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A
dealing with the body not making a dualistic mind/body I/
world. According to Merleau-Ponty the article explains that noção de corpo no âmbito da filosofia e
it is through experience that the author seeks to escape the
mind-body dualism as established in our Western culture. das ciências da cognição, com Maurice
Then, we present the body concept, understood as the living
body, what differentiates the objects of science. In part, the
Merleau-Ponty e Francisco Varela. Buscamos
mind/body problem will be resumed from the perspective com esta investigação construir ferramentas
of the Chilean biologist Francisco Varela, emphasizing that
it is the Cartesian position taken that excludes the body of para afirmar a importância do aspecto corporal
the study of cognition. We develope the concept of presente na constituição de subjetividades, entendidas
body, which involves the design of the embodied mind, and
not an abstract mind. como configurações processuais, singulares
Keywords: Body. Phenomenology. Experience. Merleau-
Ponty, Maurice. Varela, Francisco. e coletivas. Trata-se de uma perspectiva que
busca fortalecer pesquisas e práticas que lidam
com o corpo numa tomada não dualista mente-
corpo, eu-mundo.
A primeira parte deste trabalho será dedica-
da ao filósofo francês Maurice Merleau-Ponty.
Neste estudo partimos explicitando que é pela
via da experiência que o autor procura fugir do
dualismo mente-corpo tão instituído em nos-
sa cultura ocidental. Em seguida tratar-se-á de
apresentar o seu conceito de corpo próprio, en-
tendido como o corpo vivido, o que o diferen-
POZZANA DE BARROS, Laura. Um Estudo Teórico Sobre a cia dos objetos da ciência. Na segunda parte,
Noção de Corpo: articulações com Merleau-Ponty e Francisco o problema mente-corpo será retomado a par-
Varela. Informática na Educação: teoria & prática, Porto Ale-
gre, v. 12, n. 2, p. 70-81, jul./dez. 2009. tir da perspectiva do biólogo chileno Francisco
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INFORMÁTICA NA EDUCAÇÃO: teoria & prática Porto Alegre, v.12, n.2, jul./dez. 2009. ISSN digital 1982-1654
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Varela, ressaltando que é a tomada de posi- este trabalho. Coordenadas estas que, por per-
ção cartesiana que exclui o corpo do estudo da tencerem a um mesmo plano – o plano da vida
cognição. Seguindo o pensamento de Varela, –, são muitas vezes sobrepostas e certamente
através do campo das ciências cognitivas, de- inseparáveis: uma diz respeito à questão men-
senvolveremos o conceito de corpo presente, te-corpo, que abordaremos através da noção
que implica uma concepção da mente corpo- de corpo próprio; a segunda refere-se à ques-
rificada, e não considerada abstratamente. No tão corpo-mundo, que será abordada como ex-
limite, pode-se dizer, de acordo com Francisco periência vivida. É importante ressaltar que é
Varela, que o que move este trabalho é a cren- pela via do entre-dois que Merleau-Ponty nos
ça de que “a dissociação entre mente e corpo, abre algumas frestas para escaparmos do pen-
entre experiência e consciência, é o resultado samento dualista.
do hábito e que os hábitos podem ser rompi- Criticando e dialogando com a filosofia de
dos” (VARELA, 1992, p. 50). Descartes e com a psicologia que daí brota,
Merleau-Ponty (1999, p. 9) afirma que “o Cogi-
2 Com Merleau-Ponty to não define a existência do sujeito pelo pen-
samento de existir que ele tem, não converte a
2. 1 Algumas Considerações Acerca certeza do mundo em certeza do pensamento
da Noção de Corpo do mundo e, enfim, não substitui o próprio mun-
do pela significação mundo”. O Cogito enraíza
A obra de Maurice Merleau-Ponty é de gran- o sujeito no mundo, o ato de pensar revela um
de contribuição na abertura deste estudo pois, “ser no mundo” (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 9).
assim como comentou Antonio Gomes Penna Merleau-Ponty volta-se para as coisas mesmas,
(1997, p. 145), o livro Fenomenologia da Per- para um mundo anterior ao conhecimento e à
cepção “[ . . . ] representa um marco extrema- análise que podemos ter dele. O conhecimento
mente significativo na história centrada na pro- conceitual, científico, categorizado pela lingua-
blemática das relações entre corpo e mente”. gem e pela representação, não tem lugar em
Penna refere-se aos seis capítulos dedicados sua obra como algo pré-existente. Propõe “[ . .
