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Camargo, Aspásia; Capobianco, João Paulo & Oliveira, José Antonio Puppim (Coord.

)
(2002). Meio Ambiente Brasil: Avanços e Obstáculos Pós-Rio-1992. São Paulo: Editora
Estação Liberdade (ISBN: 85-7448-061-4). Parte I e Evolução das Resoluções da Rio-
92, pp. 21-48.

OS DESAFIO DA SUSTENTABILIDADE NO PERÍODO PÓS-RIO 92


Uma Avaliação da Situação Brasileira

INTRODUÇÃO

Em 2002, ano da Rio + 10, a Constituição do Brasil completa quatorze anos e o país
realiza a sua quarta eleição presidencial do período democrático que sucedeu o regime
militar. A democracia representativa, pressuposto básico para a existência, permanência
e atuação das organizações da sociedade civil, respeito aos direitos humanos e proteção
do patrimônio natural, foi assegurada, restando a ampliação da participação da
sociedade civil na consolidação do processo democrático ainda em realização.

O balanço nacional da última década, nestes dez anos que nos distanciam da
Conferência do Rio de Janeiro, realizada em 1992, permite reconhecer grandes
frustrações em relação às perspectivas positivas lançadas pela Rio 92.

Os anos pós-Rio 92, fortemente marcados pela crise econômica e o Plano Real,
ensejaram uma hegemonia economicista nas discussões sobre o futuro do Brasil e na
leitura da mídia sobre os problemas nacionais. As chamadas reformas econômicas se
impuseram sobre as demandas sociais e ambientais.

Neste período, imperou uma estratégia de governo fundamentada na inserção do Brasil


na economia mundial, em processo acelerado de globalização, através da quebra de
barreiras comerciais e à circulação de capitais, privatizações e abertura da economia
para o capital externo. O esforço básico da diplomacia e das relações internacionais foi
para criar e manter a imagem de um país estável, atento às agendas e demandas
multilaterais, de modo a remover obstáculos legais, políticos ou até simbólicos, que
pudessem afugentar investimentos ou capitais de ocasião.

Foi neste contexto que questões relacionadas ao meio ambiente, aos índios e populações
tradicionais, aos conflitos fundiários ou aos direitos humanos, foram incorporadas à
estratégia política do governo federal. A ênfase nestas políticas, no entanto, ficou
limitada à sua função simbólica, ao seu eventual possível impacto de mídia, sem que se
tenha estabelecido uma agenda consistente de ações dirigidas à efetiva solução do
desenvolvimento sustentável, dependente de reformas profundas nas estruturas de
governo, da sociedade e da cultura.

Desta forma, apesar de alguns avanços localizados e importantes, não se alcançou o


patamar de políticas afirmativas que pudessem contribuir para reverter os altos níveis de
pobreza, de devastação ambiental ou de fragilidade dos poderes públicos responsáveis
pelo controle e fiscalização das ações da degradação ambiental do país.

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A avaliação de como evoluíram os indicadores sobre oito temas centrais para o
desenvolvimento sustentável no Brasil – biomas, agricultura, biodiversidade, recursos
hídricos, energia, cidades, consumo e responsabilidade social de empresas – detalhados
na publicação “Meio Ambiente no Brasil 2002 – avanços e obstáculos no período pós
Rio 92” e que são sintetizados neste artigo, mostram que os problemas seguem sem
solução e, em muitos casos, se agravaram.

É importante, no entanto, analisar estes indicadores com dinamismo, a partir de uma


visão prospectiva, que permita avaliar não apenas a situação presente, mas, também, a
medida em que estão sendo implementadas ações ou ocorrendo avanços positivos, que
poderão, no futuro, reverter os aspectos negativos da situação atual.

Neste sentido, não há apenas más notícias sobre a evolução da situação ambiental no
Brasil no período 1992-2002. Como se procurará demonstrar neste documento, houve
avanços significativos no arcabouço legal do país e na consciência da população
brasileira sobre a importância do meio ambiente e o reconhecimento dos direitos das
populações tradicionais. A participação da sociedade civil nas decisões governamentais
também cresceu de forma consistente, embora haja uma inquestionável crise de
governança e de fragilização dos meios de implementação.

INDICADORES SOBRE A SITUAÇÃO DE TEMAS CENTRAIS PARA O


DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NO BRASIL

Biodiversidade e biomas

A biodiversidade é um tema de alta prioridade internacional, pois representa um enorme


potencial gerador de riquezas, uma vez que a busca de espécies e de princípios ativos
com atributos ainda desconhecidos é de alto interesse para as indústrias que se
encontram na linha de frente da inovação tecnológica. O debate em torno da
biodiversidade suscita questões diversas: como preservá-la, como gerar riquezas graças
a seu uso sustentável, como fazer a repartição correta destas riquezas entre os que
comercializam a biodiversidade e as populações locais que a preservaram.

Para o Brasil, o tema é de extrema importância, já que o país conta com uma das
maiores taxas de biodiversidade do planeta, com 10 a 20% das espécies descritas no
mundo (Bensuan, 2002).

Alguns avanços têm ocorrido no sentido de criar mecanismos de gerenciamento


sustentável da biodiversidade no Brasil. Vários projetos do Programa Piloto para
Proteção de Florestas Tropicais Brasileiras (PPG-7) mostram que isto é perfeitamente
possível. O mesmo ocorre com a Casa de Sementes e outros projetos agroflorestais
(Leroy, 2002).

Iniciativas legais para melhor gerenciamento ambiental da biodiversidade na natureza


também ocorreram, como a aprovação da lei que estabeleceu o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação (SNUC), em 2000.

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Mecanismos de auto-regulação, como a certificação florestal com base nos princípios e
critérios do Forest Stewardship Council (FSC) ou Conselho de Manejo Florestal, uma
ONG internacional que visa difundir o bom manejo florestal, conciliando salvaguardas
ecológicas e benefícios sociais e econômicos, têm sido implementados de forma
acelerada e oferecem informações aos consumidores sobre a origem dos produtos na
hora de uma decisão de compra, permitindo que ele se torne em um ator fundamental
para a exclusão de produtos de origem predatória do mercado nacional. Até junho de
2002, já haviam sido certificados dez projetos de exploração sustentável de florestas
nativas no Brasil, abrangendo áreas de 333 mil hectares na Amazônia e 25 mil hectares
na Mata Atlântica (FSC Brasil, 2002).

Finalmente, houve no período um incremento significativo na área de ecossistemas


naturais sob proteção em unidades de conservação. Graças à adesão dos governos
estaduais e de proprietários privados e atuação do governo federal, foi possível
aumentar em aproximadamente 55% a área total sob proteção legal no país. Este
número é particularmente significativo quando se considera que ele está sendo
comparado à soma das unidades de conservação criadas nas seis décadas anteriores
(Capobianco, 2002).

Apesar dos aspectos positivos apontados anteriormente, as condições para que o


patrimônio biológico brasileiro seja efetivamente preservado e utilizado de forma
sustentável e socialmente justa não estão garantidas.

