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Skinner vai
ao Cinema! Volume 2!
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www.walden4.com.br!
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Michela Rodrigues Ribeiro!
Ana Karina Curado Rangel de-Farias!
Organizadoras!
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2014!
Instituto Walden4!
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Skinner vai ao cinema (Volume 2), 1a ed.!
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Organizado por Michela Rodrigues Ribeiro e Ana Karina Curado Rangel de-
Farias!
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Brasília, Instituto Walden4, 2014!
262 p.!
ISBN: 978-85-65721-04-2!
1. Psicologia !
2. Behaviorismo !
3. Análise do Comportamento!

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Capa: Rodolfo Nunes!
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imagens e fotografias:!
http://www.corbisimages.com!
http://www.iconarchive.com!
Cenas extraídas dos filmes discutidos

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Aos nossos familiares, que nos amam, nos apoiam e
valorizam nossas conquistas.!
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Aos nossos clientes e alunos, que nos inspiram, nos
desafiam e são grandes fontes reforçadoras para
nosso trabalho.

Sobre os autores!
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Alessandra de Cássia Araújo Fonseca Lledó!
Especialista em Análise Comportamental Clínica, pelo Instituto Brasiliense de Análi-
se do Comportamento (IBAC). Área de atuação: Análise Comportamental Clínica.!
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Alessandra Rocha de Albuquerque!
Doutora em Ciências do Comportamento, pela Universidade de Brasília (UnB). Pro-
fessora da Universidade Católica de Brasília (UCB). Áreas de atuação: Controle de
Estímulos.!
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Ana Karina C. R. de-Farias!
Mestre em Processos Comportamentais, pela Universidade de Brasília (UnB). Psi-
cóloga do Núcleo Regional de Atenção Domiciliar – Hospital Regional do Gama –
Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES-DF). Professora do Instituto
Brasiliense de Análise do Comportamento (IBAC). Áreas de atuação: Análise Com-
portamental Clínica, Comportamento Social, Psicologia da Saúde.!
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Ana Karina Vieira de Bezerril Beltrão !
Formação em Análise Comportamental Clínica, pelo Instituto Brasiliense de Análise
do Comportamento (IBAC). Graduada em Psicologia, pelo Centro Universitário de
Brasília (UniCEUB). Área de atuação: Análise Comportamental Clínica.!
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André Amaral Bravin !
Mestre em Ciências do Comportamento, pela Universidade de Brasília (UnB). Pro-
fessor da Universidade Federal de Goiás (UFG) – Campus Jataí. Áreas de atuação:
Farmacologia e Toxicologia Comportamental, Análise Comportamental Clínica.!
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Carlos Augusto de Medeiros!
Doutor em Psicologia, pela Universidade de Brasília (UnB). Professor do Centro
Universitário de Brasília (UniCEUB) e do Instituto Brasiliense de Análise do Compor-
tamento (IBAC). Áreas de atuação: Comportamento Verbal, Análise Comportamental
Clínica.!
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Cláudio Herbert Nina e Silva!
Mestre em Psicologia pela Universidade Católica de Goiás. Professor da Faculdade
de Psicologia da Universidade de Rio Verde (UniRV). Áreas de atuação: Psicopato-
logia Comparada Psicanálise – Psicologia Analítica Junguiana, Etofarmacologia da
Ansiedade e Cognição Animal.!
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Fábio Henrique Baia!
Doutor em Ciências do Comportamento pela UnB. Professor Adjunto da Universida-
de de Rio Verde (UniRV). Áreas de atuação: Análise Comportamental Clínica; Adic-
ção e Análise Comportamental da Cultura e fenômenos sociais.!
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Helen Carolina Ferreira Pereira!
Graduada em Psicologia pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Área de
atuação: Análise Comportamental Clínica.!
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Maria Verônica Studart Lins de Albuquerque!
Especialista em Análise Comportamental Clínica, pelo Instituto Brasiliense de Análi-
se do Comportamento (IBAC). Área de atuação: Análise Comportamental Clínica.!
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Michela Rodrigues Ribeiro!
Doutora em Psicologia, pela Universidade de Brasília (UnB). Professora do Centro
Universitário de Brasília (UniCEUB). Áreas de atuação: Comportamento de Escolha,
Análise Comportamental Clínica.!
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Raquel Maria de Melo!
Doutora em Psicologia, pela Universidade de Brasília (UnB). Professora do Depto.
de Processos Psicológicos Básicos, Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília
(UnB). Área de atuação: Controle de Estímulos.!
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Patrícia Serejo de Jesus!
Mestre em Processos Comportamentais, pela Universidade de Brasília (UnB). Área
de atuação: Análise Comportamental Clínica.!
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Penélope Ximenes!
Doutoranda em Educação, pela Universidade de Brasília (UnB). Área de atuação:
Análise Comportamental Clínica.!
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Sara Alves Martins!
Especialista em Análise Comportamental Clínica, pelo Instituto Brasiliense de Análi-
se do Comportamento (IBAC). Área de atuação: Análise Comportamental Clínica.!
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Wanderson Barreto !
Especialista em Avaliação Psicológica pela Faculdade Arthur Thomas. Graduado em
Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Áreas de atuação: Análise
Comportamental, Avaliação Psicológica e Sexualidade Humana!
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Yvanna Aires Gadelha-Sarmet!
Mestre em Psicologia, pela Universidade de Brasília (UnB). Área de atuação: Análi-
se Comportamental Clínica.!
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ii
Sumário!
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Sobre os autores .......................................................................................................... i
Sumário ...................................................................................................................... iii

Prefácio ...................................................................................................................... iv

“Batman” e os três níveis de seleção: Filogenia, ontogenia e cultura ........................ 1


Fábio Henrique Baia, André Amaral Bravin e Cláudio Herbert Nina e Silva

“Alfie, o sedutor”: A promiscuidade masculina no olhar comportamental ................ 38


Ana Karina Vieira de Bezerril Beltrão e Carlos Augusto de Medeiros

“500 dias com ela”: Análise comportamental de relações afetivas ............................ 64


Helen Carolina Ferreira Pereira e Carlos Augusto de Medeiros

Homossexualidade, coerção e homofobia em “Orações para Bobby” ....................... 90


Wanderson Barreto e Michela Rodrigues Ribeiro

“Invictus”: Uma lição sobre análise de contingências ............................................... 111


Raquel Maria de Melo e Alessandra Rocha de Albuquerque

“Meu pai, uma lição de vida”: Análise de contingências durante a velhice ............... 134
Alessandra Rocha de Albuquerque e Raquel Maria de Melo

“A nova onda do imperador”: Aprendizagem de habilidades sociais e o 157


estabelecimento de relações de amizade ....................................................................
Yvanna Aires Gadelha-Sarmet, Patrícia Serejo de Jesus e Penélope Ximenes

“Instinto”: Descrição, previsão e controle do comportamento violento ..................... 186


Maria Verônica Studart Lins de Albuquerque e Ana Karina C. R. de-Farias

Regras, coerção e eventos privados em “Sozinho contra todos” ................................ 221


Sara Alves Martins e Ana Karina C. R. de-Farias

“28 dias”: Análise Contingencial do Ambiente de Internação para o Tratamento de 240


Dependência Química ................................................................................................
Alessandra de Cássia Araújo Fonseca Lledó e Ana Karina C. R. de-Farias

iii
Prefácio!
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! B. F. Skinner – o proponente da Análise do Comportamento – sempre priori-
zou a educação em seu trabalho. Para ele, não existiam alunos ruins, incapazes de
aprender, mas sim contingências que não favoreciam a aprendizagem. Talvez, o
aluno não tivesse aprendido porque o professor ainda não teria utilizado a melhor
estratégia de ensino para aquele aluno específico. Isso, na verdade, tem sido um
grande desafio para os professores. Vamos considerar nossa sociedade atual. Al-
guns autores, como Juan Pozo – um teórico da aprendizagem da atualidade –, a de-
finem como a “sociedade da informação”, na qual a disponibilidade de informações
pode gerar um aumento da aprendizagem; por outro lado, entretanto, pode colocar
os indivíduos em contato com informações supérfluas e superficiais, gerando uma
condição na qual sabemos pouco de muitas coisas. Além disso, nessa “sociedade
da informação”, o avanço tecnológico reforça a busca por respostas imediatas, por
estimulação constante e por conclusões obtidas após pouca reflexão. !
! Tendo em vista esse cenário, um professor que precisa ensinar conteúdos
curriculares, às vezes pouco estimulantes e que terão conexão com outros conteú-
dos apenas em médio ou longo prazo, pode se ver em dificuldades para ensinar.
Daí, surgem algumas questões: como ensinar conteúdos acadêmicos que compe-
tem com a diversidade de informações disponíveis atualmente? Quais são as me-
lhores estratégias de ensino? O que o professor pode fazer para motivar o aluno?
Uma alternativa interessante consiste em trabalhar conteúdos curriculares utilizando
análises de filmes. Tal estratégia tem sido largamente utilizada para o ensino de
Psicologia, mas em geral as discussões permanecem no nível do debate oral em
sala de aula. Com a proposta de oferecer capítulos que discutam diferentes temas
em Análise do Comportamento, de forma que o aluno possa não só refletir sobre o
filme em si, mas também aprender a aplicar certos conceitos em situações análogas
à realidade, além de poder consultar material escrito e esclarecer dúvidas sempre
que necessário, organizamos, em 2007, o primeiro volume de “Skinner vai ao cine-
ma”, livro com análises de filmes que abordavam temas diversos. Tendo em vista
sua boa aceitação, optamos por sua republicação em edição revista e atualizada, e
pela elaboração do presente volume, que apresenta análises de novos filmes. !
! No primeiro capítulo, Fabio Baia, André Bravin e Cláudio Herbert Nina e Silva
trazem uma discussão sobre os diferentes níveis de seleção do comportamento em
uma sequência de filmes adorados pelos amantes dos super heróis – a trilogia do
Batman. Em seguida, dois capítulos enfocam os comportamentos de sedução e as
relações amorosas sob o ponto de vista comportamental, a partir da análise dos fil-
mes “Alfie, o sedutor” (por Ana Karina Vieira de Bezerril Beltrão e Carlos Augusto de
Medeiros) e “500 dias com ela” (por Helen Carolina Ferreira Pereira e Carlos Augus-
to de Medeiros), indicando as contingências presentes na aprendizagem de padrões
afetivos. No quarto capítulo, Wanderson Barreto e Michela Rodrigues Ribeiro tam-

iv
bém abordam relações interpessoais, entretanto sob um enfoque familiar, em um
contexto de conflito devido à homossexualidade de um filho. O filme “Orações para
Bobby” apresenta a dificuldade de uma família em aceitar a homossexualidade, e
suas atitudes homofóbicas são analisadas sob o ponto de vista dos diversos perso-
nagens. !
! Em seguida, com a análise do filme “Invictus”, conceitos sobre aprendizagem,
análise funcional e agências de controle são abordados por Raquel Maria de Melo e
Alessandra Rocha de Albuquerque. No sexto capítulo, as mesmas autoras trazem o
ponto de vista da Análise do Comportamento a respeito do envelhecimento, adoe-
cimento e das possibilidades de mudança de comportamento e aprendizagem, en-
focando o personagem principal e suas relações familiares no filme “Meu pai: Uma
lição de vida”. Já no sétimo capítulo, Yvanna A. Gadelha-Sarmet, Patrícia Serejo de
Jesus e Penélope Ximenes apresentam, a partir da análise do desenho “A nova
onda do imperador”, aspectos sobre o funcionamento da terapia analítico-compor-
tamental infantil e do treinamento de habilidades sociais na infância. !
! Os dois capítulos seguintes apresentam personagens cujo padrão comporta-
mental mais característico é marcado por comportamentos violentos, realizando a
análise das contingências que os levaram a desenvolverem tal padrão. No filme
“Instinto”, Maria Verônica Studart L. de Albuquerque e Ana Karina C. R. de-Farias
discutem a descrição, previsão e controle do comportamento agressivo, levando em
consideração os três níveis de variação e seleção do comportamento. Em seguida,
Sara Alves Martins e Ana Karina C. R. de-Farias apresentam os efeitos da coerção e
de regras no mundo privado do personagem principal de “Sozinho contra todos”. !
Por fim, Alessandra de Cássia Fonseca A. Lledó e Ana Karina C. R. de-Farias, com
a análise do filme “28 dias”, discutem o tratamento da dependência química em um
contexto de internação, apontando como os conceitos básicos da Análise do Com-
portamento podem auxiliar no entendimento e intervenção nesses casos.!
! Skinner tinha razão! Para ensinar bem, é preciso utilizar estratégias que al-
cancem o interesse do aluno e motivem o professor. As sugestões aqui estão à dis-
posição para aqueles que querem usar o recurso do cinema como estratégia de en-
sino de conceitos e reflexões da Análise do Comportamento. Agora, é só pegar a
pipoca e bons filmes a todos!!
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Michela R. Ribeiro!
Ana Karina C. R. de-Farias!
As Organizadoras!
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v
“BATMAN” E OS TRÊS NÍVEIS DE SELEÇÃO: FILO-
GENIA, ONTOGENIA E CULTURA!
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Fábio Henrique Baia1!
Fesurv – Universidade de Rio Verde!
Universidade de Brasília !
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André Amaral Bravin!
Universidade Federal de Goiás – Campus Jataí!
Universidade de Brasília !
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Cláudio Herbert Nina e Silva!
Fesurv – Universidade de Rio Verde!

