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A percepção do especialista sobre o tema

mobilidade urbana

Renata Cardoso Magagnin1; Antônio Nélson Rodrigues da Silva2

Resumo: O conceito de mobilidade urbana ainda é muito recente no Brasil e os problemas a ele relacionados ainda não estão muito
claros para uma parcela significativa da população. Este artigo tem como objetivo identificar se isto também se verifica com técnicos e
planejadores trabalhando especificamente nos campos do planejamento urbano e de transportes. O estudo foi realizado em uma cidade
média brasileira, com uma ferramenta computacional concebida para ajudar na definição de um Sistema de Indicadores de Mobilidade
Urbana. Neste estudo de caso foram utilizadas técnicas de avaliação qualitativa que permitiram confrontar a percepção dos usuários
acerca do conceito de mobilidade urbana antes e depois do uso da ferramenta. A abordagem permitiu demonstrar que de fato havia
inicialmente uma visão parcial da mobilidade por parte dos técnicos. Também conduziu à conclusão de que parece ter havido uma
significativa ampliação no seu grau de conhecimento sobre o tema ao longo do processo.

Abstract: The concept of urban mobility is still recent in Brazil. As a consequence, the problems related to the concept are not clear
for a significant part of the population. The objective of this study is to examine if this is also the case for technicians and planners
working specifically in the fields of urban and transportation planning. The study was carried out in a Brazilian medium-sized city,
through an application with a computational tool originally designed to help in the construction of a System of Urban Mobility Indica-
tors. Qualitative analyses tools were applied for comparing the participants’ perception about the urban mobility concept before and
after the used of the tool. The approach was able to reveal that the professionals had indeed a partial view of mobility at the beginning
of the research. It also led to the conclusion that their knowledge about the theme evolved significantly during the process.

1. INTRODUÇÃO ais problemas urbanos, uma vez que é hoje de conhe-


Historicamente, questões de planejamento urbano en- cimento de pesquisadores e decisores que há fortes
contram-se associadas de forma intrínseca a aspectos inter-relações entre os diversos problemas urbanos.
de transporte, isto é, o crescimento das cidades influ- Para contrapor-se a este sistema de planejamento que
encia e é influenciado pelos meios de transporte dis- não atende mais às necessidades urbanas e da popula-
poníveis à sua população. Mais ainda, a forma como ção, disseminou-se mundialmente um processo de
se dá o processo de circulação urbana interfere dire- planejamento mais integrado, onde as questões de uso
tamente na demanda por transportes, nas áreas desti- do solo e transporte são entendidas de uma forma mais
nadas a estacionamento, nos congestionamentos, etc. ampla, como em Loukopoulos e Scholz (2004). A an-
O crescimento urbano desordenado, provocado pelo tiga denominação do planejamento de transportes pas-
espalhamento espacial, o aumento excessivo no uso sa a incorporar um conjunto de novos conceitos, entre
do automóvel, a falta de infra-estrutura urbana, a polu- eles o da mobilidade urbana, e ainda o conceito de
ição do meio ambiente, entre outras, são questões que planejamento associado aos transportes é ampliado,
interferem na qualidade de vida da população. Estes incorporando as visões de infra-estrutura, circulação e
fatores têm contribuído para que pesquisadores, deci- transporte público associados a questões de uso do
sores e tomadores de decisão busquem novas formas solo, meio ambiente, entre outros aspectos.
de minimizar, discutir e encontrar soluções para estas Outro conceito incorporado ao planejamento dos
questões urbanas. transportes (ou ao planejamento da mobilidade urba-
O processo de planejamento tradicional, em que ca- na) refere-se à sustentabilidade. Segundo Steg e Gif-
da problema urbano deve ser resolvido separadamen- ford (2005) o desenvolvimento sustentável no plane-
te, não pode mais ser utilizado para solucionar os atu- jamento de transportes está associado ao equilíbrio
entre os aspectos ambientais, econômicos e sociais,
tanto no presente como nas futuras intervenções urba-
1
Renata Cardoso Magagnin, Departamento de Arquitetura, Urba-
nas. Este conceito foi adotado inicialmente na Europa,
nismo e Paisagismo, Universidade Estadual Paulista. Bauru, SP, América do Norte e Austrália (Richardson, 2005). No
Brasil (e-mail: magagnin@faac.unesp.br). Brasil esta visão ainda é recente, e o conceito está
2
Antônio Nélson Rodrigues da Silva, Departamento de Transpor-
tes, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São
sendo incorporado gradativamente nas discussões dos
Paulo. São Carlos, SP, Brasil (e-mail: anelson@sc.usp.br). Planos Diretores de Transportes e Mobilidade (Silva
et al., 2007). Cabe mencionar que a inexistência de
Manuscrito recebido em 25/1/2008 e aprovado para publicação em
1/4/2008. Este artigo é parte de TRANSPORTES, volume XVI,
uma política de transportes explícita e coerente no
número 1, de junho de 2008. ISSN: 1415-7713. país e nos municípios pode dificultar, ou mesmo invi-

