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Gestão Pública

Disciplina: Ética e Administração Pública

Modalidade de Curso
Pós-Graduação

Pedagógico do Instituto Souza


atendimento@institutosouza.com.br
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Ética na Administração Pública (ADAPTADO)

Maria Denise Abeijon Pereira Gonçalves

Especialista em Direito Militar pela Universidade Castelo Branco, RJ. Bacharel em


Direito pela Universidade Federal de Pelotas, RS. Analista Judiciária da Justiça
Militar da União, desde 2000, atualmente lotada em Porto Alegre/RS

1. Introdução

Este texto pretende tecer algumas considerações acerca da ética na Administração


Pública, abordando aspectos legais sobre o assunto e procurando analisar
possibilidades de real incorporação de atitudes éticas e condizentes com o Estado
Democrático de Direito. Trata-se de tema de grande importância face à necessidade
de uma perfeita compreensão e efetiva aplicação de princípios éticos na
Administração Pública. Pela análise do tema proposto, fica evidente que a discussão
deve ser aprofundada para possibilitar melhorias e maior eficiência em toda a
máquina administrativa do Estado.

A proposta deste trabalho é a abordagem da ética na Administração Pública,


procurando traçar um quadro sobre a função da Administração Pública em um
Estado Democrático de Direito e os sistemas adotados pelo Estado para evitar o
desvio de suas finalidades por intermédio de atos não muito éticos praticados por
seus administradores e servidores. Para tanto, a partir da definição de ética,
analisar-se-ão os princípios que norteiam a Administração Pública, passando-se a
apontar dos sistemas de controle dos atos administrativos, com abordagem das
novas atitudes da gestão pública.

Ainda será objeto deste trabalho um pequeno enfoque sobre os meios que a
Administração pode utilizar para aprimorar seus quadros funcionais e
administrativos, e, em maior âmbito, desenvolver postura ética em todos os cidadãos
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tornando-os capazes de cobrar um serviço público voltado às finalidades da


Administração, bem como, se for o caso, exercer as atividades estatais com lisura e
retidão.

Para finalizar, passar-se-á a demonstrar a conclusão retirada do estudo realizado


sobre o assunto proposto, que se deu através da pesquisa doutrinária, procurando
sempre simplificar o entendimento do assunto abordado, permitindo fácil
compreensão dos temas apresentados.

2. A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Com o fito de analisar o papel da Administração Pública face ao Estado Democrático


de Direito, se faz necessária pequena abordagem acerca da evolução do Estado de
Direito, possibilitando a visualização de suas finalidades e seus princípios.

2.1. Evolução do Estado de Direito

Por Estado de Direito entende-se a organização estatal onde todos, até mesmo os
governantes, se submetem ao império da lei.

Na origem, o Estado de Direito apresentava um conceito tipicamente liberal, daí


falar-se em Estado Liberal de Direito, cujas características básicas eram: submissão
ao império da lei, divisão de poderes e enunciado e garantia dos direitos individuais.
Tais características até hoje constituem postulados básicos do Estado de Direito.

Entretanto, o Estado Liberal de Direito, por ser extremamente neutro e formal,


atuando essencialmente no plano político-jurídico, sem disciplinar a ordem
socioeconômica, provocava imensas injustiças sociais advindas de seu
abstencionismo.
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Visando à realização da justiça social, evolui-se para o Estado Social de Direito,


mais atuante, ou seja, um estado material de direito. O grande objetivo do Estado
Social de Direito era promover a harmonia entre as classes patronais e obreiras e
restabelecer o equilíbrio entre o capital e o trabalho.

O problema é que a palavra social, por estar aberta a várias significações, faz com
que cada ideologia venha a ter sua visão própria do que seja o social. Um exemplo
disto é que o Marxismo, o Fascismo, o Getulismo e até mesmo o Nazismo eram
considerados Estados Sociais de Direito, embora se possa questionar se eram
Estados onde, efetivamente, estava presente a democracia.

Diante disto, resta claro que nem sempre o Estado Liberal e o Estado Social de
Direito caracterizam um Estado Democrático.

O Estado Democrático se funda no princípio da soberania popular e exige a


participação efetiva e operante do povo na coisa pública, indo além da simples
formação de instituições representativas.

O Estado Democrático de Direito baseia-se em uma sociedade livre, justa e


solidária, como afirma nossa Constituição, onde o poder deve emanar do povo,
sendo exercido em seu proveito, diretamente, ou por meio de representantes eleitos.

