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05/08/2007
Gates, Soros e Branson são capazes de criar um mundo melhor?
Salvar o planeta costuma ser um hobby praticado pelos ambientalistas radicais e
outros românticos. Mas agora isto transformou-se em uma atividade de executivos
e bilionários. Pragmáticos como Bill Gates, George Soros e Richard Branson estão
se superando em um esforço para salvar o planeta.
Klaus Brinkbäumer e Ullrich Fichtner
Diariamente, a tarefa a ser feita é salvar o planeta. E todos estão a bordo, do Cabo Horn,
ponto mais ao sul da América, a Hammerfest, na Noruega, a cidade mais setentrional do
mundo;; da Sibéria ao Havaí. As questões em pauta são o meio-ambiente, a fome e a
Aids. E ainda a água, a paz e o lixo. As questões são do tipo tudo ou nada, o monumental
e o insignificante. A corrida está transcorrendo entre aqueles atormentados pelo destino
do mundo. Alguns sobem ao palco para conferir uma expressão musical às suas
preocupações. Outros trabalham isolados para resolver os problemas, grandes e
pequenos, que estão afligindo o planeta.
Bill Clinton senta-se em uma sala no 18° andar do Waldorf-Astoria, na Park Avenue, em
Nova York. Lá fora, chove. Dentro, jovens assistentes circulam em volta dele, sussurrando
e telefonando enquanto trabalham. Clinton está usando uma camisa azul-clara, uma
gravata azul-escura e um terno escuro. Ele senta-se ali como se ainda fosse o homem
que ocupa a mesa no Salão Oval da Casa Branca, embora a sua face possa trazer uma
expressão um pouco mais leve. Mas Clinton não se encontra mais no Salão Oval. Ele
está no Waldorf, e diz: "Fazer é melhor do que falar".
Faz agora 90 minutos que a sala de conferência ao lado está repleta de gente. É o Salão
Starlight do Waldorf-Astoria, um aposento cheio de colunas e pesadas cortinas. O carpete
emite um brilho dourado. O salão é um grande palco para uma grande ópera. E o título
dessa produção está pendurado na parede: "Clinton Climate Initiative" ("Iniciativa
Climática de Clinton").
UM MUNDO MELHOR
UM MUNDO MELHOR
Bill Clinton, ex-presidente
dos EUA
PARTE 2: ZISKIN,
BRANSON...
PARTE 3: YUNUS
PARTE 4: HÖLZ,
SACHS...
PARTE 5: SOROS,
STIGLITZ
PARTE 6: LAMY
"Agora o meu negócio é fazer as coisas", diz Clinton, pouco antes de ser chamado para
discursar. É uma sentença surpreendente vinda da boca de um homem que já foi o líder
mais poderoso do mundo, uma pessoa que segurou as alavancas do poder durante oito
anos. Houve uma época em que Clinton era capaz de desencadear uma guerra e de
interrompê-la, se assim decidisse. Ele podia convocar a elite mundial a qualquer
momento, dia ou noite. Este homem sentou-se do outro lado da mesa de negociações
com todo mundo: governantes, presidentes de corporações, comandantes militares e
ganhadores do Prêmio Nobel. Mas foi só neste exato momento que ele passou a sentir
que ingressou no ramo de fazer as coisas.
Atualmente a sua vida tem momentos de ruminação, ocasiões nas quais ele reflete sobre
os anos passados na Casa Branca. Em tais momentos, Clinton diz que ele e as pessoas
poderosas do globo - ou seja, Clinton e um grupo de outras seis ou sete pessoas - não
foram de capazes de criar um outro mundo melhor. "Nós simplesmente nos sentamos em
volta de uma mesa discutindo a respeito de qual palavra seria acrescentada a um
documento e de qual não seria", diz Clinton. Eles lutaram por palavras. Esses líderes não
estavam no "negócio de fazer as coisas".
Quando deixou a Casa Branca em 2001, ele sentiu que não tinha de fato cumprido a sua
verdadeira missão. O mundo estava da mesma forma em que se encontrava quando ele
assumiu o cargo. Não era um mundo melhor do que no início do seu governo. Era um
mundo pior. Bill Clinton, o aposentado, o homem de recursos independentes, perguntou a
si mesmo se, na verdade, ele fracassou na hora de desempenhar o trabalho mais
importante da sua vida: fazer uma contribuição verdadeira para salvar o mundo.
E, agora, este é o momento dos holofotes para Clinton, o cidadão do mundo, e ele dirige-
se para o Salão Starlight. Prefeitos de várias partes do mundo estão reunidos ali, bem
como diretores dos maiores bancos. Também estão presentes presidentes de grandes
empresas, pessoas que propõem legislações, causam abalos e exercem influência sobre
os fatos.
Clinton sobe em um palanque e começa a falar sobre mudança climática. Ele afirma que
este é um problema global que exige ações locais. Clinton informa aos prefeitos que as
cidades, as suas cidades, consomem 75% de toda a energia e produzem 75% de todos
os gases causadores do efeito estufa. Ele assegura que pretende modificar tal situação.
"É por isso que estou aqui". E acrescenta: "Podemos modificar as coisas. Não é tão difícil
assim".
A conferência em Nova York está sendo realizado com o objetivo de salvar o planeta -
não de cima para baixo, mas da base para o topo. O fator ambiental agregador que
norteia a reunião é a iniciativa para promover o isolamento térmico de 950 mil residências
em Nova York e, se possível, de todos os prédios em todas as grandes cidades do mundo
de forma tão eficiente que "as paredes e as janelas não permitam o vazamento de ar frio
no verão ou de ar quente no inverno", explica Clinton.
Hoje ele fala ao público não como um político armado dos poderes da presidência. Ele
aparece perante a platéia apenas como Bill Clinton, o homem comum, o representante de
uma fundação com sede no Harlem que fica bem próxima ao Teatro Apollo. A Fundação
William J. Clinton lida com questões que considera vitais para o mundo. Ela solicitou a
corporações que forneçam medicamentos a preços acessíveis à África, e agora pretende
agir como um Johnny Day moderno, estendendo um tapete verde pelas cidades do
planeta. A fundação recebe financiamento de pessoas como Bill Gates, e o seu chefe é o
intermediário entre os endinheirados amigos da humanidade e os pragmáticos salvadores
do planeta. Clinton é um homem sem poder oficial. Mas ele continua sendo uma pessoa
com muitos contatos, vínculos que permitem que ele tenha ainda mais influência do que
certos líderes de governo.
Vejamos, por exemplo Klaus Wowereit, o prefeito de Berlim que também está sentado no
Waldorf-Astoria porque deseja ser parte da solução, e não do problema. Ele recebe uma
longa salva de palmas e um grande abraço de Clinton. Wowereit está radiante, assim
como todos os outros presentes no Salão Starlight - o pessoal da Siemens que está
emprestando a Clinton a sua tecnologia e know-how, ou os diretores de cinco bancos que,
juntos, estão contribuindo com US$ 5 bilhões. E todos parecem estar flutuando em uma
nuvem de moralidade, energia e carisma que poucas pessoas conseguem invocar da
mesma forma que Clinton.
Examinado de forma objetiva, o seu projeto é uma tentativa de abordar as questões
mundiais de baixo para cima, de ligar cidades e vilas, e não países, em uma rede, e fazer
com que elas se comprometam com as metas corretas. É quase que como se Clinton, o
ex-presidente, tivesse internalizado o slogan daqueles mesmos críticos da globalização
que não gostam dele e que são mantidos à distância durante as reuniões de cúpula do G8
por legiões de policiais e grandes barricadas: "Pense globalmente, aja localmente".
Hoje em dia todos estão na mesma página. Todos conhecem o roteiro. Ninguém está à
margem, nem mesmo aqueles que nas décadas passadas alimentaram os problemas
mundiais. A gigante petrolífera Chevron está neste momento recolhendo as suas
propagandas para explicar o que pode fazer pelo futuro. A British Petroleum e a Total
fazem doações a revistas para que estas possam publicar propagandas de
biocombustíveis. Na revista francesa "Elle", a Renault coloca as suas botas de combate
ecológico, e a Canon, a grande companhia de produtos eletrônicos, aparece como uma
recruta na luta do Fundo de Emergência das Nações Unidas para a Infância (Unicef)
contra a fome. Ser um salva-vidas global compensa. É uma função que traz o carimbo da
retidão e do "ecologicamente correto".