nesta obra à temática do corpo como “[ . . . ] o . ] um retorno a um mundo anterior à reflexão,
que de mais inovador se produziu em relação a a volta ao irrefletido, ao mundo vivido, sobre o
esse grande problema, com vinte e quatro sé- qual o universo da ciência é construído” (CAR-
culos de história e, em especial, com os últimos MO; COELHO JR., 1991, p. 45).
quatro séculos desencadeados pela concepção Para Merleau-Ponty o corpo é abertura ao
cartesiana que domina o pensamento ocidental mundo e um centro de ação. “O homem está
[ . . . ]” (PENNA, 1997, p. 145). no mundo, é no mundo que ele se conhece”
Busca-se com Merleau-Ponty uma possível (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 6). E é a partir
reconciliação mente-corpo, visto que o autor desta inserção no mundo que, diferentemente
percorre a via do meio, da experiência, esca- da concepção da psicologia clássica, a percep-
pando do pensamento dualista. Para Francisco ção será entendida como uma disposição ativa,
Varela (1992), Merleau-Ponty reconhece que “[ . . . ] o fundo sobre o qual todos os atos se
estamos em um mundo que, ao mesmo tem- destacam [ . . . ]” (MERLEAU-PONTY, 1999, p.
po que parece nos anteceder e ter existência 6), sendo ela, pressuposta por estes atos. “O
independente, é inseparável de nós, e neste mundo é aquilo que nós percebemos [ . . . ]
espaço, nesta abertura entre o eu e o mun- e assim, [ . . . ] estamos na verdade [ . . . ]”
do, entre o interno e o externo, inaugura um (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 14). Não há, as-
pensamento que percorre o entre-dois. Nesta sim, uma categorização de erro no ato, ou na
concepção, o corpo será fonte de toda experi- percepção, não podemos classificar uma atua-
ência possível, tendo o papel fundamental na ção como desviante ou desadaptada.
constituição de si e do mundo. Um mundo que, Há em Merleau-Ponty, como herança da
segundo Merleau-Ponty (1999, p. 14), “é não Fenomenologia de Husserl, uma via de enten-
aquilo que eu penso, mas aquilo que eu vivo; dimento do fenômeno perceptivo que não se
eu estou aberto ao mundo, comunico-me indu- explica nem pelo fisicalismo, nem pelo psicolo-
bitavelmente com ele, mas não o possuo, ele é gismo. O campo fenomenal, definido pela apa-
inesgotável”. rição dos fenômenos, distingue-se do resultado
Duas coordenadas principais atravessam de uma análise objetivante e de algo que seria
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nunca se ausentaria. Se o objeto, a princípio, é esboça um tipo de reflexão, e bastaria isso para
definido pela sua estrutura invariável, é preci- distingui-lo dos objetos [ . . . ]” (MERLEAU-
so que sua ausência seja possível para validar PONTY, 1999, p. 137). Podemos entender aqui
sua existência. Pois, “de outra maneira ele se- que essa reflexão não é sobre nada, não se tra-
ria verdadeiro como idéia e não presente como ta de uma reflexão intelectual onde objetos e
uma coisa” (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 133). O conceitos são articulados. Entendemos que a
meu corpo, para falar do corpo próprio, sou eu, reflexão exercida pelo corpo, pode ser descrita
está sempre comigo no limite do mundo que como uma atividade de conhecimento onde o
percebo, por isso não posso observá-lo à dis- corpo se relaciona simultaneamente consigo e
tância, como a um objeto exterior. Antes de po- com o mundo – fato que não ocorre em obje-
der percebê-lo, meu corpo é condição para que tos. Ao tocar e ser tocada, uma parte do corpo
eu, simplesmente, perceba. A ação que meu segue uma atividade, antes de saber nomeá-
corpo realiza incorpora todos os instrumentos e la ou conhecê-la. É através da ação, do fazer
gestos que executa, como acontece por exem- algo, que um fragmento do corpo exercerá uma
plo com um cego e sua bengala. Com o hábito atividade x ou y, ativa ou passiva. E, mais uma
e algumas necessidades físicas, a bengala pas- vez, é importante lembrar que de acordo com
sa a fazer parte da estrutura original do corpo Merleau-Ponty (1999) não podemos nos referir
do cego. O corpo próprio, e não o corpo dado ao corpo como um conjunto de objetos discre-
biologicamente, “[ . . . ] é o habito primordial, tos. Podemos descrevê-lo segundo articulações
aquele que condiciona todos os outros e pelo ou dobras, mas tais demarcações serão sempre
qual eles se compreendem” (MERLEAU-PONTY, precárias e exteriores em relação à complexa
1999, p. 134). Como é para Merleau-Ponty o função que exerce. De certa forma, antes de
fato de ser impensável a ausência ou a varia- fazermos determinadas delimitações, devemos
ção do corpo próprio? Esse corpo não é definido ressaltar que elas estão, antes de mais nada,
somente por poder ser visto ou tocado, esse inseridas em uma ação, fazem parte de uma
corpo não pode ser objeto porque é ele que atividade que as engloba e as define.
