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16/05/2018 Cretinices gramscianas ﴾II﴿

Cretinices gramscianas (II)

A teoria da hegemonia ultrapassa os últimos limites da vigarice razoável e tenta nos fazer
engolir como realidade universal e constante algo que é uma impossibilidade material pura e
simples

  Por Olavo de Carvalho 07 de Junho de 2015 às 10:00 A teoria embutida no
  | Jornalista, ensaísta e professor de Filosofia espaço entre o fato e a
generalização que
Gramsci dela extrai é
a própria teoria
gramsciana da hegemonia, segundo a qual a cultura reinante em qualquer época ou lugar é o instrumento
pelo qual a classe dominante impõe sua ditadura mental a toda a população.

Interpor uma teoria entre os fatos e a conclusão, em vez de esperar que a própria acumulação de fatos
sugira a conclusão, já é trapaça suficiente para desmoralizar qualquer teorizador.

Mas a teoria da hegemonia ultrapassa os últimos limites da vigarice razoável e tenta nos fazer engolir
como realidade universal e constante algo que é uma impossibilidade material pura e simples.

Essa impossibilidade já estava presente na teoria marxista da “ideologia de classe”, da qual a
“hegemonia” gramsciana é um prolongamento.

Se cada classe tem uma ideologia que é a expressão idealizada dos seus interesses materiais, então, das
duas uma: ou cada um dos seus membros está atrelado de uma vez para sempre à ideologia da sua classe
como se fosse uma segunda natureza; ou, ao contrário, pode abjurar dela e aderir à ideologia de outra
classe, como fez, ou acreditava fazer, o próprio Karl Marx. 

Só que neste caso não há mais conexão orgânica entre classe e ideologia; tudo se torna uma questão de
livre escolha e não há mais “ideologia de classe” nenhuma, só a ideologia que cada indivíduo, livremente,
atribui à sua classe ou a uma outra qualquer, conforme a interpretação que faça dos interesses desta ou
daquela. 

Gramsci agrava formidavelmente a situação ao declarar que quem produz a ideologia não são
propriamente os membros de cada classe, mas sim os “intelectuais” que a representam sem ter de
pertencer necessariamente a ela.

Esses representantes são “intelectuais orgânicos” da burguesia e do proletariado. Mas, se o são sem
precisar ser eles próprios burgueses ou proletários, a conexão entre eles e a classe que representam não
pode ser “orgânica” de maneira nenhuma e sim matéria de livre escolha, nada impedindo que um
intelectual passe, ideologicamente, da “burguesia” para o “proletariado” (como Georg Lukács) ou vice­
versa (Eric Hoffer, por exemplo).

Ademais, quem infunde nos intelectuais a “ideologia de classe”? Para que o burguês adestrasse
intelectuais na ideologia burguesa seria preciso que ele, na condição de mestre, a dominasse melhor que
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os discípulos: esse burguês seria, então, um superintelectual, um intelectual dos intelectuais, o maître à
penser da intelectualidade, reduzindo­a à condição de mera repetidora do discurso aprendido.

Mutatis mutandis, e piorando ainda mais as coisas, os “intelectuais orgânicos” do proletariado se
tornariam meninos de escola operária, tomando lições de dialética hegeliana e materialismo histórico
com professores pedreiros e ferramenteiros.

Essas situações caricaturais não existem na realidade, no mínimo porque o próprio Gramsci nos assegura
que quem cria as ideologias das classes não são as próprias classes, e sim os intelectuais.

Nem poderia ser de outra forma. No mínimo a transposição de interesses materiais numa linguagem de
valores, ideias e teorias requer um considerável treinamento especializado nas áreas de filosofia e
ciências humanas, que nem um capitalista nem um operário poderiam adquirir nas horas vagas. (Sob esse
aspecto é interessante comparar o gramscismo com a teoria da “violência simbólica” de Pierre Bourdieu,
outro ídolo, ainda que menorzinho, da intelectualidade esquerdista; (leia aqui e aqui).

Mas, então, nem a ideologia proletária é proletária nem a burguesa é burguesa: são ambas puras criações
de intelectuais, que as atribuem a esta ou àquela classe, sem precisar consultá­las, conforme interpretem
livremente os “interesses” de cada uma. Não é coincidência, pois, que Karl Marx já tivesse descrito a
“ideologia proletária” inteira antes de ter visto de perto um único proletário.

Na melhor das hipóteses, o burguês e o proletário se tornam “tipos ideais” que existem apenas na cabeça
do intelectual para fins de comparação com personagens reais que só se parecem com eles de maneira
longínqua e esquemática.

Gramsci não admite explicitamente essa conclusão inevitável da sua teoria, mas, como quem não quer
nada, extrai dela uma consequência prática que, para o bom entendedor, já denuncia a falácia da
construção inteira.

Quem cria as ideologias de classe? Os intelectuais. Quem, com base nela, cria a hegemonia, o controle
geral do pensável e do impensável? Os intelectuais. Quem lidera a revolução? Os intelectuais. Quem
assume o poder por meio da revolução? Os intelectuais.