Mas não são apenas as companhias que estão ajudando o mundo. Acima de tudo, quem
prometeu limpar o planeta foram executivos e bilionários como Bill Gates, George Soros,
Richard Branson e Warren Buffet. Um novo tipo de bom samaritano global emergiu. A luta
contra a Aids, a pobreza, a poluição e a defesa dos direitos humanos está agora nas
mãos de um grupo que, sendo composto de pessoas familiarizadas com os negócios
empresariais, sabe como identificar um problema e resolvê-lo. Trabalhar em prol das
causas sociais e ambientais não significa mais ficar em uma esquina distribuindo
panfletos e murmurando frases confusas. Atualmente, os profissionais estão engajados
no projeto de melhoria global. Livres de ideologia e repletos de pragmatismo, eles
costuraram redes de comunicações, garantindo ao mesmo tempo que todo mundo se
envolvesse. Eles aprenderam as lições oferecidas pelas últimas décadas. Esses
indivíduos sentem e acreditam que a raça humana, a raça deles, e a Terra estão sendo
empurradas para a beira da ruína pela fome e pela pobreza, pelas secas e pelos
racionamentos de água, pelo lixo e pela Aids, pelos venenos e pelo gás carbônico.
Esse movimento é sustentado por uma sensação coletiva de que a tarefa de salvar o
mundo não pode ser realizada - ou que é feita de forma muito letárgica - por aqueles que
estão "lá em cima", em Washington ou Heiligendamm, ou na sede das Nações Unidas em
Nova York. É uma questão que diz respeito à fraqueza dos governos e à força das
sociedades. Não se trata apenas de uma questão relativa a fatos incontestáveis. Trata-se
também de uma questão de crença: algo precisa ser feito. O ímpeto por trás deste
movimento de salvação tem traços do irracional e do religioso. Eles estão sendo
impulsionados pelo desejo de fazer algo. Esta é uma nova fase da globalização. É a
esperança do nascimento de uma sociedade civil global que integre gerentes, políticos,
cientistas e cidadãos do mundo.
Nas bolsas de valores em Londres, Nova York e Tóquio os analistas punem as
companhias que administram os seus negócios de forma hostil à sociedade, insensível ao
meio-ambiente e desatualizada. As agências de classificação também estão em processo
de refazer "sustentavelmente" os seus catálogos de critérios de avaliação. No ano
passado, o diretor britânico de fundos de hedge, Chris Hohn, injetou 75 milhões de euros
na organização de assistência humanitária administrada pela sua mulher. Corporações
globais como a Walt Disney, a Ikea, a UPS, a Microsoft e a Wal-Mart estão competindo
para determinar quem é capaz de implementar mais ações positivas, e lutando para
galgar posições nas listas que classificam as empresas segundo indicadores sociais. A
cada ano montadoras de automóveis, fábricas de produtos químicos e companhias
farmacêuticas aguardam com temor a publicação do livro do ano de sustentabilidade pela
firma suíça de investimentos SAM, um catálogo que classifica até 1.200 companhias
segundo critérios de sustentabilidade.
Cada vez mais os movimentos de base estão obrigando indústrias inteiras a ceder. Na
Suécia, por exemplo, eles relatam que os supermercados do país não vendem mais
bacalhau do Mar Báltico. Ativistas do Greenpeace convenceram esses estabelecimentos
a deixar de vender bacalhau, um peixe que é pescado em quantidade excessiva na
região, e que muitas vezes é capturado de forma ilegal. Na Alemanha esses grupos
anunciam que grandes redes de supermercados estão retirando das prateleiras alimentos
saturados de pesticidas. Em toda a Europa eles estão conquistando mercados com
produtos feitos com base no comércio justo.
Na Índia, eles impediram a construção de fábricas da Coca Cola. Na República dos
Camarões, cancelaram a importação de vísceras de galinhas da Europa. Na Coréia e na
Bolívia, juntaram as suas forças contra as corporações ocidentais do setor de energia. Em
Bangladesh e na Argentina, estão encurralando os poluidores do ar. Em Colônia e
Nairóbi, têm se livrado de flores contaminadas por toxinas. E na Cidade do Cabo, lutam
por água limpa - e o problema, o que realmente confunde, é o fato de tudo estar
conectado. As questões de grande peso e as tarefas de pequena dimensão são apenas
pixels em uma grande fotografia.
E muita coisa está sendo feita com fundo musical. Basta lembrar do festival ambiental
Live Earth, realizado em julho. Eles dedilharam as suas guitarras, fizeram soar os seus
tambores e cantaram os seus hinos em dez cidades em todo o mundo. Mas o que isso
trará de positivo para o Ártico? Para os ursos polares? Para as calotas polares? Quem
ousar fazer esse tipo de pergunta será colocado no canto reservado aos céticos. E como
toda essa cruzada tem algo de religioso, como trata-se de uma questão de comprar
absolvição, da maneira boa e correta de viver, os céticos são desprezados como sendo
os novos ateus. O valor dos concertos em dólares e centavos pode representar apenas
uma pequena quantia, mas a "pegada de carbono" é gigantesca. Porém, a missão real é
outra. Uma missão simbólica: os concertos são tentativas de fortalecer um movimento
que, de forma fragmentada, está em andamento há anos;; de nomeá-lo;; de estabelecer
uma linha de partida. É uma tentativa de costurar o velho movimento dos românticos e
moralistas à iniciativa de gerentes, bilionários e pragmáticos.
Durante a maior parte do século 20, quando a raça humana se recuperava dos ferimentos
resultantes de guerras mundiais, enquanto se desgastava no conflito Leste-Oeste,
cidadãos e políticos se inspiraram na onipotência do governo. As Nações Unidas
representaram o sonho de um mundo pacífico e justo que seria criado com a união dos
países.
Mas desde que as pessoas perceberam que a ONU tem o hábito de aparecer tarde
demais para interferir nas grandes crises políticas, desde que os governos passaram a se
locomover pesadamente pelo cenário global como dinossauros estúpidos, e desde que a
credibilidade das promessas feitas por indústrias e negócios se esgotou, o "terceiro setor",
o não governamental e não comercial - a sociedade civil - acordou do seu estupor.
A mensagem consiste das velhas e orgulhosas questões do passado: Quem, se não nós?
Quando, se não agora? Tal mensagem tem um tom bastante diferente daquele ouvido 10,
15 ou 30 anos atrás. Mas ao contrário do que acontecia no passado, agora todos fazem
parte da multidão, e ninguém ousa pensar em pisar fora da linha. Em Hollywood, "ser
verde" está na moda. Na Côte d'Azur, ser "socialmente responsável" é algo bem visto. A
moralidade é agora uma questão de honra em todo o mundo. Como resultado, as grandes
esperanças ambientais não residem mais em nomes como Romano Prodi ou Angela
Merkel. Em vez disso, elas chamam-se George Clooney e Sharon Stone. Não estão mais
vinculadas a nomes como George W. Bush ou Ban Ki Moon, e sim a Elton John, Angelina
Jolie, Brad Pitt e Bono.
Algo está em estado de agitação. Uma brisa fresca de interesse no futuro está surgindo,
um interesse incontrolável por parte da sociedade e das empresas, e não mais das
lideranças políticas. Mas essa nova tendência gera novas questões: O que você acha do
fato de magnatas como Bill Gates e Warren Buffet despejarem somas vultosas, que
equivalem a orçamentos governamentais, sobre os fracos e destituídos do mundo? Será
que o conhecimento a respeito da sociedade civil encontrou de fato um lar nas diretorias
empresariais do planeta? Será que os compromissos privados em escala mundial são de
fato capazes de salvar o mundo? Os comitês de ação dos cidadãos podem de fato mudar
o curso dos eventos? Alterar os princípios do mundo empresarial de hoje? Poderiam os
cidadãos ter sucesso onde os políticos fracassaram? Ou será que, no fim das contas, os
velhos dinossauros ainda são realmente necessários? Os pesos-pesados? Os governos?