possibilita que os outros objetos existam, ele E mais, o corpo próprio é afetivo, diferen-
está sempre presente. Como coloca o autor, a temente dos objetos externos, ele é sentido
permanência do mundo só pode ser explicada intimamente, não podemos falar de uma dor
pela permanência do meu corpo, como se fala de um objeto sobre a mesa, a
dor em um pé, por exemplo, não se refere
A permanência do corpo próprio, se a psicologia clás-
sica a tivesse analisado, podia conduzi-la ao corpo não
ao pensamento de que meu pé está causan-
mais como objeto do mundo, mas como meio de nossa do dor em mim, mas sim, que a dor vem do
comunicação com ele, ao mundo não mais como soma
de objetos determinados, mas como horizonte latente meu pé, ou meu pé tem dor. No limite, falar
de nossa experiência, presente sem cessar, ele também, sobre o corpo ou pelo corpo é sempre diferente
antes de todo pensamento determinante” (MERLEAU-
PONTY, 1999, p. 136-137). da experiência do próprio corpo. A linguagem,
como se sabe, é capaz de criar, poeticamen-
Seguindo na exploração que a psicologia fez te ou não, mundos e acontecimentos infinitos,
do corpo, Merleau-Ponty (1999) explicita, mais enquanto no corpo, afetivamente considerado,
uma vez, que esse corpo não pode ser objeto acontecem movimentos muito específicos e
porque ele não faz sempre uma distinção de referenciados, mesmo que não nomeados. An-
causalidades, não distingue a princípio o ativo tes de podermos dizer que estamos tristes ou
e o passivo. Quando, por exemplo, duas mãos emocionados, muitas vezes chora-se. E mais,
se tocam, não podemos dizer que a esquerda chora-se muitas vezes sem a mínima certeza
toca e a direita é tocada, ou que ambas tocam e das possíveis causas. Por estar e ser no mun-
são tocadas como dois objetos sobrepostos. O do enquanto um corpo que se orienta através
corpo próprio nos dá duas sensações contem- do viver, o corpo próprio é fundamentalmente
poraneamente, ambiguamente. Não podemos afetivo. É por isso que independente dos con-
discernir, como queria a psicologia clássica, ceitos e da capacidade de abstração, um corpo
que uma mão que toca em seguida será tocada pode viver e criar diferentes formas de vida.
como dois objetos colocados em série no espa- Quando buscamos saber o que é o corpo pró-
ço. Cito: “O corpo surpreende-se a si mesmo prio, é preciso não esquecer e mesmo ressaltar
do exterior prestes a exercer uma função de que, se aqui o tratamos conceitualmente, ele
conhecimento, ele tenta tocar-se tocando, ele só pode sê-lo, enquanto situado em um mun-
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a nós, ele é inseparável da estrutura que nos Franz Brentano. A consciência definia-se pela
permite conhecê-lo. direção que apresentava, isto é, pela intencio-
Mais adiante, neste mesmo livro, seguindo nalidade, pelo fato de ser sempre consciência
Richard Bernstein, Varela (1992) traz à cena o de algo. Husserl, aluno de Brentano, procurou
termo angústia cartesiana para referir-se ao di- desenvolver um procedimento específico para
lema que é estar entre o conhecimento que par- examinar a estrutura da intencionalidade, con-
te de fundamentos fixos e estáveis, e o conhe- siderada a estrutura da própria experiência.
