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Direito Administrativo I
Duarte Canau
Índice:
1. A Administração Pública …………………………………..……………………………………………………2
2. Organização Administrativa …………………………………………………………………………………...7
3. Administração Central…………………………………………………………………………………………..13
4. Competência e Hierarquia……………………………………………………………………………………. 17
5. Superintendência e Tutela……………………………………………………………………………………. 24
6. Administração Indireta……………………………………………………………………………………... ...29
6.1. Institutos Públicos …………………………………………………………………………………………………....30
6.2.Setor Público Empresarial ….……………………………………………………………………………………….32
7. Administração Autónoma...…………………………………………………………………………………..37
8. Delegação de Poderes
...………………………………………………………………………………………….43
9. Administração Independente ...……………………………………………………………………………..46
10. Relações jurídicas administrativas entre a Administração Pública e os particulares ……….. 49
11. Reconhecimento dos direitos subjetivos dos particulares perante a Administração…... 56
12. Pretensa distinção entre direitos e interesses legalmente protegidos…………………………. 65
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1. A
Administração Pública
Noção de Administração Pública:
Administração Pública → conjunto das normas, lei e funções desempenhadas para organizar a
administração do Estado em todas as suas instâncias e tem como principal objectivo o interesse
público.
A Administração pode assumir duas vertentes: a primeira é a ideia de servir e executar e a segunda
envolve a ideia de direcção ou gestão. Nas duas visões há a presença da relação de subordinação e
hierarquia. Administrar significa não só prestar serviços e executá-los, como também governar e
exercer a vontade com o objectivo de obter um resultado útil à colectividade. Significa também
planear e elaborar acções no sentido de enfrentar os problemas vividos diariamente pela sociedade,
ou seja, elaborar políticas públicas que possam orientar as ações governamentais.Entende-se então
que, Administração Pública é a actividade do Estado.
A Evolução Da Administração Pública:
A evolução constitucional do Estado Moderno passou por três diferentes paradigmas
constitucionais, que se distanciam em diversos aspectos, em virtude do momento histórico e social
vivenciado por cada um desses.
No que diz respeito à relação destes Estados com a sociedade civil verifica-se no Estado Liberal, em
virtude da forma de seu surgimento, em oposição da nova classe burguesa ao antigo regime
opressor, uma ampliação da participação da sociedade, com a consolidação dos direitos
fundamentais.
Ao Estado competia apenas a manutenção da ordem interna e da soberania, que fica sobre a alçada
da sociedade de todos os demais aspectos, em especial daqueles relacionados com a economia.
Tinha-se como principal objectivo a proteção da liberdade e da propriedade dos cidadãos,
submetendo a actuação do Estado e da Administração Pública a uma limitação das suas funções,
ficando a AP com a função de aplicar as leis.
A Constituição da época visou à institucionalização de uma ordem jurídica que restringisse o poder
Estatal às funções da garantia da ordem social, da defesa externa e da administração da justiça, mas
em contrapartida consagrou princípios como a igualdade formal, a separação de poderes, a
protecção da propriedade privada e a legalidade.
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Diferentemente, no Estado Social, o Estado e a Administração Pública ganham uma maior
importância no seu papel, com a aproximação da sociedade. Altera-se a regulação estatal sobre a
economia, com uma maior intervenção, bem como os direitos fundamentais, que ganham aspectos
sociais.
A Administração Pública aumenta as suas atribuições, com o controlo estatal sobre o sistema
financeiro e de trabalho, aumentando, desta forma, as actividades assumidas pelo Estado. Em
oposição, o papel do indivíduo é diminuído, através das intervenções do mesmo.
No Estado Liberal(surgiu nos fins do séc. XVIII-XIX), há a consolidação dos direitos
fundamentais, a partir da salvaguarda dos direitos pessoais, sobretudo com a proteção da liberdade
e da propriedade dos cidadãos. Estes são denominados direitos de primeira geração, ou negativos, já
que visam, sobretudo, limitar a actuação Estatal sobre a vida particular, permitindo uma maior
autonomia individual, especialmente na área económica. Destes direitos fazem parte os direitos
civis ou políticos, relacionados com a vida, liberdade, propriedade e igualdade formal.
Pelo contrário, no Estado Social aumentam-se os direitos fundamentais, que ganham aspectos
sociais. Estes são chamados de direitos de segunda geração, direitos coletivos e sociais. Possuem
uma dimensão positiva, visam impulsionar o Estado a efetivar o bem-estar social, e relacionam-se
com o trabalho, a habitação, a saúde, a educação e o lazer.
Por fim, no Estado Democrático de Direito dá-se a consolidação da participação dos cidadãos na
vida política, jurídica e social, com a concretização dos direitos difusos e pessoais homogéneos. São
estes designados por direitos de terceira geração, relacionados ao direito à paz, à autodeterminação
dos povos, ao meio ambiente, à conservação do património histórico, cultural e comunicação,
também podem ser designados como direitos de solidariedade e fraternidade, visto que se destinam
à colectividade.
Assim, a partir do Estado Democrático de Direito o ordenamento jurídico ganha novos contornos,
com o reforço da ideia de segurança jurídica aliada à ideia de justiça, ou seja, na aplicação do direito
ao caso concreto deve-se interpretar o direito tendo em consideração não só as leis existentes, mas
também os princípios constitucionais, para assim encontrar a norma adequada, que traga justiça ao
caso concreto. Desta forma, devem ser consideradas não só as regras estabelecidas, mas, sobretudo,
os princípios constitucionais, que serão aplicáveis aos indivíduos e ao Estado.
O Prof. VASCO PEREIRA DA SILVA entende que o modelo de administração pública do
Estado liberal caracterizava-se por fazer do acto administrativo o seu modo quase exclusivo de agir,
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quanto a organização administrativa por apresentar uma estrutura concentrada e centralizada e
relativamente à fiscalização desta actividade, pelo sistema da justiça delegada.
O Prof. VASCO PEREIRA DA SILVA entende também que a organização administrativa do
Estado liberal pode ser caracterizada pela concentração e centralização, pois o Estado liberal vai
herdar do seu antecessor a organização centralizada do poder. A razão de ser deste modelo
prende-se ao facto do liberalismo pretender dar respostas a algumas exigências políticas, como a
burguesia que precisava de uma estrutura racional e centralizada para eliminar as disparidades locais
e conseguir formação de um mercado nacional, bem como eliminar os entraves feudais e também
precisava de uma administração robusta e energética que procedesse a criação das infra estruturas e
serviços necessários para potenciar a actividade económica e que permitisse a instauração da ordem
política e económica do liberalismo. O liberalismo procurou criar uma estrutura administrativa
racional e eficiente, que lhe permitisse a realização do seu programa político, neste modelo o poder
público é organizado como um corpo unitário, igualmente difundido pelo centro e pela periferia,
distribuído por matérias ou grupos de matérias, a administração adquiriu assim uma estrutura
unificada e hierarquizada, em que as competências dos diversos órgãos se encontram encadeadas à
semelhança de uma pirâmide.
O Estado Liberal vai procurar, através do seu modelo de justiça delegada, conciliar os interesses da
administração com a protecção dos particulares, a ideia de controlo da administração por uma
entidade independente, mas com poderes limitados, correspondia ao ambiente de direito do Estado
liberal.
Por um lado assegurava-se a primazia da administração, através da sua fiscalização por um órgão
que apesar de exercer uma função jurisdicional, integrava-se no poder administrativo e cujos
poderes de fiscalização limitavam-se à anulação dos actos administrativos, por outro lado,
garantia-se a protecção dos direitos individuais, a qual era realizada sobretudo através da lei e não de
meios jurisdicionais.
Para os liberais a administração devia submeter-se ao princípio da legalidade, entendendo-se que a
melhor defesa dos direitos dos cidadãos era a que provinha da lei, enquanto manifestação da
vontade geral.
Tarefas da Administração Pública:
Toda a administração pública envolve implementação de tarefas: a administração pública, visando
a satisfação de necessidades coletivas, desenvolve uma multiplicidade de tarefas que, assumindo
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natureza instrumental, procura alcançar esse prepósito. Neste domínio integram-se, sem prejuízo
do seu cruzamento ou cumulação, as seguintes principais tarefas da administração pública:
1 - Recolha e tratamento de informações;
Quem tem a informações tem o poder efetivo de decisão. A multiplicação de fontes de informação
fez aumentar o protagonismo das estruturas administrativas. Neste domínio, a administração
pública tem uma vantagem face ao parlamento e aos tribunais, ampliada pela reserva constitucional
de iniciativa legislativa da proposta de lei o orçamento de estado.
2 Previsão e antecipação de riscos;
Nas últimas décadas, por efeito do progresso científico e tecnológico, assistiu-se a uma evolução da
“sociedade técnica de massas” para uma “sociedade de risco”: o risco pressupõe técnica e a técnica
gera risco. A administração pública mostra-se permeável às temáticas a prevenção e minimização
dos riscos públicos, submetendo a regulação e a controlo diversos domínios de atividade. A
moderna sociedade mostra uma patológica preocupação em áreas referentes à segurança, ao
ambiente, urbanismo, e em geral, à sustentabilidade e a tudo aquilo que possa colocar em causa o
bem-estar.
Neste sentido, a Administração pública tem de prever, antecipar e prevenir riscos, tanto das
gerações presentes como até das gerações futuras, informando, orientando e influenciando
condutas dos cidadãos. A administração pública desenvolve uma atividade prospectiva, traçando
cenários de previsão evolutiva da realidade, antecipar riscos e procura minorá-los ou reduzir a zero o
perigo da sua verificação, planejando e organizando meios de ação.
3- Regulação ordenadora
A administração desenvolve uma tarefa decisória que se traduz na regulação ordenadora e
conformadora de tais situações (regulação primária) ou de anteriores decisões jurídicas versando
sobre tais situações (regulação secundária).
- Resolve situações concretas através da aplicação de critérios normativos de decisão;
- Elabora normas;
- Prepara decisões do poder político, do poder legislativo e até do próprio poder judicial;
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4 - Execução de anteriores decisões
A administração pública configura-se sempre como expressão executiva da vontade do legislador:
administrar era executar a vontade geral, isto é, a lei proveniente do parlamento- tratava-se de um
modelo ideal de administração serva da lei. Importa também atender que hoje:
- a administração pública pode executar diretamente da CRP, atos de direito internacional público,
direito da união europeia, do poder judicial e do próprio poder político;
- a execução de tais atos confere à administração pública um papel ativo na determinação
interpretativa do seu sentido, na concretização de uma normatividade principialista, de conceitos
indeterminados, de cláusulas gerais, além da resolução de eventuais antinomias e integração de
lacunas;
- a execução administrativa de anteriores decisões nem sempre se faz através da emanação de atos
jurídicos, podendo também ser feita através de uma atividade material ou prestacional de bens e
serviços, tendentes à satisfação concreta de necessidades coletivas;
5- Controlo da atuação
A administração pública desenvolve uma tarefa de controlo, fiscalizando, por iniciativa própria ou
a pedido de terceiro, averiguando, ajuizando a validade, da conveniência ou da oportunidade das
ações ou omissões, resultantes:
- da sua própria conduta;
- da conduta de privados que exercem funções públicas;
- da conduta de particulares, que sem exercerem funções públicas, desenvolvem atividades do setor
privado ou do setor corporativo e social com relevância ou utilidade pública que, à luz do princípio
da proporcionalidade, justifique essa intervenção de controlo administrativo;
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2. Organização Administrativa
A atual Constituição da República Portuguesa consagra inúmeros princípios fundamentais de
um Estado de Direito como aquele em que vivemos. Muitos destes princípios têm grande
relevância ao nível do Direito Administrativo uma vez que muitos deles são especificamente
direcionados para a Administração Pública. Assim, podemos distinguir duas vertentes dos
princípios gerais da organização administrativa.
1) princípios da Administração Pública em sentido orgânico ou subjetivo, que permitem
delinear a forma como devem decorrer as relações entre os sujeitos administrativos.
2) princípios da Administração Pública em sentido material ou substantivo, que
estabelecem a forma como deve actuar a Administração Pública no exercício da função
administrativa.
Estes princípios gerais da Administração Pública estabelecem, por um lado, o modo como deve
decorrer a fiscalização da constitucionalidade, por parte dos tribunais competentes para este
efeito, dos atos praticados pela Administração Pública que, sob pena de inconstitucionalidade,
devem seguir as regras fundamentais estabelecidas na CRP. Por outro lado, é de referir que estes
princípios não têm o intuito de fundamentar o exercício de uma competência regulamentar
consagrada na CRP, pelo que é necessário respeitar a densificação dos conceitos associados aos
vários princípios como forma de reserva de lei.
➥Princípios gerais da Administração Pública em sentido orgânico ou subjetivo:
Neste âmbito podemos elencar a existência dos seguintes princípios:
- princípio da subsidiariedade do Estado: É de referir que aquilo que pode ser feito
pelas entidades menores ou mais próximas não deverá ser feito pelas entidades públicas
mais elevadas e distantes, mas se as entidades públicas menores não o puderem fazer ou
fizerem de forma ineficiente tal deverá ser realizado pelas entidades mais elevadas.
- princípio da descentralização do Estado: É necessário que exista uma estrutura
estadual caracterizada pela existência de uma pluralidade de entidades que assegurem a
realização de determinadas funções de forma a que o Estado não concentre em si todos
os poderes. Assim, existem diferentes centros de decisão e de imputação de efeitos
jurídicos que garantem também o proteção do princípio da separação de poderes. É neste
sentido que é possível fazer a distinção entre as funções políticas, legislativas e a administrativas
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e o Estado em si. Quer isto dizer que, a descentralização se preocupa com existência de outras
pessoas coletivas públicas, para além do Estado, que prossigam também elas interesses públicos.
Todavia, a descentralização tem de atender aos preceitos constitucionais pelo que não é possível
atribuir a outras entidades competências que sejam do Estado ou de órgãos de soberania,
previstas como tal pela CRP. Podemos apontar as autarquias locais como um dos exemplos de
descentralização de base territorial constitucionalmente previsto.
- princípio da desconcentração:Este princípio aponta para a necessidade de, no seio de
cada pessoa coletiva pública, ocorrer a entrega de poderes e competências aos vários órgãos com
posições hierárquicas distintas, de forma a que o poder de prosseguir certas atribuições não se
concentre apenas nos órgãos de topo.
- princípio da unidade: Este princípio limita o pluralismo decorrente do princípio da
descentralização de poderes. Tal fica a dever-se ao facto de o Governo ser o órgão superior da
Administração Pública e ter responsabilidade política perante a Assembleia da República, o que
contribui para que o Governo, no âmbito da sua função administrativa, possa intervir na
maioria dos centros de decisão do Estado.
- princípio da participação dos interessados na gestão das estruturas administrativas: Este
princípio reforça a ideia de democracia no Estado português e do modelo organizativo da
Administração Pública, permitindo a participação dos cidadãos na escolha de titulares de órgãos
eletivos o que consequentemente terá efeitos na organização da Administração Pública.
- princípio da aproximação dos serviços às populações: A Administração Pública distingue-se
em Administração central e Administração periférica. Esta última organiza-se num sentido
periférico ou local de forma a impedir que os serviços públicos e as decisões que destes emergem
estejam distantes daquelas que são as reais necessidades dos cidadãos. Assim, os cidadãos têm um
acesso mais fácil aos centros de decisão.
- princípio da a desburocratização: Este princípio visa incrementar a eficácia na resolução de
problemas através da simplificação e racionalização das estruturas deficitárias existentes. Aqui
visa-se evitar a duplicação de estruturas organizativas e de procedimentos sobrepostos de forma
bem como formalidades inúteis com vista a permitir um melhor fluxo intercomunicativo entre
os cidadãos e o Estado.
Em suma, este primeiro grupo de princípios, que caracterizam a Administração Pública em
sentido orgânico ou subjectivo demonstram como devem decorrer as relações entre os sujeitos
administrativos de forma a garantir uma melhor prossecução dos interesses públicos. Para que
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tal ocorra, é necessário transformar a Administração Pública num ente organizado e
desburocratizado, cujos poderes devem estar desconcentrados pelos vários sujeitos
administrativos de forma a conseguir aproximar o máximo possível os serviços ás populações e
alcançar uma maior rapidez e eficácia na resolução de problemas.
➥Princípios gerais da Administração Pública em sentido material ou substantivo:
Cabe agora analisar princípios distintos dos anteriormente referidos. Neste plano, são
apresentados princípios que devem reger a actuação da Administração Pública no exercício da
sua função administrativas.
Estes princípios, compreendidos entre os artigos 3º e 19º do Código de Procedimento
Administrativo, são
- Princípio da Prossecução do Interesse Público e da protecção dos direitos e
interesses dos cidadãos
Este princípio está consagrado no artigo 4º do Código de Procedimento Administrativo e no
artigo 266º nº1 da Constituição da República Portuguesa.
O conceito de “interesse público” é um conceito vago e indeterminado pelo que carece de
alguma determinação. Assim, é necessário observar a norma de competência para tentar dela
extrair o sentido que o legislador pretendeu dar a esta norma. Desde logo sabemos que o que
está aqui em causa é o fim do interesse público em concreto, resultante da lei que a
Administração tem de o prosseguir, e não em abstrato. O facto deste conceito ser
indeterminado significa que a Administração goza de uma amplos poderes de decisão quanto á
estipulação do interesse da sua actuação.
O Professor Diogo Freitas do Amaral procurou definir o conceito de “interesse público”
apontando-o como sendo um interesse coletivo e geral de uma determinada comunidade que
representa o bem comum.
A Administração só pode prosseguir os interesses públicos definidos por lei no exercício da sua
competência que estiver em causa ( a Administração Pública não pode escolher os interesses que
pretende seguir visto que estes são constitucionalmente previstos) . Uma actuação
administrativa que prossiga interesses privados ou interesses públicos alheios à finalidade
normativa do poder exercido é ilegal pelo que gera um vício de invalidade e pode um tribunal
anular um destes actos da Administração. O fundamento da anulação não pode ser o facto de o
ato administrativo não prosseguir da melhor maneira o interesse público legalmente definido.
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Além deste conceito, o legislador acrescentou ainda os conceitos de “proteção dos direitos e
interesses dos cidadãos”. Este é um acréscimo relevante uma vez que significa que se a
Administração, no quadro da sua actuação, violar diretamente o interesses dos particulares, está
a desrespeitar uma vinculação constitucional e legislativa.
Quanto a este assunto, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa afirma que este princípio não
tem como objetivo impedir toda e qualquer afectação administrativa das posições jurídicas dos
particulares. O Professor refere que “Pode mesmo afirmar-se que , sem agressão de posições
jurídicas subjectivas dos particulares, e mesmo dos seus direitos fundamentais, não existe
administração pública”. Assim, aquilo que é proibido é a sua violação.
- Princípio da boa administração
Este princípio está previsto no artigo 5ª do Código de Procedimento Administrativo e teve a
sua primeira consagração em Portugal, enquanto princípio constitucional europeu, por força da
Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Para se alcançar uma boa administração é necessário atender a critérios de eficiência,
economicidade e celeridade. Quer isto dizer que, com a utilização destes critérios a
Administração Pública conseguirá alcançar uma optimização dos meios disponíveis (eficiência);
se quando fizer as suas escolhas utilizar os meios mais económicos para alcançar os resultados
pretendidos (economicidade); e as suas decisões devem ser tomadas num prazo relativamente
curto (celeridade).
O Professor Vasco Pereira da Silva considera que devemos ler esta norma num sentido
amplo, de acordo com a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, mas que mesmo
assim esta norma deixa muito a desejar quanto ao seu conteúdo.