A ONU?
Pessoas ponderando a possibilidade de uma nova sociedade civil global, a oportunidade
de salvar o mundo de uma forma que contorne a trilha já batida, precisam atualmente
abraçar o verdadeiro significado do termo "conectado". Para fazer tal coisa, é necessário
enfiar a mão em um chapéu e puxar um punhado de exemplos, milhares deles
espalhados por todo o planeta. Vejamos o caso de Malawi. Quando os moradores das
vilas fazem o seu protesto anual contra o nível cada vez mais alto das águas do Rio
Thangadzi, eles não travam a batalha sozinhos, ou com um governo trabalhando ao
fundo, sempre de forma benevolente. Em vez disso, travam esta batalha utilizando as
táticas "conectadas".
Grupos que agem de fato arregaçam as mangas. Grupos como as organizações não
governamentais globais ActionAid ou Oxfam. Esse é um projeto poliglota em cada uma de
suas interfaces: cientistas suecos, sul-africanos ou indianos contribuem por e-mail com os
seus conhecimentos. Funcionários alemães, britânicos ou chineses do setor de
desenvolvimento arcam com o trabalho pesado. E o dinheiro chega, das Nações Unidas,
em Nova York, da União Européia, em Bruxelas e de igrejas na Alemanha. Talvez uma
companhia belga mande equipamentos. E quem sabe uma empresa francesa forneça
água potável. Os norte-americanos cuidarão da infra-estrutura relativa à Internet, e os
quenianos se ocuparão da questão da mídia - atualmente o conceito de conexão diz
respeito a isso.
Em vários países em desenvolvimento, nos quais um governo funcional jamais firmou
raízes, o dia-a-dia sempre foi desta forma. Não existe nenhum tipo de sistema político do
tipo europeu. Em vez disso, existem apenas projetos. No lugar de parlamentos e
autoridades, as redes da sociedade civil assumem as tarefas. Diversificadas na sua
complexidade, essas redes não decidem no topo o que deve acontecer na base. Ao
contrário, elas têm que decidir em meio ao trabalho, todos os dias, o que precisa ser feito,
quando e por quem.
Sem dúvida a Internet constitui-se em um protagonista crítico neste tipo de política
baseada em projetos. Ela gerou novas opções para ação. A Internet gerou interesse em
problemas que há apenas alguns anos vazavam pelas frestas do sistema. Além disso, e
isto talvez seja algo ainda mais crítico, as pessoas que costumavam procurar em vão
umas pelas outras são atualmente capazes de se encontrar. Uma comunidade está
surgindo, e essa comunidade usa os e-mails e o MySpace para divulgar idéias e
promover discussões que se estendem até o outro lado do mundo.
A Internet ajuda a transformar um mundo fragmentado em um mosaico. Ela agrega as
pessoas que no fundo fazem parte de um mesmo grupo. Ela é uma fábrica de questões e
uma arma que ninguém pode se dar ao luxo de desprezar. Não existe nenhuma grande
corporação e nenhum governo capaz de escapar desse escrutínio dos cidadãos baseado
na Web. Quem quer que faça uma grande besteira pode esperar ser solidamente
colocado em um pelourinho eletrônico por um grupo de supervisores organizados na
Internet, surgidos do nada. E isso tem um impacto doméstico, até mesmo na folha de
pagamento. A Internet é o meio utilizado pelo novo EMS mundial (EMS é a sigla em inglês
de esquadrão de gerenciamento ambiental).
Mas são necessários indivíduos que a recheiem com conteúdo. Ela precisa de pessoas
como Bill Clinton, Richard Branson, Angelina Jolie e Laura Ziskin
05/08/2007
Gates, Soros e Branson são capazes de criar um mundo melhor? (parte 2)
Klaus Brinkbäumer e Ullrich Fichtner
Laura Ziskin está sentada no saguão de um hotel em Cleveland. Ela é uma loura
sofisticada. Um das grandes ativistas de Hollywood, Ziskin tem os "Oscars verdes" na
mente. Ela diz que a idéia evoluiu durante um jantar, de uma forma totalmente
convencional e trivial. Durante a refeição, ela e os amigos estavam falando sobre a
questão do meio-ambiente, a respeito da avalanche constante de artigos da mídia que
conjuravam visões de um Armagedon ambiental. Foi aí que alguém trouxe à tona a
questão: "O que podemos fazer?". Eles acabaram concluindo que poderiam fazer muita
coisa.
Eles convocaram Allen Hershkowitz, um homem que estava sentado no seu escritório na
20th Street em Nova York, uma sala repleta de documentos, revistas e pôsteres com
slogans como "O lixo mata os ursos", um aposento no qual as luzes são ligadas e
desligadas por meio de detectores de movimento. Hershkowitz é o cérebro científico por
trás do Conselho de Defesa de Recursos Naturais. Ele é um garoto-propaganda para a
"América verde". Atualmente, a Major League Baseball (liga de beisebol profissional
estadunidense e canadense), a National Basketball Association (liga profissional de
basquete dos Estados Unidos), a Warner Music e a Disney estão poupando energia e
usando papel reciclado. Os "Oscars verdes" estão bem em casa.
Ziskin e Hershkowitz se encontraram. Ele falou. Ela ouviu. E as palavras dele não foram
difíceis de entender. Como resultado, a versão de 2007 da noite do Oscar em Los
Angeles contou com papel reciclado e garrafas reutilizáveis. Havia painéis solares e
automóveis híbridos. Angelina Jolie, a mãe multi-adotante e embaixadora da boa-vontade
da ONU, também compareceu. Junto com Brad Pitt, ela foi lá na frente e ambos falaram
sobre "a responsabilidade dos artistas" e da "obrigação de doar". Todos foram
convencidos no Kodak Theater. Anunciou-se que houve grande economia de eletricidade
e, ao final, Al Gore saiu levando um Oscar pelo filme "Uma Verdade Inconveniente" ("An
Inconvenient Truth", EUA, 2006).
UM MUNDO MELHOR
Refugiados aguardam
alimentos
PARTE 1: BILL CLINTON
UM MUNDO MELHOR
05/08/2007
Gates, Soros e Branson são capazes de criar um mundo melhor? (parte 3)
Klaus Brinkbäumer e Ullrich Fichtner
Um dos santos desse grupo é Muhammad Yunus. Ele está em Dhaka, Bangladesh,
sentado em frente a paredes repletas de livros em um edifício de concreto sem vida e no
qual não há ar condicionado. Sentado à sua mesa simples de trabalho, ele cumprimenta
os visitantes. Yunus poderia ser de fato um abade. Ou poderia fazer o papel do pai bom e
sábio em uma produção de Bollywood. Mas ele não é nada disso. Yunus é economista, o
"banqueiro dos pobres", conforme é chamado, o inventor dos micro-créditos que são
concedidos às pessoas que eram descartadas no passado como "impossibilitadas de
receber crédito".
Ele interessa-se em transformar as pessoas em empresários. Empresários das suas
próprias vidas. Yunus está convencido de que todos os indivíduos possuem o talento para
viverem responsavelmente, para assumirem responsabilidades por si próprios e pelo
mundo inteiro, caso tenham uma chance.
Na verdade, ele faz o mesmo discurso sobre o seu trabalho há vários anos. E isso não
ocorre porque ele não descobriu um novo discurso. E sim porque o seu discurso
tradicional é muito bom. Ele diz que a teoria dominante no capitalismo está errada porque
define o empresário somente como o "fazedor de dinheiro", em vez de enxergar essa
pessoa como um ser humano, um ser social, repleto de idéias, sonhos e espiritualidade.
UM MUNDO MELHOR
Yunus, ganhador de prêmio
Nobel
PARTE 1: BILL CLINTON
PARTE 2: ZISKIN,
BRANSON...
PARTE 4: HÖLZ,
SACHS...
PARTE 5: SOROS,
UM MUNDO MELHOR
STIGLITZ
PARTE 6: LAMY
Lá fora, através da janela aberta, ouve-se o barulho de Dhaka, a capital de um dos países
mais densamente habitados do mundo, no qual os pedintes se aglomeram em todos os
cruzamentos, onde crianças sujas vendem pedaços de doces guardados em sacolas
imundas e onde famílias inteiras vasculham as montanhas de lixo acumuladas nas ruas,
tentando encontrar latas ou garrafas. No entanto, apesar das cenas desse tipo, Dhaka e
Bangladesh inteiro estão no rumo certo.