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abilizar, o estabelecimento de um planejamento de menta computacional desenvolvida para auxiliar no
transportes que incorpore os conceitos de “mobilidade planejamento da mobilidade urbana sustentável e usa-
urbana” e da “sustentabilidade”. da na avaliação aqui conduzida, iii) uma breve discus-
Alguns países da Europa, os Estados Unidos e o são acerca de algumas das técnicas que podem ser uti-
Canadá têm adotado indicadores como um modo de lizadas para avaliar o grau de percepção e sobretudo
avaliar e monitorar a mobilidade em nível local (Gud- de mudança dessa percepção nos indivíduos, visando
mundsson, 2001, Gudmundsson 2004). Em cada um a sua utilização na aplicação proposta.
destes países foi utilizado um enfoque diferente para o
2.1. Mobilidade urbana sustentável
emprego do conceito de mobilidade sustentável va-
lendo-se de indicadores (ver Nicolas et al., (2003)). A mobilidade pode ser definida como um atributo re-
Na Europa, por exemplo, são adotadas medidas de lacionado aos deslocamentos realizados por indiví-
integração das questões ambientais com as demais duos nas suas atividades de estudo, trabalho, lazer e
políticas públicas; nos Estados Unidos os indicadores outras. Nesse contexto, as cidades desempenham um
estão sendo utilizados para a elaboração de planos papel importante nas diversas relações de troca de
estratégicos em todos os níveis e no Canadá são utili- bens e serviços, cultura e conhecimento entre seus
zados elementos e estruturas advindas das experiên- habitantes, mas isso só é possível se houver condições
cias européias e norte americanas (Gudmundsson, adequadas de mobilidade para as pessoas (Ministério
2001; Gudmundsson, 2004; Silva et al., 2007). das Cidades, 2006).
No Brasil, a utilização de indicadores faz parte da O desenvolvimento sustentável é aquele que res-
política de Mobilidade Urbana elaborada pelo governo ponde às necessidades do presente sem comprometer a
federal, onde a definição de um Sistema de Indicado- capacidade das gerações futuras de responder às suas
res é parte integrante dos produtos a serem definidos próprias necessidades. É um processo que associa três
na elaboração dos Planos Diretores de Transportes e importantes dimensões: ambiental, econômica e soci-
Mobilidade Municipais. Este sistema de indicadores al, estabelecendo uma correlação entre esses três pó-
pode ser utilizado nas etapas de planejamento e moni- los, garantindo a eficácia econômica e a proteção do
toração do plano. meio ambiente, sem perder de vista as finalidade soci-
Embora a nova abordagem já tenha começado a ser ais que são a luta contra a pobreza, as desigualdades, a
discutida no Brasil, diversas questões relacionadas ao exclusão e a busca da eqüidade. De forma análoga,
conceito de mobilidade urbana ainda não estão, no segundo a UITP - International Association of Public
entanto, muito claros para uma parcela significativa da Transport, a base para uma mobilidade sustentável
população. Mais grave do que isso pode ser a consta- está na inter-relação entre os seguintes componentes:
tação de que esta afirmação também se aplica aos téc- meio ambiente, economia e sociedade. O equilíbrio
nicos ligados às áreas de planejamento urbano e de entre estes três componentes proporcionará: a
transportes, razão pela qual esta pesquisa se propõe a realização das necessidades das pessoas no que se
verificar essa hipótese. Assim, após essa breve intro- refere à qualidade de vida e acessibilidade; o respeito
dução, são apresentados no item 2 alguns dos elemen- ao habitat, causando o menor impacto pelas atividades
tos mais relevantes para a aplicação proposta. Isso humanas e, no tocante à economia, ela está
inclui uma breve discussão do conceito de mobilidade relacionada aos recursos disponíveis, ou ao modo
urbana, a apresentação de uma ferramenta computa- como estes recursos possam satisfazer as necessidades
cional desenvolvida como parte de um Sistema de de cada cidadão (Black at al., 2002; Steng e Gifford,
Apoio a Decisão para o planejamento da mobilidade 2005; Richardson, 2005).
urbana, e aspectos básicos das técnicas de avaliação As cidades que consideram as políticas relacionadas
empregadas. No item 3 é discutida a metodologia, no à integração entre mobilidade e sustentabilidade urba-
item 4 são apresentados e analisados os resultados da na garantem maior eficiência e dinamismo das fun-
aplicação realizada e, finalmente, no item 5, são apre- ções urbanas, com maior e melhor circulação de pes-
sentadas e discutidas as conclusões e considerações soas e mercadorias. Isto se reflete na valorização do
finais. espaço público, na sustentabilidade e no desenvolvi-
mento da cidade, conciliando as dimensões ambiental,
social e econômica (Ministério das Cidades e IBAM,
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2004).
Para melhor compreensão da pesquisa aqui realizada, Um dos problemas enfrentados pela maioria das ci-
três aspectos merecem especial atenção: i) o novo dades brasileiras, já atingindo inclusive as de porte
conceito de mobilidade urbana sustentável e sua posi- médio, refere-se à questão da mobilidade urbana. A
ção frente ao conceito tradicional usado em planeja- dependência no uso do automóvel tem causado grande
mento de transportes, ii) o sistema PLANUTS, ferra- impacto no fluxo de tráfego. Associado a este proble-