Título do Filme: Batman Begins!


Título Original: Batman Begins!
Ano: 2005!
Diretor: Christopher Nolan!
Produtor: Charles Rowen Emma e Thomas Larry Franco!
Lançado por: Warner Bros.

Aos 6 anos, Bruce Wayne (Gus Lewis) presencia o assassinato seguido de


roubo de seus pais. Anos após o traumático evento o jovem Bruce Wayne (Christian
Bale) abandona seus estudos universitários e retorna à sua cidade natal, Gotham
City, para acompanhar o julgamento que concederá liberdade condicional a Joe Jill
(Richard Brake), o assassino de seus pais. Acompanhado por sua amiga de infância

1 E-mail: contato@fabiobaia.com.br

1
e par romântico Rachel Dawes (Kate Holmes), o jovem milionário presencia o as-
sassinato do homem que tirou a vida de seus pais. Rachel acompanha a saída de
Bruce do julgamento. Bruce revela a Rachel que planejou matar Jill. Sua amiga se
revolta e leva Bruce ao centro da miséria de Gotham. Rachel diz a Bruce que os
verdadeiros culpados pelo assassinato dos pais de Bruce são os mafiosos que pro-
duzem “novos Jills” a cada dia. Bruce decide enfrentar o mafioso mais poderoso da
cidade. Bruce se encontra com o mafioso Carmine Falcone (Tom Wilkinson), o man-
dante da morte de Jill. Os dois discutem e Falcone mostra a Bruce como todo o sis-
tema judiciário de Gotham é corrupto. Falcone diz a Bruce que ele nunca entenderá
verdadeiramente um criminoso, por conseguinte, não será capaz de compreender
o mundo do crime, pois é rico e famoso demais para poder compreender as
razões de alguém se tornar criminoso. Após o encontro com Falcone,
Bruce Wayne decide fugir de sua cidade deixando para trás a vida
de milionário para compreender como um criminoso se comporta
e quais são suas motivações. Anos depois, Bruce acorda em
uma prisão na China após ter pesadelos com o dia em que
caiu em uma caverna na propriedade de seus pais. Bruce
briga na prisão e é levado para a solitária. Dentro da soli-
tária está um homem que se apresenta como Henri Du-
card que mais tarde descobriremos se tratar na verdade
de Ra’s Al Ghul (Liam Neeson), líder da Liga das Som-
bras, organização que planeja a destruição de Gotham
City, cidade que representa o crime e a decadência da
humanidade. Pela lógica de Ra’s, a morte de milhares de
habitantes de Gotham faria com que as pessoas de todo o
mundo reconsiderassem seu modo de vida e estabeleces-
sem políticas contra a criminalidade. Sem saber dos planos
de Ra’s, Bruce aceita o convite e é treinado. No teste final de
treinamento Ra’s ordena a Bruce que execute um criminoso e o
informa de seus planos para Gotham. Bruce se recusa a matar, di-
zendo que o que o diferencia do criminoso é justamente o fato de não
ser um assassino. Bruce luta contra os membros da Liga das Sombras para
salvar sua cidade natal e explode a base da organização. Sem saber que Ducard é
na verdade Ra’s, Bruce o salva como gratidão por lhe treinar e o orientar em sua
busca por vingança contra os criminosos.!
De volta a Gotham, Bruce é informado por seu mordomo Alfred Pennyworth
(Michael Caine) que, por ter sumido por 7 anos, foi declarado como morto, tendo a
empresa de seus pais sido dirigida por William Earle (Rutger Hauer), que pretende
tornar a empresa pública, vendendo as ações que pertenciam a Bruce. Bruce tam-
bém descobre que Falcone domina a cidade e que sua amiga Rachel tenta fazer
justiça – como auxiliar da promotoria de justiça – no caso que investiga o mafioso

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Falcone. Bruce decide lutar contra o crime organizado da cidade e se alia a James
Gordon (Gary Oldman), um sargento incorruptível da polícia local. Usando uma fan-
tasia inspirada em um morcego e equipamentos tecnológicos avançados fornecidos
por Lucius Fox (Morgan Freeman), Bruce se torna Batman, um justiceiro que forne-
ce à policia e ao sistema judiciário condições para prender os criminosos de
Gotham. Como Batman, Bruce intercepta um carregamento de drogas e consegue
que Falcone seja preso. Na ação Batman descobre que apenas metade do carre-
gamento seria utilizado em vendas, o restante seria enviado a alguém do Narrows,
um bairro do subúrbio de Gotham onde está localizado o Asilo Arkham, manicômio
onde estão presos os maiores criminosos da cidade. Em sua investigação Batman
descobre o envolvimento do Dr. Jonathan Crane (Cillian Murphy), um criminoso que
usa a alcunha de Espantalho e utiliza um gás que insufla o medo nas pessoas.!
Batman e Espantalho lutam e, sob os efeitos de gases tóxicos, Batman é incendiado
e precisa fugir recebendo ajuda de Alfred e Lucius, que preparam um antídoto para
a droga.!

Bruce desperta dos efeitos da droga três dias após o embate com o Espanta-
lho. Já é aniversário de Bruce e, durante a festa de aniversário, Bruce descobre que
Ra’s Al Ghul está vivo e que pretende destruir Gotham naquela noite. Bruce luta
contra Ra’s, que vence a luta colocando fogo na mansão Wayne. Bruce consegue
escapar e luta contra Ra’s que intoxicou todo o Narrows com a droga do medo do
Espantalho. Batman vence a luta, e não salva Ra’s da morte, salvando a cidade de
uma intoxicação generalizada que destruiria seus habitantes. Com o feito Batman é
considerado herói pelos habitantes de Gotham. Nas ruínas da mansão, Bruce Way-

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ne conversa com Rachel dizendo que a ama, porém sua amiga informa que Gotham
precisa mais do Batman do que ela precisa de Bruce. Assim Rachel informa a Bruce
que quando a cidade não mais precisar de uma inspiração como Batman para com-
bater o crime ela será sua esposa. Na cena final, o sargento Gordon informa a Bat-
man que um louco fantasiado de palhaço está matando pessoas e praticando rou-
bos, deixando na cena do crime uma carta de baralho que representa o Coringa.!

Título do Filme: Batman - “O Cavaleiro das Trevas”!


Título Original: Batman - The Dark Knight!
Ano: 2008!
Diretor: Christopher Nolan!
Produtor: Charles Rowen Emma e Christopher Nolan!
Lançado por: Warner Bros.

Os eventos desse filme ocorrem 2 anos após o primeiro. A cena de abertura é


um assalto a banco no qual o único bandido sobrevivente é o Coringa (Heath Led-
ger) que consegue fugir. Gordon (agora Tenente) e a detetive Ramirez (Monique
Curnen) investigam o assalto. Batman chega ao cofre e pede a Gordon para apre-
ender todo o dinheiro que está sendo lavado pela máfia em bancos da cidade. Gor-
don diz que dependerá do promotor público Harvey Dent (Aaron Eckhart) para con-
seguir o mandato. Os chefes da máfia, preocupados com o andamento dos fatos,
fazem uma reunião com seu contador Lau (Chin Han). Lau, em fuga para China, in-
forma aos mafiosos que tomou medidas preventivas para resguardar o dinheiro da
máfia. A reunião é interrompida por Coringa que se oferece para matar Batman. A

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operação de busca nos bancos é fracassada pelas precauções de Lau. Dent e Gor-
don discutem, e cada um culpa os confederados do outro de estarem ligados à má-
fia. Batman vai à China e consegue prender Lau, que colabora com a polícia e per-
mite a prisão de todos os chefes da máfia. O Coringa ameaça a população caso
Batman não releve sua identidade civil. Bruce realiza uma festa para arrecadar fun-
dos para a campanha para eleger Dent como promotor público. Rachel (Maggie Gyl-
lenhaal), que é assistente e na-
morada de Harvey Dent, avisa
a Bruce (pretendente a namo-
rado de Rachel) que não pode
mais esperar por ele. O Corin-
ga invade a festa na tentativa
de matar Dent. O Comissário
Loeb (Colin McFarfalane) e a
Juíza Surilo são mortos por
atentados planejados pelo pa-
lhaço do crime. O Coringa
ameaça ainda matar o prefeito
Anthony Garcia (Nestor Camp-
bell) durante o enterro do co-
missário Loeb. Na homenagem
a Loeb, o Coringa realiza um
atentado atirando contra o pre-
feito. Gondon se coloca na fren-
te do prefeito, recebe os tiros e morre. Dent tortura um dos comparsas do Coringa
para obter informações sobre o que o Coringa planeja para sua noiva Rachel. Bat-
man impede que Dent mate o criminoso e lhe diz que Dent é o cavaleiro branco de
Gotham, o homem que pode inspirar os habitantes da cidade. Batman informa a
Dent que irá se revelar para impedir mais mortes pelo Coringa. Dent realiza uma co-
letiva de imprensa e declara ser Batman e é preso. Na transferência para prisão, o
Coringa tenta matar Dent, é impedido por Batman e é preso por Gordon – que, ao
contrário do que todos pensavam, ainda estava vivo. Na cadeia o Coringa é tortura-
do por Batman, que deseja saber onde está Harvey Dent. Coringa informa que Dent
e Rachel foram pegos por seus comparsas, estão em diferentes locais da cidade e
que apenas um poderá ser salvo. Batman decide salvar Rachel, mas é levado ao
local onde estava Dent e o salva, entretanto ele tem o rosto desfigurado por quei-
maduras. Rachel morre, mas antes diz a Dent em um telefonema que aceita casar-
se com ele. O Coringa foge da cadeia e leva Lau consigo. Em seguida, ele ameaça
explodir um hospital se Coleman Reese (Joshua Hart), que diz saber quem é o
Batman, não seja morto. Bruce salva Reese. O Coringa diz a Dent que não é culpa-
do pela morte de Rachel, e que os verdadeiros culpados seriam os policiais corrup-

5
tos e o líder da máfia Salvatore Maroni (Eric Roberts). Dessa forma, convence Dent
a se vingar da morte de Rachel. Dent aparece como o vilão Duas Caras e mata poli-
ciais corruptos e o mafioso Maroni. A morte de suas vítimas é decidida por uma mo-
eda jogada ao alto, no conhecido jogo cara ou coroa. Em outra de suas investidas, o
Coringa explode o hospital e seqüestra um ônibus com 50 pacientes, ameaçando
matar todos os habitantes de Gotham. Em duas balsas que estão no rio, uma com
civis e outra com criminosos, foram colocadas bombas com um detonador, o Corin-
ga informa que o detonador explode a barca oposta, e caso ninguém acione o deto-
nador, ambas as barcas explodirão. Batman e Gordon localizam o Coringa. Batman
luta contra o Coringa, ninguém detona os explosivos da barca oposta e o Coringa é
preso. Nos escombros do prédio onde Rachel foi morta Dent ameaça a família de
Gordon. Batman chega ao local, luta contra Dent, que acaba morto ao cair do pré-
dio. Batman diz a Gordon que ele deve culpá-lo pela morte de Dent para evitar que
a imagem de Dent seja associada a de um assassino. Dent é considerado um már-
tir, recebe homenagens enquanto Batman é considerado um criminoso e é caçado
pela polícia.!
! !
Personagens e Personalidade!
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A análise da personalidade de personagens ficcionais tem sido empregada
com bons resultados para aperfeiçoar o aprendizado de teorias da personalidade
(Weiten, 2009). Uma das principais vantagens da utilização de personagens famo-
sos da ficção seria a de tornar “o estudo das teorias da personalidade mais agradá-
vel e interessante para o aluno” (Mueller, 1985, p. 75). No entanto, devido à redução
da freqüência do hábito da leitura, o uso de personagens literários por professores
de Psicologia foi sendo substituído por personagens da televisão e do cinema como
ilustração de estudos de caso de teorias da personalidade (Polyson, 1983). Em um
estudo sobre a preferência de alunos de graduação de Psicologia por recursos didá-
ticos específicos, Carlson (2000) observou que a maioria dos participantes preferiu a
discussão da personalidade de personagens de filmes de grande sucesso comercial
em detrimento de outros recursos didáticos para o estudo de teorias da personali-
dade.!
Dessa forma, justifica-se o uso dos filmes “Batman Begins” e Batman: “O Ca-
valeiro das Trevas” para apresentar a perspectiva da Análise do Comportamento
acerca da personalidade. Ambos os filmes ilustram a noção analítico-comportamen-
tal de que a personalidade é um conjunto de vários repertórios de comportamento
adquiridos por uma pessoa ao longo de sua vida (Skinner, 1969/1980). Os filmes
dispensam a referência a conflitos inconscientes e se concentram em mostrar como
os resultados daquilo que as personagens fizeram ao longo de suas vidas tornaram-
nas aquilo que elas são atualmente. !

