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O materialismo histórico:

Idéias que contribuíram para a sua formação e


bases constitutivas da teoria

Alexandre Carneiro de Souza

Nenhum conhecimento é absolutamente inédito. O conhecimento acompanha o processo


histórico do desenvolvimento cultural da sociedade humana. Desta forma, em sua natureza
essencial o pensamento está atrelado à memória.

Essa premissa é importante para que entendamos que os mais brilhantes autores
produziram inicialmente suas idéias tendo como ponto de partida um saber já construído. Assim
como os primeiros pensamentos de um indivíduo na condição de um ser social não são
propriamente seus, mas incorporam a linguagem social vigente, as idéias mais lúcidas e
inovadoras construídas em qualquer época basearam-se em parte num conhecimento já
elaborado.

O pensamento de Marx está apoiado por um conjunto de acontecimentos entre os quais


se poderia destacar o Renascimento, e a Reforma, a filosofia alemã e a Revolução Francesa, o
calvinismo e a economia clássica inglesa, o liberalismo laico e o historicismo. Como disse bem
Grasmci, o materialismo histórico (a filosofia da praxis) é o coroamento de um movimento de
reforma intelectual e moral, um produto dialético do contraste entre cultura popular e alta
cultura, o nexo entre Reforma Protestante e Revolução Francesa: trata-se de uma filosofia que
é também política e de uma política que é também uma filosofia 1.

No entanto pode-se afirmar que algumas idéias centrais antecederam o marxismo.


Acompanhando Antonio Gramsci, poderíamos dizer que o Materialismo Histórico, ou como situa
Gramsci, a “ Filosofia da Praxis”, possuia tripla paternidade: o hegelianismo, o feuerbachismo e
o materialismo francês (Fourier, Proudhon, Saint-Simon) 2.

A escola hegeliana exerceu profunda influência devido ao fato de Hegel ter dado a
dialética uma formulação consciente e sistemática. Não é possível negar o débito e a
ultrapassagem do marxismo em relação ao hegelianismo.

Mesmo abraçando a idéia hegeliana, como era interpretada pelos jovens hegelianos de
esquerda, inserindo-se no contexto do pensamento idealista de oposição, Marx não iniciou sua
trajetória sem contudo estabelecer sua própria crítica aos aspectos que via como lacunas no
pensamento de Hegel. Esta crítica direcionava seu enfoque ao esfacelamento da escola
hegeliana entre direita e esquerda (aquela privilegiando a dimensão espiritualista do sistema e
esta privilegiando a dimensão materialista do sistema).

1
GRAMSCI, Antônio. Concepção dialética da história, 1986, p. 106.
2
GRAMSCI, Antônio. Concepção dialética da história, 1986, p. 107.
Hegel dialetizou os dois momentos básicos da formação da consciência social: o
materialismo e o espiritualismo, onde o materialismo estava associado ao florescimento da
cultura popular e as transições revolucionárias da história. Já o espiritualismo apresentava-se
como discurso das classes tradicionais acerca do direito, da moral, da filosofia, do Estado e da
religião. No entanto a síntese elaborada por Hegel acerca da relação entre o materialismo e o
espiritualismo foi a de “um homem que anda sobre a cabeça”.
Para Marx, a unidade dialética e a possibilidade de realização da totalidade exigia uma
reformulação diferenciada da preeminência que Hegel atribuía às idéias e do radicalismo dos
discípulos de Hegel quer de direita quer de esquerda. Tal reformulação culminou com a síntese
do “ homem que caminha sobre as pernas”. Noutros termos, Marx defendia uma imanência
realista ao invés de uma imanência idealista anunciada pela dialética hegeliana.

A obra de Feuerbach, A Essência do Cristianismo, publicada em 1841, provocou um


impacto no pensamento de Marx. O autor destitui a dialética hegeliana do seu marco religioso e
denuncia a alienação social realizada pela crença nos deuses. Nos dizeres de Gorender,

“A crítica da teologia se funda na antropologia. Submetido a Deus, sua criação, o


homem se cinde, se separa dos outros homens, sola-se do seu gênero natural.
Libertar-se desta ilusão é necessário a fim de recuperar a essência humana alienada
e restabelecer a comunidade verdadeira do gênero humano. O homem é o Deus do
homem”3

Embora tendo acolhido com fervor as idéias feuerbachianas, Marx não as admitiu
ortodoxamente, assim como não foi hegeliano por completo. Sua crítica a respeito de
Feuerbach assinalava o fato do autor ter apreendido o mundo como intuição apenas e não
como atividade humana concreta. Marx entendia que Feuerbach desenvolvera a concepção do
homem como ser natural, corpóreo e esquecera do homem como ser social.