Deve ser um Estado promotor de justiça social, tendo a legalidade como princípio
basilar. Porém, a lei não deve ficar adstrita em uma esfera puramente normativa e
abstrata, mas, sim, deve influir na realidade social do povo.

A democracia deve ser participativa envolvendo a participação crescente da


sociedade no processo decisório e na formação dos atos do governo e deve ser
pluralista, respeitando a pluralidade de ideias. Deve-se visar a um processo de
liberação da pessoa humana de todas as formas de opressão.

Os princípios que alicerçam o Estado Democrático de Direito são: princípio da


constitucionalidade; princípio democrático; sistema de direitos fundamentais;
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princípio da justiça social; igualdade; divisão de poderes; legalidade; e segurança


jurídica.

2.2. Administração Pública:

Segundo o mestre Hely Lopes Meirelles a Administração Pública pode ser entendida
como:

“...o conjunto de órgãos instituídos para consecução dos objetivos do Governo; em


sentido material, é o conjunto das funções necessárias aos serviços públicos em
geral; em acepção operacional, é o desempenho perene e sistemático, legal e
técnico, dos serviços próprios do Estado ou por ele assumidos em benefício da
coletividade. Numa visão global, a Administração é, pois, todo o aparelhamento do
Estado preordenado à realização de serviços, visando à satisfação das
necessidades coletivas.”[1]

E continua nosso ilustre doutrinador:

“A Administração não pratica atos de governo; pratica, tão-somente, atos de


execução, com maior ou menor autonomia funcional, segundo a competência do
órgão e de seus agentes. (...) O Governo comanda com responsabilidade
constitucional e política, mas sem responsabilidade profissional pela execução; a
Administração executa sem responsabilidade constitucional ou política, mas com
responsabilidade técnica, e legal pela execução. A Administração é o instrumental
de que dispõe o Estado para pôr em prática as opções políticas do Governo”.[2]

Diante dessas colocações resta evidente que é a Administração Pública que


exterioriza a atividade do Estado, colocando em prática as decisões políticas de
seus governantes.

Assim sendo, para que o Estado atinja suas finalidades e promova justiça social é
essencial que toda a máquina administrativa trabalhe com eficiência, ética e
responsabilidade.
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2.3. Agentes Públicos

Para o Estado desempenhar suas atividades, utiliza-se dos agentes públicos que
irão externar seus atos de governo e executá-los, concretizando o bem comum a
que se destina.

Segundo Henrique Savonitti Miranda:

“A expressão “agente público” é utilizada para designar todo aquele que se encontre
no cumprimento de uma função estatal, quer por representá-lo politicamente, por
manter vínculo de natureza profissional com a Administração, por ter sido designado
para desempenhar alguma atribuição ou, ainda, por se tratar de delegatório de
serviço público”.[3]

Os agentes públicos, segundo nosso doutrinador Hely Lopes Meirelles, classificam-


se em:

“- Agentes políticos: são os componentes do Governo nos seus primeiros escalões,


investidos em cargos, funções, mandatos ou comissões, por nomeação, eleição,
designação ou delegação para o exercício de atribuições constitucionais. Esses
agentes atuam com plena liberdade funcional, desempenhando suas atribuições
com prerrogativas e responsabilidades próprias, estabelecidas na Constituição e em
leis especiais (...).

- Agentes administrativos: são todos aqueles que se vinculam ao Estado ou às suas


entidades autárquicas e fundacionais por relações profissionais, sujeitos à hierarquia
funcional e ao regime jurídico determinado pela entidade estatal a que servem. São
investidos a título de emprego e com retribuição pecuniária, em regra por nomeação,
e excepcionalmente por contrato de trabalho ou credenciamento. (...) Os agentes
administrativos não são membros de Poder de Estado, nem o representam, nem
exercem atribuições políticas ou governamentais; são unicamente servidores
públicos, com maior ou menor hierarquia, encargos e responsabilidades
profissionais dentro do órgão ou da entidade a que servem (...)
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- Agentes honoríficos: são cidadãos convocados, designados ou nomeados para


prestar, transitoriamente, determinados serviços ao Estado, em razão de sua
condição cívica, de sua honorabilidade ou de sua notória capacidade profissional,
mas sem qualquer vínculo empregatício ou estatutário e, normalmente, sem
remuneração (...)

- Agentes delegados: são particulares que recebem a incumbência da execução de


determinada atividade, obra ou serviço público e o realizam em nome próprio, por
sua conta e risco, mas segundo as normas do Estado e sob permanente fiscalização
do delegante. (...)

