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A "Sensibilidade" de Simmel PDF
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A “sensibilidade” de Simmel:
Notas e contribuições ao estudo das emoções
Introdução
Após ler uma das obras de Simmel, Ferdinand
Tönnies (1855-1936) escreveu a um amigo dizendo que
“The book is shrewd but it has the flavor of the
metropolis” (apud Coser, 1977, p.194). A frase, escrita
provavelmente entre as décadas de 1890 e 1910,
anunciava a representação daquilo que anos mais tarde
viria a se consolidar: a de que Simmel foi um
observador por excelência da vida moderna e
cosmopolita.
No entanto, é necessário destacar que o prestígio que
Simmel possui – e que está associado à história das
disciplinas que compõem as ciências sociais com suas
tradições, estilos e afiliações – não o coloca, em geral,
no mesmo patamar que seus contemporâneos, como
Weber e Durkheim que, juntamente com Marx e outros
autores, lançaram as bases da sociologia moderna. As
qualificações de “mundana”, “efêmera” e “ensaística”
atribuídas a sua obra, bem como seu interesse por
diversas áreas como a arte, a filosofia e, de modo geral,
as “emoções” tendem a contar contra Simmel como
categorias de acusação, fazendo-o perder importância
frente aos demais pensadores que estavam preocupados
em construir e legitimar as bases científicas do
pensamento sociológico (Hamilton, 2002; Waizbort,
2000). Além disso, Simmel era considerado um autor
assistemático; ou seja, que não elaborara um grande
sistema de análise (uma “grande obra” ou uma “obra
acabada”), como fizeram os fundadores da sociologia
moderna (Lukács, 2006[1918]). Como exemplo
podemos citar: Durkheim na Divisão do trabalho social
(que data de 1893), Marx no Capital (que começa a ser
redigido em 1867) e Weber na Ética protestante e o
espírito do capitalismo (escrito entre 1904 e 1905).
Muito embora essa idéia possa ser contestada, o espírito
da época era caracterizado pelas tendências a elaboração
de grandes sistemas de pensamento, de corte hegeliano.
Afinal de contas, A filosofia do dinheiro (de 1900), a
nosso ver, pode ser colocada como uma obra, não de
síntese ou de ‘grande teoria’, mas como idéias-motores
que Simmel lançaria desde 1890.
No Brasil, a recepção e circulação do pensamento
simmeliano – ainda que presentes na formação e
institucionalização das ciências sociais “desde que elas
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Aqui se torna importante a referência ao estudo que Walter
Benjamin dedicou ao poeta francês: “Charles Baudelaire: um lírico
no auge do capitalismo” (in, Obras escolhidas, vol. III, 2004).
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No livro De olho na rua: a cidade de João do Rio, Julia
O´Donnell (2008) argumenta que o cronista João do Rio,
pseudônimo de Paulo Barreto (1881- 1921), foi um dos precursores
da prática da observação/descrição como fonte de conhecimento,
caracterizando-o como possuidor de um “temperamento etnográfico”
que aproxima sua obra de uma etnografia do Rio de Janeiro no início
do século XX.
“Questões Fundamentais”:
Fundamentais”: apontamentos para a
“aventura”
Um dos elementos-chaves para se compreender a
obra simmeliana é que o mundo de Simmel é um mundo
de relações (ou, nos termos de Lukács (op. cit., p.206),
de “fios” e “novelos” que formam uma “rede de
relações recíprocas”); um mundo no qual tudo se liga
configurando constelações de relações (Waizbort,
2000). O mundo social pode ser considerado a partir de
diversos ângulos e enfoques na medida em que envolve
um encadeamento de ações que se relacionam. Cada
manifestação da vida social sustenta outra ao mesmo
tempo em que a define.
Embora a produção intelectual simmeliana se
diferencie por uma plasticidade e uma mobilidade,
conferindo-lhe a impropriedade de rotulá-lo (Waizbort,
2000) – a sociologia de Simmel ou como bem nos
lembra Vandenberghe (2005) as sociologias de Simmel
se caracterizam por um olhar relacional da existência e
das manifestações do mundo que se opõe à tentativa de
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Edição em português: SIMMEL, Georg, 2006. Questões
fundamentais da Sociologia: indivíduo e sociedade. Rio de Janeiro:
Zahar.
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Se quisermos uma associação do “vir-a-ser da vida social”
simmeliano, poderíamos colocar, tal como fizeram Gilles Deleuze e
Félix Guattari (2007; 2010), a idéia de “devir” como fazendo parte
da idéia mesma de construção/reconstrução permanente do “socius”,
um espaço-processo, dinâmico e fluido. No “socius”, enquanto
“devir” permanente, “tudo aí é relação de movimento e de repouso
entre moléculas ou partículas, poder de afetar e ser afetado”
(Deleuze & Guattari, 2007, p. 47, grifos nossos). É nesse “poder de
afetar e ser afetado” que o caráter da “sociação” poder ser associado.
É, assim, num constante, ininterrupto, processo de “devir” de “vir-a-
ser”, que o “socius” é possível como cadeia relacional.
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Em outra chave de leitura, mas não muito distante da
simmeliana, temos o clássico “Ensaio sobre a dádiva”, de Marcel
Mauss, que tematiza a reciprocidade enquanto “fato social total”.
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Viscosidade do socius que também é referida por Deleuze e
Guattari (2007) como “espaço liso”; ou seja, em constante “devir”.
Sugere-se, então, um constante “devir-sociação”, de onde a própria
idéia de sociedade, seria possível.
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Aproximações metodológicas entre as formas simmelianas e os
tipos ideais de Weber são apontadas por Watier (2005) e
Vandenberghe (2005).
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Deve-se destacar que, embora a influência intelectual de
Simmel seja inegável, a teoria social de Park apresenta sensíveis
diferenças em relação a seu predecessor alemão. A concepção de
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Vale lembrar, quanto a idéia de “imitação”, a sociologia –
incrivelmente esquecida – de Gabriel Tarde. Para Tarde, a
capacidade de imitação guarda relações profundas com os modos
através dos quais os indivíduos se “sociam”. São frutos de processo,
a modo de exemplo: a imitação-moda, a imitação-simpatia, a
imitação-refletida ou espontânea, a imitação-educação, entre tantas
outras formas de “devir” do socius. Cf. Tarde (2001, [1890]); Vargas
(2000); Themudo (2002), entre outros.
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É importante lembrar, nesse sentido, que Pierre Bourdieu
(2007) construiria – décadas depois –, a partir da categoria
“distinção”, um modo peculiar de descortinar o espaço social através
do peso que o “capital cultural” tem na divisão entre os estratos
sociais: a distinção funciona, ao mesmo tempo, como divisor
simbólico – quando separa a “alta cultura” da “cultura popular” – e
físico-geográfico – na medida em que os espaços sociais são
franqueados através da luta simbólica pela acumulação de capital
“cultural”.
Ω
ABSTRACT: The aim of this paper is to identify elements present in the
social thought of Simmel (1958-1918) that can help us to think and do
research in the social field of sociology and anthropology of emotions. The
intention is to present some key concepts of the work of Simmel, seen here
more as a starting point that lead to new questions and paths of research
rather than an original prescription to be followed or a collection of the
themes addressed by the German author. In this sense, the preparation of the
article was based on the idea that dialogue and dialogue with social theory of
Simmel can offer tools that help us see the tones and modulations of the
relationship between emotions and social life. Keywords: Simmel;
Sociability; Social Theory; Emotions