A idéia do proletariado foi incorporada ao pensamento de Marx devido seu


relacionamento com o materialismo francês, sobretudo dos seus contatos com Proudhon. Marx
estabelece um novo percurso na tentativa de compreender a realidade social, nesse esforço
teórico, o proletariado se apresenta com a classe revolucionária, capaz de emancipar a
sociedade da divisão das classes e recuperar o verdadeiro sentido da vida social. O
materialismo utópico francês destacava não o proletariado, mas o liberalismo burguês como
sendo a força social capaz de estabelecer uma nova ordem, distanciado do papel das lutas
políticas e econômicas das massas.

A ideologia alemã consiste o marco teórico do surgimento do materialismo histórico. A


obra estabelece um tipo de corte distinguindo o pensamento socialista de Marx em relação ao
socialismo utópico, segundo Marx, praticado pelos discípulos de Hegel, Feuerbach e pelos
hegelianos de esquerda.

O primeiro aspecto importante a ressaltar na concepção materialista da história é a


constituição de sua identidade teórica inegavelmente oposta ao pensamento idealista da
história. Como fora dito anteriormente, Hegel erigira um síntese dialética mediante a qual as
idéias construiriam a unidade do ser com o não ser dos indivíduos e da comunidade humana.

3
GORENDER, Jacob. O nascimento do materialismo histórico, in: A ideologia alemã, 1989, p.XVII.
Marx, já nas palavras introdutórias da Ideologia Alemã rechaçava a tese, considerada por
ele absurda, de uma revolução social gerada pelo domínio do pensamento puro (p.8). Sem
economizar os termos, o pai do materialismo histórico, rotula os espiritualistas (defensores do
espírito absoluto ou do caráter revolucionário exclusivo das idéias) de industriais da filosofia,
produtores de bugigangas e heróis de ilusões.

Essa crítica sustentava-se no fato de que a contribuição dos pensadores alemãs não
ultrapassou os limites da filosofia. Dentro desta questão subjaziam dois problemas: o fato de
que o pensamento alemão apresentava-se dependente exclusivamente do sistema filosófico
hegeliano e do fato de que esse sistema filosófico achava-se impregnado de misticismo
(pp.10,11).

O eixo sobre o qual gravitam os elementos centrais da concepção materialista da história


pode ser localizado na seguinte citação:

A maneira como os homens produzem seus meios de existência depende, antes de


mais nada, da m«natureza dos meios de existência já encontrados e que eles
precisam reproduzir...A maneira como os indivíduos manifestam sua vida reflete
exatamente o que eles são. O que eles são coincide , pois, com sua produção, isto
é, tanto com o que eles produzem quanto com a maneira como produzem. O que
os indivíduos são depende, portanto, das condições materiais da sua produção
(1989:13).

Como bem se pode ver a noção de Marx busca transportar o sentido da história retirando
a ênfase no homem como ser vivo (a despeito de a primeira condição da história humana é a
existência de seres humanos vivos), recolocando-a na realidade concreta da existência social do
homem como condição de produzir-se e reproduzir-se materialmente.

Deste modo o que define o homem não seria sua condição biológica, mas sua condição
social. A produção social dos recursos de existência material passa a ser uma questão
importante. Dela advém uma série de outras questões:

O princípio universal da divisão do trabalho e suas contradições

Segundo a teoria marxista, os indivíduos são o que eles produzem. Esta proposição se
insere na visão ampla do materialismo histórico, mediante a qual a história humana é movida
pela dinâmica do esforço coletivo dos indivíduos na produção da vida material.

Esta produção material requer basicamente uma organização. O produto do trabalho


coletivo não é satisfatoriamente alcançado, para o benefício social, se a realização do trabalho
ocorre de forma desordenada. Desta forma, requer-se, para o bom andamento do curso da
ação social, uma divisão de papéis e de lugares que cada indivíduo ocupa no processo
produtivo.

