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Confesso Este Meu

Capricho
por Pôncio Arrupe
Capítulo 4
O Tempo, Eu e Tu
Capítulo 4
O Tempo, Eu e Tu

Felicidade (ou Um Sinal Evidente)


Tens medo? Eu também! Seríamos uns tontos
inconscientes, ou uns irresponsáveis, se não tivéssemos
medo. Todas as mudanças importantes dão medo…
Há riscos? Sim, há. Há obstáculos que parecem
intransponíveis? Sim, claro que há!
E onde vamos e iremos buscar força e coragem?
Não nas nossas racionalizações. Não na troca entre nós de
argumentos, por mais bonitos e límpidos que nos pareçam;
Por mais que nos entretenham, por mais que, por nós,
preencham os silêncios incómodos da nossa timidez.
Sim na troca de olhares e sorrisos com carinho. Sim nos
abraços fortes, macios e demorados, e nas carícias, nos
beijos, na junção e fusão dos nossos quentinhos quando gela
lá fora…
E vendo-nos lado-a-lado ao pequeno-almoço, e ao pôr-do-
sol na praia - numa nossa praia, se tu deixares -, e em todos
os cenários e mundos que queiramos juntos abarcar; E de
mãos dadas e de rosto firme e peito feito expostos ao vento e
à chuva, e felizes.
E felizes rodeados e aconchegados por todas as nossas
magníficas crias. Já o merecemos.
E desejar e esperar que seja para sempre tal como se
sente o que é desde sempre… - não nos conceber fim.
Temos o tempo que for preciso. Vamos os dois achar a
nossa linda praia? Ela lá está… Eu sei.

Atalhos
Com este já decorrido meu tempo de vida, a Felicidade é,
cada vez mais, momentos, e cada vez menos uma ideia, um
desejo ou uma ambição e, muito menos ainda, um projeto. E
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o caminho é – o tempo já escasseia! – o primeiro atalho que
me aparecer à mão. E depois o atalho seguinte, e o
seguinte…, de momento em momento. Que não me faltem os
atalhos e haja quem os queira fazer comigo!

Metálicas Exigências
Colocaste a fasquia muito alta, impuseste condições e
normas draconianas, rígidas e cegas, desprezando o que de
momento eu conseguiria, como se nada quisesses saber do
que me era materialmente possível. Quem tem amigos
assim, não precisa de inimigos, é costume dizer-se.
E, com frieza exasperante, puseste-te à distância,
aguardando não sei bem o quê. Nunca o soube. Nunca me
disseste o que sentias, o que pensavas, o que desejavas.
Sempre fugiste a assumires-te, a comprometeres-te. Quase
nunca - tão pouco! -, demonstraste confiança, transparência
e afeto. Exigiste que tudo acontecesse com se estivéssemos
há quinze ou vinte anos atrás…
Em nome de princípios abstratos, cuidaste em primeiro
lugar de que não te apontassem o dedo, de nunca te
poderem acusar de me teres “roubado”. Que indignidade! Um
ultraje. Como se eu fosse propriedade de alguém, como se
não me coubesse, e não a ti, decidir sobre o quê, quando e
como quanto a outros. Como se fosse reprovável da minha
parte procurar zelar pelos meus interesses de modo a, de
facto, me subtrair às dependências que não desejo, com os
meios que as circunstâncias me permitam. Colocaste-me
sempre atrás de outros que mal conheces, com base em
ideias gerais – arquétipos - sobre eles, desvalorizando-me
enquanto indivíduo concreto que foste conhecendo melhor.
Que exaspero! Colocaste-me friamente em último lugar.
Cheguei a sorrir para dentro entretendo-me com a ideia de
que gostarias de propor, a título de pedido de autorização, a
quem supostamente me detém, um contrato de cedência de

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direitos sobre o meu usufruto. Ou uma qualquer autorização
escrita, assinada, sempre que eu desejasse estar na tua
presença. Enfim… Muitas vezes desesperei porque outros,
sem que o soubessem, e por tua mão, determinavam as tuas
atitudes e comportamentos, logo a minha vida. Se isso voltar
a acontecer, quero que seja por decisão minha.
Se eu não te valho alguns sobressaltos teus, se não
mereço riscos e incertezas, enfim, alguma sensação de
descontrolo dos acontecimentos, então não tens para mim o
que é bom; Não tens para mim o que há de melhor na vida!
Enganei-me, mas cheguei a acreditar. Cheguei a pensar que
tínhamos uma causa nossa, que não era só minha. Cheguei
a entusiasmar-me porque tinha algo por que lutar, algo de
bom e transcendente, mas que só fazia sentido contigo.
Enganei-me. Vi-me sozinho, incompreendido, abandonado.
Restam-me um ou outro olhar e sorriso, e um só abraço…
Não quero continuar a perturbar – sim, perturbei, estou
certo - quem entende que eu não mereço esse incómodo e
se coloca a salvo longe, sem pontinha de ternura, repetindo o
mesmo comportamento de fingimento expectante, de
ocultação, pela enésima vez. É que nada de muito bom
acontece sem perturbação. E eu quero, só, o muito bom,
sejam quais forem as circunstâncias de partida. Umas, é
certo, mais fáceis e cómodas do que outras. Não somos nós
que as escolhemos quando nos acontece a surpresa e a
excitação da descoberta de um novo caminho.
E alguém disse que o caminho só se faz caminhando…
E também - ouve-me -, ninguém volta a “roubar” o que já
tinha “roubado”.
Tem uma boa vida. Beijo.

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