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ARTIGOS REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 44: 103-120 NOV.

2012

A ECONOMIA POLÍTICA
DO MODELO ECONÔMICO CHINÊS:
O ESTADO, O MERCADO E OS PRINCIPAIS DESAFIOS

Alexandre Queiroz Guimarães

RESUMO

O artigo explora algumas características do modelo chinês a partir de sua particularidade institucional,
a relação entre o Estado e o mercado. Pretende-se esclarecer as razões dos bons resultados econômicos,
destacar o papel essencial da variável internacional e apontar os principais desafios enfrentados pelo
modelo chinês. Uma preocupação central é destacar as implicações, realizações e riscos de uma combinação
muito particular entre o mercado e o Estado, tocando em um tema caro à Economia Política desde Adam
Smith. Para esse intuito, o artigo dialoga com teorias da Economia Política e do desenvolvimento econômico,
com destaque para o debate sobre os estados desenvolvimentistas. Argumenta-se que o sucesso do milagre
chinês está relacionado à liberalização das forças de mercado, mas deve-se também ao papel do Estado
Desenvolvimentista, que desempenhou um papel importante na transição para a economia de mercado e
vem contribuindo significativamente para o fortalecimento da capacidade produtiva e tecnológica.
Entretanto, a falta de demarcação entre o Estado e o mercado também implica dificuldades, que se
manifestam na intervenção excessiva do partido e nas deficiências do sistema financeiro e do sistema de
direitos de propriedade. De um lado, a economia beneficia-se da força do Estado e das medidas adotadas
para fortalecer sua posição internacional. De outro, há tensões entre uma economia mais complexa e uma
estrutura institucional muito específica. Outro ponto explorado são os esforços adotados para fortalecer
a capacidade industrial e tecnológica, perguntando-se sobre a efetividade da política industrial no estágio
atual do capitalismo. Enfim, o artigo trabalha outros desafios do modelo chinês, inclusive na área social,
apontando como vêm sendo enfrentados.

PALAVRAS-CHAVE: China; instituições; desenvolvimento; Estado desenvolvimentista; Economia Política.

I. INTRODUÇÃO1 melhoria nas condições materiais e sociais da


população. Estimativas do Banco Mundial apontam
Desde que iniciou as reformas internas, em
que, entre 1978 e 2004, 500 milhões de pessoas
1978, a China vem crescendo a taxas elevadas,
teriam deixado a linha de pobreza (medida por US$
próximas, na média, a 9% ao ano2. Ao contrário
1 por dia), com a proporção de pobres caindo de
do que ocorreu em outros países que possuíam
60%, em 1978, para 10% em 2004 (DOLLAR,
uma economia planificada, como a Rússia e o Leste
2007, p. 2). Nesse mesmo período, a renda média
Europeu, a transição chinesa foi acompanhada por
da população quadruplicou, atingindo em 2010
uma renda nominal per capita, ponderada pela pari-
dade do poder de compra (PPP), de US$ 7 536
(WORLD BANK, 2011). Ao mesmo tempo, a
1 O autor agradece ao Fundo de Incentivo à Pesquisa da economia chinesa vem avançando, tornando-se a
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC- manufatura do mundo em vários setores e cres-
MG) pelo financiamento concedido, bem como aos
cendo a participação na exportação de produtos
pareceristas anônimos da Revista de Sociologia e Política
pelos comentários feitos ao presente artigo. elaborados e tecnologicamente intensivos.
2 Com exceção de 1989, ano em que o produto interno O objetivo deste artigo é explorar certas
bruto (PIB) não cresceu, e 1997, quando houve uma características do modelo econômico chinês.
desaceleração, taxas elevadas de crescimento foram Pretende-se esclarecer as razões dos bons
alcançadas em todo o período (WORLD BANK, 2011).

Recebido em 17 de maio de 2011.


Aprovado em 16 de agosto de 2011.
Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 20, n. 44, p. 103-120, nov. 2012
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A ECONOMIA POLÍTICA DO MODELO ECONÔMICO CHINÊS

resultados econômicos, destacar o papel essencial a regra nas estratégias de desenvolvimento foi,
da variável internacional e apontar os principais durante muitas décadas, o sucesso moderado ou
desafios enfrentados pelo modelo chinês. Uma o fracasso. O ponto cresce em importância quando
preocupação central é destacar as implicações, se considera que as experiências de transição de
realizações e riscos de uma combinação muito economias de planejamento central para economias
particular entre o mercado e o Estado, tocando de mercado tiveram resultados muito inferiores,
em um tema caro à Economia Política desde Adam tendo produzido, na maioria dos casos,
Smith. Para esse intuito, o artigo dialoga com desestruturação econômica, queda do PIB e altos
teorias da Economia Política e do Desenvolvimento custos sociais (WHITE, 2000; NOLAN, 2005).
Econômico, com destaque para o debate sobre os
II. FUNDAMENTOS DO DESENVOLVIMENTO
“Developmental States” (WORLD BANK, 1993;
ECONÔMICO E O CASO CHINÊS
EVANS, 2004; NOLAN, 2004; CHANG, 2006)3.
O caminho para o desenvolvimento não é tão
Um ponto inicial consiste em indagar o que
simples como apontado por Adam Smith quando
leva a China a apresentar taxas de crescimento
ele dizia que “pouco mais é necessário para
tão altas. Martin Wolf, articulista do jornal
conduzir uma nação do mais baixo barbarismo até
Financial Times, pergunta: “Há algo excepcional
o mais elevado grau de opulência do que paz,
no crescimento chinês?” (WOLF, 2009). Wolf
impostos razoáveis e uma administração tolerável
compara o desempenho chinês com aquele
da justiça; tudo o mais sendo trazido pelo curso
verificado no Japão, na Coreia do Sul e em Taiwan
natural das coisas” 4 . Além da justiça e da
nos seus “milagres econômicos”. De 1978 a 2003,
segurança, vários pré-requisitos são necessários
o PIB per capita chinês cresceu 6,1% ao ano,
para que o “curso natural das coisas”, ou seja, as
abaixo do crescimento japonês no período 1950 a
forças de mercado, produzam resultados
1973 (8,2% ao ano). Os resultados para a Coreia
favoráveis. Infraestrutura de transportes e energia,
do Sul (1960 a 1990) e para Taiwan (1958 a 1987)
sistema financeiro avançado, capacidade
foram, respectivamente, 7,6% e 7,1% ao ano.
empresarial e técnica e contexto de estabilidade
O ponto destacado por Wolf refere-se à relação são alguns requisitos necessários. O cumprimento
entre o grau de atraso econômico e as taxas de dessas funções demanda certo grau de capacidade
crescimento: quando os países são mais atrasados, estatal, que tende a ser maior quão mais retardatário
embora não tão atrasados, eles beneficiam-se das é o processo de industrialização (CHANG, 2004;
ideias e das técnicas disponíveis em outros países. EVANS, 2004).
Tendem também a beneficiar-se da transferência
O sucesso chinês aparece, inicialmente, na
de trabalhadores de atividades de baixa
bem-sucedida transição para uma economia de
produtividade, como a agricultura de subsistência,
mercado. O processo de “dual track”, nome dado
para outras mais produtivas na indústria e no setor
à forma como os chineses introduziram as forças
serviços. Além disso, o capital é escasso e tem
de mercado sem abandonar o planejamento, a
alta produtividade, abrindo muitas oportunidades
liberalização da agricultura, o estímulo às empresas
para a expansão do investimento. A partir dessas
rurais e as reformas dos sistemas empresarial e
considerações, Wolf conclui que o crescimento
financeiro, ilustra a capacidade das lideranças
chinês não é excepcional, exceto pela escala e pelo
chinesas em conduzir o processo. A transição
tamanho da população envolvida.
conduziu-se de modo que a introdução das forças
Um ponto merece destaque: todos os países de mercado fosse acompanhada de medidas
supracitados são exemplos de sucesso. Os visando à correção das eventuais falhas de
números seriam bem diferentes se a amostra mercado. O contraste com outros processos de
incluísse outros países da Ásia e da América Latina. transição, principalmente aquele verificado na
Isso implica entender o que permitiu à China Rússia, foi enorme (WHITE, 2000; NOLAN,
replicar as experiências bem-sucedidas, enquanto 2005). As autoridades, recusando propostas

3 A seção IV utiliza aspectos teóricos das teorias sobre


“capacidade do Estado” e sobre os “developmental states” 4 Passagem extraída dos rascunhos da Riqueza das Nações
para entender aspectos centrais do modelo chinês. (Smith apud FONSECA, 1993).

