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Mutação

os céus desfalecem
em ruínas
as montanhas queimam
a quietude
a terra se abre
em plasma sereno
a explodir
a lama no orvalho
da juventude
choque insensato
eletrocussão
romper do estremecimento
nos ventos da semente
os caules se transpassam
em rizoma embevecido
no plantio do orvalho
noite em silêncio
um ruído!
o tempo vira
a tempestade habita
a escuridão das trevas
e a luminosidade do retorno
em eterno movimento
desfaz em mutação
caminho dançante
nas linhas dos contornos
em alvorecer do momento
sacrifício de oferenda
em mutantes escombros
metamorfose das cinzas
...em alimento
Retorno (Hexagrama 24)
Céu sem lua, estrelas em brilho, no alto o centauro - em sua lança o declínio - ataque
certeiro na barriga estanque cavalga pro norte em direção ao lobo-sangue, desfiladeiro.
O sul que a luz habita em cruzeiro reconhece alvorada; em direção contrária balança em
concateno - ações em graça e logo atrás embarcado o sereno em sua caminhada. As
velas apontam direção outra, as naus se afogam em rota e a grandiosidade benéfica na
terra ainda pousa. Que será do mandato? Os tambores soam em ruflo desmedido e
trovoam a canção do destino. A melodia os entoa a caminharem em caminho
caminhante pela passagem - estreito horizonte em desvelo de não comunicado o que
deveria em oposição se colocar em gelo – transmutação. A solidez das moedas embala
a noite em singelo requinte de suas voltas. Em jogo do acaso o encontro se faz em terna
re-volta - re-volução. Entrada e saída, “devolvam à dança a sua lida!”. E assim se dá em
noite adentrante a cavalgada. O centauro traça rota em elipse d’um canto a outro da
infinidade. Cruza e gira lança e direciona no centro do peito! O lobo se deita e deleita
em delicioso banquete desfeito; dá-se assim o jantar! A escuridão melódica dos pinçares
das notas se esvaem e, em último suspiro, o lobo se nota. Em expiro o centauro tende à
meia-lua de sua estocada a findar golpe no coração, na oração e no sacrifício em
oferenda de sua caçada. Escalpela a presa e lhe dança os pelos em oferecimento de seu
fogo na transmutação do passado, degola sua cabeça e, em rito fúnebre, entoa em
suspiro sua derrocada esparsa e assim está no destino o encontro fadado.
Ele lança as moedas, elas dançam em giro e se espalham ocas pelo solo. A terra já ouve
o estalo do fogo em oração do mandato a desvendar, o sul que o norte habita tece fogo
no subir das chamas, desvanecem sopros em fumaça cinza e tudo se apaga! A
luminosidade obscura da ausência da forma nua vem revogar as preces em chegada de
novo tempo – nova lua. Nas escápulas da presa prendem-se os desejos e desenham-se
os medos. O centauro em desfalecer de seu golpe vislumbra questão aos céus, aos
espíritos que aguardam a beleza da pergunta em sua sorte. Com a ponta de sua lança
rasga as escápulas e tece suas linhas, sua trajetória - reacende a fogueira, os tambores
em estalos disrítmicos ressoam o pulso em ventrículo no vazio da montanha. La no
vácuo incrédulo preenche em batidas as sinuosas entranhas. O canino se desmantela e
se entrega em oferecimento. Cada parte de sua partida se faz em desmonte de
esquartejo. Ele se desfaz, o centauro o entorna. Juntos evocam as odes de suas demoras.
Nessa infinidade toda em espera, os trovões anunciam os estrondos em chegada hora
no topo da montanha - dançante instante da reviravolta eterna. Jamais saberiam os
espíritos o que ali haviam feito. Jamais saberiam o que aconteceria e o que nunca mais
seria desfeito. O centauro se prepara, põe-se de joelhos na fronte e na traseira de seu
corpo. Crava lança no solo e conclama em estremecimento o auxílio desencarnado. No
ruflo dos tambores, na sincronia da dissonância de seus odores pútridos em pele que
ressoa estalar da noite, o lobo é tocado e toca desfalecido o sereno úmido. Nas gotículas
prateadas que tocam a relva no cume do precipício o canino é oferecido e de si são
tirados os dentes, um a um, de sua arcada. O centauro banha-se de seu sangue e o
perpassa em sua derme. Deixa que evapore o velho e adentre em seus póros sua verve.