Em termos legais o principal problema é a atual legislação de acesso aos recursos


genéticos: a Medida Provisória nº 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, que regulamenta o
inciso II do 1 e o 4 do art. 225 da Constituição. Ela é considerada imprópria devido à
falta de transparência com que foi elaborada e pela inexistência de representação dos
setores da sociedade no Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, responsável por
sua aplicação.

Além deste problema legal, há sérias dificuldades provocadas pela falta de


investimentos na produção de conhecimentos, inventários biológicos, capacitação de
recursos humanos e transferência de tecnologias, além do acelerado processo de
destruição dos ecossistemas naturais, com a conseqüente perda de diversidade biológica
no país.

A floresta Amazônica apresentou um incremento médio anual de desmatamento da


ordem de 57% após a Rio 92, quando foi atingido o menor índice de desmatamento na
região. Com isto, foram desmatados entre os anos de 1992 e 2000, 156.893 quilômetros
quadrados de florestas (Inpe, 2002), equivalentes à área do Estado do Acre. Este quadro
pode ser agravado significativamente se forem aprovados os projetos de infra-estrutura
previstos no Programa Avança Brasil. Somente este programa, que prevê a
pavimentação de estradas em pontos vulneráveis da Amazônia, pode levar à destruição
de 80 mil a 180 mil quilômetros quadrados nos próximos 25 a 35 anos, se persistirem os
padrões de ocupação do passado e do presente (Nepstad et al, 2001)[1].

O Cerrado, embora não haja estudos permanentes sobre a evolução de sua cobertura
vegetal, está sob ameaça da expansão da agricultura de grãos para exportação
(Fearnside, 2001), sendo o período pós Rio 92 fortemente marcado pela conversão de
extensas áreas nativas do bioma em plantios de soja. No período de 1997 e 2000, a

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produção desta leguminosa no estado de Rondônia saltou de 4,5 mil toneladas para 45
mil toneladas, um crescimento de 900% (Capobianco, 2002).

A Mata Atlântica, no período 1990 a 1995, manteve o ritmo acelerado de desmatamento


verificado no qüinqüênio anterior, com a perda de 500 mil hectares, equivalentes a uma
redução de 5,7% da cobertura florestal. O Rio de Janeiro, estado sede da Rio 92, foi o
mais afetado, com uma da perda florestal da ordem de 13% (SOSMA, 1998). Os
primeiros resultados do levantamento do período 1995 a 2000, por outros lado, mostram
o crescimento do impacto da reforma agrária sobre áreas nativas do bioma, sendo que
no Estado do Paraná assentamentos para este fim resultaram no desmatamento da maior
área contínua já identificada no Bioma, desde 1985, com uma remoção de mais de 16
mil hectares (SOSMA, 2001)

Os focos de queimas e incêndios florestais, que atingem os mais diversos sistemas


ecológicos brasileiros, apresentaram índices extremamente altos no período. Segundo os
dados do Programa de Monitoramento Orbital de Queimadas da Embrapa
Monitoramento por Satélite, a partir de 1993, quando foi registrada uma queda
significativa na quantidade de queimadas no país, o número total de focos se manteve
numa média anual acima de 110 mil, no período de 1994 a 2001 (Embrapa, 2002). Já os
dados fornecidos pelo Ibama e Inpe, mostram um crescimento de aproximadamente
40% das queimadas no território nacional entre os anos de 2000 e 2001, quando
passaram de 104 mil para 145 mil (IBGE, 2002).

Outro aspecto negativo importante que marca o período pós-Rio 92 é o fato de que o
crescimento no número de unidades de conservação, conforme citado anteriormente,
não foi acompanhado pelo incremento da capacidade de implantação, gestão e
fiscalização destas áreas. Ao contrário, verificou-se no período uma diminuição da
capacidade operativa dos órgãos públicos por elas responsáveis. Os dados do
Diagnóstico de Gestão Ambiental no Brasil, estudo da situação dos órgãos estaduais
integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente, realizado pelo Ministério do Meio
Ambiente, demonstra que os mesmos não possuem recursos humanos e financeiros
adequados para esta tarefa (MMA, 2002). No caso do estado de São Paulo, que possui
uma das situações mais favoráveis, apenas 30% da área das unidades de conservação de
proteção integral que se encontram sob responsabilidade do Instituto Florestal,
apresentam a situação fundiária solucionada.

Agricultura

Na agricultura brasileira, podem ser apontados alguns dados tradicionalmente


conhecidos que revelam sua insustentabilidade. A concentração fundiária é um dos
indicadores que mais se destacam negativamente. No Brasil, um por cento dos
proprietários de terra, que possuem mais de 1.000 hectares, detém 45,1% da área
agrícola, enquanto 89,3% dos pequenos proprietários, que têm menos de 100 hectares,
controlam somente 20% da área agrícola (Mazzeto Silva, 2001:26 baseado em IBGE,
1996).

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Outros dados menos conhecidos também apontam para a degradação de áreas
agriculturáveis. No Estado de São Paulo, 4 dos 18 milhões de hectares de terras
utilizáveis estão em estágio avançado de degradação (PNUD, 1996:2).

O consumo de agrotóxicos cresceu mais de 276% entre 1960 e 1991 (MMA, 2000) e o
uso de pesticidas por área plantada cresceu 21,59% entre os anos de 1997 a 2000
(IBGE, 2002). A agricultura também é responsável por um grande consumo de um
recurso escasso e de importância estratégica: a água. Hoje 59% da água produzida no
Brasil vão para a agricultura, enquanto a indústria consome 19% e os usos domésticos
outros 22%.

Por outro lado, verificamos alguns pontos positivos na agricultura brasileira,


principalmente na última década. Um dado interessante é o rendimento físico da
produção das pequenas propriedades (menos de 100 ha), que cresceu 5,8% entre 1989 e
1999. Também há esperança nas várias experiências positivas de projetos e programas
que buscam alternativas para uma agricultura mais sustentável. Projetos agroflorestais e
de agricultura orgânica já são desenvolvidos com sucesso em várias partes do país,
muitos com a participação ativa, além dos agricultores, da sociedade civil, de governos
e iniciativa privada. Os arranjos institucionais vistos nestas experiências exitosas podem
servir de subsídios para replicá-las e criar uma política maior de sustentabilidade.

Meio Ambiente Urbano

Sobre o meio ambiente urbano, a situação é extremamente preocupante. A população


brasileira está cada vez mais concentrada nas cidades em uma proporção que, segundo o
IBGE, era de 30,5% em 1970 e chegou a 81,2% em 2000 (IBGE, Censo Demográfico
de 1970 e 2000), embora estes dados estejam sendo atualmente contestados por
pesquisadores. Este crescimento urbano, aliado à crise econômica que o país tem
enfrentado nas duas últimas décadas, levou à intensificação da degradação social e
ambiental nas grandes cidades brasileiras.

