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UNEB – Universidade do Estado da Bahia

DCH – Departamento de Ciências Humanas, campus IV Jacobina – BA


Colegiado de Direito
Curso de Bacharelado em Direito – Direito Civil IV

Queiliane Santos Lopes1


Professor Emanuel Lins Freire 2

TEORIA SIMPLIFICADADA POSSE - RUDOLF VON IHERING

Rudolf von Ihering já inicia sua obra Teoria Simplificada da Posse, declarando que uma
das características pela qual se distingue o jurista de qualquer outro homemestá na
diferença radical que se estabeleceentre as noções de posse e de propriedade, bem
verdade que, na linguagem comum, essas expressões são empregadas
comoequivalentes. Porém aqui cabe salientar que o possuidor de uma coisa móvel nem
sempre é o seu proprietário.

A posse é o poder de fato, e a propriedade o poder de direito sobre a cosia, ambas


podem estar juntas em uma relação, como também podem estar separadas. Essas
hipóteses podem ocorrer de duas formas: o proprietário transferir a pose para outrem e
manter a sua propriedade, ou a sua posse ser lhe arrebatada contra a sua vontade. Então
a distinção que se dá no primeiro caso é de posse justa (possessiojusta) e o proprietário
deve respeitá-la, já no segundo de posse injusta (possessioinjusta) e o proprietário pode
acabar com ela por uma ação judicial.

A posse traz consigo o direito de possuir(jus possidendi),utilização econômica da


propriedade tem por condiçãoa posse, assim a propriedade sem a posse é como um
tesouro sem chavepara abri-lo, sua importância prática aplica-se na utilização
econômica da propriedade, que por sua vez consiste, segundo a natureza das coisas, no
uti, frui, consummere(usar, fruir, consumir). A posse, como tal, não tem nenhum valor
econômico, e não o adquire senão porque torna possível a utilização econômica da
coisa. Seu valor consiste unicamente em ser um meio para obtenção de um fim. Daí
resulta a compreensão que tirar a posse é paralisar a propriedade, por isso há
necessidade de proteção possessória.

1
Aluna do Curso de Bacharelado em Direito da UNEB, 5º semestre. E-mail: queila_14cf@hotmail.com
2
Professor Curso de Bacharelado em Direito da UNEB, componente curricular: Direito Civil IV –
Direitos Reais
Ihering trata ainda desse tema no Direito Romano, onde a posse do proprietário tem
uma forma muito mais ampla, o proprietário tinha o direito de recuperar a sua posse se
outro a tivessem tirado. Esse direito era o reivindicativo, e para que essa ação tenha
validade não havia necessidade de o réu possuir em suas mãos a coisa, no momento da
demanda, mas que se supunha a existência da posse na pessoa do réu. Havia também a
actiopubliciana destinada ao bonaefideipossessor (possuidor de boa-fé).

Em resumo temosrelacionado a posse com a propriedade: a posse é indispensável ao


proprietário para utilização econômica de sua propriedade; resulta disso que a noção de
propriedade acarreta necessariamente o direito do proprietário à posse; esse direito não
poderia existir se o proprietário não estivesse protegido contra a posse injusta; a
proteção do direito possessório do proprietário deve-se ampliar ainda contra terceiros
possuidores, sendo uma questão aberta para o legislador.

O direito de reclamar a restituição da posse contra possuidores estendeu-se, mais tarde,


a outras pessoas distintas do proprietário, àquelas pessoas a quem o proprietário
concedeu o direito de utilizar a coisa (direito de superfície e enfiteuse); e aqueles quem
garantiu o pagamento de seus créditos (hipoteca). A essas pessoas é dado o atributo de
jus in re (direito sobre a coisa).A posse, portanto, é a condição do nascimento de certos
direitos e concede por si mesma a proteção possessória (jus possessionis em oposição ao
jus possidendi). Logo, a posse é a base do direito.

O proprietário conserva sua propriedade mesmo depois de ter perdido a posse. Uma vez
que posse e propriedade não confundem, poderá a propriedade nascer sem posse, da
mesma forma, era de se esperar, que uma simples convenção sem entrega da posse fosse
o bastante para transferir a propriedade. Desde o Direito Romano se exige o ato da
tradição para esse fim. A propriedade não aparece sem posse senão na aquisição a título
de herança ou legado. A posse, entre vivos, é indispensável para se chegar à
propriedade. A aquisição da propriedade das coisas sem dono tem também por condição
a apropriação da posse. Em todos esses casos, a posse tem importância somente como
um ponto de transição momentânea para a propriedade.