Sim, 48% de todas as crianças são desnutridas. Sim, 50% dos cidadãos do país vivem
em estado de pobreza abjeta. E sim, quase 60% dos habitantes são analfabetos. Um
governo de transição apoiado pelas forças armadas assumiu o poder no começo do ano.
Ainda assim, Bangladesh oferece esperança porque a sociedade está fazendo
progressos, apesar dos desastres naturais recorrentes. Na corrida para cruzar a linha de
chegada do século estabelecida pela ONU, o país segue marchando no seu ritmo.
OS NOVOS BONS SAMARITANOS
Warren Buffet
A quantidade de cidadãos desnutridos ainda pode ser alta. Mas ela diminui ano a ano. A
renda familiar média está crescendo. O analfabetismo diminuindo. A luta contra o trabalho
infantil é levada a sério. O sistema de saúde pública está sendo estabilizado. As
estratégias contra os alagamentos são atualmente tão sofisticadas que funcionários do
Banco Mundial afirmam que o país está mais bem preparado do que os Estados Unidos
para enfrentar desastres naturais. Bangladesh está se mexendo. O seu ritmo pode ser
ainda o de uma lesma. Mas o país ruma para a direção certa.
O Banco Mundial contribui para esse sucesso. E as Nações Unidas e os seus
departamentos também. Os britânicos estão ajudando, assim como a União Européia.
Mas a verdadeira força propulsora deste desenvolvimento encontra-se nos cidadãos
comuns, na própria sociedade. Yunus, acima de tudo, despertou a esperança no país ao
retirar milhões de indivíduos da pobreza e permitir que eles começassem a levar vidas
dignas.
Yunus tem em mente o "empreendedor social". E para ele esta expressão significa muito
mais do que aquilo que as palavras expressam. O fato é que ele está virando as idéias
populares de cabeça para baixo. Na opinião dele, o lucro não pode ser mensurado pelo
balanço geral. Em vez disso, ele se reflete no alcance das metas corretas. Yunus
visualiza companhias que trabalhem de acordo com os princípios do mercado, mas com
um novo cerne empresarial. Elas deveriam fornecer saúde. Educação. Meio-ambiente
limpo. Sustentabilidade. E esperança.
Ele não vê muita utilidade nos filantropos que gostam tanto de elogiar uns aos outros. "Se
alguém ganha US$ 100 e doa US$ 5 para uma boa causa, e possivelmente faz isso
apenas para economizar nos impostos, tal coisa não me impressiona muito", declara
Yunus. "Mas se você pegar US$ 100 e investí-los nos projetos certos - isso seria algo
completamente diferente".
Yunus "não está impressionado" com Bill Gates e a sua fundação, e tampouco com a
fundação de Warren Buffet, que está doando US$ 37 bilhões. Ele não se interessa pela
compra de absolvição. O que ele deseja é um novo código ético, um sistema mundial de
padrões morais. Ele afirma: "Seria impressionante se Buffet, com os seus bilhões e o seu
know-how, fornecesse seguro saúde para os quase 50 milhões que estão sem cobertura -
isso sim seria um projeto".
Yunus viaja muito. Ele é um dos palestrantes mais disputados no mundo, e as suas idéias
alimentam discussões em todo o planeta. No dia da sua entrevista ele tinha acabado de
chegar de Hainan, na China. Um fabricante de geladeiras que tinha acabado de ganhar
um bilhão de dólares quis conhecê-lo. Yunus na verdade não deu muita atenção à
proposta de viagem. Mas o empresário chinês enviou o seu jato particular, e Yunus
embarcou no aparelho. Assim que aterrissou em Hainan, ele ouviu aquilo que escutou
tantas vezes antes.
"Muitos empresários estão procurando novas formas de fazer o bem, mas não como
filantropos. O que eles realmente desejam é um novo rumo para fazer o que é certo", diz
Yunus. "Infelizmente, eles não têm a menor idéia de como fazer tal coisa".
Ele recorda-se de uma noite passada em Paris. Frank Riboud, o presidente da Danone,
não parava de bombardeá-lo com pedidos para conhecê-lo. Ele simplesmente precisava
conversar com Yunus. Finalmente, foi marcado um encontro em um restaurante, e Riboud
trouxe consigo todo um grupo de executivos. Enquanto estavam sentados à mesa, o
presidente da Danone perguntou: "O que podemos fazer para ajudar?". Yunus, com a
mente transbordando de idéias, disse: "Se a Danone deseja de fato ajudar, então ela
deveria montar uma companhia sem fins lucrativos em Bangladesh para produzir laticínios
diariamente a preços acessíveis. Isso seria extremamente útil para as crianças
desnutridas do país".
Riboud, o presidente da maior companhia de laticínios do mundo, ficou calado por um
momento, e a seguir disse: "Vamos fazer isso". Yunus ficou tão surpreso que começou a
duvidar do inglês do executivo da Danone. Assim, explicou tudo novamente. E enfatizou a
todo momento que se referia a uma empresa do tipo "sem prejuízos, sem lucros". A
companhia apenas cobriria os custos. Riboud respondeu novamente. "Vamos fazer". E a
idéia tornou-se realidade.
Desde janeiro, a fábrica instalada no norte de Bangladesh tem produzido produzidos
laticínios: iogurte, coalhada e bebidas. A companhia Grameen-Danone foi criada. É uma
empresa sem fins lucrativos, apoiada por uma das companhias mais bem-sucedidas do
mundo. Exemplos como esse geram esperanças reais de que o mundo esteja seguindo o
rumo certo. De que a comunidade empresarial esteja costurando uma nova parceria com
a sociedade e que deseje ir além da simples criação de negócios rentáveis. De que nem
tudo consiste apenas de projetos ocos, marketing e dos papos-furados das relações
públicas.
05/08/2007
Gates, Soros e Branson são capazes de criar um mundo melhor? (parte 4)
Klaus Brinkbäumer e Ullrich Fichtner
Existem sinais de esperança. Quando os executivos apresentam idéias sobre
investimentos no Deutsche Bank em Frankfurt, "a produção de dinheiro" ainda pode ser a
primeira idéia a despontar nas discussões. Mas a tarefa de encontrar uma forma razoável
de obter tais lucros é bem mais complicada. Nos últimos anos, o banco poderia ter obtido
muito dinheiro com projetos de investimento. Mas, no fim das contas, os banqueiros
recuaram. Eles não participaram do projeto da hidrelétrica de Três Gargantas, na China. E
também não investiram um centavo nas fábricas de papel na Indonésia, em um oleoduto
no Equador e em uma usina nuclear na Bulgária. Não havia dúvida de que cada um
desses projetos geraria retorno dos investimentos - mas o banco simplesmente disse não.
E embora esteja claro que a companhia gostaria de fazer investimentos similares, ela
precisa avaliar questões diferentes daquelas com as quais se deparava dez anos atrás.
Atualmente, o Comitê de Risco de Reputação, que avalia os prós e os contras de um
negócio, está ganhando gradualmente uma voz poderosa nas questões que penetram nas
torres de vidro do Deutsche Bank, construções que destacam-se entre os outros prédios
de Frankfurt. O número de projetos que recebem sinal vermelho está aumentando. "Nós
estamos trocando os ganhos de curto prazo pelos sucesso de longo prazo", explica
Hanns Michael Hölz, cujo cartão pessoal traz o título de diretor-gerente. Ele supervisiona
a "responsabilidade social corporativa". A sua tarefa é garantir que o banco quer ser "um
bom cidadão".
Segundo Hölz, simplesmente não há outra forma de agir, já que os clientes estão
aplicando uma chave de braço no banco. Herdeiros e investidores estão aparecendo em
Frankfurt com os bolsos abarrotados de dinheiro. Eles querem compor os seus próprios
fundos segundo os seus próprios critérios. Essa nova espécie de investidor não está
interessada apenas em ver o dinheiro se multiplicar. Ela também se preocupa com a
maneira como o dinheiro é utilizado. Atualmente, muitos investidores não aplicam capital
em negócios ecologicamente sujos. Eles não chegam nem perto de armas ou de produtos
químicos, de matérias-primas não processadas, de diamantes obtidos em regiões
flageladas por guerras e de qualquer coisa que seja de propriedade de norte-americanos.