Muitos indicadores demonstram esta evidência. Apenas 33,5% dos domicílios


brasileiros são atendidos por uma rede de esgotos, sendo que destes 64,7% não sofrem
nenhum tratamento (Santos, Ultramari & Dutra, 2002). A política de saneamento, em
discussão no Congresso Nacional, está paralisada em função de divergências quanto à
sua titularidade, se estadual ou municipal. Enquanto isso, os investimentos públicos no
setor caíram de 0,38% do PIB em 1980s para 0,24% atualmente.

Quanto aos resíduos sólidos, 68,5% dos municípios com menos de 20.000 habitantes -
que correspondem a 73% do total de 5.507 municípios brasileiros – têm os lixões como
destino final. A má qualidade do ar também impacta a saúde da população, gerando,
segundo relatório do Banco Mundial (Bird, 1996), cerca de 4.000 casos de morte
prematura, somente no Rio de Janeiro e em São Paulo.

O crescimento desordenado das cidades produziu um déficit de 6,6 milhões de


domicílios atingindo aproximadamente 20 milhões de pessoas (Fundação João Pinheiro,
2001), além de permitir a ocupação de áreas de risco e de proteção ambiental tanto pelos

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ricos e pela classe média como pelos pobres, como ocorre na Floresta da Tijuca no Rio
de Janeiro e nas áreas de mananciais da Região Metropolitana de São Paulo.

A bacia hidrográfica da Represa Billings, localizada na Região Metropolitana de São


Paulo, apresentou um crescimento urbano da ordem de 31,7%. Mais de 45% da
ocupação urbana registrada nos seis municípios paulistanos da bacia se deu em áreas
com “sérias” ou “severas” restrições ambientais. São encostas íngremes, regiões de
aluvião ou de várzea que exigem cuidados especiais para implantação de qualquer tipo
de ocupação urbana. Apenas 11,8% da mancha urbana se deu em áreas consideradas
“favoráveis”. Estes números demonstram que além de extremamente acelerada, esta
ocupação vem ocorrendo sem nenhum planejamento (Capobianco, 2002 b).

As esperanças de melhora socioambiental nas áreas urbanas brasileiras dependem de


alguns avanços institucionais e legais principalmente do reconhecimento de uma
autoridade metropolitana, capaz de definir políticas comuns a municípios contíguos,
buscando superar a distância social existente entre a capital e as cidades da periferia.

Como pontos positivos podem ser citados os avanços na legislação com a aprovação do
Estatuto da Cidade , viabilizando a permissão para a intervenção dos governos locais
nas áreas periféricas,e a Política Nacional de Resíduos Sólidos, em discussão no
Congresso Nacional

Algumas experiências de boas práticas merecem destaque, como o orçamento


participativo de Porto Alegre, a erradicação negociada da Favela de São Pedro, em
Vitória e a política de transportes de Curitiba.

Recursos Hídricos

Na área de recursos hídricos também há dados preocupantes. Em nível mundial, o total


de água retirada da natureza para consumo humano cresceu nove vezes desde 1950. A
reserva de água doce por pessoa no mundo caiu de 16,8 mil metros cúbicos em 1950
para 7,3 mil em 1998 e tende a baixar para 4,8 mil nos próximos 25 anos (UNESCO,
1999). Além disso, o consumo é desigual. Isto se reflete também no Brasil, onde temos
visto a falta de água em cidades como Recife e São Paulo, sendo o problema crônico em
algumas regiões como o sertão nordestino.

O desperdício poderia ser controlado e ajudaria a solucionar graves carências. As


cidades perdem de 40% a 65% da água colocada nos sistemas de distribuição (Tucci,
2002). A qualidade também é bastante preocupante: estima-se que 65% das internações
hospitalares no Brasil são provenientes de doenças veiculadas à água (Tucci, 2002). Isto
parece ser conseqüência direta da falta de tratamento do esgoto, sendo que somente 20%
do esgoto doméstico no Brasil é tratado.

Apesar desta grave situação, têm surgido iniciativas positivas em termos institucionais
nos últimos dez para criar um novo arcabouço legal para o gerenciamento adequado dos
recursos hídricos no País. Este processo culminou com a aprovação da Lei 9433, de 8 de
janeiro de 1997, chamada de Lei das Águas, que estabeleceu da Política Nacional de
Recursos Hídricos e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

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Os pontos centrais desta lei são a idéia do gerenciamento por bacias hidrográficas,
através do Comitê e da Agência de Bacia e o estabelecimento da outorga e da cobrança
pelo uso da água. No país, vários comitês de bacia estão em funcionamento e a cobrança
da água para alguns usos (como o uso industrial) já foi regulamentada na Bacia do rio
Paraíba.

Energia

A matriz energética no Brasil de uma maneira geral costuma ser caracterizada como
limpa. Por um lado, em termos de quantidade usada de energia, o consumo per capita
ainda é relativamente baixo, sendo de 1,13 TEP (toneladas equivalentes de petróleo) por
habitante, enquanto nos países da OECD este consumo chega a 5,5 TEP por habitante
(UNDP, 2000). Em termos de eficiência econômica na geração de carbono, o Brasil
também se destaca positivamente. O país gerava em 1995, 0,33 toneladas de CO2 por
dólar do Produto Interno Bruto (PIB), em comparação com os americanos que chegam a
0,85 tCO2/hab, a União Européia a 0,51 tCO2/hab e a China a 0,92 tCO2/hab (Poole et
al., 1995).

Em termos de eficiência econômica na geração de carbono, o Brasil também se destaca


positivamente. O país gerava em 1995, 0,33 toneladas de CO2 por dólar do Produto
Interno Bruto (PIB), em comparação com os americanos que chegam a 0,85 tCO2/hab, a
União Européia a 0,51 tCO2/hab e a China a 0,92 tCO2/hab (Poole et al., 1995).

Isto se deve principalmente ao peso da energia renovável na matriz brasileira,


destacando-se a energia hidrelétrica e o uso de biomassa para fins energéticos. Enquanto
os combustíveis fósseis representam 58% do consumo de energia no Brasil, nos países
da OECD eles representam 81% (UNDP, 2000).

Porém, as tendências nos últimos dez anos apontam para a falta de planejamento
adequado do setor energético e a adoção de políticas regulatórias improvisadas. Como
exemplo, podem ser citados o recente racionamento energético e a escassez de
investimentos.

Também, a contribuição das energias renováveis vem caindo na matriz brasileira. Elas
eram 47,2% da matriz em 1992, e em 2000 representavam 39,4% (IBGE, 2002). As
estimativas de planejamento no plano plurianual de energia de 1997 de crescimento da
oferta de energia elétrica até 2009 apontam que a geração por termelétricas a gás
natural, carvão e nuclear vai triplicar, fazendo com que estas energias cheguem a
representar 20% da matriz brasileira, enquanto a geração por energias alternativas vai
contribuir com somente 0,3% da capacidade geradora (Muylaert et al., 2001).

O modelo de grandes hidrelétricas com impactos socioambientais significativos parece


que tem se esgotado e cada vez se busca alternativas em combustíveis fósseis para a
geração de eletricidade, ao invés do desenvolvimento de alternativas renováveis de
menor impacto como as pequenas centrais elétricas, biomassa, energia solar e eólica.