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construtivistas 5 , optaram por “cruzar o rio O sucesso da intervenção também se refletiu


tateando as pedras”, de modo a garantir os pré- na condução da política econômica. Em contraste
requisitos necessários ao êxito do novo sistema com outras experiências de transição, a inflação
econômico. Ao mesmo tempo, o governo foi mantida sob controle, medida que teve efeitos
preservou a capacidade de intervenção, que se positivos sobre as taxas de poupança e de
mostrou fundamental para proteger os grupos investimento (NAUGHTON, 2007). A política de
vulneráveis e os perdedores com o processo de comércio exterior foi bem conduzida, com a
mudança. manutenção de uma taxa de câmbio desvalorizada
que favoreceu as exportações. Por sua vez, a
A construção de capacidade empresarial foi
criação das zonas econômicas especiais (ZEEs)
essencial. O governo optou por reformar
permitiu o acesso a recursos e à tecnologia
gradualmente as empresas estatais, ampliando a
estrangeiros. Ambas as políticas ajudaram a China
autonomia, mas reforçando a capacidade de
a driblar os constrangimentos do balanço de
supervisão. A reforma foi feita em etapas,
pagamentos, ao mesmo tempo em que promoviam
ampliando o papel das forças de mercado,
o crescimento da demanda e do PIB.
valorizando a eficiência e buscando aumentar a
autonomia e a transparência. Um processo brusco O desempenho foi também favorecido pelas
de privatização foi evitado. Na década de 1990, as condições de infraestrutura, indicativo da aptidão
empresas foram listadas no mercado de capitais, do Estado em prover bens públicos essenciais. A
como forma de ampliar a transparência e de China destaca-se por possuir alguns dos maiores
privatizar parte das empresas. Em todo o processo, portos do mundo e pela capacidade de movimentar
as lideranças estimularam a formação de grandes contêineres a baixos custos. O país também possui
conglomerados capazes de enfrentar a competição uma extensa malha ferroviária, que vem sendo
internacional. Assim, apesar das dificuldades que expandida e foi fortemente estimulada
ainda persistem6, é inegável o sucesso em produzir recentemente 7 . A rede de transportes e as
empresas capazes de atuar de acordo com os facilidades de logística contribuem para a redução
princípios de uma economia de mercado dos custos e para reforçar a posição da China como
(RALSTON et alii, 2006; NAUGHTON, 2007). elo estratégico para a otimização das cadeias
produtivas internacionais. Outro requisito é a
Paralelamente à reforma empresarial, o governo
capacidade educacional e técnica. Há indicadores
reformou o sistema financeiro. Os bancos foram
que colocam a China à frente de outros países
separados em bancos de políticas e bancos
emergentes8, diferença que é muito pronunciada
comerciais. Os últimos deveriam atuar segundo
nas províncias mais avançadas9. Além disso, há
os critérios de mercado. O intuito da reforma foi
um grande número de laboratórios, centenas de
impedir que o sistema financeiro continuasse a
milhares de cientistas e engenheiros são formados
financiar empresas estatais ineficientes, assim
anualmente10 e centenas de milhares de estudantes
como melhorar a capacidade de avaliação de riscos
saem para estudar no exterior. Como
e de alocação dos recursos para os setores de
conseqüência, a mão de obra é abundante também
maior produtividade. Apesar dos avanços, o
sistema financeiro ainda é muito atrasado, sendo
apontado como um dos elos frágeis do modelo
chinês (NOLAN, 2004; PEI, 2006).
7 Como resposta à crise internacional, o governo realizou
investimentos de US$ 500 bilhões, que incluem projetos
ambiciosos visando expandir a rede ferroviária (ANTUNES,
5 O termo “construtivista” faz menção às críticas de Hayek STEFANO & MARANHÃO, 2009).
às experiências mirabolantes de inovação social, muitas ten- 8 Segundo Stephen Roach (2011), “a alfabetização de adul-
do produzido resultados desastrosos. Os chineses já havi- tos está acima de 95% e as taxas de matrícula no ensino
am vivido algo nessa direção com o “Grande Salto à Fren- secundário passam de 80%”.
te”, que matou milhões de pessoas.
9 Em testes internacionais em matemática, ciência e leitu-
6 Entre as dificuldades incluem-se o atraso em termos de
ra, a província de Shangai atingiu a primeira posição, segui-
governança corporativa e a forte intervenção estatal, o que, da por Cingapura, Coreia e Taiwan (JACQUES, 2012).
em certos casos, leva os dirigentes a privilegiarem conside-
rações de outra ordem e a afastarem a empresa do objetivo 10 O número de graduados teria passado de 950 mil em
de aumentar a eficiência. O ponto é explorado adiante. 2000 para 4,5 milhões em 2007 (idem).

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A ECONOMIA POLÍTICA DO MODELO ECONÔMICO CHINÊS

em setores que exigem certa qualificação, demanda mundial. Esse resultado dá ao governo
ampliando a atratividade da China para grande capacidade de negociar com o capital
investimentos em setores mais elaborados11. estrangeiro e de exigir condições para a sua entrada,
incluindo a transferência de tecnologia. Além disso,
É à luz desses requisitos e fundamentos que
o mercado interno representa uma base de
se deve destacar o papel dos fatores de produção.
expansão para as empresas chinesas, que obtêm
Não há como descrever o milagre chinês sem
os ganhos de escala que elevam a capacidade para
enfatizar a mão de obra barata e de certa qualidade.
competir no exterior.
A grande proporção da população rural, alta para
o nível de renda per capita, propicia um exército III. A CHINA E O EXTERIOR – O CONTEXTO
quase inesgotável de mão de obra que tende a INTERNACIONAL E AS PARTICULA-
impedir que os salários subam significativamente, RIDADES DO MODELO CHINÊS
pelo menos nos tipos de trabalho menos
A China é particular por uma série de fatores,
qualificados (NOLAN, 2004) 12 . Aos baixos
relacionados a seu tamanho, taxa de crescimento
salários somam-se os baixos encargos trabalhistas,
e posição geopolítica. Essas particularidades, bem
as longas horas de trabalho e a grande flexibilidade
utilizadas pelas lideranças, vêm dando ao país
do mercado de trabalho, reforçando as vantagens
certos graus de liberdade que não são usualmente
comparativas advindas do fator trabalho.
disponíveis aos demais países. Isso se reflete na
À abundância de mão de obra adicionam-se as autonomia de sua política econômica, assim como
altas taxas de investimento, respaldadas por altas na capacidade de negociar com outros países e
taxas de poupança das famílias, investimentos das com as empresas multinacionais. A base da
empresas estatais e grande atração de capital autonomia da China está fortemente relacionada
estrangeiro. Em um país com oferta abundante às realizações de seu comércio exterior, uma vez
de mão de obra, a mobilização de capital torna-se que a dependência de recursos externos poderia
essencial para a velocidade do crescimento e para implicar ingerência nas políticas internas. Na década
o êxito do processo de catch up. Deve-se destacar de 1970, negociações relacionadas ao processo
que a China tem investido mais de 40% do PIB, de aproximação com os Estados Unidos
taxa elevada mesmo quando comparada àquelas propiciaram condições favoráveis de financia-
verificadas nos outros milagres econômicos13. mento e o acesso privilegiado ao mercado
americano, tendências que foram combinadas com
Enfim, outros elementos contribuem para os
políticas voltadas a atrair capital estrangeiro e a
resultados alcançados. Por enquanto, vale destacar
estimular as exportações.
a influência da estrutura etária, dado que algo como
70% da população encontrava-se na faixa etária Contrariamente a outros países de industriali-
de 15 a 64 anos e, portanto, em idade ativa zação tardia, a promoção do comércio exterior foi
(AMARAL, 2005). Outro ponto é o crescimento um componente essencial do desenvolvimento
do mercado interno, que em certos setores chinês. Antes das reformas, o comércio
responde por grande parte do acréscimo da internacional desempenhava papel insignificante.
A China era um país muito fechado e não adotava
políticas voltadas a promover as vantagens
comparativas14. As reformas que ocorreram a
11 Portanto, a China atrai investimentos não apenas devi- partir de 1978 modificaram esse quadro e as
do à mão de obra barata e ao tamanho do mercado consumi- operações de comércio exterior passaram a seguir
dor. Diversos fatores distinguem-na de outros países que as orientações de mercado. Tarifas e barreiras não
apresentam baixos custos salariais. tarifárias foram reduzidas, de modo que no início
12 Mudanças vêm ocorrendo nas províncias mais ricas, da década de 1990 a China já apresentava um grau
com a eclosão de greves, aumentos de salários e revisão dos de proteção inferior a muitos países em
direitos trabalhistas. Na impossibilidade de competir com desenvolvimento15. Inúmeras medidas promo-
baixos custos salariais, a estratégia passa a ser fomentar a
capacidade produtiva em nichos mais elaborados (idem).
13 Em níveis similares de renda per capita, o Japão inves-
tia 32% e a Coreia do Sul, 30% do PIB (WOLF, 2009). O 14 A pauta de exportações concentrava-se em recursos
excesso de investimento também pode acarretar proble- naturais, contendo muitos produtos que constituem hoje a
mas, ponto explorado adiante. base das importações chinesas.