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Mas o que significa “ser” alguém? “Ser” significa fazer, comportar-se (Skinner,
1989/1995). Então, “ser” o Batman ou o Coringa significa comportar-se de uma de-
terminada forma em alguns contextos específicos e não em outros. Tornar-se o
Batman ou o Coringa não depende do “desejo” ou da “vontade”, mas sim da exposi-
ção do indivíduo à contingências ambientais peculiares.!
Dessa maneira, conhecer a personalidade de uma pessoa significa saber o
que ela faz e conhecer os contextos responsáveis pelas ações dela (Skinner,
1974/1993). Nesse sentido, pode-se entender a personalidade como sendo um con-
junto de comportamentos que o indivíduo desenvolveu a partir de suas experiências
de interação com o ambiente (Linton, 1945). Aquilo que se chamará de “Eu” dora-
vante neste capítulo, portanto, resume-se “à pessoa, seu corpo e comportamentos
em interações características com o meio, tomadas como objetos discriminativos de
seu próprio comportamento verbal” (Keller & Schoenfeld, 1950/1974, p. 385).!
Em “Batman Begins”, a noção de personalidade em termos de comportamen-
tos e não de estruturas internas é ilustrada claramente na cena em que Bruce Way-
ne se comporta frivolamente em um restaurante na presença de uma atônita Ra-
chel. Na companhia de duas belas modelos, Wayne promove uma arruaça na fonte
de um restaurante e, posteriormente, tenta se justificar a Rachel afirmando que ele
não era apenas aquilo e que, por dentro, ele era muito mais. Rachel dá a ele uma
resposta que sintetiza a proposta analítico-comportamental para o estudo da perso-
nalidade que será discutida a seguir: “Bruce, não é o que você é por dentro que im-
porta: é o que você faz que define você”.!

Batman e Bruce Wayne: Múltiplos “Eus” Coexistindo na Mesma Pele!


De acordo com a revisão de várias análises psicológicas sobre “O Cavaleiro
das Trevas”, realizada por Lang (1990), a estória do Batman é apresentada como
um exemplo de discussão sobre o “conflito inconsciente” entre personalidades opos-
tas. O debate é se a “verdadeira” personalidade de Bruce Wayne seria o Batman ou
não. Contudo, sob a ótica analítico-comportamental, essa tentativa de estabelecer
uma distinção entre as personalidades aparentemente contrastantes de Bruce Way-
ne e Batman perde a razão de existir. Afinal, muitos “eus”, entendidos como repertó-
rios de comportamento distintos (Skinner, 1974/1993), passaram a coexistir na
mesma pele de Bruce Wayne ao longo de sua história de vida.!
A visão do senso comum considera a personalidade como algo que o indiví-
duo possua e não como algo que ele faça (Skinner, 1989/1995). Em virtude dessa
noção de “posse”, acredita-se que, se a pessoa tem uma personalidade “extroverti-
da”, então ela deverá exibir comportamento extrovertido em todos os contextos. Por
causa dessa noção equivocada de coerência transcontextual da personalidade, jul-
ga-se que Bruce Wayne e Batman são personalidades “conflitantes” e, portanto, mu-
tuamente excludentes (Lang, 1990).!

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Contudo, partindo-se do pressuposto de que contingências distintas estabe-
lecem pessoas distintas (Skinner, 1989/1995), pode-se afirmar que seria inadequa-
da a busca de coerência de “personalidade”. Na realidade, Bruce Wayne e Batman
são diferentes “eus” em um único corpo físico. Cada um desses “eus” foi construído
e se expressará em contextos específicos. O filho traumatizado, o milionário incon-
seqüente, o amigo leal, o inimigo brutal, o amante apaixonado, o justiceiro vingativo
e o homem da lei são os múltiplos “eus” que se constituíram no complexo conjunto
de repertórios de comportamento adquiridos por Bruce Wayne com o decorrer dos
anos. !

É importante esclarecer que a noção de múltiplos “eus” é diferente do concei-


to de “personalidade múltipla”. Os “eus” correspondem a repertórios de comporta-
mento emitidos de acordo com as contingências em vigor destituídos de quaisquer
rótulos de “normalidade” ou “patologia”. Por outro lado, o conceito de “personalidade
múltipla” pressupõe uma hipotética “patologia”, o chamado Transtorno de Identidade
Dissociativa, no transcurso do qual, após a ocorrência de um trauma psicológico,
“personalidades-hóspedes” disputam o controle do comportamento do indivíduo com
a “personalidade original” (Barlow & Durand, 2008). Portanto, a noção de “eus” diz

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respeito às diversas interações de uma pessoa com contextos específicos, ao passo
que a idéia de “personalidade múltipla” se reporta a estruturas internas fictícias em
interação consigo mesmas. !
Com bastante precisão, o filme “Batman Begins” revela a aprendizagem dos
diferentes repertórios de comportamento que, eventualmente, darão origem ao “eu”
nomeado como Batman. O primeiro aspecto da vida de Bruce Wayne enfatizado
pelo filme, ao contrário da visão defendida pela maioria das análises psicológicas
sobre a personalidade do Batman, organizadas por Lang (1990), não foi o trauma do
assassinato dos pais. Antes disso, o filme apresenta cenas que revelam que o com-
portamento do menino Bruce Wayne foi colocado sob o controle de regras estabele-
cidas por seu pai Thomas Wayne. !
Embora haja controvérsia sobre a definição de regra (Ribes-Iñesta, 2000;
Schlinger & Blakely, 1987), o termo regra no presente trabalho está sendo utilizado
com o significado de estímulo discriminativo verbal que especifica uma determinada
contingência (Skinner, 1969/1980). Nesse sentido, as regras estabelecidas por
Thomas Wayne delimitavam a amplitude dos comportamentos do jovem Bruce
Wayne e, no futuro, do próprio Batman. Dentre as regras de Thomas Wayne, podem
ser citadas: “Bruce, por que caímos? Para aprender a nos levantarmos”; “Devemos
lutar pela justiça em Gotham”; “Todas as criaturas têm medo, especialmente as as-
sustadoras”; e “Não tenha medo”. !
O comportamento governado por regras tem uma peculiaridade: ele está re-
lacionado a duas contingências temporalmente distintas (Skinner, 1969/1980). A
mais afastada no tempo aponta para a razão primordial de existência da regra. Já a
mais próxima temporalmente reforça o próprio comportamento de seguir a regra.
Dessa maneira, enquanto a contingência mais próxima incentiva o comportamento,
a mais afastada fornece a justificativa para a ocorrência dele (Baum, 1994/1999).
Por exemplo, no caso da regra “devemos lutar pela justiça em Gotham”, a justificati-
va é a busca da justiça, enquanto o reforço cotidiano que a mantém se encontra na
erradicação progressiva do crime em Gotham por meio da prisão dos delinqüentes.!
Portanto, não é o evento traumático do homicídio dos pais que deve ser en-
carado como sendo a condição ambiental exclusiva para o surgimento do “eu” Bat-
man. Se parte significativa dos comportamentos do Batman foi modelada a partir da
exposição direta a contingências durante e após o trauma do assassinato, tais como
o período vivido entre os criminosos, a moral que caracteriza a ação do Batman
pode ser entendida como comportamento governado por regras estabelecidas no
contato com o médico humanitário Thomas Wayne antes do assassinato. Por outro
lado, o “eu” Batman caracterizado pelo comportamento aguerrido, violento e militar-
mente eficiente do Batman foi modelado pelas contingências estabelecidas por Ra’s
Al Ghul durante o treinamento de ninjitsu na Liga das Sombras. Quando Ducard/
Ra’s pergunta a Bruce Wayne porque ele procurou a Liga das Sombras, ele respon-
de que pretendia levar o medo àqueles que usavam o medo como arma contra os

9
inocentes. Ducard/ Ra’s replica que se Wayne desejasse usar o medo como arma,
ele deveria primeiro aprender a lidar com o próprio medo. !
A partir daí, Ducard/Ra’s estabeleceu um ambiente para desenvolvimento do
autoconhecimento. Esse também é um dos objetivos da psicoterapia, isto é, de de-
senvolvimento de autoconhecimento para Wayne. A psicoterapia pode ser entendida
como um contexto no qual contingências são estabelecidas com o intuito de aumen-
tar a freqüência do comportamento de auto-observação (Skinner, 1989/1995). Du-
card/Ra’s modelou esse comportamento de automonitoração e de autodescrição de
Wayne paralelamente ao treino ninjitsu. Essa medida tomada por Ra’s foi extrema-
mente importante para o estabelecimento do “eu” Batman, porque o eu somente
pode ser conhecido através de auto-observação e de autoconhecimento modelados
pela comunidade verbal na qual o indivíduo se insere (Skinner, 1989/1995). !
Todas essas variáveis na história de vida de Batman colaboraram para a
construção de seu(s) “eu(s)”. Desse modo, observa-se que o filme “Batman Begins”
ilustra de forma bastante clara a multideterminação do comportamento do Batman.
De acordo com Skinner (1953), da mesma forma que uma causa única pode ter
múltiplos e simultâneos efeitos sobre o comportamento de um organismo, um com-
portamento específico pode ser o resultado de múltiplas causas.!

O Coringa e a Tese do Dia Ruim!

Até antes do desfecho surpreendente de “O Cavaleiro das Trevas”, o espec-


tador é levado a crer que tudo aquilo que o Coringa fez no decorrer do filme foi ser
um “agente do caos”, completamente anormal e inexplicável. Contudo, os compor-
tamentos-problema do Coringa foram estabelecidos a partir dos mesmos princípios
gerais de aprendizagem responsáveis pelo desenvolvimento dos chamados compor-
tamentos normais (Lundin, 1969/1977).!
Em “A Piada Mortal” (Moore & Bolland, 1988), história em quadrinhos que
inspirou parte do roteiro de “O Cavaleiro das Trevas”, o Coringa afirma que não exis-

10
tem quaisquer diferenças tangíveis entre ele e qualquer outra pessoa, pois “só é
preciso um dia ruim para reduzir o mais são dos homens a um lunático” (p. 45). Já
no filme, vê-se o Coringa buscando demonstrar a sua tese do dia ruim. Para tanto,
ele organizou contingências que visavam aumentar a frequência de comportamen-
tos-problema desempenhados por Harvey Dent e, com isso, desacreditá-lo diante
da sociedade de Gotham como promotor. !
Além disso, o Coringa tenta modelar o comportamento do Batman e levá-lo a
se comportar do mesmo modo que o próprio Coringa. O objetivo primordial do Co-
ringa em “O Cavaleiro das Trevas” não era matar o Batman (ele inclusive afirma a
importância que Batman tem para sua existência, uma vez que isso lhe dá sentido à
vida e que um depende do outro), mas sim provar a sua hipótese de qualquer pes-
soa pode vir a ser como ele, basta ser exposto às condições necessárias para tanto.
Quando se depara com o Batman, o Coringa diz a ele: “Para eles [o povo de
Gotham], você é só um louco”. !
A visão niilista e o comportamento brutal do Coringa foram, provavelmente,
efeitos colaterais de contingências aversivas, mas o filme não revela isso de manei-
ra explícita como em A Piada Mortal. Nessa história, o Coringa é apresentado como
um comediante fracassado, empobrecido e desempregado, cuja esposa grávida
morre eletrocutada em um acidente doméstico (Moore & Bolland, 1988). No filme,
apenas o fato de todas as várias versões para a origem do Coringa fazerem refe-
rência a uma vida de dissabores, permite inferir um histórico de comportamentos
de esquiva de humilhação pessoal.!
O filme mostrou claramente como o “eu” cruel e impiedoso conhe-
cido como o Duas Caras foi o resultado direto da exposição de Harvey
Dent a eventos aversivos pelo Coringa ao longo do filme. Ao libertar
criminosos de alta periculosidade do manicômio judiciário Asilo
Arkham e iniciar uma brutal onda de terrorismo urbano, o Coringa
estabeleceu contingências programadas para: (1) punir o comporta-
mento de seguir a lei emitidos por Harvey Dent; e (2) reforçar negati-
vamente o comportamento de transgressão da lei por parte dele. !
Por exemplo, o comportamento de Harvey Dent de seguir as
normas legais de investigação criminal foi consequenciado pelo Corin-
ga com o assassinato de uma juíza e do comissário de polícia de
Gotham. Por outro lado, quando essa campanha terrorista se aproximou
do auge, com a tentativa quase bem-sucedida de assassinato do prefeito de
Gotham e do suposto baleamento do Tenente Gordon durante os funerais do chefe
de polícia de Gotham, vários comportamentos de infringir a lei, emitidos por Harvey
Dent, como torturar um preso sob custódia policial, passaram a ser reforçados nega-
tivamente ao evitar, provisoriamente, a ocorrência de novos assassinatos. Por meio
desse processo, o Coringa modelou o “eu” Duas Caras.!