cimento que pressupõe a ausência destes. Este Para isto, propôs o método de redução que
último é geralmente vivido como obscuridade, consistia em colocar entre parênteses, colocar
caos, confusão e falta de base. Em suas pala- de lado, os juízos comuns da relação com o
vras, “esta sensação de angústia nasce do afã mundo. A atitude comum foi chamada de ati-
por um fundamento absoluto” (VARELA, 1992, tude natural, aquela geralmente denominada
p. 169) e “quando partimos em busca de outros de realismo ingênuo. Husserl tentava reduzir
modos de pensamento, a angústia cartesiana a experiência às estruturas essenciais, susten-
nos persegue a cada passo” (VARELA, 1992, p. tando a idéia de que a cognição não pode ser
170). Para Varela, a falta de fundamento com a compreendida se tomamos o mundo ingenua-
qual a experiência humana se defronta no cur- mente, pois é preciso considerar que o mundo
so do viver, revela a cognição inserida no senso leva a marca de nossas estruturas. Advertia em
comum, pois a cognição, através dos atos que seguida que “[ . . . ] essa estrutura era algo
executa, é modelada e abre espaços em um que ele estava conhecendo com sua própria
mundo que não é fixo nem pré-determinado. mente” (VARELA, 1992, p. 40).
O senso comum neste caso não é um conheci- Para Varela (1992), o problema presente na
mento marcado pelo erro e pela ilusão. Como formulação husserliana é que ali ele sustenta-
pontua Virgínia Kastrup (2001, p. 154), “é um va estar dirigindo a filosofia para um enfrenta-
saber-fazer corporificado, que encontra raízes mento direto com a experiência, porém ignora-
na experiência individual, na tradição biológi- va o aspecto consensual e o aspecto corpóreo
ca e histórica [ . . .] , ou melhor, [ . . . ] é um direto da experiência. Husserl direcionava-se à
plano de sentido corporal e coletivo [ . . . ]” experiência e às coisas mesmas de forma me-
(KASTRUP, 2001, p. 154). Daí entendemos me- ramente teórica, carecendo totalmente de uma
lhor a possibilidade de Varela (1992, p. 173) dimensão pragmática. Por tal motivo não pôde
poder afirmar que “a maior aptidão da cogni- superar a distância entre ciência e experiência,
ção humana é a capacidade de expor, dentro posto que a ciência, ao contrário da reflexão fe-
de amplas restrições, os problemas relevantes nomenológica, transcende à teoria. Assim, para
que se deve encarar a cada momento”. Tais, Varela (1992), a obra de Husserl se insere, cla-
problemas só podem ser enunciados e criados ramente, na tradição da filosofia ocidental.
a partir do sentido comum, a partir da experi- Varela (1992) valoriza mais o trabalho de
ência corporificada e compartilhada. Merleau-Ponty do que aquele de Husserl. Ex-
Logo, podemos notar que no intuito de dis- plicita que Heidegger, com a fenomenologia da
cutir o que pode ser a experiência humana, existência, e Merleau-Ponty, com a fenomeno-
Francisco Varela (1992) aponta Merleau-Ponty logia da experiência vivida, incluem o contexto
como um pensador fundamental em nossa tra- pragmático e corpóreo da experiência humana,
dição ocidental, porque parece ser um dos úni- porém ainda pecam quando o fazem de modo
cos voltados para uma exploração entre a ciên- puramente teórico (VARELA, 1992).
cia e a experiência (o fundamental entre-dois), Para Varela, Merleau-Ponty procura apreen-
ou melhor, entre a experiência e o mundo. der nossa experiência não reflexiva, imediata,
Merleau-Ponty baseia seu trabalho em Ed- admitindo que qualquer teorização será sem-
mund Husserl, filósofo alemão que inaugura a pre post factum, um discurso sobre a experi-
fenomenologia ao fazer um exame radical da ência que perde, necessariamente, a riqueza
experiência. Desde Descartes, a mente era vis- do viver. Merleau-Ponty critica a ciência e a
ta como consciência subjetiva que deveria con- fenomenologia no que tange a operação mera-
ter idéias claras e distintas, correspondentes ou mente conceitual sobre o indivíduo e o mundo,
não ao mundo. Essa era uma visão representa- e afirma que precisamos de um novo método.