Quanto ao 5º.2 do Código de Procedimento Administrativo é de referir que esta não é uma
norma da atividade administrativa mas sim da organização administrativa.
Princípio da Justiça e da razoabilidade
Este princípio está previsto no artigo 8º do Código de Procedimento Administrativo.
Quanto à justiça, procura-se tratar de forma justa todos aqueles que estabelecerem relações com
a Administração Pública, devendo cada um ter aquilo que lhe é devido. A Administração
Pública deve procurar garantir a equidade do caso concreto. Assim, não basta que a
Administração Pública tenha uma atuação que chegue a uma solução com um conteúdo justo
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(dimensão material da justiça), é também necessário ter em conta os modos como se decide e
verificar se foram cumpridos os procedimentos justos para se obter uma decisão justa (dimensão
formal da justiça). Para tal, é necessário agregar a justiça à imparcialidade, à equidade e à
razoabilidade.
Quanto à razoabilidade, é apresentado um critério valorativo que não é estritamente jurídico e
que por isso introduz uma dimensão lógica á atuação administrativa através da referência a
valores extrajurídicos e da impossibilidade das decisões administrativas colocarem em causa estes
valores de natureza extrajurídica.
Princípio da imparcialidade:
Este princípio está previsto no artigo 9º do Código de Procedimento Administrativo.
A imparcialidade exige isenção e equidistância entre quem decide e o objeto/destinatário da
decisão até porque só assim é possível garantir a prossecução do interesse público que deve ser
feita sem atender aos interesses particulares de quem decide. A actuação da Administração
Pública deve pautar-se por critérios objectivos e não subjectivos, pelo que não deve decidir em
situações nas quais os seus órgãos ou agentes tiverem algum interesse na causa, sob pena de
ilegalidade. A imparcialidade garante-se através de medidas que passam, por exemplo, pelo
órgão que tem interesse na causa se declarar impedido de decidir, para que outro órgão tome a
decisão mais adequada e de forma objetiva atendendo a critérios imparciais. Se um órgão não se
declarar impedido voluntariamente, pode outro interveniente pedir a sua suspensão.
Este princípio é constituído por duas vertentes, uma positiva e uma negativa.
- vertente positiva: a imparcialidade determina parâmetros racionais, objetivos, lógicos e
transparentes que devem ser ponderados na tomada da decisão com vista a excluir
interesses subjetivos.
- vertente negativa: a imparcialidade corresponde á neutralidade administrativa face aos
interesses de particulares que não são tidos em conta, com vista a salvaguardar o
interesse público, a independência e a isenção do decisor através de um conjunto de
impedimentos, incompatibilidades, escusas e suspeições dos titulares das estruturas
administrativas intervenientes.
Princípio da participação:
Este princípio está previsto no artigo 12º do Código de Procedimento Administrativo e no
art.267º/1 da Constituição da República Portuguesa.
Os órgãos administrativos e a sua estrutura devem visar a participação dos interessados,
tentando sempre que possível ouvir as suas opiniões acerca de medidas que os afetaram
indiretamente ou diretamente. Tal como refere o Professor Freitas do Amaral “(…) os
cidadãos não devem intervir na vida da Administração apenas através da eleição dos respetivos
órgãos”, ou seja, os cidadãos não devem incidir a sua participação apenas num acontecimento,
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como a eleição de órgãos, mas sim em todas as vertentes da Administração Pública. Neste
sentido, o Professor distingue dois pontos de vista: Por um lado, do ponto de vista estrutural,
toda a organização deve estar estruturada de modo a que os particulares possam intervir e até
tomar medidas nalguns casos; Por outro lado, do ponto de vista funcional extrai-se a
“necessidade de colaboração com os particulares” prevista no artigo 11º/1 do Código de
Procedimento Administrativo.
Princípio da decisão:
Este princípio está previsto no artigo 13º do Código de Procedimento Administrativo.
A Administração Pública tem como uma das suas funções decidir sobre os assuntos que são da
sua competência que lhe sejam apresentados. É necessário que haja uma celeridade na actuação
da Administração prevista no artigo 5º do Código de Procedimento Administrativo, como
abordado anteriormente. Quer isto dizer que a actuação da Administração não deve
circunscrever-se apenas a dar uma resposta ao assunto que lhe for colocado, mas também de
fazê-lo num prazo razoável. É neste âmbito que se estabelece o prazo máximo de três meses para
que a Administração dê uma resposta ao particular, caso tal não se verifique, o particular pode ir
a Tribunal exigir que a Administração lhe dê essa resposta como forma de reagir contra as
omissões que possam advir das actuações administrativas. Caso hajam razões ponderosas, como
dificuldade em decidir a questão, a Administração pode pedir a prorrogação do prazo. Sempre
que as questões forem de simples resolução, a Administração deve responder o mais breve que
lhe for possível.
Caso se trate de um pedido ao qual Administração já respondeu anteriormente, com os mesmos
sujeitos e a mesma causa do pedido/objeto, esta não é obrigada a responder dentro do decorrer
do prazo de dois anos. Tal justifica-se pelo facto de que só há dever de decisão quando não há
decisão pelo que, uma vez tomada a decisão, o dever de dar resposta ao particular desaparece.
Todavia, este dever emerge de novo quando hajam passados dois anos.
3. Administração Central
O Estado, na acepção administrativa, é a pessoa colectiva pública que, no seio da comunidade
nacional desempenha, sob a direcção do Governo, a actividade administrativa. Por outras
palavras, o Estado, entendido em sentido estrito e na acepção administrativa, corresponde à
administração directa do Estado;
Administração Direta→ conjunto de órgãos, serviços e agentes integrados na pessoa colectiva
Estado que, de modo directo e imediato e sob dependência hierárquica do Governo,
desenvolvem uma actividade tendente à satisfação das necessidades colectivas.
A administração direta decompõe-se em:
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- administração direta central: integra os órgãos e serviços do Estado que exercem
competência extensiva a todo o território nacional;
- administração direta local/periférica: integra os órgãos e serviços, instalados em
diversos pontos do território nacional e com competência limitada a certas áreas
(circunscrições administrativas).
Características do Estado e da administração direta:
Importa referir as principais características específicas do Estado e da sua administração directa.
De acordo com a síntese de F
REITAS DO AMARAL, são as seguintes:
- Unicidade
- Carácter originário
- Territorialidade
- Multiplicidade de atribuições
- Pluralismo de órgãos e serviços
- Organização em ministérios
- Personalidade jurídica una
- Instrumentalidade
- Estrutura hierárquica
- Supremacia
Atribuições do Estado:
Sendo uma pessoa colectiva pública, o Estado tem atribuições, isto é, fins/objectivos que se
reportam à vontade deste (ex: típico para identificar atribuições são os Ministérios, como o
Ministério da Educação terá como atribuição os planos gerais da Educação, que serão por sua
vez de sua competência). As atribuições têm de resultar sempre expressamente da lei, estando as
atribuições do Estado definidas por forma dispersa na legislação.
Tendo em conta o seu número e a sua variedade, é possível agrupá-las segundo diversos critérios.
Atenderemos à classificação de Bernard Gournay. Este autor agrupou as atribuições do Estado
em três categorias: atribuições principais, atribuições auxiliares e atribuições de comando:
As atribuições principaisdo Estado integram:
- Atribuições de soberania
- Atribuições económicas
- Atribuições sociais
- Atribuições educativas e culturais
- As atribuições auxiliares incluem:
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- Gestão do pessoal
- Gestão do material
- Gestão financeira
- Funções jurídicas e de contencioso
- Funções de arquivo e documentação
-
As atribuições de comando destinam-se a preparar e a acompanhar as tomadas de decisão pela
chefia, incluindo:
- Estudos e planeamento
- Previsão
- Organização
- Controlo
- Relações públicas.
-
Esta esquematização tem um mérito, essencialmente, didáctico, fornecendo uma visão ampla e
geral das atribuições do Estado moderno. Importa agora determinar, em concreto, quais são as
atribuições do Estado, sendo na Constituição que vêm enumeradas as mais importantes
atribuições do Estado, com destaque para a Parte I e II. Acrescem a estas atribuições, as fixadas
pela lei ordinária, nomeadamente, pelas leis orgânicas e regulamentos dos diferentes ministérios
e das direcções-gerais dos ministérios, e organismos equiparados, que integram a administração
central do Estado.
Órgãos do Estado:
Para cumprir as atribuições que lhe são conferidas pela Constituição e pela lei ordinária, o
Estado carece de órgãos, aos quais compete tomar decisões em nome da pessoa colectiva.
- Órgãos da administração direta central
A Constituição fixa, no artigo 110º/1, que os principais órgãos centrais do Estado são o
Presidente da República, a Assembleia da República, o Governo e os Tribunais.
Destes, o principal órgão permanente e directo do Estado, com carácter administrativo, é o
Governo (art. 182º da CRP).
Na administração central, são igualmente órgãos do Estado, colocados sob a direcção do
Governo:
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Os directores-gerais, directores de serviços e chefes de divisão ou de repartição dos ministérios,
bem como os respectivos secretários-gerais;
- O chefe do Estado-Maior da Armada, do Exército e da Força Aérea;
- O Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana, bem como os directores da
Polícia Judiciária, da Polícia de Segurança Pública, do Serviço de Estrangeiros e
Fronteiras e de outros organismos de natureza análoga;
- O Procurador-Geral da República (art. 220º da CRP) e seus adjuntos;
- Os inspectores-gerais e seus adjuntos;
- Os dirigentes de gabinetes, centros e institutos não personalizados, incluídos na
administração central do Estado;
-
As numerosas comissões existentes, com carácter permanente ou temporário, quer em cada um
dos ministérios per si, quer abrangendo dois ou mais ministérios para fins de coordenação
(comissões interministeriais).
Pertencem ainda à administração central directa, e são portanto órgãos do Estado, embora sem
dependerem do Governo por serem órgãos independentes:
- O Provedor de Justiça (art. 23 da CRP);
- O Conselho Económico e Social (art. 92º da CRP);
- A Comissão Nacional de Eleições (lei n.º 71/78, de 27 de dezembro);
- A Entidade Reguladora da Comunicação Social (lei n.º 53/2005, de 08 de Novembro);
- Governo
O Governo é, do ponto de vista administrativo, o órgão principal da administração central do
Estado, incumbido do Poder executivo. Interessa-nos, pois, estudar aqui o Governo enquanto
órgão administrativo, mas não enquanto órgão político e legislativo.
O artigo 182º da CRP declara que “o Governo é o órgão de condução da política geral do país e
o órgão superior da administração pública”. São, precisamente, estas as duas funções essenciais
do Governo: como órgão político, cabe-lhe a condução da política geral do país; como órgão
administrativo, trata-se do órgão superior da administração pública portuguesa.
Esta competência administrativa é desenvolvida no artigo 199º da CRP. Deste artigo (e na
síntese de FREITAS DO AMARAL) decorrem as três principais funções administrativas do
Governo:
- Garantir a execução de leis (199º c e f CRP);
- Assegurar o funcionamento da Administração Pública ( art. 199º a, b, d ,e CRP);
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- Promover a satisfação das necessidades colectivas (199º.g CRP);
Pelas tarefas que estão cometidas ao Governo, pelo que lhe compete fazer por si próprio ou
mandar fazer a outros, por ser o órgão superior das hierarquias da administração do Estado, e
ainda por lhe caber fiscalizar ou orientar as demais entidades públicas que, para além do Estado,
fazem parte da Administração, o Governo é o principal órgão da Administração Pública.
Como já se referiu, o Governo não só dirige a administração directa do Estado, como
superintende na administração indirecta e tutela esta última e a administração autónoma, isto é,
controla as entidades públicas que fazem parte da Administração mas que não pertencem ao
Estado.
Todas estas funções do Governo traduzem-se juridicamente na prática de actos e no
desempenho de actividades da mais diversa natureza. Para se desincumbir das tarefas
administrativas que acabam de ser indicadas como tarefas próprias do Governo, este elabora
normas jurídicas- regulamentos-, pratica actos jurídicos sobre casos concretos- actos
administrativos-, celebra contratos de vários tipos- contratos administrativos, e exerce, de um
modo geral, determinados poderes funcionais, como por exemplo poderes de vigilância, de
fiscalização, de superintendência, de tutela, etc.
Esta competência do Governo tanto pode ser exercida colegialmente (pelo Conselho de
Ministros), como individualmente (por um membro do Governo).
Órgãos da administração direta local:
Administração local → conjunto de órgãos e serviços do Estado que dispõem de competência
limitada a uma área territorial restrita e funcionam sob a direcção dos correspondentes órgãos
centrais;
Os órgãos locais do Estado são os centros de decisão dispersos pelo território nacional
habilitados por lei a resolver assuntos administrativos em nome do Estado, nomeadamente face
a outras entidades públicas e aos particulares em geral. São órgãos da pessoa colectiva Estado
que, na dependência hierárquica do Governo, exercem uma competência limitada a uma certa
circunscrição administrativa. Os serviços locais do Estado são, por seu turno, os serviços
públicos encarregados de preparar e executar as decisões dos diferentes órgãos locais do Estado.
Estes órgãos e serviços repartem-se pelas circunscrições administrativas, isto é, as zonas
existentes no país para efeitos de administração local: para efeitos de administração geral, existe
16
a divisão em distritos e concelhos; para efeitos de administração especial, existem outras
divisões.
O Governador Civil é o principal órgão da administração local do Estado: é o magistrado
administrativo que representa o Governo na circunscrição distrital. As suas funções estão
definidas no artigo 291º/3 da CRP: representação do Governo e exercício dos poderes de tutela
na área do distrito.
4. Competência e Hierarquia
Competência
Para exercer a função administrativa há algo essencial, as denominadas normas de competência;
Função e sentido das normas de competência:
As normas de competência no âmbito da administração pública têm como objetivo o
estabelecimento das condições de prossecução do interesse público e configuram as regras
essenciais para a validade das decisões que autorizam, pois fora do campo dos poderes
conferidos pelas normas de competência não podemos considerar a atuação do poder
administrativo como válido o mesmo acontece relativamente às decisões administrativas.
Podemos dizer, que as normas de competência gozam de uma posição hierárquica superior
relativamente a todas as outras decisões (normativas ou não), resultantes dos poderes que elas
conferem: a estrutura administrativa habilitada por uma norma de competência, em situação
alguma goza, ao abrigo dessa mesma norma, de uma competência dispositiva ou modificativa da
respectiva norma de competência.
A norma de competência exerce uma função hétero vinculativa relativamente há entidade que
recebeu os poderes provenientes da norma; a norma de competência pode em certos casos,
conceder o intermedio da vontade da estrutura decisória que recebe poderes, para que tendo
sempre em conta os termos da habilitação atribuída, estabeleça as regras para o exercício da
competência, porém terá de ser a norma de competência a explicar o fundamento habilitador da
intervenção da vontade da estrutura decisória no ajustamento dos poderes que lhe foram
confiados;
Tipologia das normas de competência:
Antes de procedermos à distinção das normas de competência, devemos realçar três
realidades que resultam da complexidade das normas de competência, em primeiro lugar temos
as normas que conferem competências ou normas de ação (regras ou princípios jurídicos que
conferem poderes de intervenção decisória à administração pública); em segundo lugar temos as
normas que disciplinam o exercício da competência (regras e princípios jurídicos que
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estabelecem os termos de como os poderes confiados à Administração pública que se traduzem
por meio de prática de atos jurídicos e de atos materiais); a terceira e última realidade a referir
são as normas que regulam as normas de competência que constituem um género de normas
sobre normas, que têm por objetivo regular as normas de competência;
As normas que conferem competência são suscetíveis de compreender 4 níveis de
configuradores de poderes da administração pública
i) normas de tarefas ou incumbências públicas: definem os limites das necessidades coletivas
inseridas na competência do poder público, por oposição à esfera da sociedade civil,
verificando-se que quando o poder administrativo ultrapassa a linha constitucional da fronteira
entre o “hemisfério publico” e o “hemisfério privado” constitui, desde que se encontre para
além da margem constitucional de liberdade conformadora do legislador, uma violação da
reserva da sociedade civil ou reserva dos direitos fundamentais;
ii) normas de divisão ou separação de funções: normas que, segundo as funções de natureza
pública, procedem à divisão das necessidades coletivas pelos diversos poderes do estado, quando
ocorre uma violação destas normas por uma decisão administrativa considera-se que a norma se
encontra ferida de usurpação de poderes;
iii) normas de atribuições: são as que procedem à distribuição da parcela de interesses
públicos a cargo das diversas pessoas coletivas que integram a administração pública, porém
quando se refere ao Estado a distribuição das atribuições faz-se por ministérios, tornando-se tais
interesses públicos parte integrante dos fins específicos das competências das entidades ou
ministérios.
No caso de uma entidade ou ministério exercer atribuições da competência de outra entidade
ou ministério, as decisões administrativas tomadas, verificam-se “feridas” por incompetência
absoluta; em quarto e último lugar, encontramos as normas de competência em sentido próprio,
que se identificam como sendo as que repartem pelas estruturas orgânicas os poderes necessários
com vista à prossecução dos fins próprios da entidade pública em que se encontram integrados,
no caso de uma estrutura orgânica agir no âmbito dos poderes atribuídos a outra estrutura que
faça parte da mesma entidade pública, sem ter habilitações para tal, as decisões administrativas
sofrem de uma incompetência relativa;
As normas de competência em sentido próprio são suscetíveis de, tendo em conta a natureza
dos poderes que conferem, admitir duas situações:
- as normas de competência potestativa, conferem poderes para a Administração pública
inserir do modo automático e unilateral, alterações na ordem jurídica, constituindo,
modificando ou extinguindo posições jurídicas;
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- normas de competência não potestativa concedem poderes cuja mudança a executar na
ordem jurídica não resultam da intervenção unilateral da administração pública, é
necessário a cooperação de outros sujeitos (exemplo, normas de competência para
negociação, celebração e execução de contratos, normas de competência para a
nomeação de um titular para um determinado órgão);
As normas que disciplinam o exercício de competências, são suscetíveis de comportar 5
subtipos:
1) normas que estabelecem os princípios gerais de direito a que obedece o exercício da
competência da administração pública, devendo-se fazer referencias ao seguintes princípios:
princípio da legalidade da competência- a competência das estruturas administrativas têm como
fundamento a constituição, a lei, ou os princípios gerais de direito; princípio irrenunciabilidade
da competência- a estrutura administrativa não pode renunciar aos poderes que lhe foram
atribuídos; princípio da inalienabilidade da competência- os poderes atribuídos a estrutura
administrativa não são suscetíveis de se constituírem como objeto de um negócio jurídico,
encontra-se deste modo vedada a sua transmissão a terceiros; princípio inconsumibilidade da
competência- os poderes conferidos após a sua execução não se extinguem; princípio do respeito
pelos limites materiais (os poderes entre as estruturas administrativas distribuem-se em função
de matérias, o que não significa que não possa ocorrer que para uma decisão final não
contribuam uma pluralidade de estruturas, sendo admissível que numa determinada matéria se
encontre no domínio do poder de decisão de mais do um órgão/estrutura), territorial ( a
competência pode ser repartida em função do território, originando espaços de ação decisória
exclusivos de determinado órgãos, por exemplo a câmara municipal do Porto não pode efetuar
atos relativos a situações circunscritas no território do município de Braga), hierárquicos, e
temporal ( as normas que definem o intervalo temporal do exercício da competência permite
identificar dois princípios: 1 regra geral o exercício de competência é em relação ao presente
salvo se a lei habilitar a prática de atos retroativos; 2 o exercício da competência relativo a um
momento futuro fora do alcance temporal dos poderes do decisor pode geral uma
incompetência em razão do tempo) da competência.