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veram a liberalização do comércio exterior, apesar exportava US$ 1,2 trilhão, tendo acumulado
de o controle estatal e de regimes especiais terem reservas de US$ 1,5 trilhão (CUNHA, 2008). Em
sido preservados em setores considerados 2011, as mesmas somavam US$ 3,1 trilhões
estratégicos16 (LARDY, 2002). (JACQUES, 2012).
A liberalização comercial foi acompanhada pelo Inicialmente, as exportações avançaram
rápido crescimento das exportações. Estas foram principalmente nos setores intensivos em mão de
favorecidas principalmente por duas políticas: a obra. As exportações de produtos têxteis passaram
criação das zonas econômicas especiais (ZEEs) e de US$ 2,54 bilhões em 1980 para US$ 12,8
a política cambial. Em um momento em que a bilhões em 1998, enquanto as exportações de
China iniciava a transição para uma economia de roupas e confecções aumentaram de US$ 1,48
mercado, as ZEEs, ao oferecerem uma série de bilhão para US$ 27,1 bilhões. As exportações de
facilidades, foram fundamentais para a atração de calçados saltaram de US$ 173 milhões em 1980
firmas estrangeiras, voltadas preponderantemente para US$ 8,4 bilhões em 1998, enquanto as
para a exportação17. A manutenção do câmbio exportações de brinquedos cresceram de US$ 71
desvalorizado foi também essencial. Em 1982, a milhões para US$ 5,1 bilhões. Em 1998, a China
taxa de câmbio foi desvalorizada de 1,5 para 2,8 já respondia por 8,5% das exportações mundiais
remimbis por dólar. Desvalorizações sucessivas de têxteis, 16,7% de confecções, 17,9% de
seguiram-se, de modo que em 1995 a taxa cambial brinquedos e 20,7% de calçados, parcelas que
flutuava em torno de 8,3 remimbis por dólar. continuaram crescendo (LARDY, 2002).
Segundo estimativas do Fundo Monetário Estimativas recentes apontavam que a China era
Internacional (FMI), a moeda chinesa teria perdido, responsável por dois terços da produção mundial
entre 1980 e 1995, 70% do seu valor (idem). A de sapatos, brinquedos, fornos de micro-ondas e
despeito de pressões internacionais, as lideranças máquinas de fotocópias, além de metade da
chinesas insistiram em manter o câmbio produção mundial de tocadores de DVD, máquinas
desvalorizado, pois consideravam a promoção das digitais e têxteis (JACQUES, 2012, p. 185).
exportações um componente essencial de uma
Outro componente foi o crescimento do
estratégia voltada a reduzir a pobreza. Apenas a
investimento estrangeiro. Parte significativa desse
partir de 2005, em face das pressões inflacionárias
investimento foi realizada por firmas asiáticas,
acarretadas pela acumulação de reservas, o
incluindo firmas japonesas, que buscavam
governo passou a deixar a moeda valorizar-se, e
neutralizar os efeitos do yen valorizado, e empresas
em ritmo gradual, direção reforçada em 2010.
de Hong Kong, Taiwan e Coréia do Sul (PEMPEL,
Como conseqüência, as exportações entre 1984 2005). Tal tendência acelerou-se na década de
e 1995 cresceram 17% ao ano, passando de US$ 1990, tornando a China grande produtor e
27 bilhões para US$ 148,8 bilhões. A participação exportador de produtos eletrônicos e de tecnologia
do comércio exterior no PIB, que era de apenas da informação. As firmas de Taiwan, por exemplo,
10% em 1978, atingiu 44% em 1995 (idem). O transferiram para a China grande parte da
crescimento continuou na década de 1990 e as produção de monitores, placas-mãe e teclados para
exportações atingiram US$ 266 bilhões em 2001. computador18 (LARDY, 2002). Como resultado,
Após a entrada da China na Organização Mundial as exportações de produtos eletrônicos de alta
do Comércio (OMC), consumada em 2001, houve tecnologia aumentaram a participação de 7% do
nova aceleração, de modo que, em 2007, a China total das exportações, em 1990, para 37% em 2005
(CUNHA, 2008, p. 15).
Deve-se destacar o forte conteúdo regional no
15 Em 1992, 95% dos bens importados apresentavam processo de desenvolvimento chinês. A atração
preços domésticos similares aos preços internacionais. de empresas dos países vizinhos teve impactos
16 O processo de liberalização foi substancial, mantendo-
significativos no desenvolvimento da indústria
se o controle apenas sobre uma gama limitada de bens, que
incluía grãos, petróleo, vegetais, tabaco, fertilizantes e al-
godão. 18 Estimativas recentes destacam que 80% das placas-
17 As ZEEs chinesas eram muito maiores do que aquelas mãe, 70% dos computadores e 68% dos monitores de fir-
introduzidas em outros países asiáticos. mas taiwanesas eram feitos na China.

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A ECONOMIA POLÍTICA DO MODELO ECONÔMICO CHINÊS

chinesa e no desempenho exportador. Por sua vez, Um ponto essencial é o impacto desse conjunto
a ascensão da China e o reforço dos laços de características para a autonomia na condução
produtivos tiveram impacto nas relações produtivas da política econômica, permitindo à China escapar
e comerciais de toda a região. Houve forte a muitos constrangimentos e pressões
crescimento do comércio intrarregional, sendo que internacionais. Isso se reflete não apenas na política
as exportações intrabloco passaram de 37% do cambial, mas também no ritmo de abertura
total, em 1985, para 55% em 200519. Grande parte financeira, livrando o país dos efeitos devastadores
desse crescimento é atribuída a operações da crise asiática de 1997 e da crise mundial de
intrafirma, com venda de componentes e 2008-2009 21 . É essa posição internacional,
equipamentos para a China, que se especializa na fundada na força do seu mercado interno, que
montagem e na exportação dos produtos. permite à China enquadrar o capital estrangeiro,
Estimativas do Banco Mundial apontam que 55% conseguindo obter em um contexto bem diferente
das exportações da China em 2005 eram feitas aquilo que o Japão e a Coréia do Sul obtiveram no
por multinacionais a partir da importação de contexto de aquiescência norte-americana durante
componentes e montagem em território chinês a Guerra Fria. A posição chinesa tende também a
(idem, p. 14-15). ser fortalecida pelo impacto de sua economia no
aumento da produtividade global, no crescimento
Um aspecto a destacar-se é que graças aos
econômico e na recuperação de vários países.
baixos custos e ao amplo mercado, a China
Inclui-se a relação simbiótica desenvolvida com
configura-se como localização obrigatória das
os Estados Unidos, cujos interesses são
decisões produtivas das grandes empresas
promovidos pela importação de produtos baratos,
multinacionais. Muitas empresas transferem para
pelo acesso de suas firmas ao mercado chinês e
a China etapas produtivas menos complexas e
pela aquisição de títulos do Tesouro pelo governo
intensivas em trabalho, aproveitando os baixos
chinês22.
custos, de modo que em muitos setores o
crescimento das exportações foi acompanhado de A questão a destacar-se é a capacidade de
baixo valor agregado. Há, no entanto, exemplos preservar a autonomia na condução da política de
que apontam para outra direção, o que é favorecido desenvolvimento. A China vem conseguindo adotar
por políticas voltadas a estimular a produção de uma estratégia em que a introdução das forças de
componentes e a adicionar valor no próprio país. mercado, a promoção do comércio e a atração de
Além disso, há evidências de que a pressão para capital estrangeiro vêm sendo combinados com a
baixar os custos tem feito que empresas capacidade de moldar certas variáveis na direção
multinacionais terceirizem mesmo etapas mais da promoção do que se considera o interesse
complexas, dependentes de mão de obra com nacional. Apesar de a entrada na OMC ter
maior qualificação, como desenho, engenharia e implicado concessões e o abandono de certos
Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), o que tem instrumentos, outras formas de intervenção foram
proporcionado à China ganhos em termos de introduzidas ou reforçadas. A atuação de
absorção de tecnologia e especialização em setores estrangeiros no comércio exterior e no doméstico
avançados (NAUGHTON, 2007, p. 371; foi liberalizada, e o governo abriu mão tanto de
GEREFFI, 2009)20. Em terceiro lugar, não se práticas voltadas a favorecer fornecedores locais,
podem negligenciar os impactos da transferência como da exigência de quotas de exportações para
de tecnologia e de técnicas de gestão, efetivados, firmas estrangeiras. Mas o governo continua a
em muitos casos, por meio de práticas de joint conceder incentivos à transferência de tecnologia,
ventures entre empresas estrangeiras e firmas
locais.
21 Devido ao controle de capitais, a China preservou a
estabilidade de sua moeda, a despeito de turbulências como
a crise asiática. A estabilidade do yuan tem sido um
19 Expansão similar à verificada em blocos regionais como
contraponto à volatilidade do yen, dando vantagens à Chi-
a União Europeia e o Tratado Norte-Americano de Livre- na na luta pela maior influência regional (MEDEIROS, 2004,
Comércio (Nafta). p. 166).
20 Um bom exemplo é o setor de semicondutores e o de 22 A China, por sua vez, é dependente do acesso ao grande
circuitos integrados. mercado norte-americano.

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enquanto argumentos como a presença de “setores 2008, p. 17).


sensíveis” e de “segurança nacional” são utilizados
A partir de 2008, em função da crise mundial e
para regular a entrada do capital estrangeiro e para
da melhor posição de sua economia, a China,
perseguir objetivos de política industrial (CUNHA
detentora de grandes reservas internacionais,
& ACIOLY, 2009).
abandonou uma posição defensiva e tem criticado
A posição chinesa e seu alto poder de barganha o deficit dos Estados Unidos no balanço de
têm sido reforçados por diversas iniciativas de pagamentos e o excesso de dólares na economia
política externa. Essas se orientam, inicialmente, mundial. Além disso, a crise tem permitido à China
pela direção de fortalecer os vínculos econômicos, aprofundar suas estratégias de investimento no
principalmente com os países vizinhos, visando exterior 23 e de acordos para a obtenção de
torná-los mais dependentes economicamente. matérias-primas24. Em face da crise dos principais
Dentro dessa direção, a China vem avançando na competidores, a posição chinesa tem se fortalecido
assinatura de acordos de livre comércio com vários significativamente, ampliando os vínculos
países, em que demonstra alta propensão a fazer econômicos em várias partes do globo (JACQUES,
concessões, grande diferença em relação ao Japão. 2012).
Além disso, a China vem expandindo o seu aporte
IV. O MODELO ECONÔMICO CHINÊS: UMA
de ajuda a outros países, que teria passado de 260
COMBINAÇÃO PARTICULAR ENTRE O
milhões, em 1993, para 1,5 bilhões em 2004. Em
MERCADO E O ESTADO
países como Filipinas, Indonésia, Laos, Camboja
e Mianmar, a ajuda chinesa passou a ser bem O sucesso da economia chinesa está muito
superior à concedida pelos Estados Unidos relacionado à promoção das forças de mercado,
(JACQUES, 2012). bem ilustrada pela liberalização da agricultura, pela
permissão para o funcionamento das empresas
A partir da década de 1990, a estratégia
rurais, pela liberalização do comércio exterior e
chinesa passou a incluir a participação na
pelas reformas do sistema empresarial e
Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean)
financeiro. Tais medidas despertaram o potencial
e em outras instâncias regionais, assim como em
para o empreendedorismo e permitiram equacionar
iniciativas diplomáticas que incluíram a cooperação
as dificuldades econômicas vigentes durante o
para enfrentar o terrorismo e as negociações para
período de planejamento central. Além disso,
reduzir a capacidade nuclear da Coréia do Norte.
favoreceram o direcionamento da economia para
Nesses movimentos, a China vem demonstrando
os setores de maior produtividade, permitindo a
uma enorme cautela e recusando assumir a busca
exploração de vantagens comparativas.
de liderança; uma forma de não assustar os
parceiros, além de evitar maiores conflitos com No entanto, a transição bem-sucedida para uma
os Estados Unidos (idem). economia de mercado dependeu também das
características de suas lideranças e de sua
É importante destacar que o Leste e o Sudeste
burocracia, capazes de prover os bens públicos,
asiáticos vêm passando, desde a crise de 1997,
produzir um contexto de estabilidade e garantir a
por grandes mudanças, que incluem a adoção de
preservação de estabilidade social. À semelhança
medidas na direção de fomentar uma maior
de outros estados desenvolvimentistas, a China
integração institucional entre os países. Há o
vem combinando forte intervenção estatal com a
objetivo de desenvolver mecanismos de
cooperação econômica e financeira, visando
reduzir a dependência dos Estados Unidos e do
Fundo Monetário Internacional (FMI), que se 23 Uma estratégia comum vem sendo o uso das reservas
mostrou perniciosa nos eventos que se seguiram internacionais para adquirir empresas em países desenvolvi-
à crise de 1997. As iniciativas incluíram a criação dos. A produção é transferida para a China, mas os departa-
de um fundo para oferecer linhas de crédito em mentos responsáveis pela pesquisa, pelo marketing e forta-
lecimento da marca e pela distribuição são preservados nos
moedas locais, a fim de socorrer países em
países de origem (O ENIGMA DA CHINA, 2005, p. 2).
dificuldades. Em 2005, a China exerceu papel
24 Um ótimo exemplo são as relações desenvolvidas com
proeminente na organização de uma cúpula em
países da África, em que investimentos e ajuda financeira
Chiang Mai, Tailândia, voltada para avançar
vêm sendo trocados pelo acesso ao petróleo e a matérias-
medidas nessa direção (PEMPEL, 2005; CUNHA, primas.

