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Essa premissa é importante para que entendamos que os mais brilhantes autores
produziram inicialmente suas idéias tendo como ponto de partida um saber já construído. Assim
como os primeiros pensamentos de um indivíduo na condição de um ser social não são
propriamente seus, mas incorporam a linguagem social vigente, as idéias mais lúcidas e
inovadoras construídas em qualquer época basearam-se em parte num conhecimento já
elaborado.
A escola hegeliana exerceu profunda influência devido ao fato de Hegel ter dado a
dialética uma formulação consciente e sistemática. Não é possível negar o débito e a
ultrapassagem do marxismo em relação ao hegelianismo.
Mesmo abraçando a idéia hegeliana, como era interpretada pelos jovens hegelianos de
esquerda, inserindo-se no contexto do pensamento idealista de oposição, Marx não iniciou sua
trajetória sem contudo estabelecer sua própria crítica aos aspectos que via como lacunas no
pensamento de Hegel. Esta crítica direcionava seu enfoque ao esfacelamento da escola
hegeliana entre direita e esquerda (aquela privilegiando a dimensão espiritualista do sistema e
esta privilegiando a dimensão materialista do sistema).
1
GRAMSCI, Antônio. Concepção dialética da história, 1986, p. 106.
2
GRAMSCI, Antônio. Concepção dialética da história, 1986, p. 107.
Hegel dialetizou os dois momentos básicos da formação da consciência social: o
materialismo e o espiritualismo, onde o materialismo estava associado ao florescimento da
cultura popular e as transições revolucionárias da história. Já o espiritualismo apresentava-se
como discurso das classes tradicionais acerca do direito, da moral, da filosofia, do Estado e da
religião. No entanto a síntese elaborada por Hegel acerca da relação entre o materialismo e o
espiritualismo foi a de “um homem que anda sobre a cabeça”.
Para Marx, a unidade dialética e a possibilidade de realização da totalidade exigia uma
reformulação diferenciada da preeminência que Hegel atribuía às idéias e do radicalismo dos
discípulos de Hegel quer de direita quer de esquerda. Tal reformulação culminou com a síntese
do “ homem que caminha sobre as pernas”. Noutros termos, Marx defendia uma imanência
realista ao invés de uma imanência idealista anunciada pela dialética hegeliana.
Embora tendo acolhido com fervor as idéias feuerbachianas, Marx não as admitiu
ortodoxamente, assim como não foi hegeliano por completo. Sua crítica a respeito de
Feuerbach assinalava o fato do autor ter apreendido o mundo como intuição apenas e não
como atividade humana concreta. Marx entendia que Feuerbach desenvolvera a concepção do
homem como ser natural, corpóreo e esquecera do homem como ser social.
3
GORENDER, Jacob. O nascimento do materialismo histórico, in: A ideologia alemã, 1989, p.XVII.
Marx, já nas palavras introdutórias da Ideologia Alemã rechaçava a tese, considerada por
ele absurda, de uma revolução social gerada pelo domínio do pensamento puro (p.8). Sem
economizar os termos, o pai do materialismo histórico, rotula os espiritualistas (defensores do
espírito absoluto ou do caráter revolucionário exclusivo das idéias) de industriais da filosofia,
produtores de bugigangas e heróis de ilusões.
Essa crítica sustentava-se no fato de que a contribuição dos pensadores alemãs não
ultrapassou os limites da filosofia. Dentro desta questão subjaziam dois problemas: o fato de
que o pensamento alemão apresentava-se dependente exclusivamente do sistema filosófico
hegeliano e do fato de que esse sistema filosófico achava-se impregnado de misticismo
(pp.10,11).
Como bem se pode ver a noção de Marx busca transportar o sentido da história retirando
a ênfase no homem como ser vivo (a despeito de a primeira condição da história humana é a
existência de seres humanos vivos), recolocando-a na realidade concreta da existência social do
homem como condição de produzir-se e reproduzir-se materialmente.
Deste modo o que define o homem não seria sua condição biológica, mas sua condição
social. A produção social dos recursos de existência material passa a ser uma questão
importante. Dela advém uma série de outras questões:
Segundo a teoria marxista, os indivíduos são o que eles produzem. Esta proposição se
insere na visão ampla do materialismo histórico, mediante a qual a história humana é movida
pela dinâmica do esforço coletivo dos indivíduos na produção da vida material.
O lugar e o papel do indivíduo no processo produtivo vai determinar o que lhe cabe no
tocante à sua participação quanto a matéria, aos instrumentos e aos produtos do trabalho
(1989:15).
Noutros termos, os lugares da produção são decididos pelo nível de posse do indivíduo.
Esta tem variado no desenvolvimento histórico das relações humanas no trabalho.
A propriedade tribal foi a primeira modalidade de propriedade, correspondente ao estágio
rudimentar da produção, no qual a divisão do trabalho é pouco desenvolvida. Trata-se de um
tipo de propriedade familiar baseada na caça, na pesca, no pastoreio ou, eventualmente, na
agricultura.
