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Imposto

Imposto
Sobre
SobreHerança
Herança
O Pior Tipo
O PiorPossível
Tipo
de Tributo
de Tributo Possível
Paulo Kogos
Paulo Kogos
propriedade privada é um direito

A natural do ser humano, sendo a ti-


tularidade das possessões um coro-
lário da Lei Natural. Esta, como observou São
Tomás de Aquino1, é complementada por esses
títulos de posse advindos da razão humana.
O exercício do direito à propriedade não
se limita à liberdade do proprietário de usu-
fruir um bem como ele desejar (contanto que
não viole direito de outrem), mas também de
transferi-lo livremente a quem ele quiser, em
vida ou post-mortem, conforme manifesto em
testamento. Rufinus, jurista canônico do Sé-
culo XII, nos lembra: “nada é mais devido a um
homem que o cumprimento da sua derradeira
vontade, pois que ele é incapaz de modificá-la
posteriormente”.2
Tributar a herança é, portanto, uma viola-
ção imediata do direito à propriedade privada.
O grande cardeal Mercier ressalta que, dada
a natureza subsidiária do matrimônio e da pa-

29 de julho de 2017. Discussão em AncapChannel. □
1
AQUINO, São Tomás de. Summa Theologica. 1274. Benziger
Bros 1947. Página 1969. □
2
RUFINUS, Summa. 1159. C.13 q.2 v. ultima volutas, Página 335.□
ternidade, a lei natural determina que o uso
ordenado das posses do chefe de família, ainda
no seu tempo de vida, necessariamente im-
plica em considerações morais que incluam
seus filhos.3 Logo, a criança também é imedi-
atamente agredida pela vigência da modali-
dade de tributo da qual trataremos neste ar-
tigo. Todo imposto é criminoso e consiste em
uma forma sistemática de assalto a mão ar-
mada4. Mas o imposto sobre herança é o pior
deles, tanto moralmente quanto pelas suas
consequências nefandas.
Trata-se de um imposto sobre a virtude.
Uma punição àquele que se abstém do con-
sumo para que, na sua ausência, seus entes
queridos possam ter uma vida melhor.
O economista Joseph Schumpeter salien-
tou que o motivo familiar impulsiona o capi-
talista a acumular riqueza e investir a longo
prazo. No processo, ele provê à civilização os
3
MERCIER, Desiré-Joseph. A Manual of Modern Scholastic
Philosophy. 1916. Vol II, Página 314. □
4
Para uma discussão ética e moral mais profunda sobre impostos
ver:
KOGOS, Paulo. Imposto é Roubo e Estado é Gang Parte II. □
bens de capital necessários ao aumento da pro-
dutividade. Esta é a responsável pela melhora
do padrão de vida das massas.
Sem a motivação familiar, o horizonte tem-
poral do empreendedor é encurtado5. Se o es-
tado abocanhar parte daquilo que os pais le-
gam aos filhos, haverá um desestímulo à pro-
vidência intergeracional.
As famílias tenderão a consumir patrimô-
nio em detrimento da poupança e do reinves-
timento em meios de produção. Como con-
sequência, haverá uma diminuição da forma-
ção bruta de capital fixo, reduzindo a produti-
vidade marginal da mão-de-obra. O resultado é
o aumento do desemprego e a diminuição dos
salários e do padrão de vida de toda a popula-
ção. O economista Murray Rothbard sintetiza:

“A demanda por qualquer fator de


produção, inclusive trabalho, é cons-
tituída pela produtividade deste fator
(. . . ). Quanto mais produtiva a fábrica,
maior a demanda dos empregadores
5
SCHUMPETER, Joseph. Capitalism, Socialism & Democracy.
1943 Routledge 2003. Páginas 160 e 161. □
(por trabalhadores) e maiores os salá-
rios.”6