109
A ECONOMIA POLÍTICA DO MODELO ECONÔMICO CHINÊS

preservação de bons fundamentos econômicos, influenciar o desempenho tecnológico, colocavam


incluindo o controle da inflação e a adoção de taxas a China em posição intermediária entre os líderes
de câmbio favoráveis às exportações (WORLD (Japão e Estados Unidos) e outros países
BANK, 1993). emergentes (PORTER et alii, 2007).
Como um caso típico de Developmental State, Posição similar é alcançada nos índices de
o Estado chinês transcende amplamente as funções infraestrutura tecnológica, que captam as
consideradas consensuais pelos economistas: instituições específicas voltadas a desenvolver,
provisão de bens públicos e correção de falhas de produzir e comercializar tecnologia. A China obteve
mercado. Sua ação está ancorada em políticas um índice de 60, tendo ficado pouco atrás de
voltadas a proteger a indústria nacional, moldar a Reino Unido, França e Alemanha, enquanto o Japão
entrada do capital estrangeiro, induzir a formação e os Estados Unidos, os líderes, obtiveram 70 e
de joint ventures e obter condições favoráveis para 95. O melhor resultado foi obtido na capacidade
a transferência de tecnologia. Inspirado no modelo de produção e de exportação de bens de alta
japonês, o governo não mede esforços para tecnologia. Em um índice relativo à produção, a
produzir grupos empresariais com capacidade China avançou de 32,8 em 1996 para 85,2 em
tecnológica e competitiva, dado que considera 2007, ficando apenas atrás dos Estados Unidos.
precondição para o poder internacional do país. No índice relativo às exportações, a China
Uma especificidade da China é a capacidade de ultrapassou, inclusive, os Estados Unidos (idem).
fazer essa intervenção em um momento do Trata-se de um avanço, mas que deve ser
capitalismo menos permissivo à intervenção relativizado por ter sido alcançado, em grande
estatal, como explorado na seção anterior25. parte, pela atração de firmas estrangeiras. É
importante saber o que fica na China e o impacto
Deve-se destacar o amplo esforço do Estado
sobre a capacidade de inovação (CHEN & CHEN,
chinês em promover o desenvolvimento industrial.
2009).
A proteção ao mercado interno, a oferta de
financiamento e o estímulo ao desenvolvimento Enfim, deve-se destacar que o objetivo de
tecnológico, entre outras medidas, auxiliaram as avançar na capacidade tecnológica vem sendo
empresas chinesas a projetar-se no mercado e a permanentemente fortalecido. Os gastos de P&D
ampliar as chances de enfrentar a competição em proporção do PIB passaram de 1,23% em 2004
estrangeira. Entre as políticas de estímulo ao para 1,75% em 2010, de modo que, em 2011, a
desenvolvimento tecnológico, incluem-se a ampla China passou a ser o segundo país a mais gastar
oferta de financiamento a baixo custo, a concessão em P&D em termos absolutos. Avanços
de subsídios para o esforço de P&D e diversas significativos foram também alcançados na
iniciativas visando aproximar as empresas das produção de artigos científicos, em que a
universidades e das instituições de pesquisa26. O participação chinesa na produção mundial passou
esforço para ampliar a capacidade tecnológica é de 2%, em 1995, para 6,5% em 2004 e 11% em
captado por indicadores que, ao mensurar o grau 2009 (JACQUES, 2012, p. 217).
de comprometimento dos governos com a política
O esforço de avançar no campo industrial e
tecnológica, colocavam a China bem à frente de
tecnológico remete a uma questão central: a
Brasil e México, embora bem atrás de países como
efetividade das medidas de política industrial no
Estados Unidos e Coréia do Sul. Indicadores de
atual estágio do capitalismo. A situação encontrada
infraestrutura econômica, que buscam mensurar
em vários setores é a de liderança absoluta de
a presença de instituições físicas, humanas,
grandes empresas multinacionais, que possuem
organizacionais e econômicas com capacidade de
marca forte, controlam amplas frações de
mercado e investem fortemente em P&D. Em
diversos indicadores, como volume de vendas e
25 No entanto, o contexto atual tem outros condicionantes,
de receita e número de patentes, essas empresas
que podem, como explorado adiante, implicar dificuldades
e desafios.
encontravam-se muito a frente de seus
competidores. Em diversos setores analisados por
26 Grande parte do esforço de P&D é feito pelas empre-
Nolan (2005, p. 38), a participação das empresas
sas, destacando-se o esforço para a adaptação da tecnologia
importada e a incorporação de técnicas intensivas em mão
chinesas nas vendas mundiais ou no esforço de
de obra (NAUGHTON, 2007). P&D estava bem abaixo à das líderes globais. Em

110
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 44: 103-120 NOV. 2012

2001, a China tinha apenas 11 representantes entre Estado chinês nas decisões econômicas, que
as 500 maiores empresas listadas pela revista transcende aquele verificado nos exemplos
Fortune, não possuindo nenhuma empresa entre clássicos de Developmental States, em que a
as 250 mais competitivas ou entre as 300 que mais demarcação entre o Estado e as empresas era muito
investiam em P&D. Naquele momento, e a mais clara (EVANS, 2004). Na China, os bancos
despeito de anos de iniciativas ligadas à política ainda são, em grande parte, estatais, e o Estado
industrial, a distância em relação às líderes mundiais mantém um grande controle sobre a alocação dos
estava aumentando. fluxos financeiros. Da mesma forma, o Estado
mantém o controle de grande parte das empresas.
Esse quadro teve alterações significativas no
Apesar das medidas para estimular a autonomia
decorrer da década de 2000, com a China obtendo
das empresas estatais e, mesmo, da tentativa de
29 representantes entre as 500 maiores empresas
criar-se uma holding dessas empresas, há ainda
em 2008, 37 em 2009 e 46 em 2010 (CNN
grande discrição e intervenção do partido
MONEY, 2012) 27. Algumas dessas empresas
comunista e da burocracia. Essa intervenção
mostraram-se bem-sucedidas no registro de
implica, em algumas ocasiões, a adoção de ações
patentes e na consolidação da marca; muitas
voltadas a fortalecer as empresas e a enfrentar
passaram, nos últimos anos, a adotar estratégias
adversidades. Mas, de outro lado, tende a fazer
mais agressivas, internacionalizando-se e
que considerações de outra ordem, ligadas ao
adquirindo empresas e centros de P&D no exterior
interesse do Partido Comunista, interfiram na
(idem)28. Jacques (idem) considera que o avanço
operação das empresas, tendendo a afetar
internacional das empresas chinesas é uma questão
negativamente a eficiência e a competitividade29.
de tempo. Além de já terem consolidado posição
Constata-se, no entanto, certo grau de
de liderança em setores como informática,
pragmatismo, de forma que os grupos escolhidos
eletrônica de consumo e telecomunicações, as
para serem campeões nacionais tendem a ser
empresas chinesas estariam próximas das líderes
protegidos de intervenções indevidas
em nichos como maquinaria de construção,
(NAUGHTON, 2007).
máquinas ferramentas, automóveis e engenharia
elétrica. V. OS GRANDES DESAFIOS
Em contraposição, muitas empresas chinesas Apesar dos resultados favoráveis em termos
encontram dificuldades para inovar e mostram-se de crescimento econômico e de redução da
ainda muito dependentes do mercado interno. Em pobreza, o modelo econômico chinês ainda
geral, a capacidade de inovação na China é baixa, provoca dúvidas e apreensões. Muitas das
no que se constitui um grande desafio do modelo reformas estão ainda incompletas e tanto o sistema
chinês (YAO & MORGAN, 2008). Assim, ainda empresarial como o financeiro apresentam
não é possível ser conclusivo em relação ao grau fragilidades. Falta um sistema adequado de direitos
em que as empresas chinesas serão bem-sucedidas de propriedade, o que leva os críticos a duvidarem
na capacidade de enfrentar os líderes globais. Há da persistência do bom desempenho assim que
espaço para análises similares à feita por Nolan forem superadas as primeiras e mais fáceis fases
(2005), acompanhando os avanços das empresas de crescimento. Dúvidas também aparecem em
chinesas quanto à capacidade de conquistar relação à forte intervenção do Estado na economia.
mercados internacionais e de inovar. Trata-se de Acredita-se que a recusa do Partido Comunista
uma questão central para o modelo chinês, ligada em abrir mão de parte do poder tende a impedir
à capacidade de avançar na capacidade tecnológica que o processo de reformas tenha continuidade
e de produzir campeões nacionais no estágio atual (PEI, 2006). Enfim, há os problemas ligados à
do capitalismo. desigualdade crescente e às altas taxas de pobreza
ainda prevalecentes. Os problemas sociais são mais
Outro aspecto sensível diz respeito aos
sérios quando se consideram as características
impactos do grau de intervenção do

29 Além de inúmeros casos de corrupção, são comuns os


27 A grande parte dessas empresas é estatal.
casos em que objetivos de outra ordem interferem no fun-
28 Como conseqüência, o investimento das firmas chine- cionamento das empresas. Um bom exemplo são as medi-
sas no exterior somou US$ 70 bilhões em 2010. das de protecionismo local (NOLAN, 2005; PEI, 2006).