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ma, as atuais políticas de crescimento e desenvolvi- módulo corrente. O processo de decisão ocorre através
mento urbano não têm privilegiado a utilização de de um consenso geral das decisões parciais resultantes
meios de transportes mais sustentáveis (tais como, a dos diferentes estágios de avaliação e da escolha de
bicicleta, o modo a pé e o transporte público). Como alternativas (cenários) definidas pelos diversos agen-
conseqüência do uso indiscriminado do automóvel nas tes participantes. O acesso ao sistema é realizado atra-
áreas urbanas, tem-se: o aumento dos congestiona- vés da internet; ou seja, os participantes podem aces-
mentos, da energia consumida no setor de transportes sar o sistema em qualquer local e horário, desde que o
e do ruído e das emissões de gases tóxicos. módulo para avaliação esteja ativo. Entre os possíveis
Outro problema visivelmente identificado nas áreas locais de acesso, além do trabalho e da residência,
urbanas e que influencia diretamente no planejamento estão os terminais públicos. Seria o caso, por exemplo,
da mobilidade é a crescente dispersão espacial, obser- do Poupatempo do estado de São Paulo, local que re-
vada em muitas cidades, inclusive brasileiras. A loca- úne vários órgãos e empresas prestadoras de serviço
lização de novas residências e serviços nas áreas peri- público para atender aos cidadãos em postos fixos de
féricas, localizadas distantes das áreas centrais, está 11 municípios da capital e interior, além de postos
afetando diretamente a mobilidade nestas cidades. As móveis.
cidades não estão preparadas para oferecer serviços a O sistema PLANUTS é formado pelos seguintes
esta nova demanda. Em alguns casos, é evidente a componentes: i) Interface na internet – é representa-
dissociação que existe entre o planejamento urbano e da pela página do projeto na internet, composta por
o de transportes, particularmente na questão do plane- páginas html que contêm informações do projeto, do
jamento do uso do solo urbano. Estas questões têm município e sobre mobilidade. ii) Módulo de Avalia-
contribuído para aumentar as disparidades na oferta de ção da Mobilidade Urbana – é composto por quatro
serviços aos diversos segmentos urbanos, com conse- módulos de avaliação interdependentes que possibili-
qüência direta sobre a mobilidade urbana (Litman, tam: o gerenciamento das informações, a exploração,
2006). e a avaliação da mobilidade urbana e um módulo de
gerenciamento das avaliações. O Sistema foi construí-
2.2. O sistema PLANUTS
do adotando-se uma estrutura modular, ou seja, bus-
A sigla PLANUTS tem a origem nos termos PLANe- cou-se estruturar as informações de acordo com o grau
jamento Urbano e de Transportes integrado e Susten- de conhecimento da população sobre a questão da
tável. Este Sistema de Suporte à Decisão foi desen- mobilidade urbana e assim possibilitar a participação
volvido, pelos autores deste artigo, como uma alterna- de múltiplos segmentos da sociedade no processo de
tiva que pode ser adotada num processo de planeja- avaliação e/ou monitoramento da Mobilidade Urbana.
mento da mobilidade urbana participativa envolvendo A definição de cada Módulo é apresentada no Quadro
múltiplos segmentos da comunidade. O objetivo do 1.
sistema é auxiliar no planejamento e monitoramento Em resumo, o Sistema PLANUTS foi elaborado pa-
da mobilidade urbana, principalmente, em cidades ra possibilitar uma nova visão no processo de tomada
brasileiras de pequeno e médio porte; ou seja, ele traz de decisão (principalmente dos decisores não-
subsídios para planejadores e tomadores de decisão, especialistas) nas diversas etapas da elaboração do
nas áreas de planejamento urbano e de transportes, Plano Diretor de Transportes e Mobilidade através dos
através de um sistema que contêm modelos e ferra- seguintes resultados: i) definição de um Sistema de
mentas que podem auxiliar em um processo de tomada Indicadores de Mobilidade para o planejamento e mo-
de decisão integrado e participativo. Em síntese, trata- nitoração da Mobilidade Urbana no município; ii) au-
se de uma ferramenta computacional destinada a pro- xílio aos tomadores de decisão na formulação, defini-
mover um processo integrado e sustentável para ela- ção ou avaliação das situações (cenários) através da
boração e monitoramento de Planos Diretores de Mo- identificação dos problemas de mobilidade associados
bilidade Urbana, cujos detalhes podem ser obtidos em a cada indicador avaliado e iii) fornecimento de um
Magagnin (2008). suporte à tomada de decisão através da análise dos
A concepção do sistema PLANUTS está fundamen- possíveis impactos da adoção de determinada alterna-
tada na associação dos princípios e métodos do pro- tiva.
cesso de participação popular tradicional com os re-
cursos que a internet pode proporcionar aos usuários 2.3. Técnicas de avaliação qualitativa
(decisores). O modelo de participação adotado é o Para avaliar o grau de percepção e sobretudo de mu-
individual, ou seja, as informações são armazenadas e dança dessa percepção em indivíduos, a partir de res-
disponibilizadas para análise de forma individualiza- postas dadas a questões formuladas em diferentes
da. O sistema permite a análise das avaliações de cada momentos ou condições, são necessárias técnicas es-
usuário após a finalização do processo de avaliação do pecíficas. Dentre as técnicas pesquisadas na literatura

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Quadro 1: Principais funções dos quatro Módulos de Avaliação da Mobilidade Urbana
MÓDULOS DE AVALIAÇÃO DA MOBILIDADE URBANA
� Módulo I – avaliar as Categorias e Temas através da definição do “grau de importância” destes critérios. O objetivo é definir
os aspectos relacionados ao planejamento e monitoramento da Mobilidade Urbana mais relevantes para a elaboração de um
Plano Diretor de Transportes e Mobilidade Urbana participativo através da avaliação das seguintes Categorias e Temas associ-
ados à Mobilidade Urbana: Meio Ambiente e Transportes, Gestão dos Transportes, Infra-estrutura dos Transportes, Planeja-
mento dos Transportes, e Aspectos Socioeconômicos dos Transportes.
� Módulo II – avaliar os Indicadores através da escolha de dois indicadores por Tema. Estes indicadores são definidos como
sendo os “mais importantes” para avaliar a Mobilidade na cidade. O resultado desta avaliação irá definir os indicadores que de-
verão compor um Sistema de Indicadores de Mobilidade Urbana.
� Módulo III – avaliar os Indicadores através dos seguintes itens: problemas e soluções associados aos indicadores avaliados,
definição dos indicadores “mais importantes” e “mais urgentes”, e espacialização dos problemas de mobilidade mais importan-
tes na cidade; ou seja, este módulo tem como objetivo definir as prioridades de ação na cidade, no que se refere à Mobilidade
Urbana, a partir dos indicadores mais votados pela população no Módulo anterior. São avaliados: i) a Identificação dos Pro-
blemas e Soluções relacionados à mobilidade urbana; ii) a Identificação das Definições de Ação; e iii) o Diagnóstico dos in-
dicadores na cidade.
� Módulo IV – avaliação dos cenários comparativos.
� Módulo Administrativo – visualização dos resultados dos Módulos I a IV e construção dos Módulos III e IV.