11
Em virtude disso, o Duas Caras passou a se enquadrar na categoria das pes-
soas que “desistem da sociedade” depois de passarem por eventos coercitivos ex-
tremos (Sidman, 1989/2003). E depois da ocorrência de dois eventos cruciais resul-
tantes da ação do Coringa, o assassinato de Rachel e a deformação irreversível por
queimaduras do rosto de Dent, o “eu” Duas Caras passou a predominar em
freqüência sobre o “eu” Harvey Dent, demonstrando que a tese do dia ruim do Co-
ringa faz sentido.!
É importante lembrar, entretanto, que as pessoas reagem aos eventos aver-
sivos de formas distintas por causa de sua história de vida (Sidman, 1989/2003). O
Batman, o Coringa e o Duas Caras perderam entes queridos, fontes inestimáveis de
reforçamento positivo, de forma trágica. Todos passaram a usar o medo como arma,
a topografia de seus comportamentos apresentava grande similaridade. No entanto,
retomando a noção de multideterminação do comportamento, os “eus” predominan-
tes no repertório de cada um desses personagens poderiam ser atribuídos uma sé-
rie de fatores, tais como a idade na qual os eventos aversivos cruciais ocorreram, o
suporte financeiro, social e afetivo de que dispuseram, as desfigurações físicas pe-
las quais passaram e,, sobretudo, um fator que é bem ilustrado em ambos os filmes,
as regras que controlaram os comportamentos de cada um dos três foram tão dís-
pares a ponto de fazer com que um se tornasse herói e, os outros, vilões. As regras
de Thomas Wayne contribuíram para o comportamento justiceiro do Batman, afas-
tando-o da vingança e aproximando-o da justiça e de uma noção ética bem peculiar,
como será discutido mais à frente neste capítulo.!
!
Sentimentos, Emoções e Análise do Comportamento em “Bat-
man”!
!
O medo é tema recorrente em ambos os filmes. Batman e Ra’s Al Ghul rela-
tam que imprimir medo nos inimigos é efetivo no controle dos comportamentos du-
rante o combate. Já os mafiosos e o Coringa dizem que o medo é o melhor caminho
para atingirem suas ambições. A sociedade ocidental atribui ao medo uma função
causal do comportamento. Para Rodrigo Pimentel, um comentarista de segurança
da TV Globo, traficantes cariocas colocam fogo em automóveis para “causar” medo
na população e, diante de tal sentimento os governantes atenuam o combate ao
crime (Folha.com, 2010; Pimentel, 2010). Entretanto, Skinner (1989/1995) aponta
que sentimentos e emoções não causam comportamentos. Sendo assim, resta
questionar que papel as emoções e os sentimentos desempenham em relações
comportamentais? Como definir emoções e sentimentos?!
Os termos emoções e sentimentos têm sido utilizados de maneira indiscrimi-
nada por analistas do comportamento. É possível distinguir entre os elementos defi-
nidores de tais termos. Emoções podem ser descritas, grosso modo, como respos-
tas reflexas, já sentimentos podem ser definidos genericamente como respostas

12
verbais a essas emoções. Assim, o medo pode ser descrito como emoção quando
se destaca os estados fisiológicos como aceleração cardíaca, tremores e desconfor-
to abdominal. Já medo como sentimento é a emissão da resposta verbal “estou com
medo” que descreve todos os estados corpóreos anteriormente descritos. Ou seja,
medo como sentimento é um comportamento operante controlado por eventos refle-
xos antecedentes e por conseqüências liberadas por audiências treinadas (isto é,
ouvintes).!

O problema dessa definição é a criação de distinções nem sempre tão cla-


ras. O tremor das mãos e a aceleração cardíaca são reflexos que compõem a emo-
ção medo como a emoção paixão. Um jovem pode observar aceleração cardíaca e
tremores na presença de seu pai que acaba de ser informado de um mal feito, nes-
se contexto ele pode dizer que teve a emoção de medo. Por outro lado, esse mes-
mo jovem em sua primeira experiência sexual pode ter as mesmas respostas (tre-

13
mor e aceleração cardíaca) eliciadas pela namorada nua e descrever tais sensa-
ções como excitação ou paixão. Apesar das semelhanças das respostas fisiológicas
o jovem provavelmente conseguiria descrever claramente os sentimentos que teve.
Essa distinção é proveniente também da propensão a se engajar novamente em
comportamentos relacionados aquelas sensações. Se a probabilidade de se engajar
é baixa o jovem dirá ter sentido medo, por outro lado, se a probabilidade for alta dirá
ter sentido paixão. Assim a definição de sentimentos e emoções revela interação
entre eventos reflexos e operantes.!
Se o uso dos termos emoção e sentimentos têm sido realizado de maneira
indiscriminada o mais correto seria utilizar um termo que não destaca apenas com-
ponentes reflexos ou operantes, mas sim interações entre esses eventos. Darwich e
Tourinho (2005) propõem o uso do termo respostas emocionais, já que esse versa-
ria sobre a interação sem dar excessivo destaque a elementos reflexos ou operan-
tes. Reconhecer emoções e sentimentos como interações reflexos-operantes não
significa atribuir qualquer papel causal na determinação do comportamento por es-
ses eventos. Pelo contrário, essa definição permite considerar que um mesmo estí-
mulo desempenha papel múltiplo na determinação de comportamentos. Por exem-
plo, vídeos de agressão a crianças podem funcionar como estímulos condicionados
para eliciação de reflexos, ao mesmo tempo funcionarem como operações estabe-
lecedoras para emissão de comportamentos que tenham como consequências a
remoção desses estímulos. !
Portanto, considerar emoções ou sentimentos como interações nos ajudam a
prever comportamentos ao considerar os eventos ambientais que produzam essas
interações, sendo possível compreender o papel desempenhado pelo ambiente na
determinação de cada resposta em interação. A seguir será apresentado como es-
tímulos participam da determinação de reflexos e comportamentos operantes com
destaque a suas funções e os processos de aprendizagens envolvidos. Com isso,
será possível compreender a “função” do medo na trama dos filmes aqui analisados. !

Sentimentos Determinados por Condicionamento Reflexo!


Como dito anteriormente, respostas emocionais envolvem a compreensão de
reflexos. Watson foi o primeiro behaviorista a se dedicar ao estudo das emoções
dando destaque a interações reflexas. Para Watson as emoções são respostas cor-
póreas eliciadas (isto é, produzidas) por estímulos antecedentes. Na tentativa de
compreender os determinantes dessas respostas Watson conduziu experimentos
baseados na noção do condicionamento reflexo (Gehm & Carvalho Neto, 2010; Kel-
ler & Schoenfeld, 1950/1974).!
O princípio do condicionamento respondente foi primeiramente relatado em
um discurso proferido por Pavlov (1903/2005) sendo depois melhor exposto pelo
próprio autor em outros trabalhos (por exemplo, Pavlov, 1927/2005; 1934/2005).
Nesses trabalhos Pavlov descreveu o processo no qual um estímulo neutro (NS) –

14
incapaz de produzir respostas dada sua apresentação – tornava-se um estímulo
condicionado (CS). Note que a definição dos estímulos ocorre dependendo de (1) a
eliciação de uma resposta e (2) a necessidade de treino para aquisição da função
eliciadora da resposta. Estímulos que não dependem de treino para eliciar respostas
são chamados de estímulos incondicionados (US) – já que nenhuma condição é ne-
cessária para que esse estímulo elicie respostas –, enquanto que estímulos que de-
pendem de treino para eliciar respostas são chamados de estímulos condicionados
(CS). Já a respostas são diferenciadas em função do estímulo eliciador, assim res-
postas produzidas por US são classificadas como respostas incondicionadas (UR).
Por outro lado, respostas produzidas por estímulos condicionados são chamadas de
respostas condicionadas (CR)2. !
Pavlov (1934/2005) delineou um experimento para investigar o processo no
qual um NS torna-se um CS em um contexto de estudo da salivação de um cão.
Nesse estudo, inicialmente um som (NS) foi apresentado a um cão e não se obser-
vou nenhuma resposta de salivação em função da apresentação do estímulo. Na
segunda fase, uma carne foi apresentada ao animal (colocada em sua boca) e ob-
servou-se que o cão salivava. Uma vez que a carne produziu uma resposta sem ne-
cessidade de treino classificou-se a carne como estímulo incondicionado (US), já a
resposta de salivação eliciada pela carne foi classificada como resposta incondicio-
nada (UR). Na terceira fase carne (US) e som (NS) foram emparelhados (isto é,
apresentados em conjunto), e foi observado que o cão continuava a salivar (UR). Na
última fase apenas o som (CS) foi apresentado e observou-se que o cão salivava
(CR) dada à apresentação exclusiva do som. Com este estudo demonstrou-se que o
som tornou-se um estímulo condicionado em função do emparelhamento ao US.
Nesse caso foram necessários alguns emparelhamentos para que o NS se tornasse
CS.!
Rescorla (1988) avançou os trabalhos de Pavlov ao demonstrar que o condi-
cionamento reflexo não ocorre em função do emparelhamento de estímulos, mas
sim por meio do estabelecimento de relações contingentes entre estímulos incondi-
cionados e estímulos neutros. A principal diferença entre as propostas de Pavlov
(emparelhamento) e Rescorla (contingências) tange sobre como estímulos neutros
(NS) tornam-se estímulos condicionados (isto é, estímulos antes neutros, mas que
após processo de aprendizagem tornam-se capazes de eliciar respostas específi-
cas). Enquanto para Pavlov o condicionamento depende do pareamento, ou seja,
apresentar o NS em conjunto com CS, para Rescorla a contingência é o elemento
determinante.!

2 As siglas utilizadas são abreviações do inglês, como pode ser notado a seguir. Unconditioned sti-
mulus (estímulo incondicionado) – US; Unconditioned Response (resposta incondicionada) – UR;
Neutral Stimulus (estímulo neutro) – NS; Conditioned Stimulus (estímulo condicionado) – CS; Condi-
tioned Response (resposta condicionada) – CR.

15
Rescorla (1968) relata que contingência constitui as relações de probabilida-
de de ocorrência do CS na presença do US, contrastada com a probabilidade de
ocorrência do CS na ausência do US. Portanto, enquanto o pareamento prevê como
determinante apenas a probabilidade do CS ocorrer junto ao US, na proposta de
contingência deve-se considerar também a probabilidade da ocorrência do CS na
ausência do US. Rescorla delineou um experimento que permitiu verificar a precisão
das previsões da teoria do emparelhamento de Pavlov e sua teoria da contingência.!
No Experimento 1 do trabalho de Rescor-
la (1968), ratos foram treinados a pressionar
uma barra, recebendo comida como reforço.
Após a modelagem foi realizada uma fase na
qual vigorou um esquema VI 2 min. Depois de
observada estabilidade no responder, os sujeitos
foram divididos em três grupos (N=8) sendo ex-
postos à fase de condicionamento reflexo. O
grupo R-1, recebeu choques (US) de maneira
independente da apresentação de tom (CS), po-
rém, a probabilidade de ocorrência de um tom ou
de um choque foram a mesma durante a sessão.
Assim, foi possível que tons e choques tivessem
probabilidade de ocorrer tanto ao mesmo tempo
quanto em momentos distintos, ou seja, a pro-
babilidade de ocorrência em conjunto foi menor
do que 1. O grupo G foi exposto à programação da relação choque-tom de modo
que choques e tons sempre ocorressem em conjunto. Para tanto, foi utilizada a
mesma programação do grupo R-1, porém, choques programados foram cancela-
dos caso a previsão de apresentação não atendesse ao critério de ocorrer em con-
junto ao tom. Assim, a probabilidade de ocorrência de choque e tom em conjunto foi
de 1. Em função do cancelamento de choques, a quantidade de choques nesse
grupo foi menor do que o grupo R-1. Para controlar esse problema, foi programado
o grupo R-2, a programação foi similar ao grupo R-1, porém com a quantidade de
choques recebidos pelos sujeitos do grupo G. Após a fase de condicionamento re-
flexo foi realizada a fase de teste. Tal fase consistia na apresentação do tom (CS)
utilizado na fase anterior durante o esquema de reforçamento VI 2 min. A medida
utilizada para averiguar o efeito de condicionamento reflexo foi a taxa de supressão
de respostas na fase de teste comparada a quantidade de pressão a barra na fase
pré-condicionamento reflexo. Ou seja, a mudança na freqüência de respostas de-
monstraria um efeito disruptivo do CS sobre o comportamento de pressionar a bar-
ra.!
É possível observar nos resultados que os grupos cuja probabilidade de ocor-
rência tom-choque foi menor (grupos R-1 e R-2) apresentaram menor taxa de su-

16
pressão do que o grupo G cuja probabilidade de ocorrência de choque em conjunto
ao tom foi de 1. Assim é possível afirmar que a probabilidade foi a determinante
para o condicionamento reflexo e não o pareamento, já que nos grupos R-1 e R-2
também houve pareamentos, entretanto, o tom não adquiriu o mesmo valor informa-
tivo (isto é, o poder de sinalizar a ocorrência do US) como no grupo G. !

A Flor Azul e a Droga de Dr.