- Agentes credenciados: são os que recebem a incumbência da Administração para


representá-la em determinado ato ou praticar certa atividade específica, mediante
remuneração do Poder Público credenciante”.[4]

2.4. Atividade Administrativa

A atividade administrativa, em sentido amplo, consubstancia-se em gerir bens


próprios ou alheios.

Em se tratando de bens públicos, a atividade administrativa deve pautar-se nos


estritos limites da moralidade administrativa, devendo, o agente público, agir de
acordo com os princípios constitucionais insculpidos no artigo 37, quais sejam,
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

3. A ADMNISTRAÇÃO PÚBLICA E A ÉTICA

Uma vez que é através das atividades desenvolvidas pela Administração Pública
que o Estado alcança seus fins, seus agentes públicos são os responsáveis pelas
decisões governamentais e pela execução dessas decisões.
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Para que tais atividades não desvirtuem as finalidades estatais a Administração


Pública se submete às normas constitucionais e às leis especiais. Todo esse
aparato de normas objetiva a um comportamento ético e moral por parte de todos os
agentes públicos que servem ao Estado.

3.1. Definição de ética

A palavra ética tem sua derivação do grego e encerra a ideia de conformidade com
os costumes. Segundo definição encontrada no dicionário da língua portuguesa, a
palavra ética designa:

“Parte da Filosofia que estuda os valores morais e os princípios ideais da conduta


humana; conjunto de princípios morais que devem ser respeitados no exercício de
uma profissão.”[5]

3.2. Princípios constitucionais que balizam a atividade administrativa

Devemos atentar para o fato de que a Administração deve pautar seus atos pelos
princípios elencados na Constituição Federal, em seu art. 37 que prevê: “A
administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...)”.

Quanto aos citados princípios constitucionais, o entendimento do doutrinador pátrio


Hely Lopes Meirelles é o seguinte:

“- Legalidade - A legalidade, como princípio da administração (CF, art. 37, caput),


significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito
aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode
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afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade


disciplinar, civil e criminal, conforme o caso. (...)

- Impessoalidade – O princípio da impessoalidade, (...), nada mais é que o clássico


princípio da finalidade, o qual impõe ao administrador público que só pratique o ato
para o seu fim legal. E o fim legal é unicamente aquele que a norma de Direito indica
expressa ou virtualmente como objetivo do ato, de forma impessoal. Esse princípio
também deve ser entendido para excluir a promoção pessoal de autoridades ou
servidores públicos sobre suas realizações administrativas (...)

- Moralidade – A moralidade administrativa constitui, hoje em dia, pressuposto de


validade de todo ato da Administração Pública (...). Não se trata – diz Hauriou, o
sistematizador de tal conceito – da moral comum, mas sim de uma moral jurídica,
entendida como “o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da
Administração” (...)

- Publicidade - Publicidade é a divulgação oficial do ato para conhecimento público e


início de seus efeitos externos. (...) O princípio da publicidade dos atos e contratos
administrativos, além de assegurar seus efeitos externos, visa a propiciar seu
conhecimento e controle pelos interessados diretos e pelo povo em geral, através
dos meios constitucionais (...)

- Eficiência – O princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja


exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno
princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada
apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e
satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros.
(...).”[6]
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3.3. Controle da atuação da Administração Pública

Visando a assegurar que a Administração Pública atue sempre em consonância com


os princípios normativos que lhe são impostos, faz-se necessário que se sujeite ao
controle por parte dos Poderes Legislativo e Judiciário, além de, ela própria, exercer
controle sobre seus atos.

Ressalte-se que todos os Poderes estão sujeitos ao mesmo controle, desde que os
atos emanados deem-se no exercício de função tipicamente administrativa.

Através de instrumentos de ação outorgados pela Constituição, também os


administrados podem provocar o procedimento de controle, visando não só à defesa
de interesses individuais como de interesses coletivos, embora tal controle seja
atribuição estatal.

A Emenda Constitucional número 19/98, inseriu o § 3º no artigo 37,[7] prevendo


formas de participação dos administrados na Administração Pública, necessitando,
porém, da edição de lei que regulamente o dispositivo constitucional, o que ainda
não foi observado pelo legislador pátrio.