especializada destacam-se: a análise de conteúdo e a vras-chave. Segundo Bardin (1977), para realizar a
construção de mapas cognitivos. análise de um texto deve-se levar em consideração
todas as “palavras”, pois elas podem representar ele-
2.3.1. Análise de conteúdo
mentos chave (palavras-chave ou palavras-tema) de
A análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise cujo significado pode contribuir para uma de-
análise utilizadas principalmente nas Ciências Sociais. terminada análise.
No entanto, outras áreas de conhecimento também Na Análise de Associação, também denominada de
estão se apropriando destas técnicas para decodifica- co-ocorrências, procura-se extrair do texto as relações
rem as mensagens obtidas em entrevistas e questioná- entre os elementos da mensagem, ou seja, a relação de
rios. Na área de Planejamento dos Transportes, por associação entre dois ou mais elementos na mesma
exemplo, esta técnica foi utilizada por Sant’Anna unidade de contexto. Esta teoria foi esboçada por
(2007) para avaliar a percepção de usuários idosos Baldwin e defendida por Osgood. Osgood propõe o
com relação ao sistema viário. Segundo aquela autora, seguinte procedimento metodológico para a realização
a utilização da técnica de análise de conteúdo possibi- deste tipo de análise: i) escolher as unidades de regis-
litou ampliar o enfoque interdisciplinar (fenômenos tro – palavras-chave, temas; ii) escolher as unidades
sociológicos, psicológicos, físicos e técnicos) dos es- de contexto e o recorte do texto – numa mensagem
tudos de segurança de trânsito, permitindo assim que descontínua a unidade de contexto pode corresponder:
pudessem ser compreendidas as causas dos acidentes a uma carta, a um artigo, a uma entrevista, etc; iii)
de trânsito em relação à população idosa. codificar – realçar os elementos de cada fragmento
A análise de conteúdo é um “conjunto de técnicas para a obtenção de uma matriz que possam mostrar as
de análise das comunicações visando obter, por pro- co-ocorrências ou as associações; iv) calcular as co-
cedimentos, sistemáticos e objectivos de descrição do ocorrências e v) representar e interpretar os resultados
conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos – os resultados podem ser representados através de
ou não) que permitam a inferência de conhecimentos tabelas de contingência, quadros de redes e de núcleos
às condições de produção/recepção (variáveis inferi- (clusters analysis).
das) destas mensagens” (Bardin, 1977). Segundo
Henry e Moscovici apud Bardin (1977) “tudo o que é 2.3.2. Mapas cognitivos
dito ou escrito é susceptível de ser submetido a uma A metodologia desenvolvida por Eden (1989) apud
análise de conteúdo”. Pidd (2003) tem como objetivo auxiliar grupos no
Dentre as técnicas que compõem a metodologia de entendimento de problemas complexos, como por e-
análise de conteúdo para a análise de respostas para xemplo, na questão da tomada de decisão envolvendo
questões abertas destacam-se: Análise Temática, Aná- múltiplos participantes. Os Métodos SODA I e SODA
lise Léxica e Análise de Associação. A Análise Te- II (SODA – Strategic Options Development and A-
mática permite descobrir os principais sentidos da nalysis, cuja tradução é Desenvolvimento e Análise de
comunicação (respostas a questões abertas, entrevis- Ações Estratégicas) têm como objetivo decodificar as
tas, etc.), onde a presença ou freqüência de um deter- informações individuais (método SODA I) ou em gru-
minado índice (termo – frase ou palavra) pode ter al- po (método SODA II) através da construção de Mapas
gum significado no processo de análise. A Análise de Causa, também conhecidos como Mapas Cogniti-
Léxica é realizada através da identificação de pala- vos (ver Figuras 1 e 2). Os dois sistemas são parte da

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abordagem denominada Making Journey (JOintly Un- dor) traduza as entrevistas (inquéritos) para um mapa
derstanding, Reflecting and Negotiating stratEgY) e esquemático que represente a síntese dos pensamentos
têm sido utilizados por Eden e outros pesquisadores individuais ou de um grupo. Os Mapas Cognitivos são
no planejamento estratégico. métodos que pertencem à área da Psicologia Ambien-
� Método SODA I – Segundo Pidd (2003) este mé- tal; esta por sua vez, é uma disciplina que “procura”
todo é utilizado quando um grupo de indivíduos entender o pensamento e o sentimento das pessoas
tem seus pontos de vistas, que precisam ser dire- através de suas experiências pessoais. O termo “Mapa
cionados para a tomada de decisão conjunta. O i- Cognitivo” é utilizado por Eden para transmitir con-
nício do processo é separar os entrevistados de ceitos das idéias das pessoas através de representação
forma que cada membro possa desenvolver seu bidimensional (esquemas gráficos), onde os conceitos
próprio mapa cognitivo. O mapa deve mostrar (definidos por pessoas ou grupos) são ligados uns aos
como eles expressam seus pensamentos. Cada um outros. O objetivo é capturar as idéias dos entrevista-
destes mapas compõe um mapa estratégico que dos, individualmente ou em grupos, utilizando “pala-
servirá de base para as discussões e negociações vras” definidas pelos participantes. A intenção deste
do grupo (ver Figura 1). método é auxiliar os participantes a entender a situa-
� Método SODA II e Journey Making – Segundo ção (problema) e definir ações. Para a construção do
descrições de Eden & Ackermann (1998) apud mapa cognitivo, Eden recomenda dispor os conceitos
Pidd (2003), deve ser aplicado diretamente com o a partir do ponto mais alto para o ponto mais baixo do
grupo de decisores. Neste caso pode ser utilizado mapa (top down); sendo que o conceito principal fica-
o software Group Explorer. Este mapa é utilizado rá no topo do mapa.
pelo facilitador (Coordenador do grupo de deci- Os Mapas Cognitivos são compostos por conceitos
são) para auxiliar o grupo na concordância da to- e arcos (cujas extremidades são compostas por setas,
mada de decisão (ver Figura 2). cuja direção pode indicar um link positivo ou negati-
A construção de Mapas Cognitivos, segundo Eden vo). O conceito representa uma idéia definida por uma
(1989) apud Pidd (2003), é uma forma de capturar os pessoa ou um grupo, sendo que elas possuem algum
pontos de vista das pessoas através do desenvolvimen- significado para as pessoas envolvidas; estas idéias
to de um modelo. A idéia é que o analista (pesquisa- são expressas através de palavras. O conceito deve

Figura 1: Mapas de Causa: SODA I Figura 2: Mapas de Causa: SODA II


Fonte: adaptado de Pidd (2003). Fonte: adaptado de Pidd (2003).