2) normas que fixam pressupostos ao exercício da competência definindo requisitos na
previsão da norma, para que esta possa ser exercida provocam, caso ocorra uma ausência de
pressuposto ou agindo o decisor como se não existe-se qualquer pressuposto, uma decisão
viciada por erro sobre os pressupostos da competência ou até viciada de incompetência;
3 ) normas que disciplinam os fins do exercício da competência fazendo corresponder a
motivação principalmente motivante das decisões ao fim que levou a atribuir essa competência
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ao respetivo decisor, determina-se que se esse motivo principalmente determinante não
corresponder ao fim visado pela norma de competência em causa existirá uma situação de desvio
de poder (por exemplo se nos termos legais a instauração de multas pelo estacionamento de
viaturas num local explorado por uma entidade pública, tem como intenção sancionar o não
cumprimento das regras de trânsito, a sua utilização não pode ter como principal motivo
angariar receitas para a entidade pública);
4 )normas que estabelecem limites materiais ao exercício da competência: colocando
condições relativas ao objeto da decisão a adotar ao abrigo da competência em causa que caso
não sejam respeitados terão como consequência a violação da lei (por exemplo se uma lei
determinar que as bolas de estudar a conceder têm o valor máximo de 400 euros a
Administração Pública não pode atribuir um valor superior ao estabelecido)
5 ) normas que prescrevem o procedimento e forma de exercício da competência. Se não
foram tido em conta e claro respeitadas originaram vícios de forma; (exemplo, se a lei
determinada que a permissão da câmara municipal para a instalação de um elevador num
determinado prédio depende do parecer favorável dos bombeiros a ausência da consulta ao
bombeiros origina um vicio de forma para uma eventual permissão);
As normas que regulam as normas de competência, são suscetíveis de conceder poderes
adicionais à administração pública sobre os próprios preceitos definidores da sua competência e
sobre as normas reguladoras do seu exercício; compreende o seguinte quadro tipológico:
a)Normas que regulam a produção de normas de competência (por exemplo normas
constitucionais que definem a competência legislativa da assembleia da república, do governo, e
das regiões autónomas respeitantes a matérias administrativas e à atribuição de competência
decisória da administração pública);
b)Normas que regulam as relações entre as diversas fontes responsáveis pela revelação
das normas de competência (artigo 112/2 1º parte CRP -princípio da paridade
hierárquico-normativo entre lei e decreto lei; artigo 3/3 CRP todos os atos devem ser conformes
a constituição da república portuguesa)
c)Normas que regulam conflitos de normas de competência, num triplo sentido:
→ 1 resolução de conflitos materiais (contradição de normas de competência, a norma X diz
que a competência pertence a A e a norma Y diz que a competência pertence a B por exemplo;
ou então colisões de princípios a aplicar pela autoridade administrativa, por exemplo garantia
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do exercício de greve dos professores em dia de exames e assegurar que os alunos realizariam a
prova nesse mesmo dia);
→ 2 resolução de conflitos temporais entre normas de competência;
→ 3 resolução de conflitos espaciais entre as normas de competência envolvendo situações
jurídicas internas (exemplo de conflitos de competências entre o estado e as autarquias locais)
ou situações jurídicas transnacionais (exemplo, declaração e nulidade de um título académico
estrangeiro obtido por um estrangeiro que pretende servir-se dele para escrever uma atividade
em Portugal;)
d)Normas que determinem critério de interpretação de normas de competência;
e)Normas que incidem sobre a integração de lacunas de normas de competência;
2. Hierarquia
Numa abordagem direta e simplificada, João Caupers esclarece o conceito de como sendo a
hierarquia administrativa relação interorgânica, sendo que as relações interorgânicas são as
que se estabelecem no âmbito de uma pessoa coletiva.
A hierarquia administrativa representa este tipo de relacionamento que caracteriza a
burocracia, de acordo com o modelo concebido por Max Weber. Como explica o professor
Freitas do Amaral,
- hierarquia→ modelo de organização administrativa vertical, constituído por dois ou
mais órgãos e agentes com atribuições comuns, ligados por um vínculo jurídico que
confere ao superior o poder de direcção e impõe ao subalterno o dever de obediência;
Antes de mais é necessário fazer uma distinção entre:
- hierarquia interna (dos agentes): existência de serviços que orientam órgãos no
exercício administrativo, estando em causa o desempenho continuado de tarefas;
- hierarquia externa (a dos órgãos): distribuição de competências entre órgãos da
mesma pessoa coletiva, em que os subalternos são também órgãos com competência
externa, projetando-se na esfera jurídica de outros sujeitos de Direito. A hierarquia que
interessa ao Direito Administrativo é a hierarquia externa, refletindo a repartição
vertical de competências entre órgãos.
Outro conceito importante a reter é o da relação hierárquica, que corresponde ao vínculo
jurídico típico de supremacia e subordinação, estabelecido entre o superior hierárquico e o
subalterno, sendo que o superior hierárquico tem sobretudo o poder de direção e o subalterno
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tem sobretudo o dever de obediência e é necessário que estes dois ou mais agentes atuem para a
prossecução de atribuições comuns.
O professor Paulo Otero defende que na hierarquia pode haver casos de competência
comum entre o superior e o subalterno.
Vários autores enumeram poderes jurídicos típicos do superior hierárquico, sendo estes o
poder de direção, que consiste na faculdade de dar ordens e instruções ao subordinado, o poder
de supervisão, que se traduz na faculdade de confirmar, revogar, suspender, modificar ou
substituir os atos do subordinado, e o poder disciplinar, que se concretiza através da aplicação
de sanções disciplinares. Para além destes, o superior detém ainda poderes eventuais, como o de
inspeção que consiste na fiscalização da atuação do subalterno, de substituição, em caso de
omissão contrária à legalidade, de decisão de recursos hierárquicos (impugnação dos atos) e de
decisão de conflitos de competência entre subalternos.
Seguidamente enumeram-se os deveres do subordinado, que consistem no dever de obediência,
ou seja, o dever de acatar e cumprir as ordens e instruções do legítimo superior hierárquico
relativas à matéria de serviço e que revistam a forma legal. Na visão do professor Freitas do
Amaral, o dever de obediência traduz-se “na obrigação de o subalterno cumprir as ordens e
instruções dos seus legítimos superiores hierárquicos, dadas em objecto de serviço e sob a forma
legal”. Outros deveres eventuais consistem nos da imparcialidade, isenção, zelo, lealdade, sigilo,
correção, assiduidade e pontualidade.
Com isto, surge principalmente uma grande questão geradora de controvérsia e divergência
doutrinária. O subalterno deve obedecer a ordens ilegais do seus superior hierárquico? No
fundo o que está aqui em causa é saber o que prevalece: A hierarquia administrativa ou a lei.
Para analisar esta questão, um dos pontos a ter em conta é que o subalterno é responsável pelas
suas decisões e a lei confere-lhe competência para examinar a legalidade de todos os comandos
hierárquicos. Outro ponto a ter presente é que atualmente vigora o princípio de Estado de
Direito Democrático, em que a Administração Pública está submetida à lei (art.266º nº2 da
CRP), admitindo-se exceções ao princípio da legalidade.
Assim, por um lado temos a Corrente Hierárquica, seguida por Otto Mayer e Marcello
Caetano. Nesta corrente é defendido que não compete ao subalterno interpretar e questionar
da legalidade das ordens do superior hierárquico, existindo assim, sempre dever de obediência
do subalterno aos comandos dos seus superiores. O máximo admitido aqui será a situação em
22
que o subalterno levante dúvidas quanto à ordem dada, pelo que, se o seu superior a confirmar,
o subalterno terá de a cumprir.
Por outro lado, temos a Corrente Legalista, seguida por Santi Romano e João Tello de
Magalhães Collaço. Aqui são admitidas excepções a este dever de obediência do subalterno
(art.271º/2 e 3 CRP). Freitas do Amaral segue também esta corrente, adotando uma versão
mais moderada. Aqui defende-se que a lei está acima do superior, e assim, se for posta em causa
alguma ilegalidade, não é obrigatória a obediência. Numa visão mais restritiva, o subalterno não
tem o dever de obedecer se a ordem implicar a prática de um ato criminoso (art. 271º nº3 da
CRP) ou ordens que provenham de um ato nulo (art. 134º nº1 do CPA).
A opinião do Prof. Vasco Pereira da Silva é a de que cessa o dever de obediência sempre que
estejam em causa direitos fundamentais ou a dignidade da pessoa humana (artigo 133º alínea d)
do CPA).
João Caupers levanta também o problema da situação em que o subalterno recebe ordens
contrárias à lei do seu superior hierárquico.
Considerando também este problema complexo, refere que para além de se encontrar nos
artigos acima referidos da Constituição, há ainda que recorrer ao art. 5º do Estatuto Disciplinar
dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei nº 58/2008, de 9 de
Setembro). Com isto podemos retirar traços essenciais do regime jurídico presente nestes
normativos, considerando em primeiro lugar, que o dever de obedência cessa se o cumprimento
da ordem implicar a prática de um crime pelo subordinado, como já anteriormente referido, e
que, se a ordem recebida foi ilegal mas não implicar a prática de um crime, pode reclamar ou
usar o direito de respeitosa representação, que consiste no pedido dirigido ao superior
hierárquico que confirme por escrito a ordem supostamente ilegal.
No caso de a demora na execução não lesar o interesse público, o subordinado aguardará a sua
confirmação, somente a executando após receber esta. Se a demora prejudicar o interesse
público, o subordinado comunicará ao supperior hierárquico os termos exatos da ordem e do
pedido de confirmação, mencionando a não satisfação deste, e cumprirá a ordem. Quando a
ordem seja dada para cumprimento imediato, o subordinado executá-la-á, procedendo então à
comunicação referida na hipótese anterior. Procedendo como antecede, fica excluída a
responsabilidade do subordinado pelos prejuízos causados pelo cumprimento da ordem.
A lei não concede ao subordinado qualquer poder de controlo da legalidade das ordens
recebidas do superior hierárquico, contudo, pode ser defendido que o trabalhador deve verificar
a legalidade da ordem e se a julgar ilegal, não a deve cumprir. Este entendimento contraria a
norma legal, na medida em que esta apenas atribui ao subordinado a faculdade de reclamar do
superior a confirmação por escrito da ordem recebida, não lhe conferindo qualquer poder de
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optar entre o incumprimento e a reclamação. Assim verfica-se a diferença essencial entre o
regime da ordem supostamente ilegal e o regime da ordem que envolva a prática de um crime.
Nesta última hipótese o subordinado não deve obedecer.
5.Superintendência e Tutela
Definição do conceito de tutela:
Segundo Diogo Freitas do Amaral, a tutela administrativa traduz-se “no conjunto dos poderes
de intervenção de uma pessoa coletiva pública na gestão de outra pessoa coletiva, a fim de
assegurar a legalidade ou o mérito da sua atuação”.
Desta definição é possível retirar um conjunto de características da tutela administrativa:
- Existência de duas pessoas coletivas distintas: a pessoa coletiva tutelar e a pessoa
coletiva tutelada;
Destas pessoas coletivas, uma delas é necessariamente uma pessoa coletiva pública – ou seja, a
tutelar-, a pessoa tutelada poderá ser pública ou privada, sendo que, na maior parte dos casos é
pública.
- Os poderes de tutela são poderes de intervenção na gestãode uma pessoa coletiva;
A tutela visa assegurar que a entidade tutelada cumpre as leis em vigor e garantir que sejam
adotadas soluções convenientes e oportunas para a prossecução do interesse público.
Já Marcello Caetano considerava que o objetivo da tutela era coordenar os interesses próprios
da entidade tutelada com os interesses mais amplos representados pelo órgão tutelar. Contudo,
considera-se que esta ideia vai um pouco além, uma vez que abre caminhos excessivos relativos à
intervenção estadual na vida das entidades descentralizadas.
Por sua vez, o professor Marcelo Rebelo de Sousa define tutela administrativa como sendo o
“poder detido pelo Estado-Administração, consistente no controlo da gestão de outra pessoa
coletiva integrada na Administração Pública, seja ela pública, seja privada, e visando
salvaguardar a legalidade ou o mérito da sua atuação”.
Tipos de tutela:
As principais espécies de tutela administrativa distinguem-se quanto ao fim e quanto ao
conteúdo.
Ora, quanto ao fim a tutela divide-se em tutela de legalidade e tutela de mérito.
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- Tutela de legalidade:visa controlar a legalidade das decisões da entidade tutelada;
Esta apura se a decisão da entidade tutelada é ou não conforme à lei.
- Tutela de mérito: visa controlar o mérito das decisões administrativas da entidade
tutelada.
Esta questiona se a dita decisão, independentemente de ser ou não legal, é uma decisão
conveniente ou inconveniente, oportuna ou inoportuna, correta ou incorreta do ponto de vista
administrativo, técnico, financeiro, etc.
Note-se que tanto a tutela de legalidade como a tutela de mérito são criação do bloco de
legalidade não incluindo os regulamentos administrativos, os contratos de administração e os
atos administrativos.
Exemplos entidades sujeitas a estes dois tipos de tutela são aquelas que pertencem à
Administração indiretamente dependente da Administração central, e ainda as Universidades
públicas.
Por seu turno, apenas estão sujeitas a tutela de legalidade, por exemplo, as autarquias locais e as
várias instituições particulares de interesse público.
Por outro lado, quanto ao conteúdo, a tutela administrativa subdivide-se em mais cinco
categorias, ou faculdade, como lhes chama o P rofessor Marcelo Rebelo de Sousa:
- Tutela integrativa: consiste no poder de autorizar ou aprovar os atos das entidades
tuteladas;
- Tutela integrativa a
priori:consiste em autorizar a prática de atos:
Ou seja, estando um ato sujeito a autorização, a entidade tutelada não pode praticar esse mesmo
ato sem que lhe seja dada autorização pela entidade tutelar.
Aqui o exercício da tutela é a condição do exercício da competência da entidade tutelada.
Estamos perante uma condição de validade, sendo que a sua inobservância gera invalidade.
Tutela integrativa a
posteriori:consiste no poder de aprovar atos da entidade tutelada.
Isto é, a entidade tutelada pode praticar o ato antes de obter a aprovação, mas não pode
executá-lo sem que este seja aprovado.
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Neste caso, o exercício da tutela é a condição da executoriedade do ato praticado pela entidade
tutelada.
Fala-se em condição de eficácia, logo a sua inobservância gera ineficácia.
Neste tipo de tutela, a regra geral é de que a entidade tutelada pratica o ato para que é
competente, envia-o para aprovação à entidade tutelar, e aguarda a sua aprovação ou recusa de
aprovação.
Outra hipótese é: a entidade tutelada depois de praticar o ato, apenas tem de comunicar à
entidade tutelar que o fez, sendo que a última tem o poder de se opor a tal execução – veto.
Assim, tanto a autorização como a aprovação podes sem expressas ou tácitas, totais ou parciais e
puras, condicionais ou a termo. Contudo, nunca podem modificar o ato sujeito a apreciação
pela entidade tutelar, ou seja, esse ato nunca pode ser modificado pela entidade tutelar, através
da autorização ou da aprovação. Pois, a entidade tutelar apenas pode autorizar ou recusar a
autorização desse ato. Uma vez que para modificar o ato, a entidade tutelar teria de ter
competência para se substituir à entidade tutelada e não tem, isto porque, nesta tutela
integrativa não pode haver poder de substituição.
Para além do mais, uma vez que a entidade tutelada tem autonomia, pelo pressuposto da tutela
administrativa, é óbvio que o ato definitivo principal é sempre o ato desta.
- Tutela inspectiva: poder de fiscalização dos órgãos, serviços, documentos e contas da
entidade tutelada, isto é, consiste no poder de fiscalização da organização e
funcionamento da entidade tutelada. Chamam-se a estes serviços da administração
pública, serviços inspectivos.
- Tutela sancionatória: traduz-se no poder de aplicar sanções por irregularidades que
tenham sido detectadas, no exercício da tutela inspectiva, na entidade tutelada.
- Tutela revogatória: funda-se no poder de revogar os atos administrativos praticados
pela entidade tutelada. Este tipo de tutela, contudo, é excecional.
- Tutela substitutiva: é o poder da entidade tutelar de suprir as omissões da entidade
tutelada, praticando, em vez dela e por conta dela, os atos que forem legalmente devidos.
Isto traduz-se na hipótese de os órgãos competentes da pessoa tutelada não praticarem
atos que lhes sejam juridicamente obrigatórios. Assim, se houver tutela substitutiva, o
órgão tutelar pode substituir-se aos órgãos da entidade tutelada e praticar os atos
legalmente devidos.
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Regime jurídico da tutela administrativa:
Antes de mais, o princípio geral de relevância da tutela administrativa é que esta não se presume,
isto é, a tutela administrativa só existe quando a lei expressamente a prevê e nos precisos termos
em que a estabelecer. Ou seja, a tutela só existe nas modalidades que a lei consagrar, e nos termos
e dentro dos limites que a lei impuser.
Por outro lado, mas não menos relevante, a entidade tutelada tem legitimidade para impugnar,
quer administrativa quer contenciosamente, os atos pelos quais a entidade tutelar exerça os seus
poderes de tutela. Por isso, se a entidade tutelar exercer um poder de tutela em termos
prejudiciais à entidade tutelada, tem esta o direito de impugnar esses mesmo atos juntos dos
tribunais administrativos.
O regime jurídico da tutela administrativa das autarquias locais e entidades equiparadas
encontra-se regulado pela Lei nº 27/96, de 01 de agosto.
Natureza jurídica da tutela administrativa:
Surgem três teses que tentam determinar a natureza jurídica da tutela administrativa:
- Tese da analogia com a tutela civil: para os defensores desta tese, a tutela
administrativa seria uma figura semelhante à tutela civil, em que o objetivo é prover ao
suprimento das diversas incapacidades. Ou seja, também no Direito Administrativo, o
legislador terá sentido a necessidade de criar um mecanismo apto a prevenir ou remediar
as deficiências que têm lugar na atuação das entidades públicas menores ou
subordinadas. Assim, a tutela administrativa, à semelhança da tutela civil, cisaria suprir
essas deficiências orgânicas ou funcionais das entidades tuteladas.
- Tese da hierarquia enfraquecida: esta tese foi defendida por Marcello Caetano,
segundo a qual, a tutela administrativa é como que uma hierarquia enfraquecida. Ou
seja, no fundo, os poderes tutelares que são poderes hierárquicos enfraquecidos, pois
exercem-se não sobre entidades dependentes, mas sim autónomas, o que segundo
Marcello Caetano, eram poderes hierárquicos «quebrados pela autonomia».
- Tese do poder de controlo: esta é a tesa que atualmente parece mais adequada.
Segundo o ponto de vista desta tese, a tutela administrativa não tem qualquer analogia
relevante à tutela civil, nem com a hierarquia, enfraquecida, sendo que constitui uma
figura sui generis. Corresponde, assim, a uma ideia de um poder de controlo exercido
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por um órgão da Administração sobre certas pessoas coletivas sujeitas à sua intervenção,
para assegurar o respeito de determinados valores considerados essenciais.
Superintendência:
A superintendência é entendida como o poder conferido ao Estado ou a outra pessoa colectiva
de fins múltiplos, como as autarquias. Este poder é normalmente exercido entre 2 pessoas
coletivas públicas encontrando se uma, nalguma medida, na dependência da outra regra geral
por ser criação de outra dede definir objetivos e guiar a atuação das pessoas coletivas públicas de
fins singulares colocadas por lei na sua dependência como os institutos públicos e as empresas
públicas.