Em espelho do horizonte o chamado da ursa! O maior dos desmontes está proclamado.
O silêncio lhe é constantemente revogado nos rugidos internos de seu coração, de seu
fígado, de todos os órgãos do lobo que são retirados. Assim, postos no altar da terra e
na secura do outono, retira-se em sua prece no adentramento de seu contorno:
“Aqui d’onde me tens
Alvorada da noite divina
Me coloco diante a ti
Em experiência sublime
Me retorno e me desfaço
Me encontro e me escancaro
Em minha derme o sangue
Que me trará de volta a água
Que em sede conclamo
Que me derrame
Em eterna - inefável
E reluzente cruzada”
Em sua oração o suspiro dos montes, a terra respira, evaporam as gotículas prateadas
da relva e o retorno aos céus lhe inspira. Ele abre sua boca e se deixa entoar da melodia
no canto mudo em direção ao alto. Os espíritos estão prontos! Eles aguardam a grande
oferenda, em oferecimento de si. A dança é preparada. A terra é semeada e as vísceras
do lobo são postas em círculo. O restante do sangue é derramado ao centro. A escuridão
dos poucos brilhos em estrelas que se abrem remonta o cenário da estiagem. Em partes,
o corpo do lobo já se encontra partido. Sua cabeça é posta na ponta da lança ao lado do
centauro. Ele junta algumas pedras e desenha com elas sua mandala de evocação. Nas
escápulas inscritas, o fogo ungido no sangue, ao centro se desfaz em brasa. O centauro
em não desistência do deságue reclama folhas úmidas e gravetos e troncos sólidos e no
gelo da noite evoca a força das árvores. E o fogo estala em explosão e sobe em altura
sem dimensão, traça labaredas de desenhos infindáveis e na dança iluminada reaquece
o altar. Novo estrondo se faz, os trovões o chamam! O centauro se ajoelha novamente
e coloca-se defronte ao seu destino sem volta. No fogo a água lhe espreita e a umidade
da noite em orvalho sereno lhe vem admirar a silhueta em sombra - rarefeita. Vê a si
mesmo como lobo em oferta. E vê-se misturado no sangue dos seus o seu corpo todo
animal-gente em caverna. Recolhe-se em nova prece e estende suas mãos em
movimentos e se despe, retira em si mesmo os pelos e desnuda sua máscara em direção
ao fogo que tece. Tece tecido em véu de noite escura, obscurece suas sombras em terna
queimadura. Deixa-se dançar com o fogo e em seu movimento a si mesmo se recruta:
“É dado o momento
Onde meu todo me aquece
Me encontro posto à mesa
E me ofereço para que seja
Dado o mandato!
Que seja dito do caminho
O caminho que me despe
Deixo-me em resposta
Ao que os céus venham dizer
Me entrego todo em joelhos
E me ponho em ti
Ó grandioso universo
Em teu desfalecer
Aguardo...”