Devemos considerar que há outro modo de aquisição da propriedade em que ela passa
de um estado de transição para uma situação duradoura, temos aqui a usucapião,
contudo é preciso que concorram certas condições, as mesmas a que se refere à proteção
jurídica da boa-fé contra terceiros. A prescrição também revela a estreita correlação
entre posse e a propriedade, pois a posse novamente surge como caminho que leva à
propriedade, contudo mais demorado, por faltarem às condições que concorrem.

Na teoria da posse, a doutrina não trata dos casos em que a posse aparece como
condição de aquisição da propriedade. Esta fica a cargo da teoria da propriedade. Aqui a
posse aparece como tão-somente uma das múltiplas condições de que depende o
nascimento do direito. A idéia fundamental da teoria da posse é o direito que tem o
possuidor de preservar sua relação possessória até que se encontre alguém que o abale.
O possuidor é protegido contra todo ataque que esbulhe ou perturbe a sua relação
possessória.

As coisas sobre as quais um direito de propriedade não é possível, não podem ser objeto
de posse no sentido jurídico, sendo preciso aplicar-se a mesma regra aos que não podem
ser proprietários. Onde a propriedade não é possível, objetiva ou subjetivamente, a
posse também não o é. Em certos casos em que o proprietário tenha abandonado, por
meio de contrato, a coisa a outrem, com a reserva de ser-lhe devolvida posteriormente
com ou sem condições (posse derivada), o Direito Romano concede a posse a certos
detentores temporários (enfiteuta ou colono hereditário) e nega-se a outros (colono e aos
arrendatários ordinários).

A relação possessória destituída de direito garante a posse a quem se apoderou da coisa


com violência em detrimento daquele que a obteve de um modo justo. Caso que se
configura na relação possessória com terceiro com que se obrigou por contrato a deixar-
lhe a coisa durante o termo do arrendamento ou aluguel. Se reclamá-la antes da
expiração do arrendamento, deve restituí-la, de outro modo se faz réu de um esbulho.
Cabe ação de reparação por danos pelo não cumprimento contratual, mas deve restituir a
coisa sem oposição. O arrendador tem contra ele o direito de fazer-se justiça e, se for o
caso, proceder contra ele com o interdito possessório. Os romanos explicam isso
afirmando que o colono não tem posse própria, simplesmente o exercício da posse de
outro.

Para que haja posse é preciso que na pessoa do possuidor exista a mesma vontade que
na do proprietário (animus domini). Essa vontade existe no proprietário real, mas
também no putativo e naquele que se apoderou da coisa alheia, mas ela não existe
naquele cuja posse se deriva do proprietário e reconhece a propriedade de outrem.
Segundo Ihering, Savigny considerava razão para o Estado garantir a posse ao possuidor
injusto como garantia da paz e da ordem pública. Segundo o Direito Romano, o
possuidor natural e as pessoas incapazes de possuir deveriam ter igualmente direito a
serem protegidos, por ser da mesma forma esta garantia procurada em defesa da paz e
ordem pública, quer seja na própria pessoa ou na pessoa do possuidor jurídico. Do
mesmo modo, a posse se protege em atenção à vontade da pessoa. Isto explica a razão
da proteção possessória, dada no Direito Romano, com o intuito de dar proteção à
propriedade.

Assim a posse representa a propriedade em seu estado normal. A posse é a


exterioridade, a visibilidade da propriedade. O possuidor é o proprietário presuntivo,
pois muitas vezes a prova da propriedade se mostra impossível, como no caso dos bens
móveis. A proteção possessória aparece como um complemento indispensável da
propriedade. O direito de propriedade sem a ação possessória seria a coisa mais
imperfeita do mundo. No direito atual, a organização da propriedade não se baseia tanto
no direito da propriedade e na ação reivindicatória como na segurança da posse. Desta
forma, a proteção possessória é uma facilidade para proteger a propriedade. Onde a
propriedade é impossível, a posse também o é. Assim, a posse é a exteriorização da
propriedade que o direito deve proteger.

A propriedade e a posse nada têm de comum e por isso não podem de forma alguma ser
confundidas. Dessa maneira, o direito não pode objetar ao autor que é proprietário ou
que tem um direito obrigacional sobre a coisa. A proteção possessória não foi
introduzida para o proprietário, mas para o possuidor. A proteção possessória do Direito
Romano não pode ser entendida senão do ponto de vista da propriedade. O
desenvolvimento histórico da proteção possessória assim como a organização
dogmática da teoria possessória por parte dos juristas romanos basta para demonstrar a
existência dessa relação legislativa entre a propriedade e a posse.