Por outro lado, o Ministério Público desempenha importante papel no controle dos
atos administrativos, sendo, hoje, o órgão mais bem estruturado para tal finalidade,
devido às funções que lhe foram atribuídas pelo artigo 129 da Carta Magna, onde,
além da função de denunciar autoridades públicas por crimes praticados no
exercício de suas funções, tem ainda competência para realizar o inquérito civil,
requisitar diligências investigatórias e atuar como autor da ação civil pública,
objetivando a reprimir atos de improbidade administrativa e resguardar interesses
coletivos e difusos.

O poder-dever que a lei atribui aos órgãos públicos de controlar os atos emanados
pela Administração não pode ser renunciado sob pena de responsabilização de
quem se omitiu, sendo que tal controle abrange a fiscalização e a correção dos atos
ilegais, bem como, dos inoportunos ou inconvenientes para o interesse público.
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“[...] pode-se definir o controle da Administração Pública como o poder de


fiscalização e correção que sobre ela exercem os órgãos dos Poderes Judiciário,
Legislativo e Executivo, com o objetivo de garantir a conformidade de sua atuação
com os princípios que lhe são impostos pelo ordenamento jurídico.”[8]

O controle da atuação administrativa e financeira e do cumprimento dos deveres


funcionais do Poder Judiciário e do Ministério Público, após a edição da Emenda
Constitucional 45/2004, passou a ser exercida pelo Conselho Nacional de Justiça e
pelo Conselho Nacional do Ministério Público, respectivamente, competindo-lhes
zelar pela aplicação das leis relativas ao Judiciário e ao Ministério Público.

Deve-se ressaltar que não se trata de controle externo, uma vez que os referidos
Conselhos integram a instituição controlada, não prejudicando o controle externo
exercido pelos Tribunais de Contas, limitando-se, o controle dos citados órgãos, aos
atos e a atividade administrativa do Judiciário e do Ministério Público, não
abrangendo os atos jurisdicionais ou judiciais propriamente ditos.

A referida Emenda Constitucional 45/2004, criou ainda, as ouvidorias, objetivando


provocar a atuação dos Conselhos Nacionais de Justiça e do Ministério Público,
através de reclamações e denúncias de quaisquer interessados.

Temos ainda o controle legislativo ou parlamentar, trata-se de controle


eminentemente político e financeiro, objetivando a proteção dos interesses do
Estado e da Comunidade, exercido pelos órgãos legislativos, (Congresso Nacional,
Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores) ou por Comissões
Parlamentares, analisando a legalidade e a conveniência pública de determinados
atos do Executivo.

Este controle é exercido dentro da expressa previsão constitucional de forma a evitar


a interferência de um Poder sobre outro, preponderando o equilíbrio entre os
Poderes, no chamado sistema de pesos e contrapesos, que impõe o controle dos
atos de um Poder por outro, como por exemplo, na aprovação do orçamento e na
fiscalização de sua execução.
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O controle legislativo manifesta-se ainda, através do disposto no artigo 50,[9] que


trata da possibilidade de convocação de autoridades e pedidos de informações por
escrito e no § 3º do artigo 58,[10] da Constituição Federal, que regula as atividades
desempenhadas pelas Comissões Parlamentares de Inquérito.

Em relação à fiscalização financeira, orçamentária e contábil, o Poder Legislativo


conta com o auxílio do Tribunal de Contas.

“(...) ao Poder Legislativo compete a fiscalização financeira, orçamentária, contábil,


operacional e patrimonial dos demais Poderes, instituições e órgãos encarregados
da administração de receitas e despesas públicas. Essa função conta com o auxílio
do Tribunal de Contas.”[11]

A sociedade dispõe ainda do controle judicial que é o controle exercido


privativamente pelo Poder Judiciário sobre os atos da Administração, com vistas
a preservar a legalidade dos referidos atos. Tal controle abrange os atos do Poder
Executivo, do Legislativo e do próprio Judiciário quando configuram atos de natureza
administrativa.

Sendo a legalidade do ato administrativo a condição primeira para a sua validade,


importante se faz o controle de tais atos para garantir sua adequação com as
normas pertinentes (princípio da legalidade), com a moral da instituição (princípio da
moralidade), com a destinação pública (principio da finalidade), com a divulgação
necessária (princípio da publicidade) e com o rendimento funcional e presteza
(princípio da eficiência). Ao desviar-se ou contrariar qualquer desses princípios, a
Administração edita ato viciado de ilegalidade, o que o torna passível de anulação,
pelo Poder Judiciário, se provocado, ou pela própria Administração.