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capturar (expressar) a visão dos participantes. Em al- Na condição de especialistas, participaram da ativi-
guns casos o conceito pode ser definido através de dade proposta técnicos ligados à área de Planejamento
dois pólos separados (denominados de conceitos bipo- de Transportes e Planejamento Urbano da Prefeitura
lares); estes dois pólos podem esclarecer a definição Municipal de Bauru, membros do Núcleo Gestor do
do conceito inicial. Segundo Pidd (2003) conceitos Plano Diretor e delegados. Esses últimos são represen-
similares podem apresentar significados (interpreta- tantes da sociedade, que também participaram do de-
ções) diferentes, por esta razão, não é conveniente senvolvimento e aprovação do Plano Diretor Partici-
desprezá-los. No método SODA II não são definidos pativo do Município de Bauru. Os participantes foram
muitos conceitos bipolares. A direção dos arcos mos- selecionados de forma a atender às seguintes questões:
tra a relação de direção dos conceitos (conceito inicial i) representantes técnicos – foram escolhidos aqueles
e final). Um arco mostra uma relação entre um par de que poderão vir a conduzir a elaboração do Plano Di-
conceitos. As setas devem ser posicionadas na direção retor de Transportes e Mobilidade Participativo do
do conceito inicial para o conceito final. As setas a- município, e ii) representantes da sociedade – sua es-
companhadas de um sinal negativo mostram uma cau- colha ocorreu em função do seu conhecimento do pro-
salidade negativa entre os dois conceitos. O sinal po- cesso de discussão de um Plano Diretor. Para efeito
sitivo ou negativo deve ser utilizado para expressar das análises aqui conduzidas, somente os questioná-
conceitos individuais e não o ponto de vista do con- rios dos sete técnicos que participaram da capacitação
sultor (pesquisador – interpretador). (item i) foram considerados.
Nesta pesquisa, para a análise dos questionários foi No sistema PLANUTS a conceituação de mobilida-
definida a utilização de uma combinação dos métodos de está contemplada na avaliação de um módulo (o de
desenvolvidos por Eden e Bardin, ou seja, foram utili- número I), através da definição das cinco Categorias e
zadas como referência as técnicas de construção de vinte Temas. Assim, os usuários podem associar à
Mapas Cognitivos associadas às técnicas de Análise definição de Mobilidade elementos de Meio Ambien-
de Conteúdo (Análise Léxica e de Associação). As te, Gestão, Infra-estrutura, Planejamento e Aspectos
respostas dos questionários foram analisadas através Socioeconômicos. Com o intuito de verificar se o uso
da identificação de palavras-chave. Posteriormente do Sistema PLANUTS poderia interferir no grau de
foram construídos os Mapas Cognitivos a partir das percepção de cada usuário sobre as questões que en-
inter-relações de cada palavra-chave para cada questi- volvem a Mobilidade Urbana, foram desenvolvidos
onário avaliado. Na seqüência foram analisados, por dois questionários: i) Questionário 1, para ser aplica-
comparação de palavras-chave, os Mapas Cognitivos do no início do primeiro dia da atividade de capacita-
para cada questão. Os detalhes do procedimento po- ção e ii) Questionário 2, para ser aplicado ao final do
dem ser melhor compreendidos nos itens a seguir, on- último dia de atividades. Os dois questionários conti-
de é discutida a metodologia e são apresentados e ana- nham perguntas abertas, fechadas e/ou de múltipla
lisados alguns dos resultados encontrados. escolha.
A aplicação do Questionário 1 tinha por objetivo
3. METODOLOGIA verificar o grau de conhecimento de cada participante
a respeito dos temas Planejamento de Transportes e
Para a avaliação aqui proposta foi concebido um teste Mobilidade Urbana, e a definição e identificação de
específico juntamente com a atividade denominada alguns problemas a eles associados no município. O
Capacitação técnica para a elaboração de plano Questionário 2 foi elaborado essencialmente para i-
diretor de mobilidade urbana - Definição de indi- dentificar as diferenças ou contribuições do sistema no
cadores de mobilidade urbana, realizada de julho a conhecimento das questões relativas à mobilidade ur-
setembro de 2007 na cidade de Bauru-SP. Essa ativi- bana. Em outras palavras, como o objetivo principal
dade de capacitação tinha por objetivo apresentar aos desta pesquisa era avaliar a hipótese inicial de que a
participantes a ferramenta computacional PLANUTS, visão de mobilidade urbana dos técnicos poderia ser
bem como o método desenvolvido para definir indica- também restrita, estes questionários deveriam, juntos,
dores de mobilidade. Essa definição de indicadores permitir identificar eventuais limitações dos conceitos
visava a sua posterior inserção no Plano Diretor de apresentados inicialmente, bem como eventuais alte-
Transportes e Mobilidade municipal que deverá ser rações cognitivas após a utilização da ferramenta
executado em um futuro próximo (segundo o Artigo computacional.
253; § 1° e 2º da proposta de Lei do Plano Diretor Para realizar a análise comparativa das respostas
Participativo do Município de Bauru, a cidade deverá obtidas nos questionários aplicados antes e após a uti-
elaborar o Plano Diretor de Transportes e Mobilidade lização do Sistema PLANUTS, adotou-se uma inte-
em um prazo de um ano a partir de sua aprovação, de gração entre as seguintes metodologias de análise,
forma participativa). discutidas no item 2 desse artigo: i) Análise de Conte-