111
A ECONOMIA POLÍTICA DO MODELO ECONÔMICO CHINÊS

rígidas do sistema político, com pouca capacidade para a efetivação de vários negócios, para a
de absorver as tensões e as fontes de oposição ao obtenção de serviços públicos e para o acesso ao
regime. financiamento. Essas práticas vão na direção
contrária da presença de regras impessoais,
Inicialmente, deve-se destacar que o contexto
necessárias para o bom desempenho da burocracia
institucional chinês não é o mais favorável para o
e de uma economia de mercado. Nesse sentido,
funcionamento de uma economia de mercado. Não
avaliações da organização não-governamental
existem bons direitos de propriedade, o poder
Transparência Internacional colocam a China
Executivo é muito autônomo, não há um sistema
como um dos países mais corruptos do mundo32.
de “checks and balances”, o poder Legislativo tem
Em um ranking internacional, o país obtém uma
pouco poder e o poder Judiciário não é
posição muito ruim em relação a inúmeros
independente (idem). Assim, o risco regulatório
indicadores, incluindo qualidade da governança,
na China é considerado muito alto. No entanto,
capacidade regulatória, transparência, estabilidade
esse não tem sido um obstáculo para os
política, prevalência da lei e “voz e accountability”.
investimentos estrangeiros, o que se explica pelas
Em alguns desses indicadores, a China esteve em
altas perspectivas de lucro, pela velocidade da
companhia de países muito atrasados
expansão do mercado e pelo fato de que a quebra
institucionalmente, entre os quais Nicarágua,
de contratos, apesar de um risco em potencial,
Indonésia e Nigéria. Em “voz e accountability”, a
não ter sido a regra30.
China esteve à frente apenas de estados muito
Há um grande atraso também no sistema de repressivos, como Vietnã, Arábia Saudita e
direitos de propriedade intelectual e no registro de Afeganistão (idem, p. 5-6).
patentes, com a freqüente ocorrência de casos de
A forte ingerência estatal e a falta de
pirataria. As empresas que investem na China
contrapontos institucionais têm inúmeros efeitos
sabem que a probabilidade de terem seus produtos
negativos. A preservação de monopólios e o forte
copiados é elevada, todavia não podem ficar fora
controle estatal implicam baixa produtividade e
desse mercado. Deve-se destacar que, embora
atraso em alguns setores, enquanto a não
essas práticas possam ajudar empresas locais a
dissociação entre Estado e economia resulta em
aproximarem-se das concorrentes, tendem
grande influência do partido nas operações das
também a inibir maiores investimentos, inclusive
empresas estatais, muitas vezes em prejuízo da
de firmas multinacionais, em P&D. Um bom
eficiência33. A força do poder Executivo, por sua
exemplo são as firmas norte-americanas, cujos
vez, não facilita necessariamente a adoção de
investimentos em P&D na China são muito
políticas adequadas, dado que sua capacidade de
superiores à média dos investimentos fora dos
ação tende a ser negativamente afetada pelos
Estados Unidos, mas que encontram na falta de
conflitos interburocráticos, pela ingerência do
bons direitos de propriedade um fator que inibe
partido e pelos conflitos existentes entre o governo
novos investimentos31.
central e os governos locais (SUN, 2007). Um
Outra característica indesejada, ligada ao grau ótimo exemplo são as medidas de protecionismo
de discrição da burocracia, é a alta corrupção. As local, que incluem proibições para a compra de
relações econômicas são ainda muito baseadas nas mercadoria de outras localidades, para a venda de
práticas de guanxi, redes pessoais que são a base matérias-primas e para a saída de capital. Essas
medidas, além de prejudicarem a consolidação do
mercado interno, provocam a duplicação do

30 Entre as vantagens da China em termos institucionais


encontra-se o baixo custo de fazer negócios, ilustrado pelo
baixo tempo de liberalização das alfândegas, muito inferior 32 No Índice de Percepção de Corrupção (Corruption
à média dos países em desenvolvimento. Perception Index) de 2010, a China ficou em 78º lugar, em
31 Segundo Naughton (2007, p. 364), as empresas ameri- um total de 91 países (TRANSPARENCY
INTERNATIONAL, 2010).
canas gastam, na China, 9,2% do valor adicionado em P&D,
enquanto a média de seus investimentos no exterior é de 33 Segundo Pei (2006), apesar das reformas, grande parte
apenas 3,3%. Também as firmas chinesas são prejudicadas dos membros do partido que compunham a administração
pela pirataria, que implica rápida expansão da oferta e que- anterior continua a ocupar postos importantes na direção
da das margens de lucro. das empresas estatais.

112
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 44: 103-120 NOV. 2012

investimento, tornando a estrutura produtiva de precisa ser contraposto às especificidades do


cada província muito similar à estrutura geral da Estado desenvolvimentista chinês, bastante
economia chinesa (PEI, 2006). Essa duplicação, diferente dos estados absolutistas analisados por
além de provocar a acumulação de capacidade Douglas North. As autoridades chinesas
ociosa, inibe os efeitos positivos que poderiam ser aprenderam com outras experiências e
obtidos com a especialização produtiva e com o demonstraram grande habilidade em conduzir o
comércio entre as províncias. processo de transição. O caráter
desenvolvimentista, assim como certa capacidade
Às dificuldades econômicas somam-se os
das lideranças, explica a preservação da estabilidade
abusos oriundos dos limites em garantir a
econômica e a adoção de políticas econômicas
“prevalência da lei” (rule of law). São inúmeros
favoráveis ao desenvolvimento dos negócios. Nota-
os relatos de abusos de poder e de violação de
se também, nos últimos congressos do partido
direitos, acompanhados da falta de canais de
comunista, o reconhecimento de dificuldades e a
participação e de defesa para os indivíduos. As
identificação de direções para corrigir os
cortes são inefetivas, fortemente politizadas e
desequilíbrios 34 . Trata-se, portanto, da
corruptas (KYNGE, 2007). A imprensa é
contraposição de possibilidades, amparadas por
controlada e a sociedade civil está muito
diferentes teorias de Economia Política. A teoria
precocemente organizada. Pei (2006) mostra que
do neoinstitucionalismo econômico aponta para
muito pouco tem avançado na direção de ampliar
as dificuldades que tendem a surgir em face das
os direitos individuais. Ao contrário, a opção do
diferenças entre os interesses das lideranças e as
partido tem sido por fortalecer sua capacidade
necessidades do modelo. Já a teoria ligada aos
repressiva e de cooptação dos grupos opositores.
estados desenvolvimentistas destaca o peso do
Nesse sentido, é notável o êxito em impedir que o
Estado chinês, sua tradição e unidade milenares e
grande número de protestos sociais, que reúnem
sua capacidade de conduzir o processo, em um
freqüentemente dezenas de milhares de pessoas,
modelo bastante diferente do capitalismo ocidental
consolide-se como movimentos organizados
(JACQUES, 2012).
capazes de ameaçar o regime.
Outro grande desafio advém do setor
Pei (idem), usando o referencial desenvolvido
financeiro. Apesar dos avanços, as reformas foram
por Douglas North, acredita que um dos problemas
incapazes de melhorar significativamente a
críticos da China é que o conjunto de direitos de
capacidade de avaliação de risco e de alocação de
propriedade que maximiza os interesses dos
capital para os setores com maior potencial
governantes (os membros do Partido Comunista)
econômico. Há ainda muitos critérios políticos
não é o mesmo que tende a favorecer o melhor
atrelados à concessão de empréstimos35 e, apesar
desenvolvimento econômico. As principais
de vultosos programas de saneamento adotados
reformas foram feitas nos anos de 1980, as quais,
para o sistema financeiro, o número de
apesar das transformações econômicas e sociais,
empréstimos podres, com poucas chances de
não tiveram continuidade na década seguinte.
serem pagos, é muito elevado 36 . Pouco
Monopólios foram mantidos em vários setores,
incluindo a comercialização de produtos agrícolas,
o setor de telecomunicações e o sistema financei-
34 Essa via permite interpretar o processo chinês como de
ro. A despeito do mau desempenho verificado
“transição vinda de cima”, em que o Partido Comunista
nesses setores, a liberalização e a entrada de novos
implementou reformas visando dinamizar a economia e
participantes continua vetada. Segundo Pei (idem), evitar que uma crise econômica e social levasse o regime à
é ingênuo acreditar que as transformações derrocada (GUIMARÃES, 2009b). Resta saber até que
econômicas tendem a favorecer transformações ponto o Partido Comunista estará disposto a ir, assim como
políticas. O enriquecimento econômico tende a sua capacidade de detectar e implementar as mudanças ne-
aumentar os recursos para cooptar adversários e cessárias.
o interesse para preservar o controle. Em 35 Apesar de o setor privado ter grande participação na
contrapartida, a relutância em reformar tende a geração de emprego, sua participação no investimento e no
ampliar as fontes de ineficiência e a agravar crédito é muito menor, sendo um indicativo do viés que
marca o sistema financeiro.
algumas tensões, podendo pôr em risco o regime.
36 Segundo Naughton (2007), a proporção de emprésti-
O argumento de Pei, apesar de profícuo, mos podres teria, no final da década de 1990, alcançado