UM MUNDO MELHOR
UM MUNDO MELHOR
Família etíope foge da fome
PARTE 1: BILL CLINTON
PARTE 2: ZISKIN,
BRANSON...
PARTE 3: YUNUS
PARTE 5: SOROS,
STIGLITZ
PARTE 6: LAMY
"O debate sobre o clima modificou tudo", afirma Hölz. E isso gerou também um impacto
sobre os industriosos gerentes do banco. Vários estudos já revelaram a modificação da
visão de mundo por parte dos atuais alunos de administração, dos graduandos da
universidade de Saint Gallen, perto de Zurique, e dos alunos da Escola de Economia da
Universidade de Londres ou da Escola de Negócios da Universidade Harvard. Aqueles
que se formam por essas universidades não desejam se transformar em impressores de
dinheiro destituídos de uma alma e totalmente a serviço dos patrões. Eles querem criar
um valor social extra - e as corporações e os bancos que se mostrem incapazes de se
envolver, ou que forem identificadas como avessos aos programas sociais, não terão
muita chance de atrair os melhores formandos a cada ano.
Silvia Kreibiehl , 30, faz parte da jovem elite de funcionários do Deutsche Bank. Em uma
equipe de 20 profissionais, ela lida com IPOs e recapitalização. Kreibiehl entra em cena
assim que "o volume das ações vendidas atinge o patamar de 100 milhões de euros". Ela
ajudou a rede de lojas Praktiker a encontrar um nicho na bolsa de valores. Só este
negócio vale 500 milhões de euros. Ela assessorou a Wincor, a Nixdorf e a Infineon. Os
seus parceiros de negócio são pequenos patrões do mundo empresarial. Mas no ano
passado ela estava pronta para jogar tudo isso fora.
"Eu não sou a típica profissional da área de investimentos", afirma Kreibiehl. "Depois do
curso secundário, eu queria estudar agricultura tropical". Dessa forma, ela desejava
tornar-se uma profissional da área de desenvolvimento. "Atualmente, todos desejam fazer
tal coisa em algum ponto da sua vida", afirma ela. Mas quando tinha 18 anos, ela seguiu
uma outra rota e concluiu um curso prático em técnicas bancárias na cidade alemã de
Ludwigshafen am Rhein. Ela já havia obtido licenças para dar aulas de ginástica para
crianças. À noite, Kreibiehl fez cursos por correspondência para obter um diploma em
administração de empresas. Ela tinha talento e estava determinada. Aos 22 anos, já tinha
despertado a atenção dos outros, e logo estava sentada em uma sala dos arranha-céus
do Deutsche Bank, lidando com milhões de euros, aconselhando grandes corporações a
como navegar nos mercados globais.
"Os grandes negócios são muito divertidos", diz ela. "Mas após trabalhar durante anos em
jornadas diárias que podem chegar a 14 ou 16 horas, depois de manter o Blackberry
constantemente sobre a mesa e deixar o telefone celular sempre de prontidão, você
começa a achar que talvez possa haver alguma outra possibilidade profissional".
No ano passado as suas dúvidas aumentaram tanto que ela seguiu para Bonn para entrar
em contato com o Serviço Alemão de Desenvolvimento. A instituição tinha uma vaga em
Fort Portal, em Uganda. O trabalho consistia em prestar assessoria para um projeto de
micro-crédito, uma verdadeira tentação para quem gosta de serviços humanitários. Assim,
esta mulher que ganhava um salário anual de seis dígitos se inscreveu para um emprego
que pagava 950 euros por mês. Para os funcionários do Serviço Alemão de
Desenvolvimento, ela era uma candidata de fazer cair o queixo. Eles provavelmente
ficaram perplexos com o caso. De volta ao Deutsche Bank, os seus colegas lhe
perguntaram: "Mas não existe nenhuma outra alternativa a estas duas opções: o banco de
investimentos e a agência de auxílio para desenvolvimento?".
No final ela acabou permanecendo no banco. Kreibiehl diz que não foi devido ao dinheiro.
O verdadeiro motivo foi o fato de os seus supervisores lhe terem feito uma oferta. Eles
sugeriram que ela tivesse uma experiência de trabalho na área de desenvolvimento, com
o apoio do banco. E foi o que ela fez. Kreibiehl passou os primeiros cinco meses do ano
em Uganda, ingressou no projeto que por pouco não a contratou e passou a contribuir.
Ela trabalhou incansavelmente e, segundo diz, passou por um período "super-intensivo",
cujas exigências não eram menores do que a agenda rigorosa no banco.
Ela gostou da experiência, tendo vivido em uma casinha com moradores locais, com
apenas uma cama, uma mesa e uma cadeira. Não a incomodou o fato de só haver
eletricidade disponível quatro dias por semanas, de não contar com água quente e de não
existir uma cozinha na casa. Ela manteve contato pessoal com os habitantes da área.
Dessa forma podia fornecer um apoio direto. Kreibiehl sentiu-se bem consigo mesma. E
aprendeu muito, especialmente que ainda não estava pronta para aquele trabalho. "Fiquei
muito sozinha lá. Foi duro. Atualmente não assumiria tal função por longo prazo".
Mesmo assim, ela pretende continuar com esse trabalho, visitando a África por períodos
mais curtos. Ela quer ajudar os ugandenses e os funcionários das agências locais de
auxílio humanitário. "Estou acostumada a projetar trabalhos, a lidar com até três ou quatro
projetos ao mesmo tempo. Poderia fazer com que Uganda se encaixasse neste mesmo
ritmo", diz ela. Aqui é necessário fazer uma pausa e observar por um momento como os
tempos mudaram, e refletir sobre a aparência atual da nova comunidade de cidadãos do
mundo: uma mulher que passa um dia lidando com 200 milhões de euros ou reunindo-se
com executivos de companhias internacionais e, a seguir, dedica um outro dia, ou as suas
noites, ao planejamento da remessa de lâmpadas carregadas por energia solar para
aldeões ugandenses. O mundo está se movendo. Ele não está parado. E são mulheres
como Silvia Kreibiehl que revelam concretamente esta mudança. Essa nova comunidade
de cidadãos do mundo não pergunta mais como e se o planeta pode ser salvo. Ela indaga
o que pode fazer a partir da sua localização, da sua posição e dos meios disponíveis.
Muitas outras Silvias Kreibiehl serão necessárias. Isso porque há mais coisas em jogo do
que o meio-ambiente. A humanidade está ameaçada (ou sente-se ameaçada) pela fome e
a pobreza, pela seca e pela falta d'água, pelo HIV, pelos venenos e pelo lixo. As tarefas
são enormes - tão grandes, na verdade, que elas tiram o nosso fôlego. E dificilmente
existe alguém mais capacitado a falar sobre o assunto do que Jeffrey Sachs, diretor do
Instituto da Terra, o supervisor do programa "Metas de Desenvolvimento do Milênio" da
ONU.
Em março, Sachs viajou pela Europa, reunindo-se com chefes de governo, ministros e
pessoas envolvidas com a tarefa de "fazer negócios". Ele foi também a Lyon, na França,
onde discursou para os ganhadores do Prêmio Nobel que se reuniram na feira comercial
BioVision.
Sachs é um homem de números avassaladores. É um hábito. Ele é um palestrante ligeiro.
Sachs informa, com uma voz seca, que a cada dia morrem 30 mil criança no mundo
inteiro devido a causas ridículas. Que nas áreas afetadas pela malária na Ásia e outros
locais 300 milhões de pessoas dormem sem proteção suficiente contra os mosquitos. Ele
diz: "Uma rede de proteção contra mosquitos custa US$ 5. Um total de 300 milhões de
redes custa US$ 1,5 bilhão". Sachs faz uma pausa, reduz dramaticamente o volume da
voz e diz. "Eu disse US$ 1,5 bilhão. Isso é o que o Pentágono gasta em um único dia".