Marx reconhece a importância da divisão do trabalho e vai assinalar que o nível de


desenvolvimento da produtividade será uma extensão do grau de desenvolvimento das forças
produtivas e do grau de desenvolvimento da divisão do trabalho.
Nas próprias palavras do autor:

Reconhece-se de maneira mais patente o grau de desenvolvimento alcançado pelas


forças produtivas de uma nação pelo grau de desenvolvimento alcançado pela
divisão do trabalho. Na medida em que esta divisão não é mera extensão
quantitativa das forças produtivas já conhecidas anteriormente (o aproveitamento
de terras incultas, por exemplo), qualquer força produtiva nova traz como
conseqüência um novo aperfeiçoamento da divisão do trabalho (1989:14).

Nos termos da citação anterior pode-se perceber facilmente o reconhecimento do fato de


que a divisão do trabalho é uma exigência universal. A preocupação do autor vai repousar
fundamentalmente nos moldes como tal divisão se processa. Não é em vão a ênfase que o
sociólogo alemão atribui ao fenômeno do aperfeiçoamento necessário que deve incidir sobre as
forças produtivas e sobre a divisão do trabalho.

Nesse sentido a crítica de Marx é contundente acerca do modo da divisão do trabalho na


produção capitalista. Nesse sistema de produção a divisão da-se, não segundo critérios que
visem o bem-comum e a participação igualitária dos indivíduos no usufruto dos bens
produzidos; tal divisão processa-se segundo os interesses antagônicos dos diversos grupos que
interagem no processo global da produção.

Indiscutivelmente Marx vê no antagonismo dos interesses vigentes na produção as


condições da exploração do trabalho:

A divisão do trabalho no interior de uma nação gera, antes de mais nada, a


separação entre trabalho industrial e comercial, de um lado, e trabalho agrícola, de
outro; e, com isso, a separação entre a cidade e o campo e a oposição de seus
interesses. Seu desenvolvimento posterior leva a separação do trabalho comercial e
do trabalho industrial. Ao mesmo tempo, pela divisão do trabalho no interior dos
diferentes ramos constata-se, por sua vez, o desenvolvimento de diversas sub-
divisões entre indivíduos que cooperam em trabalhos determinados. A oposição de
cada uma dessas sub-divisões particulares em relação às outras é condicionada pelo
modo de exploração do trabalho agrícola, industrial e comercial (patriarcado, ordens
e classes) (1989:14).

O princípio da divisão do trabalho determina as formas de apropriação da


matéria prima, dos instrumentos e do produto do trabalho (propriedade tribal,
propriedade comunal, propriedade feudal, propriedade privada)

O lugar e o papel do indivíduo no processo produtivo vai determinar o que lhe cabe no
tocante à sua participação quanto a matéria, aos instrumentos e aos produtos do trabalho
(1989:15).

Noutros termos, os lugares da produção são decididos pelo nível de posse do indivíduo.
Esta tem variado no desenvolvimento histórico das relações humanas no trabalho.
A propriedade tribal foi a primeira modalidade de propriedade, correspondente ao estágio
rudimentar da produção, no qual a divisão do trabalho é pouco desenvolvida. Trata-se de um
tipo de propriedade familiar baseada na caça, na pesca, no pastoreio ou, eventualmente, na
agricultura.

Em seguida surge a propriedade comunal e propriedade do Estado, efetivada na


antigüidade, segundo a reunião de várias tribos para a constituição de uma única cidade. Neste
estágio produtivo já existia uma prática nascente de propriedade privada relacionada à móveis
e depois aos imóveis, porém de modo limitado e subordinado à propriedade comunal. Neste
modelo de vida econômica, a divisão do trabalho já aparece mais avançando, manifestando a
oposição entre cidade e campo e entre comércio marítimo e a indústria. Nesse momento
histórico desenvolvem-se plenamente as relações de classes entre cidadãos e escravos.