.... é preciso antes de tudo beber, comer, morar, vestir-se e algumas outras coisas
mais. O primeiro fato histórico é, portanto, a produção dos meios que permitam
satisfazer essas necessidades, a produção da própria vida material; e isso mesmo
constitui um fato histórico, uma condição fundamental de toda a história que se
deve , ainda hoje como a milhares de anos, preencher dia a dia, hora a hora,
simplesmente para manter os homens com vida (1989:23).
Aliás, não se devem compreender esses três aspectos da atividade social como três
estágios diferentes, mas tão somente como três aspectos ou, para empregar uma
linguagem clara para os alemãs, três momentos que coexistiram desde o começo
da história e desde os primeiros homens, e que ainda hoje se manifestam na
história (1989:24,25).
Em seu discurso sobre a consciência, Marx vai destacar certos graus de desenvolvimento.
De início, diz ele, a consciência aparece como um produto social. Esse caráter social da
consciência a acompanhará enquanto existirem relações humanas. Nas palavras do autor:
Esse começo é tão animal quanto a própria vida social nesta fase; é uma simples
consciência gregária e, aqui, o homem se distingue do carneiro pelo simples fato de
que nele a consciência toma o lugar do instinto ou de que seu instinto é um instinto
consciente (1989:27).
Se analisarmos a realidade social como o resultado das relações das forças produtivas
perceberemos que as questões do desenvolvimento e da emancipação humana não podem ficar
restritas à consciência de si. De acordo com Marx, essa questão da consciência de si (o
idealismo do espírito puro) foi mal resolvida pela filosofia na medida em que ela preocupou-se
com a “essência do homem”, elevando-a às nuvens sem afetar o desenvolvimento humano:
A verdadeira solução prática dessa fraseologia, a eliminação dessas representações
na consciência dos homens, só será realizada, repitamos, pôr meio de uma
transformação das circunstâncias existentes, e não pôr deduções teóricas
(1989:39).
A história das classes sociais está totalmente imbricada com a história da divisão do
trabalho que, em princípio era uma divisão de tarefas determinado pelo sexo, e passa a ser
orientada pela propriedade com a complexificação da vida social.
As classes sociais ganham forma a partir de uma realidade concreta decorrente dos
lugares que os grupos sociais ocupam no processo da produção, cujos lugares não definidos
pelo nível de posse de cada grupo:
Com efeito, a partir do instante em que o trabalho começa a ser dividido , cada um
tem uma esfera de atividades exclusiva e determinada, que lhe é imposta e da qual
não pode fugir; ele é caçador, pescador, pastor ou crítico, e deverá permanecer
assim se não quiser perder seus meios de sobrevivência (1989:29).
Uma classe dominante efetiva-se de fato no poder a partir do momento em que ela
assume o controle econômico da economia. Esse controle não é uma dádiva, mas uma
usurpação violenta dos direitos das demais classes. A tendência desse poder econômico é o
exercício hegemônico da dominação extensivo às demais áreas sociais; de modo que partindo
da área econômica, esse poder migra para a área política, em cujo lugar apropria-se e usa os
aparelhos ideológicos e repressivos para fortalecimento dos seus interesses particulares.
Ora, o que Marx assinala é que a dominação de uma classe irá determinar inevitável e
simultaneamente a alienação das demais. Isto porque tanto como a dominação, a alienação
exprime um lugar marginal no processo produtivo ou, quem sabe, talvez a alienação, em
termos mais precisos, defina um não lugar segundo as regras do mercado impostas pelos
grupos dominadores. Essa alienação é demonstrável pela participação não voluntária dos
indivíduos no processo produtivo; de modo que a marcha desse processo lhe aparece como
estranha, algo acerca do qual não sabe de onde vem nem para onde vai (1989:31).
Noutro momento, o autor define a alienação como sendo a condição de classe pela qual
se suporta
...todos os ônus da sociedade, sem gozar das suas vantagens, que é expulsa da
sociedade e se encontra forçosamente na oposição mais aberta a todas as outras
classes, uma classe formada pela maioria dos membros da sociedade e da qual
surge a consciência da necessidade de uma revolução radical... (1989:79.
Ora, essas lutas que são travadas no âmbito do Estado demonstram o fato singular de
que toda a classe que pretenda a conquista do poder deve primeiramente conquista-lo no
âmbito da política, como condição de apresentar seu interesse próprio como sendo interesse
geral (1989:30).
O comunismo
... ao passo que uma vez abolida a base, que é a propriedade privada, e instaurada
a regulamentação comunista da produção, que elimina no homem o sentimento de
estar diante de seu próprio produto como diante de uma coisa estranha, a força da
relação da oferta e da procura é reduzida a nada, e os homens recuperaram o
controle sobre o comércio, a produção, seu modo de comportamento recíproco?”
(1989:32,33).
Para nós o comunismo não é nem um estado a ser criado , nem um ideal pelo qual
a realidade deverá se guiar. Chamamos de comunismo o movimento reeal que
supera o estado atual de coisas (1989:33).
BIBLIOGRAFIA
GORENDER, Jacob. O nascimento do materialismo histórico, in: A ideologia alemã, SP,
martins Fontes, 1989.
GRAMSCI, Antônio. Concepção dialética da história, RJ, Civilização Brasileira, 1986
MARX, Karl, ENGELS, Friendrich. A ideologia alemã. SP, Martins Fontes, 1989.