A terra se abre, o chão em terremoto estremece. As glândulas sudoríparas da terra se
aquecem e se evaporam, enaltecem! No tecido trançado entre a dança e o canto dos
tambores em ressonância divina trinam o bailado. Tudo desmorona bem a sua frente e
um precipício se liquefaz. A montanha em lama se movimenta e se desmantela e se
desorienta e no sul que o sol acalenta, o norte em caçada se compraz. Em estrondos
trovões e incessantes rajadas de vento as sementes de um lado a outro semeiam a noite
em seu contento. O centauro abaixa sua cabeça, recebe a unção do fogo eterno e deixa
que o raio de cima do cruzeiro aponte seu norte em regresso. O caminho tecido pela
trovoada, o relâmpago ungido no sangue da revoada das folhas traz a rachadura no osso
das escápulas. As moedas caem de suas mãos, o fogo ateia sem direção em todas as
direções e no caos da gritaria toda muda em recrudescimento o alto da montanha onde
se encontra o centauro se desfaz e ele traça contorno em lança no pico do altar. A terra
se abre e se inflama e se queima toda em desenho único, tudo a sua volta é encosta de
entranha que conclama sua descida e pede que se livre. Liberação, incêndio! Unção da
nova ode do alvorecer. A rachadura dos ossos logo lhe mostra o silêncio a sua volta e
novamente a calmaria dos céus do anoitecer. A noite se abre, as estrelas lançam nova
empreitada, os brilhos todos deságuam a trançar rio em via láctea - seu rastro pela
folhagem. As gotículas prateadas de pouco em pouco vem saudar o fogo. Nas
rachaduras se pode ver um disforme contorno. O caminho se abre, “é favorável
atravessar o grande rio”. E assim o centauro observa no horizonte a ursa e defronte de
seu olhar se entrega ao fogo em reclusa:
“Sou teu
Sou chama tua
Sou teu canto
Me entrego, me desnuda
Me escalpela a epiderme
E me queima em teu calor
Calenta minha alma
E me desfaz em teu estupor
Me toma em oferenda
E me oferece em dança
Me lanço aos céus
E me descanso
Na entrada do véu
Nessa noite
Sem volta em minha lança.”
Ele direciona a ponta prateada de sua lança estocada da cabeça do lobo em direção ao
grande fogo e lhe pede as bênçãos do sacrifício de sua presa em seu rito fúnebre de
retorno. Atira a lança ao precipício e coloca suas mãos por entre o fogo a queimar os
dedos sem se deixar resquício. O fogo lhe toma os braços e aos poucos as juntas e as
vértebras se contorcem. Os pelos todos em labaredas estalam em pulso junto aos
tambores. Os trovões novamente começam a soar e o céu se fecha em nuvens cinzentas
para o retorno. Do alto do intenso movimento descem os espíritos e se põe a dançar em
rito sacrifício! A dança é tenaz e é trançada em movimentos enérgicos. Os raios e
relâmpagos cintilam os tambores e ressoam o couro a estalar do fogo em consumação
dos montes. A montanha começa a mexer, suas curvas começam a entortar e
novamente o movimento todo na dança dos espíritos se desfalecem a rogar:
“Que venha a terra
Que venha ao altar
Venham bendizer
As preces eternas
Do eterno calar
Emudeçam as vestes
Deste ser noturno
E o façam em fogo
Em chama que conclama
A evocação de suas preces
No sombrio
De seu espírito obscuro”
E a terra se pôs a cantar e em dança se desfez de montanha. Fez-se toda tomada em
fogo e ardeu-se em chamas na madeira a queimar. Os ventos traçaram cone em tornado
para revoar a debandada dos espíritos. Os dançantes em volta do centauro e do lobo
apontaram o seu destino. Aos céus iria subir, em água desfalecer. No eterno retorno da
mutação, um novo início viria florescer. E fez-se a chuva! Gotas em gotas no orvalho do
sereno noturno caíram-se em estrelas no cintilo brilho do céu obscuro. A escuridão
reinou e só se viam os reflexos dos riscos da chuva. Gota a gota a banhar o fogo da
montanha e acalentar em eterna candura. O tempo em si já era inefável e seu
movimento virá a ser o que outrora feito no dito do que era a sua entrada em desfecho
notável. Os céus se abriram e desabaram os mundos! A imensa negritude do giro dos
ventos pôs os espíritos a evocarem debandada. Eles atearam fogo no resto da carne do
centauro e o colocaram em desmonte para que se molhasse. Em cada gota que se dirigia
à montanha consumida em chamas, um pedaço do centauro em espírito era recomposto
em sua morada. Da solidez das moedas em sorte seu corpo novamente era traçado. Em
véu evaporado da noite, o vapor das brumas lhe subia e lhe retornava em carruagem.
Os dançantes lhe acompanharam durante toda a cavalgada em velhos cavalos com suas
patas prateadas. O brilho dos rutilos em bordoadas trepidava em ritmo a caminhada.