A propriedade feudal vem logo em seguida, caracterizada pela valorização da economia


rural. Noutros termos a propriedade feudal achava-se sustentada por uma estrutura fundiária
localizada de forma concentradora nas mãos da nobreza. Mesmo no apogeu do feudalismo, a
divisão do trabalho pouco se desenvolveu, além da oposição já existente entre cidade e campo
e da divisão entre o comércio e a indústria que já existia nas cidades mais antigas.

O desenvolvimento histórico das formas de apropriação da matéria, dos instrumentos e


dos bens da produção proporcionaram o surgimento da propriedade privada moderna, cujos
alicerces se estabelecem a partir da antiga Roma, cujo processo de apropriação dava-se
mediante a guerra, a pilhagem e ao tributo exigido dos povos vassalos. Com a instalação do
modo de produção capitalista a sociedade experimentará de forma radical a concentração da
propriedade nas mãos dos industriais.

Os tipos de relação humana que intervêm no desenvolvimento histórico

1- A primeira condição para a realização da história são a existência de condições que


possibilitam aos homens viverem.

.... é preciso antes de tudo beber, comer, morar, vestir-se e algumas outras coisas
mais. O primeiro fato histórico é, portanto, a produção dos meios que permitam
satisfazer essas necessidades, a produção da própria vida material; e isso mesmo
constitui um fato histórico, uma condição fundamental de toda a história que se
deve , ainda hoje como a milhares de anos, preencher dia a dia, hora a hora,
simplesmente para manter os homens com vida (1989:23).

2- A segunda intervenção humana para a realização da história é que tendo satisfeito as


necessidades primordiais para manter-se viva, a sociedade humana passa a criar um novo tipo
de necessidade, não mais primordial para a vida em busca de uma renovação da própria vida -
“ Essa produção de novas m«necessidades é o primeiro ato histórico” (1989:23).

3- A terceira forma de intervenção humana para a construção da história consiste na


reprodução humana, mediante a qual os homens criam outros homens. Esse ato assegura a
garantia da preservação da sociedade humana e possibilita a continuidade da história. Neste
aspecto, a família exerce lugar fundamental. Sendo a primeira forma de relacionamento social,
tende a tornar-se uma relação subalterna na medida em que as necessidades acrescidas geram
novas relações sociais (1989:24).
Acerca destes três aspectos, Marx recomenda entendê-los como momentos que
coexistiram deste o começo da história:

Aliás, não se devem compreender esses três aspectos da atividade social como três
estágios diferentes, mas tão somente como três aspectos ou, para empregar uma
linguagem clara para os alemãs, três momentos que coexistiram desde o começo
da história e desde os primeiros homens, e que ainda hoje se manifestam na
história (1989:24,25).

A consciência como um produto social

Ao tocar na temática da história como um ato humano de construção da realidade social,


Marx assinala que só é possível o ” fazer” história em decorrência do fato de o homem ter uma
consciência. Diferentemente do trabalho e do seu produto, embora sendo quem os possibilite, a
consciência é de natureza espiritual (espírito), tendo na linguagem a sua dimensão prática.
Segundo o autor, a natureza espiritual da consciência não a torna pura; antes acha-se
maculada, como uma espécie de maldição, pela matéria (1989:25,26).

Em seu discurso sobre a consciência, Marx vai destacar certos graus de desenvolvimento.
De início, diz ele, a consciência aparece como um produto social. Esse caráter social da
consciência a acompanhará enquanto existirem relações humanas. Nas palavras do autor:

Assim, a consciência é, antes de mais nada, apenas a consciência do meio sensível


mais próximo e de uma interdependência limitada com outras pessoas e outras
coisas situadas fora do indivíduo que toma consciência ... (1989:26).

Essa etapa designada de consciência socialmente produzida, também chamada de


consciência gregária, se impõe pela necessidade do indivíduo de entrar em relação com outros
indivíduos.

Esse começo é tão animal quanto a própria vida social nesta fase; é uma simples
consciência gregária e, aqui, o homem se distingue do carneiro pelo simples fato de
que nele a consciência toma o lugar do instinto ou de que seu instinto é um instinto
consciente (1989:27).