cional da mente em sua relação com o mundo, Buscando romper com o pensamento dominan-
que culminaria na noção de intencionalidade de te do início da década de 80, como é exemplo
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o cognitivismo computacional que fundamen- hábito, mas que no fundo está sempre presen-
tava o conhecimento principalmente a partir da te, mesmo que como possibilidade. Rompendo
informação recebida por um organismo prove- os hábitos e podendo experimentar a atitude
niente do meio – input/output –, Varela faz a de estar presente, de simplesmente estar, sem
princípio uma espécie de inversão topográfica. fixar-se a nada, se atingiria certa sabedoria.
Dá primazia ao interior, ao organismo, e não Porém, é importante assinalar que tal posição
ao exterior, ao meio, dizendo que a autonomia não corresponde à atitude de abstração e se-
do vivo vem “[ . . . ] da recursividade de todo paração em relação à experiência. Como sinali-
o sistema em sua própria organização [ . . . ]” zam os mestres budistas, “o conhecimento, no
(COSTA, 1993, p. 81). Em seguida pontua que sentido de prajna, não é conhecimento sobre
o problema não diz respeito mais à localização nada. Não há um conhecedor abstrato de uma
dominante do interior em relação ao exterior, experiência que está separada da experiência
ou vice-versa. A questão principal seria a de mesma. Os mestres budistas falam de ser um
conceitualizar a mútua interdependência do com a própria experiência” (VARELA, 1992, p.
dentro e do fora, do organismo e do meio. Essa 51-52). Isto é, se a mente e o corpo não estão
mudança de problemática é nomeada por Va- coordenados, no sentido budista, não estamos
rela como questão topológica, designada como presentes em nossas próprias experiências.
enação. A designação de enação diz respeito Mais adiante Varela se interroga sobre o pa-
justamente à pel da reflexão na experiência. Há, nas palavras
de Varela (1992, p. 52), uma “[ . . . ] mudança
[ . . . ] uma concepção, uma conceitualização de um
sistema cognitivo que nem depende de uma informa-
da natureza da reflexão, desde uma atividade
ção que se recebe nem de uma construção unilateral de abstrata e incorpórea até uma reflexão corpó-
um sistema cognitivo sobre um ambiente sem estrutura,
mas o que se encontra é uma permanente e inseparável rea atenta e aberta”. Por corpórea entende-se
dialética entre as duas coisas (COSTA, 1993, p. 82). uma reflexão onde corpo e mente são unidos.
Tal formulação indica que “[ . . . ] a reflexão
Pergunta-se então: onde buscar uma tradi- não é sobre a experiência, e sim é uma forma
ção que contemple um exame da experiência de experiência em si mesma, e que essa forma
humana no aspecto reflexivo e na vida imedia- reflexiva de experiência se pode realizar com
ta? Influenciado pela tradição oriental, pelo pen- a presença plena/consciência aberta” (VARELA,
samento budista, Varela vai tomar como chave 1992, p. 52). Seria, assim, uma reflexão atenta
de trabalho o conceito de não-fundamento, a e aberta. A presença plena/consciência aberta
ausência de um ponto de ancoragem e partida não é uma reflexão teórica sobre a experiência,
para o conhecimento, seja ele dentro ou fora, nem mesmo uma ingênua impulsividade subje-
do sujeito ou do mundo (COSTA, 1993). Vare- tiva, é sim “[ . . . ] função e expressão de nossa
la (1992) vai se valer da prática de meditação corporalidade” (VARELA, 1992, p. 53).
budista de presença plena/consciência aberta, Cito:
como um método para examinar a experiência,
pois tal prática busca a possibilidade de estar Como em nossa cultura a reflexão está divorciada da
vida corporal, o problema mente-corpo transformou-se
presente com a própria mente, de alcançar um em tema central da reflexão abstrata. O dualismo car-
estado de alerta, experimentando o que faz a tesiano não é uma solução e sim a formulação deste
problema. Supõe-se que a reflexão é estritamente toda
mente enquanto o alcança. Em seguida, Varela
mental, e assim surge o problema de como está ligada
aponta que a atitude abstrata atribuída à ci- com a vida corporal (VARELA, 1992, p. 55).