As máquinas, veículos, instalações, labo-


ratórios, ferramentas e linhas sustentáveis de
crédito são viabilizadas pelo capital acumu-
lado pelas gerações anteriores e administrado
pelos herdeiros que visam expandir o patrimô-
nio para seus descendentes.
Se este capital é confiscado pelo estado ele
perde sua função econômica. Burocratas do
governo não possuem incentivo para investir
estes recursos com zelo e sim para gastá-lo se-
gundo critérios de demagogia política visando
a concentração de poder.
A burocracia estatal não poderia agir de
forma economicamente racional nem se qui-
sesse, pois não possui as informações tácitas
específicas das quais dispunham os proprie-
tários legítimos. Tampouco há um sistema de
preços fidedigno para racionalizar a alocação
destes recursos escassos, pois o governo não
está sujeito aos mecanismos de lucro e pre-
6
ROTHBARD, Murray. Making Economic Sense. Ludwig von
Mises Institute 2007. Página 360. □
juízo do mercado.
O imposto sobre herança, portanto, queima
capital. Isto é especialmente prejudicial ao po-
bre. O crescimento de pequenos negócios é in-
viabilizado à medida que a escassez de capital
eleva as taxas de juros. Esta é também soer-
guida pela distorção do mercado de capitais
causada por esta modalidade de tributação.
Para diminuir o montante pago pelos seus
herdeiros, o capitalista deixa de investir em
ações ou nas próprias operações e passa a man-
ter seus recursos em conta corrente.
O capital de risco é desviado para o ca-
pital disponível para empréstimo. Conforme
explica o economista Ludwig von Mises, tal
sistema tributário, “ao aumentar a parcela de
capital de empréstimo em relação à parcela
investida diretamente no capital das empre-
sas, tornaria as operações de empréstimo mais
inseguras.”7. Some-se a isso o maior risco em-
presarial causado pelos efeitos recessivos dos
impostos e temos um aumento descomunal da
taxa bruta de juros.
7
MISES, Ludwig von. Ação Humana. 1949. Instituto Ludwig von
Mises Brasil 2010. Página 916. □
A análise econômica refuta o argumento da
esquerda progressista de que o imposto sobre
herança traria justiça social, afinal a redução
do fluxo de poupança elevaria consideravel-
mente a taxa de retorno do capital dos atuais
grandes detentores de riqueza. A mobilidade
social, entretanto, é diminuída. Com menos
herança há menos enriquecimento intergera-
cional, prejudicando o avanço social dos po-
bres e das pessoas sem grandes talentos para
negócios, que são particularmente dependen-
tes desta forma de acúmulo para viver bem.
Quantos talentosos poetas e filósofos seriam
forçados a passar os dias fazendo planilhas em
cubículos corporativos por não terem acesso
à herança, esta formidável mecenas? Pode-se
afirmar peremptoriamente que o acúmulo in-
tergeracional de riqueza é um pilar da sofis-
ticação cultural de uma civilização, e que o
tributo sobre herança é a institucionalização
da barbárie. É a queima de uma biblioteca que
não se vê.
A depredação econômica prossegue. Pes-
soas ricas em imobilizados mas com pouco
caixa disponível prevalecem em setores como
a indústria manufatureira e o agribusiness,
principalmente os pequenos produtores. Sem
dinheiro para pagar os impostos sobre herança,
os herdeiros desses negócios são obrigados a
se desfazer de terra e maquinário, encarecendo
a produção industrial e agrícola.
O meio-ambiente não fica incólume. Áreas
ambientalmente sensíveis, como florestas e
pântanos, servem de reserva para a rotação
de culturas e proteção do solo, além do po-
tencial de uso futuro para o ecoturismo e a
pesquisa científica. O imposto sobre herança
obriga os proprietários a vender essas áreas
ou explorá-las de imediato para fazer caixa. A
degradação do solo e dos mananciais se inten-
sifica, prejudicando inclusive a produtividade
da terra previamente utilizada para a agricul-
tura. Nos EUA, 2,6 milhões de acres de floresta
são desmatados anualmente apenas para pa-
gar impostos sobre patrimônio8.
Outros efeitos econômicos malignos desse
tributo incluem:

8
MILLER, Daniel. The Economics of the Estate Tax: An Up-
date □
• Maior concentração de mercado: negócios
familiares serão engolidos por grandes cor-
porações cuja troca de gestão não confi-
gura herança.
• Custo de oportunidade dos meios de com-
pliance e de defesa: tanto o aparato de en-
forcement deste tributo quanto os advoga-
dos e contadores contratados para reduzir
os danos às famílias consomem recursos
escassos que poderiam ser empregados de
forma verdadeiramente produtiva.
• Menos recursos disponível aos filhos para
cuidar dos pais idosos e dependentes.
• Inflação: a conversão de bens de capital em
ativos líquidos combinada à maior propen-
são ao consumo terá forte efeito inflacio-
nário.