O Programa Prioritário de Termelétricas (PPT), criado pelo Governo Federal, prevê o


aumento da participação do uso do gás natural dos atuais 3% para 12% da matriz

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energética nacional, até o ano de 2010. Além do problema decorrente do aumento da
produção de CO2, a grande maioria destas termoelétricas estão projetadas para centros
urbanos e industriais onde já há elevados índices de poluição atmosférica e falta de
disponibilidade de água.

Há, ainda, projetos em análise para a construção de oito novas usinas a carvão, três
deles integrantes do PPT, dezenas de termelétricas a diesel e movidas com resíduo
asfáltico, introduzindo tecnologias obsoletas e com altos níveis de emissão de CO2.

Além do exposto, o Brasil mantém incentivos para a implantação e expansão das


industrias eletrointensivas, que hoje consomem mais de um quarto da energia
produzida, o que contraria a tendência verificada nos países desenvolvidos e tende a
agravar os episódios de crise no abastecimento.

Finalmente, a imposição de uma estratégia emergencial para o setor após a recente crise
de abastecimento, contribuiu para obscurecer o debate em torno do atual modelo
energético brasileiro, tanto no que diz respeito à geração, como dos padrões de
consumo. Além disso, há uma grande pressão sobre os órgãos licenciadores e entidades
da sociedade civil no sentido de se flexibilizar as exigências ambientais e sociais, o que
pode acarretar na aprovação de empreendimentos de alto risco econômico, social e
ambiental, em detrimento da busca por mudanças na matriz e no modelo energético no
sentido da promoção da sustentabilidade social e ambiental.

Responsabilidade social das empresas

Entre os temas abordados, o que possivelmente teve uma avaliação mais otimista foi a
mudança da atitude de muitas empresas frente às questões socioambientais, refletida na
popularização do conceito de responsabilidade social.

É inegável que nos últimos anos começou a mudar a atitude de desconfiança e de


enfrentamento entre empresários e órgãos ambientais do governo e grupos de
ambientalistas. Esta atitude transformou-se, em muitos casos, no reconhecimento dos
impactos socioambientais negativos de muitas das atividades empresariais, gerando uma
busca por alternativas e a implementação de projetos sociais e ambientais pelas
empresas, diretamente ou em parceria com governos, comunidades e ONGs.

Proliferaram organizações de empresários ligadas a desenvolvimento sustentável tanto


em nível internacional (como o Conselho Mundial Empresarial para Desenvolvimento
Sustentável) como nacional (como os departamentos de meio ambiente e
responsabilidade social das federações estaduais, sindicatos e CNI). Conceitos como
Responsible Care, Ecoeficiência e Responsabilidade Social se tornaram populares no
meio empresarial. Atualmente há no Brasil mais de 500 empresas que obtiveram a
certificação ISO 14001, e este número deve crescer rapidamente nos próximos anos
(Revista Meio Ambiente Industrial, 2002), ainda que a responsabilidade social da
empresa deva superar apenas as exigências legais expressas nas certificações.

Entretanto, esta evolução na atitude e comportamento das empresas não é uniforme.


Enquanto existem grupos empresariais que avançaram em relação ao gerenciamento de

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seus impactos socioambientais, muitas empresas estão começando a perceber a
importância da questão. O tema parece ter avançado principalmente nas grandes
empresas, que estão mais sujeitas ao controle dos órgãos ambientais, e menos nas
pequenas empresas (Súmula Ambiental, 2002).

Também, existe uma percepção de alguns atores sociais que a implementação de ações
de responsabilidade social das empresas brasileiras ainda é menos efetiva que nos países
mais desenvolvidos (Marcelos Neto, 2002, neste livro). Outra crítica é que ainda
existem poucos resultados e ações socioambientais em relação ao marketing propagado
pelas empresas.

Padrões de consumo e produção

Apesar dos avanços das empresas em relação a responsabilidade social no campo da


produção, estas novas práticas não têm impactado positivamente a sociedade em
relação aos padrões de consumo.

O consumo mundial e brasileiro vem crescendo em vários aspectos gerando impactos


desiguais entre países e entre regiões de um mesmo país. As “pegadas ecológicas” (ou
seja, o quando se afeta o meio ambiente) dos países desenvolvidos são quatro vezes
maiores do que as dos países de menor renda (WWF, 1998). Os países ricos com menos
de 20% da população global são responsáveis por 80% do consumo privado mundial,
deixando a população dos países mais pobres com 35% da população da Terra com
apenas 2% do consumo privado (World Resources Institute, 2001: 27).

Em alguns aspectos, a população rica dos países em desenvolvimento como o Brasil


consomem até mais que a população dos países ricos. O Brasil é atualmente o maior
produtor e consumidor de madeira tropical do mundo (May, 2002), e uma boa parte dela
é desperdiçada.

Apesar de apresentar tendências nada animadoras em relação ao consumo e produção


mais sustentáveis, experiências no Brasil e no mundo apontam alternativas para
enfrentar estes problemas. Por exemplo, no setor de energia, enquanto os países
europeus cresceram 24%, sua intensidade energética diminuiu 20%, devido a mudanças
tecnológicas (WRI, 2000). No Brasil, temos várias experiências exitosas com
agricultura orgânica em pequenas propriedades e o consumo de produtos orgânicos
cresceu (Prada & Freitas, 2002). Do lado da produção, como vimos, as certificações de
sistema de gestão (ISO 14001) e produtos (ex: FSC) começam a ser importantes.

Porém, estas conquistas pontuais parecem muito pouco para o que temos que avançar na
busca de alternativas para um desenvolvimento mais sustentável. Até agora, o caminho
trilhado pelo Brasil e por outros países em desenvolvimento, no que diz respeito aos
padrões de consumo e produção é muito similar ao dos países já desenvolvidos,
replicando agora o caminho de uso não sustentável dos recursos naturais anteriormente
percorrido.

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SITUAÇÃO DA INSTITUCIONALIZAÇÃO DA GESTÃO SOCIOAMBIENTAL
NO BRASIL

Participação da sociedade civil

Durante a última década houve um avanço significativo em relação à criação de


mecanismos de participação da sociedade civil em alguns fóruns consultivos e
decisórios do país. Multiplicaram-se os números de conselhos participativos nacionais,
regionais e locais relacionados à saúde, educação, orçamento, meio ambiente e
desenvolvimento.

Experiências de participação institucionalizada como o Conselho Nacional de Meio


Ambiente (Conama), de caráter deliberativo, ou processos de consulta nacional como
foi a construção da Agenda 21 Brasileira, reforçam a tendência de que existe um espaço
aberto maior para a sociedade civil em debates relacionados a moldar o futuro do país.
Até mesmo na iniciativa privada, com a popularização do conceito e ações de
responsabilidade social, parece que evoluiu a participação da sociedade civil em suas
decisões.