Segundo a definição aceite por Freitas de Amaral, a superintendência trata-se um espécie com
natureza própria e com autonomia que se diferencia dos institutos da tutela e da hierarquia,
ainda que semelhante a estes últimos.
Da tutela, na medida em que não controla e fiscaliza , mas permite uma definição de objetivos e
de rumos;
Da hierarquia na medida em que carece de consagração na lei e não se rege por poderes
presumidos, típicos do superior hierárquico.
Nada impede porém, que 2 entidades estejam simultaneamente conectadas por
superintendência e tutela , nomeadamente as que estão inseridas na administração instrumental
do Estado (ver acórdão 11199/02).
Revela-se um mecanismos mais activo e intenso, a superintendência consubstancia-se com os
poderes determinados legalmente, sendo assim, temos por conclusão que a Administração não
poderá exceder os limites legais , estando esta submetida ao princípio da legalidade da
administração constante no artigo 3º do Código do Procedimento Administrativo: “Os órgãos
da administração pública devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos
poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins.”
A administração traduz-se sobretudo num poder de orientação. É destinada à administração
indireta e por essa razão distingue-se igualmente da direção que incide sobre a administração
direta, assim expresso no artigo 199º, alínea “d” da Constituição da República Portuguesa. O
Governo é o órgão de condução da política geral do país e o órgão superior da Administração
Pública.”
Os instrumentos típicos da Superintendência são as Directivas e as Recomendações, sendo que a
primeira impõe objectivos mas deixa a liberdade necessária e mais adequada à pessoa colectiva
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quanto aos meios que usará para atingir esses mesmos fins, e a segunda serão opiniões facultadas
à pessoa colectiva em questão sendo que têm um ponto fulcral pelo qual a pessoa colectiva
pública se deverá guiar, ou seja, pelas palavras do Prof. João Caupers será "um convite para agir
num certo sentido". Estas dentro da superintendência não podem ser impugnadas
contenciosamente.
6. Administração Indireta
Para começar, o que é a Administração Indireta do Estado? Como temos vindo a estudar ao longo
do semestre, a Administração Pública (AP) têm como fim último a satisfação do interesse público.
Sabemos também, que o Estado não é a única pessoa que, atualmente, prossegue o interesse
público. São precisamente estas pessoas, que não o Estado, mas por este criadas, que também
prosseguem as atribuições do Estado e o coadjuvar na realização destas.
Nas palavras de Freitas do Amaral, de um ponto de vista subjetivo, a Administração Indireta
do Estado define-se como “o conjunto das entidades públicas que desenvolvem, com personalidade
jurídica própria e autonomia administrativa, ou administrativa e financeira, uma atividade
administrativa destinada à realização de fins do Estado”. Segundo o mesmo autor, esta seria, do
ponto de vista material, definida como “uma atividade administrativa do Estado, realizada, para a
prossecução dos fins deste, por entidades públicas dotadas de personalidade jurídica própria e de
autonomia administrativa ou financeira”.
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6.1. Institutos Públicos
Os institutos públicos inserem-se na administração indireta do Estado, em que existe não existe
apenas uma pessoa coletiva, mas sim várias. Deste modo, esta situação verifica-se devido ao facto de
o Estado (sozinho) deixar de ter capacidade para satisfazer as necessidades de interesse público. De
igual modo, o Estado cria estas pessoas coletivas, que prosseguem fins do Estado, em que este
define as atribuições a cada uma delas.
Segundo o professor Freitas do Amaral, entende-se por instituto público "uma pessoa coletiva
pública, de tipo institucional, criada para assegurar o desempenho de determinadas funções
administrativas de caráter não empresarial, pertencentes ao Estado ou a outra pessoa coletiva
pública".
Assim, sistematizando esta definiçāo:
- Pessoa coletiva:caracteriza-se, assim, por ser sempre dotado de personalidade jurídica
- De tipo institucional: o substrato é uma instituição, nāo uma associação: assenta sobre
uma organização de caráter material e não sobre um agrupamento de pessoas.
- Criada para assegurar o desempenho de funções administrativas determinadas1
- De caráter nāo empresarial: as funções dos institutos públicos hão-de ser de caráter não
empresarial, distinguindo-se deste modo das desempenhadas por empresas públicas.
- Inserida na administração indireta: a administração desempenhada pelo instituto
público tem caráter indireto, isto é, as funções que lhe sāo cometidas não lhe pertencem
como funções próprias, antes devem considerar-se como funções que de raíz pertencem a
outra entidade pública (Estado, autarquias locais, regiões autónomas);
Outro aspecto também relevante é o facto de desempenhar funções determinadas, ou seja, as suas
atribuições nāo podem abranger uma multiplicidade genérica de fins. Os institutos públicos só
podem tratar das matérias que especificamente lhes sejam cometidas por lei - são entidades de fins
singulares e têm vocação especial.
No Direito Português, os institutos públicos não são regulados por nenhuma lei genérica que de
forma sistemática e unitária estabeleça o seu estatuto jurídico. Os aspetos essenciais do regime
1
A missão de qualquer instituto público é assegurar o desempenho de funções administrativas, o mesmo é dizer, o
desempenho de uma atividade pública administrativa. Deste modo, não há institutos públicos para o exercício de
funções privadas, nem para o desempenho de funções públicas não administrativas.
30
jurídico têm de ser retirados particularmente dos diplomas que aprovam as leis orgânicas de cada
um desses institutos.
Existem três espécies de institutos públicos a considerar:
- Serviços personalizados: serviços públicos de caráter administrativo, a que a lei atribui
personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira, para poderem funcionar
como se fossem verdadeiras instituições independentes, embora nāo o sejam (ex:
Laboratório Nacional de Engenharia Civil)
- Fundações públicas: fundações que revestem natureza de pessoa coletiva pública. Trata-se
de patrimónios que sāo afetados à prossecuçāo de fins públicos especiais (ex:serviços sociais
dos vários ministérios)
- Estabelecimentos públicos: institutos públicos de caráter cultural ou social, organizados
como serviços abertos ao público, e destinados a efetuar prestações à generalidade dos
cidadãos que delas careçam (ex:universidade públicas e hospitais do Estado)
Porém, nāo obstante o professor Freitas do Amaral dar o exemplo das universidades públicas, a
título pessoal nāo concordo com este exemplo, uma vez que não está ao mesmo nível dos hospitais
ao nível da necessidade (carecer de algo) sendo que se alguém precisa de um bem (fundamental,
como um hospital e nāo uma universidade), nāo deveria até de ter de pagar uma contra-prestaçāo,
daí não me opôr, ao contrário de muitos dos meus "conterrâneos" académicos, ao pagamento de
propinas numa universidade pública.
No entanto, quanto à natureza das universidades públicas, nem todos os autores concordam com
esta classificação. Defendem alguns que as universidades integram a administração autónoma e ,
como tal, estão sujeitas apenas ao poder da tutela do Estado. O argumento é, precisamente, o de
que nāo se afigura correta a sujeição das universidades a um poder tão forte como o de
superintendência.
Do conjunto variado e multifacetado das respetivas leis orgânicas , é possível extrair os seguintes
traços específicos:
- São pessoas coletivas públicas;
- Beneficiam, em maior ou menor grau, de autonomia administrativa;
- Podem dispor, e normalmente dispõem, de autonomia financeira;
- São, em regra, criados, modificados e extintos mediante decreto-lei;
31
- Possuem orgāos próprios, dos quais o principal é, regra geral, uma comissão ou junta
autónoma ou conselho administrativo;
- Os presidentes respectivos são simultaneamente órgão dirigente do instituto público
- Os seus serviços administrativos podem ser centrais ou locai;
- Estão sujeitos a uma intervenção bastante intensa do Governo, traduzia em poderes de
superintendência e tutela administrativa;
- O regime jurídico do seu funcionamento é, regra geral, um regime de Direito Público;
Existem diferentes opiniões a respeito da natureza dos institutos públicos:
O instituto público como substrato institucional autónomo- para esta conceção, os institutos
públicos sāo entidades juridicamente distintas do Estado, criadas pela ordem jurídica com base
num serviço, patrimônio ou estabelecimento. Os seus órgãos dirigentes são, em princípio, órgãos
do instituto público e não órgãos do Estado; o seu pessoal é também privativo do instituto público,
não é funcionalismo do Estado.
O instituto público como órgãos com personalidade jurídica- segundo estes autores, os institutos
públicos são órgãos personalizados ( do Estado, município, freguesia); órgãos com personalidade
jurídica apenas para efeitos de direito privado, nomeadamente patrimoniais. Na mesma linha de
análise, os seus órgãos são órgãos do Estado, o seu pessoal e as suas finanças são também estaduais, o
seu património é um património do Estado, ainda que autônomo. .
Relativamente a esta distinção, o professor Freitas do Amaral dá preferência à primeira
orientação, embora não tenha dificuldade em aceitar a segunda tese, reconhece que, na esmagadora
maioria dos casos, a lei não personaliza órgãos, mas substratos autónomos do tipo do serviço,
fundaçāo ou estabelecimento, a que reconhece, até certo ponto, a titularidade de interesses
públicos próprios, eventualmente oponíveis ao Estado em juízo.
Setor Público Empresarial
O Principal Objetivo do Setor Público Empresarial é satisfazer as necessidades da coletividade,
porém deve ser sempre assegurado que o seu desenvolvimento segue parâmetros de qualidade,
eficiência e eficácia, contribuído para um equilíbrio económico. O seu regime foi alterado pelo
Decreto-Lei nº 133/2013 de 3 de Outubro. As principais alterações são:
1. Alargamento do âmbito setorial de aplicação deste regime jurídico;
2. Clarificação e alargamento do âmbito subjectivo de aplicação do regime jurídico;
3. A função acionista ao serviço do controlo financeiro e da monitorização;
32
4. Unidade técnica de acompanhamento e monitorização do setor público empresarial ;
5. Contenção da despesa e controlo do endividamento Este setor é constituído por Empresas
Públicas e por Empresas Participadas;
No artigo 5º, do Decreto-Lei anteriormente referido, é nos dito o que são empresas públicas.
Segundo o Professor Freitas do Amaral, as empresas públicas são unidades de produção, isto
significa que se dedicam à produção de determinados bens ou serviços, destinados a ser vendidos no
mercado mediante um preço. Estas empresas prosseguem fins lucrativos, porém isto não quer dizer
que na prática dêem sempre lucro, quando não dão lucro são consideradas deficitárias. Com isto
dir-se-á que elas podem não dar lucro, mas o seu objetivo principal tem de ser dar lucro. Dar ou não
lucro não tem haver com a finalidade desta, mas com a boa ou má administração. O lucro público
pode ser aplicado no autofinanciamento da própria empresa, ou na retribuição ao Estado dos
contributos que ele tenha dado inicialmente, ou noutra qualquer finalidade determinada por lei.
Existem três aspetos as caracterizam, estes são o facto de a empresa pública ser uma pessoa coletiva,
da sua direção ser sempre pública, ou seja os órgãos dirigentes da empresa pública são sempre
órgãos públicos e a empresa pública tem, por definição, capitais públicos, ou seja o património da
empresa é público, bem como o seu financiamento.
Os principais motivos para a criação de empresas públicas são primeiro o Estado sentir necessidade
de intervir nos setores chave da economia, por uma questão de modernização e eficiência da
Administração, por vezes o Estado cria empresas públicas ou chama empresas anteriormente
privadas para o setor público, para, no fundo, melhorar a eficiência da Administração, execução
um programa ideológico, o desejo de prestar ao público bens ou serviços em condições
especialmente favoráveis e a vontade de incentivar o desenvolvimento de determinada região. As
Empresas Participadas (Artigo 7 do Decreto-Lei 133/2013 de 3 de Outubro) são empresas Privadas
onde o Estado tem alguma participação ou é acionista. O Estado tem participação nessas empresas
para continuar a ter uma influência sobre as mesmas, uma vez que estas visam à prossecução de
necessidades coletivas. Para concluir é importante referir que o Setor Público Empresarial funciona
seguindo uma lógica de mercado, procurando sempre obter lucro mesmo que não o consiga. Estas
Empresas visam a maior eficácia, economia e eficiência dos recursos humanos e financeiros que têm
seu dispor, para o exercício das suas atribuições.
Importa, primeiramente, referir que a expressão Administração Pública comporta dois sentidos:
- orgânico (pelo professor Freitas do Amaral, é o sistema de órgãos, serviços e agentes do
Estado, bem como as demais pessoas coletivas públicas, que asseguram em nome da
33
coletividade a satisfação regular e contínua das necessidades coletivas de segurança, cultura
e bem-estar);
- material (atividade típica dos organismos e indivíduos que, sob a direção ou fiscalização
do poder político, desempenham em nome da coletividade, a tarefa de prover à satisfação
regular e contínua das necessidades coletivas de segurança, cultura e bem-estar económico e
social, nos termos estabelecidos pela legislação aplicável e sob o controlo dos tribunais
competentes);
Posto isto, adotando a definição proposta por Freitas do Amaral, Empresas Públicas :
- organizações económicas de fim lucrativo, criadas e controladas por entidades jurídicas
públicas. Sendo estas um dos “ramos” da administração indireta, também elas são dotadas
de personalidade jurídica própria e autonomia decisória, patrimonial, financeira e de
gestão.
Poder-se-ia colocar a questão de saber se estas são ou não verdadeiras empresas. Freitas do
Amaral responde que, tendo o objetivo e, até, a obrigação de dar lucro, elas são, sem dúvida,
verdadeiras empresas. O facto de estarem sujeitas ao controlo legal e estatutário da Administração
Pública faz delas empresas públicas.
Freitas do Amaral, no seu manual de Direito Administrativo, afere alguns dos motivos que
incentivam a criação de EP’s. Distinguem-se motivos políticos e económicos de administrativos e
financeiros. São eles:
- Domínio de posições chave na economia (nascem da necessidade de intervenção na
economia);
- Modernização e eficiência da Administração (transformação de velhos serviços);
- Aplicação de uma sanção política;
- Execução de um programa ideológico (programas, por exemplo, de natureza socializante);
- Necessidade de monopólio;
- Outros (desejo de prestar bens ou serviços em condições favoráveis à população, por
exemplo).
Espécies de Empresas Públicas (também, segundo Freitas do Amaral):
- Quanto à titularidade, existem EP’s estaduais, regionais e municipais;
34
- Quanto à natureza jurídica, há EP’s com personalidade jurídica e sem personalidade
jurídica;
- Quanto à forma, podem-se distinguir EP’s sob forma pública e sob forma privada;
- Quanto ao objeto, as EP’s distinguem-se consoante tenham ou não por objecto a
prossecução de um serviço público ou de um interesse económico geral.
O principal objetivo das Empresas Públicas é o de contribuir para o equilíbrio
económico-financeiro do setor público e para a obtenção de níveis adequados de satisfação das
necessidades coletivas. O enquadramento geral da atuação das EP’s é retirado do art.15º do DL
133/2013, de epígrafe “Neutralidade competitiva”.
Entidades Públicas Empresariais:
Estas estão reguladas no capítulo IV do DL 133/2013, sendo a noção dada são entidades públicas
empresariais as pessoas coletivas de direito público, com natureza empresarial, criadas pelo Estado
para prossecução dos seus fins, as quais se regem pelas disposições do presente capítulo e,
subsidiariamente, pelas restantes normas do presente decreto-lei (Artigo 56.º).
A criação das EPE’s está regulada no art.57º (1- as entidades públicas empresariais são criadas por
decreto-lei, o qual aprova também os respetivos estatutos).
A extinção EPE’s faz-se mediante Decreto-Lei (art.35º/1).
A lei não distingue, aquando da regulamentação dos órgãos de Empresas Públicas, as de forma
jurídica privada das de forma jurídica pública. O DL 133/2013 remete para o Código das
Sociedades comerciais (no seu art.60º/1), sendo este código que também regula as empresas de
forma jurídica privada (as sociedades). Ainda assim, temos na secção IV do capítulo I regras
específicas de Direito Administrativo. Assim podemos resumir:
- 30º é relativo à existência de um modelo de governo societário e à separação de funções;
- 31º prescreve sobre a estrutura de administração e de fiscalização;
- 32º é relativo ao órgão de administração;
- Por fim, o art. 33º prevê o órgão de fiscalização.
O Artigo 60.º do decreto-Lei prevê, para os órgãos das EPE’s:
1 - A administração e fiscalização das entidades públicas empresariais devem estruturar-se segundo
as modalidades e com as designações previstas para as sociedades anónimas.
35
2 - Os órgãos de administração e fiscalização têm as competências genéricas previstas na lei
comercial, sem prejuízo do disposto no presente decreto-lei.
3 - Os estatutos podem prever a existência de outros órgãos, deliberativos ou consultivos, definindo
as respetivas competências.
4 - Os estatutos regulam, com observância das normas legais aplicáveis, a competência e o modo de
designação dos membros dos órgãos a que se referem os números anteriores.
Dizem-nos os professores Diogo Freitas do Amaral e Vasco Silva Pereira que chamar à
atuação do Governo sobre as EPE’s (neste caso) supervisão é excessivo. O Governo tem antes uma
função de superintendência. Esta função confere os seguintes poderes:
- Poder de dar orientações genéricas acerca do modo de exercício das atribuições do Estado;
- Poder de nomear e demitir os órgãos da PCP, demitir os membros do conselho de
administração;
- Poder de exercer tutela em sentido restrito (poder de controlar atos concretos, poder de
ratificação de atos, poder de autorizar). No quadro desta tutela o Governo pode ter poderes
sancionatórios;
-
Assim, tendo em conta os poderes que o Estado pode exercer sobre a Administração Indireta,
particularmente, sobre as Empresas Públicas de forma jurídica pública, este apena pode atuar em
situações mais graves (segundo Vasco Pereira da Silva).
Continuando a análise do Decreto-Lei 133/2013, do art. 14º (de epígrafe Direito Aplicável) é
possível retirar que, apesar de serem administradas por uma direção pública e sempre sujeitas a um
apertado controlo público, aplicam, em princípio, na sua atividade, direito privado. Contudo o art.
22º prevê os casos em que as EP’s podem exercer poderes e prerrogativas do Estado. São eles a
expropriação por utilidade pública; a utilização, proteção e gestão das infraestruturas afetas ao
serviço público; o licenciamento e concessão, nos termos da legislação aplicável, da utilização do
domínio público, da ocupação ou do exercício de qualquer atividade nos terrenos, edificações e
outras infraestruturas que lhe estejam afetas.
Conclui-se que a regra geral é a da gestão privada, sendo a gestão pública apenas aplicável em
situações excepcionais e na prossecução do interesse público.
Principais corolários da gestão privada:
36
- Contabilidade;
- Fiscalização das contas (art. 26º);
- Regime jurídico pessoal (arts. 17º e 18º);
- Segurança Social;
- Impostos do pessoal e da empresa;
- Registo comercial (art. 61º);
- Contencioso (art. 23º);
- Execução por dívidas (art. 35º/2);
7. Administração Autónoma
Administração autónoma→ aquela que prossegue interesses públicos próprios das pessoas que
a constituem e por isso se dirige a si mesma, definindo com independência a orientação das suas
atividades, sem sujeição à hierarquia ou a superintendência do Governo;
A administração autónoma é composta por pessoas coletivas públicas independentes do Estado,
ou seja, não são subordinadas ou controladas por este. Existe apenas a exceção da tutela exercida
pelo Governo sobre elas (Art.199° alínea d) C.R.P.), que se trata apenas de um poder de fiscalização
e não de controlo no sentido próprio. Os seus órgãos realizam as suas funções com independência,
sem ter de obedecer a ordens provenientes da administração central. Os interesses que refere a
definição são os interesses próprios das pessoas que a constituem (ao invés da administração direta
periférica, cujos interesses são as atribuições da administração direta central), ou seja, a população
da circunscrição territorial no caso das autarquias locais, e os seus associados no caso das associações
públicas. Portanto, existe sempre um substrato humano, ao contrário da restante administração,
onde existem substratos materiais.
