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PROVA ESCRITA
DE
2ª Chamada
Grelha de Correcção
Via Profissional
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TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE ALMADA
Conclusão: 12/07/2013
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I – RELATÓRIO
Alegam que não foram ouvidos sobre o projecto de decisão final de demolição da
sua habitação, nem foram notificados da decisão final de demolição, tendo impugnado
contenciosamente esse acto administrativo, assim como o que determinou a sua exclusão do
PER.
No que respeita à terceira Autora, além de ter sofrido danos patrimoniais pela
destruição do seu letreiro identificativo, sofreu os danos decorrentes da destruição de todos
os bens que se encontravam no interior do seu estabelecimento, pois em consequência da
destruição do 1º andar do prédio, a porta de entrada da loja sita no rés-do-chão ficou
empenada, impossibilitando a terceira Autora de entrar e de retirar os bens que ali se
encontravam.
Assim, sustenta a terceira Autora que ficou privada de todo o recheio da loja, não
tendo conseguido retirar quaisquer bens, referentes aos stocks de mercadorias e existências
inventariadas, para além de ter sofrido os danos produzidos pela perda da clientela, não só em
consequência da impossibilidade de reabrir o estabelecimento, como pela perda das agendas
de contactos e das bases de dados referentes aos seus clientes e ainda a perda do direito ao
trespasse do estabelecimento comercial.
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No cômputo global, pedem os Autores a condenação do Réu ao pagamento da
quantia de € 119.020, sendo € 70.500, devida aos primeiros Autores, pela destruição do
prédio, pela perda do recheio do 1º andar de habitação, pela perda das rendas e pelos danos
morais provocados e a quantia de € 48.520 devida à terceira Autora, pela destruição dos stocks
de mercadorias, existências inventariadas e placa identificativa, perda de clientela e pela perda
do direito ao trespasse do estabelecimento, acrescida da condenação ao pagamento de juros
de mora, até integral pagamento.
Invoca que não praticou qualquer ilícito, donde os Autores possam fazer derivar
os direitos que invocam, pois das várias acções administrativas instauradas pelos Autores, para
impugnação dos actos administrativos de exclusão do PER e de demolição do imóvel, apenas
foi anulado o despacho de exclusão dos primeiros Autores do PER, com fundamento na
preterição do direito de audiência prévia, sendo que este vício não é susceptível de provocar
os prejuízos que os Autores invocam em juízo.
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No demais, em relação à sociedade Autora, por estar em causa um uso comercial
e não habitacional, a mesma não se encontra abrangida pelo Plano Especial de Realojamento,
não podendo beneficiar do realojamento camarário.
Além disso, não é verdade que a terceira Autora tenha ficado impossibilitada de
entrar na loja do rés-do-chão e de retirar todo o seu recheio, por o rés-do-chão do imóvel não
ter sido destruído.
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II – SANEAMENTO
As questões de mérito que ao Tribunal cumpre solucionar nos termos do artº 94º
nº 1 do CPTA, consistem em conhecer e decidir do pedido de condenação do Município ao
pagamento de indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais e lucros cessantes,
acrescida do pagamento de juros, fundada no instituto da responsabilidade civil
extracontratual da entidade pública, na sequência dos actos e operações materiais praticados,
relativos à demolição efectuada no prédio de que os primeiros Autores são proprietários,
importando aferir se estão reunidos os pressupostos da responsabilidade da entidade pública.
IV – DA FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO
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D) A terceira Autora é uma sociedade comercial, com o objecto de comércio por
grosso e a retalho de produtos de drogaria e de peças e acessórios para automóveis e
indústrias, com sede na Rua José Narciso, nº 12, Setúbal – doc. 3 junto com a petição inicial;
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N) Em 17/01/2012 o Vereador da Câmara Municipal de Setúbal, Vasco Tondela
emitiu “Despacho Para Audiência de Interessados”, pelo qual mandou notificar o mandatário
da Firma do seguinte: “A) Por a referida Firma estar a utilizar a construção sita, na referência
101, como loja, sendo certo que o exercício desta actividade é ilegal, já que não se encontra
licenciada, nem a construção, nem a actividade ali exercida, bem como não está contemplada
no regime Jurídico previsto no Decreto-Lei nº 163/93, de 07 de Maio (programa especial de
realojamento), a transferência e realojamento de actividades económicas, mas apenas de
habitações, logo não estando abrangida esta situação no referido diploma, a notificada não
tem qualquer direito a ser realojada por esta Câmara Municipal e transferida para outro local
no tocante ao exercício deste ramo de comércio. (…) C) (…) o sentido provável da Decisão Final
referente a este processo é o de ordenar o encerramento da construção em causa
acompanhada do despejo sumário dos seus ocupantes, bem como a demolição daquela e a
aplicação das cominações previstas na lei (…)” e para se pronunciar, em dez dias – doc. fls.
273-275;
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U) O Autor e esposa não residiam no local com carácter permanente - prova
testemunhal;
b) um guarda-fatos - € 500,00
g) um esquentador - € 550,00
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FF) Em 12/01/2012 a retroescavadora ao demolir o primeiro andar do prédio,
causou danos ao nível da porta do rés-do-chão - prova testemunhal;
Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão
da causa.