Em Lyon, Sachs fala sobre o "grande paradoxo". Sobre o fato de a humanidade "saber o
que precisa ser feito" para erradicar a fome e as doenças, mas que isso nunca é
realizado, como se o mundo estivesse amaldiçoado.
"Contamos com todas as soluções técnicas. Sabemos como produzir água limpa, como
gerar energia não poluente e como proteger as lavouras. Sabemos como as mães
grávidas e os bebês devem ser tratados. Somos capazes de tornar uma região habitável
em apenas uma estação de cultivo, e sabemos até que tudo isso não custa muito
dinheiro. Mas há década não temos atingido essas metas".
Mas Sachs não tem uma resposta para resumir o porque dessa situação. Ele tem apenas
os números. Segundo ele, se pegássemos todo o dinheiro dos 950 bilionários do mundo,
uma montanha de US$ 3,5 trilhões, e o investíssemos a juros de 5%, o rendimento seria
de US$ 175 bilhões ao ano, e os problemas financeiros para o auxílio ao desenvolvimento
evaporariam. Sachs diz muita coisa desse tipo. E quando os seus números se esgotam, a
platéia inteira fica de pé e o aplaude de forma longa e calorosa. Os ganhadores do Prêmio
Nobel estão de pé. E também os políticos, os engenheiros genéticos e os executivos da
indústria farmacêutica.
Afinal, todos eles querem ser crentes, cavaleiros ambientais usando armaduras
reluzentes. A proteção do clima e a luta contra a pobreza são os cânones desta nova
religião mundial. Mas, no fim das contas, tudo entra nessa equação - medicações contra o
HIV e passagens de ônibus a preços acessíveis, ovos caipiras e a paz no Sudão. É uma
missão pelo bem e a moral. Seria desonesto o fato de pessoas como Gates e Soros
ficarem ricas por meio de negócios friamente calculados e, depois, após terem acumulado
as suas pilhas de dinheiro, se voltarem para ajudar aqueles que foram massacrados na
tentativa de subir na vida? E é uma hipocrisia ou, pelo contrário, um sinal de
discernimento, o fato de a British Petroleum e a Shell desejarem estar na ponta de lança
deste movimento?
Todos concordam que as coisas precisam ser feitas, de alguma forma. Mas as chances
não são muito boas
05/08/2007
Gates, Soros e Branson são capazes de criar um mundo melhor? (parte 5)
Klaus Brinkbäumer e Ullrich Fichtner
As Metas de Desenvolvimento do Milênio, das Nações Unidas, que os líderes mundiais
estabeleceram com tanta pompa, não serão alcançadas em 2015, o prazo estabelecido.
Sachs diz em Lyon que elas ainda podem ser atingidas, que não foram olvidadas. Esta é
a mensagem que ele ouve em todos os locais para os quais viaja. Mas, alguma coisa
insinua-se nas suas sentenças, na fala política sobre a redução de prejuízos. As Nações
Unidas fracassam. E também os países. Onde está a cavalaria mundial quando se
precisa dela?
Na feira comercial em Lyon, um mercado das melhorias mundiais, elas gritam em cada
quiosque: Olhem aqui! Sanofi-Aventis, Mérieux e Monsanto, Merck, Roche e Unilever,
Basf, Bayer e Total. Todas afirmam que são parte da solução, que são parceiras do
Terceiro Mundo, amigas e protetoras do meio-ambiente, apoiadoras da saúde pública e
paladinas da segurança alimentar, das energias verdes, da sustentabilidade e do controle
do clima. Escolha o tema que quiser. Alguma coisa não pode estar certa. Ou será que
apenas é necessário um pouco mais de tempo até que o sucesso comece a despontar?
À noite, os delegados da feira de negócios sentam-se em salões resplandecentes em
volta do pátio interno da Câmara de Indústria e Comércio de Lyon, que conta as histórias
da velha globalização. Os nomes dos ex-agentes globais estão gravados nas paredes do
local: Londres, Argel, Hamburgo, Amsterdã. Eles contam a história de uma época na qual
o clima era um mistério ditado por Deus. Nas mesas, os palestrantes levantam-se e
discutem engenharia genética. O mundo não foi salvo aqui;; não nesta noite. Falou-se à
exaustão, e cada um dos oradores tem a sua própria agenda secreta.
UM MUNDO MELHOR
O especulador George Soros
PARTE 1: BILL CLINTON
PARTE 2: ZISKIN,
BRANSON...
PARTE 3: YUNUS
PARTE 4: HÖLZ,
SACHS...
PARTE 6: LAMY
Existe um plano-mestre? Seria possível haver tal plano?
No endereço 888, Sétima Avenida, em Nova York, uma mulher jovem e bonita está
sentada à mesa da recepção no 32° andar. E, na parede, atrás dela, há uma palavra:
Soros. Um nome, um mito: George Soros é uma daquelas pessoas que ninguém nunca
elegeu nem pediu para ajudar com as despesas. Nada confere legitimidade a esses
indivíduos. O que os impulsiona é apenas as suas crenças, a sensação de que são
obrigados a modificar o mundo a fim de melhorá-lo.
Aos 76 anos, Soros está ficando velho. Durante todo este tempo, ele passou por muita
coisa - de Budapeste, via Londres, chegou aos Estados Unidos;; de vendedor de jóias,
tornou-se bilionário. Soros tem olhos azuis, cabelos brancos e quatro rugas profundas na
testa. A sua mão direita treme um pouco. Ele usa uma gravata que traz um número
excessivo de círculos. Às vezes, ele se atrapalha um pouco quanto tenta lembrar de anos
específicos. Mas o seu jovem assistente senta-se ao seu lado e garante que as coisas
fluam ordenadamente.
Nos últimos anos a sua questão tem sido a "sociedade aberta". Ele pegou o seu dinheiro
e investiu nos movimentos democráticos. A sua fundação ajudou a derrubar governos na
Europa Oriental. Ela ajudou a formar outros governos. Construiu estradas, educou
pessoas, distribuiu bolsas de estudos e doou bastante dinheiro. Nos últimos anos, porém,
os Estados Unidos começaram a afligí-lo: esta "sociedade do sentir-se bem", este mundo
de luxo, que dissipou a sua liderança da comunidade mundial e jogou fora os seus
princípios. Atualmente, tanto os Estados Unidos quanto Soros estão apresentando um
desempenho melhor.
Ele ficou impressionado com Al Gore e a América verde, este movimento de baixo para
cima. Soros diz que a sociedade do sentir-se bem transformou-se novamente em uma
democracia, em apenas dois anos. E ele prossegue: "Se não resolvermos o problema da
mudança climática, nos voltaremos uns contra os outros. Em Darfur, onde os nômades e
os colonos não possuem mais terras suficientes, dá para ver o que está ocorrendo: antes
de nos cozinharmos até a morte por meio do aquecimento global, nos assassinaremos em
guerras".
Segundo Soros, é possível impedir que isso ocorra. Ele é um homem que não gasta muito
tempo refletindo sobre as necessidades e as considerações políticas. Soros conhece uma
forma diferente. Ele pensa de maneira diferente. Você identifica um problema, analisa-o e
elabora um plano. E, a seguir, resolve o problema. Mesmo que o problema se chame
"mudança climática".
A análise feita por George Soros lhe diz que é tolice incumbir as Nações Unidas de lidar
com o problema da alteração climática. "A ONU é lenta. E não precisamos dela. Esse é
um trabalho para um quarteto: Estados Unidos, Europa, Índia e China. Esse quarteto é
capaz de lidar com o problema", garante o magnata. Quando George Soros fala, o mundo
não parece ser um lugar tão complicado.
O seu plano de salvação cabe muito bem em um pedaço de papel, apenas uma página.
"Dessa maneira as pessoas verão que é possível resolver o problema. Sem soluções,
elas muitas vezes não mostram disposição, ou sequer percebem o problema". O
documento é chamado "Version 11", e o texto é dividido em cinco partes. Ele assegura
que se os tópicos claramente especificados no documento forem implementados, o
aquecimento global atingirá o seu clímax em 2035, e depois disso o planeta começará a
esfriar. "A catástrofe global será evitada".