Este crescimento nos espaços democráticos de participação é importante porque a


legitimidade das políticas não pode estar fundada somente na autoridade formal,
nomeada pelos critérios representativos, e sim pela governança, fortalecida pelo
envolvimento pleno das partes interessadas da sociedade. A participação da sociedade
civil nas decisões, principalmente das populações mais atingidas por ações
governamentais e da iniciativa privada, é fundamental para gerar um controle público
através da transparência das políticas de gestão de recursos de modo a promover o
acesso igual aos meios e fins do desenvolvimento sustentável.

Entretanto, existem algumas críticas em relação à participação da sociedade civil nos


diversos níveis de governo e iniciativa privada no país. A primeira diz respeito à
inexistência desse espaço participativo em algumas instâncias importantes. Em áreas
como a da biodiversidade, há críticas quanto à falta de espaço para a sociedade civil,
como na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTMBio). As decisões do
governo brasileiro nas negociações sobre a efetivação do Protocolo de Quioto são outro
exemplo onde a sociedade civil não pôde ter uma influência e participação mais
importantes.

Um segundo grupo de críticas questiona se realmente as esferas de participação têm


algum poder relevante de influência nas decisões. Por exemplo, em muitos conselhos
locais de desenvolvimento sustentável as decisões são de caráter consultivo, ou até
mesmo de uso político, sem nenhum impacto maior no direcionamento do
desenvolvimento, já que não existe orçamento ou compromisso político das autoridades
em seguir com as decisões dos conselhos.

Dentro desta crítica, também cabe o questionamento sobre a composição de muitos


conselhos. A inclusão de membros da sociedade civil muitas vezes é minoritária com
pouca influência. Outras vezes, suas organizações têm pouca independência em relação
aos grupos políticos dominantes, sejam eles conservadores ou de esquerda.

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Uma terceira crítica aponta para a “burocratização” das esferas de decisão que seriam, a
princípio, participativas. Em alguns casos, o formalismo e debates estritamente técnicos
levam a um acesso limitado à contribuição de muitos grupos da sociedade civil e a
popularização dos debates na sociedade geral.

Finalmente, surge a crítica em relação a se realmente a “sociedade civil” que participa


dos debates seria um reflexo da participação da sociedade brasileira. Por exemplo, nos
desdobramentos da Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB) e debates
relacionados à biodiversidade, há um grande número de ONGs e movimentos sociais
envolvidos, mas a sociedade brasileira em geral é pouco participativa, e parece estar
pouco informada sobre os principais pontos de conflito e debate sobre o tema.

Evolução da consciência ambiental da população brasileira

O período pós-Rio 92 apresentou um crescimento significativo no nível de informação e


preocupação da sociedade brasileira para com as questões relativas à sustentabilidade .
Três pesquisas de opinião pública recentes comprovam esta evolução: “O que os
brasileiros pensam dos índios”, “O que os brasileiros esperam do novo Código
Florestal” e “O que o brasileiro pensa do meio ambiente e do consumo sustentável”.

A primeira delas, sobre a questão indígena, foi realizada pelo Ibope, a pedido do
Instituto Socioambiental. Foram ouvidos dois mil homens e mulheres em todo o
território nacional entre 24 e 28 de fevereiro de 2000, expressando as opiniões dos
brasileiros sobre os índios às vésperas das comemorações dos 500 anos do
"Descobrimento do Brasil". Os resultados foram surpreendentes (ISA, 2000).

Embora a grande maioria dos brasileiros viva em cidades ou regiões distantes das terras
indígenas, 78% dos entrevistados revelaram ter interesse no futuro dos índios. A
pesquisa mostrou que os brasileiros têm uma imagem positiva dos índios: 88%
concordam que eles conservam a natureza e vivem em harmonia com ela; 81% acham
que eles não são preguiçosos e apenas encaram o trabalho de forma diferente da nossa;
89% afirmam que eles não são ignorantes e apenas possuem uma cultura diferente da
nossa; e 89% consideram que eles só são violentos com aqueles que invadem as suas
terras.

Dentre os entrevistados, 82% opinaram que o governo federal deveria atuar para evitar a
extinção dos povos indígenas e para promover a sua defesa. 75% consideram que os
índios precisam ser protegidos e ensinados e 93% afirmaram que eles devem receber
uma educação que respeite os seus valores.

A demarcação das terras indígenas também recebeu expressivo apoio dos brasileiros.
Informados de que os índios representam apenas 0,2% da população brasileira e têm
direitos de posse permanente e de usufruto exclusivo sobre 11% do território nacional,
apenas 22% dos entrevistados consideram que é muita terra para pouco índio, enquanto
outros 68% entendem que a extensão das terras indígenas é adequada ou insuficiente.
Mesmo nas regiões norte e centro oeste, onde se situam 99% da extensão total das terras
indígenas, 59% dos entrevistados consideram-na adequada ou insuficiente, enquanto
34% acham que é muita terra.

11
Perguntados especificamente sobre o caso dos índios que falam português e se vestem
como nós, 70% dos brasileiros consideram que os seus direitos territoriais devem ser
mantidos, contra 24% que acham que deveriam perdê-los.

O reconhecimento do direito dos índios a serem diferentes de nós é um consenso


nacional: 92% da população acham que eles devem ter o direito de continuar vivendo de
acordo com os seus costumes, opinião confirmada pelos 91% que consideram que eles
devem ter espaço para viver conforme a sua cultura. 67% discordam que os índios
devessem ser preparados para abandonar a selva e viver como nós. Estes índices são
ainda maiores entre os entrevistados que têm instrução de nível superior.

A segunda pesquisa citada, sobre o Código Florestal, foi realizada pelo o Instituto Vox
Populi, em maio de 2000 (ISA, 2000 b), a pedido do Instituto Socioambiental,
Greenpeace, WWF e Grupo Estado, e repetida em setembro de 2001, com o objetivo de
levantar a opinião dos brasileiros sobre as mudanças propostas para o Código Florestal,
a lei 4.771/65, em tramitação do Congresso Nacional.

As pesquisas, procuraram aferir qual o nível de informação sobre tais mudanças e quais
as tendências da opinião pública brasileira em relação à proteção das florestas no país.
As questões, foram formuladas considerando os argumentos que vinham sendo usados
por parlamentares e entidades ruralistas que defendem mudanças no Código Florestal a
fim de possibilitar o aumento do desmatamento na Amazônia.

Com relação ao principal uso que deve ser dado à floresta, 92% dos entrevistados
responderam, em 2000, que deveriam ser o uso dos recursos florestais, incluindo
extração de madeira, extrativismo e ecoturismo, sem desmatamento. Este percentual
evoluiu para 96% quando a pesquisa foi repetida no ano seguinte.

Quanto aos atuais percentuais de 20% que os proprietários de terras na Amazônia


podem desmatar, 45% dos entrevistados em 2000 e 37% em 2001 responderam que
este índice deveria ser mantido. Por outro lado, evoluiu de 49% para 58% os brasileiros
que consideram que este percentual deveria ser reduzido nos dois anos da pesquisa.

Outra resposta surpreendente foi para a pergunta se o entrevistado votaria em um


deputado ou senador que defende o aumento da área de desmatamento das florestas
brasileiras. O índice de resposta negativa de 88% dos entrevistados, considerado alto em
2000, cresceu para 94% em 2001.