Para requerer a reparação de danos advindos de atos públicos ilegais, os


particulares dispõem de ações específicas, como, o Mandado de Segurança,[12] a
Ação Popular,[13] a Ação Civil Pública,[14] o habeas corpus,[15] o habeas data[16] e
as ações de controle concentrado de constitucionalidade,[17] exceto a ação
declaratória de constitucionalidade, além das vias judiciais comuns.
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É pacífica, em nossa doutrina, a possibilidade de anulação dos atos ilegais tanto


pela própria Administração quanto pelo Poder Judiciário.

“Anulação é a declaração de invalidação de um ato administrativo ilegítimo ou ilegal,


feita pela própria Administração ou pelo Poder Judiciário...

...O conceito de ilegalidade ou ilegitimidade, para fins de anulação do ato


administrativo, não se restringe somente à violação frontal da lei. Abrange não só a
clara infringência do texto legal como, também, o abuso, por excesso ou desvio de
poder, ou por relegação dos princípios gerais do Direito, especialmente os princípios
do regime jurídico administrativo”.[18]

O Poder Judiciário, ao exercer o controle judicial, pode anular os atos ilegais


editados pela Administração, sempre que levados à sua apreciação pelos meios
processuais cabíveis, sendo que a revisão é ampla, ou seja, a única restrição é
quanto ao objeto do julgamento que se restringe ao exame da legalidade ou da
lesividade ao patrimônio público, não podendo adentrar no mérito de conveniência e
oportunidade para a edição do ato pela Administração.

Importante se faz, ainda, atentar para as restrições colocadas ao Judiciário, quando


do conhecimento de atos políticos, assim entendidos aqueles praticados por agentes
do Governo, no uso de competência constitucional, os quais destinam-se à
condução dos negócios públicos e fundam-se em ampla liberdade de apreciação de
conveniência e oportunidade, devendo, o controle judicial, dar-se apenas sobre a
apreciação quanto a lesividade a direito individual ou ao patrimônio público, não
adentrando nos fundamentos políticos do ato.

4. A GESTÃO PÚBLICA NA BUSCA DE UMA ATIVIDADE ADMINISTRATIVA


ÉTICA

Com a vigência da Carta Constitucional de 1988, a Administração Pública em nosso


país passou a buscar uma gestão mais eficaz e moralmente comprometida com o
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bem comum, ou seja, uma gestão ajustada aos princípios constitucionais insculpidos
no artigo 37 da Carta Magna.

Para isso a Administração Pública vem implementando políticas públicas com


enfoque em uma gestão mais austera, com revisão de métodos e estruturas
burocráticas de governabilidade.

Aliado a isto, temos presenciado uma nova gestão preocupada com a preparação
dos agentes públicos para uma prestação de serviços eficientes que atendam ao
interesse público, o que engloba uma postura governamental com tomada de
decisões políticas responsáveis e práticas profissionais responsáveis por parte de
todo o funcionalismo público.

Neste sentido, Cristina Seijo Suárez e Noel Añez Tellería, em artigo publicado pela
URBE, descrevem os princípios da ética pública, que, conforme afirmam, devem ser
positivos e capazes de atrair ao serviço público, pessoas capazes de desempenhar
uma gestão voltada ao coletivo. São os seguintes os princípios apresentados pelas
autoras:

“- Os processos seletivos para o ingresso na função pública devem estar ancorados


no princípio do mérito e da capacidade, e não só o ingresso como carreira no âmbito
da função pública;

- A formação continuada que se deve proporcionar aos funcionários públicos deve


ser dirigida, entre outras coisas, para transmitir a ideia de que o trabalho a serviço
do setor público deve realizar-se com perfeição, sobretudo porque se trata de
trabalho realizado em benefícios de “outros”;

- A chamada gestão de pessoal e as relações humanas na Administração Pública


devem estar presididas pelo bom propósito e uma educação esmerada. O clima e o
ambiente laboral devem ser positivos e os funcionários devem se esforçar para viver
no cotidiano esse espírito de serviço para a coletividade que justifica a própria
existência da Administração Pública;
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- A atitude de serviço e interesse visando ao coletivo deve ser o elemento mais


importante da cultura administrativa. A mentalidade e o talento se encontram na raiz
de todas as considerações sobre a ética pública e explicam, por si mesmos, a
importância do trabalho administrativo;