Dentro da administração autónoma, podemos encontrar vários tipos de entidades, entre elas:
- Associações Públicas;
- Autarquias Locais;
- As regiões autónomas dos Açores e da Madeira;
Podemos notar que embora exista sempre um substrato humano, existe grande heterogeneidade
entre estas várias entidades. Assim, dividem-se entre entidades de administração autónoma não
territorial, onde se enquadram as associações públicas, e entidades de administração autónoma
territorial, onde se encontram as autarquias locais e as regiões autónomas. Nas associações o
elemento que junta os seus membros é a prossecução de um fim comum, a que o Estado reconhece
ser de interesse público, nas autarquias locais e nas R.A. é o elemento territorial que as junta, uma
37
vez que a sua proximidade (uso dos mesmos espaços, proximidade de residências) leva a que haja
cooperação para fazer face às necessidades comuns a todos, que dependem de circunscrição
territorial para circunscrição territorial. As regiões autónomas são um caso particular, uma vez que,
embora partilhem com as autarquias locais o caráter territorial da administração, estas são alvo de
uma descentralização política e administrativa, enquanto que as autarquias locais têm apenas uma
descentralização administrativa do poder, sendo assim mais limitadas pelo poder central, como
veremos adiante.
- ASSOCIAÇÕES PÚBLICAS:
Dentro do quadro associativo, existem algumas associações que são criadas ou reconhecidas pelo
Estado para prosseguirem, de forma autónoma, interesses públicos. Tratam-se de pessoas coletivas
públicas de natureza associativa. Esta figura distingue-se das empresas públicas e dos institutos
públicos uma vez que estes assentam sobre uma instituição, enquanto que as associações assentam
sobre o associativismo, no sentido de serem constituídas por uma pluralidade de indivíduos juntos
por um interesse comum, que o Estado reconhece ser benéfico para todos. Diferenciam-se ainda
pelo facto de os institutos e as empresas públicas prosseguirem interesses do Estado, ao passo que as
associações prosseguem os seus próprios interesses, sem intromissão da administração central.
Estas associações são de extrema importância, visto que transferem tarefas que caberiam ao
Estado regular para associações de particulares, aproximando a administração do cidadão, que
ganha uma maior voz de expressão nos domínios do seu interesse. Segundo o artigo 267°/ n°1 da
C.R.P., as associações públicas surgem de modo a desburocratizar a Administração Pública, para
aproximar os serviços das populações e para permitir que estas interfiram na gestão desses mesmos
serviços. Por exemplo, a criação de ordens como a Ordem dos Médicos fez com que os médicos
tomassem melhor partido na regulação da sua atividade profissional. Os interesses destes
profissionais são melhor defendidos nas mãos de quem executa a profissão, existindo assim uma
participação pelos interessados na gestão do setor.
Para serem consideradas associações públicas, estas devem preencher três requisitos:
-Qualidade de pessoa colectiva de direito público;
-Devem ter natureza associativa;
-Devem ainda possuir personalidade jurídica;
Existem três tipos de associações públicas: as de entidades públicas, as de entidades privadas e ainda
as de caráter misto.
38
→ ASSOCIAÇÕES PÚBLICAS DE ENTIDADES PÚBLICAS
Tratam-se de associações cujos membros são provenientes de entidades públicas menores. As áreas
metropolitanas, as comunidades intermunicipais e as associações de autarquias locais de fins
específicos são as figuras mais típicas deste tipo de associações.
As áreas metropolitanas são associações de municípios que prosseguem, para além das suas
atribuições próprias, atribuições cometidas pela administração central a esta. Estas associações
encontram-se limitadas em termos de adesão, uma vez que a lei enumera taxativamente os
municípios que podem fazer parte destas, bem como tem de autorizar a criação de novas áreas deste
tipo.
As comunidades intermunicipais também limitam a liberdade associativa dos municípios, pelo
facto de a lei fixar a área territorial dessas comunidades, ou seja, os municípios que dela podem fazer
parte. Deste modo, um município do Algarve não poderia juntar-se a uma comunidade
intermunicipal da zona do Oeste. Contudo, isto não significa que todos os municípios tenham de
fazer parte de tal comunidade. Existe um direito potestativo de adesão, em nome da cooperação
entre as autarquias, ou seja, um município tem a liberdade de entrar na comunidade mesmo com a
oposição dos restantes.
Por fim, as associações de autarquias locais de fins específicos já são dotadas de uma maior liberdade
de associação, uma vez que existe livre constituição e adesão nas mesmas. Esta autonomia torna-se
vital para que as autarquias consigam estabelecer amplos graus de cooperação entre si, para que
ambas atinjam objetivos comuns.
→ ASSOCIAÇÕES PÚBLICAS DE ENTIDADES PRIVADAS
Aqui já lidamos com associações de caráter mais corporativo, pelo que os melhores exemplos destas
são as ordens e as câmaras profissionais. Neste tipo de associações, são os privados que se juntam e
se associam, em virtude de um objetivo, que o Estado reconhece ser do interesse público geral e que
deve ser a própria associação a prossegui-lo.
As ordens profissionais referidas em cima regulam a profissão em causa, representam-na no
exterior, têm poderes disciplinares perante os seus membros e ainda colocam requisitos de adesão a
tal atividade profissional. Vemos então que estas ordens são dotadas de amplos poderes de
regulação profissional, da mesma maneira que o Estado regula outros setores profissionais. Aqui o
que acontece é que a atuação do Estado é feita por outra pessoa coletiva pública independente.
39
No entanto, existem aqui alguns sacrifícios em termos de liberdades, nomeadamente, na liberdade
de associação e na liberdade de profissão, uma vez que a ordem é de filiação obrigatória, ou seja, ou
o trabalhador entra na ordem ou está proibido de exercer a profissão em questão.
→ ASSOCIAÇÕES PÚBLICAS DE CARÁTER MISTO
Estas associações consideram-se de caráter misto, uma vez que são constituídas tanto por privados
como por pessoas coletivas públicas. Existe nesta modalidade de associações públicas um objetivo
de cooperação entre o setor público e várias entidades privadas, de modo a que conjuguem ambos
os seus interesses para a prosperidade de todos. É o que acontece no turismo com as Entidades
Regionais de Turismo, que são constituídas por representantes do Estado juntamente com
representantes de entidades privadas, que têm igual interesse em desenvolver a atividade turística de
cada área regional.
➜REGIME JURÍDICO DAS ASSOCIAÇÕES PÚBLICAS
Na ausência de um regime próprio para todas as associações públicas, as regras aplicáveis
encontram-se espalhadas por vários diplomas avulsos, como a LAPP (Lei 2/2013, de 10 de janeiro),
respeitante à criação e regulação de associações públicas profissionais. Porém, todas as associações
públicas, como pessoas colectivas de direito público, estão sujeitas, tal como a restante
administração pública, à Constituição. Por exemplo, os seus atos devem ser conformes a
Constituição (Art. 3°/ n°3 C.R.P.), está vinculada ao princípio da responsabilidade civil dos
poderes públicos (Art. 22° C.R.P.) e ao regime de direitos, liberdades e garantias (Art. 18°/ n°1
C.R.P.), entre outras vinculações.
Estas associações estão também sujeitas a regras de direito privado e ao regime associativo presente
nos artigos 157° e seguintes do Código Civil, uma vez que ainda se tratam de associações. A
Constituição consagra ainda algumas limitações às associações públicas, presentes no artigo 267°/4
C.R.P.:
- São apenas constituídas para satisfazer necessidades específicas;
- Não podem substituir as associações sindicais nas suas funções;
- A sua estrutura de poder tem de ter natureza democrática;
- A sua organização interna deve respeitar os direitos dos seus membros;
AUTARQUIAS LOCAIS
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As autarquias locais também são pessoas coletivas públicas, de caráter territorial, visto que incidem
sobre uma fração do território. Estas visam defender os interesses de um agregado populacional,
residente nesta mesma fração. Segundo o artigo 235°/ n°2 da C.R.P., são um verdadeiro imperativo
constitucional. São compostas por quatro elementos:
- Território;
- População;
- Interesses comuns e próprios (justificando a sua separação do Estado);
- Órgãos representativos;
A existência destas entidades concretiza o conceito de descentralização administrativa, no sentido
em que existem pessoas coletivas a intervir na vida pública para além do Estado, tendo voz acerca de
uma parte importante dos assuntos públicos. Esta autonomia inclui finanças e patrimónios
próprios, ainda que esteja submetida a um regime estabelecido por lei.
Contudo, Freitas do Amaral considera que as autarquias locais não podem ser consideradas um
verdadeiro poder local, devido à falta de competências e de meios financeiros, tal como a
subordinação a políticas públicas nacionais, ainda que com especificidades regionais e com o
direito de participação na elaboração das mesmas. O professor universitário chega ainda a referir o
poder local, expressão usada na Constituição, como sendo algo a atingir e não algo já adquirido.
→ FREGUESIAS
As freguesias são autarquias locais intermunicipais que visam, tal como os municípios, a
prossecução dos interesses próprios da população que nelas reside.
Entre as atribuições das freguesias podemos encontrar a realização do recenseamento, a
administração de bens próprios e atribuições a nível da assistência social e da saúde pública (Art. 7°
LAL).
A freguesia é composta pela Assembleia de Freguesia (órgão representativo) e a Junta de Freguesia
(órgão executivo). A Assembleia de Freguesia elege e fiscaliza a Junta, entre outras funções
presentes no Art. 9° e 10° da LAL. A Junta de Freguesia, por seu lado tem funções executivas, de
gestão das finanças locais e de colaboração com o município, como refere o Art. 16° e 19° da mesma
lei.
→ MUNICÍPIOS
Do mesmo modo que as freguesias, os municípios são também pessoas coletivas públicas de cariz
territorial. No entanto, diferenciam-se destas no sentido em que prosseguem interesses de uma
circunscrição territorial maior, que envolve várias freguesias. É nos municípios que
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verdadeiramente se defendem os interesses locais, numa dimensão muito maior à das autarquias
locais tratadas no ponto anterior.
Em relação às suas atribuições, foi adotado um sistema misto da sua definição, ou seja, é definida
uma cláusula geral das suas atribuições, presente no n°1 do artigo 23° da Lei das Autarquias Locais
(Lei 75/2013, de 12 de setembro):
- Artigo 23.º Atribuições do município;
De seguida, é elaborada uma lista exemplificativa das atribuições, que não impedem a existência de
outras que se enquadrem na cláusula geral, como menciona o segundo número deste artigo:
Assim, em nome da autonomia local e dos interesses locais, o município tem uma grande liberdade
de manobra nas suas atribuições, não estando limitado por uma listagem taxativa de atribuições.
Em termos de organização, as autarquias locais são compostas por uma Assembleia Municipal, a
Câmara Municipal e o Presidente da Câmara. A assembleia é composta pelos presidentes das juntas
de freguesias do concelho e por membros eleitos, tendo funções de orientação geral, de fiscalização
da Câmara Municipal e de fixação de taxas e impostos, entre outras (Art. 25° LAL), tratando-se do
órgão representativo do município. Por sua vez, a Câmara Municipal é o órgão executivo colegial,
do qual fazem parte o Presidente da Câmara e os vereadores. A este órgão compete executar as
deliberações da assembleia, gerir as finanças locais e tomar decisões acerca de atos e contratos
administrativos (Art. 33° LAL). Por fim, o Presidente da Câmara, como refere o artigo 35° da LAL,
tem uma função presidencial, presidindo às reuniões da Câmara e representando o município,
cabe-lhe executar as deliberações da Câmara, dirigir os serviços municipais, entre outras funções
presentes na disposição.
REGIÕES AUTÓNOMAS:
As Regiões Autónomas, por sua vez já são alvo de um tipo de descentralização mais profunda.
Cada uma delas tem um estatuto político-administrativo próprio e órgãos de governo próprio. São
ainda dotadas de poder legislativo, o que as torna completamente diferentes das autarquias locais.
Como refere o artigo 225°/ n°1 da Constituição, as características geográficas sociais e culturais da
população dessas regiões levaram a uma maior autonomia do que têm as autarquias, que passa pela
descentralização administrativa e pela descentralização política. Existe um forte limite a esta larga
autonomia concedida, nomeadamente o respeito pela integridade da soberania do Estado
português e a obediência à Constituição (Art. 225°/ n°3 C.R.P.).
42
O sistema de governo presente nas R.A. é composto pela Assembleia Legislativa, o Governo
Regional e o Representante da República. A Assembleia Legislativa é eleita de modo semelhante ao
da Assembleia da República, mas apenas com os residentes dos respectivos arquipélagos (Art. 231°/
n°2 C.R.P.). Compete a esta elaborar e apresentar projetos de decretos legislativos regionais. O
Governo Regional é nomeado pelo Representante da República, responsável perante a assembleia.
Cabe a este executar os atos legislativos no território da região. Por fim, o Representante da
República é nomeado e exonerado pelo Presidente da República, ouvido o Governo (Art. 230°/1),
e exerce apenas competências políticas, não tendo quaisquer competências administrativas.
Em relação às suas relações com o Estado, as R.A. não estão sujeitas à tutela das autarquias locais.
No entanto, são controladas através das leis que emanam dos órgãos de soberania, nomeadamente
em matérias de reserva, que são de aplicação nacional e vedadas às regiões autónomas, sendo assim,
obrigatórias para os arquipélagos.
8. Delegação de Poderes
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Os requisitos da delegação estão patentes no art. 47º, sendo eles:
- Especificação dos poderes delegados ou dos atos que o delegado pode praticar;
- Existência de norma atributiva, tanto do poder do delegado como a que habilita o órgão a
delegar;
- Sujeição à publicação nos termos do art. 159º do CPA
- Este art. 47º tem, sempre, de ser aplicado conforme com o art. 111º/2 da CRP (remissão
para os dois primeiros requisitos especificados), só pode haver delegação de poderes com
base na lei.
Freitas do Amaral refere ainda que é necessário, para que possa haver delegação de poderes, a
existência de dois órgãos (porque a delegação pode ser entre órgãos da mesma pessoa coletiva
pública ou, até mesmo, entre órgãos de diferentes pcp’s) ou a existência de um órgão (o delegante) e
um agente (o delegado).
Figuras afins da delegação de poderes (que apesar de próximas, não se devem confundir com a
mesma):
- Transferência legal de competências (forma de desconcentração originária, ou seja,
decorre imediatamente da lei);
- Concessão (difere da delegação de poderes na medida em que o destinatário é um ente
privado);
- Delegação de serviços públicos (transfere para entidades particulares a gestão de um
serviço público);
- Substituição (lei permite que uma entidade exerça poderes ou pratique atos que
pertencem à esfera jurídica própria de outra entidade);
- Suplência (órgão administrativo não pode exercer o seu cargo, sendo as duas funções
asseguradas por um suplente);
- Delegação de assinatura (por vezes a lei permite que um certo órgão administrativo
incumba um subalterno a assinar correspondência em seu nome, mantendo o superior a
capacidade decisória);
- Delegação tácita (lei determina que determinada competência seja delegada e, enquanto o
órgão superior nada disser, essa competência está, de facto, delegada).
Freitas do Amaral fala em habilitação genérica (que está presente no art. 44º/2 CPA, falando-se,
aqui, na delegação de alguns poderes) e habilitação específica, estando ambos os casos limitados
pelo art. 45º que tem por epígrafe “Poderes indelegáveis”. Ainda neste tópico, o art.44º /3
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(habilitação específica) fala em atos de administração ordinária, sendo estes todos os atos
administrativos não definitivos bem como os atos definitivos vinculados ou cuja discricionariedade
não tenha alcance na orientação da entidade pública a que o órgão em questão pertencer.
Espécies de delegação:
- Ampla ou restrita (conforme se trate da delegação de grande parte dos seus poderes ou
apenas uma pequena parcela deles, sendo que, pelo art.45º/a, nunca se pode tratar da
delegação global dos poderes do órgão);
- Específica ou genérica (conforme se trate da delegação de poderes para um ato isolado ou
uma pluralidade de atos);
- Delegação hierárquica ou não hierárquica (a segunda ocorre quando o órgão delega
poderes noutro que não depende, hierarquicamente, de si);
Pode ainda falar-se em delegação de primeiro grau, por oposição a subdelegação de poderes, mas
penso que, estando a subdelegação adstrita ao mesmo regime que a delegação, esta (a subdelegação)
não deve se considerada uma espécie de delegação.
O regime jurídico da delegação de poderes está, como já foi referido, no capítulo IV da parte II do
CPA, nos seus artigos 44º e seguintes. Neste capítulo encontra-se não só a noção de delegação de
poderes como toda as necessárias disposições para a aplicação desta figura jurídica. Por exemplo, no
art. 47º têm-se os requisitos do ato de delegação e no art. 48º a obrigatoriedade de menção da
qualidade de delegado, traduzindo o nº2 do mesmo artigo mera irregularidade. Nos últimos dois
artigos do capítulo em questão (art. 49º e 50º) têm-se enumerados os poderes de quem delega
poderes e as formas de extinção da figura da delegação, respetivamente.
A natureza jurídica da delegação de poderes levanta divergência doutrinária, existindo diversas teses
que a tentam explicar. São elas:
- Tese a alienação(poderes passam para a esfera de competência do delegado);
- Tese da autorização (competências do delegante não são alienadas nem transmitida, a lei
da habilitação confere competências condicionais ao delegado, o delegante permite ao
delegado o exercício das suas competências);
- Tese da transferência de exercício (tendo em conta que o delegante não fica alheio à
competência que delegou e que a competência do delegado vem da delegação e não da lei
de habilitação, a delegação constitui a transferência, não da titularidade dos poderes, mas
sim a transferência do exercício dos mesmos).
45
Esta última é a tese defendida pelo professor Freitas do Amaral, tendo esta algumas
consequências que importa referir. Primeiramente, o delegado não pode requerer delegação de
poderes em seu favor. A prática de atos que não foram objeto de delegação resulta em vício de
competência e não num simples vício de forma, sendo que quando o ato praticado fora da
delegação seja praticado por um agente, este é considerado inexistente. Por sua vez, Paulo Otero
dirige algumas críticas a esta tese, sendo de assinalar que, se toda a competência resulta da lei, não é
admissível que um órgão Administrativo exerça poderes que lhe são confiados por ato de natureza
administrativa. Freitas do Amaral contrapõem remetendo para o princípio da legalidade da
competência. Serve este exemplo apenas para exemplificar a forte divergência doutrinária que a
natureza da delegação de poderes origina.
9. Administração Independente
Falar em administração independente do Estado é falar de uma realidade completamente diferente
da administração central, quer direta quer indireta, e da administração autónoma do Estado.
Dentro da doutrina de Direito Administrativo, são raros os autores que teorizam a administração
independente, talvez por ser uma realidade simples de compreender através das normas
constitucionais e através da lei.
A grande particularidade da administração independente é simples de compreender. Se olharmos
para a competência administrativa do Governo presente no artigo 199.º da CRP, mais
concretamente a alínea d), compreendemos que compete ao Governo, no exercício de funções
administrativas, exercer o poder de direção sobre a administração direta do Estado, exercer poderes
de superintendência e tutela (de legalidade e de mérito) sobre a administração indireta, e exercer
poderes de tutela (de legalidade) sobre a administração autónoma. O caráter de independência da
administração independente está bem patente nesta norma, uma vez que «a contrario» se entende
que nenhum poder administrativo governamental é aplicado às entidades independentes. As
entidades independentes são realidades alheias à pessoa coletiva Estado.