Dessa forma, é possível concluir que a posse constitui condição de fato da utilização
econômica da propriedade, o direito de possuir é um elemento indispensável da
propriedade, a posse é a guarda avançada da propriedade, a proteção possessória
apresenta-se como uma posição defensiva do proprietário, com a qual pode ele repelir
com mais facilidade os ataques dirigidos contra a sua esfera jurídica, nega-se onde quem
que seja que a propriedade seja juridicamente excluída, em tudo aparece a relação da
posse com propriedade. A questão, a saber, é se posse é um direito ou um fato, para a
maioria ela é um direito. A posse nasce puramente do fato, sem pressupor um direito. A
posse é um direito de uma espécie particular, por sua natureza diferente dos demais.
Para se aplicar a uma relação jurídica uma distinção teórica de caráter geral, é
necessário determiná-la com precisão.

Os direitos são os interesses juridicamente protegidos. Ou ainda “legalmente


protegidos”, uma vez que a lei é única fonte do direito no sentido objetivo. O interesse
em abstrato será decisivo para o legislador no estabelecimento de todos os tipo jurídicos
sem exceção. O direito é, sob o ponto de vista concreto, absolutamente independente da
questão do interesse. Em alguns casos concretos, esta idéia não corresponde, como as
chamadas pelo autor de obrigações interessadas, como, por exemplo, o mandato. Nestes
casos é preciso a posse de um interesse concreto para dar ao juiz uma medida de
avaliação. Há ainda os casos citados em lei em que a falta de interesse opõe-se ao
exercício de certas faculdades.

Partindo-se, pois, da definição que os direitos são os interesses juridicamente


protegidos, chega-se a ao reconhecimento do caráter de direito à posse. A posse
constitui a condição da utilização econômica da coisa. A esse elemento substancial de
toda noção jurídica, o direito acrescenta na posse a proteção jurídica e, com ele, todas as
condições jurídicas de um direito. Se a posse não fosse protegida, não constituiria senão
uma relação de fato sobre a coisa, mas, na medida em que é protegida, reveste o caráter
de relação jurídica, o que vale tanto como um direito.

Um fato não é um direito. Porém, quando a lei concede a um fato consequências


jurídicas que favoreça a uma determinada pessoa, que coloca na situação de assegurá-la
por meio de uma ação, provoca a produção do conjunto das condições legais que
chamamos direito. Assim, aplicando-se o conceito à posse: “ao fato do nascimento da
posse a lei liga a conseqüência jurídica de que o possuidor pode exigir de terceiros o
respeito para a situação possessória”. Em qualquer fato que engendrem conseqüências
que a lei garante ao interessado, por meio de uma ação própria, exclusivamente
destinada a esse fim, classificamos esse fato como geradores de um direito.

Na posse, a manutenção da revelação do fato é condição do direito à proteção. O


possuidor não tem um direito senão enquanto ou quando possui. No direito de posse, o
fato é condição permanente. Todo interesse que a lei protege deve receber do jurista o
nome de direito, considerando-se como instituição jurídica o conjunto dos princípios
que a ele se referem. Dessa forma, a posse, como relação da pessoa com a coisa, é um
direito e, como parte do sistema jurídico, é uma instituição do direito. A posse aparece
como uma relação imediata da pessoa com a coisa, logo pertence ao direito das coisas.
A propriedade é o centro de todo direito das coisas. A proteção possessória e a
propriedade putativa são como instituições paralelas ao direito de propriedade. Com elas
relacionam-se os direitos reais sobre a coisa alheia, isto é, os direitos revestidos da
proteção absoluta.

A simples proximidade espacial da pessoa com a coisa não cria a posse; é preciso para
isso a vontade (animus), que estabelece um laço entre elas. A aquisição da posse não
pode ser procurada senão mediante um ato especial da vontade da pessoa dirigida para
esse fim. Para aqueles incapazes de vontade (etária ou mentalmente) é necessário o ato
do tutor. Essa vontade deve tentar possuir a coisa como própria. A falta desta vontade é
o que caracteriza a mera detenção. A diferença está, não na natureza particular da
vontade de possuir, a qual não tende nunca à apreensão da coisa, mas na disposição
legal que, conforme a relação, faz nascer, ora a posse, ora a detenção ou apreensão. A
simples declaração da vontade não é suficiente para adquirir-se a posse, é preciso
também à manifestação real da vontade.

A vontade pode preceder à apropriação corpórea da coisa. Não é preciso o ato de


apreensão pelo possuidor mesmo, porque a relação de fato existe e a vontade do
possuidor manifestou-se de antemão. Dá-se o no nome de corpus à relação exterior da
pessoa com a coisa estabelecida pela apreensão. É o poder físico do fato sobre a coisa,
segundo os romanistas. Mas a posse não é o poder físico, mas a exterioridade da
propriedade. Onde não é possível a propriedade, também não o é a posse. Para a
categoria de coisas semoventes, não há poder físico sobre a coisa; a segurança do
possuidor não se funda em achar-se na situação de excluir a ação das pessoas estranhas,
mas em que a lei proíbe essa ação. Ou seja, apóia-se não em um obstáculo físico, mas
em um obstáculo jurídico.