Intemporais os tempos que sucederam até sua chegada aos céus. O centauro em gotas
se desfez e em nuvens desanuviou seus véus. Não era mais nada. Não podia ser. Mas
era chuva, era sua própria alvorada em seu sacrifício de lhe querer. Em si se queria
banhar, em seu céu queria esconder, queria para si o todo em suas partes molhar pra
poder ver novo dia em reflorescimento acontecer.
Emaranhado (Hexagrama 25)
O tecido de vapor, em cada gotícula que se espatifa no desfazer-se em fogo, anuncia
nova partícula e instante particular no mandato. A água eletrifica a atmosfera e prepara
o caminho em direção à carruagem. Cada retículo de prata adentra a noite em direção
ao desconhecido. A montanha em florescer de incêndio eleva-se em fumaça a realizar o
chamado. O choque separa! Eletrocussão do explosivo galope! O cavalo velho debanda
em revoada e tece trajetória em risco luminoso aos céus pelo rio fantasma. Os dias que
se seguiram de sua partida são as reticências em descabimento de toda uma vida. Cada
víscera do lobo entregue e cada partida do centauro em esquartejo liberam a entrada
em abertura dos céus. La no alto, os espíritos dançantes recebem a carruagem em
chegada úmida e quente de triunfo. As brumas entoam em leveza densidade a planagem
acinzentada. As nuvens se contorcem e retorcem e em comunhão solidificam cada gota
do centauro que em espírito adentra sua morada. Em seu brilho a cintilar em reflexo no
gelo, vê-se as explosões vindas do interior da terra. Em sua rachadura e consumação da
montanha em fogo, o plasma de seu interior escoa e é cuspido derme afora do seio dos
poços artesianos em difusa pirofagia. Em cada cristal de gelo a se formar o centauro se
parte e se vê desencontrado, espalha-se a si mesmo diante dos céus e vê em nuvens as
suas folhagens. O fogo que guarda em seu vapor solidifica o caminho em direção à
semeadura. Os ventos em rebentos cônicos desfazem furacões e alimentam os montes
- a terra e a lama que ficaram para trás. O sopro, logo em si, se refaz e, de sua suavidade,
os lampejos intrínsecos da semente em casca a se abrir.
No mais que ascende, dada a infinidade celeste, é lançada a semente. O retorno do
silêncio. Não se ouve nada no gélido cenário dos céus em tempestade. A chuva cai e
banha toda a quentura da estiagem. Torrente exímia de banho descomunal, lavagem a
sangue em vermelho-rubi, riscos que atravessam e rasgam a atmosfera em queda ao ar
livre. À medida em que as nuvens se desfazem em cinzento ruflar dos tremores os pulsos
do couro em oferenda emudecem os disrítmicos toques dos tambores. Tudo ecoa, no
interior de cada gota, no reflexo reluzente de cada risco d’água. Na terra, o plasma
cristaliza e banhado em chuva se clareia. Em cada resvalar o vento molhado dilapida sua
forma dando brilho em caminho demarcado nos cristais que semeia. Os ventos acalmam
e do interior da terra apontam os brotos - os caules do reflorescimento. Despem-se em
alvorada as dermes da terra e se abrem para deixarem-se esvair em secura de outono
na lua em crescimento. Dos céus os espíritos dançantes regam em benfazejo fertilizante
os poros que ligam o ventre à atmosfera. De pouco em pouco a teia em rizomas abaixo
da terra passa a se mover e costura novo tecido em recebimento das bênçãos dos céus.