113
A ECONOMIA POLÍTICA DO MODELO ECONÔMICO CHINÊS

transparente, o sistema é caracterizado por muito alta de pobres. Apesar da forte redução da
inúmeros casos de favorecimento e de corrupção. pobreza após 1978, deve-se destacar que esta
A cobrança de propinas é freqüente, encarecendo redução não foi contínua. Entre 1981 e 1987, a
o custo dos empréstimos (NAUGHTON, 2007). pobreza caiu pela metade, resultado
Há também problemas de regulação, o que em um essencialmente da reforma rural, que deu aos
contexto de liquidez excessiva, como tem ocorrido agricultores maior liberdade para comercializar a
nos últimos anos, tende a favorecer a formação produção. Entre 1987 e meados da década 1990,
de bolhas e o risco de perdas no sistema a diminuição da pobreza estancou, voltando a cair,
financeiro. Em tal contexto, destacam-se os riscos mesmo que a um ritmo reduzido, entre 1996 e
que os problemas do sistema financeiro podem 2001. A partir de 2001, a pobreza passou a declinar
acarretar à saúde da economia chinesa e ao projeto de modo mais forte, resultado dos efeitos da
de incorporar centenas de milhões de pessoas à entrada da China na OMC e da maior atenção à
economia de mercado (NOLAN, 2004). Apesar questão social (DOLLAR, 2007; RAVALLION &
de o sistema financeiro chinês ser em grande parte CHEN, 2007).
voltado para práticas de empréstimo, o que explica
Apesar da forte queda, a proporção de pobres
seu baixo envolvimento no cassino internacional
é ainda elevada. A China ainda possui uma grande
que levou à crise financeira de 2008, o risco não
proporção de população no campo, em torno de
deve ser subestimado37.
700 milhões de pessoas, sendo que uma alta
Segundo os críticos, as dificuldades do sistema proporção (acima de 50%, de acordo com a linha
financeiro têm fortes implicações na qualidade do de pobreza adotada) ainda vive abaixo da linha de
investimento. O sistema financeiro direciona pobreza. Essa alta persistência da pobreza, a
grande parte dos recursos para as empresas despeito das altas taxas de crescimento, está
estatais, que, em face da abundância de recursos, diretamente relacionada ao aumento da
investem de maneira arrojada e efetivam desigualdade. Entre 1983 e 2002, o Índice de Gini
investimentos pouco viáveis e de baixa passou de 0,28 para 0,447, tornando a
rentabilidade. Tal situação tende a provocar desigualdade na China superior à média dos países
excesso de capacidade em alguns setores e a de renda média (DOLLAR, 2007). Parte do
comprometer a capacidade de investimento aumento da desigualdade pode ser explicada pela
futuro38. Em síntese, o fácil acesso ao crédito, a maior diferenciação típica de uma economia de
grande capacidade de investimento e a baixa mercado e pelas transformações que marcam as
capacidade de regulação tendem a enfraquecer o primeiras etapas do desenvolvimento 39 . No
modelo econômico, podendo acarretar crises entanto, o aumento da desigualdade foi também
econômicas e financeiras que colocariam em risco decorrência das políticas adotadas.
os avanços econômicos e sociais.
Existe grande desigualdade regional na China,
Outra fonte de dificuldades relaciona-se ao ampliada pela criação das ZEEs e pelo conseqüente
aumento da desigualdade social e à proporção ainda estímulo às zonas costeiras. As regiões litorâneas
atraíram quase a totalidade dos investimentos
estrangeiros e foram as grandes beneficiárias do
40% do total de empréstimos. Em conseqüência de um processo de abertura. As províncias do centro e
programa de saneamento que custou U$ 300 bilhões, essa do oeste sofreram devido aos problemas de
proporção caiu para 10,5% em 2005. Essa tem sido uma
constante nos últimos anos: aumento dos empréstimos
infraestrutura, que as isolavam em relação às áreas
podres, intervenção e saneamento, seguido por novo ciclo em transformação. Como conseqüência, a
de empréstimos podres. disparidade de renda per capita entre as províncias
37 Na crise de 1997, muitas instituições chinesas sucum- ampliou-se, com a desigualdade entre a mais rica
biram devido à grande especulação. Há também várias men- e a mais pobre passando de 7,3 vezes em 1990
ções à formação de bolhas tanto no mercado de ações como
no setor imobiliário (NOLAN, 2004).
38 Esse é o ponto destacado por Martin Wolf (2009), que 39 Nos estágios iniciais, todos são igualmente pobres, uma
acredita que as taxas de investimento na China são muito vez empregados em atividades de baixa produtividade. Com
altas tanto para seu nível de renda per capita como para o as transformações e o surgimento de diferenciais de produ-
nível de crescimento do PIB, indicando uma relação capi- tividade e de oportunidades, a desigualdade tende a ampli-
tal-produto muito alta. ar-se, conforme descrito pela curva de Kuznetz.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 44: 103-120 NOV. 2012

para 13 vezes em 2003, número muito elevado vive em condições clandestinas, não possuindo o
em qualquer comparação internacional (HORTA, registro (hukou) necessário para ter acesso a uma
2009; ZHU & WAN, 2012). série de serviços públicos. Tornam-se, portanto,
cidadãos de segunda classe, vivendo em moradias
O impacto das desigualdades regionais é ainda
precárias e sem acesso aos serviços de educação,
mais sério quando se considera a forma muito
saúde e previdência. Sofrem também discrimi-
descentralizada de financiamento e de execução
nação quanto ao acesso a postos de trabalho. As-
dos gastos sociais, o que leva as províncias mais
sim, o sistema de hukou e suas restrições contri-
ricas a gastarem muito mais do que as mais
buem para a desigualdade de renda e de oportuni-
pobres 40 . O resultado é que as regiões e as
dades (HORTA, 2009)43. A população imigrante,
localidades mais pobres não obtêm os recursos
vivendo em condições precárias, constitui uma
necessários para prover bons serviços de educação
fonte de protestos e de instabilidade social.
e saúde, tendo, em muitos casos, de cobrar por
esses serviços. Como grande parte da população Vale destacar que as dificuldades sociais foram
é incapaz de pagar, não tem acesso a esses fortemente agravadas pelo grande número de
serviços ou tem-los em qualidade baixa 41 . pessoas demitidas, aproximadamente 30 milhões,
Portanto, o grau de descentralização produz grande resultado do processo de reestruturação das
desigualdade no acesso à saúde, à educação e a empresas estatais. Trata-se de pessoas que
outros serviços básicos, o que contribui para possuíam estabilidade no emprego e acesso a
ampliar o retorno da educação e as desigualdades serviços de proteção social. Esse contingente inclui
de renda. Isso é bem ilustrado pelo aumento do grande parte de trabalhadores mais velhos e de
retorno salarial de um ano a mais de estudo, que baixa escolaridade, com dificuldades para
entre 1988 e 2003 teria crescido de 4% para 11%, reinserirem-se no mercado de trabalho. A situação
reflexo também das oportunidades abertas pela dos demitidos implicou forte aumento dos gastos
diversificação da economia (DOLLAR, 2007). em pensões, serviços de saúde e habitação. No
geral, as dificuldades são infladas pelo caráter
Outra fonte expressiva de desigualdades é
precário do sistema de seguridade social. Após as
aquela existente entre o campo e a cidade. As
reformas, a seguridade social passou a assumir a
diferenças de renda urbano-rural oscilaram muito,
forma de um programa de seguros, incluindo
tendo se reduzido após a reforma rural, mas
seguro para idosos, seguro desemprego e seguro
voltando a crescer subseqüentemente. Tais
médico. O problema é que os mais pobres não
diferenças são criticamente afetadas por certas
podem pagar pelos mesmos, ficando
políticas, com destaque para as restrições para a
desprotegidos e arcando com grande parte dos
migração entre o campo e a cidade e para a
gastos (ZHU & WAN, 2012). Segundo Leung
relutância em conceder o direito de propriedade
(2006), em 2003 apenas 40% dos trabalhadores
das terras à população rural42. Estima-se que um
urbanos eram cobertos por seguro-desemprego e
montante próximo a 150 milhões de pessoas
apenas 45% participavam de programas de
deixam anualmente o campo em direção às cidades
aposentadoria44. Dados para 2000 apontavam que
em busca de trabalho temporário. A maior parte
44% das mulheres idosas e 51% das pessoas acima
de 80 anos não contava com aposentadoria45.

40 Segundo Dollar (2007), o gasto social por habitante


tende a ser oito vezes maior na província mais rica em 43 O sistema de hukou cumpriu seu papel ao possibilitar
relação à mais pobre, diferença que no Brasil é de 2,3 vezes. um ritmo menos intenso de migração e de crescimento das
As diferenças são maiores em nível subprovincial. cidades. No entanto, tem sérios problemas. Em fevereiro
41 A taxa de freqüência à escola, que é de 100% na provín- de 2010, 13 jornais lançaram um editorial conjunto defen-
dendo reformas. Há, no entanto, um enorme custo finan-
cia mais rica, era de 40% na mais pobre. Essas deficiências
ceiro oriundo da extensão de direitos sociais a 150 milhões
vêm levando o governo a ampliar significativamente os re-
de pessoas (JACQUES, 2012, p. 198).
cursos para educação e saúde nas áreas mais pobres. Em
2006, foi eliminada a exigência de taxas para a educação da 44 Os números para a área rural eram muito piores.
população carente (idem). 45 Segundo estimativas, apenas 20% dos 700 milhões de
42 Como conseqüência, a diferença de renda entre as zonas integrantes da população economicamente ativa tinha acesso
urbana e rural era de três para um, muito alta para os pa- à previdência (DESAFIOS DO MILAGRE CHINÊS,
drões internacionais. 2005).

