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(In)Certezas

por Pôncio Arrupe


(Ficção curtíssima)
(In)Certezas

Ainda que já bem depois dos cinquentas, só posso afirmar


que tenho algumas certezas sobre o que não quero, não
gosto, desprezo, abomino, e sobre algumas coisas em que
não creio. Mas sobre o que quero, gosto, …, e sobre aquilo
em que, aparentemente, acredito, não estou certo de quase
nada. Para não dizer de nada, mesmo.
Em boa verdade, estou mais certo e seguro daquelas
minhas repulsas quase que inteiramente viscerais do que dos
meus ideais bem articulados e racional e limpidamente
fundamentados. E, no entanto, como me é fácil e divertido
criá-los! Talvez, precisamente, por isso…
Aliás, nem sequer estou seguro de se esta minha forma de
tudo olhar está certa ou errada, é boa ou má, e nem sequer
se me é prazerosa ou benéfica, ou não. E,
compreensivelmente, não estou nada interessado em
convencer os demais ou em conquistar discípulos. Tenho,
até, receio de que me apareça algum. Não saberia como
agir, ficaria preso de movimentos…
Mas de uma coisa estou certo: abomino e desprezo quem
quer que me apareça pela frente regurgitando fés e certezas.
E quanto mais beatíficas maior é o meu horror. Sim, a
expressão é essa, horror. Horror e exaspero. É que as há
com roupagens bem beatíficas… Refiro-me às crendices
fundamentalistas de toda a sorte, que arrebatam hordas de
idiotas úteis. Úteis à malvadeza.
Por isso, só me pode faltar a pachorra para quem depende
de crenças benévolas e reconfortantes para viver…
E, sobretudo, para morrer… Que as circunstâncias me
sejam propícias para me aguentar à bronca quando chegar a
minha hora!

(In)Certezas, por Pôncio Arrupe 2

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