Crane (O Espantalho)!
! Antes de prosseguir com a
análise comportamental do efeito
da droga, urge tecer alguns comen-
tários acerca de uma possível
abordagem integrativa entre os co-
nhecimentos analítico-comporta-
mentais e os achados de áreas or-
ganicistas. A abordagem biocom-
portamental (Donahoe, Burgos &
Palmer, 1993; Donahoe & Palmer,
1994) se baseia no referencial ana-
lítico-comportamental, contudo,
contempla os achados das neuro-
ciências supondo que o conheci-
mento por elas produzido pode be-
neficiar a primeira ao prover “um
modelo de conexões neurais capaz
de conferir maior poder explicativo
ao selecionismo skinneriano” (Ca-
valcante, 1997, p. 263). !
! A pedra angular a qual se
apóia a abordagem biocomporta-
mental é a aceitação de que “o
comportamento complexo pode ser
entendido como o produto cumulativo de processos de reforçamento relativamente
simples” (Donahoe e cols., 1993, p. 18) e que “argumentar a favor de uma integra-
ção da análise experimental do comportamento e da fisiologia de nenhum modo se
sobrepõe à independência da análise do comportamento" (Donahoe e cols., 1993,
p. 19).!
Como é sabido, o objeto de estudo analítico-comportamental são as intera-
ções organismo-ambiente (Skinner, 1953; Todorov, 2007). Na medida em que se
está falando de comportamentos de organismos, suas condições biológicas são re-
quisitos para processos comportamentais ou, como descrito por Starling (2000), são

17
plataforma biológica para os comportamentos. Estes aspectos são constitutivos do
comportamento, seja ele público ou privado (Starling, 2000; Tourinho, Teixeira &
Maciel, 2000).!
Por assim ser, a abordagem biocomportamental supõe que o processo de se-
leção por conseqüências também ocorre no nível orgânico, mais precisamente, no
funcionamento do sistema nervoso central. Conforme descrito por Donahoe e Pal-
mer (1994): !
!
(…) os efeitos seletivos dos ambientes ancestral e individual modificam essa biologia
em termos de conexões entre neurônios. Algumas dessas mudanças são retidas;
isto é, elas são aprendidas. Tais mudanças ocorridas nas conexões neurais perdu-
ram no sistema nervoso e [então], ambientes subseqüentes exercem seus efeitos
seletivos sobre um organismo modificado (p. 23).!
!
De fato os estudos de neuroimagem já têm demonstrado claramente que dife-
rentes histórias de interação (além das farmacológicas) alteram o funcionamento
neural e promovem plasticidade cerebral (Brody e cols., 1998; Paquette e cols.,
2003; Straube, Glauer, Dilger, Mentzel & Miltner, 2006). As psicoterapias, como um
exemplo de interação organismo-ambiente, promovem alterações na plataforma bio-
lógica; dito de outra maneira, a interação do organismo com o ambiente deixa “mar-
cas” no organismo (para o nosso propósito, no sistema nervoso central) e, como
descrito por Donahoe e Palmer (1994), as contingências subseqüentes exercerão
seus efeitos seletivos sobre um organismo modificado. Segundo Cavalcante (1997),
a perspectiva biocomportamental esclarece que “uma vez que processos compor-
tamentais e fisiológicos subjacentes à ação tenham sido selecionados, eles podem
servir àquelas atividades mais sutis designadas como ‘pensar’, ‘lembrar’, ‘imaginar’,
etc.” (p. 270). !
Para a análise do comportamento, ambiente é definido como eventos do uni-
verso capazes de afetar o organismo, e parte desse universo são as condições aná-
tomo-fisiológicas, o mundo sob a pele (Skinner, 1953). Para tanto, salienta-se que:
(a) um conjunto de eventos ambientais (internos ou externos ao organismo) torna-se
ambiente quando se faz diferenciado para ele a partir de suas interações com con-
tingências de reforçamento, que lhe são externas; e (b) do ambiente, é dito que afe-
ta o organismo como um todo, e não partes do mesmo (Tourinho e cols., 2000).!
A discussão central é que para o comportamento tornar-se um operante dis-
criminado, o processo de diferenciação do ambiente interno (fisiológico) é idêntico
ao processo de diferenciação do ambiente externo (físico) do organismo (Tourinho e
cols., 2000). Tal qual posto pelos autores: !
!
(…) universo interno e universo externo são condições para a ocorrência de proces-
sos discriminativos de suas partes, mas não definem o fenômeno comportamental
propriamente dito. Partes do universo tornam-se partes do ambiente de um organis-

18
mo quando passam a controlar diferencialmente suas respostas (antes disso, são
parcelas do universo indiferenciadas para o organismo) (Tourinho e cols., 2000, p.
426).!
!
Parafraseando (Skinner, 1963/1969), sentimentos como a alucinação, medo
ou pânico, por exemplo, enquanto fenômeno comportamental (isto é, enquanto rela-
ção), não são identificados com nenhuma alteração fisiológica específica, embora
tal alteração possa ser constitutiva de uma relação à qual se denomina alucinação,
medo ou pânico. Estímulos alucinatórios de medo ou pânico, não são a mesma coi-
sa que a experiência de alucinação, medo ou pânico. Conforme sumariza Tourinho e
cols. (2000): !
!
(…) no que diz respeito ao ‘ato de sentir’, ou ao sentimento enquanto relação com-
portamental, pode-se estar falando de respostas discriminativas de condições públi-
cas ou privadas; pode-se sentir a aspereza de uma pedra (estímulo/propriedade de
um evento público), ou a contração de um músculo (estímulo/propriedade de um
evento privado). É freqüente a confusão entre ‘ato de sentir’ e ‘coisa sentida’, quan-
do o sentimento envolve a discriminação de estímulos privados. Neste caso, a coisa
sentida é uma condição corporal, produto colateral da história ambiental do indivíduo
(Skinner, 19853) e sua especificação pertence ao campo da anatomia e da fisiologia
(Skinner, 19744). A uma ciência do comportamento cumpre explicar os processos
através dos quais respostas discriminativas de condições corporais tornam-se pos-
síveis (p. 427).!
!
Na trama, Dr. Jonathan Crane (o Espantalho) utiliza um gás que desencadeia
o medo/pânico e alucinações em suas vítimas. Esta estratégia beligerante garante o
sucesso do criminoso que, com
seus alvos nestas condições,
têm maior chance de êxito para
realizar roubos e/ou assassina-
tos. Tal é o potencial bélico da
substância que Ra’s Al Ghul,
para colocar em prática o plano
de destruir Gotham, contamina a
água da cidade com a droga a
fim de estabelecer uma intoxica-
ção generalizada.!
! Presume-se que por sua

3Skinner, B. F. (1985). Cognitive Science and Behaviorism. British Journal of Psychology, 76,
291-301.

4 Skinner, B. F. (1974). About behaviorism. New York: Alfred A. Knopf.

19
formação em medicina com expertise em psiquiatria e especialização em psicofar-
macologia, Dr. Crane conheça a neurobiologia do medo, pânico e alucinação, isto é,
a plataforma biológica que dá sustentação a estes comportamentos. Ele utiliza isso
a seu favor. Enquanto estímulo eliciador, a droga é uma substância ativa no orga-
nismo humano, capaz de interagir com a plataforma biológica e eliciar responden-
tes. A depender das condições de treino para um operante discriminado (inclusive
frente a esta alteração fisiológica), os comportamentos da pessoa podem ser descri-
tos pela comunidade verbal, e pela pessoa em questão, como “medo” ou
“pânico” (Darwich & Tourinho, 2005; Tourinho e cols., 2000), exercer a função de es-
tímulos, e controlar outras respostas do organismo. Adicionado a isso as pessoas
contaminadas apresentam alucinações e delírios, isto é, veem coisas na ausência
da coisa vista, e sentem-se perseguidas ou ameaçadas pelas alucinações ou pelos
outros elementos realmente presentes no ambiente (Skinner, 1974/1993).!
! Neste ponto de vista, trata-se de uma interação respondente-operante. Con-
forme explicado por Darwich e Tourinho (2005), !
!
(…) respostas emocionais são apresentadas como fenômenos complexos que en-
volvem tanto a eliciação de condições corporais específicas quanto a emissão de
operantes. Assim, a definição ou nomeação de uma resposta emocional advém da
discriminação verbal das condições corporais presentes no momento e da relação
de contingência entre a presença de tais estímulos (públicos e privados) e a emissão
de operantes anteriormente selecionados (...). Considera-se, pois, que alterações
que caracterizam respostas emocionais possuem também uma relação com a histó-
ria de reforçamento que permite a um indivíduo responder verbalmente ou não ver-
balmente sob controle discriminativo de alterações em suas condições corporais. (p.
112).!
!
Tal como ocorre de o alimento ser um estímulo incondicionado (US) para a
resposta fisiológica de salivar, uma droga pode ser um US para respondentes os
quais compõem comportamentos que a comunidade verbal ensina-nos a chamar de
medo/pânico, alucinações e delírios (cabe lembrar que outros estímulos, exterocep-
tivos, por exemplo, também fazem parte destas relações). A neurobiologia tem
apontado uma imbricada arquitetura neural relacionada às respostas típicas de
medo/pânico, que foram filogeneticamente selecionadas em nossa espécie (Andrea-
tini e cols., 2001; Blanchard e cols., 2001; Graeff, 2003, 2007; Graeff & Brandão,
1999; Mezzasalma e cols., 2004; Shuhama, Del-Ben, Loureiro & Graeff, 2007). Ao
mesmo tempo a disciplina tem discorrido sobre o funcionamento de estruturas rela-
cionadas a comportamentos ditos delirantes ou de alucinação (Graeff & Brandão,
1999) e algumas destas estruturas são plataforma biológica para ambas as classes
de respostas. O pressuposto de Donahoe e seu grupo (1993, 1994) é que as intera-
ções organismo-ambiente no que tange ao aprendizado de contingências aversivas,

20
dentre outras, selecionarão circuitos neurais relativos à plataforma biológica supraci-
tada.!
Assim, a droga do espantalho pode eliciar respondentes que, em composição
com as estimulações exteroceptivas, são descritos pela comunidade verbal como
sendo típicos de medo/pânico. E ao mesmo tempo esses eventos podem exercer a
função de estímulos e predispor a ocorrência de alucinações e delírios, ou ainda ou-
tros comportamentos, tal como nos diagnósticos de psicoses tóxicas. Em termos
comportamentais, como sumarizado por Darwich e Tourinho (2005):!
!
(…) alterações nas condições corporais podem adquirir função de estímulo discrimi-
nativo, como quando sinalizam a ocasião para uma nomeação apropriada do que
está sendo sentido e quando sinalizam que se está diante de uma alta (ou baixa)
probabilidade de emitir resposta que será reforçada [...]. Estímulos discriminativos
não causam operantes. Independentemente de quais conseqüências a discrimina-
ção de alterações em condições corporais sinalize, a emissão de operantes depende
das conseqüências passadas de respostas da mesma classe em situações seme-
lhantes (p. 117).!
!

Portanto, embora a droga possa predispor a ocorrência de comportamentos


ditos de pânico e alucinações, a maneira de expressar o pânico e o conteúdo das
alucinações e delírios, dependerá da ontogênese, isto é, da história de vida de cada
organismo. Tomemos o próprio Batman como exemplo. Enquanto criança Bruce

21
caiu no poço e a estimulação dolorosa (US) fora emparelhada com os morcegos
(estímulos neutros – NS) que de lá saíram. A aprendizagem ocorrera e uma genera-
lização respondente se deu quando este estava no teatro e viu atores vestidos tal
qual morcegos (estímulos condicionados – CS), simulando seu vôo. Ao sair do tea-
tro sob efeito dos respondentes condicionados, Bruce é exposto a uma nova situa-
ção aversiva: a morte de seus pais. Este evento sugere um novo emparelhamento
(condicionamento de ordem superior), o qual fortalece a função eliciadora do CS em
questão – figura de morcego.!
As interações de Bruce certamente alteraram o comportamento do organismo
como um todo, e no recorte de Donahoe e seu grupo (1993, 1994), alteraram o fun-
cionamento da plataforma biológica relativa à aprendizagem de “medo” e “pânico”. A
primeira exposição de Bruce à droga, enquanto estava sendo treinado por Ra’s Al
Ghul, foi seguida de alucinações e delírios de seu objeto fóbico: morcegos. Após es-
tes eventos, Bruce volta a Gotham e decide tornar-se Batman. Neste meio tempo o
filme demonstra interações que poderiam ser “confundidas” com técnicas compor-
tamentais como a inundação/implosão (por exemplo, ao entrar na caverna e por lá
permanecer mesmo tendo morcegos voando a seu redor, ao mesmo tempo em que
novos emparelhamentos não ocorreram) e o contracondicionamento (por exemplo
quando o já herói Batman executa seus feitos e deixa sua marca, a silhueta de um
morcego). Em resumo, neste período um novo tipo de interação entre Bruce e seu
objeto fóbico ocorrem. A segunda vez que ele é contaminado com a droga, desta
vez uma dose maior administrada pelo Espantalho, ele volta a ter alterações percep-
tuais. Contudo neste momento não ocorre a manifestação de alucinações e delírios
com seu objeto fóbico, haja vista que neste ínterim ocorrera uma nova história de
interação com este objeto, o que alterou a plataforma biológica e a maneira deste
expressar seus comportamentos de “medo”, “pânico” e “alucinações”. Embora não
tenham ocorrido alucinações com o objeto fóbico, propriamente dizendo, Batman
experienciou uma “deformação” da realidade, mais próximo de um efeito descrito
pela literatura psiquiátrica como psicodelia.!
Em suma, estas evidências demonstram que a ontogênese altera o substrato
neural que dá suporte à manifestação dos comportamentos (condicionamentos
aversivos, no presente caso), e que a estimulação deste substrato afeta o compor-
tamento dos organismos em função de suas histórias de interação (os conteúdos de
uma alucinação provavelmente serão aqueles relativos às histórias de aprendiza-
gem aversiva). Novas interações com as contingências de reforçamento (inundação/
implosão, contracondicionamento, no caso do Batman) alteram novamente a plata-
forma biológica, e a estimulação deste substrato afetará o comportamento do orga-
nismo de maneira diferencial ao que ocorrera da primeira vez. !
Outro exemplo é quando Rachel vê a máscara do Espantalho e, sob efeito da
substância, vê uma série de vermes saindo, sobretudo, dos orifícios da máscara.
Provavelmente Rachel possui em sua história de aprendizagem, alguma aversão a