115
A ECONOMIA POLÍTICA DO MODELO ECONÔMICO CHINÊS

Os problemas levantados apontam para Ciências Sociais. Este artigo focalizou uma dessas
políticas com potencial para a diminuição da áreas, ligada ao modelo econômico e à relação
desigualdade. Inicialmente, destacam-se os muito particular desenvolvida entre o Estado e o
investimentos em infraestrutura e o estímulo às mercado. O intenso desenvolvimento econômico
atividades econômicas das regiões mais pobres, verificado nos últimos 30 anos deveu-se às
incluindo uma política adequada de preços potencialidades representadas pela liberalização das
agrícolas. Em 1999, o governo lançou a “Grande forças de mercado, mas dependeu também do grau
estratégia de desenvolvimento para o Oeste”, de capacidade estatal, responsável pela correção
passando, a partir de então, a elevar das falhas de mercado, pela condução do processo
significativamente as transferências e os de transição e pelas medidas de estímulo à
investimentos para as províncias mais pobres, além atividade econômica. Apesar dos resultados
de estimular os investimentos de empresas alcançados, essa combinação tem implicações e
multinacionais. armadilhas.
Em segundo lugar, encontra-se a necessidade O modelo chinês replica em diversas situações
de melhorar a qualidade e o acesso a serviços de as características dos Developmental States
educação e saúde, diminuindo as diferenças entre existentes em países da Ásia em períodos
as províncias. A partir do XVII Congresso do anteriores. A capacidade de ação do Estado e a
Partido Comunista, em 2007, o governo vem sua força em relação aos grupos sociais são
reforçando significativamente os gastos em saúde, fundamentais para esclarecer o êxito da transição,
educação e transferências de renda para famílias assim como a constituição dos pré-requisitos para
pobres. Em 2008, o gasto com educação subiu o funcionamento de uma economia de mercado.
45% e em 2009 o governo lançou uma ambiciosa Destaca-se também a capacidade de as autoridades
reforma no sistema de saúde, visando prover chinesas fomentarem certos setores e empresas,
seguro básico para 90% da população (JACQUES, preservarem bons fundamentos econômicos e
2012). Vem havendo também um forte aumento garantirem a ordem social. A especificidade chinesa
dos gastos com o programa de subsistência básica, está em apresentar tal grau de intervenção em um
que em 2009 passou a cobrir 23 milhões de contexto bem particular do capitalismo, marcado
habitantes da zona urbana e 42,8 milhões na zona pela maior integração econômica e financeira e
rural (GAO et alii, 2011). Nesse sentido, tem sido por menores graus de liberdade conferidos à
enfática a decisão de corrigir alguns dos aspectos intervenção estatal.
mais negativos do modelo econômico. No entanto,
Há, no entanto, o outro lado da intervenção
são substanciais os desafios, exigindo um
estatal: as relações entre o Estado e a economia
acompanhamento cuidadoso das políticas e de seus
são fluidas; há grande imbricação entre os
resultados.
interesses do partido e a gestão das empresas;
A esses desafios, somam-se outros como os faltam instituições que garantam o respeito à lei e
riscos ambientais. A China possui algumas das aos direitos dos cidadãos, sendo a corrupção uma
cidades mais poluídas do mundo, com fortes prática recorrente; o poder Executivo é muito forte
custos em termos de mortes, desmatamento e e o poder Judiciário não é independente; por fim,
prejuízos à economia. Esses problemas estão falta uma estrutura de direitos de propriedade
relacionados às características tanto do modelo capaz de proteger os investidores. A isso se somam
econômico, muito intensivo em capital e energia, as fontes de ineficiência decorrentes de
como da matriz energética, muito dependente do monopólios em certos setores e as deficiências
carvão, o que em um país com tal ritmo de do setor financeiro, marcado por critérios políticos
crescimento implica impactos explosivos. O na concessão de financiamento, por grande
governo vem estimulando amplamente o acumulação de empréstimos podres e por uma
desenvolvimento de fontes de energia limpas, mas estrutura precária de regulação.
os desafios são enormes.
Devido às suas particularidades, a China vem
VI. CONCLUSÕES conseguindo frear o ritmo da abertura financeira
e conservar certos padrões de intervenção. Há,
A China, dado o acelerado processo de
no entanto, dúvidas quanto à capacidade de
transformação econômica e social, constitui um
preservar esse poder, sem falar das vantagens de
laboratório rico para o estudo de várias áreas das

116
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 44: 103-120 NOV. 2012

tornar o remimbi uma moeda internacional. Uma mercado e o Estado é um tema essencial da
vez consumado um maior ritmo de abertura e de Economia Política desde as suas origens. Um tema
liberalização financeira, surgem apreensões derivado dessa relação é o estudo dos Developmen-
relativas às fraquezas do sistema financeiro e do tal States e das condições em que a intensa inter-
sistema de direitos de propriedade. Deve-se venção estatal tende a ser profícua. Isso aponta
lembrar os casos do Japão e da Coréia do Sul, em para os aspectos positivos e negativos da interven-
que as pressões por liberalização mostraram-se ção estatal, incluindo tanto a capacidade de promo-
letais para o modelo econômico, provocando fortes ver certos setores como as dificuldades advindas
custos econômicos e sociais (GUIMARÃES, do conflito interburocrático e da adoção de práticas
2009a). de patronagem e “rent seeking”. O exemplo chinês
levanta também a questão da relevância das
Existe, portanto, uma contraposição de fatores:
instituições econômicas e da garantia dos direitos
de um lado, há a força do Estado chinês, voltado
de propriedade, assim como a relação entre as
para consolidar a capacidade produtiva e
transformações econômicas e as mudanças políti-
tecnológica e para avançar com os interesses
cas, indagando sobre as circunstâncias em que as
externos, iniciativas que vêm se fortalecendo nos
elites políticas estariam dispostas a adotar reformas
últimos anos. Após a crise de 2008, as empresas
que impliquem abrir mão de parte do poder.
chinesas passaram a adotar estratégias mais
agressivas e a adquirir ativos em várias partes do O caso chinês é também muito caro ao estudo
mundo. Ao mesmo tempo, a China passa a estreitar das relações internacionais, ilustrando interações
os laços econômicos e a ampliar a sua influência entre as iniciativas de política externa e a
nos diversos continentes, o que vem sendo perseguição de objetivos econômicos. Nesse
alcançado por meio de um grande aumento nos sentido, as práticas de negociação com o capital
investimentos, nos empréstimos e na ajuda estrangeiro e a adoção de medidas de política
financeira a inúmeros países (JACQUES, 2012). industrial e tecnológica podem trazer lições para
Por outro lado, ainda não se pode descartar os os países em desenvolvimento. Outra questão diz
constrangimentos e as exigências levantados pela respeito ao impacto da ascensão da China sobre o
maior complexidade da economia de mercado, emprego nos países desenvolvidos, assim como
assim como as demandas por direitos e por às medidas de retaliação que podem ser adotadas
participação que podem surgir da nova estrutura e seus impactos na ordem internacional.
social. E há também os riscos relacionados a cri-
Em 2007, o XVII Congresso realizado pelo
ses financeiras, à acumulação de capacidade ociosa
Partido Comunista destacou várias deficiências
e ao aumento do desemprego, que podem ter im-
enfrentadas pelo modelo chinês, enfatizando a alta
pactos negativos na preservação da ordem social.
dependência das exportações e do investimento, a
O caso chinês aponta também para as baixa capacidade de inovação, a alta desigualdade
possibilidades e potencialidades da política de renda, a precariedade da seguridade social e os
industrial no momento atual do capitalismo. Há impactos sobre o meio ambiente (YAO &
indicações de avanços na base produtiva e MORGAN, 2008). Um amplo conjunto de medidas
tecnológica, destacando-se, além do esforço vem sendo adotado visando enfrentar essas
empreendido, a capacidade de enquadrar o capital dificuldades. A direção teria sido fortalecida pelo
estrangeiro e de produzir campeões nacionais com Congresso do Partido Comunista de 2011,
potencial de competição internacional. No entanto, anunciando um plano de reformas extremamente
prevalecem dúvidas sobre o grau de sucesso tanto ambicioso voltado a promover a tecnologia verde,
na capacidade de inovação como na de produzir a fortalecer os salários e as aposentadorias e a
empresas aptas a enfrentar as líderes mundiais nos aproveitar melhor o potencial do amplo mercado
respectivos setores. Esse aspecto aponta para a interno (JAGUARIBE, 2012). Assim, uma direção
necessidade de monitorar o avanço das empresas essencial é monitorar o avanço, os obstáculos e
chinesas tanto na capacidade de registrar patentes os resultados dessas políticas. Trata-se de um
como de disputar os mercados com as empresas estudo de caso privilegiado, que envolve inúmeras
multinacionais. questões relativas aos estados desenvolvimentistas
e à capacidade do Estado, além de várias políticas
Os temas tratados neste artigo transcendem a
públicas e importantes dimensões do
situação da China. As formas de interação entre o
desenvolvimento econômico e social.

117
A ECONOMIA POLÍTICA DO MODELO ECONÔMICO CHINÊS

Alexandre Queiroz Guimarães (alexandre.queiroz@fjp.mg.gov.br) é Doutor em Ciência Política


pela University of Sheffield (Reino Unido), Professor da Escola de Governo da Fundação João Pinheiro
(FJP) e Professor de Economia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG).