A decorrência mais perversa desse imposto


é a destruição do tecido familiar.
Os pais trabalham e poupam para dar aos
filhos uma vida melhor do que a que eles ti-
veram. Os filhos retribuem cuidando do casal
ancião e fazendo análogo sacrifício em prol
dos netos destes. O pleno direito à herança,
portanto, fortalece os laços familiares.
Mas se a sanha espoliatória do estado im-
pedir o pleno exercício deste direito, os pais
preferirão dar presentes imediatos aos filhos,
que desaprenderão o valor do pensamento de
longo prazo, que pressupõe sacrifício, frugali-
dade e engenho. A perda destes valores destrói
a coesão da família, que agora se vê desprovida
tanto de recursos materiais quanto de força
institucional.
É possível ainda que, na tentativa de deixar
algum legado material duradouro para a prole
a despeito do assalto estatal, um homem passe
tanto tempo labutando que esqueça de dar ao
filho a melhor das heranças, nas palavras do
químico e escritor católico Orlando Battista:
alguns minutos diários de seu tempo. E não
se enganem imaginando que este trabalho ex-
tra aumenta a prosperidade geral. A distorção
de incentivos causada pelo imposto sobre he-
rança faz com que força de trabalho que se
converteria em bens de capital se converta
em consumo, diminuindo a capacidade da eco-
nomia de crescer ou mesmo de compensar a
depreciação.
A capacidade de prosperar na ausência da
herança diminui. Segundo o economista Ti-
mothy Terrell, essa disrupção familiar dimi-
nui a propensão dos pais de transferir capital
intelectual às crianças9, afinal um dos incenti-
vos para tanto é a expectativa de formar bons
administradores do legado familiar. Comple-
mento: o temor de um empreendedor é que os
filhos se acomodem diante da expectativa de
herdar fortunas e não sejam capazes de mantê-
la. Este receio motiva um homem a preparar
seu filho para a responsabilidade de herdar
patrimônio. O imposto simplesmente remove
o suspense e o senso de dever.
É fácil perceber que o imposto sobre he-
rança reduz os incentivos para ter filhos. Ha-
verá, portanto, outra consequência desastrosa:
a redução da população. Teremos menos ca-
pital humano, inversão da pirâmide etária e,
considerando a conjuntura de certos países
europeus, vítimas da jihad demográfica islâ-
mica em forma de “Hegira da Conquista”, até
mesmo implicações estratégico-militares.
9
TERRELL, Timothy. The Family"-Wrecking Tax □
Não é sem razão que Plínio, o Novo, em
Panegyricum, qualifica a Vicesima heredita-
tium, taxa sobre dinheiro herdado cobrada no
Império Romano, como tributum intolerable
(tributo intolerável).
Há aqueles que defendem o imposto sobre
herança sob a ótica da igualdade de oportu-
nidades. Estes deveriam abdicar de todos os
avanços civilizacionais herdados de gerações
passadas, particularmente da Cristandade oci-
dental, e recomeçar a partir da miséria pri-
meva para competir em termos de igualdade
com a tribo dos Mursi na Etiópia, que estão
no paleolítico.
No campo político o cenário é aterrador.
A transferência de capital privado para o
estado expande seu poder de repressão. Este
efeito é reforçado pelo aumento da vigilância
do governo sobre as transações familiares e o
mercado imobiliário. Em última instância, a
propriedade privada é substituída pelo coleti-
vismo e pelo planejamento central.
De fato, esta é a base ideológica moderna
da supressão total ou parcial dos direitos de
herança. Karl Marx defendeu a limitação do
direito de herança em favor do estado como
forma de destruir a propriedade privada10. Fri-
edrich Engels defendeu o confisco dos bens
herdáveis para transformá-la em propriedade
coletiva dos meios de produção11.
Foi isto que Lenin fez em 1918, ao abolir
direitos de herança. Stalin os retomou, mas de
forma parcial e relativa, possibilitando a conti-
nuação dos confiscos durante a crise da Nova
Política Econômica. E é isto que aconteceria
no Brasil. O pensador georgista Frank Chodo-
rov acertou ao dizer que “enquanto o confisco
de propriedade for institucionalizado, a socie-
dade não está imune ao advento do expoente
máximo do socialismo: o comunismo”12.
O imposto sobre herança destrói o legado
das famílias, e portanto de toda a sociedade.
O Primeiro Livro dos Reis, da Bíblia Sagrada,
relata a história de Nabote, que se recusou
10
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto of the Commu-
nist Party. 1848. Marxists Internet Archive 2010. Páginas 26 e
49. □
11
ENGELS, Friedrich. The Origin of the Family, Private Pro-
perty and the State. 1884. Resistance Books 2004. Página 81.

12
CHODOROV, Frank. The Income Tax: Root of all evil.
Ludwig von Mises Institute 2002. Página 13. □
a entregar ao Rei Acabe uma vinha que ele
herdou de seus pais. Acabe mandou matá-lo. É
exatamente isso que o governo e seus impostos
representam. Façamos como o homem bom,
de Provérbios 13:22, que deixa sua herança
para os filhos de seus filhos. ■


Discussão em AncapChannel. Texto retirado de RothbardBrasil.□

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