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Gabriel Santos de Medeiros – 13/0009202.

Primeira prova da disciplina Filosofia Contemporânea.

QUESTÃO 01

A noção Lockeana de linguagem é muito representativa nas ideias modernas, pode encontrar tanto
reverberações posteriores como indícios anteriores na filosofia. Ele distingue claramente linguagem
e pensamento, atribuindo à primeira o caráter de instrumento, enquanto o segundo é uma faculdade

.
A linguagem só é possivel mediante os aparatos dados por a nós por deus por intermédio da
natureza, ele afirma. Esses aparatos são os órgãos que nos permitem reproduzir sons. Mas para além
dos aparatos físicos, temos também os aparatos mentais, que afinal nos distanciam de um papagaio,
por nos darem a capacidade de atribuir significado aos sons. Isto é, associar a linguagem às ideias,
de modo que esta possa expressá-las.

As ideias são concepções internas, que acontecem no intimo do individuo, e não podem ser
transmitidas por si mesmas. É então a linguagem que torna os pensamentos, individuais, inteligíveis
a outros. Então, as palavras, apesar de poderem expressar imprecisamente uma ideia, são, se
utilizadas corretamente são o meio pelo qual as nossas percepções se tornam comunicáveis.

Sendo ideias algo tão individual e introspectivo, um homem só pode comunicar ideias que ele
mesmo teve. Sendo as dos outros apenas objeto de especulação. Mas, ainda assim, ele o faz
presumindo que suas palavras produzirão certas ideias na mente de outras pessoas. É baseado na
seguinte esperança que os homens falam: que suas palavras proferidas concretizem na mente de
outras pessoas as mesmas ideias que as geraram em sua própria mente. Então, se as palavras surgem
das ideias introspectivas, elas também as geram na mente de quem as ouve.

Seguindo o espírito da concepção moderna até então, Locke vê a linguagem como um meio de
representar fielmente a “realidade das coisas”. E isso é possível através de um processo particular
da razão. A abstração. As coisas reais não existem tal qual as expressamos em seus termos
universais, sempre são coisas particulares. Mas os seres humanos, a partir da linguagem as
generalizam. Então, ao invés de nomearmos de maneira diferente cada um dos pássaros que vemos
no céu, simplesmente inventamos o termo geral, “pássaro”, que passa a englobar todos os seres
individuais de um mesmo gênero de acordo com certas características essenciais. Metafísica.

Quais as reverberações dessas ideias num sentido metafisico e ontológico? Essa é afinal mais uma
elaboração do conto de Crusoé, onde um homem, sozinho, e isolado é capaz de constituir suas
ideias, que existem num âmbito individual. A linguagem aparecendo apenas externamente ao
processo de formulação de ideias, como se seu lugar nele fosse meramente o da tradução, de
comunicar este mundo individual aos outros, que por sua vez não têm nenhuma outra maneira de
acesso ao universo introspectivo. São os fundamentos do famigerado individualismo, o qual, não é
segredo nenhum, o inglês John Locke é um dos principais formuladores. Mas é interessante ver
como essa concepção, que perpassa a economia, política, ética, epistemologia, e os mais variados
campos da vida humana, se apresenta nas discussões relacionadas à linguagem, que oferecem
perfeito desencadeamento lógico para a corroboração de toda a cosmovisão individualista.

QUESTÃO 02

A teoria de Wittgenstein pode ser formulada da seguinte maneira: a coisa (enquanto algo que existe
no mundo) é auto-suficiente. Isso significa que ela existe em si mesma, independente de outros
elementos que poderiam determiná-la. Mas ainda assim, essa coisa, auto-determinada, liga-se a nós,
seres humanos, como resultados de predicados externos a ela, e préviamente constituídos. (2.0122 e
2.0123)

Isso significa que por mais que o objeto de uma descrição tenha sua existência externa a nós. Não
podemos podemos apreendê-lo em sua forma auto-suficiente, pois a compreensão passa
necessariamente pelo crivo da linguagem. Posteriormente wittgenstein provoca “Se o mundo não
tivesse substância, ter ou não ter sentido uma proposição dependeria de ser ou não ser verdadeira
uma outra proposição.” Isso atesta sua visão presente no tractatus acerca da ontologia das coisas.
Elas existem, objetiva e independentemente do “enunciado”, sendo este apenas o veículo pelo qual
as percebemos.