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A ECONOMIA POLÍTICA DO MODELO ECONÔMICO CHINÊS

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120
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 44: 199-203 NOV. 2012

phenomenon tied to contemporary organizational perspectives evaluate Michels’ concepts and the
prognosis for democracy that emerges from his studies.
KEYWORDS: Robert Michels; Political Parties; Political Party Organization; Oligarchy;
Participation.
* * *
SPEECH TO THE ELECTORS OF BRISTOL
Edmund Burke
Within Political Theory, this speech presents Edmund Burke’s conception of political representation,
that is, the relations between elected representatives and their electors. Burke rejected the mandate
of the imperative type in which representatives heed only local demands and proposals coming from
electors, which they then reproduce within parliament. This would make them more akin to
spokespersons with the right to vote than to politicians seeking the common good through rational
debate with other politicians. In contrast to that model of representation, Burke proposes what today
we refer to as “representative mandate” in which representatives are acquainted with local demands
yet, without neglecting them, seek to join other representatives in composing general policies. The
underlying rationale is that representatives together make up a parliament meant to serve the nation
as a whole rather than one locale or another; thus, they should formulate policies that take the whole
country into account.
KEYWORDS: Representation; Imperative Mandate; Representative Mandate; Election;
Representatives; Electors; Edmund Burke.
* * *
THE POLITICAL ECONOMY OF THE CHINESE ECONOMIC MODEL: STATE, MARKET
AND MAJOR CHALLENGES
Alexandre Queiroz Guimarães
This article explores certain characteristics of the Chinese model starting from its institutional
particularity, the relationship between state and market. The success of the Chinese miracle is
related to the liberalization of market forces, but it is also indebted to the role of the Developmental
State, which played an important role in the strengthening of productive and technological capacity.
However, lack of dividing lines between State and market also implies particular difficulties, manifested
through the excessive intervention of the party and deficiencies in the financial and property rights
systems. On the one hand, the economy is benefited by the strength of the State and the measures
that have been adopted to bolster its international position. On the other hand, there are tensions
between a more complex economy and a very specific institutional structure. Another point to be
explored lies in the efforts that have been adopted to strengthen industrial and technological capacities,
inquiring into the efficacy of industrial policy at the present stage of capitalism. Finally, the article
looks at other challenges of the Chinese model, including those of the social arena, discussing how
they have been faced.
KEYWORDS: China; Institutions; Development; Developmental State; Political Economy.
* * *
THE LEGISLATURE AND TRADE POLICY: APPROVAL OF THE FTA WITH THE U.S.
WITHIN LATIN AMERICAN LEGISLATURES
Pedro Feliú Ribeiro
This article analyzes how three South American legislatures (Chile, Colombia and Peru) voted
regarding the ratification of the Free Trade Agreement with the United States. My central question

201
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 44: 207-211 NOV. 2012

LA DÉMOCRATIE ET L´ORGANISATION DANS LES PARTIS POLITIQUES : UNE


ANALYSE DES MICRO-FONDEMENTS DE MICHELS
Maria do Socorro Sousa Braga
L´Objectif de cet article c´est de reprendre les présupposés de la thèse de Robert Michels par
rapport à la dynamique organisationnelle des partis politiques marquée par deux tendances supposées
antagoniques : l´inclination à la concentration de pouvoirs dans les mains d´une oligarchie, d´un côté,
et, de l´autre, l´aspiration des autres membres du parti pour de la participation. Un autre objectif,
c´est celui de vérifier comment les spécialistes du phénomène partidaire liés à la perspective
organisationnelle contemporaine ont évalué la validité des concepts de Michels et le prognostiques
de cet auteur sur la démocratie dans ses études.
MOTS-CLÉS: Robert Michels; partis politiques; organisation partidaire; oligarchie;
participation.
* * *
DISCOURS AUX ÉLECTEURS DE BRISTOL
Edmund Burke
En termes de Théorie Politique, le discours présente la conception qu´Edmund Burke avait de la
représentation politique, c´est à dire, des relations entre les représentants élus et leurs électeurs.
Burke rejetait le mandat du genre impératif, où le représentant entendrait seulement les propositions
et les demandes locales, faites par ses électeurs, et les reproduirait au parlement : il serait ainsi,
plutôt un porte-parole avec le droit de vote, au lieu d´un politique en quête du bien commun par le
biais de la discussion rationnelle avec d´autres politiques. A ce modèle de représentation, Burke
propose ce que l´on appelle actuellement le « mandat représentatif », où le représentant connaîtrait
les demandes locales, mais, sans les négliger, il chercherait à composer, avec d´autres représentants,
une politique générale ; le raisonnement sous-jacent c´est celui selon lequel les représentants
composeraient le parlement de tout le pays et pas d´un lieu ou d´autre : ainsi, ils devraient formuler
des politiques qui considéraient le pays dans sa totalité.
MOTS-CLÉS: représentation; mandat impératif; mandat représentatif; élections; représentant;
électeurs; Edmund Burke.
* * *
L´ÉCONOMIE POLITIQUE DU MODÈLE ÉCONOMIQUE CHINOIS : L´ÉTAT, LE MARCHÉ
ET LES PRINCIPAUX DÉFIS
Alexandre Queiroz Guimarães
L´Article explore quelques caractéristiques du modèle chinois à partir de sa particularité institutionnelle,
la relation entre l´État et le marché. Le succès du miracle chinois est très lié à la libéralisation des
forces du marché, mais est dû aussi au rôle de l´État de Développement, qui a eu un rôle important
dans la transition pour l´économie de marché et contribue encore significativement pour le
renforcement de la capacité productive et technologique. Toutefois, le manque de démarcation entre
l´État et le marché implique aussi des difficultés, qui sont manifestées dans l´intervention excessive
du parti et dans les faiblesses du système financier et du système de droits de propriété. D´un côté,
l´économie est bénéficiée par la force de l´État et par les mesures adoptées pour renforcer sa
position internationale. De l´autre, il y a des tensions entre une économie plus complexe et une
structure institutionnelle très spécifique. Un autre point exploré dans l´article, c´est celui des efforts
adoptés pour renforcer la capacité industrielle et technologique, en questionnant l´effectivité de la

209
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 20, Nº 44: 207-211 NOV. 2012

politique industrielle dans la phase actuelle du capitalisme. Enfin, l´article travaille d´autres défis du
modèle chinois, même dans le domaine social, en soulignant comment l´on fait face à eux.
MOTS-CLÉS: Chine; institutions; développement; État de développement; Économie Politique.
* * *
LE LÉGISLATIF ET LA POLITIQUE COMMERCIALE : L´APPROBATION DU TLC AVEC
LES ÉTATS-UNIS DANS LES LÉGISLATIFS SUD-AMÉRICAINS
Pedro Feliú Ribeiro
L´Article analyse les votes nominaux de trois Législatifs sud-américains (Chili, Colombie et Pérou)
autour de la ratification du Traité de Libre Commerce avec les États-Unis. La question centrale
c´est : Quels sont les facteurs déterminants du vote du législateur dans l’approbation du TLC avec
les États-Unis ? Trois hypothèses centrales émergent de la littérature : les relations États-Unis avec
l’Amérique Latine produisent un clivage idéologique (droite-gauche) entre les partis politiques du
continent, l´appartenance du législateur à la coalition de gouvernement dans le pouvoir Législatif et
les facteurs socio-économiques des districts électoraux des législateurs. En utilisant le modèle de
régression logistique, nous soulignons que l´idéologie des législateurs péruviens explique leurs votes
dans le TLC avec les États-Unis, ce qui indique que, le plus à gauche est le législateur, la plus petite
probabilité que le traité mentionné soit approuvé. Dans le cas chilien, le taux de chômage du district
électoral du député chilien a un plus grande capacité explicative, ce qui révèle que, le plus haut est le
taux de chômage, la plus petite probabilité de l´approbation du TLC avec les États-Unis. Dans le cas
du sénat colombien, il y a une forte association entre l´appartenance du sénateur à la coalition de
gouvernement et l´approbation du TLC, révélant l´influence de cette variable institutionnelle dans le
vote du Sénat colombien. En plus de l´appartenance ou non à la coalition de gouvernement, l´idéologie
du parti politique du législateur colombien est présentée aussi autant qu´un facteur explicatif important
de son vote.
MOTS-CLÉS: politique commerciale; Législatifs Sud-américains; traité de libre commerce;
États-Unis.
* * *
LE PROCESSUS DE DÉCISION AU SUPRÊME TRIBUNAL FÉDÉRAL: LES COALITIONS
ET LES « GROUPES FERMÉS »
Fabiana Luci de Oliveira
L´Article analyse la manière dont le Suprême Tribunal Fédéral (STF) élabore ses décisions. À partir
de cette problématique, nous analysons comment les ministres s´assemblent pour décider les cas.
Une partie de la littérature qui aborde le thème argumente qu´il y a un haut niveau de personnalisme
dans les jugements du STF, ce qui signale que le tribunal fonctionne plutôt comme une somme de
votes individuels, au lieu d´un corps institutionnel. Nous le constatons quand on considère des cas
isolés et de grande répercussion. Mais serait-il applicable aussi à un grand volume de décisions,
analysées ensemble? Pour répondre à cette question, nous avons suivi les pas des auteurs qui
questionnent l´action du STF autant qu´un corps institutionnel unitaire, mais nous affirmons qu´il
s´agit plutôt de la composition de coalitions temporaires et de groupes exclusifs constants (dénommés
en portugais « panelinhas »), constitués selon la nomination présidentielle. L´argument est testé à
partir de l´analyse empirique des 1277 Actions Directes d´Inconstitutionnalité (ADINs), jugées par le
STF entre les années 1999 et 2006. On conclut que les ministres nommés par un même président ont
tendance à voter ensemble, plutôt qu´à diviser leur votes, et que la cohésion vérifiée entre les ministres
nommés par un même président est plus grande que celle de la cour généralement. Dans les périodes
analysées, en plus des coalitions, deux « panelinhas » ont aussi été identifiées, la première composée

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