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údo (de acordo com Bardin, 1977) e ii) Mapas Cogni- análises realizadas, todas conduzidas através de Qua-
tivos (Mapas de Causa, de acordo com Eden, 1989). A dros (onde são identificadas e destacadas as palavras-
análise de conteúdo foi utilizada para identificar nas chave), e dos Mapas Cognitivos. Nos exemplos aqui
respostas dos dois questionários, algumas palavras- apresentados, os Quadros 2 e 3 contêm as respostas
chave que pudessem servir de elementos de compara- dos especialistas, respectivamente, antes e depois da
ção, permitindo realizar a identificação na diferencia- atividade proposta, para a questão que procurava uma
ção do grau de conhecimento do grupo em relação à definição para o conceito de mobilidade urbana, bem
Mobilidade Urbana. Os Mapas Cognitivos (Mapas de como os Mapas Cognitivos elaborados a partir dessas
Causa) foram utilizados como meio de representação respostas, mostrados nas Figuras 3 e 4 (relacionadas
dos elementos decodificados pela técnica de análise de ao Quadro 2) e Figuras 5 e 6 (relacionadas ao Quadro
conteúdo. Entretanto, ao invés da utilização de frases, 3). Outras questões dos questionários foram compara-
como o método estabelece, foi utilizada a representa- das e analisadas da mesma forma, mas a avaliação
ção através de palavras-chave, uma vez que as respos- para esse artigo se concentra sobretudo nos resultados
tas, na maioria das vezes, eram compostas de elemen- das análises daquelas questões que refletem mais dire-
tos muito sintéticos. Em alguns casos as respostas e- tamente a definição do conceito de mobilidade urbana.
ram até mesmo compreendidas por uma série de pala- A referência para a análise comparativa foi estabe-
vras-chave. lecida a partir dos mapas construídos com base no
Questionário 1 e sua comparação com o mapa cons-
4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS truído a partir das respostas obtidas no Questionário 2.
RESULTADOS Foram identificados no segundo Mapa Cognitivo (de-
nominado de Mapa 2, construído a partir do Questio-
Quanto às características gerais das respostas dos
nário 2 e apresentado na Figura 4) os elementos (pala-
questionários, as perguntas abertas permitiram identi-
vras-chave) que estavam presentes no Mapa Cognitivo
ficar o grau de conhecimento e a incorporação (no
denominado de Mapa 1 (Figura 3). Para auxiliar neste
atual repertório de cada participante) dos diversos as-
diagnóstico foram definidas cores diferenciadas para
pectos que estão associados intrinsecamente à questão
que as células pudessem representar elementos distin-
da mobilidade urbana; enquanto que as respostas fe-
tos no Mapa 2, isto é, foi adotado o fundo preto com
chadas permitiram quantificar alguns dados e assim
letras brancas para as células que apresentaram “novas
gerar um diagnóstico da mobilidade na cidade de Bau-
definições” e a cor cinza e borda mais grossa para a-
ru.
quelas definições que não estavam diretamente asso-
Das 30 questões propostas para avaliação no Ques-
ciadas ao termo Mobilidade Urbana. As células bran-
tionário 1, 13 foram abertas e 17 fechadas e/ou de
cas com letras pretas indicavam elementos que haviam
múltipla escolha. Para a análise das questões abertas
sido identificados tanto no primeiro como no segundo
utilizou-se o seguinte procedimento: primeiro reali-
questionário, ou apenas no primeiro questionário. Não
zou-se a transcrição das respostas de cada avaliador;
representavam, portanto, elementos de mudança.
posteriormente o conjunto de idéias extraídas das res-
Com relação à avaliação do Quadro 2, no Mapa
postas foi organizado por afinidade (procurou-se idéi-
Cognitivo 1 (Figura 3) a definição de Mobilidade Ur-
as análogas que pudessem ser agrupadas) obtendo-se
bana foi dada pelos participantes através da associação
desta forma uma resposta mais consensual sobre cada
dos seguintes elementos: infra-estrutura, deslocamento
tema em cada pergunta. Embora este questionário te-
de pessoas e veículos, locação do mobiliário urbano e
nha sido elaborado para técnicos, as avaliações mos-
utilização de meios de transporte motorizado e não-
traram que os participantes possuem uma visão setori-
motorizado. No Mapa Cognitivo 2 (Figura 4) pode-se
zada (fragmentada), ou seja, dominam os problemas
observar claramente uma ampliação desta definição
que envolvem diretamente seu campo de atuação; não
através da inclusão dos seguintes itens: acessibilidade,
possuindo um conhecimento mais amplo de outras
mobilidade na área urbana e rural, circulação de bens
questões que envolvem o planejamento municipal. O
(além das pessoas), planejamento, preservação e oti-
Questionário 2, cujo objetivo era determinar o grau de
mização de recursos.
percepção das questões relacionadas a mobilidade a-
No tocante ao Quadro 3, observando os dois Mapas
pós a realização do curso de capacitação, possuía 20
Cognitivos pode-se afirmar que no Mapa 1 (Figura 5)
questões, sendo 10 abertas e 10 de múltipla escolha
os problemas de mobilidade identificados no primeiro
e/ou fechadas. Essa diferença no número de questões
questionário representavam problemas que estavam
não comprometeu a análise, uma vez que as questões
diretamente associados ao Planejamento de Transpor-
que serviam ao interesse da presente avaliação consta-
tes associado às questões de planejamento e de infra-
vam de ambos os questionários.
estrutura viária e também a questão do planejamento
Na seqüência é apresentado o resultado de duas das
urbano associado ao planejamento de transportes. No

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Quadro 2: Transcrição das respostas dos especialistas para a questão que trata da definição de Mobilidade Urbana nos Questionários 1
e 2.
QUESTÃO QUESTIONÁRIO 1 QUESTIONÁRIO 2
O que você entende por � Aspectos relacionados ao deslocamento das � Mobilidade urbana é o meio pelo qual pode-
Mobilidade Urbana? pessoas, veículos e da locação do mobiliário mos estudar e planejar o transporte e a loco-
(Questionários 1 e 2) urbano no contexto da cidade tendo influência moção de bens e pessoas visando a otimização
significativa no “ir e vir”. dos recursos e preservação dos mesmos.
� É a característica que têm objetos e pessoas de � É a possibilidade de todas as pessoas se loco-
Objetivo – Identificar se transitarem para determinado destino dentro moverem dentro das cidades, sem obstáculos
houve um avanço no grau de certas regras no meio urbano. as quais estas não possam transpor. Ainda,
de conhecimento dos � É a facilidade que o indivíduo tem em se acessarem os meios de transporte e as edifica-
participantes com relação locomover dentro de uma cidade, ou seja, se a ções, sem que encontrem obstáculos intrans-
à questão da mobilidade cidade lhe oferece condições de locomoção poníveis.
e do planejamento dos rápida e segura, tanto a pé quanto de transpor- � É a capacidade (ou possibilidade) das pessoas
transportes. te motorizado, não esquecendo das pessoas e bens circularem pela cidade. Entendemos
com necessidades especiais. que esse termo deva ser ampliado para con-
� É a possibilidade de deslocamento na cidade. templar a zona rural, onde moram pessoas que
Tem relação com a infra-estrutura existente tem necessidades de educação, saúde, consu-
(rede de vias, calçadas, transporte público), mo em geral, além das cargas (produção agrí-
mas também com a capacidade pessoal em cola, pecuária, etc.). A mobilidade depende da
termos de possibilidade motora, física e de estrutura física (vias, calçadas) mas também
recursos. da condição física e financeira das pessoas,
� A facilidade ou dificuldade com que as pesso- além do sistema de transporte disponível.
as realizam os deslocamentos para efetuar su- � Meio pela qual as pessoas e bens se locomo-
as atividades no espaço urbano. vem nas cidades.
� É a condição oferecida pela cidade do indiví-
duo chegar aos locais que pretende, tais como:
vias, sistema de transporte.
� É como as pessoas se locomovem dentro do
espaço urbano.