22
insetos. Daí, a estimulação predispõe a ocorrência de delírios e alucinações relati-
vos a insetos, e não a flores ou morcegos, por exemplo.!
Em resumo, contingências de reforçamento (Skinner, 1953) e contingências
de emparelhamento de estímulos (Rescorla, 1968) selecionam tanto comportamen-
tos públicos como respostas encobertas. Segundo Darwich e Tourinho (2005), o
modelo selecionista skinneriano “viabiliza a compreensão de alteração de respostas
emocionais a partir da manipulação de contingências operantes” (p. 117). Estas res-
postas emocionais são acompanhadas de um substrato orgânico, o qual também
sofre efeito das contingências seletivas (Donahoe e cols., 1993; Donahoe & Palmer,
1994). Alterações na história de vida do organismo afetam o funcionamento do
substrato orgânico e, em contrapartida, sua estimulação não mais predisporá os
comportamentos como acontecera outrora. Conforme o aforismo de Heráclito de
Éfeso já apontara, ninguém se banha no rio duas vezes porque tudo muda no rio e
em quem se banha (Souza & Kuhnen, 1999). Se as contingências seletivas forem
distintas (isto é, se o rio for diferente), as alterações do organismo, como um todo,
ocorrerão (isto é, o homem que se banha não será o mesmo).!
!
“Batman”: Ética, Moral e Justiça!

Uma Breve Introdução à Teoria Moral de Skinner!


A ética é assunto inevitável em qualquer discussão sobre os comportamentos
de Batman. Há trabalhos na filosofia que versam exclusivamente sobre esse ponto
(por exemplo, DiGiovanna, 2008; Kershnar, 2008; White, 2008). Para responder a
questão na ótica behaviorista radical é preciso primeiramente compreender concei-
tos mais básicos tais como comportamento operante, comportamento social, bens
pessoais e bens dos outros. !
O comportamento operante é aquele cujas respostas produzem conseqüên-
cias que alteram a probabilidade de respostas parecidas voltarem a ocorrer. Tais
consequências podem ser reforçadoras – quando aumentam ou mantém a probabi-
lidade – ou punitivas – quando diminuem a probabilidade de o comportamento ocor-
rer novamente (Skinner, 1953). Na prisão na China Bruce luta contra outros presos,
o comportamento de brigar é mantido por eventos reforçadores como criminosos
machucados gritando de dor. Muitos dos reforçadores que controlam o comporta-
mento operante são liberados por outros membros de mesma espécie (Guerin,
1994). Classifica-se essa situação como comportamento social, isto é quando res-
postas de um organismo não produzem diretamente5 conseqüências, estas são me-
diadas por comportamentos (isto é, ocasiões, respostas e conseqüências) emitidos
por outro organismo. Portanto, a noção de comportamento social exige a relação

5 O termo diretamente é utilizado em comparação com respostas emitidas em ambiente mecânico –


termo utilizado por Skinner (1953, p. 299) – no qual as conseqüências são produzidas sem a neces-
sidade do envolvimento de outro organismo.

23
entre eventos ambientais e eventos comportamentais na qual outro organismo (que
não o emissor da resposta) seja necessário para produção de conseqüências (An-
dery, Micheletto & Sério, 2005).!
Um organismo pode então emitir respostas que produzem consequências
que aumentam a probabilidade de seu comportamento voltar a ocorrer, ou liberar
reforços para comportamentos de outros organismos. Por exemplo, Jill ao matar o
Sr. e a Sra. Wayne produziu como conseqüência para seu comportamento os per-
tences das vítimas como dinheiro e jóias. Dittrich e Abib (2004) relatam que o com-
portamento ético é definido do ponto de vista analítico-comportamental como a inte-
ração entre os três tipos de bens (i.e., bem pessoal, bem dos outros e bem cultural).
Quando a conseqüência produzida é um reforçador positivo para o comportamento
de quem emite a resposta, considera-se esse evento reforçador como bem pessoal
(Dittrich, 2003). Por outro lado, bens dos outros, define situações nas quais a res-
posta emitida por um organismo produz consequências reforçadoras positivas para
o comportamento de outro organismo ou quando um organismo produz reforçadores
negativos para outrem (Dittrich & Abib, 2004). Batman ao prender o mafioso Falcone
produziu consequências reforça-
doras positivas para o comporta-
mento de investigar de Gordon. O
detetive tentava sem sucesso
prender o mafioso utilizando mé-
todos legais, isto é, sem apelar
para corrupção ou qualquer outro
tipo de procedimento não aceito
pelas leis. Batman captura o ma-
fioso Falcone e entrega a Gor-
don, reforçando positivamente o comportamento do detetive de se manter na lei e
buscar a ordem na cidade. Essa situação caracteriza a produção de bem dos ou-
tros. Porém, como alerta Abib (2001) mesmo quando um organismo produz bens
dos outros, o seu comportamento é de alguma maneira reforçado, afinal trata-se de
um comportamento operante. A condenação de Falcone à cadeia foi o evento refor-
çador que manteve o comportamento de prender criminosos de Batman. Portanto,
mesmo ao produzir bem dos outros o organismo de certa forma produz bem pesso-
al. !
Há ainda um terceiro tipo de bem, o bem das culturas. Cultura pode ser defi-
nida, grosso modo, como a manutenção do ambiente social. Para Skinner
(1971/1977), o bem cultural é definido como conseqüências de práticas culturais
que aumentam a sobrevivência da cultura, isto é, são consequências que produzem
o aumento da probabilidade de manutenção desse ambiente social (Dittrich & Abib,
2004). O uso sustentável – isto é, o consumo de modo a permitir a renovação dos
recursos – dos recursos naturais é um exemplo de bem cultural, isso porque novas

24
gerações poderão usufruir desses recursos. Por outro lado, o uso excessivo conduz
culturas a desaparecerem, uma vez que, sem recursos seus membros morrem ou
abandonam aquele ambiente social. Foi o que ocorreu, segundo Diamond (2005),
aos habitantes da ilha de Páscoa6. Para transportar e erguer suas famosas estátuas
gigantes, os membros daquela cultura precisavam cortar árvores. O desmatamento
das árvores levou o ecossistema local ao colapso, sem árvores o pasto e os vege-
tais não se protegiam do sol, e sem pasto, os animais (fonte de proteína) morreram.
Sem vegetais, a alimentação tornou-se inviável, por fim toda a sociedade pereceu. !
Diferentemente do que ocorre com o bem dos outros, o bem da cultura não
produz consequências reforçadoras para quem o produz, uma vez, que por defini-
ção a conseqüência produzida é a manutenção da prática cultural. Além disso, as
conseqüências produzidas como bem da cultura ocorrem em longo prazo e, muitas
vezes, o atraso da conseqüência é maior que o tempo de vida do organismo que
emite o comportamento responsável pelo bem da cultura. Assim, o comportamento
de produzir bem para a cultura encontra grande obstáculo, afinal como já frisado,
produzir bens é um comportamento operante, portanto, dependente de suas con-
sequências. Para Skinner (1971/1977), cabe a cultura ensinar seus membros a se
comportarem de modo a produzir bens para cultura, pois caso contrário, a cultura
perecerá.!
Para Horta (2004), um indivíduo só irá se engajar em práticas culturais que
produzam o bem da cultura, se o ambiente social criar situações nas quais o bem
dos outros e o bem da cultura estejam relacionados a bens pessoais. Alguns cami-
nhos podem ser seguidos para que a cultura ensine seus membros a emitir compor-
tamentos que produzam bens para a cultura, por exemplo, por treinos de autocon-
trole, seguimento de regras e agências de controle que criem ambientes que contro-
lem o comportamento do organismo. !
O autocontrole é caracterizado por uma situação quando uma resposta cha-
mada de resposta controladora produz mudanças ambientais determinantes de
comportamentos subseqüentes (Skinner, 1953; Todorov & Hanna, 2005). Os estu-
dos sobre autocontrole têm demonstrado como os comportamentos tendem a ficar
mais sob controle de consequências imediatas do que de consequências atrasadas,
isto é, quando a passagem de tempo entre o fim da resposta e o início da con-
sequência é maior em relação a outras opções, o indivíduo tende a preferir a opção
cuja relação entre resposta e conseqüência apresente menor distância temporal
(por exemplo, Chung & Hernstein, 1967). A suscetibilidade a reforços imediatos se

6A ilha de Páscoa foi habitada por volta de 1.200 d.C. a 1.500 d.C. pelo povo Rapanui que construía
estátuas de pedra com cerca de 5 toneladas. Essas gigantescas estátuas são chamadas de Moai,
que segundo se acredita, representavam os primeiros habitantes da ilha mortos durante a coloniza-
ção do arquipélago. As estátuas sempre ficavam de costas para o mar (possivelmente para enfatizar
a colonização das ilhas). Para transportar os Moais do interior da ilha até a costa foi necessária a
derrubada de árvores para o transporte. Acredita-se que grandes toras foram usadas como roldanas
para o transporte dos Moais.

25
explica nas palavras de Abib (2001) por que “na história filogenética as conseqüên-
cias imediatas do comportamento tiveram maior valor de sobrevivência do que con-
seqüências atrasadas ou proteladas” (p. 109). É tarefa dos membros da cultura criar
contingências sociais que promovam o controle do comportamento por consequên-
cias mais atrasadas. O treino de autocontrole envolve fazer com que o organismo
entre em contato com reforçadores atrasados que possuem maior magnitude – mai-
or quantidade – ou de diferentes qualidades – tipos diferentes de reforços, como
doce versus salgado – para que esses reforços (ainda que atrasados) possam exer-
cer controle sobre o responder. É por meio de treinos como esse que indivíduos
passaram a ter seus comportamentos controlados não apenas por bens pessoais,
mas também por bens dos outros ou bens da cultura (Dittrich, 2003). !

Nos dois filmes Bruce precisa fazer uma escolha: abandonar o capuz de
Batman que produzirá um bem pessoal – casamento com Rachel – ou permanecer
como Batman e produzir o bem dos outros e o bem cultural – diminuição da crimina-
lidade. Nesse sentido, Batman emite comportamentos que podem ser classificados
como autocontrolados. Mas qual seria a resposta controladora (isto é, a resposta
que modifica o ambiente de modo a controlar comportamentos subseqüentes)? Fica
claro nos episódios que Bruce não procura por Rachel, não se observa ligações,
convites ou tentativas de se aproximar de sua amada. A única vez que Bruce procu-

26
ra por Rachel é ao retornar a Gotham, após 7 anos desaparecido, e mesmo assim,
ele se disfarça e apenas a observa de longe. Após assumir o manto de Batman, não
se observa mais esse comportamento. Evitar contatos com Rachel faz com que não
sejam eliciados respondentes em Bruce, que como será discutido depois, podem
funcionar como ocasião para abandonar o capuz. Ou seja, ao não procurar por Ra-
chel, Bruce se esquiva da produção de respondentes, o que por seu turno diminui a
probabilidade de escolher a situação que produz exclusivamente o bem pessoal. O
treino de autocontrole fará com que o organismo se torne mais sensível a reforços a
longo prazo, aumentando assim a chance de que o bem dos outros e o bem da cul-
tura controlem o comportamento do membro da sociedade. !