12.Desde então a utilização normal da loja foi afectada, por não mais os
proprietários do estabelecimento terem podido entrar.
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V - DO ENQUADRAMENTO DE DIREITO
Nos termos gerais, a responsabilidade civil ocorre quando uma pessoa deve
reparar um dano sofrido por outra. A lei faz surgir uma obrigação em que o responsável é
devedor e o lesado credor, vide Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, 9ª ed. Almedina,
2001, pág. 473 e segs..
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Estamos perante a actuação de uma entidade pública, o Município, sendo a
respectiva disciplina jurídica aplicável submetida a normas de direito público, nos termos do
regime jurídico aprovado pela Lei nº 67/2007 de 31/12, que regula o regime jurídico da
responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas.
Assim, o facto ilícito tanto pode consistir num acto jurídico, como num acto
material.
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Estabelece o nº 1 do artº 7 da Lei nº 67/2007 sobre a responsabilidade das
entidades públicas, no sentido de as mesmas serem exclusivamente responsáveis pelos danos
que resultem de acções ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus
órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse
exercício.
Com relevo, remete-se para o probatório apurado nos autos, donde resulta que
os 1º e 2º Autores, estiveram inscritos no PER e que posteriormente foram excluídos, tendo a
acção de impugnação desse acto administrativo sido julgada procedente, por procedência do
vício de falta de audiência prévia.
Sem prejuízo, a decisão de exclusão do PER que foi anulada judicialmente, não
depende a decisão de demolição do imóvel, pois independentemente da questão de saber se
os primeiros Autores têm ou não o direito a ser realojados em habitação camarária, em virtude
do facto de terem estado inscritos no PER, a decisão de demolição consiste num acto
autónomo e dele dependente.
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É de afastar que o acto de demolição do prédio consista num acto consequente
do acto de exclusão do PER, pois havendo ou não realojamento, o prédio sempre teria de ser
demolido, em virtude de ter sido edificado em local interdito, integrado no domínio público
municipal, em relação ao qual não é possível a sua legalização.
Por isso, não obstante a anulação do acto de exclusão do PER, por procedência do
vício de forma, tal invalidade não acarreta a invalidade do acto de demolição, por este não ser
um acto consequente do primeiro, dele não dependendo.
Por isso, falecendo a prática de acto ilícito quanto à demolição do primeiro andar
do prédio, inexiste um dos pressupostos de que depende a responsabilidade civil
extracontratual do Município, no que tange aos primeiros Autores.
Não obstante resultar dos Factos Assentes que o prédio assente em A) foi
parcialmente demolido pela Câmara Municipal de Setúbal, pela demolição do 1º andar,
considerando a demais factualidade provada, sempre o imóvel teria de ser demolido, por se
mostrar ilegal a sua edificação.
É, por isso, de recusar que ocorra a ilicitude da conduta da entidade pública, nos
termos em que o afirma a doutrina - cfr. Margarida Cortez, in “Responsabilidade Civil da
Administração por Actos Administrativos Ilegais e Concurso de Omissão Culposa do Lesado”,
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2000, Coimbra Editora, pág. 52 e 53, no sentido de considerar tratar-se de uma anti-
juridicidade que se refere à conduta e não ao resultado.
Porém, ainda que assim não fosse, no que concerne ao pressuposto da culpa, a
mesma exprime um juízo de reprovabilidade da conduta do agente: o lesante, em face das
circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo.
Dispõe os nºs 1 e 2 do artº 10º da Lei nº 67/2007 que a culpa dos titulares de
órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável
exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou
agente zeloso e cumpridor e que, sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave,
presume-se a existência de culpa leve na prática de actos jurídicos ilícitos.
Pelo que, em face do que antecede, será de concluir pela não verificação dos
requisitos do facto ilícito e da conduta culposa do Réu.
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No que concerne à análise do pressuposto do dano, a mesma igualmente fica
prejudicada, não obstante a demonstração parcial dos danos invocados em juízo, quer no
respeitante aos danos patrimoniais, quer em relação aos não patrimoniais, em relação aos
primeiros Autores e em relação à sociedade Autora.
Sem prejuízo, assume a situação jurídica trazida a juízo uma particularidade, qual
seja a de a construção demolida apresentar-se em desconformidade com a legalidade
urbanística, estando em causa uma construção que não foi licenciada ou autorizada
administrativamente ou tão pouco que possa vir a ser legalizada, por não só não satisfazer as
regras legais e regulamentares previstas para a construção das habitações, como está inserida
em terreno do domínio público, ou seja, em situação claramente ilegal e sem que a sua
ilegalidade possa ser sanada.
V - DECISÃO
Pelo exposto, com base nas razões que antecedem, julgo totalmente
improcedente, por não provada, a presente acção administrativa comum, sob a forma
ordinária, fundada em responsabilidade civil extracontratual do Município, absolvendo-o na
totalidade do pedido de indemnização pelos danos causados.
Registe e Notifique.
Almada, ___
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