MOBILIDADE
URBANA

Recursos Motora Física


Cidade Mobiliário Urbano

Capacidade Transporte Público

Infra-estrutura
A pé Ruas
Meio de Desenvolver
Transporte Transporte Atividades
Calçadas
motorizado

Pessoas Veículos

Deslocamento Locomoção

Tema cujo contexto não está


associado à Mobilidade Urbana

Figura 3: Mapa Cognitivo 1 – Visão geral de Mobilidade Urbana extraída do Questionário 1

Mapa 2 (Figura 6) pode-se observar uma ampliação De acordo com as respostas apresentadas nas Figu-
no elenco de Temas. Muitas das palavras-chave iden- ras 3 e 5 pode-se inferir que, tanto na definição de
tificadas nas respostas do questionário 2 representam mobilidade quanto na determinação dos problemas
os Temas considerados mais importantes na avaliação associados à mobilidade, os técnicos municipais não
dos participantes no Módulo I do sistema PLANUTS incorporaram o conceito de sustentabilidade em suas
(Crescimento Urbano, Sistema Viário, Acessibilidade definições. Aspectos ambientais, econômicos e sociais
Urbana, Impacto Ambiental, Mobilidade Urbana e não foram mencionados pelos avaliadores. Neste sen-
Estratégias Econômicas) e considerados os mais ur- tido, pode-se afirmar que a visão deste grupo ainda
gentes para o município, identificados nas avaliações estava associada ao antigo formato adotado no plane-
do Módulo III (Crescimento Urbano, População Ur- jamento de transportes no Brasil. Em contrapartida,
bana, Acessibilidade Urbana, Mobilidade Urbana e nos resultados apresentados nas Figuras 4 a 6 pode-se
Impacto Ambiental). observar uma ampliação das palavras-chave associa-
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MOBILIDADE
URBANA
Mobiliário Urbano Edificações

Área Urbana e Rural


Motora
Ruas
Acessibilidade
Física Infra-estrutura
Calçadas
Financeira
Desenvolver
Atividades
Meio de Transporte Público
Capacidade
Transporte

Pessoas Bens Ruas

Locomoção Calçadas
Circulação

Preservar
Planejar
Novos Temas Recursos
Tema anterior
Estudar Otimizar
Tema cujo contexto não está associado à Recursos
Mobilidade Urbana

Figura 4: Mapa Cognitivo 2 – Visão geral de Mobilidade Urbana extraída do Questionário 2

Quadro 3: Transcrição das respostas dos especialistas para a questão que trata da identificação dos problemas de Mobilidade Urbana
nos Questionários 1 e 2
QUESTÃO QUESTIONÁRIO 1A QUESTIONÁRIO 2
Quais os problemas da � Integração bairro a bairro, sem passar pelo � Falta de transporte público. Falta de manuten-
cidade que não estão inseri- centro. ção das vias de rolamento. Áreas com vazios
dos neste Plano (mobilida- � Falta integração desses planos. urbanos.
de)? (Questionário 1) � Falta de guias rebaixadas para cadeirantes.
� Forma de crescimento da cidade; prioridade
Calçadas com degraus no sentido longitudi-
do transporte coletivo; transporte de cargas.
nal. Mobiliário urbano próximo ao muro das
*********
casas. Falta de rampas em edifícios sem ele-
Este Plano foi elaborado ************************************* vadores. Falta de ciclovias.
para minimizar quais pro- � Barreiras físicas impostas pelos rios, ferrovias
� Falta de integração entre bairros.
blemas da cidade? (Questi- e rodovias. Cidade muito dispersa, com mui-
onário 1) � Transporte coletivo; rede viária; circulação de
bicicletas. tos vazios urbanos. Deficiência das estradas
rurais, nas calçadas e falta ciclovias. Sistema
X � Espera-se que tenha sido para possibilitar os de transporte coletivo com deficiências de
deslocamentos das pessoas proporcionando horário e rota. Renda de grande parte da po-
Cite alguns problemas conforto, segurança.
relacionados à Mobilidade pulação.
de sua cidade? (Questioná- � Transporte Coletivo. � Falta de interligação entre bairros (várias
rio 2) barreiras físicas), córregos, rodovias e ferro-
via. Bairros dispersos – cidade não compacta.
Falta de opções como ciclovia. Calçadas de
Objetivo - Identificar se
modo geral sem boa acessibilidade. Transpor-
houve um avanço no grau
te coletivo - alto custo.
de conhecimento dos parti-
cipantes com relação a
questão da mobilidade e do
planejamento dos transpor-
tes.

das à mobilidade. Algumas destas palavras-chave po- acontece nos casos aqui apresentados, todas as outras
dem ser encontradas inclusive em outros trabalhos, análises apontam para uma substancial diferença entre
como o de Steg e Gifford (2005), pelo fato de que elas os conceitos de Mobilidade Urbana antes e depois da
representam alguns dos problemas urbanos advindos atividade com a ferramenta computacional. A explica-
da utilização dos meios de transporte motorizados in- ção para essa diferença pode residir no fato de que o
dividuais (utilização do automóvel) e que têm afetado conceito inicial de Mobilidade Urbana dos técnicos
de maneira negativa a qualidade de vida da população. não era amplo. Por este motivo o exercício de capaci-
Esse mesmo padrão de variação foi observado na tação com a ferramenta computacional foi capaz de
análise das demais questões, cujos detalhes podem ser levar a tamanha ampliação da visão inicial.
encontrados em Magagnin (2008). A exemplo do que

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PROBLEMAS DE
MOBILIDADE URBANA

Priorizar Rede viária Circulação Deslocamento Integrar os Integrar os


Bairros Planos

Bicicletas Pessoas
Transporte Transporte Forma de
Cargas Coletivo Crescimento
da Cidade /
Conforto Segurança Expansão
Urbana

Centro (não)

Figura 5: Mapa Cognitivo 1 – Identificação dos problemas de Mobilidade Urbana extraídos do Questionário 1

Acidentes
PROBLEMA DE Meios de Transporte
Inadequada MOBILIDADE URBANA não motorizado
Sinalização
Insuficiente
Bicicleta Charrete
Trabalho e Lazer Aumento na Distância

Expansão Urbana
Rio Ferrovia Rodovia
Dispersão Espacial

Vazios Urbanos
Barreiras Físicas e Naturais
Poluição

Cidade
Zoneamento
Interligar bairros

Congestionament
Baixo investimento
Integrar bairros

Centro (não) Estrada Rural


Problema
Poder Público
Manutenção de Ruas

Renda Transporte Público Falta guias

Falta

Horário Rota Alto custo Calçadas Acessibilidade

Novos Temas Degraus Mobiliário Urbano


Tema anterior
Tema cujo contexto não está associado à
Rampas em edifícios
problemas de Mobilidade Urbana

Figura 6: Mapa Cognitivo 2 – Identificação dos problemas de Mobilidade Urbana extraídos do Questionário 2

estão direta ou indiretamente relacionados a este con-


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ceito ainda não estão, no entanto, muito claros para
uma parcela significativa da população. A proposta
Diversas questões relacionadas ao conceito de mobili- deste artigo era verificar a hipótese de que esta afir-
dade urbana começam a ser discutidas no Brasil, par- mação também se aplica aos especialistas, neste caso,
ticularmente em alguns dos maiores centros urbanos e técnicos ligados às áreas de planejamento urbano e de
regiões metropolitanas. Os problemas urbanos que transportes. Isto foi possível através de uma análise de

