons.
4. Considerações finais
6
Nesse pequeno trecho fica bem evidente a posição de Ricouer: “Um diálogo com Axel Honneth deu-me a
oportunidade ele salientar formas ele conflitualidade que respondem aos três modelos de reconhecimento
distinguidos por Hegel na época de Iena. Evoquei também outros tipos de conflitualidade ligados à
competição social. É o caso elas "economias ela grandeza", segundo Thévenot e Boltanski, em que a
justificação da posição de cada um nas escalas comparativas ele grandeza e ele pequenez corresponde à
pluralidade elas cidades ou dos mundos entre os quais se repartem as economias ela grandeza. As formas de
compromisso que esses autores evocam no final de seu trabalho não deixam de lembrar os tipos de trégua
representados pelos estados de ágape e seu horizonte de reconciliação. Sem dúvida seria preciso evocar
também as análises, feitas em outro quadro, ela dialética entre o amor caracterizado pela superabundância e a
justiça regida pela regra ·de equivalência. As figuras da alteridade são inúmeras no plano elo reconhecimento
mútuo; as últimas evocadas neste livro entrecruzam a conflitualidade e a generosidade partilhada”
(RICOUER, 2006, 263).
que de alguma forma se veem vilipendiados em sua estima e autorrealização. Busca ele um
tipo de reconhecimento mútuo fundado realizado de forma pacífica, e que se dá também
com a mediação dos dons e contradons, e ainda que não desconsidere o potencial dos
conflitos sociais para gerar motivações morais que levem ao engajamento pela
transformação social e ao reconhecimento, Ricouer demonstra que a ideia de
reconhecimento mútuo vai um pouco além desse modelo operado à base da divergência, e
que formas pacíficas existem e integram a convivência humana, como é o caso da própria
ideia de solidariedade, do perdão e dos dons.
Contudo, é de se destacar que há certo exagero em Ricouer quando trata da ideia
de “conflito” ou de “luta” em Honneth, ao que parece sendo crítico ao modelo honnethiano
por entende que seria um modelo pautado na “violência”, quando, em verdade, o autor
frankfurtiano coloca o conflito como a base da atuação político-institucional em uma esfera
pública democrática. Quando Ricouer coloca a economia dos dons como uma alternativa
ao modelo da luta por reconhecimento, ele destaca que o modelo que apresenta não é um
modelo pautado na “violência”, partindo da premissa que tal se dá no modelo honnethiano.
Contudo, a perspectiva de Honneth de luta social passa mais pela ideia de uma luta
encampada pelos movimentos sociais em uma esfera pública democrática, como já dita
acima, do que propriamente por uma luta que se pode dizer de “violenta”, no sentido de
uma mediação física e voltada à destruição do outro divergente, ainda que não se possa
descartar eventuais exageros e excessos em movimentos dessa natureza.
Por fim, cumpre destacar o modo profícuo e respeitoso com que Ricouer dialoga
com a obra de Axel Honneth, adotando, ainda que parcialmente, a visão do segundo em
relação a alguns aspectos, como na crítica ao modelo hobbesiano da luta de todos contra
todos movida pelo medo e pelo poder, para um tipo de reconhecimento fundado no
sentimento e em motivações de ordem moral, ainda que apresentando uma alternativa à
teoria honnethiana no que concerne ao tipo de mediação que leva ao reconhecimento, no
que seu pensamento contribui de forma inegável para a discussão de tema tão relevante no
âmbito da filosofia política na contemporaneidade.
5. Referencias