O tremor interno agita o plasma e o coagula, estancando, mas deixando fluir nas veias
os afluentes de calor a calentarem o pulso dos lençóis freáticos. Em todo canto onde
chega em aquecimento, de dentro para fora, a terra sua e transpira em recebimento do
alimento aquoso. Instante deleite do sabor da lama, do barro em argila que conclama:
“Molda em mim
O instante desfalecer
Em perene gotejar
Me unge em sangue
E me aquece em brumas
Me satisfaz na verve
De massa em desatino
Do seio em que me banha
E me alimenta a modelar
A abertura em lama
Disforme e barrenta
Que em mãos cristalinas
Moldam meus relevos
E me esquentam
Na relva noturna
Em crescente luar”
E, uma a uma, as raízes em elos trançados brotam do interior da terra e banhadas no
barro passam a tecer fio de seda em cada resvalo do bambu em movimento suave a
moldar a cerâmica noite. As veias pulsam, o núcleo em plasma inspira enxofre e o
converte em combustão no nascer do suspiro. O gás em decomposição transmuta em
contato com o plasma – fogo em líquido na dissolução dos miasmas. Acalentando em
subterrâneo encontro de rizomas, a teia cresce e fortalece. As formas moldadas pelos
caules em dança no barro são aquecidas pelas correntes plasmáticas. O cruzeiro aponta
o destino em austral norte luminoso. O sul da montanha prepara alvorada - apenas
espera reluzir o caminho. E assim os espíritos dançantes descem do alto dos céus em
gotas desfeitas, em luar de seus véus arrastam consigo toda a leveza do salto, pegam-se
em queda a esvaírem em galope rarefeito e pisam a terra na receptividade de sua
maciez. Em meio à dança dos bambus na gélida noite chuvosa, o frio da atmosfera os
entoa em embalo a caminharem pela terra. O arado é firme e objetivo. A força dos céus
no badalar do pulso em ritmo – a disritmia disforme assume, aos poucos, um galope no
próprio desfazer do centauro celeste. Sua cavalgada remonta ritmo ao arado e comunga
pulso com a criação. A chuva diminui, os riscos em coloração rubi se afastam em
umedecimento do barro. Está dado o ponto! Os espíritos dançantes conclamam:
“Em arado de semeadura
Em semente que calenta
Na força em sua potência
Na quebra em sua candura
Germine, regue-se das lágrimas
Em cristais do céu em sangue
E em fértil florescer
Tece raio de bambu afora
Em germe de coágulo estanque
Trace rota em direção aos céus
Cresce forte em novo broto
Ilumina os caminhos teus
De todos no contorno
A respirarem em alimento
O que outrora se fez morto”
E em troca gasosa o ambiente se refaz, os espíritos fazem de toda a terra nova oferenda
em seu altar e derramam em si as bênçãos das sementes que conclamam, abraçam-nas
em sopro de vento a se espalharem e serem levadas para todo canto. Em movimento
harmônico o tempo, ainda inefável, paira por todo lugar. O silêncio dos céus medita a
caminhada dos espíritos em retorno e os recebem novamente em subida no vapor das
águas. As sementes foram plantadas e os relevos em formas disformes dão os tons das
curvas na velha planície dos arredores. A relva seca do outono decompõe em
umedecimento e as primeiras larvas em vida de matéria orgânica já se alimentam. É
orquestrado todo o enrosco das raízes no trabalho árduo do tecido em planícies a
nascerem chapadas, montes e pântanos em lama encharcada. A chuva transmuta garoa
e, em orvalho constante, entoa o cântico a irrigar as veias em quentura interna na gélida
noite do ambiente. O canto em contraponto com as batidas dos bambus cresce em ritmo
na madrugada do crescimento que os conduz.
Nos céus os dançantes torcem as nuvens e trazem da terra o pisar de sua estrutura.
Pequenas gotículas de gelo pairam flutuantes entre a subida e a descida em líquido para
banharem-se em queda. Os dançantes percutem sua densidade cristalina e produzem
ressonância em vibração no brilho de suas retinas. As írises em seus interiores gotejam
em desfalecimento de efeméride. “O que gelo outrora fora em água ressonante terá
sido, mas aonde estiver outro tempo, no intemporal se nascerá”. E o temporal reluzente
no interior de cada gota em cintilo de solidez reflete a imensidão do centauro em sua
morte. Tudo se desfaz, o eterno retorno ascende aos céus e em explosão o corpo outrora
sólido em vapor liquefaz. O centauro-lobo em nuvens se torce, se expande e toma os
céus no esconder das estrelas. Incessante deglutir de larvas a estancarem sua derme, o
vapor inebria sua verve em movimento poroso e se esquarteja em gotas parte a parte
de seu corpo, seus órgãos, suas vísceras. As moléculas de sua partida e as partículas em
sua divisa fazem-no sentir-se inteiro. Não há mais nada! Intemporal partir-se em
revoada. O céu é todo tomado de um cromatismo em prata e relâmpagos acendem as
luzes em meio a escuridão. O centauro sente cada poeira de sua epiderme e sua carne
em desfalecimento a serem corroídas no ácido em larval deglutição. É o aspecto
primário, a larva em alimento se nutre e consome força na transmutação do velho.