ência e à filosofia é simplesmente uma atitu-
de em que o homem não está alerta, onde ele Para Varela (1992), o problema mente-
está geralmente adormecido pela atitude me- corpo, entendido a partir da perspectiva de
canicizada, revestida pelos hábitos, defesas e uma reflexão atenta e aberta, diz respeito às
pré-conceitos que o distanciam de sua própria relações entre o corpo e a mente na experi-
experiência. ência real, como se desenvolvem e que forma
A presença plena/consciência aberta, se- tomam. Assim coloca o filósofo japonês Yuasa
gundo Varela (1992), poderia ser desenvolvida Yasuo:
assim como a aprendizagem. Tal desenvolvi- Só depois de assumir este terreno experien-
mento fortaleceria a própria presença, sendo cial pode-se perguntar qual é a relação mente-
também considerada parte da natureza básica corpo. O problema mente-corpo não é simples-
da mente, que geralmente é obscurecida pelo mente uma especulação teórica, é originalmen-
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te uma experiência prática e vivida que envolve que “apresentamos uma prontidão-para-ação
a concorrência plena da mente e do corpo. O adequada para cada situação específica vivi-
teórico é apenas um reflexo desta experiência da” (VARELA, 2003, p. 76) e, entre uma ação
vivida. (YASUO, apud VARELA, 1992, p. 55) e outra, experimentamos microperturbações
continuamente. Tais prontidões-para-ação são
3.2 Corpo Presente nomeadas por Varela de ‘microidentidades’, e
estas, em relação às situações encontradas,
No texto O Reencantamento do Concreto constituem ‘micromundos’, ambos entendidos
(2003), Varela observa que, no campo das ci- como construções. “A maneira como nos mos-
ências cognitivas, há em curso uma mudança tramos é indissociável da forma pela qual as
paradigmática que se estende cada vez mais. coisas e os outros se apresentam para nós”
Segundo palavras suas, “bem no centro desta (VARELA, 2003, p. 77).
visão emergente está a crença que as próprias Segundo Varela (2003), tanto os humanos
unidades do conhecimento são fundamental- quanto os animais, encontraríam-se a todo
mente concretas, corporificadas, incorporadas, momento frente à breakdowns. Os breakdowns
vividas” (VARELA, 2003, p. 72). são momentos de desestabilização do compor-
A pesquisa na área da inteligência artificial, tamento, de quebra, rachadura, bifurcação e
em suas duas primeiras décadas – 1950/1970 invenção de problemas. Frente a um problema
–, entendia o conhecimento segundo uma ope- os seres vivos agem segundo a composição do
ração por regras lógicas através da manipula- presente, não sendo possível realizar decisões
ção simbólica. E assim funcionam os compu- planejadas previamente ou exteriores à situ-
tadores modernos. Procurando captar a inte- ação presente. O sucesso de uma ação se dá
ligência dos peritos, constatou-se uma grande pela capacidade de atuar segundo a configu-
dificuldade operacional. Passou-se, assim, para ração de um determinado problema. Trata-se
a investigação das funções dos animais peque- aqui da emergência do senso comum, de um
nos – como por exemplo, dos insetos – chegan- saber fazer, de um saber lidar com algo em um
do-se, ao final de diferentes estudos, à conclu- momento específico, em um presente imedia-
são de que é a inteligência do bebê aquela que to. Algo que é “[ . . . ] examinado, então, numa
aparenta ser a mais fundamental e profunda, micro escala: no momento durante o qual ocor-
aquela que adquire, por exemplo, uma língua re um colapso ele realiza o nascimento do con-
através de expressões dispersas em um mundo creto” (VARELA, 2003, p. 78).