- Constitui um importante valor deontológico potencializar o orgulho são que provoca


a identificação do funcionário com os fins do organismo público no qual trabalha.
Trata-se da lealdade institucional, a qual constitui um elemento capital e uma
obrigação central para uma gestão pública que aspira à manutenção de
comportamentos éticos;

- A formação em ética deve ser um ingrediente imprescindível nos planos de


formação dos funcionários públicos. Ademais se devem buscar fórmulas educativas
que tornem possível que esta disciplina se incorpore nos programas docentes
prévios ao acesso à função pública. Embora, deva estar presente na formação
contínua do funcionário. No ensino da ética pública deve-se ter presente que os
conhecimentos teóricos de nada servem se não se interiorizam na práxis do servidor
público;

- O comportamento ético deve levar o funcionário público à busca das fórmulas mais
eficientes e econômicas para levar a cabo sua tarefa;

- A atuação pública deve estar guiada pelos princípios da igualdade e não


discriminação. Ademais a atuação de acordo com o interesse público deve ser o
“normal” sem que seja moral receber retribuições diferentes da oficial que se recebe
no organismo em que se trabalha;

- O funcionário deve atuar sempre como servidor público e não deve transmitir
informação privilegiada ou confidencial. O funcionário, como qualquer outro
profissional, deve guardar o sigilo de ofício;

- O interesse coletivo no Estado social e democrático de Direito existe para ofertar


aos cidadãos um conjunto de condições que torne possível seu aperfeiçoamento
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integral e lhes permita um exercício efetivo de todos os seus direitos fundamentais.


Para tanto, os funcionários devem ser conscientes de sua função promocional dos
poderes públicos e atuar em consequência disto.(tradução livre).”[19]

Por outro lado, a nova gestão pública procura colocar à disposição do cidadão
instrumentos eficientes para possibilitar uma fiscalização dos serviços prestados e
das decisões tomadas pelos governantes. As ouvidorias instituídas nos Órgãos da
Administração Pública direta e indireta, bem como junto aos Tribunais de Contas e
os sistemas de transparência pública que visam a prestar informações aos cidadãos
sobre a gestão pública são exemplos desses instrumentos fiscalizatórios.

Tais instrumentos têm possibilitado aos Órgãos Públicos responsáveis pela


fiscalização e tutela da ética na Administração apresentar resultados positivos no
desempenho de suas funções, cobrando atitudes coadunadas com a moralidade
pública por parte dos agentes públicos. Ressaltando-se que, no sistema de controle
atual, a sociedade tem acesso às informações acerca da má gestão por parte de
alguns agentes públicos ímprobos.

Entretanto, para que o sistema funcione de forma eficaz é necessário despertar no


cidadão uma consciência política alavancada pelo conhecimento de seus direitos e a
busca da ampla democracia.

Tal objetivo somente será possível através de uma profunda mudança na educação,
onde os princípios de democracia e as noções de ética e de cidadania sejam
despertados desde a infância, antes mesmo de o cidadão estar apto a assumir
qualquer função pública ou atingir a plenitude de seus direitos políticos.

Pode-se dizer que a atual Administração Pública está despertando para essa
realidade, uma vez que tem investido fortemente na preparação e aperfeiçoamento
de seus agentes públicos para que os mesmos atuem dentro de princípios éticos e
condizentes com o interesse social.
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Além, dos investimentos em aprimoramento dos agentes públicos, a Administração


Pública passou a instituir códigos de ética para balizar a atuação de seus agentes.
Dessa forma, a cobrança de um comportamento condizente com a moralidade
administrativa é mais eficaz e facilitada.

Outra forma eficiente de moralizar a atividade administrativa tem sido a aplicação da


Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92) e da Lei de Responsabilidade
Fiscal (Lei Complementar nº 101/00) pelo Poder Judiciário, onde o agente público
que desvia sua atividade dos princípios constitucionais a que está obrigado
responde pelos seus atos, possibilitando à sociedade resgatar uma gestão sem
vícios e voltada ao seu objetivo maior que é o interesse social.

Assim sendo, pode-se dizer que a atual Administração Pública está caminhando no
rumo de quebrar velhos paradigmas consubstanciados em uma burocracia viciosa
eivada de corrupção e desvio de finalidade. Atualmente se está avançando para
uma gestão pública comprometida com a ética e a eficiência.

Para isso, deve-se levar em conta os ensinamentos de Andrés Sanz Mulas que em
artigo publicado pela Escuela de Relaciones Laborales da Espanha, descreve
algumas tarefas importantes que devem ser desenvolvidas para se possa atingir
ética nas Administrações.