Burgueses e proletários são, no fim das contas, apenas os emblemas dos times em jogo. É de espantar que
no paraíso burguês os burgueses sejam esfolados com impostos, induzidos a financiar filmes e shows que
os demonizam e a contribuir com rios de dinheiro para organizações esquerdistas que prometem matá­
los?

É de espantar que no paraíso proletário os proletários sejam submetidos a condições de trabalho escravo,
privados do direito de greve, removidos de um lugar para outro sem poder reclamar, policiados vinte e
quatro horas por dia e obrigados a entoar cânticos de glória ao Supremo Intelectual e Guia dos Povos?

Tudo não passa, então, de uma disputa de poder entre dois grupos de intelectuais, cada um defendendo os
interesses que atribui a uma classe à qual não tem de pertencer e que na maior parte dos casos não foi
consultada a respeito.

O que é líquido e certo, embora Gramsci não o diga, é que os intelectuais orgânicos “da burguesia” não
pretendem tomar o lugar dela; quem o pretende são os outros, os “intelectuais proletários”.

Nunca se viu um escritor apologista do capitalismo ansioso para deixar de lado seus afazeres intelectuais
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e tornar­se industrial ou especulador da bolsa. Em contrapartida, nenhum, absolutamente nenhum
“intelectual proletário” que eu conheça planeja fazer a revolução proletária para depois continuar vivendo
modestamente das suas funções de professor, jornalista ou pesquisador científico.

Tomar o poder e exercê­lo na máxima medida das suas possibilidades é a essência e missão da
intelectualidade revolucionária. O que ela quer não é assumir o lugar da intelectualidade direitista, mas o
da burguesia.

Isso torna evidente que, na maior parte dos casos, ela disputa o poder com um grupo que não o detém
nem o deseja. Basta isso para explicar a inermidade estrutural da intelectualidade conservadora e liberal
ante o avanço esquerdista.

É algo que não tem nada a ver com superioridade ou inferioridade intelectuais, mas com desejo ou falta
de desejo de poder. Quando o sr. Lula sentenciou que seus inimigos “não tinham perspectiva de poder”,
acertou na mosca.

Para completar a fantasia com um toque de alucinação, Gramsci admite que nem todos os intelectuais
participam conscientemente da “luta de classes”. Alguns – em geral a maioria deles – são indiferentes à
política e se satisfazem com suas ocupações filosóficas, científicas ou artísticas, sem se preocupar em
saber quem isso vai favorecer nas próximas eleições.

A esse grupo Gramsci denomina “intelectuais tradicionais”, acrescentando que são neutros e apolíticos só
em imaginação, por falsa consciência; na verdade são servos inconscientes do status quotanto quanto os
intelectuais orgânicos “burgueses”.

Ou seja: os “intelectuais proletários” estão em perpétua disputa de poder não somente com intelectuais
orgânicos burgueses que não aspiram ao poder, mas com toda uma comunidade intelectual que não quer
nem saber da existência dessa disputa.

A consequência disso, do ponto de vista cognitivo, é devastadora: o intelectual esquerdista explica toda a
sociedade como uma projeção inversa dos seus próprios valores e metas, pouco lhe importando a auto
explicação que os demais grupos e indivíduos tenham a apresentar.

Para ele, a sociedade, a história, a existência humana inteira giram em torno do seu objetivo grupal, da
sua luta pelo poder, que no seu entender move todo o restante como o cão abana a cauda. Ele, em suma, é
o fator ativo, o criador da História, a única realidade efetiva: todo o resto da humanidade são sombras que
se mexem à sua voz de comando.

É uma visão horrivelmente autocêntrica, solipsista, psicótica mesmo, que se espalha com facilidade entre
estudantes universitários pelo simples fato de que é a mais reconfortante compensação neurótica do seu
justo sentimento de inutilidade social.

 
***

                 
Não é só na esquerda militante que o pensamento de Gramsci inocula o seu veneno alienador e
estupidificante. Chego a pensar que basta admirá­lo um pouquinho, suspender o juízo crítico por uns
instantes, para que algo do besteirol gramsciano entre e permaneça para sempre.
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Por ocasião de um de seus últimos chiliques anti­olavéticos, cuja razão de ser escapa ao entendimento
humano, o sr. Marco Antônio Villa, na ânsia doida de exaltar tudo o que critico, chegou a proclamar que
a subsistência da democracia na Itália do pós­guerra foi obra do gramscismo imperante no Partido
Comunista Italiano.

É com certeza a coisa mais burra que já saiu da boca de um pretenso historiador. Raiva descontrolada é
vexame na certa. O regime democrático só sobreviveu na Itália graças à derrota acachapante que, contra
todas as previsões iluminadas, a Democracia Cristã de Alcide De Gasperi, mobilizando o apoio de toda a
população católica na primeira eleição geral realizada após a queda do fascismo, impôs em 18 de abril de
1948 ao Front Popular comunista, que desde então foi saindo do cenário político, por etapas sucessivas,
para a lata de lixo da História.

Se o sr. Villa quiser alguma bibliografia sobre o assunto, posso lhe fornecer, mas só se ele pedir com
jeito.

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