Posteriormente a essa consciência gregária, em função do aumento da produtividade ,


do aumento das necessidades e do crescimento populacional, a consciência emancipa-se do
mundo real e passa a representar algo que não tem vínculo com o real, através da teoria, seja
de natureza teológica, filosófica ou moral (1989:27)

Se analisarmos a realidade social como o resultado das relações das forças produtivas
perceberemos que as questões do desenvolvimento e da emancipação humana não podem ficar
restritas à consciência de si. De acordo com Marx, essa questão da consciência de si (o
idealismo do espírito puro) foi mal resolvida pela filosofia na medida em que ela preocupou-se
com a “essência do homem”, elevando-a às nuvens sem afetar o desenvolvimento humano:
A verdadeira solução prática dessa fraseologia, a eliminação dessas representações
na consciência dos homens, só será realizada, repitamos, pôr meio de uma
transformação das circunstâncias existentes, e não pôr deduções teóricas
(1989:39).

A consciência de si deve tomar a forma de uma consciência coletiva capaz de demolir


efetivamente o molde das relações sociais concretas responsáveis pela opressão dupla do
trabalho e do idealismo:

... essa transformação da história em história universal não é, digamos, um simples


fato abstrato da consciência de si, do espírito do mundo ou de algum outro
fantasma metafísico, mas sim uma ação puramente material, que se pode verificar
de forma empírica, uma ação da qual cada indivíduo fornece a prova tal como ela é,
comendo, bebendo e se vestindo (1989:47).

A constituição das classes sociais, os interesses específicos e os conflitos pela


posse dos bens de produção – as idéias da classe dominante e a alienação da classe
trabalhadora (pp.47,48)

A história das classes sociais está totalmente imbricada com a história da divisão do
trabalho que, em princípio era uma divisão de tarefas determinado pelo sexo, e passa a ser
orientada pela propriedade com a complexificação da vida social.

As classes sociais ganham forma a partir de uma realidade concreta decorrente dos
lugares que os grupos sociais ocupam no processo da produção, cujos lugares não definidos
pelo nível de posse de cada grupo:

Com efeito, a partir do instante em que o trabalho começa a ser dividido , cada um
tem uma esfera de atividades exclusiva e determinada, que lhe é imposta e da qual
não pode fugir; ele é caçador, pescador, pastor ou crítico, e deverá permanecer
assim se não quiser perder seus meios de sobrevivência (1989:29).

Uma classe dominante efetiva-se de fato no poder a partir do momento em que ela
assume o controle econômico da economia. Esse controle não é uma dádiva, mas uma
usurpação violenta dos direitos das demais classes. A tendência desse poder econômico é o
exercício hegemônico da dominação extensivo às demais áreas sociais; de modo que partindo
da área econômica, esse poder migra para a área política, em cujo lugar apropria-se e usa os
aparelhos ideológicos e repressivos para fortalecimento dos seus interesses particulares.

Parece ser exatamente neste sentido que Marx afirma que:

... a classe que é o poder material dominante numa determinada sociedade é


também o poder espiritual dominante. A classe que dispõe dos meios da produção
material dispõe também dos meios da produção intelectual, de tal modo que o
pensamento daqueles aos quais são negados os meios de produção intelectual está
submetido também à classe dominante .. Os indivíduos que constituem a classe
dominante possuem, entre outras coisas, também uma consciência, e
consequentemente pensam; na medida em que dominam como classe e
determinam uma época histórica em toda a sua extensão, é evidente que esses
indivíduos dominam em todos os sentidos e que têm uma posição dominante, entre
outras coisas também como seres pensantes, como produtores de idéias, que
regulamentam a produção e a distribuição dos pensamentos da sua época; suas
idéias são portanto as idéias dominantes de sua época (1989:47).

Ora, o que Marx assinala é que a dominação de uma classe irá determinar inevitável e
simultaneamente a alienação das demais. Isto porque tanto como a dominação, a alienação
exprime um lugar marginal no processo produtivo ou, quem sabe, talvez a alienação, em
termos mais precisos, defina um não lugar segundo as regras do mercado impostas pelos
grupos dominadores. Essa alienação é demonstrável pela participação não voluntária dos
indivíduos no processo produtivo; de modo que a marcha desse processo lhe aparece como
estranha, algo acerca do qual não sabe de onde vem nem para onde vai (1989:31).