“Para desenhar uma ética das Administrações seria necessário realizar as seguintes
tarefas, entre outras:

- Definir claramente qual é o fim específico pelo qual se cobra a legitimidade social;

- Determinar os meios adequados para alcançar esse fim e quais valores é preciso
incorporar para alcançá-lo;

- Descobrir que hábitos a organização deve adquirir em seu conjunto e os membros


que a compõem para incorporar esses valores e gerar, assim, um caráter que
permita tomar decisões acertadamente em relação à meta eleita;
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- Ter em conta os valores da moral cívica da sociedade em que se está imerso;

- Conhecer quais são os direitos que a sociedade reconhece às pessoas.” (tradução


livre).[20]

5. CONCLUSÃO

Após ter-se discorrido acerca do tema proposto, observou-se que na atual


Administração Pública já não há mais lugar para uma gestão destoante dos fins
sociais do Estado Democrático de Direito.

Resta claro que a gestão pública deve estar fundada nos princípios constitucionais
que regem a Administração Pública, ficando, os agentes públicos, sujeitos ao
controle administrativo, judicial e social em todas as suas decisões e atividades
administrativas desenvolvidas no âmbito público.

Enfatizou-se ainda, que para a real implementação da ética na gestão pública é


necessário a conscientização da sociedade como um todo, de modo que todos os
cidadãos passem a atuar concretamente na fiscalização e cobrança de uma
governabilidade eficaz e moralmente correta.

Para que se possa mudar o comportamento de toda a sociedade com vistas a atingir
o objetivo maior de obtermos uma Administração Pública totalmente ética, atuando
com economia, eficiência e acima de tudo dentro dos princípios democráticos, é
necessário mudar a forma de pensar e de sentir do cidadão em geral. E, neste
sentido, pode-se observar que nosso país está começando a dar os primeiros
passos, embora muito ainda esteja por fazer.

Assim sendo, é evidente que a nova Administração Pública deve, cada vez mais,
investir em preparação e atualização de seus agentes públicos para proporcionar-
lhes condições de conhecer as melhores técnicas e os melhores meios de atingir um
serviço público voltado ao interesse geral da sociedade. Deve ainda, implementar e
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aperfeiçoar instrumentos capazes de permitir ao cidadão um acompanhamento de


toda a atividade administrativa com possibilidade de denunciar maus gestores da
coisa pública e opinar sobre possibilidades de melhoria da coisa pública.

Por outro lado, deve-se ressaltar ainda, a importância da mudança de


comportamento de todo agente público no sentido de identificar-se com o fim social
da Administração Pública e lutar para a obtenção de todas as finalidades almejadas
pelo Estado Democrático de Direito.

Para finalizar, apontamos a necessidade de a Administração realizar,


constantemente, o controle sobre os atos editados, visando a preservar os direitos
dos cidadãos e resguardar a moralidade pública.

Nesse diapasão está o ensinamento do mestre Juan de Dios Pineda Guadarrama:

“(...) Se a ética tem a ver com a melhora das pessoas, também tem a ver com a
melhora das instituições. Daí que devem ser institucionalmente muito valorados os
mecanismos que ajudem aos administradores a comportar-se eticamente, tais como
os códigos de comportamento, a aplicação das normas de controle e os conselhos
cidadãos de vigilância. A liderança, para tanto, está indissoluvelmente unida ao
comportamento ético. Daí a importância que os tomadores de decisões na gestão
governamental possuam um sentido de serviço. As pessoas são capazes dos
maiores esforços e sacrifícios se encontram sentido no que fazem. Transmitir esse
sentido é a missão da liderança, pois uma das condições de ser líder é sua
capacidade de influência. A principal missão do líder é desenvolver líderes ao seu
redor. Líderes dispostos a defender e difundir os valores morais que sustentam a
ação empreendida na gestão pública e na ética.” (tradução livre).[21]
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NOTAS