Apesar de a Constituição da República Portuguesa ser muito breve no que concerne a
administração independente, o seu único preceito relativo a entidades independentes é muito
direto e sintético. Refere o nº3 do artigo 267.º da CRP que "a lei pode criar entidades
administrativas independentes.". É imperativo que seja a lei a criar tais entidades o que, por
conseguinte, faz com que seja uma matéria que integra a competência legislativa genérica da
Assembleia da República, através da alínea c) do artigo 161.º da CRP. A única ligação ou elemento
identificador do poder estatal em relação às entidades administrativas que compõem a
administração independente é, precisamente, o facto de serem criadas unicamente por Lei e, de um
modo geral, por prosseguirem um interesse público.
46
Segundo as anotações do Prof. Gomes Canotilho e do Prof. Vital Moreira ao artigo 267.º, nº 3 da
CRP, esclarecem que a independência das entidades administrativas independentes, do ponto de
vista orgânico, avalia-se pela composição, modo de designação dos titulares dos seus orgãos, regras
relativas ao mandato e regime de incompatibilidades (os seus titulares não podem ser destituídos
pelo Governo antes de terminarem o mandato). Já de um ponto de vista funcional, a
independência caracteriza-se pelo facto de elas desenvolverem a sua atividade sem sujeição a
quaisquer ordens ou instruções e sem qualquer censura ou contrato, por parte do governo ou de
outra autoridade (salvo os Tribunais).
Para entendermos bem o que são estas entidades, é necessário termos presente a Lei nº 67/2013, de
28 de agosto que aprova a Lei-quadro das entidades administrativas independentes com funções de
regulação da atividade económica dos setores privado, público e cooperativo. De um modo
genérico, estas entidades independentes têm o nome de Entidades Reguladoras.
Segundo o artigo 3.º, nº 3 da Lei nº 67/2013 (atenção que não é o artigo 3.º do diploma anexado),
são reconhecidas como entidades reguladoras as seguintes:
Instituto de Seguros de Portugal;
Comissão de Mercado de Valores Mobiliários;
Autoridade da Concorrência;
Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos;
Autoridade Nacional de Comunicações, redenominado pelo artigo 4.º, nº 3;
Instituto Nacional de Aviação Civil, redenominado pelo artigo 4.º, nº 3;
Instituto da Mobilidade e dos Transportes, reestruturado pelo artigo 4.º, nº1;
Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos;
Entidade Reguladora da Saúde.
Há uma importante exceção no nº 4 do artigo 3.º que esclarece que o Banco de Portugal e a
Entidade Reguladora para a Comunicação Social não se regem pela Lei-quadro das entidades
reguladoras uma vez que a própria lei estabelece que se regem por legislação própria - artigo 3.º, nº
4, parte final.
Tendo agora presente a Lei-quadro das Entidades Reguladoras (anexo da Lei nº 67/2013), é
possível observar uma definição do que é uma entidade reguladora. Nos termos do artigo 3.º, nº 1,
as entidades reguladoras são pessoas coletivas de direito público, com natureza de entidades
administrativas independentes (artigo 267.º, nº 3 da CRP) que, possuem atribuições em matéria de
regulação da atividade económica, de defesa dos serviços de interesse geral, de proteção dos direitos
e interesses dos consumidores e de promoção e defesa da concorrência. O nº 2 do referido artigo
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esclarece o âmbito da independência destas entidades, que para prosseguirem as suas atribuições
devem dispor de:
- autonomia administrativa e financeira;
- autonomia de gestão;
- independência orgânica, funcional e técnica;
- orgãos, serviços, pessoal e património próprio;
- poderes de regulação, de regulamentação, de supervisão, de fiscalização e de sanção de
infrações;
- proteger os direitos e interesses dos consumidores;
O artigo 5.º tem especial relevância pois esclarece quais os regimes jurídicos aplicáveis a estas
entidades para que estas atuem dentro da legalidade, uma vez que não deixam de ser entidades
administrativas sob a forma pública que estão sujeitas à juridicidade e legalidade (artigo 266.º, nº 2,
primeira parte). Para além de se regerem pela Lei-quadro em análise, regem-se ainda pela legislação
setorial aplicável e pelos respetivos estatutos e regulamentos internos (nº 1 do artigo 5.º). O nº 2
esclarece que, no âmbito do exercício de poderes públicos, é ainda aplicado a estas entidades
independentes o Código do Procedimento Administrativo (CPA), e as leis de contencioso
administrativo. Por fim, o nº 3 ainda refere que faz parte do regime jurídico destas entidades a
aplicação do:
- regime da contratação pública;
- regime da responsabilidade civil do Estado;
- os deveres de informação decorrentes do Sistema de Informação da Organização do Estado
(SIOE);
- regime de jurisdição e controlo financeiro do Tribunal de Contas;
- regime de inspeção e auditoria dos serviços do Estado.
-
O processo de criação e a especificidade da sua criação estão, respetivamente, presentes no artigo
6.º e 7.º da Lei-quadro. Não obstante serem entidades administrativas independentes, todas elas
estão subordinadas a um Ministério responsável como nos diz o artigo 9.º. Refere o nº 1 do artigo
9.º que cada entidade reguladora está adstrita a um ministério em cuja lei orgânica deve ser referida.
A título de exemplo podemos observar a Lei Orgânica do Ministério da Saúde aprovada pelo
Decreto-Lei nº 124/2011, de 29 de dezembro, que esclarece no seu artigo 6.º que a Entidade
Reguladora da Saúde (ERS) é a entidade administrativa independete de supervisão e regulação, no
âmbito do Ministério da Saúde, regulada pelo Decreto-Lei nº 126/2014, de 22 de agosto.
48
O Título III da Lei-quadro das entidades reguladoras prevê o modo geral de organização, dos
serviços e da gestão das entidades reguladoras. Estas entidades devem ser organizadas por orgãos
obrigatórios como é o caso do Conselho de administração e da Comissão de fiscalização ou Fiscal
único (artigo 15.º, nº 1).
O Capítulo IV da Lei-quadro dedica-se aos poderes e procedimentos, isto é, aos poderes
administrativos que são conferidos a estas entidades para conseguirem prosseguir as suas
atribuições da melhor forma possível. O artigo 40.º, nº 1, esclarece o que compete às entidades
reguladoras no exercício dos seus poderes de regulação, de supervisão, de fiscalização e de sanção de
infrações; o nº 2 estabelece os poderes de regulamentação das entidades reguladoras; o nº 3
estabelece os poderes em matéria de inspeção e auditoria, de fiscalização e de aplicação de sanções; e,
o nº 4 confere poderes de mediação. Note-se que todos os poderes conferidos por lei às entidades
reguladoras têm sempre como limite de atuação o previsto nos próprios estatutos das entidades
reguladoras em causa, assim como estabelecem as partes iniciais do nº 1, nº 2, nº 3 e nº 4 do artigo
40.º.
10. Relações jurídicas administrativas entre a Administração Pública e os particulares
Consagra o art. 266º/1 CRP que "A Administração Pública visa a prossecução do interesse
público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos". Ora, desde logo
podemos concluir que incumbe à Administração Pública a satisfação de necessidades colectivas de
modo a prosseguir o interesse público, isto é, o interesse da comunidade (o «bem comum»). Essa
tarefa de prossecução do interesse público cabe a um conjunto de órgãos, serviços e agentes
públicos devidamente regulado e organizado.
De um modo bastante consensual, a actual doutrina administrativa (neste sentido, cfr. FREITAS
DO AMARAL, JOÃO CAUPERS e REBELO DE SOUSA / SALGADO DE MATOS) encara
«administração pública» como uma expressão polissêmica, que pode ser apresentada em diversos
sentidos, nomeadamente em sentido orgânico, quando nos referimos à Administração Pública
enquanto organização ou conjunto de órgãos, serviços e agentes públicos; ou em sentido material,
quando utilizada em sentido de actividade ou de operações realizadas pelos órgãos, serviços e
agentes públicos com vista à satisfação regular de necessidades colectivas.
Interessa-nos agora, porém, um terceiro sentido do conceito de administração pública, que é o
sentido formal: a Administração Pública enquanto poder público. Dizem REBELO DE SOUSA
e SALGADO DE MATOS: "Na doutrina portuguesa, o sentido formal de administração pública
exprime usualmente os modos de actuação da administração pública em sentido orgânico, quando
exerce a administração pública em sentido material e usa poderes que lhe dão supremacia sobre os
49
cidadãos". Ou seja, estamos perante uma administração pública enquanto autoridade e que, tal
como refere MARCELLO CAETANO, "deixa de se caracterizar como função para se afirmar
como poder".
Assim, podemos entender a Administração Pública enquanto poder administrativo: "sistema de
órgãos do Estado e das entidades públicas menores que se caracteriza pela faculdade de, com base
nas leis e sob o controlo dos tribunais competentes, estabelecer normas jurídicas e tomar decisões,
em termos obrigatórios para os respetivos destinatários, estando-lhe confiado o monopólio do uso
legítimo da força pública (militar ou policial), a fim de assegurar a execução coerciva quer das suas
próprias normas e decisões, quer das normas e decisões dos outros poderes do Estado (leis e
sentenças)" ( FREITAS DO AMARAL).
- Conceito de relação jurídica administrativa:
O art. 212º/3 CRP estatui que "Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das
acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações
jurídicas administrativas e fiscais". Surge-nos, deste modo, o conceito de relação jurídica
administrativa como modo de definir o âmbito da justiça administrativa, segundo a Constituição.
Ao longo dos tempos, tem havido uma evolução da doutrina de Direito Administrativo
relativamente a este conceito. De facto, como nos aponta JOÃO CAUPERS: "As explicações
tradicionais do direito administrativo português não continham, em regra, qualquer referência à
existência de relações jurídico-administrativas". Ora, na época do Estado Liberal (séc. XIX),
estávamos perante um Estado mínimo e uma Administração fundamentalmente autoritária e
agressiva, sendo o particular considerado um "objecto" do poder soberano, destituído de direitos
subjectivos. A Administração Pública modificava unilateralmente as esferas dos particulares,
sujeitos à sua actuação, através do acto administrativo, que era considerado a figura central do
Direito Administrativo nesta época.
Porém, ao longo do século XX, a Administração Pública evolui de uma Administração autoritária
para uma Administração prestadora de serviços aos particulares. A actual Constituição da
República Portuguesa afasta ainda a hipótese de o indivíduo, enquanto sujeito de Direito, ser
tratado como mero objecto dos poderes públicos; este torna-se verdadeira parte do procedimento
administrativo, com direitos e garantias face à Administração e aos restantes poderes públicos,
como consagrado nos arts. 20º/1, 48º e 268º CRP. Deste modo, face aos inúmeros problemas do
Direito Administrativo moderno, a dogmática do acto administrativo deixa de ser suficiente e a
base fundamental da dogmática deste ramo do Direito passa a ser a relação jurídica administrativa.
50
Como refere VASCO PEREIRA DA SILVA: "A relação jurídica apresenta, assim, a vantagem
dogmática de possuir um âmbito de aplicação muito maior do que o do acto administrativo, capaz
de englobar todas as decisões unilaterais (individuais e concretas) da Administração - e permitindo
ainda o enquadramento teórico dos direitos e deveres dos sujeitos jurídicos, anteriores ou
posteriores a esses actos -, assim como de abranger também todas as demais situações em que
estejam estabelecidas ligações jurídicas entre as autoridades administrativas e os particulares". Este
autor defende ainda esta dogmática da relação jurídica visto que, de acordo com esta, "o privado
encontra-se perante a Administração, não como objecto de um poder administrativo - um simples
"administrado" -, mas como um autónomo sujeito jurídico, que ocupa no mundo do direito uma
posição igual à Administração".
No mesmo sentido de JOÃO CAUPERS, não concordamos inteiramente com a afirmação supra
transcrita, isto porque a Administração Pública, no seu sentido formal, consiste num poder
público, dotado de autoridade e, como tal, não podemos considerar que esta esteja, de um modo
geral, numa situação de paridade com os cidadãos. Tal não significa, porém, que não possam existir
relações tendencialmente paritárias entre Administração Pública e particulares, dado o aumento de
direitos dos cidadãos face à Administração e de deveres desta para com os privados.
Relativamente à definição do conceito de relação jurídica administrativa, existem várias na doutrina
administrativa portuguesa. Para FREITAS DO AMARAL, trata-se de "toda a relação entre
sujeitos de direito, públicos ou privados, que atuem no exercício de poderes ou deveres públicos,
conferidos por normas de direito administrativo". Já VIEIRA DE ANDRADE, por sua vez, segue
um critério estatutário, definindo a relação jurídica de Direito Administrativo como uma relação
jurídica de direito público, na qual "um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou
uma entidade particular no exercício de um poder público ou de um dever público, conferido ou
imposto com vista à realização de um interesse público legalmente definido".
O Poder Administrativo
Tal como foi supra mencionado, a Administração Pública pode ser entendida como poder
administrativo, isto é, como um sistema de órgãos e de agentes públicos que atuam com poderes
exorbitantes ou de autoridade, criando situações jurídicas passivas ou de desvantagem do lado dos
particulares, como deveres, sujeições ou ônus (Exemplo: a Administração unilateralmente
determina o montante de imposto devido por cada contribuinte).
51
É, no entanto, importante referir que este poder administrativo não é arbitrário, pois é pautado por
diversos princípios que deve seguir ao satisfazer as necessidades da colectividade. Por força do art.
266º/2 CRP, "Os órgãos e agentes estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no
exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da
justiça, da imparcialidade e da boa fé". O nº1 do mesmo artigo refere ainda o princípio da
prossecução do interesse público, o qual constitui, segundo JOÃO CAUPERS, "o verdadeiro fio
condutor da actividade administrativa pública".
Assim, concluímos que a Administração Pública dispõe de poderes públicos de índole geral, que
são verdadeiros poderes-deveres ou poderes funcionais (neste sentido, VIEIRA DE ANDRADE),
pois são de exercício vinculado e imprescritíveis, dado protegerem interesses de terceiros ou, neste
caso, da coletividade - interesse público. Mais ainda, tratam-se de poderes que devem obediência à
lei - princípio da legalidade - e, portanto, a Administração Pública apenas pode actuar dentro dos
limites da lei, não obstante a possibilidade de o legislador conferir alguma margem de livre actuação
e de decisão, isto é, de discricionariedade à Administração.
De qualquer modo, são diversas as manifestações do poder administrativo, sendo que actualmente
FREITAS DO AMARAL aponta como principais cinco manifestações: o poder regulamentar, o
poder de decisão unilateral, o poder de execução coerciva, o conjunto de poderes especiais do
contraente público nos contratos administrativos e o conjunto de poderes especiais das autoridades
de polícia.
O Poder Regulamentar
No nosso sistema administrativo, a Administração Pública tem faculdade regulamentária, ou seja,
poder de fazer regulamentos, por força dos arts. 199º-c), 227º/1-d) e 241º CRP. Tratando-se de um
poder público, a Administração "goza da prerrogativa de definir unilateral e previamente, em
termos genéricos e abstratos, em que sentido é que vai interpretar e aplicar as leis em vigor" (
FREITAS DO AMARAL).
Os regulamentos têm eficácia externa vinculativa e, como tal, constituem fontes de direito. Em
todo o caso, como dizem REBELO DE SOUSA e SALGADO DE MATOS, "não incorporam
decisões essenciais para a colectividade política, o que os aparta da lei; e estão sujeitos ao princípio
da legalidade, o que significa que têm que se fundamentar numa lei habilitante e que têm como
limites a Constituição, o direito internacional e comunitário e a lei, que não podem contrariar".
52
- O
Poder de Decisão Unilateral
Nesta situação, a Administração tem o poder de definir unilateralmente (isto é, por exclusiva
autoridade sua e sem necessidade de autorização ou acordo com o interessado) o direito aplicável a
um caso concreto, sendo essa definição unilateral obrigatória para os particulares. Como refere
MARCELLO CAETANO, a Administração Pública tem "a possibilidade de traçar a sua própria
conduta ou a conduta alheia independentemente do recurso aos tribunais".
Contudo, JOÃO CAUPERS, seguindo a perspectiva de PEDRO MACHETE, considera que a
Administração Pública de hoje é cada vez menos caracterizada pela decisão unilateral e autoritária,
substituindo-se pela decisão negociada com os cidadãos afectados (cfr. art. 100º CPA, relativo à
possibilidade de audiência dos interessados). Trata-se, portanto, de uma administração participada,
concertada ou contratualizada, segundo estes autores.
FREITAS DO AMARAL, por sua vez, não nega a existência de garantias administrativas
impugnatórias dos particulares face à Administração (arts. 121º e ss., 184º e ss. CPA). Porém, estas
garantias só são exercidas depois da decisão unilateral já existir, não cabendo à Administração ter de
ir a tribunal para legitimar a sua decisão; é, pois, ao particular que incumbe o ónus de impugnar a
decisão.
- O Poder de Execução Coerciva
Originalmente designado privilégio de execução prévia por MARCELLO CAETANO, consiste
no "poder conferido à Administração Pública de, uma vez definido o direito aplicável ao caso,
impor as consequências de tal definição aos seus destinatários, mesmo contra a oposição destes e
sem a prévia intervenção de um tribunal (execução coerciva por via administrativa)" ( JOÃO
CAUPERS).
A expressão «privilégio de execução prévia» tem sido criticada por alguns autores, nomeadamente
por VASCO PEREIRA DA SILVA e por FREITAS DO AMARAL, sendo que este último
prefere adotar o termo poder de execução coerciva, visto que se trata de um poder e não de um
«privilégio», por ser atribuído legalmente a quase todas as entidades públicas.
A Administração Pública decide unilateralmente o direito aplicável a um caso concreto e, a partir
desse momento, pode exigir do particular que cumpra o dever ou encargo que lhe foi eficazmente
definido, tendo o direito de executar coletivamente (sem recurso prévio aos tribunais) a decisão que
ela própria efectuou em caso de incumprimento da parte do particular. Não obstante, a
53
Administração só pode exercer este poder "segundo as formas e termos expressamente previstos na
lei", à luz do art. 176º/1 CPA - princípio da tipificação das medidas de execução.
- Conjunto de Poderes Especiais do Contraente Público nos Contratos
Administrativos
Para SÉRVULO CORREIA, o contrato administrativo consiste num "processo próprio de agir da
Administração que cria, modifica ou extingue relações jurídicas, disciplinadas em termos
específicos do sujeito administrativo, entre pessoas colectivas da Administração ou entre a
Administração e os particulares". O artigo 1º/6 CCP define o contrato administrativo como
"acordo de vontades, independentemente da sua forma ou designação, celebrado entre contraentes
públicos e co-contratantes ou somente entre contraentes públicos".
De facto, existem situações em que não é conveniente a actuação da Administração Pública por via
do acto administrativo, enquanto decisão unilateral e autoritária. Por vezes, é necessário um acordo
entre os interessados e, assim, a Administração exerce o seu poder administrativo no âmbito da
figura do contrato.
O contrato administrativo apresenta, no entanto, um regime diferente dos contratos em direito
privado. Em primeiro lugar, a Administração Pública, de modo a prosseguir o interesse público,
dispõe de direitos e poderes que as partes em contratos privados não dispõem (exemplo: poder de
rescindir o contrato por conveniência do interesse público). No entanto, a Administração também
fica sujeita a restrições e deveres especiais não existentes nos contratos entre privados (exemplo:
dever de fazer preceder a celebração do contrato de um procedimento administrativo tendente à
escolha do co-contratante).