Da mesma forma alguns bens imóveis também se acham livre de impedimentos físicos
para ação de terceiros. A posse se protege com o direito não para dar ao possuidor a
satisfação de ter poder físico sobre a coisa, mas para tornar possível o seu uso
econômico em relação às suas necessidades. Para certas coisas, o ponto de vista do
poder físico é perfeitamente exato: são aquelas que para serem garantidas devem ser
guardadas, sob sua proteção. Essas coisas são as que se podem guardar e defender. Em
resumo, existem duas formas de relação possessória entre a pessoa e a coisa, sobre
coisas que se podem guardar e defender.

A noção de posse oferece a terceiros a possibilidade de reconhecerem se há realmente


posse. Isto é, a questão da posse é julgada conforme a destinação econômica. A posse
reconhece-se exteriormente; os terceiros podem saber se a relação possessória é normal
ou anormal. Dá-se interesse jurídico à posse perturbada ou ameaçada e ao possuidor a
possibilidade de defender seu direito. No Direito Romano, havia ainda os interditos
quase-possessórios e diziam respeito às servidões rurais de águas e de caminhos para
superfícies. O caráter de ação possessória comparado com a ação petitória era
observado tanto com relação à restrição do litígio em questão de posse como em relação
à falta de sua decisão sobre a questão de direito. A relação da posse com o direito reside
no fato de que o que se protege na posse não é o estado de fato como tal, mas um estado
de fato que pode ter por base um direito e, por conseguinte, pode ser considerado como
o exercício ou a exterioridade de um direito.

Onde não há propriedade não pode haver posse, corresponde dizer onde não há direito
não pode haver pose de direito, ou, em linhas processuais, onde não há petitório não
pode haver possessório. Para a proteção possessória a possibilidade do direito e a
exterioridade de seu exercício são suficientes para reivindicar a proteção do Estado.
Para a quase-posse o que implica é uma pretensão de direito. A posse dos direitos é de
grande importância para a teoria possessória. A noção de posse deve compreender a
posse das coisas e a dos direitos. A posse dos direitos transpõe a exterioridade do
direito. A posse das coisas é a exterioridade da propriedade; a dos direitos é a
exterioridade dos direitos sobre a coisa alheia.

O ponto de vista da exterioridade do direito cria um laço entre o fato e o direito


apresentando-se como um elemento proporcionado pela noção do direito mesmo. O
exercício do direito e a proteção que a lei concede a esse estado de coisa acham a sua
justificação na circunstancia de que na maioria dos casos coincidem com o direito. Se o
estado de puro fato fosse protegido como tal, deveria sê-lo também onde ele não
pudesse ser considerado como o exercício de um direito.

Em resumo, o Direito Romano protege na posse a exterioridade do direito; criou esta


proteção em favor daquele que tem o direito, mas para procurá-la tinha de permitir que
participasse dela também aquele que não tivesse direito. Para aquele que não tem
direito, a proteção possessória é somente provisória; para o outro, conta o qual ninguém
pode ir pelo caminho do direito para esbulhá-lo da posse, a proteção é definitiva. A
teoria possessória até então, desconhecia esse fim legislativo da proteção possessória, e
em sua construção da teoria da posse tomo por ponto de partida, não aquele que tem o
direito, mas o que não tem.

A posse das coisas no Direito Romano supunha, em primeiro lugar, uma perturbação ou
uma ameaça na posse de uma coisa imóvel e tendia à manutenção do estado existente
das coisas. Em segundo lugar, supunha um esbulho injusto de quaisquer coisas, móveis
ou imóveis, e a condenação do réu a restituí-los. Essa idéia está presente em várias
legislações em que o interesse na questão da posse é um elemento fundamental.

A posse dos direitos alcançou no desenvolvimento do direito moderno uma extensão


bem extraordinária. A idéia básica é a de que todo individuo que se acha no gozo
pacifico de um direito qualquer, ao qual corresponde um exercício prolongado, e de
qualquer espécie que seja o direito, monopólio, privilégio, direito patrimonial ou da
família, constante em um estado de fato, em atos daquele que tem direito, ou em
prestações do obrigado, tais como o pagamento de rendas, prestações, etc, deve ser
protegido provisoriamente nesse gozo quando lhe seja disputado, até que a não-
existência do direito se justifique judicialmente.

Referências

JHERING, Rudolf von. Teoria Simplificada da Posse. Tradução: Fernando Bragança.


Belo Horizonte - Editora Líder, 2005.

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