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PENA ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

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Gabriele Empinotti
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Orientador: Carlos Miguel Villar de Souza Junior

O Direito penal brasileiro utiliza para a fixação da pena o critério trifásico de


Nelson Hungria em que, na primeira fase o juiz deve levar em conta as
circunstâncias judiciais do art. 59, na segunda as atenuantes e agravantes e na
terceira as causas de aumento e diminuição.
A discussão que se forma entre parte da doutrina e a jurisprudência, é em
relação à possibilidade de redução abaixo do mínimo na segunda fase, como
veremos a seguir.
Vale observar que, na primeira fase, o juiz fica impedido de reduzir a pena
aquém do mínimo, porém, tal impedimento não se estende as demais, como
esclarece Luiz Flávio Gomes, “raciocinar em sentido negativo (à incidência efetiva
da atenuante) implica admitir, no mínimo, interpretação restritiva contra o infrator, o
que não é concebível3”.
Entende-se que a intenção do legislador foi garantir ao juiz a
discricionariedade na escolha da pena ideal ao caso concreto. Se outra fosse a teria
demonstrado expressamente, como é o caso do Código Penal Militar4.
Nada obstante, por determinação do Superior Tribunal de Justiça, com a
publicação da súmula 231, que dispõe que “a incidência da circunstância atenuante
não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”, fica o juiz impedido
de atenuar a pena aquém do mínimo na segunda fase da dosimetria.
Acompanha tal entendimento o Supremo Tribunal Federal5, que trata a
matéria como questão de ordem.

1
Acadêmica do 5º período do Curso de Direito das Faculdades Opet.
2
Professor Orientador. Especialista em Direito Penal, Criminologia e Política Criminal pela
Universidade Federal do Paraná (UFPR - 2005). Possui graduação em Direito pelo Centro
Universitário Positivo (2004). Cursou Administração de Empresas pela UNIFAE.
3
GOMES, Luiz Flávio. Atenuantes podem reduzir pena abaixo do mínimo legal. Disponível em:
http://www.conjur.com.br/2002-set-29/sumula_stj_conflito_direito_vigente. Acesso em: 14nov2009.
4
“Art. 73. Quando a lei determina a agravação ou atenuação da pena sem mencionar o quantum,
deve o juiz fixá-lo entre um quinto e um terço, guardados os limites da pena cominada ao crime”.
5
(RE 597270 RG-QO, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, julgado em 26/03/2009, DJe-104 DIVULG
04-06-2009 PUBLIC 05-06-2009 EMENT VOL-02363-11 PP-02257 )
2

O art. 65 do Código Penal, em seu texto, determina que “são circunstâncias


que sempre atenuam a pena”, o que parece claro para significativa parte da
doutrina6, além de parte da jurisprudência, a exemplo:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ORIGINÁRIO


DE APELAÇÃO CRIMINAL. ALEGAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE
OMISSÃO E CONTRADIÇÃO NO ACÓRDÃO. REDUÇÃO DA PENA
ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL EM VIRTUDE DA INCIDÊNCIA DE
CIRCUNSTÂNCIA MENORIDADE. AUSÊNCIA DE VÍCIOS.
EMBARGANTE QUE SIMPLESMENTE SE INSURGE EM FACE DA
NÃO APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 231 DO SUPERIOR TRIBUNAL
DE JUSTIÇA. ACÓRDÃO QUE REALIZOU ANÁLISE
PORMENORIZADA DOS ARTIGOS 59 E 68 DO CÓDIGO PENAL DE
FORMA A DEMONSTRAR A POSSIBILIDADE DE SER REDUZIDA A
PENA ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL EM VIRTUDE DA INCIDÊNCIA
DE CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE. DECISÃO QUE APRECIOU
TODOS OS FUNDAMENTOS CONSTANTES DO VOTO CONDUTOR
DO RECURSO ESPECIAL Nº 146056/RS. EVENTUAL REPROCHE À
DECISÃO DEVE OCORRER ATRAVÉS DE RECURSO PRÓPRIO,
PERANTE AS CORTES SUPERIORES. RECURSO MANEJADO
COM EVIDENTE DESVIO DE FINALIDADE. EMBARGOS
REJEITADOS.
(TJPR - 5ª C.Criminal - EDC 0411796-6/01 - Astorga - Rel.: Desª
Rosana Andriguetto de Carvalho - Unânime - J. 15.05.2008)

Há ainda aqueles que, embora não concordem, curvam-se ao entendimento


do Tribunal Superior, a exemplo cito Des. Jorge Wagih Massad:

A respeitável sentença reconheceu, ainda, em favor do


condenado a circunstância atenuante da confissão espontânea.
Contudo, ante a vedação prevista na Súmula 231 do Superior Tribunal
de Justiça, não reduziu a pena.
Por entender que tal entendimento contraria a individualização
da pena, há tempos defendo a possibilidade de redução da pena
aquém do mínimo quando presentes as circunstâncias atenuantes
previstas no art. 65 do Código Penal.
Contudo, no recente julgamento do Recurso Extraordinário n.º
597270, em 26.03.09, o plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu
pela aplicabilidade da súmula e, consequentemente, pela
impossibilidade de redução da pena aquém do mínimo previsto ao
tipo.
Por se tratar de julgamento em que foi reconhecida a
existência de repercussão geral, mesmo discordando, curvo-me ao
entendimento do Pretório Excelso, o qual deve ser aplicado em todas
as instâncias do judiciário.

6
Como exemplo há renomados juristas como os doutores Luiz Flávio Gomes e Cezar Roberto
Bittencourt.
3

(TJPR - 5ª C.Criminal - AC 0567205-1 - Foro Central da


Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Des. Jorge Wagih Massad -
Unânime - J. 06.08.2009)

A decisão supracitada evidencia uma realidade lamentável, o não


convencimento do juiz na tomada de decisões, afronta o estabelecido na
Constituição Federal (art. 93, inciso IX), que determina que o julgador deve motivar a
sua decisão, e não tomá-la apenas com base em determinações legais, ou outras
infundadas dos Tribunais Superiores, pelo simples fato destes a tratarem como
“questão de ordem”.
O desrespeito à Carta Magna é evidente, não há qualquer respaldo
constitucional na decisão que impede fixação aquém do mínimo. Por sua vez, a
doutrina contrária se baseia integralmente em princípios como os da individualização
da pena, da proporcionalidade, da culpabilidade e da segurança jurídica.
Além disso, se percebe que tal vedação produz efeito negativo pois só
receberão tal benefício aqueles que estiverem com a pena-base fixada acima do
mínimo, ou seja, aqueles que apresentam maior nível de reprovabilidade.
Em síntese, nos distanciamos cada vez mais dos ideais trazidos pela Lei
Maior, em que se busca um juiz criativo, decisões fundamentadas, a melhor
aplicação da pena ao caso concreto.
No caso em tela, apenas precisamos um juiz que cumpra a determinação
legal, ou, como trata Luiz Flávio Gomes “que seja la bouche de la loi e cumpra a
legalidade (estrita) e nada mais!”.

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