A última pesquisa referida, “O que o brasileiro pensa do meio ambiente”, é um


levantamento nacional de opinião que vem sendo realizada a cada 4 anos,
conjuntamente pelo Ministério do Meio Ambiente e pelo Iser, uma ONG do Rio de
Janeiro, desde 1992.

A pesquisa foi realizada nos anos de 1992, 97 e 2001, o que permite uma avaliação
consistente da evolução da consciência ambiental no Brasil. Os dados foram coletados
pelo Ibope em todas as regiões brasileiras (ISER, 2001).

Segundo esta pesquisa, cresceu consideravelmente o número de brasileiros que ouviram


falar do efeito-estufa. Eles eram 46% em 1997 e passaram a 56% em 2001, e destes
últimos, 76% identificaram corretamente o fenômeno.

12
De 1992 para 2001, evoluiu de 22% para 31% o número de pessoas que acreditam que o
meio ambiente deve ter prioridade sobre o desenvolvimento econômico. Em quatro
anos, de 1997 para 2001, cresceu de 23% para 31% o número de pessoas que estão
convencidas de que os nossos hábitos de produção e consumo precisam de grandes
mudanças para conciliar o desenvolvimento com a proteção ambiental.

Apesar do agravamento do desemprego nos últimos dez anos, tanto em 92 quanto em


2001, a mesma maioria de 51% dos brasileiros respondeu negativamente à mesma e
difícil pergunta: “Você estaria disposto a conviver com mais poluição se isso trouxesse
mais emprego?”.

Estes indicadores da evolução da consciência socioambiental dos brasileiros revelam o


impacto positivo das ações realizadas no país no período pós-Rio 92.

Neste período, muitas questões nacionais foram mapeadas e identificadas e, em diversas


áreas, tornou-se possível realizar mobilização positiva para resolvê-los. Embora
insuficientes, merecem registro os progressos na área dos recursos naturais estratégicos.
A definição de políticas, os inventários e a busca de consenso sobre a questão da
biodiversidade envolveram, em incontáveis workshops e discussões nas diferentes
regiões, a comunidade acadêmica, as populações tradicionais e os movimentos sociais
diretamente ligados ao tema. O mesmo vem ocorrendo com a água e as florestas.

Além disso, o meio ambiente, suas más e boas práticas, entraram na pauta das redes de
televisão, dos jornais e dos periódicos semanais que produziram um número
significativo de matérias especializadas de excelente qualidade, que informaram a
opinião pública e influenciaram os formadores de opinião. Lideranças sociais,
governamentais, empresariais e científicas fizeram diagnósticos e parcerias, tomando
iniciativas que se tornaram referências positivas a serem multiplicadas em escala
maiores.

É possível afirmar que o maior ganho da última década foi o reconhecimento de que a
solução para os problemas ambientais reside na noção de “desenvolvimento
sustentável”, tal como a havia proposto o relatório Brundtland em 1987, sacramentado
pelas Nações Unidas em 1992. Depois de uma fase experimental e delicada, hoje
podemos considerá-lo vitorioso e atribuir ao Brasil um papel importante em sua
consolidação como conceito operacional e pragmático para os países em
desenvolvimento.

A idéia de um novo modelo de desenvolvimento para o século XXI, compatibilizando


as dimensões econômica, social e ambiental surgiu para resolver como ponto de partida
no plano conceitual, o velho dilema entre crescimento econômico e redução da miséria
de um lado, e preservação ambiental de outro. O conflito vinha, de fato, se arrastando
por mais de vinte anos, em hostilidade aberta contra o movimento ambientalista
enquanto estes, por sua vez, encaravam o desenvolvimento econômico como
naturalmente lesivo, e os empresários como seus agentes mais representativos.

O acordo político em torno do “desenvolvimento sustentável”, apesar de habilidoso foi


recebido de início com um certo estranhamento, tanto pelos ambientalistas que temiam

13
perder terreno para prioridades sociais e econômicas, quanto para os
desenvolvimentistas, que não desejavam restrições ao crescimento.

Tendo em vista tais desconfianças, amadurecer a idéia de desenvolvimento sustentável


como um processo gradual de aproximação entre as três instâncias, econômica, social e
ambiental para garantir a sobrevivência a longo prazo, foi o principal desafio dos
últimos dez anos. Já em 1997, o Relatório do Iser, contendo avaliações qualitativas a
partir de entrevistas com as principais lideranças ambientais brasileiras, aponta suas
adesões à nova abordagem, talvez pelos bons resultados da aproximação crescente entre
as áreas social e ambiental.

Neste período, muitas ONGs concretizaram parcerias com os três níveis de governo e,
talvez por esta razão tenham-se tornado mais sensíveis a uma ampla gama de atores e
interesses de diferentes áreas, uma vez que as fontes de financiamento deixaram de ser
internacionais e passaram ser cada vez mais domésticas. Esta aproximação da sociedade
organizada com o chamado Brasil Real certamente forneceu experiências menos
ortodoxas, mais diversificadas e positivas.

O fato inesperado, contudo, foi a rápida mudança de predisposição de um segmento


representativo do empresariado em desenvolver alternativas para incorporar preceitos de
responsabilidade social e ambiental nas empresas. Isto se deveu em parte porque a
conservação deixou de se opor indiscriminadamente ao crescimento, mas também
porque se expandiram os negócios ambientais nos países desenvolvidos.

Os avanços culminaram com a adesão de expressivas lideranças regionais e locais à


disseminação de “foruns de desenvolvimento sustentável ” e de parcerias as mais
diversas, buscando um novo modelo de desenvolvimento a partir do planejamento
estratégico e das consultas participativas, e da internalização do conceito de
sustentabilidade nos projetos sociais, ambientais e nas políticas públicas.

O grande ausente do debate é, ainda, a área econômica governamental, pouco inclinada


a aceitar, e muito menos a incorporar, custos ambientais em uma economia com graves
desequilíbrios macroeconômicos, especialmente déficit fiscal e do balanço de
pagamentos e baixa produtividade da economia.

Governança, Meios de Implementação e Informação

Nos últimos dez anos, houve uma evolução positiva no aparato legal com vistas a
possibilitar o gerenciamento dos problemas socioambientais no Brasil.

Foram editadas várias leis importantes, como o Estatuto das Cidades; a Lei das Águas,
que estabeleceu o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e a Política
Nacional de Recursos Hídricos; a Lei de Crimes Ambientais, que estabeleceu sanções
penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente; a
Lei que dispõe sobre a criação da Agência Nacional de Águas - ANA, entidade federal
de implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e de coordenação do
Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos; e a Lei que instituiu o
Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC.

14
Os resultados destes avanços legais, no entanto, ainda não se traduziram em melhoria
da sustentabilidade no país.

Há várias explicações para esta situação. De um lado, há um excesso de formalismo por


parte dos responsáveis pela implementações de ações de conservação do patrimônio
ambiental brasileiro. Muitas leis são editadas, reformuladas e abandonadas sem que
sejam sequer implementadas. Nestes casos, o próprio processo de elaboração de leis é
considerado como uma forma de se evitar a ação direta e objetiva para a solução de
problemas evidentes.