Uma ruptura determinante no pensamento contemporâneo anuncia-se aqui, pois, se no Tractatus


Logico Filosófico, a coisa tem sua existência independente dos sentidos e da razão humana, (e
portanto há algo de metafísica aqui) a percepção que temos dela jamais é imediata. As coisas
existem, mas somos “epistemologicamente” incapazes de percebê-las tal qual elas existem.

Teoria pictórica da linguagem é um termo tão preciso quanto inusitado. Pictórico etimologicamente
remete a “pintura”, o que afirma, e muitas vezes antecipa, a natureza “lúdica” que posteriormente
Wittgenstein atribuiria à linguagem.

Esta ideia é mais sistematicamente apresentada a partir de 2.1, quando é dito “Figuramos os fatos”.
Portanto “A figuração é um modelo da realidade” que “substui nela os objetos”. E ainda, é
necessário que os elementos de uma figuração, ”estejam uns para os outros de uma determinada
maneira que [represente como] as coisas estão umas para as outras”. “É assim que a figuração se
enlaça com a realidade; ela vai até a realidade”. (2.1; 2.12; 2.15; 2.1511)

Com a linguagem pintamos os fatos, da mesma forma que um artista pode pintar os fatos com seu
pincel. Ainda assim, no quadro de um artista, ou na proposição de um filósofo, não estará um fato
em si, mas sim uma versão invariavelmente alterada e reduzida dele

Essa é uma discussão que chega a transbordar para a teoria da arte, e pode ser interessante trazer
uma analogia com Levi-Strauss em seu livro O Pensamento Selvagem. Lá ele afirma que arte é
invariavelmente um “modelo reduzido” da realidade, por mais que pintadas em tamanho natural, e
por mais ultrarrealistas que sejam, pois a transcrição gráfica ou plástica implica sempre à renuncia a
certas dimensões do objeto representado: os odores, o volume, as cores, impressões táteis, e é claro,
a dimensão temporal, “já que o todo da obra é apreendido num instante”. Podemos imaginar um
escultor de pedra, ele não pode jamais representar fielmente a textura de um cavalo, e isso não está
relacionado à sua proficiencia no ofício de escultor, mas às limitações deste mesmo ofício.

Paralelemente, um filosofo, jamais poderia representar fielmente a natureza e essência de deus, do


tempo, da realidade, ou o que quer que seja, em todas suas “texturas”. E isso, assim como com o
escultor, não deriva da sua capacidade enquanto filósofo, mas às limitações inerentes ao seu
instrumento, a linguagem. Essa não é uma afirmação leviana, e embate, as pretensões da tradição
fundante à filosofia ocidental, a metafisica, e sua pretensão de apreender a essencia ou substância
das coisas.
Então, no Tractatus, os elementos da realidade, que são percebidos por nós em um processo
individual, introspectivo, são transformados pela linguagem, que ao mesmo tempo que os torna
representáveis (figuráveis), a nós mesmos e aos outros, também os impõe às suas próprias
limitações. O objetivo da linguagem não é ser exatamente transparente com relação ao objeto que
está representando, mas torná-la reconhecivel (figurável), tanto individualmente, quanto
coletivamente, e para isso a linguagem, perdão pelo trocadilho, “desfigura”.

E afinal, se é a partir da figuração que percebemos as coisas, “medo”, “amor”, “ódio”, antes de
sentimentos são palavras com sentido próprio, a partir das quais nossos sensações mais primárias
(individuais/pré-linguagem) se vestem com a linguagem e se tornam reconheciveis. Isso demonstra
o caráter dúbio das afirmações de Wittgenstein neste momento de sua obra, que apesar de atribuir
esse status ontológico às coisas, reconhece que não podemos apreendê-las, enquanto entes
individuais e auto-suficientes, mas apenas seu lugar em um sistema, a linguagem.