Notas
1- Hely Lopes MEIRELLES. Direito Administrativo Brasileiro. 30.ed. São Paulo:
Malheiros, 2005. p. 64.
2- Hely Lopes MEIRELLES. Ob. cit. p. 65.
3- Henrique Savonitti MIRANDA. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. Brasília:
Senado Federal, 2005. p. 137.
4- Hely Lopes MEIRELLES. Ob. cit. pp. 76-81.
5- Dicionário da Língua Portuguesa. Melhoramentos, 2002. p. 122.
6- Hely Lopes MEIRELLES. Ob. cit. pp. 87-96.
7- CF/1988. “Art. 37. § 3º. A lei disciplinará as formas de participação do usuário na
administração pública direta e indireta, regulando especialmente: I – as reclamações
relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de
serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da
qualidade dos serviços; II – o acesso dos usuários a registros administrativos e a
informações sobre atos do governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII; III –
a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo,
emprego ou função na administração pública.”
8- Maria Sylvia Zanella DI PIETRO. Direito Administrativo. 19 ed. São Paulo: Atlas,
2006. p.694.
9- CF/1988: “Art. 50. A Câmara dos Deputados e o Senado Federal, ou qualquer de
suas Comissões, poderão convocar Ministro de Estado ou quaisquer titulares de
Órgãos diretamente subordinados à Presidência da República para prestarem,
pessoalmente, informações sobre assunto previamente determinado, importando
crime de responsabilidade a ausência sem justificação adequada.”
10- CF/1988: “Art. 58, § 3º. As comissões parlamentares de inquérito, que terão
poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos
nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e
pelo Senado federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um
terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo,
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sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que
promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.”
11- Márcio Fernando Elias ROSA. Direito Administrativo. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
1999. p. 177.
12- CF/1988. Art. 5º, LXIX e Lei nº 1.533, de 31 de dezembro de 1951.
13- Cf/1988. Art. 5º, LXXIII e Lei nº 4.717 de 29 de junho de 1965.
14- CF/1988. Art. 129, III e Lei nº 7.347 de 24 de julho de 1985.
15- CF/1988. Art. 5º, LXVIII.
16- CF/1988. Art. 5º, LXXII.
17- CF/1988, Arts. 5º, LXXI, 102, I, “a” e § 1º e 103, § 2º.
18- Hely Lopes MEIRELLES. Ob. cit. pp. 202-203.
19- Cristina Seijo SUÁREZ & Noel Añez TELLERÍA. La Gestión Ética en la
Administración Pública: base fundamental para la gerencia ética del desarrollo. pp.
16-17.
20- Andrés Sanz MULAS. Breves Reflexiones sobre Ética y Administración Pública.
p. 6.
21- Juan de Dios Pineda GUADARRAMA. Ética para el Desarrollo: tres vertientes
contemporáneas de la ética pública. pp. 10-11.

Referências
BRAGA, Pedro. Ética, Direito e Administração Pública. 2. ed. Brasília: Senado
Federal, 2007.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas,
2000.
Dicionário da Língua Portuguesa. Jaraguá do Sul: Melhoramentos, 2002.
FIGUEIREDO, Carlos Maurício C. Ética na Gestão Pública e Exercício da Cidadania:
o papel dos tribunais de contas brasileiros como agências de accountability.
Disponível em
< http://unpan1.un.org/intradoc/groups/public/documents/CLAD /clad0044116.pdf >.
Acesso em: 04/abr/2011, às 15h13min.
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GUADARRAMA, Juan de Dios Pineda. Ética para el Desarrollo: tres vertientes


contemporáneas de la ética pública. Disponível em < www.iapem.org.mx/eventos
/clad/Juan%20de%20Dios.pdf >. Acesso em: 07/abr/2011, às 10h15min.
MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. 8. ed. São Paulo: Sugestões Literárias,
1974.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 30. ed. São Paulo:
Malheiros, 2005.
MIRANDA, Henrique Savonitti. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. Brasília:
Senado Federal, 2005.
MODESTO, Paulo. Controle Jurídico do Comportamento Ético da Administração
Pública no Brasil. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador,
Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 10, junho/julho/agosto, 2007. Disponível na
Internet em < http://www.direitodoestado.com.br/rere.asp >. Acesso em:
04/abr/2011, às 16h25min.
MULAS, Andrés Sanz. Breves Reflexiones sobre Ética y Administración Pública.
Disponível em < www.ucm.es/info/odsp/articulos/aa0001.pdf >. Acesso em:
04/abr/2011, às 15h33min.
ROSA, Márcio Fernando Elias. Direito Administrativo. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
1999.
SUÁREZ, Cristina Seijo & TELLERÍA, Noel Añez. La Gestión Ética en la
Administración Pública: base fundamental para la gerencia ética del desarrollo.
Disponível em < www.publicaciones.urbe.edu/index.php/.../1402-venezuela >.
Acesso em: 07/abr/2011, às 14h13min.

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