previamente inespecífico. O termo corporificado é tomado por Varela
Cientistas cognitivos integrantes da Inteli- na pontuação de que: 1) a cognição depende
gência Artificial passaram a considerar os cére- de um corpo com diversas capacidades sensó-
bros não como máquinas lógicas, e sim como rio-motoras; 2) tais capacidades são atreladas
redes cooperativas, como entrelaçamentos, ao contexto biológico e cultural. Buscando ex-
“[ . . . ] uma colcha de retalhos, formada por plorar a especificidade do corpo na cognição do
sub-redes reunidas através de um intrincado vivo, enraizando a cognição no concreto, Va-
histórico remendos [ . . . ]” (VARELA, 2003, p. rela formula a noção, já citada anteriormente,
73). Porém, segundo Varela, é preciso pensar, de enação. Assim como bem elucidou Virgínia
ainda, que tais sub-redes existem enquanto Kastrup (2001, p. 132), “a enação é um tipo
conectadas com um acoplamento encarnado, o de ação guiada por processos sensoriais locais,
sentir e o agir, que é essencial para a cognição e não pela percepção de objetos ou formas [
do vivo. . . . ], é relacionada a uma [ . . . ] cognição
A mente não seria, assim, uma entidade uni- corporificada, encarnada, distinta da cognição
ficada e homogênea, e nem mesmo uma cole- entendida como processo mental. É tributária
ção de entidades, mas antes um “[ . . . ] grupo da ação, resultante de experiências que não
desunificado, heterogêneo, de processos” (VA- se inscrevem na mente, mas no corpo [ . . .
RELA, 2003, p. 75). A partir desta concepção ]” (KASTRUP, 2001, p. 132). Varela enfatiza
de mente, definida através da emergência de assim, tanto os processos sensoriais e moto-
diferentes sub-redes em funcionamento, Vare- res, como os de percepção e ação, não sim-
la pergunta-se como poderia ser, então, a vida plesmente relacionados às contingências dos
dos indivíduos sem uma compreensão baseada indivíduos, mas também aos seus respectivos
na unidade do sujeito. E afirma, em seguida, meios históricos culturais.
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Dois princípios são fundamentais para que breakdown onde uma rica dinâmica envolve
possamos entender a abordagem enativa da subidentidades concorrentes e agentes. Nessa
cognição. Primeiro: a percepção é uma ação dinâmica, uma subrede cognitiva predomina e
perceptivamente guiada. Segundo Varela modula o comportamento para o momento se-
(2003, p. 79): “[ . . . ] as estruturas cognitivas guinte. Tal predominância se assemelha a uma
surgem a partir de padrões sensório-motores bifurcação, ou a uma forma de quebra de sime-
recorrentes que permitem que a ação seja tria da dinâmica caótica, e só pode acontecer
perceptivamente orientada”. A noção de ação enquanto vivido, enquanto presente, não en-
perceptivamente guiada difere radicalmente da quanto planejamento.
concepção sustentada pela tradição computa- Procurando afastar-se do abstrato, para
cional dominante, em que o perceber é defini- abordar o aspecto da experiência na cognição,
do abstratamente. Como guiar-se em situações Varela apresenta a idéia de estruturas cogni-
locais? Como a percepção está ligada ao local tivas corporificadas com referência a George
e os locais mudam segundo a atividade do ob- Lakoff e Mark Johnson. Segundo tais autores
servador, aquilo que costuma ser previamente
[ . . . ] as estruturas conceituais significativas originam-
dado e independente daquele que percebe per- se de duas fontes: da natureza estruturada da experiên-
de importância em comparação com a estru- cia corpórea e da nossa capacidade de projetar imagina-
tivamente, desde certos aspectos bem-estruturados da
tura sensório-motora do agente cognitivo, que experiência corpórea e interativa até estruturas concei-
é a maneira pela qual o sistema nervoso liga tuais (LAKOFF; LAKOFF apud VARELA, 2003, p. 84).
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Para finalizar gostaríamos de destacar que [ . . . ] que abrem um nível de saber e de ser que é pró-
prio ao corpo e que não é, portanto menos fundamental
falando numa entrevista a Rogério da Costa para a experiência de um indivíduo, não correspondendo
tampouco à topologia consciente/inconsciente. Ou seja,
sobre a concepção de corpo vivido tal como há raízes corporais, raízes na corporeidade, uma cogni-
formulado por Merleau-Ponty, Varela assinala ção do corpo, por assim dizer, que me parece ser um
tema que a fenomenologia abandonou ou nunca esteve
que tal concepção é, até então, estritamente interessada [ . . . ] (VARELA, 1993, p. 87, grifo do au-
um fenômeno humano e a partir da introdução tor).
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