- Conjunto dos Poderes Especiais das Autoridades de Polícia
As autoridades policiais (PSP, GNR, SEF, ASAE, etc.) têm como principais funções a defesa da
legalidade democrática, manter a ordem pública, assegurar o normal exercício dos direitos
fundamentais dos cidadãos e proceder à prevenção e investigação criminal, como consagram os
arts. 199º-f), 219º/1 e 272º CRP. Segundo JOÃO RAPOSO, estes poderes policiais, em algumas
circunstâncias, "compreendem a coacção directa (isto é, o emprego da força física) contra os
prevaricadores".
Tratam-se, segundo FREITAS DO AMARAL, da "demonstração mais evidente, mais forte e
mais perigosa de que a Administração é, na realidade, um verdadeiro Poder". Isto porque os
poderes de polícia são, em primeiro lugar, de natureza unilateral, insusceptíveis de negociação ou de
compromisso. Além disso, muitas vezes, o exercício destes poderes não está sujeito a regras
54
procedimentais dada a urgência do seu exercício e à natureza humanamente exigente das
actividades e operações realizadas e, portanto, são também poderes insusceptíveis de serem
concedidos a particulares.
Garantias Administrativas dos Particulares:
O Direito Administrativo faculta aos particulares meios jurídicos de defesa contra abusos da
Administração Pública, ou seja, garantias. Dentro das garantias, destacam-se as garantias
administrativas, que se efetivam através da actuação e da decisão dos órgãos da Administração
Pública. A ideia subjacente é a de, existindo certos controlos criados por lei para defesa da
legalidade e da boa administração, a lei permitir que esses controlos se coloquem simultaneamente
ao serviço dos direitos subjectivos ou dos interesses legítimos dos particulares.
Para além destas, existem garantias contenciosas ou de contencioso administrativo, que consistem
em garantias dos particulares que se efetivam através dos tribunais. Este tipo de garantias não será
alvo de análise no presente trabalho dada a ampla e diversificada lista de espécies de espécies de
contencioso que existem em consequência de duas reformas importantes do contencioso
administrativo, operadas em 2002-2004 ( FREITAS DO AMARAL).
- Garantias petitórias
As garantias petitórias têm por base um pedido, não pressupondo a prévia prática de um acto
administrativo. Teremos em consideração cinco tipos de garantias de tipo petitório,
nomeadamente:
- direito de petição - faculdade de solicitar aos órgãos da Administração Pública
providências que se consideram necessárias, como tomada de decisões ou prestação de
informações (exemplo: direito de os cidadãos serem esclarecidos sobre actos do Estado e
demais entidades públicas - art. 48º/2 CRP);
- direito de representação - faculdade de alertar um órgão da Administração Pública
responsável por uma determinada decisão administrativa para as consequências prováveis
da mesma (exemplo: direito que funcionários podem exercer quando duvidam da
autenticidade de uma ordem dos seus superiores hierárquicos);
- direito de denúncia - faculdade de chamar a atenção de um órgão da Administração
Pública para um facto ou situação que esta tenha a obrigação de averiguar (exemplo:
55
quando se tem conhecimento de um crime e se faz a respectiva denúncia à PJ ou ao
Ministério Público);
- direito de queixa - faculdade de denunciar o comportamento de um funcionário ou
agente da Administração Pública, com o objectivo que se proceda ao apuramento da
responsabilidade disciplinar deste (exemplo: queixa de um funcionário público,
desencadeando-se um processo disciplinar);
- direito de oposição administrativa - faculdade de contestar decisões que um órgão da
Administração Pública projecta tomar, seja por sua iniciativa, seja dando satisfação a
pedidos que lhe tenham sido dirigidos por particulares (exemplo: direito de certas pessoas e
entidades deduzirem oposição a um projecto da Administração de construção numa dada
área).
Garantias impugnatórias:
Diferentemente das garantias petitórias, as garantias impugnatórias pressupõem sempre um acto
administrativo prévio que se pretende atacar com certos fundamentos, visando a sua revogação,
anulação administrativa ou modificação (art. 184º CPA). Existem quatro tipos de garantias de tipo
impugnatório (cfr. arts. 191º a 199º CPA):
- reclamação - pedido de reapreciação do acto administrativo dirigido ao seu autor (art.
191º/1 CPA);
- recurso hierárquico - pedido de reapreciação do acto administrativo dirigido ao superior
hierárquico do seu autor (art. 193º/1 CPA);
- recurso hierárquico impróprio - pedido de reapreciação de um acto administrativo
dirigido a um órgão da mesma entidade pública a que pertence o autor do acto recorrido e
que exerce sobre este um poder de supervisão (art. 199º/1, alíneas a) e b), CPA);
- recurso tutelar - pedido de reapreciação de um acto administrativo praticado por um
órgão de uma entidade pública dirigido a um órgão de outra entidade pública, que exerce
sobre aquela um poder de superintendência ou de tutela (art. 199º/1, alínea c), CPA).
A queixa ao «Provedor de Justiça»
A figura do Provedor de Justiça surgiu na nossa ordem jurídica após o 25 de Abril de 1974.
Consagra o art. 23º/1 CRP: "Os cidadãos podem apresentar queixas por acções ou omissões dos
poderes públicos ao Provedor de Justiça, que as apreciará sem poder decisório, dirigindo aos órgãos
competentes as recomendações necessárias para prevenir e reparar injustiças". O nº3 do mesmo
artigo qualifica-o ainda como órgão independente.
56
A característica mais relevante da sua intervenção é a falta de poder decisório: o Provedor de Justiça
não dispõe de competência para revogar nem para modificar actos administrativos (art. 22º/1 da
Lei nº 9/91), nem pode substituir-se às autoridades competentes para praticar em vez delas os actos
que considere legalmente devidos.
Como observa JOÃO CAUPERS, "a «grande arma» do Provedor de Justiça é a persuasão". Este
estuda cada caso concreto e, se entender que o particular tem razão na queixa, dirige
recomendações às autoridades competentes. Pode ainda, segundo FREITAS DO AMARAL,
usando a teoria dos poderes implícitos, dialogar com as autoridades postas em causa e
«pressioná-las» para que cumpram a lei ou que corrijam os seus erros ou omissões.
A grande vantagem do Provedor de Justiça é tratar-se de um órgão do Estado com auctoritas e que
goza de grande prestígio e independência que fazem com que a Administração Pública tenda a
seguir as suas recomendações. Trata-se de um órgão da administração central do Estado com
caráter de órgão independente ( F
REITAS DO AMARAL).
11. Reconhecimento dos direitos subjetivos dos particulares perante a Administração
O reconhecimento dos direitos subjetivos dos particulares perante a Administração:
O direito subjetivo – construção no direito civil:
O direito subjetivo é um conceito que começa por ser discutido no coração do direito privado. O
Prof. António Menezes Cordeiro começa por abordar este conceito como uma situação jurídica
compreensiva que reflete os valores, as opções ideológicas e os fundamentos histórico-culturais do
próprio Direito.
Savigny começou por construir o direito subjetivo como um poder da vontade reconhecido ao
sujeito titular do direito, neste sentido a vontade era o fator central para a existência de um direito
subjetivo. Esta construção foi da maior importância, Savigny fez emergir um vetor
significativo-ideológico que vem proteger as conceções liberais e favorecer esta dimensão ideológica
do Direito.
Posteriormente, Jhering vem realizar uma construção do direito subjetivo como um rol de
expedientes técnicos, retirando ao direito subjetivo a sua dimensão ideológica, para dar lugar a uma
construção técnica do conceito.
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A crítica de Jhering a Savigny é certeira, o autor sublinha que há direitos subjetivos
independentemente da vontade dos sujeitos (menores e os dementes), todavia, a retirada da
dimensão significativo-ideológica não é positiva para uma construção do direito subjetivo, e terá
repercussões no domínio das relações jurídico-administrativas.
É conhecida ainda a terceira via de Regelsberger, todavia, como sublinha o prof. Menezes
Cordeiro, a sua construção é uma síntese das teses de Savigny e Jhering, não existindo um salto
qualitativo. Neste sentido o autor sujeita-se às críticas feitas tanto a S
avigny,como a Jhering.
Quanto à construção do conceito, são ainda conhecidas as teses negativistas, protecionistas e
neo-empíricas.
Definindo muito resumidamente cada uma destas teses, sabemos que as teses negativistas tentam
proscrever os direitos subjetivos, substituindo-os por outras figuras. Em segundo lugar as teses
protecionistas reduzem o direito subjetivo à tutela proporcionada pelo direito. E por último, as
teses neo-empíricas pretendem reconhecer a impossibilidade de uma definição capaz do conceito de
direito subjetivo, procedendo apenas à descrição das figuras que são suscetíveis de o integrar.
Estas ditas escolas externas, todavia, ignoram, mais uma vez, a autonomia ôntica do direito
subjetivo, ignoram a sua existencialidade como fenómeno cultural sedimentado pela história, bem
como o seu significado ideológico.
Por fim, a escola jurídico formal, seguida pelo Prof. António Menezes Cordeiro realiza uma
síntese precisa e mais ampla do conceito de direito subjetivo.
Esta escola enquadra o direito subjetivo como um conceito que não se pode resumir a um mero
expediente técnico, em seu lugar, este é preenchido por um esforço intelectual de pensadores
jusracionalistas e liberais que deixaram marcas permanentes na nossa cultura jurídica. Neste
sentido, o direito subjetivo implica valorações fundamentais do sistema.
O direito subjetivo, nesta corrente, assume um peso significativo-ideológico que lhe é conferido
pela história, sendo um fator central para a sua vitalidade no seio do Direito. O direito subjetivo
será a liberdade concreta de desfrutar de vantagens precisas, relacionadas com a afetação de bens na
disponibilidade do sujeito, todavia, independentemente de todas as ponderações e dimensões que o
conceito possa ter, este estará sempre subordinado ao direito objetivo.
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Com base em todas estas dimensões do conceito, a definição seguida para direito subjetivo que é
maioritariamente reconhecida é a do Prof. António Menezes Cordeiro, neste sentido, o direito
subjetivo será uma permissão normativa específica de aproveitamento de um bem, refletindo não
só o seu pendor técnico, como as suas caraterísticas significativo-ideológicas, fruto da história e da
cultura do Direito.
O direito subjetivo perante a Administração – a rejeição do conceito em face da
Administração:
Estamos já cientes da evolução que se deu no que toca ao Direito administrativo, desde a revolução
francesa e o seu “pecado original” no que toca ao anúncio do princípio da separação de poderes
que, todavia, choca com a realidade de um contencioso administrativo doméstico, em que a
Administração julga a sua própria atuação e não se submete à justiça.
Mas onde entra o direito subjetivo quando falamos nos modelos de Administração liberal em que,
por um lado, falamos no anúncio do reconhecimento de direitos, liberdades e garantias básicas de
cada cidadão mas, por outro lado assistimos a uma Administração que, nas palavras do prof. Paulo
Otero,é mais absoluta que a administração do Estado absoluto?
A promiscuidade entre Administração e justiça é de facto o pecado original do contencioso
administrativo sendo igualmente uma importação direta do Antigo regime, no entanto no meio
destas considerações temos que inserir o conceito de direito subjetivo.
Neste contexto, antes demais, temos que realçar que a crença dos liberais na lei conduziu a uma
desvalorização do direito subjetivo para a dogmática jurídico-administrativa do Estado de Direito.
Neste sentido, Henke determinava que todos os direitos subjetivos materialmente determinados e
pessoais entre o Estado e o cidadão tinham de desaparecer.
O direito subjetivo na época liberal só poderia ser entendido no espaço de relação dos particulares.
A existência de um direito que fosse oponível à Administração não era concebível e isto é uma
orientação que serve para a Administração do Antigo regime, bem como para a Administração do
Estado liberal.
Otto Mayer a certa altura escreveu sobre a figura dos direitos dos particulares face à
Administração, o autor entende que seria impensável que a Administração pública que realiza o
interesse público tenha que respeitar os interesses dos particulares.
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Apesar da rejeição de direitos oponíveis à Administração, Otto Mayer constrói uma noção de
direito públicos individuais, sendo uma figura próxima dos direitos subjetivos, é um direito que é
conferido ao indivíduo pelas instituições do poder público.
Otto Mayer rejeita a existência de um direito dos particulares em face do Estado, porque é o
Estado o detentor de todos os poderes, neste sentido, o Estado concede aos particulares os seus
direitos subjetivos até onde este entender que existem.
A construção de Otto Mayer assenta no facto de que o Estado apenas reconhece direitos no plano
da liberdade natural, e nunca no plano da liberdade em face do Estado.
Na ótica de Otto Mayer não é possível reconhecer os direitos subjetivos como poderes do
particular, entende antes como um poder que por natureza não pertence ao particular, sendo
apenas um derivado do Estado, ou seja, sem concessão do Estado o particular não tem direitos
subjetivos. Assim sendo, entre Estado e particular há uma constante relação jurídica de sujeição.
O Prof. Marcello Caetano, como sabemos, é o grande ideólogo do direito administrativo do
Estado Novo. Enquanto regime autoritário, facilmente reconhecemos que o direito subjetivo do
particular contra o Estado seria sempre um problema.
Esta caraterística é, segundo o Prof. Menezes Cordeiro, a razão central pela qual não podemos
retirar ao direito subjetivo a sua dimensão significativo-ideológica, isto porque o direito subjetivo
em última análise é o conceito central para que seja reconhecida a real dignidade da pessoa humana,
no sentido em que esta detém um direito que não pode ser prejudicado por nenhuma atuação
externa e esta dimensão do conceito é reconhecida pela generalidade da doutrina após a 2ª Grande
Guerra.
A figura do direito subjetivo público que o Prof. Marcello Caetano desenvolve trata-se de um
direito conferido a uma pessoa para prosseguir aqueles seus interesses que sejam igualmente os fins
do Estado ou que ainda tenha direta relação com o respectivo desempenho, ou seja, para a corrente
defendida pelo Prof. Marcello Caetano o particular aparentemente podia ser titular de posições
jurídicas em face da Administração, mas o conteúdo destes pretensos direitos subjetivos em nada se
iriam distinguir das normas jurídicas objetivas.
Em suma, com uma breve apresentação comparámos a forma como o direito administrativo
encarava o particular desde o Estado absoluto, passando pelo Estado liberal e concluindo no Estado
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Novo, verificamos que em todos eles o particular não detém direitos subjetivos que possam ser
oponíveis à Administração.
De facto, existe uma enorme contrariedade entre aquilo que é teorizado e afirmado pelo Direito
constitucional e entre aquilo que é efetivamente aplicado no Direito administrativo, o cidadão
paulatinamente vê direitos reconhecidos, todavia, não tem condições para se opôr à Administração
pública através de direitos subjetivos, portanto, assistimos a um fenómento curioso no seio do
Estado que é sublinhado de forma certeira por Otto Mayer, “o Direito constitucional passa, o
Direito administrativo permanece”.
O direito subjetivo na ótica da Administração prestadora:
Com a transição para o Estado social (no caso português o Estado autoritário dá lugar ao Estado
social), este chama a si novas funções económicas e sociais. Neste sentido, existiu uma
transformação da Administração pública que realiza, daqui em diante, tarefas de natureza
prestadora.
Com o desaparecimento desta ideia de uma Administração agressiva, o relacionamento entre
particular e Administração deixa de ser conflitual, para dar lugar a um relacionamento de
colaboração.
Esta alteração de relacionamento implica o reconhecimento de direitos subjetivos dos particulares
perante os poderes públicos, pois sem estes direitos, como refere Maurer, o particular seria um
mero súbdito e objeto da atividade estadual. Neste sentido, é necessário reconhecer os direitos
subjetivos dos particulares também perante a Administração, e não somente os direitos políticos ou
do domínio das relações inter-privadas, ou seja, deve ser reconhecido ao particular a sua qualidade
de sujeito de direito. Neste sentido, segundo o Prof. Vasco Pereira da Silva estamos perante um
novo relacionamento entre particulares e Administração que de uma sujeição passa a ser uma
verdadeira relação jurídica.
No entanto, as transformações substantivas necessitam, por outro lado, de uma correspondência
processual, isto é, o direito subjetivo não pode ter verdadeira afirmação enquanto direito oponível à
Administração se não existir um tribunal que efetivamente assegure a existência e a relevância deste
direito do particular perante a Administração, neste sentido o contencioso administrativo terá que
fortalecer o salto substantivo que foi dado no sentido do reconhecimento das posições dos
particulares.
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Neste sentido, ao nível do contencioso administrativo verificamos uma profunda alteração que
procurou ultrapassar o “pecado original” do período clássico que se revelava como um dos fatores
que limitava o reconhecimento de direitos subjetivos aos particulares, neste sentido assistimos a um
processo que o Prof. Vasco Pereira da Silva denomina como o milagre da autolimitação da
Administração, isto porque paulatinamente as instituições que deveriam fiscalizar a atividade da
Administração foram se transformando em verdadeiros tribunais e, desta forma, procurou separar
definitivamente a Administração do contencioso administrativo, dando lugar a uma plena
fiscalização dos atos da Administração e, por reflexo, assegurar aos particulares o recurso a estes
tribunais quando a Administração atue de forma danosa para os seus direitos.
No entanto, é necessário sublinhar que esta rutura com a promiscuidade entre Administração e
justiça não foi repentina, esta resultou de um processo moroso e demorado que se foi
paulatinamente afirmando, daí a expressão de “milagre da autolimitação da Administração”, neste
sentido, não estamos perante um fenómeno de ruptura repentina como é comum identificarmos
no Direito Constitucional, mas antes num fenómeno lento que se afirmou com o contencioso
administrativo a subjetivar a sua atuação e dedicando-se a fins privados, visando a proteção dos
particulares e afirmando-se aqui um verdadeiro direito de tutela do particular.
O papel do contencioso administrativo no reconhecimento dos direitos subjetivos:
O reconhecimento do particular ser titular de direitos subjetivos perante as autoridades públicas é
um reflexo da dignidade da pessoa humana que lhe é constitucionalmente garantida, sendo este um
princípio central do Estado de direito. Neste sentido, aqui reflete-se a importância da carga
significativa-ideológica que o direito subjetivo contém e que foi particularmente enunciada por
Savigny. Sem esta dimensão o direito subjetivo estaria limitado a um conceito técnico-jurídico
demasiado restrito para aquela que é a sua verdadeira amplitude jurídica. Isto reflete consequências
práticas no direito administrativo, principalmente em matérias de contencioso administrativo e de
procedimento.
Desta forma, o Prof. Vasco Pereira da Silva realça que a atribuição de direitos subjetivos deve
ter (tem de ter) a atribuição ao particular da possibilidade de atuação no procedimento para defesa
preventiva dos seus direitos perante a Administração pública. Neste sentido, o contencioso
administrativo é o processo adequado para conciliar o interesse público que a Administração deve
prosseguir com os direitos dos indivíduos.
Nesta dimensão do contencioso administrativo, o reconhecimento da titularidade de direitos
subjetivos aos indivíduos, nas suas relações com a Administração, implica a existência de um
processo administrativo que assegure a tutela efetiva e integral desses direitos, ou seja, o direito
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subjetivo público dá a possibilidade da sua imposição jurisdicional, o que pressupõe a ideia de um
órgão administrativo e de um cidadão que, de forma igual, se encontram limitados por um tribunal
no qual deverão defender as suas posições jurídicas.
Em suma, os direitos subjetivos públicos não são uma mera posição teórica, mas sim uma situação
jurídica com consequências decisivas para todo o domínio jurídico-administrativo.