Na maioria das vezes, no entanto, leis importantes e inovadoras não se manifestam na


prática devido a conflitos políticos, carências de recursos para o financiamento da
implantação das políticas públicas e pela debilidade das organizações governamentais
responsáveis por sua aplicação.

É inegável que existe uma carência crônica de recursos para a adequada atuação de
órgãos públicos fundamentais para a gestão socioambiental no país. O próprio
Ministério do Meio Ambiente é um exemplo desta situação: nos últimos anos seu
orçamento veio sendo anualmente reduzido, caindo de um patamar irrisório de apenas
0,51% do orçamento da União em 1995, para 0,13% em 2000 (MPOG, 2002).

A carência de recursos, no entanto, não pode ser utilizada como único argumento para
explicar a inação do poder público no enfrentamento dos conflitos socioambientais no
país. Há problemas estruturais graves com agravam estes conflitos.

Experiências positivas, em muitos casos implementadas ou financiadas pelo próprio


governo, não são efetivamente aproveitadas para a formulação de políticas públicas
capazes de replicá-las para que tenham um impacto efetivo na melhoria geral da
qualidade de vida do país. A falta de integração e coordenação dos diferentes órgãos do
governo para criar uma sinergia e tornar as ações mais efetivas e eficazes é um outro
grave entrave. Em muitas situações, órgãos públicos fundamentais para a boa
implementação das ações não são devidamente envolvidos. No caso do Programa
Avança Brasil, por exemplo, apesar de seus impactos sobre o meio ambiente e
populações tradicionais, o ibama, a Funai e o Ministério do Meio Ambiente não
participaram efetivamente no processo decisório.

Há. ainda problemas relacionados à falta de ferramentas básicas de gestão. A recente


crise energética mostrou que mecanismos de planejamento e controle falharam em
reconhecer o problema e apresentar soluções adequadas.

Desta forma, não basta buscar leis mais rígidas, políticas mais detalhadas ou mais
recursos para conseguir-se resultados mais efetivos na ação pública. Os maiores
problemas estão na implementação destas leis e políticas.

É inegável que no Brasil, as condições gerais da economia foram desfavoráveis à


solução de nossos problemas sociais, tendo em vista a severidade do ajuste fiscal e a
carência crônica de recursos que deixaram o setor público debilitado para investir na
recuperação do meio ambiente, mas também no cumprimento de suas funções legais
mínimas de supervisão, coordenação, fiscalização e controle.

15
Em compensação, devemos reconhecer que, graças a esta debilidade, apressou-se a
dissolução do Estado centralista, não apenas em favor dos governos locais, mas também
de novas e dinâmicas parcerias entre a Sociedade e o Governo. Estas parcerias não têm
sido suficientes, porém, para romper a fragmentação das políticas públicas, cuja ótica
setorial e isolada sempre prevalece sobre a lógica da complementaridade, que exige
flexibilidade institucional e a gratificação ainda impossível de um resultado
compartilhado por duas ou mais autoridades governamentais.

Outro campo mediador entre a Sociedade e o Governo foram os conselhos, em geral


apenas consultivos, encarregados de acompanhar as políticas públicas estaduais e locais,
cuja extensão às mais diferentes áreas não impede que seja constatados os seus limites
visíveis em termos de capacidade de gestão e de controle. Não resta dúvida, porém, que
representam o embrião de uma sociedade mais inovadora, presente e ativa.

A vulnerabilidade do Estado reduziu, mas não anulou, a importância de alguns avanços


verificados no marco legal, especialmente a consolidação da descentralização política e
da democracia participativa previstas na Constituição de 1988 em relação às quais o
Brasil tem sido pioneiro. Ambas as práticas, quando conjugadas, permitem maior
eficácia das ações, além da multiplicação das iniciativas estaduais e locais de proteção
ambiental.

Um dos mais graves problemas do modelo institucional do país é o sistema de


informações ambientais, ainda bastante precário em função do tamanho e da diversidade
do território, mas também de uma cultura política patrimonial, na qual o processo
decisório prescinde dos dados pertinentes em benefício de pressões econômicas e de
arranjos políticos regionais.

A despeito dos esforços recentes, pouco ou nada se consegue avançar no ordenamento


territorial e no zoneamento econômico-ecológico, nos indicadores e no monitoramento
das áreas e problemas críticos. Tais carências dificultam a mobilização da sociedade e
as definições de governo, imprescindíveis para acelerar os pactos e acordos em favor da
sustentabilidade ambiental. Uma das raras exceções é a experiência do Instituto de
Pesquisas Espaciais que vem produzindo informações anuais sobre desmatamento na
Amazônia.

É necessário substituir neste particular as informações precárias geradas pela burocracia


pelas informações tecnicamente qualificadas obtidas pela comunidade científica e os
centros de pesquisa. Descentralizar a produção da informação integrando-as em redes é
outro grande desafio.

16
A EVOLUÇÃO DAS RESOLUÇÕES DA RIO-92

O Brasil tem aderido a vários acordos internacionais na área ambiental nas


últimas décadas. A assinatura de muitos destes documentos são importantes para
legitimar frente à comunidade internacional a preocupação e disposição do governo
brasileiro em trabalhar em prol da sustentabilidade (ver Tabela 1 a seguir). Ao
mesmo tempo, os acordos internacionais firmados podem ser uma maneira de a
sociedade brasileira saber o compromisso de seus governantes frente a questões
socioambientais, e assim ter legitimidade para cobrar sua implementação. Nesta
seção examinaremos de que forma o governo e sociedade brasileira têm debatido e
implementado os seus acordos internacionais. Começamos com um texto de
Leonardo Boff sobre um documento que não foi firmado na Rio 92, mas que surgiu a
partir dela: a Carta da Terra. A seguir, para ter uma amostra significante da
implementação dos atos intenarcionais assinados pelo país, escolhemos para este
livro analisar alguns dos principais documentos discutidos na Conferência das
Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio 92). Os documentos
selecionados são a Convenção sobre Mudanças Climáticas, a Convenção sobre a
Diversidade Biológica, Agenda 21, o Protocolo de Florestas e a Convenção sobre
Combate a Desertificação.
Para estes textos, foram convidados especialistas da sociedade civil que estão
envolvidos com ações de implementação ou pesquisa sobre temas abordados pelos
referidos documentos. A discussão sobre a implementação da Convenção sobre
Mudanças Climáticas foi liderada por Daniel Nepstad, Márcio Santilli e Geórgia
Carvalho, grupo ligado ao Instituto de Pesquisas Amazônicas (IPAM) e ao Woods
Hole Research Center. Logo após, Nurit Bensuan do ISA examina os avanços e
obstáculos na implementação da Convenção sobre Diversidade Biológica no Brasil.
A seguir, Rubens Born do Instituto Vitae Civilis relata os resultados e todo o esforço
feito no processo de construção da Agenda 21 Nacional. Para discutir o Protocolo de
Florestas, Roberto Smeraldi ligado aos Amigos da Terra colaborou. Finalmente,
Felipe Jafim da Articulação do Semi-árido completa a análise dos documentos
escolhidos com um exame da situação da Convenção sobre Combate a
Desertificação.