Noutro momento, o autor define a alienação como sendo a condição de classe pela qual
se suporta

...todos os ônus da sociedade, sem gozar das suas vantagens, que é expulsa da
sociedade e se encontra forçosamente na oposição mais aberta a todas as outras
classes, uma classe formada pela maioria dos membros da sociedade e da qual
surge a consciência da necessidade de uma revolução radical... (1989:79.

Conforme o autor essa alienação é superável sob duas condições:


a) Quando a privação da massa dos despossuídos atinge o patamar da privação ampla e
total (1989:31);
b) Mediante uma ação transformadora da classe dominada num plano universal, tornando
cada povo dependente da revolução dos demais, situando os indivíduos não num eixo local,
mas dentro da visão universal (1989:32).

O Estado- representante do bem universal ou representante da classe social


dominante?

O Estado é o resultado do desenvolvimento histórico da realidade social. Surge de uma


oposição entre interesse particular e interesse coletivo, sendo que o que supostamente deveria
ser interesse coletivo torna-se uma instituição independe e separada dos interesses do
indivíduo e do conjunto. Esse Estado passa a ser movido por interesses, não comuns, mas
interesse de sangue, de língua, da divisão do trabalho em larga escala e de outros interesses.
Em síntese, como se pode bem ver na sociedade capitalista, o Estado incorpora os interesses
das classes condicionadas pela divisão do trabalho que as diferencia (1989:30).

Com o estabelecimento do Estado, a classe dominante vê-se obrigada a acompanhar a


nova trajetória social expandindo-se de uma organização local para outra, nacional e, desta
forma, dar uma forma universal aos seus interesses:
... O Estado adquiriu uma existência particular ao lado da sociedade civil e fora
dela; mas este Estado não é outra coisa senão a forma de organização que os
burgueses dão a si mesmos pôr necessidade, para garantir reciprocamente sua
propriedade e os interesses, tanto externa quanto externamente ... Sendo o Estado,
portanto, a forma pela qual os indivíduos de uma classe dominante fazem valer
seus interesses comuns e na qual resume toda a sociedade civil de uma época,
conclui-se que todas as instituições comuns passam pela mediação do Estado e
recebem uma forma política (1989:69,70).

As lutas que se travam no âmbito do Estado entre a democracia, a aristocracia e a


monarquia, a luta pelo direito de voto, etc. nada mais são do que formas ilusórias sob as quais
são travadas lutas efetivas entre os interesses particulares das classes (1989:30).

Ora, essas lutas que são travadas no âmbito do Estado demonstram o fato singular de
que toda a classe que pretenda a conquista do poder deve primeiramente conquista-lo no
âmbito da política, como condição de apresentar seu interesse próprio como sendo interesse
geral (1989:30).

O comunismo

A noção central do conceito de comunismo repousa na integração de todos os indivíduos


da sociedade no processo total da produção (1989:82). Como bem se pode ver, a efetivação de
um modelo de vida social pautado em uma visão comunista requer a subversão das bases de
tudo o que foi edificado até então orientado pelo interesse de classe. Desta sorte, o comunismo
se reveste de uma proposta revolucionária, uma vez que somente uma revolução, e não outra
coisa, seria capaz de romper com as contradições do sistema da propriedade privada.

A condição sine qua non para a real efetivação do comunismo é a abolição da


propriedade privada:

... ao passo que uma vez abolida a base, que é a propriedade privada, e instaurada
a regulamentação comunista da produção, que elimina no homem o sentimento de
estar diante de seu próprio produto como diante de uma coisa estranha, a força da
relação da oferta e da procura é reduzida a nada, e os homens recuperaram o
controle sobre o comércio, a produção, seu modo de comportamento recíproco?”
(1989:32,33).

A definição e comunismo paras Marx:

Para nós o comunismo não é nem um estado a ser criado , nem um ideal pelo qual
a realidade deverá se guiar. Chamamos de comunismo o movimento reeal que
supera o estado atual de coisas (1989:33).

BIBLIOGRAFIA
GORENDER, Jacob. O nascimento do materialismo histórico, in: A ideologia alemã, SP,
martins Fontes, 1989.
GRAMSCI, Antônio. Concepção dialética da história, RJ, Civilização Brasileira, 1986
MARX, Karl, ENGELS, Friendrich. A ideologia alemã. SP, Martins Fontes, 1989.

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