Prepara sua couraça em semente para quebrar-se e em movimento liberto da casca
poderá assim renascer. As gotas em gelo despem-se em brilho prateado e as larvas
decompõe sua cor em negritude da noite a retornar. O cântico em tom gutural
transcende a aguda dor do centauro e em cada partida em retorno descaminhado, seu
caminho se faz em nuvens a tornar-se um todo, não mais que nada em sua viagem. O
rio fantasma agita suas águas e prepara em dança os espíritos para a passagem. As
preces ressoam no grave das vozes e esvaem em vapor o seu canto rouco em meio aos
relâmpagos:
“O uníssono
Soa em silêncio
O respiro do ar
Em alvéolos celestes
Desfaz o momento
Instante único
Embalo dançante
D’onde os pés
Em percussão acolchoada
Pisam o ritmo
Em liso piso d’alvorada
No gelo dos afetos
No líquido rarefeito
Em flutuantes
Desembaraços de seu corpo
Em descaminho estreito”
O centauro adentra em si e no fundo que a escuridão o toca ele torna em larva a deixar-
se ir, em eterno desfazer-se em mar. As águas dos céus agitam a descida do rio fantasma
em direção à semente em gota dura que a si se guarda em casca. O anúncio feito em
dança e cântico de preparo conclama a terra para oferecer seu estrondo. Um último
suspiro! O início do final, o fim em retiro por onde a lança do centauro em explosão se
fará atender sua nau. A embarcação prepara suas velas e o aquecimento das veias em
pulsante aquecimento da terra preparam o altar. A lança atirada precipício abaixo pelo
centauro ainda resguarda o restante da fumaça dos fantasmas d’outros tempos e a
cabeça do lobo em carvão estancada na ponta em prata desfaz na chuva em cinzas e
recolhem-na em retorno à terra. A embarcação já está preparada e no tecido grave das
vozes em uníssono é traçado vazio em via láctea, união em rio entre a terra em lama e
o céu em prata. No escorrer das cinzas a ponta da lança aponta novo brilho e ilumina o
farol na fronte da embarcação. Em direção aos céus está pronta em espera do
estremecer da abertura para a partida. Internamente os afluentes em plasma se agitam,
as placas tectônicas se esfriam e no choque térmico a explosão. A embarcação é
arremessada em expurgo na obscuridade noturna e o caminho em vácuo é traçado num
raio em subida no mais rápido do fogo em água no cântico em escuta. Das profundezas
em rio vulcânico o sangue ungido em fragmentos do centauro é expelido em seu
retorno. Na terra, os bambus trançam mandala na revolução em torno da cratera. A
força da lama em respingo inflama a cauda da embarcação que em vertiginosa trajetória
desfere golpe em recepção dos relâmpagos noturnos. Antecipando o último suspiro o
centauro em dissolução decanta seus últimos brios:
“Desfaleço em honra
Do não-ser que fui
Agora em meu caminho
Embarco em onda
Na passagem ruina
Golpe em prata
No desmanche em desatino”
Em resposta os céus desferem trovão e o navio se despedaça em poeira. A lança é
arremessada contra o centauro e recrudesce seu desmanche em nuvens no gelo. O
último relâmpago orquestra o findar das vozes em prece do ocaso. A luz em lava no
interior da terra cessa em bambu na obstrução de sua fenda. Os bambus retomam sua
dança em renascimento no embalo e os céus, em continuidade de orvalho, anuviam a
noite em silêncio do ocaso. A semente está plantada. Em seu interior o reflexo do
mandato em nova gota nos céus da alvorada.

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