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Colégio Anglo São Carlos

Nome: _____________________________________. N°: ____. Série: 2ª. A


Disciplina: Técnicas de Redação e Interpretação. Professor: Adriano Cardeal.
Bimestre: Terceiro [Recuperação]. Valores: de 00,00 a 10,00. Nota: ______.
Habilidades aferíveis: H1, H3, H4, H18, H20, H21, H23, H24, H25, H26, H27.
Data: _______. Visto do aluno (revisão da prova): _______. Prova: Rec-03.

Profeta do iPocalipse: a internet no banco dos réus Católica do Rio Grande do Sul). “O mesmo acontece com
quem aprende a montar um quebra-cabeça, a fazer café ou
Bernardo Esteves a usar o Google. Por definição, uma maior atividade cere-
bral não é ruim – pelo contrário. O próprio Carr reconhece
Há tempos, você não encara um livro de mais de 500 que o uso da internet estimula as inteligências visual e espa-
páginas. Na internet, evita artigos longos, e, quando decide cial. Mas ele alega que isso se dá em detrimento da capaci-
ler um, carrega na barra de rolagem e pula longos blocos de dade de análise, reflexão e pensamento crítico. Ele cita al-
texto. É incapaz de manter a concentração por mais de dois guns estudos experimentais para caracterizar o suposto efei-
parágrafos. Interrompe a leitura para visitar alguma das ou- to deletério do hipertexto e da internet sobre apreensão e
tras janelas em que está navegando simultaneamente. Antes memorização de informações. Um trabalho de 2003, reali-
de prosseguir, checa seu e-mail, vai ver um vídeo que rece- zado por dois pesquisadores da Universidade Cornell, avali-
beu de um amigo, responde um SMS que chegou pelo celu- ou o desempenho de estudantes depois de haverem assistido
lar e confere as últimas atualizações das pessoas que acom- a uma conferência. Alunos que puderam consultar seus lap-
panha no Twitter ou no Facebook. A cena é típica entre usu- tops e navegar na internet durante a palestra tiveram nota
ários intensivos da internet. Desatenção e falta de foco são pior que as daqueles que não puderam abrir seus computa-
o custo cognitivo da imersão prolongada num ambiente dis- dores. Outros estudos avaliaram o desempenho de alunos
persivo como o da web – um grande “ecossistema de tecno- em um teste de compreensão de um mesmo texto apresenta-
logias da interrupção”, na definição do “blogueiro” cana- do ora em versão linear (hipotexto), ora em forma hipertex-
dense Cory Doctorow. Mas pode sair bem mais salgada a tual, com links, imagens e recursos de multimídia. A perfor-
conta a se pagar pela nossa adoção irreversível da internet, mance dos alunos que leram o texto corrido era, significati-
na avaliação do jornalista norte-americano Nicholas Carr. vamente, melhor – a nota era, inversamente, proporcional
Em seu último livro, argumenta que a rede está mudando, ao número de links do texto. A interpretação desses resulta-
para pior, o jeito que pensamos, e a própria estrutura de fun- dos é questionada pela neurocientista da UFRJ – e colunista
cionamento do nosso cérebro. Para ele, estamos nos tornan- da Folha de S. Paulo, Suzana Herculano-Houzel. “Dizer
do leitores desconcentrados e pensadores rasos, incapazes que o aproveitamento do conhecimento é superficial na in-
de articular raciocínios complexos. Essa é a tese central de ternet é uma visão enviesada”, avalia. “Seria preciso per-
The shallows: what the inter-net is doing to our brains, a ser guntar a essas pessoas quanto elas aprenderam sobre os con-
lançado, no Brasil, pela Ediouro. O livro leva adiante uma teúdos pesquisados nos links que visitaram. A riqueza de in-
questão polêmica que o jornalista levantou em um ensaio de formações, associadas ao conteúdo estudado, torna a experi-
grande repercussão na revista The Atlantic: “O Google está ência de leitura na web muito mais profunda do que superfi-
nos deixando mais burros?”. Desde a publicação do artigo, cial”. Para essa pesquisadora, a explosão de estímulos da in-
em 2008, Carr tem acumulando argumentos para convencer ternet favoreceria, também, a memorização. “Quanto mais
seu leitor de que “sim”. Ele sustenta que a internet está pro- elementos você tiver para associar a uma informação nova,
movendo mudanças celulares em nosso cérebro, fortalecen- mais chance terá de fixar uma memória rica e detalhada”. A
do determinados caminhos neurais e enfraquecendo outros. alegação de Suzana – uma entusiasta da internet, “bloguei-
Uma das primeiras evidências que apresenta para sustentar ra” e consumidora de primeira hora de gadgets como o Kin-
sua tese é um estudo realizado em 2009 na Universidade da dle ou o iPad – vai na contramão do que sustenta o livro de
Califórnia, Los Angeles. A equipe do psiquiatra Gary Small Nicholas Carr. Para ele, as leituras dispersivas que fazemos
usou técnica de ressonância magnética funcional para moni- na web comprometem o processo que faz que uma informa-
torar o cérebro de internautas iniciantes e experientes en- ção se transforme numa memória duradoura. A consolida-
quanto liam online e faziam buscas no Google. Resultados ção das memórias pode ser impedida por fenômenos varia-
mostraram que – no segundo grupo – buscas no Google le- dos. Boxeadores que levam um soco caprichado, por exem-
vavam à ativação de áreas cerebrais ligadas à tomada de de- plo, podem ter apagadas memórias de instantes anteriores
cisões e ao raciocínio complexo. Esse argumento da ativida- ao golpe. Para Carr, os “tuítes”, torpedos e e-mails, que in-
de cerebral não chega a representar surpresa. “O uso da web terrompem a leitura de um texto online, podem ter efeito si-
envolve atenção, aprendizagem, memória, tomada de deci- milar ao de um bom “cruzado” no queixo sobre a consolida-
sões – é plausível que acarrete mudanças anatômicas no cé- ção das memórias. “A web é uma tecnologia do esqueci-
rebro”, avalia o neurocientista Roberto Lent, docente da U- mento”, afirma, categórico. A comparação, decerto, é exa-
niversidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Estranho se- gerada. “É complicado comparar traumatismo mecânico a
ria se não houvesse qualquer mudança. Modificar o cérebro outro, de natureza cognitiva”, avalia Roberto Lent. “Não
não é um “privilégio” da internet – isso acontece com qual- creio que haja evidências de danos físicos a circuitos cere-
quer processo de aprendizagem. “Quando você aprende a brais pelo uso da internet. Seja como for, a memorização de
dirigir, uma área do seu cérebro que não era ativada vai se uma informação depende da atenção dedicada a ela no mo-
ativar”, compara o neurocientista Martín Cammarota, do mento da aquisição. E a multiplicidade de estímulos da in-
Centro de Memória da PUCRS (Pontifícia Universidade ternet não favorece exatamente a concentração. Podemos