Tabela 1 - Documentos Internacionais Relacionados à Meio Ambiente: Posição do


Brasil

Ato Ementa Brasil


Mudança Climática Alcançar a estabilização das Ratificou em
concentrações de gases de efeito 28/02/94
estufa na atmosfera em um nível
que impeça uma interferência
antrópica perigosa no sistema
climático
Protocolo de Quioto Regular os níveis de concentração Assinou em 1998
de gases de efeito estufa
Convenção de Viena sobre a Proteger a saúde humana e o meio Ratificou em
Camada de Ozônio ambiente contra os efeitos adversos 15/12/89

17
que resultem de modificações da
camada de ozônio
Convenção da Basiléia sobre Reduzir movimentos Ratificou em
Controle de Movimentos transfronteiriços de resíduos 16/06/92
Transfronteiriços de Resíduos perigosos ao mínimo, minimizar a
Perigosos e seu Depósito quantidade de resíduos gerados
Código Internacional de Estabelecer responsabilidades e Assinou
Conduta na Distribuição e Uso modelos voluntários de conduta
de Pesticidas para instituições públicas e
privadas engajadas ou relacionadas
com o uso e distribuição de
pesticidas
Convenção de Roterdã sobre Promover esforços de Assinou
consentimento prévio de responsabilidade e cooperação
procedimentos para certas entre as Partes no comércio
substâncias químicas internacional de certas substâncias
químicas de risco, procurando
proteger a saúde humana e o meio
ambiente de possíveis danos
Convenção sobre Poluentes Proteger a saúde humana e o meio Assinou
Orgânicos Persistentes ambiente de poluentes orgânicos
persistentes
Convenção das Nações Unidas Estabelecer um novo regime legal Ratificou em
sobre o Direito do Mar abrangente para os mares e 09/11/87
oceanos, estabelecer regras práticas
relativas aos padrões ambientais,
regulamentação da poluição do
meio ambiente marinho
Acordo para a Implementação Assegurar a conservação a longo Assinou em 1995
da Convenção das Nações prazo e uso sustentável de estoques
Unidas sobre o Direito do Mar, de peixes tranzonais e de peixes
sobre Estoque de Peixes altamente migratórios
Tranzonais e de Peixes
Altamente Migratórios
Convenção Internacional para Conservar o ambiente marinho Ratificou em
Prevenção da Poluição por através da completa eliminação da 04/04/96
Navios MARPOL 73/78 poluição internacional por óleo e
outras substâncias nocivas e da
minimização de descargas
acidentais destas substâncias
Convenção Internacional sobre Garantir uma compensação Ratificou em
Responsabilidade Civil por adequada às pessoas que venham a 30/09/76
Danos causados pela Poluição sofrer danos causados por poluição
por Óleo (1969) resultante de fuga ou descarga de
óleo proveniente de navios, adotar
regras e procedimentos
internacionalmente uniformes
Convenção Internacional sobre Assegurar a implementação das Em estudo para
Responsabilidade e obrigações sobre responsabilidade e adesão
Compensação por Danos compensação estabelecidas e tomar

18
Conexos com o Transporte de as medidas legais para impor as
Substâncias Nocivas e Perigosas sanções consideradas necessárias,
por Mar (1996) visando à efetiva execução dessas
obrigações
Convenção Internacional para Assegurar que compensação Assinou
Estabelecimento de um Fundo adequada esteja disponível às
Internacional para a pessoas que sofram danos causados
Compensação de Danos por poluição por óleo resultantes de
causados por Poluição de Óleo derramamentos ou
(1971) descarregamento acidentais de óleo
por navios
Convenção Internacional sobre Prevenir acidentes de poluição Ratificou
Prontidão, Resposta e marinha provocada por óleo de
Cooperação na Poluição de Óleo acordo com o princípio de
precaução (Convenção
Internacional de Segurança da Vida
no Mar e MARPOL)
Convenção Internacional para a Estabelecer um sistema de Ratificou em
Regulamentação da Pesca da regulamentação internacional 09/03/50
Baleia aplicável à pesca da baleia afim de
assegurar a conservação e aumento
da espécie baleeira, tornar possível
o desenvolvimento ordenado da
indústria baleeira
Convenção para Proteção do Estabelecer um sistema efetivo de Ratificou
Patrimônio Cultural e Natural do proteção coletiva do patrimônio
Mundo cultural e natural, garantindo seu
valor e organizando bases
permanentes de acordo com
métodos científicos modernos
CITES – Convenção sobre o Proteção de certas espécies da Ratificou em
Comércio Internacional das fauna e da flora selvagens contra 24/06/75
Espécies da Flora e Fauna sua excessiva exploração pelo
Selvagens em Perigo de comércio internacional.
Extinção (1973)
Convenção sobre Diversidade Conservação da diversidade Ratificou em
Biológica biológica, utilização sustentável de 03/02/94
seus componentes e a repartição
justa e eqüitativa dos benefícios
derivados da utilização dos
recursos genéticos mediante ao
acesso adequado a estes recursos e
à transferência adequada de
tecnologias pertinentes
Protocolo de Biossegurança Garantir que o desenvolvimento,
manuseio, transporte, uso e
liberação de qualquer organismo
geneticamente modificado (OGM)
seja feito de uma maneira que
previna ou reduza os riscos para a

19
biodiversidade, levando em conta
riscos para a saúde humana.

Compromisso Internacional Assegurar que a diversidade dos


sobre Recursos Genéticos de recursos genéticos de plantas dos
Plantas para Agricultura e para ainteresses econômicos ou sociais,
Alimentação particularmente para agricultura e
alimentação, será conservada.
Acordo Internacional de Proporcionar um quadro efetivo Estado Membro
Madeiras Tropicais - ITTA para consulta, cooperação Ratificou em
internacional e desenvolvimento de 28/11/97
políticas no que respeita aos
aspectos relevantes da economia
mundial da madeira
Convenção das Nações Unidas Lutar contra a desertificação e Ratificou em
pelo Combate à Desertificação mitigar os efeitos da seca nos 25/06/97
países afetados, em particular a
África, mediante a adoção de
medidas eficazes, apoiadas por
cooperação e acordos
internacionais, no marco do
enfoque acordado na Agenda 21,
para contribuir com o
desenvolvimento sustentável das
zonas afetadas
Convenção de Ramsar – Conservação e uso consciente de Ratificou
conservação e uso sábio das zonas úmidas com ação nacional e
zonas úmidas e dos seus cooperação internacional como
recursos meio de atingir o desenvolvimento
sustentável.
Segurança Nuclear Atingir e manter um alto nível de Ratificou
segurança nuclear no mundo
através de medidas nacionais e
internacionais de cooperação,
estabelecer e manter efetiva defesa
em instalações nucleares contra
potenciais riscos radiológicos
Fonte: dados do Instituto Socioambiental

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