Segundo Soros, os norte-americanos precisam dar o primeiro passo: eles têm que
promover energia eólica, solar e biocombustíveis. E além disse precisam remover os
poluentes da combustão de carvão e impor taxas sobre as emissões;; US$ 30 a tonelada.
Isso seria uma solução. Ou, adotando a abordagem oposta, oferecer recompensas pela
queima limpa de carvão. E se os Estados Unidos conseguirem promover tal limpeza, a
Europa estará do seu lado. A seguir a China adotará a mesma linha, e depois disso a
Índia. E se isto não ocorrer, a Europa e os Estados Unidos poderão impor tarifas punitivas
sobre os produtos chineses e indianos. Isso violaria os princípios da Organização Mundial
de Comércio. Mas poderia salvar o mundo.
Soros olha para o Central Park como se fosse um velho general. Ele diz que ultimamente
anda um pouco entendiado. Mas, agora, ele tem esta missão, e estar pronto para
começar a agir. "Eu renasci", afirma. Lá embaixo, Nova York está cheia de vida.
Qualquer um que caminhe pelas ruas desta grande cidade percebe que a tarefa de
acrescentar verde a ela não será fácil. O lugar cresce e cresce e cresce. E qual o impacto
dos edifícios de luxo em Manhattan, clinicamente estéreis e projetados para não agredir o
meio-ambiente, ao se levar em conta as chaminés do Queens, as lareiras do Brooklyn, as
frotas de carro do Bronx, todas as limusines, o ar quase irrespirável do Lincoln Tunnel,
enfim, toda a sujeira da cidade?
DOADORES
EUROPEUS
Wellcome Trust
Sede: Londres
Realdania
Alemanha
As sociedades estão agitadas, em Nova York e em todo o mundo. Essa impressão
permanece, e muita gente continua investindo as suas esperanças em soluções
abstratas, fórmulas mágicas, planos de resgate. Não haverá nenhuma saída de
emergência bem iluminada. O mais provável é que o bilionário Branson não financie a
solução mundial. O filantropo Soros não verá o seu plano de cinco etapas colocado em
prática. E Watson, o funcionário do Banco Mundial, poderá defender a sua "estrutura
robusta" - mas, no fim das contas, o cerne da questão diz respeito a como os seres
humanos viverão e trabalharão nas grandes nações industriais, como consumirão, como
se movimentarão, como se entreterão e como usarão a energia e todos os outros
recursos. A questão crucial é redirecionar o mundo, os estilos de vida de cada indivíduo
que habita o dito Primeiro Mundo. E também crucial é que todos eles cheguem a alguma
espécie de acordo mútuo a respeito dos mesmos critérios. Mas como isso poderia
ocorrer?
Isso é algo que diz respeito aos Estados Unidos, afirma Joseph Stiglitz. Ele é um homem
esquisito que surgiu no planeta em 1943. Stiglitz usa uma barba aparada e tem unhas
compridas. Ele usa óculos de aros redondos e um paletó verde sobre a camisa. Gargalha,
ri e fala de maneira direta. Stiglitz adora debater e discutir.
Ele lecionou economia em Yale, Princeton, Oxford e Stanford. Foi assessor do presidente
Clinton, o principal economista do Banco Mundial e ganhou o Prêmio Nobel de economia.
Atualmente ele dá aulas na Universidade Columbia, em Nova York, sendo um guardião do
mundo que se deslocou para Hamburgo. Ele está almoçando no famoso restaurante
Alster Lake.
As suas teorias giram em torno dos fracassos dos Estados Unidos, dizem respeito a "este
governo que achou que era mais esperto do que o resto do mundo e, que por este motivo,
destruiu todos os mecanismos de segurança burocráticos e legislativos". Mas George W.
Bush era um leigo em política internacional e foi incapaz de apresentar as questões certas
para os profissionais de verdade. "Como resultado, ele recebeu os conselhos errados,
chegou a conclusões equivocadas e tornou-se o pior presidente da história dos Estados
Unidos", critica Stiglitz.
Ele toma um gole de vez em quando e come um pouco de cada coisa enquanto continua
falando. "A gente aprende que o unilateralismo não funciona. E tampouco o poder militar.
Ele pode destruir coisas e países. Mas é incapaz de contruí-los". Segundo Stiglitz, a única
forma de conferir legitimidade ao poder é usá-lo de forma sábia. Fim da introdução.
Agora, ao âmago da questão.
O mundo está de fato em uma encruzilhada. Mas, para Stiglitz, a situação do mundo
constitui-se também em uma oportunidade. Uma oportunidade para os Estados Unidos.
Isso porque o momento para o despertar da sociedade civil norte-americana chegou e a
oportunidade de redistribuição de poder também existe, bem aqui e agora, assegura ele.
É aí que se encontra a oportunidade para todos nós.
A missão da vida de Joseph Stiglitz é elaborar um novo sistema legal para este novo
mundo. Ele é uma espécie de vendedor ambulante desta idéia.
Primeiro, ele quer justiça: o sistema global de tarifas que torna as matérias-primas baratas
e os produtos manufaturados caros - laranja barata, suco de laranja caro, diamantes
baratos, jóias caras - significa que os países em desenvolvimento sempre entregarão os
seus bens, mas permanecerão excluídos da cadeia de valores.
Segundo, um tribunal internacional de justiça é necessário para julgar os casos de
dumping e subsídios. Terceiro, a mudança climática pode de fato ser combatida com as
atuais instituições. Stiglitz faz duas propostas: como os Estados Unidos e as suas
corporações que emitem quantidades particularmente elevadas de gases causadores do
efeito estufa "criam uma vantagem competitiva injusta às custas dos outros", os europeus
e outros países deveriam imediatamente "impor tarifas" sobre esses produtos. Além disso,
"todos os produtores de emissões deveriam cobrir os custos dos danos ambientais que
causam", argumenta o economista. Ele diz que já é hora de criar "um imposto conjunto
sobre todas as emissões de dióxido de carbono".
Os impostos ensinam as pessoas. Eles modificam comportamentos. Stiglitz sabe como
funciona a economia mundial. Em princípio, é algo muito simples: todos pensam nas suas
próprias vantagens. "Faz muito mais sentido taxar coisas indesejáveis como a poluição
ambiental do que comportamentos desejáveis como poupança ou trabalho", afirma.
Agora, o seu café expresso chegou, e ele não tem mais tempo. Stiglitz continua se
movimentando rapidamente, encontrando pessoas que apóiam o seu conceito. Salvar o
mundo é uma tarefa que consome tempo. E continua sendo um trabalho difícil.
05/08/2007
Gates, Soros e Branson são capazes de criar um mundo melhor? (parte 6)
Klaus Brinkbäumer e Ullrich Fichtner
Pascal Lamy tem certa experiência no assunto. Este francês é um socialista e corredor de
maratonas. Ele foi chefe de equipe na Comissão Européia e, mais tarde, comissário
europeu de Comércio. Atualmente, está sentado no seu escritório de frente para o Lago
Genebra. No aposento há uma lareira. Nas paredes vêem-se algumas caricaturas. Uma
enorme mesa de conferências toma conta de quase todo o recinto.
Lamy é diretor-geral da Organização Mundial de Comércio, um desses complicados
conglomerados de políticas globais. A Organização Mundial de Comércio é tida como
poderosa e até mesmo canibalesca. Mas, na verdade, isso só ocorre com "o secretariado
dos seus membros", diz Lamy. Atualmente, nem isso. Segundo os seus estatutos, a
organização é uma coletânea de regulamentações que governa o comércio global.
"Temos compromissos com os interesses dos nossos membros". Lamy repete esta
sentença oito vezes durante a entrevista. E os 150 países ou decidem de forma
consensual ou simplesmente não decidem. E isso torna o jogo de Genebra entediante.
"Os delegados gastam um quarto do seu tempo aqui negociando, e três quartos tentando
vender aquilo que negociaram para os seus governos, formulando expectativas
domésticas e informando os seus países", diz Lamy.