QUESTÃO 03

O referencialismo inclusive está presente na obra de uma importante obra, que é alvo de críticas por
wittgenstein: o Tractatus Logico Philosoficus. Como já foi discutido aqui, no Tractatus,
Wittgenstein reconhece uma mediação inexorável da linguagem com a realidade, que ele chama de
teoria da figuração. Pintamos os fatos, ele afirma, mas ainda assim os fatos existem,
ontologicamente independentes da “pintura”, do fenômeno da linguagem. Em sua afirmação mais
básica, “figuramos os fatos”, está pressuposta outra, a de que existem “fatos” para serem figurados.
Pressupõe então uma ligação entre linguagem e mundo, sendo os “fatos” e a “figuração” fenômenos
diferentes.

Ainda que apareça em Tractatus, esta concepção chamada aqui “referencial” tem reverberações
muito, muito mais amplas na modernidade.

No Livro Azul, Wittgenstein utiliza das definições ostensivas como o exemplo mais cabal da função
“referencial” do significado criticada por ele. Recorrendo à ostensão, como argumentam os
defensores, somos capazes de atribuir sentido aos objetos sem passar pelo crivo da linguagem.
Quando uma pessoa aponta um objeto para a outra, diriam eles, ambas estão se relacionando de
forma imediata com essa coisa, de uma forma livre das distorções que alguns filósofos da
linguagem insistem em apontar.
A crítica de Wittgenstein a este conceito é contundente. A definição ostensiva, por mais ostensiva
que seja pressupõe o uso de linguagem prévia a ela. Ao afirmar que “certos processos mentais
definidos parecem inseparáveis do funcionamento da linguagem” ele está falando do próprio
processo de compreensão.

Ao apontar em silêncio o dedo indicador para um objeto vermelho, uma pessoa está apontando para
a cor deste objeto, para sua textura, ou para ele como um todo? E mais, o dedo indicador significa
“olhe”, “pegue”, “cheire”? Essas dúvida gerada em toda e qualquer definição ostensiva só podem
ser sanada a partir do uso da linguagem prévio, que deixa subentendido a quais qualidades o ato de
apontar está se referindo

Através da linguagem somos capazes de definir processos mentais individuais. Sendo ela um
instrumento para a compreensão, mas cujo principal agente é a própria “razão”. Dotado de razão,
cada indivíduo é capaz de apreender objetivamente os fatos à sua volta, basta acioná-la. Não só à
sua volta, mas os fatos dentro de si, suas verdades introspectivas, mais do que ninguém. Institui-se
aqui o liberalismo, o individualismo, o cientificismo, e os demais “ismos” da modernidade.

Individualismo, pois passou-se a ver o ser humano individual como ponto de partida da humanidade,
sendo cada exemplar da raça um universo próprio, soberano, e dotado sozinho da capacidade de
compreender a si mesmo e suas próprias vontades como ninguém. Logo, é justo que cada indivíduo
tenha a liberdade como o mais significativo de seus direitos naturais, pois ninguém externo ao
indivíduo saberia agir sobre ele melhor do que ele mesmo. Trata-se do liberalismo político.

Da mesma forma, o indivíduo, dotado da razão, não é só capaz de conhecer a si mesmo, mas o
mundo ao seu redor. Este raciocínio conferiu primazia à ciência como forma de conhecimento
primordial na modernidade, por se valer primordialmente da racionalidade individual como valor e
como método.

Tão grandes os impactos desta concepção de ser humano como ser individual e racional, que toda
crítica aos fundamentos da modernidade têm que passar por esta noção, de Kant em sua critica à
razão pura, Marx em sua crítica ao fetichismo burguês e agora Wittgenstein em sua crítica à
“linguagem privada”.

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