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resultados obtidos em questionários aplicados antes e REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
depois do uso de uma ferramenta computacional. A Bardin, L. (1977) Análise de Conteúdo. Edições 70. Lisboa.
Black, J.A., Paez, A. e Suthanaya, P.A. (2002) Sustainable urban transpor-
ferramenta, desenvolvida como parte de um Sistema tation: performance indicators and some analytical approaches.
de Apoio a Decisão para o planejamento da mobilida- Journal of Urban Planning and Development, vol. 128, p. 184-
de urbana, foi concebida para a avaliação de indicado- 209.
Gudmundsson, H (2001) Indicators and performance measures for Trans-
res de mobilidade. Além disso, no processo de atribui- portation, Environment and Sustainability in North America. Re-
ção de pesos e seleção de indicadores, os usuários são port from a German Marshall Fund Fellowship 2000. Individual
study tour October 2000. Research Notes No. 148. Disponível
confrontados com inúmeros aspectos da mobilidade, o em:
que pode levar naturalmente a uma mudança ou am- http://www2.dmu.dk/1_viden/2_Publikationer/3_arbrapporter/rap
porter/AR148.pdf
pliação da visão que têm do conceito. Esse potencial Gudmundsson, H (2004) Sustainable transport and performance indicators.
foi testado através de técnicas de análise cognitiva Em R.E. Hester and R.M. Harrison (ed.) Transport and Environ-
aplicadas a dois questionários, como descrito na me- ment, Issues in Environmental Science and
Technology. The Royal Society of Chemistry, p. 35-64, Cam-
todologia, permitindo confrontar a percepção dos usu- bridge, U.K.
ários acerca do conceito de mobilidade urbana antes e Litman, T (2006) Evaluating Transportation Land Use Impacts. Victoria
Transport Policy Institute. GTZ Transport and Mobility Group.
depois do uso da ferramenta em um estudo de caso. Disponível em: http://www.vtpi.org
Desta forma, foi possível avaliar a hipótese inicial de Loukopoulos, P. e Scholz, R.W. (2004) Sustainable future urban mobility:
using area development negotiations for scenario assessment and
que a visão de mobilidade urbana dos técnicos pode participatory strategic planning. Environment and Planning A,
ser também restrita. vol. 36, p. 2203-2226.
De acordo com dados coletados antes do uso da fer- Nicolas, J.-P.; Pochet, P. e Poimboeuf H. (2003) Towards sustainable
mobility indicators: application to the Lyons conurbation. Trans-
ramenta, através do Questionário 1, a mobilidade ain- port Policy 10, p. 197–208.
da era entendida essencialmente como sinônimo de Magagnin (2008) Um Sistema de Suporte à Decisão na internet para o
planejamento da Mobilidade Urbana. Tese (Doutorado). Escola
planejamento de infra-estrutura (sistema viário), ou de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São
seja, ainda estava muito presente a definição do plane- Carlos.
jamento de transportes através de uma visão tradicio- Ministério das Cidades (2006). Curso Gestão Integrada da Mobilidade
Urbana. Módulo I: Política Nacional de Mobilidade Urbana. Mi-
nal. A metodologia aplicada para a avaliação dos dois nistério das Cidades, Programa Nacional de Capacitação das Ci-
questionários permitiu constatar que pode haver a in- dades, Brasília, Março, 2006. Disponível em:
http://www.cidades.gov.br/CursoSemob/modulos.html
corporação de uma nova visão na construção do co- Ministério das Cidades e IBAM (2004) Mobilidade e Política urbana:
nhecimento sobre a realidade da cidade, através da Subsídios para uma Gestão Integrada. Disponível em:
http://www.cidades.gov.br/media/MobilidadeePoliticaUrbana.pdf
identificação e ordenamento dos problemas de mobi- Pereira, J.C.R. (2001) Análise de dados qualitativos: estratégias metodo-
lidade. Estes elementos foram identificados na compa- lógicas para as ciências da saúde, humanas e sociais (3ª ed).
ração dos mapas cognitivos através de “novas pala- EDUSP. São Paulo.
Pidd, M. (2003) Tools for Thinking. Modelling in Management Science.
vras-chave”, o que permitiu verificar uma mudança de John Wiley & Sons. (2nd ed), England, UK.
paradigma (através da ampliação do conhecimento) Richardson, B.C. (2005) Sustainable transport: analysis frameworks. Jour-
nal of Transport Geography, vol. 13, p. 29–39.
sobre as questões que envolvem o planejamento da Sant’Anna, R.M. de (2007) O ambiente viário na percepção de pedestres
mobilidade no município. idosos: uma contribuição da psicologia social. Anais do XXI Con-
gresso de Pesquisa e Ensino em Transportes. Rio de Janeiro - RJ.
Em síntese, pode-se afirmar que a metodologia ado- Anais em CD.
tada permitiu demonstrar que havia inicialmente uma Silva, A.N.R.; Costa, M.S.; Macedo, M.H. (2007) Multiple Views of Sus-
visão parcial da mobilidade por parte dos técnicos. tainable Urban Mobility in a Developing Country – The Case of
Brazil. Proceedings of 11th World Conference on Transport Re-
Mais ainda, a aplicação levou à conclusão de que pa- search, WCTR, Berkeley. Anais em CD.
rece ter havido uma significativa ampliação do grau Steg, L. e Gifford, R. (2005) Sustainable transportation and quality of life.
Journal of Transport Geography, vol. 13, p. 59-69.
de conhecimento dos participantes na definição dos UITP (2004) Ticket to the Future 3 stops to Sustainable Mobility. Disponí-
temas que envolvem a Mobilidade Urbana ao usarem vel em: http://www.uitp.org/Project/pics/susdev/Brochure-EN.pdf
a ferramenta computacional. Isso torna a ferramenta
particularmente útil para o planejamento da mobilida-
de, pois além de auxiliar diretamente no processo de
planejamento, leva ao mesmo tempo a uma ampliação
da visão que os técnicos possuem do foco da sua ati-
vidade, a mobilidade urbana.

AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem ao CNPq, à CAPES e à FAPESP por contribuírem
para diferentes fases do desenvolvimento da pesquisa que deu origem a
esse artigo.

TRANSPORTES, v. XVI, n. 1, p. 25-35, junho 2008 35

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