O diretor-geral do mercado livre está usando uma gravata púrpura. Ele parece ser
pequeno e musculoso. Fala um inglês suave, com sotaque francês. Lamy tem a reputação
de ser perfeccionista e enérgico. É capaz de gritar e de proferir frases contundentes. O
seu aperto de mão é fortíssimo. Ele garante que enxerga exatamente o que se passa no
mundo: "A sociedade civil escolheu várias questões. Desenvolvimento, animais, o meio-
ambiente". Mas, segundo ele, todas as organizações não governamentais estão
trabalhando com questões isoladas. "Não existe uma única ONG mundial que tenha
lançado o seu guarda-chuva sobre todas as questões", acrescenta. "Posso fazer um
protesto na segunda-feira pelos direitos dos animais, na terça-feira pelos países em
desenvolvimento e na quarta decidir se as duas posições são compatíveis".
UM MUNDO MELHOR
Quenianos aguardam ajuda
PARTE 1: BILL CLINTON
PARTE 2: ZISKIN,
BRANSON...
PARTE 3: YUNUS
PARTE 4: HÖLZ,
UM MUNDO MELHOR
SACHS...
PARTE 5: SOROS,
STIGLITZ
Lamy diz que, ao agirem desta maneira, as organizações não governamentais estão
meramente caminhando sobre as pegadas dos governos. Todos se posicionam, falam e
agem por si próprios. "O nosso planeta nunca enfrentou tamanha ameaça. Vivemos em
um mundo incerto e dividido", afirma Lamy, e a questão é: Como é que os humanos
podem agir nestes tempos ou tornarem-se capazes de agir novamente?
A estratégia da Organização Mundial de Comércio é bastante clara: em Genebra, as
questões são as tarifas e os subsídios. Livre comércio para todos e abrangendo todos os
produtos é a meta final. Na vida real, porém, em todas as salas de fundos do prédio
cinzento da Rue de Lausanne, são os Estados Unidos e a Europa que ditam as regras.
Eles têm mais poder do que os outros países juntos. Eles exigem exportações livres e a
seguir adotam subsídios em casa. Seria esta a razão pela qual todas as pessoas
inteligentes em Genebra sempre sabem o que deveria ser feito, mas nunca são
suficientemente rápidas para aplicar as soluções porque a próxima dificuldade, a próxima
crise, sempre levanta a sua cabeça horrenda?
Não, segundo Lamy, o verdadeiro culpado é o "sistema Westphaliano" que cimentou a
soberania dos países individuais após o fim da Guerra dos Trinta Anos, que o restante do
mundo recebeu da Europa durante os séculos de regime colonial e aprendeu a amar
muito tempo atrás.
Antes de chegar na Organização Mundial de Comércio, Lamy rotulava a organização ou o
seu tipo de formação de consenso de "medieval". "Eu realmente não usei essa palavra",
diz ele hoje em dia com uma risada. Mas ele ainda acredita nisso. "Vemos uma grande
discrepância entre os desafios e as necessidades dos nossos tempos e o sistema
Westphaliano. Ou, colocando as coisas de outra forma: temos problemas globais e
governos locais", afirma Lamy.
Este é um dos seus assuntos favoritos, um tópico que mantém a sua cabeça ocupada
durante horas a fio. Ele escreve e fala sobre isso. E atualmente diz a respeito da questão:
"A exceção é a União Européia". Ou as Nações Unidas. "Isso poderia ser uma matriz para
o futuro. Mas as coisas já estão bastante difíceis desta forma. Na Europa, por exemplo, os
cidadãos vêem a globalização como uma ameaça e estão lançando um olhar cada vez
mais cético sobre a política à medida que os políticos ficam mais distantes. A legitimidade
de Bruxelas se esvai um pouco mais a cada dia. Toda vila precisa ter um prefeito. Cada
país necessita de um governo nacional. Ninguém deseja ter um governo mundial. De
qualquer maneira, é 'inacreditavelmente difícil' dissolver governos nacionais ou retirar os
seus poderes. Os Estados Unidos, a China e a Índia não gostariam de fazer parte de tal
coisa. Mas Singapura, Senegal e Paraguai também não. Isso porque eles acreditam que a
identidade nacional é o que de fato os protege dos grandes elefantes".
Isso faz com que surja algo conhecido em Genebra e Nova York como realpolitik.
Realpolitick significa que o embaixador indiano na Organização Mundial de Comércio
exigirá de vez em quando algo que vá de encontro àquilo que o embaixador indiano nas
Nações Unidas está buscando. Realpolitik significa que o congresso dos Estados Unidos
tem que, de alguma forma, aprovar tudo. Lamy também entende completamente que os
membros do congresso baseiem as suas decisões em um critério: "A origem da proposta
e se ela é boa para a região em que se encontra a base eleitoral do parlamentar".
Realpolitik significa também que todos sabem o que precisa ser feito, que se
desentendam quanto a cada palavra e a seguir briguem por causa de cada uma das
traduções. Como resultado, passam-se anos até que se encontre uma solução para algo
que foi um tópico importante no passado.
Não, não se pode dizer que Pascal Lamy ficaria surpreso com a chegada da cavalaria
ambiental privada. "É verdade. Eles estão se envolvendo mais e mais em diversos setores
e são bem impressionantes. Coisas como o HIV ou a fome. E essa é uma grande
contribuição. O dinheiro que Bill Gates colocou sobre a mesa impressiona bastante, você
não acha?". Ele observa que a filantropia tem raízes profundas nos antigos e nos atuais
países protestantes. Lamy acrescenta que este é um fenômeno em sua maioria britânico
ou norte-americano, e que a verdadeira vantagem competitiva de gente como Clinton ou
Soros é a seguinte: "Eles só são responsáveis por si próprios. Dinheiro privado pode ser
movimentado com muito mais facilidade do que os fundos públicos".
Mesmo assim, Lamy não é um crente na nova tendência. Ele não acredita que os
indivíduos privados sejam capazes de desempenhar este ato de resgate. Lamy
certamente respeita as realizações da nova comunidade de cidadãos mundiais. Não há
dúvidas quanto a isso. "Mas necessitamos de políticas coerentes e interligadas", diz ele.
"Nada mais funcionará". Ele diz que a questão-chave será: "Poderemos sugerir um
governo global que seja capaz de fazer frente aos desafios dos nossos tempos - e será
que tal governo poderia ainda ser democraticamente legítimo?".
No momento o cenário não parece muito bom. As coisas que Lamy diz, e ele as diz de
forma bastante convincente, têm algo de similar à experiência do presidente Bill Clinton,
segundo a qual as políticas globais consistem em "sentar-se em torno de uma mesa
discutindo sobre que palavra será acrescentada a um documento e qual vocábulo ficará
de fora". As coisas ditas por Lamy não incluem aquela proposta de "fazer as coisas" que o
grupo reunido em uma manhã chuvosa no Salão Starlight do Waldorf-Astoria em Nova
York desejava alegremente praticar.
No final das contas, todos os tapinhas nas costas verbais mútuos proferidos no Waldorf-
Astoria soaram um pouco como aquilo que se ouve todos os dias a apenas alguns
quarteirões daqui, na sede das Nações Unidas. Lá, também, as pessoas falam
constantemente sobre boas ações. Mas quando voam para casa e vêem-se novamente
sujeitas às pressões existentes nos seus países, às coisas que se enquadram no reino da
realpolitik, elas esquecem-se rapidamente daquilo sobre o que discutiram em Nova York.
Mas o Salão Starlight do Waldorf-Astoria não é a ONU. Nele, ouvem-se sentenças de um
tom diferente: "Estamos em uma posição a partir da qual somos capazes de agir, e eu
passarei cada dia do período que ainda me resta no cargo lutando para garantir que as
coisas discutidas hoje aqui serão realizadas", afirmou Michael Bloomberg, o prefeito de
Nova York.
"Nós fizemos uma promessa aqui", declarou o vice-presidente da Siemens.
"Apoiamos esta proposta", garantiram os representantes de Bancoc, Berlim, Chicago,
Houston, Johannesburgo, Karachi, Londres, Melbourne, Cidade do México, Nova York,
São Paulo, Seul e Toronto. E se essas pessoas agirem de fato nesse sentido, o mundo
será um lugar diferente. De fato, até a maior das jornadas começa com um primeiro passo