Outra maneira de fazer com que membros emitam comportamentos que pro-
duzam o bem da cultura – vale lembrar que este é um tipo específico de bem dos
outros, porém produzido pelo comportamento de vários organismos – é por meio do
seguimento de regras. Como apresentado no início desse capítulo, regras são estí-
mulos discriminativos verbais que descrevem uma contingência (Skinner,
1974/1993). Ou seja, não basta ser apenas um estímulo verbal, para ser considera-
da regra é preciso que (1) esse estímulo controle a emissão de uma resposta por (2)
ter sido correlacionado com uma consequência que altera a probabilidade de nova
ocorrência da resposta que a produz. Há dois tipos de regras segundo Skinner
(1969/1980): regras de conselho e regras de mando. Regras de conselho descre-

27
vem contingências cujas respostas produzem consequências que modelariam o
comportamento, ainda que, tal estímulo verbal não estivesse presente. Por exemplo,
Ra’s Al Guhl, ao treinar Bruce para o combate, alerta seu pupilo para vários de seus
erros ao combater um inimigo. Dentre esses equívocos Ra’s aponta o descuido com
o ambiente que contextualiza a luta. Bruce se atenta apenas ao combatente e não
observa como o gelo sob qual luta está frágil. É certo que Bruce poderia ter apren-
dido a atentar ao ambiente circundante ao ser derrotado por seus inimigos em fun-
ção de seu descaso ao contexto, por isso, pode ser considerada regra de conselho.
Por outro lado, quando regras são seguidas em função de consequências progra-
madas por quem proferiu a regra, considera-se essa como regra de mando (Nico,
1999). O Coringa proferiu várias regras de mando, dentre elas destacam-se a ame-
aça de matar cinco pessoas caso Batman não revele sua verdadeira identidade,
como Batman não cumpre a ameaça o Coringa mata a juíza Surilo e o comissário
Loeb, além de atentar contra a vida do prefeito Garcia e de Dent. Além dessa amea-
ça o Coringa ainda revela que irá explodir um hospital caso Reese não fosse morto
por um cidadão de Gotham. São realizados dois atentados contra a vida de Reese,
o primeiro evitado por Gordon, o segundo por Bruce. Como Reese não é morto, o
Coringa explode o Gotham Hospital. Nota-se que as consequências por fazer o que
o Coringa diz são liberadas por ele próprio. Os comportamentos de fazer o que a
instrução dada pelo palhaço especifica não seriam produzidas diretamente pela res-
posta especificada na regra.7!
Regras do tipo mando podem controlar o comportamento dos indivíduos que
aderem a práticas culturais que favorecem a sobrevivência da cultura. Como apon-
tado por vários autores (Abib, 2001; Dittrich, 2003; Dittrich & Abib, 2004, Horta,
2004) consequências do tipo bem da cultura não retroagem sobre o comportamento
de organismos que se engajam em práticas culturais que a produzem, já que, estão
distantes no tempo e afetam apenas organismos futuros. Um tipo de regra de man-
do que é facilmente encontrada em sociedades são as leis. Geralmente leis especi-
ficam o comportamento a ser emitido e o tipo de consequência aversiva produzida
caso a resposta especificada na regra não seja emitida. Segundo Skinner (1953), as
agências de controle são responsáveis pela criação de tais regras e a fiscalização –
isto é, a aplicação das consequências descritas nas regras – caso membros da cul-
tura não se engajem no comportamento descrito. Portanto, agências de controle são

7 A classificação dos tipos de regras foi realizada por Skinner (1969/1980) enfatizando o tipo de des-
crição das contingências e a conseqüência do seguimento da regra. Já Hayes, Zettle e Rosenfarb
(1989) enfatizaram o controle exercido pela regra. Quando o seguimento de regras ocorre em função
de consequências sociais, os autores classificaram este tipo de controle como aquiescência (em in-
glês pliance). Por outro lado, comportamentos cuja recorrência depende da correspondência entre o
que a regra específica e eventos ambientais classifica-se esse controle como rastreamento
(tracking). Pode-se afirmar que enquanto Skinner enfatizou os tipos de regras em termos da descri-
ção da regra e suas consequências, Hayes enfatizou o controle exercido pela regra sobre o compor-
tamento. A classificação utilizada por Hayes e cols., tem sido mais utilizada atualmente, sobretudo
nos estudos referentes à sensibilidade do comportamento a mudanças nas contingências.

28
grupos organizados que produzem contingências de reforçamento que modelam e
mantêm o comportamento ético. O governo, a religião, a economia, a psicoterapia e
educação são agências de controle. Nos filmes de Batman, a agência de controle
que recebe maior destaque é o governo.!
O governo é representado nos filmes pela polícia, o sistema judiciário e o
executivo. Mafiosos e criminosos menores não seguem as leis da cidade. Traficam
drogas, extorquem cidadãos, assassinam quem dificulta seus lucros. Em “Batman
Begins”, o sistema judiciário está totalmente corrompido. Jill, o assassino de Tho-
mas e Martha Wayne colabora com a promotoria ao depor revelando crimes do ma-
fioso Carmine Falcone. Na saída do julgamento é assassinado. Rachel diz que o juiz
do caso exigiu um julgamento público, provavelmente para favorecer o assassinato.
Quando Bruce confronta Falcone, o mafioso aponta para vários membros do siste-
ma judiciário que estão no bar e que são seus comparsas. Já em “O Cavaleiro das
Trevas”, Harvey Dent é um promotor que luta para que a lei seja cumprida. Isto é,
para que aqueles que não seguem as regras tenham seus comportamentos
punidos. Dent é auxiliado pelo Tenente Gordon que investiga e prende
bandidos para que Harvey possa acusá-los. A juíza Surilo é, nas pala-
vras de Dent, entusiasta do sistema judiciário, ou seja, partilha de
sua busca pelo seguimento das regras. !
O fato de o sistema estar corrompido no primeiro filme mostra
como a regulação do comportamento por uma agência de con-
trole depende do seguimento das regras estabelecidas. Se a
agência de controle não libera reforçadores para quem segue
as regras ou eventos punitivos para quem não segue, então a
agência perde sua função na manutenção do ambiente social.
Batman reconhece essa função, por isso luta para que o siste-
ma volte a funcionar, ou seja, luta para que o sistema judiciário
volte a punir aqueles que não seguem as regras. !
Leis especificadas por agências de controle e autocontrole são
apenas algumas das maneiras de fazer com que um organismo
emita comportamentos que participam de práticas culturais que pro-
duzem bens da cultura – a manutenção do ambiente social.!
Dittrich (2003, 2004) destaca que a sobrevivência da cultura é o valor mais
importante na discussão ética. O conceito de valor é definido como (1) o efeito
das consequências sobre o comportamento e (2) o sentimento que acompanha tal
efeito (Abib, 2001; Dittrich, 2008). Portanto, a sobrevivência da cultura é um valor no
sentido de que (1) mantém a existência do ambiente social e (2) produz sentimentos
similares aqueles produzidos por consequências reforçadoras positivas. Existem, no
entanto, outros valores em uma cultura, tais valores podem ser chamados de se-
cundários, no sentido que são menos importantes para a manutenção da cultura.
Dentre os valores secundários, destacam-se o amor, a liberdade, a justiça.!

29
A questão sobre Batman ser ético ou não pode ser respondida de forma sim-
ples: Batman é ético, pois produz mudanças ambientais como redução do crime,
diminuição da corrupção, sensações de segurança para os cidadãos de Gotham.
Todas essas mudanças podem ser definidas como bem dos outros, já que a con-
sequência produzida é um reforçador positivo ou negativo para outrem. Por exem-
plo, quando Batman impede que Rachel seja assassinada por capangas a mando
de Falcone, está produzindo bem do outro, pois evita a morte da assistente da pro-
motoria. Um leitor mais desavisado diria que Batman está apenas preocupado con-
sigo mesmo. Para esse leitor, salvar Rachel não é um bem do outro, já que Bruce
tem interesse romântico na garota que salva. Também pode ser argumentado que
Batman está em busca de vingança pessoal, tudo o que faz é apenas em função de
torturar bandidos, uma vingança pela morte de seus pais. Seria Batman um egocên-
trico ético, isto é, um indivíduo que visa apenas bens pessoais, mas cujas ações
produzem também o bem do outro e da cultura?!
Considerando o repertório comportamental de Batman nos dois filmes, ele
não deve ser considerado um egocêntrico ético. Um exemplo desse egocentrismo
pode ser observado no começo do primeiro filme, em que Bruce agredia bandidos
na cadeia apenas porque ver criminosos sangrando reforçava seu comportamento.
Mesmo que a surra proferida por Bruce diminuísse a probabilidade de aqueles pre-
sos voltarem a cometer crimes, seu comportamento não estava sob controle de pro-
duzir bem do outro. Entretanto, Batman tem seus comportamentos controlados pe-
los efeitos que os mesmos produzem para outros e para a sociedade de Gotham.
Tanto é verdade que Bruce pensa em se revelar como Batman para evitar que mais
pessoas sejam mortas pelo Coringa. De qualquer maneira, a discussão se os com-
portamentos éticos são determinados por bens pessoais ou bens dos outros como
critérios definidores de egocentria ética perde sua força de inquisição se observada
sob a ética skinneriana. Isto porque como já exposto, mesmo quando um indivíduo
produz bem do outro seu comportamento é de alguma forma reforçado. Isto é, de
alguma maneira produz o bem pessoal, pois caso contrário tal conduta não voltaria
a ocorrer. A pergunta sobre o comportamento de Batman ser egocêntrico ético tor-
na-se então equivocada do ponto de vista da seleção por consequências.!
Batman é ético como já apontado, porém pode-se questionar se Batman é
justo. Justiça é o equilíbrio entre bens pessoais, bem dos outros e bens da cultura
(Abib, 2001). Essa noção de equilíbrio é importante. Como apontado por Dittrich
(2006) sendo a sobrevivência da cultura o valor mais importante, qualquer prática
que promova essa sobrevivência é justificável. Batman constrói um equipamento
baseado em sonar que é capaz de monitorar toda a sociedade de Gotham. Lucius,
seu amigo e parceiro no desenvolvimento de tecnologias, avisa que é contra o equi-
pamento, pois o considera não ético. Isto porque o equipamento invade a privacida-
de das pessoas. O sistema de monitoramento é ético do ponto de vista skinneriano
já que permite monitorar a cidade e punir aqueles que colocam em risco a sobrevi-

30
vência da sociedade de Gotham, como é o caso do Coringa. Entretanto, o sistema
não é justo, pois coloca apenas o bem da cultura como critério. Não há equilíbrio
entre o bem pessoal e o bem da cultura. Os cidadãos de Gotham têm sua privaci-
dade invadida, e a perda da privacidade significa perda de reforçadores positivos
importantes para membros daquela cultura. Abib relata que quando agências de
controle estabelecem contingências nas quais o bem da cultura é produzido a des-
peito do bem pessoal, os membros da sociedade buscam refúgios em reforços ime-
diatos e amorais. Portanto, monitorar a cidade é ético, porém não é justo e a ausên-
cia da justiça pode produzir situações que desfavorecem a sobrevivência da cultura.!
A noção de justiça de Ra’s e a Liga das Sombras é outro bom exemplo de
como apesar de ético não é justo. Matar todos os cidadãos de Gotham para estabe-
lecer condições de mudança cultural pode até ser ético se promover a sobrevivência
da cultura ocidental. Porém não é justo, e justiça é um valor secundário importante.
Rachel por outro lado, compartilha com uma noção skinneriana de justiça, o equilí-
brio entre o bem pessoal e bem dos outros. Assim, apesar de uma medida ser ética
isso não que dizer que seja justa. Pode ser que uma medida favoreça a sobrevivên-
cia da cultura, mas por outro lado, poderá também criar situações que aumentem a
probabilidade dos membros emitirem comportamentos que produzam apenas bens
pessoais, o que não é ético. A dificuldade entre o planejamento cultural, isto é, pro-
moção de práticas culturais que produ-
zam o bem da cultura, e os efeitos pre-
vistos – a sobrevivência da cultura –
versus os efeitos obtidos – o que real-
mente ocorre – exibe como é árdua a
tarefa de estabelecer contingências que
produzem comportamentos éticos. !
Ao planejar uma mudança cultu-
ral, o analista do comportamento pode
prever que eventos produzirão o bem
da cultura, mas deve considerar que
nem sempre os efeitos previstos ocor-
rerão. Portanto, um planejamento cultu-
ral deve considerar: (1) a sobrevivência
da cultura; (2) o equilíbrio entre bem
pessoal e bem cultural; (3) valores se-
cundários como amizade, liberdade, jus-
tiça; (4) possíveis efeitos não previstos. Com base nessas considerações é que uma
intervenção cultural deve ser executada. Na conclusão desse capítulo apresentare-
mos se Batman é ou não um bom planejador cultural. Porém, antes será versado
sobre outros elementos importantes nos episódios. !
!
31
Considerações Finais!
!
Os filmes “Batman Begins” e “O Cavaleiro das Trevas” permitem a professo-
res, estudantes e interessados em Análise do Comportamento compreender os três
níveis de seleção do comportamento (filogenia, ontogenia e cultura) e as interações
entre esses níveis. Como descrito neste capítulo, apesar dos níveis serem apresen-
tados de maneira didática como elementos separados, em verdade, a seleção do
comportamento envolve a interação entre os níveis. Por exemplo, ao escolher quem
salvar (se Rachel ou Harvey) Batman emite um comportamento operante. Tal com-
portamento é selecionado por suas conseqüências, ou seja, é selecionado no nível
da ontogenia. Porém, participam dessa seleção reforços disponíveis em seu ambi-
ente social, como o bem para os outros (Harvey é para Batman um modelo de como
os cidadãos podem se comportar para salvar Gotham City). Assim também o nível
cultural participa da seleção do comportamento de escolher de Batman. Com isso,
nota-se a interação entre diferentes níveis de seleção do comportamento. !

