Você está na página 1de 2

Do ponto em que nos situamos, produzimos sentidos e mundos, ao mesmo tempo

em que por esses sentidos e mundos somos produzidos. De onde nos situamos podemos
produzir deslocamentos, encontros e experiências que não se fecham em si mesmas. As
questões de gênero, ruralidade e agroecologia, que desenham minha pesquisa de
mestrado, se interseccionam a partir de afetos e experiências de ser mulher no rural
durante período da vida e sobre os encontros com propostas de agroecologia durante
minha formação acadêmica. Acoplamentos que desenham a implicação e produção de
questões que busco transversalizar na pesquisa.
Os acoplamentos, encontros com o meio que produzem mutuas perturbações,
performam realidades. Nesse sentido, minha pesquisa pretende colocar em análise as
experiências coletivas de transição agroecológica, buscando acompanhar as
subjetivações que se desenham nesse processo, e como as questões colocadas pela
agroecologia e o experienciar coletivo produzem formas de performar o rural e, mais
especificamente, gênero nesse contexto, engendrando estratégias de resistência das
mulheres aos jogos de poder patriarcais, não só no campo econômico e social, mas
também nas normativas que prescrevem os modos de se comportar, viver e se relacionar.
No Brasil a agroecologia tem crescido nas últimas décadas como resistência ao
processo de modernização iniciado pela revolução verde na década de 60. Modernização
que demarca o deslocamento do olhar do rural, enquanto mero complemento do urbano,
para um espaço produtivo e gerador de capital. O rural, historicamente compreendido
como homogêneo e de práticas ultrapassadas, se torna evidentemente múltiplo e
processual. No entanto, sofre os impactos ambientais, econômicos e sociais da
exploração desencadeada por grandes empresas multinacionais produtoras de
implementos, agrotóxicos e fertilizantes sintéticos. Nesse sentido, a agroecologia vem
sendo constituída enquanto movimento social que parte de uma perspectiva integradora
de conhecimentos de diversas ciências e experiências de povos originários e camponeses
na busca de práticas sustentáveis, economicamente eficientes e socialmente justas
(Faria, 2014).
Este movimento, além de produzir questões e provocações a uma ética outra na
relação com a prática agrícola, que difere da agricultura convencional, pode abrir
possibilidades para as mulheres transitarem por espaços e constituírem relações que
antes não eram possíveis. Isso vai ao encontro das pesquisas de Scott (1998) e
Maciazeki-Gomes (2017) que apontam que o envolvimento da mulher com movimentos
sociais tensiona a separação entre privado e público, tornando porosa as fronteiras entre
espaços compreendidos como masculinos e femininos. Entretanto, é importante pontuar
que este é um território de possíveis e embates, não constituindo necessariamente
tensionamentos aos modos instituídos de operar gênero. Provocação que surge a partir
da fala de uma camponesa envolvida em práticas agroecológicas, que aponta para um
certo papel essencial da mulher: “Eu acho que a mulher faz a diferença total numa
propriedade, porque além de todo o cuidado com a casa, a maneira como ela produz o
seu produto e leva para o cliente é uma maneira especial. Ela não vai levar só o produto,
ela vai levar um pouco de amor”. Assim como gênero e ruralidade, agroecologia também
é pensada como performada pela rede situada que a constitui, sendo então múltipla e
coemergente.

Referências bibliográficas

FARIA, Lívia Mara Siqueira. Aspectos gerais da agroecologia no Brasil. Rev.


Agrogeoambiental. v.6, n.2, 2014.

MACIAZEKI GOMES, Rita de Cássia. Narrativas de si em movimento: uma genealogia da


ação política de mulheres trabalhadoras rurais do sul do Brasil. Tese de doutorado,
Programa de pós graduação em Psicologia, Universidade Federal de Santa Catarina,
2017.

SCOTT, Joan. A invisibilidade da experiência. Trad. Lúcia Haddad. Proj. História. São
Paulo, 1998.

Você também pode gostar