D
istinção entre direito subjetivo e interesses juridicamente protegidos
Na Constituição de 1976 encontramos no artigo 266º nº1 que a Administração deverá prosseguir o
interesse público, devendo respeitar sempre os direitos e interesses dos cidadãos. Esta norma
representa um reconhecimento do limite da Administração no que toca à sua atuação, neste
sentido, segundo o Prof. João Caupers, com o alargamento da intervenção pública na sociedade o
legislador sentiu a necessidade de equilibrar a atuação administrativa, pois neste contexto o
princípio da legalidade já se afiguravam como insuficiente, surgindo a necessidade de conciliar as
exigências do interesse público com as garantias dos particulares (Prof. Freitas do Amaral).
A questão central que é discutida na doutrina é se os “direitos” aqui referidos são uma dimensão
distinta dos interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
Neste sentido, podemos realizar a divisão entre dois entendimentos, em primeiro lugar temos a
parte da doutrina que não realiza uma distinção material entre ambos os conceitos e, por outro
lado, temos a parte da doutrina que influenciada pelo entendimento italiano de ambos os
conceitos, realiza uma distinção material entre ambos.
O Prof. Vasco Pereira da Silva insere-se na parte da doutrina que não realiza uma distinção
material entre direitos e interesses legalmente protegidos, neste sentido o Professor entende que
ambos têm a mesma consagração, logo a ambos corresponde o mesmo regime jurídico, são posições
jurídico-subjetivas dos privados constitucionalmente reconhecidas. Em suma, o Prof. Vasco
Pereira da Silva considera que o que pode variar é a maior ou menor amplitude do dever que a
Administração está obrigada relativamente ao particular, não se distinguindo materialmente.
Do outro lado, o Prof. Diogo Freitas do Amaral considera que há uma distinção material entre
ambos os conceitos que de resto significa no ordenamento jurídico italiano uma distinção
jurisdicional no que toca à responsabilidade civil dependendo se violação de direitos (seguiria para
os tribunais judiciais) ou da violação de interesses (seguiria para os tribunais administrativos). Neste
sentido, o Prof. Diogo Freitas do Amaral entende que o direito subjetivo tem proteção direta e
imediata, de tal modo que o particular pode exigir à Administração um ou mais comportamentos
63
que satisfaçam plenamente o interesse privado, logo tem direito a uma decisão final favorável,
enquanto que os interesses legalmente protegidos dos cidadãos apenas geram nos indivíduos um
direito à legalidade das decisões que versem sobre um interesse próprio, isto é, o que o particular
poderá fazer é apenas remover um obstáculo ilegal à satisfação do seu interesse.
- Tipos de direitos subjetivos:
Por fim, cabe a apresentar um conjunto de tipos de direitos subjetivos através de uma classificação
proposta pelo Prof. Paulo Otero.
O Prof. Paulo Otero classifica os direitos subjetivos atendendo ao seu objeto de relacionamento
com a conduta administrativa, neste sentido, os direitos subjetivos dos particulares face à
Administração seriam: direitos subjetivos substantivos, direitos subjetivos procedimentais e direitos
subjetivos processuais.
Os direitos subjetivos substantivos são os que o particular goza à luz do direito material regulador
da conduta administrativa, sendo posições jurídicas de vantagem traduzidas em atos de satisfação
de pretensões nele alicerçadas, como é o caso do direito ao subsídio de desemprego ou de utilizar o
domínio público.
Em segundo lugar, os direitos subjetivos procedimentais dizem respeito a posições jurídicas de
vantagem que são conferidas aos particulares no âmbito de sucessivas fases de tramitação decisória
no âmbito do procedimento interno da Administração, visando a defesa das suas posições jurídicas
materiais, como é o caso do direito de audiência prévia e o direito de informação de processos que
lhe digam respeito.
Os direitos subjetivos processuais são posições jurídicas tituladas pelos particulares e cujo exercício
é feito junto dos tribunais da Administração pública, nos termos das leis processuais, tais como o
direito à impugnação judicial dos atos administrativos lesivos.
Por fim, o Prof. Paulo Otero propõe uma classificação quanto à respetiva força jurídica e os
meios de tutela dentro do ordenamento vigente, neste sentido os direitos subjetivos dos particulares
perante a Administração podem ser direitos fundamentais, e neste sentido, correspondem a direitos
subjetivos reconhecidos e garantidos por normas da Constituição, e, em segundo lugar, poderão ser
direitos subjetivos em sentido estrito, neste sentido correspondem a todos os direitos provenientes
de normas sem valor, natureza ou qualificação constitucional.
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No que toca aos direitos subjetivos em sentido estrito, o Prof. Paulo Otero divide estes em duas
categorias. A primeira seriam direitos subjetivos perfeitos que são conferidos em termos plenos e
não podem ser condicionados ou enfraquecidos por via de uma atuação administrativa preventiva
ou condicionante, e por último, os direitos subjetivos imperfeitos que correspondem a direitos
enfraquecidos, condicionados ou comprimidos por efeito de uma sujeição normativa a
intervenções administrativas preventivas, condicionantes ou sucessivas.
12. Pretensa distinção entre direitos e interesses legalmente protegidos
Classificação de direitos e interesses legalmente protegidos:
O ponto de partida deste trabalho é o artigo 266º nº1 CRP, aqui a Constituição de forma
incontestada coloca como limite da prossecução do interesse público pela Administração pública
os direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
Em publicação anterior, já havia defendido que a Constituição aqui reconhece que o particular
detém direitos subjetivos que são oponíveis à Administração, o que representou uma consequência
necessária do surgimento do Estado social de Direito, todavia, a dúvida é se existe ou não uma
distinção material entre os direitos e os interesses legalmente protegidos dos cidadãos. Antes de
apresentar as várias posições discutidas em sede doutrinária cabe esclarecer o que está em causa
perante estes dois conceitos jurídicos.
O prof. Paulo Otero qualifica os direitos e interesses dos particulares como posições jurídicas
ativas, e esta concepção resulta de uma situação de vantagem ou favorável de uma pessoa para a
satisfação dos respetivos interesses do particular, o que leva a pressupor a existência de poderes na
esfera do particular.
Cabe ainda atender às diversas classificações que existem no seio de cada um dos conceitos, neste
sentido, o prof. Paulo Otero primeiramente classifica os direitos subjetivos atendendo ao seu
objeto no relacionamento com a conduta administrativa, no seio desta classificação temos o
seguinte: primeiramente, direitos subjetivos substantivos, que correspondem aos direitos que o
particular goza à luz do direito material regulador da conduta administrativa, que se
consubstanciam em posições jurídicas de vantagem traduzidas em atos de satisfação de pretensões
nele alicerçadas. Em segundo lugar, temos direitos subjetivos procedimentais que dizem respeito a
posições jurídicas de vantagem que são conferidas aos particulares no âmbito das sucessivas fases de
tramitação decisória no âmbito do procedimento interno da Administração pública, visando a
defesa das respetivas posições jurídicas materiais dos particulares. Por fim, teremos os direitos
subjetivos processuais que correspondem a posições jurídicas tituladas pelos particulares e cujo
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exercício é feito junto dos tribunais contra a Administração pública, nos termos das respectivas leis
processuais.
O prof. Paulo Otero classifica ainda os direitos subjetivos conforme a sua correspondente força
jurídica e os meios de tutela dentro do ordenamento vigente, neste sentido os direitos subjetivos
dos particulares poderão ser direitos fundamentais, que correspondem a todos os direitos
subjetivos reconhecidos e garantidos por normas constitucionais e, por outro lado, poderemos ter
direitos subjetivos em sentido estrito, que correspondem a todos os direitos subjetivos provenientes
de normas sem valor, qualificação ou natureza constitucional.
No que toca aos interesses legalmente protegidos o prof. Paulo Otero realiza igualmente várias
distinções, nomeadamente, quanto à titularidade e ao fim subjacente à instituição normativa de
interesses.
Quanto à titularidade, o prof. Paulo Otero classifica, em primeiro lugar, os interesses individuais
que são sempre passíveis de subjetivação ou apropriação individual da respetiva titularidade,
podendo ter duas configurações, por um lado, podem emergir direta e imediatamente visando
proteger interesses de determinadas pessoas, sendo interesses legítimos ou diretamente protegidos,
por outro lado, podem resultar de atos que só reflexa ou indiretamente visam a proteção de direitos
individuais, pois no imediato eles visam proteger um interesse geral, sendo reconhecidos como
interesses reflexamente protegidos. Em segundo lugar, poderemos ter interesses difusos, que
representam a subjetivação não individualizada ou não individualizável de interesses públicos que
são passíveis de satisfação coletiva, através de bens indivisíveis ou insuscetíveis de apropriação
individual, encontrando-se na circunstância de se tratar de um interesse de todos, neste sentido
poderemos estar perante interesses difusos concretos (defesa do direito do ambiente) ou interesses
difusos abstratos (defesa da legalidade da atuação administrativa).
No que toca à distinção de interesses legalmente protegidos quanto ao critério do fim subjacente à
instituição normativa, o prof. Paulo Otero distingue entre interesses de legalidade, que conferem
ao respectivo titular um poder de exigir o cumprimento pela Administração pública da
normatividade vinculativa, habilitando os seus titulares a aceder o tribunal, por outro lado
poderemos ainda ter interesses de mérito, isto é, traduzem um reflexo subjetivo da exigência da
conveniência e oportunidade da atuação administrativa discricionária, envolvendo a sintonia entre
interesse individual e coletivo com uma melhor prossecução do interesse público ou dever de boa
administração, encontrando a sua garantia no acesso dos titulares a mecanismos políticos, graciosos
ou arbitrais de controlo.
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Conceções atuais:
- Teoria da construção trinitária
O prof. Freitas do Amaral, bem como o prof. João Caupers, influenciados pela construção
italiana de ambos os conceitos, consideram que há uma distinção entre direitos e interesses
legalmente protegidos dos cidadãos.
O prof. Freitas do Amaral admite que em ambos existe um interesse privado reconhecido na lei,
todavia, quando nos referimos a direitos subjetivos estamos perante uma proteção direta e
imediata, de tal modo que o particular pode exigir à Administração pública um ou mais
comportamentos que satisfaçam plenamente o interesse privado, e assim obter a plena realização
em juízo, em caso de violação ou não cumprimento, por outro lado, os interesses protegidos têm
uma proteção indireta, resultam de um interesse público, o particular não pode exigir à
Administração que esta satisfaça o seu interesse, mas apenas que não o prejudique ilegalmente, e,
em caso de ilegalidade, o particular não pode realizar plenamente o seu interesse em tribunal, mas
somente eliminar os atos ilegais que o tenham prejudicado. Em suma, para o prof. Freitas do
Amaral, quando estamos perante um direito subjetivo há um direito de satisfação de um interesse
próprio, ou seja, tem direito a uma decisão final favorável, enquanto que, quando estamos perante
interesses legalmente protegidos, o particular apenas tem direito à legalidade das decisões que
versem sobre um interesse próprio, o que se pode fazer é remover um obstáculo ilegal à satisfação
do seu interesse.
O prof. João Caupers subscreve o entendimento do prof. Freitas do Amaral e sublinha que não
estamos perante um problema de quantidade do objeto ou do conteúdo da posição jurídica ativa,
mas sim de qualidade. Neste sentido não estamos perante uma distinção formal, mas sim perante
realidades que serão qualitativamente diversas, pois uma visa um benefício imediato (direito
subjetivo), enquanto que outra apenas se pode obter de forma indireta, e eventualmente após a
reposição da legalidade ofendida (interesses legalmente protegidos).
A distinção do prof. Freitas do Amaral e do prof. João Caupers é influenciada, como já tinha
referido pelo entendimento de ambos os conceitos em Itália, de facto o ordenamento jurídico
italiano vai mais longe pois perante violações de direitos subjetivos pela Administração, os tribunais
competente para conhecer a situação serão os tribunais judiciais, por outro lado, a violação de
interesses pela Administração o tribunal competente para conhecer esta violação será o tribunal
administrativo. Esta distinção traçou além de uma distinção substantiva uma clara diferença
processual, o que traz consequências para o entendimento de ambos no seio da doutrina.
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4. Teoria da norma de proteção:
→ primeiro lugar, cabe esclarecer três momentos da evolução da teoria da norma de proteção.
Esta teoria começou com Buehler, segundo a qual teorizou três condições de existência de um
direito subjetivo público, sendo elas: a existência de uma norma jurídica vinculativa, de seguida,
uma intenção legislativa contida na norma de proteção de interesses individuais, por último, a
consagração de meios de tutela jurisdicional para a proteção desses interesses individuais legalmente
protegidos.
→ segundo momento, Bachof reformolou a noção de direito subjetivo público devido à
necessidade de adequar a teoria da norma de proteção ao Estado social de Direito, o que por
consequência trouxe um alargamento do âmbito de aplicação da proteção jurídica subjetiva, desta
forma Bachof vem reformular as condições jurídicas de existência de um direito subjetivo público,
neste sentido, Bachof desloca a condição de norma vinculativa para as vinculações legais,
considerando que existe um direito subjetivo na medida dessas vinculações jurídicas, ou seja, o
conteúdo do direito é igual ao conteúdo do dever a que a entidade pública está obrigada. Bachof
procede ao alargamento do direito subjetivo a todos os casos em que uma qualquer vinculação
jurídica proteja simultaneamente interesses públicos e privados, o que engloba na categoria dos
direitos os interesses que o Prof. Freitas do Amaral e o Prof. João Caupers consideram como
interesses legítimos, todavia, Bachof entende que nos modernos Estados de direito existe uma
presunção a favor do direito subjetivo, isto porque face à ordem constitucional todas as vinculações
que resultam de normas e conferem situações de vantagem objetiva e intencionalmente concedidas
aos particulares transformaram-se em direitos subjetivos.
Bachof sublinha ainda que a proteção jurisdicional deve passar a ser vista como consequência e não
como um direito subjetivo, uma vez que as constituições dos modernos Estados de direito
consagram o princípio da proteção plena e efetiva dos particulares, em particular, a Constituição
Portuguesa consagra no artigo 268º nº4.
→ terceiro momento verificamos com Bauer um renascimento da teoria da norma de proteção
decorrente da reformulação conceitual da doutrina dos direitos fundamentais. Esta nova
preocupação decorre da reafirmação dos direitos fundamentais como direitos subjetivos e da
adoção de concepções unitárias acerca de todas as posições subjetivas públicas de vantagem.
Esta preocupação surge num contexto especial, porque os direitos fundamentais são utilizados
como critério de interpretação e integração de lacunas de normas jurídicas ordinárias, de forma a
determinar que interesses estas visam proteger, bem como fundamentar os direitos subjetivos dos
particulares perante a Administração. Neste sentido se encararmos os direitos fundamentais como
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direitos subjetivos e, enquanto criadores de um estatuto constitucional dos cidadãos, chegamos a
um reconhecimento de novos direitos subjetivos públicos dos particulares, tais como o direito ao
ambiente, consumo, urbanismo e a saúde.
- A inutilidade da distinção entre ambos os conceitos:
O prof. Vasco Pereira da Silva, ao contrário dos entendimentos anteriores, entende que não há
qualquer utilidade em consagrar uma distinção entre direitos e interesses legalmente protegidos, e
isto surge como consequência do entendimento da teoria da norma de proteção.
Esta distinção para o prof. Vasco Pereira da Silva assenta mais do que em caraterísticas
materiais distintas, assenta sobretudo numa distinção de ordem formal, que decorre da utilização
da ordem jurídica de diferentes técnicas de atribuição de posições de vantagem, ainda que levando a
resultados idênticos. Neste sentido, a lei pode atribuir um direito subjetivo através de uma norma
jurídica que qualifica como tal essa posição de vantagem, aqui a doutrina administrativa clássica
não tem dificuldade em qualificar a posição do particular perante a Administração como um
direito subjetivo, por outro lado, a lei pode estabelecer um dever da Administração no interesse do
particular, o qual, no âmbito de uma relação jurídica é correlato da posição de vantagem do
particular, neste caso, não obstante a técnica legislativa utilizada, o particular goza igualmente de
uma posição jurídica de vantagem, cujo conteúdo é delimitado de forma negativa pela norma.
O Prof. Vasco Pereira da Silva chama a atenção que no direito privado não há dúvidas quanto a
estas distinções, pois apesar da técnica legislativa utilizada, tanto nos casos em que a lei qualifica
diretamente uma posição como um direito subjetivo, o mesmo se reflete, nos casos em que a lei cria
um dever jurídico estabelecido no interesse de outrem como um direito subjetivo, por outro lado,
em direito público não se tem seguido este entendimento.
Além das situações referidas, a ordem jurídica pode ainda atribuir um direito subjetivo mediante
disposição constitucional consagradora de um estatuto, que atribui aos particulares a possibilidade
de fruição individual de um bem jurídico, livre de agressões ilegais de entidades públicas e privadas,
desta forma visa estabelecer deveres ou tarefas aos poderes públicos que são necessários para a sua
concretização (caso dos direitos fundamentais). Nestes casos, não obstante a técnica legislativa
utilizada estamos perante um direito subjetivo dos particulares, tendo como conteúdo um dever de
abstenção, quer eventuais deveres de atuação das autoridades públicas no âmbito de relações
jurídicas concretas. Neste sentido, o Prof. Vasco Pereira da Silva encara os direitos difusos (3ª
categoria da teoria da construção trinitária) como direitos subjetivos públicos decorrentes da
Constituição.
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O prof. Vasco Pereira da Silva entende que no atual entendimento do Estado de direito o
indivíduo obtém um estatuto de sujeito jurídico que não é mais compatível com esta pretensa
distinção, desde logo porque é uma imposição constitucional que deriva do artigo 266º nº1 da
CRP.
Em suma, independentemente da técnica legislativa utilizada, estamos perante situações jurídicas
substantivas de vantagem, destinadas à satisfação de interesses individuais, possuindo idêntica
natureza ainda que podendo apresentar conteúdos diferenciados, sendo por isso configurados
como direitos subjetivos. Neste sentido, o prof. Vasco Pereira da Silva entende que devemos
proceder a um tratamento unificado dessas posições substantivas de vantagem no conceito-quadro
“direito subjetivo”, o que não obsta a que este possa diferenciar espécies e conteúdos.
- A “unidade” e a “variação” do direito subjetivo:
Ainda que provocador, o título acaba por ir ao encontro do entendimento do Prof. Vasco
Pereira da Silva, pois no seio do seu entendimento verificamos que existe um entendimento uno
no que toca aos direitos e interesses legalmente protegidos, que resulta da teoria da norma de
proteção, aceitando o seu alargamento aos direitos fundamentais, conforme Bauer veio a teorizar.
Neste sentido, o particular é titular de direitos subjetivos em face da Administração sempre que
uma norma não vise apenas o interesse público, mas também a proteção dos interesses dos
particulares, seja resultado de uma situação de vantagem objetiva e de forma intencional, ou por
outro lado, que resulte de um benefício de facto decorrente de um direito fundamental. Este
entendimento é resultado não só do artigo 266º nº1 da CRP, bem como do artigo 268º nº3, nº4 e
nº5 da CRP. Neste sentido, direitos e interesses legalmente protegidos são dois conceitos que visam
designar a posição jurídico-subjetiva dos privados perante a Administração pública, às quais irá
corresponder o mesmo regime jurídico.
Chegados aqui cabe ainda desmistificar a “variação” que a teoria da norma de proteção reconhece a
ambos os conceitos aqui tratados, para o Prof. Vasco Pereira da Silva o que pode variar é o
conteúdo do direito, diretamente atribuído pela lei, ou resultante da maior ou menor amplitude do
dever a que a Administração pública está obrigada em face do particular, neste sentido, a diferença
não está na existência ou não de um direito, mas sim na menor ou maior amplitude do seu
conteúdo. Os direitos podem ainda corresponder a diferentes categorias, o que irá depender da
relação jurídico-administrativa em causa.
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