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navegar em várias janelas ao mesmo tempo, mas não temos pesquisa e se contenta com a leitura de um verbete da Wiki-
o hardware necessário para processar, simultaneamente, pedia em lugar de ir a uma biblioteca, o problema é seu, não
tantas solicitações paralelas. Trocando em miúdos, nosso da internet.
cérebro não é multitask. “Só conseguimos prestar atenção
em uma coisa de cada vez, por uma limitação intrínseca ao (Folha de S. Paulo, “Ilustríssima”, 27.03.2011)
cérebro”, explica Suzana Herculano-Houzel. Mas ela não
enxerga nisso uma ameaça ao nosso desempenho cognitivo.
“Estamos sempre fazendo esse processo de filtragem e sele-
ção daquilo em que vamos prestar atenção, com ou sem
computador. Alguém que esteja estudando off-line alterna a
atenção entre as suas anotações, o livro que está lendo, a
música ao fundo, o telefone que toca, uma pessoa que pas-
sa”, compara. Já para Nicholas Carr, a cultura do multitask,
característica da internet, representa uma ameaça à tradição
da leitura profunda e solitária. A web estaria formando leito-
res incapazes de manter a atenção sustentada e de processar
textos de fôlego. Para ele, o novo padrão de leitura imposto
pela internet é um retrocesso em nossa história cultural.
“Estamos deixando de ser cultivadores do conhecimento
pessoal para nos tornarmos caçadores e coletores na ‘flores-
ta eletrônica’ de dados”. Carr teme que a leitura concentrada
volte a ser um hábito restrito a uma elite intelectual. “A era
da leitura em massa”, aposta ele, “terá sido apenas uma bre-
ve anomalia em nossa história intelectual”. A visão apoca-
líptica de Carr foi contestada em artigo publicado no New
York Times pelo psicólogo evolutivo canadense Steven Pin-
ker, professor da Universidade Harvard. Para ele, se a inter-
net fosse tão nociva para nossa inteligência, não estaríamos
vivendo um período de grande florescimento das Ciências,
da Filosofia, História e Crítica Cultural. O neurocientista Si-
darta Ribeiro, pesquisador do Instituto Internacional de
Neurociências de Natal Edmond & Lily Safra (IINN-ELS),
alinha-se com a visão de Pinker. “A internet é extremamen-
te libertadora para a Ciência, para a democracia e para a so-
ciedade. Mas a gente talvez ainda não saiba usar direito”.
Usuário intensivo da web, Sidarta afirma que seu uso nos Desde a criação, por Johannes Gutemberg (1398-1468), da
torna “viciados em novidade”, e admite que precisa se esfor- prensa de tipos móveis (ca. 1439), mudaram-se as relações
çar para passar um domingo off-line, ou para não ler e-mails entre as pessoas, a ars scribendi (“arte da escrita”) e a ars
no celular. “A rede é um ambiente riquíssimo, mas gera an- legendi (“arte da leitura”), de modo que, no século XXI, a
gústia, ansiedade e muitas decisões apressadas – a quantida- consolidação da internet, como um dos principais meios co-
de de coisas disponíveis para ler é muito alta, e o tempo de municacionais, é evidente, e o seu uso excessivo, muito con-
reflexão está diminuindo”. Para Sidarta, autodisciplina é a testado. Escreva uma dissertação argumentativa segundo
chave para um uso razoável da internet. “É preciso saber se o molde do ENEM, em que haja uma proposta de interven-
abster”. Já Martín Cammarota concorda com a afirmação ção que respeite os direitos humanos. O seu texto deverá ter
que motivou o livro de Nicholas Carr – estamos, de fato, nos entre 25 e 30 linhas nas quais se discuta o tema redacional
tornando mais rasos. Mas ele prefere enxergar na web um “De Gutemberg a Zuckerberg: do livresco ao internético sob
reflexo da ligeireza da cultura contemporânea, mais do que o aspecto da ascensão da hodierna inteligência humana”.
a raiz do mal. “A internet é só um sintoma da superficialida-
de da nossa vida, na qual, cada vez mais, se valoriza a forma
em detrimento do conteúdo. Para ele, o problema está mais
em como usamos a rede. “Se você vai ao Google fazer uma

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