32
A interação entre os três níveis é de suma importância para compreensão do
comportamento complexo. Sem considerar tais interações torna-se difícil compreen-
der corretamente quais são as variáveis determinantes do comportamento comple-
xo. Quando se fala em personalidade estamos diante de um caso de vários compor-
tamentos complexos. Ao se dizer que alguém é altruísta, estamos afirmando que na
verdade em dada situação a pessoa apresenta maior probabilidade de se engajar
em comportamentos que produzam o bem para outros. Como apontando neste ca-
pítulo, o comportamento altruísta pode ser controlado por conseqüências liberadas
por um ambiente social (nível ontogenético), como é o caso da população de
Gotham que aplaude as ações de Batman, tendo nesta personagem inclusive a figu-
ra de um modelo comportamental. Porém, o comportamento altruísta não deve ser
visto como meramente um comportamento operante. Diante da eminência da explo-
são da barca com civis, Batman pode ter certas respostas emocionais eliciadas (ní-
vel filogenético e ontogenético). Além disso, o comportamento de ajudar ao próximo
é uma prática cultural na família Wayne (nível cultural) como pode ser comprovado
pela criação do trem que liga toda a cidade de Gotham. !
Portanto, o presente capítulo quis esclarecer que uma análise de comporta-
mentos devem ser realizadas de modo a identificar as variáveis determinantes dos
mesmos, ao invés de recorrer a conflitos inconscientes subjacentes ao indivíduo.
Realizar tal análise implica em considerar os três níveis de seleção, ainda
que, o comportamento seja genérico, como o caso do altruísmo, pode-se
compreender de que maneira cada nível de seleção participa da de-
terminação do comportamentoNesse sentido, uma visão analítico-
comportamental pode contribuir para a compreensão e modifica-
ção de comportamentos complexos, como os analisados nos fil-
mes “Batman Begins” e “O Cavaleiro das Trevas”.!
!
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!

37
!
“ALFIE, O SEDUTOR”: A PROMISCUIDADE MASCU-
LINA NO OLHAR COMPORTAMENTAL!
!
Ana Karina Vieira de Bezerril Beltrão!
Centro Universitário de Brasília !
!
Carlos Augusto de Medeiros8!
Centro Universitário de Brasília !
!

Título do filme: “Alfie, o sedutor”!


Título original: Alfie!
Ano: 2004!
Diretor: Charles Shyer!
Produtor: Charles Shyer!
Lançado por: Universal

A cultura tem uma enorme influência sobre o comportamento das pessoas;


ao mesmo tempo, ela se constitui nos comportamentos dos indivíduos em grupo ao
longo do tempo (Skinner, 1953/2003). A forma como a cultura aborda diferentes
conceitos varia de tempos em tempos. No entanto, a importância dada a temas
como amor, casamento, relações amorosas e relações sociais é facilmente obser-
vada em diferentes épocas (Babo & Jablonski, 2002; Passinato, 2009; Silva & We-
ber, 2006; Zordan, 2008). Tais temas estão impregnados nas produções culturais,

8 E-mail: c.a.medeiros@gmail.com

38
como valores, normas, manifestações artísticas, dentre outros, exercendo controle
sobre o comportamento das pessoas.!
Nas produções artísticas contemporâneas, é comum encontrar temas que gi-
ram em torno do amor como um ingrediente determinante na vida das pessoas. En-
tre essas produções artísticas, está o filme “Alfie: o sedutor” que, no presente estu-
do, na modalidade de investigação documental, constitui fonte de informação para a
análise dos comportamentos de sedução e de outros comportamentos do persona-
gem principal nas diversas relações amorosas apresentadas ao longo do filme.!
Procurou-se investigar como as variáveis interagem com o organismo no am-
biente imediato e no percurso do filme. Por meio da análise dessas interações, o es-
tudo buscou entender o comportamento do personagem principal e compreender
como os comportamentos se modificam quando variáveis ambientais são alteradas. !
Vale ressaltar que houve a tentativa de se descrever as relações funcionais
às quais pertencem os comportamentos dos personagens, mas, por se tratar de um
filme, algumas informações necessárias para uma análise funcional mais precisa
podem faltar. São feitas conjeturas plausíveis sobre as variáveis de controle relevan-
tes no filme, mas não se tem como assegurar todas as análises aqui apresentadas
com convicção. Logo, trata-se de uma análise especulativa, porém, útil no sentido
em que as relações funcionais observadas podem se repetir em contextos reais,
ajudando na predição e no controle de padrões comportamentais emitidos no con-
texto das relações amorosas.!
!
O Filme – Um Breve Resumo!
!
“Alfie: O sedutor”, filme de 2004, é uma refilmagem da versão original de
1966. Na versão atual, Alfie, personagem interpretado por Jude Law, assume o pa-
pel do sedutor inescrupuloso.!
Alfie é um belo londrino que vive em Nova York e leva a vida relacionando-se
com várias mulheres, em sua maioria, carentes. A sedução do personagem é apa-
rentemente motivada pelo sexo fácil com as diversas parceiras. !
O personagem tece reflexões sobre a vida, os costumes e sobre seus com-
portamentos falando diretamente à câmera. Isso torna o telespectador seu confiden-
te ou seu cúmplice. Alfie mostra ao espectador como é seu dia a dia. Apresenta seu
apartamento simples, de solteiro, e dá dicas de como se vestir bem gastando pouco.
Trabalha numa empresa de aluguel de limusines, emprego que considera conveni-
ente ao seu estilo de vida. !
Apresenta à audiência a situação de Marlon (seu único amigo no início do
filme). Relata que Marlon tem uma ex-namorada, Lonette, e que este deseja reatar
seu namoro. Isto, para Alfie, não faz sentido, já que compromisso para ele é consi-
derado “a própria morte”. !

39
Alfie leva uma relação amorosa com Julie, a qual chama de “quase namora-
da”. Julie e o filho Max suprem as carências afetivas de Alfie. Para ele, não há ra-
zões para oficializar sua relação com Julie, já que evita compromisso e não a consi-
dera bonita o suficiente. Porém, sua relação cômoda com Julie é encerrada quando
ela descobre o comportamento promíscuo de Alfie. Incialmente, Alfie não parece se
importar tanto com esse rompimento, entretanto, ele terá muita relevância nos acon-
tecimentos que se seguem no filme. !

Marlon pede para Alfie procurar Lonette para mediar a situação entre ela e o
amigo. Porém, essa conversa entre Alfie e Lonette acaba em bebida, sinuca e sexo.
Alfie descreve a sua incapacidade de se controlar em função dos atributos físicos de
Lonette. Nessa mesma noite, Lonett procura Marlon para reatar com ele. Aparente-
mente, a traição ao amigo seria até vantajosa para todos, caso Lonette não tivesse
ficado grávida de Alfie. Quando comunica a Alfie que estava grávida, ela o solicita a
levá-la a uma clínica de abortos para retirar o bebê. Tais eventos levam Alfie à refle-
xão acerca de seu estilo de vida. !
Alfie tenta reatar com Julie, mas não obtém sucesso e, depois desta situação,
outros acontecimentos ocorrem, tais como vivenciar o desespero de seu chefe com
o fim do casamento. A essa altura do filme, ele passa por uma fase de dificuldade de
ereção. Ao procurar o médico, constata que não há causa fisiológica para sua impo-
tência sexual. Porém, o médico encontra um caroço que pode ser um câncer. Esse
evento também leva Alfie a questionar a forma como leva sua vida e a conhecer um

40
homem muito mais velho (Joe), com quem passa a ter conversas que contribuem
para o seu processo de autoconhecimento. !
Alfie mora com Nikki, uma linda mulher que conhece no Natal, e com ela, vi-
vencia todas as fases de um relacionamento, a admiração, a paixão, o dia-a-dia de
um relacionamento, o esfriamento e o fim doloroso. Nesse ponto, o diretor exibe o
fim do relacionamento entre eles de uma forma bem dramática, com Nikki saindo do
apartamento de Alfie só com uma mala e debaixo de chuva. !
Outro ponto importante do filme ocorre quando Alfie vai visitar Marlon e Lo-
nette, que se casam e mudam de cidade. Ao chegar lá, não tem a recepção que es-
perava. Lonette não havia abortado e contara para Marlon o que ocorrera entre Alfie
e ela naquela noite. Nesse momento, Alfie percebe o quanto magoou seu amigo e
que seus comportamentos têm consequências. !
Por fim, Alfie se envolve com Liz, uma mulher que, como ele, é libidinosa e
promíscua. Nessa relação, decide investir de verdade. Porém, é rejeitado por ela e
trocado por um homem mais jovem. Tais experiências fazem Alfie encarar a vida de
forma diferente. Pelo menos, em seu discurso.!
!
Análise Comportamental do Filme!
!
O filme inicia com o personagem dentro de seu apartamento. Ele se descreve
emitindo algumas regras consideradas por ele importantes. Essas regras se consti-
tuem em conselhos para a audiência, principalmente, masculina, acerca de como
devem ser portar em relação às mulheres, tendo seus comportamentos reforçados,
principalmente por sexo sem compromisso. Skinner (1969/1984) descreve regras
como estímulos especificadores de relações comportamentais conhecidas como
contingências. Trata-se de relações do tipo “se” determinado comportamento ocor-
rer, “então” certas consequências são prováveis. Por exemplo, Alfie emite a seguinte
regra: “jovens, não se envolvam com uma mãe solteira. Vejam, elas podem vir com
assessórios absolutamente irresistíveis” (referindo-se a Max, o filho de Julie). Essa
regra poderia ser reformulada da seguinte forma: “Se envolver-se (comportamento)
com uma mãe solteira, então é provável que não consiga deixá-la (consequência)
por ela ter um filho com o qual você não gostaria de perder o contato”. De acordo
com Skinner, a emissão de regras por parte de um falante (aquele que emite uma
resposta verbal) se dá, principalmente, sob o controle discriminativo do próprio con-
tato com a contingência descrita na regra. No caso de Alfie, esse contato prévio com
as contingências significa já ter tido diversos tipos de relações afetivas com muitas
mulheres. Nesse sentido, o comportamento de emitir regras quanto a isso pode ser
mantido pelos reforçadores condicionados generalizados de admiração da audiência
(Alves & Isidro-Marinho, 2010; Medeiros, 2002; Oliveira, 2009; Valls, 2010), princi-
palmente, a masculina. Ser reconhecido como alguém que já seduzira várias mulhe-
res seria muito reforçador para alguém que se descreve um sedutor, como Alfie.!

41
Alfie descreve-se, então, como um homem de sorte. Tal descrição pode ser
tratada como um mando disfarçado de tato9 (Medeiros, 2002), sendo mantido pela
argumentação, por parte da audiência, de que ele possui muito mais que sorte, que
é belo e tem muita com-
petência na área de con-
quista. Medeiros define
mandos disfarçados de
tatos como repostas ver-
bais cuja topografia su-
postamente estaria sob o
controle de estímulos an-
tecedentes não verbais,
mas são, na verdade, são
c o n t r o l a d a s p o r c o n-
sequências específicas.
Assim, aparentemente,
Alfie está meramente se
descrevendo como al-
guém de sorte, ou seja,
resposta verbal que esta-
ria sob o controle discri-
minativo de seus suces-
sos casuais nas relações
com as mulheres. Por outro lado, sua resposta verbal parecer ser controlada por
uma discordância do ouvinte, no caso, um reforçador específico. Como evidência da
função manipulativa dessa resposta verbal, Alfie se contradiz, descrevendo-se como
um homem irresistível, além de emitir regras com a função de mando, como: “ter al-
gum dinheiro é importante, mas geralmente uma boa conversa é mil vezes melhor”.!
Ele continua descrevendo a si mesmo falando sobre coisas que são impor-
tantes em sua visão. “Todos os homens estão cheios de R.S.B.: rostos, seios e bun-

9 Skinner (1957/1978) define tato como o operante verbal cuja topografia está sob o controle de es-
tímulos discriminativos não verbais. Na linguagem cotidiana, os tatos são chamados de comentários,
narrativas, descrições, nomeações, entre outros. Os reforçadores que mantêm os tatos são os condi-
cionados generalizados, como atenção ou a mera concordância do ouvinte (aquele que reforça o
comportamento verbal do falante, que é quem emite a resposta verbal), por exemplo. Dizer “sou um
homem de sorte” seria um tato caso essa resposta verbal fosse controlada apenas por estímulos não
verbais, ou seja, ter tido sucesso em várias situações mesmo sem mérito. Também seria um tato no
sentido de ser mantido por um reforçador condicionado generalizado “concordo, você tem sorte
mesmo”. Por outro lado, se a resposta verbal “sou um homem de sorte”, ao invés de ser controlada
por estímulos não verbais, for controlada por reforçadores específicos “não, você é bom mesmo”, a
sua função seria de mando e não de tato. Mandos são respostas verbais que têm topografias contro-
ladas por reforçadores específicos (Skinner, 1957/1978). Na linguagem cotidiana, são conhecimentos
como pedidos, ordens, instruções, conselhos, etc. Entretanto, existem mandos com topografia de
tato, ou seja, possuem função de mando. Essas respostas verbais são chamadas de mandos disfar-
çados de tato.

42
das”, aqui ele generaliza seu comportamento de focar em rostos, seios e bundas,
como um padrão amplo de comportamento masculino. No caminho para o trabalho,
expõe as variáveis que controlam o seu comportamento de morar em Manhattan:
“Sempre me disseram que as mulheres mais bonitas do mundo vivem em Manhat-
tan. E no que se refere a bundas se movimentado, tenho que pensar numa coisa:
localização, localização, localização”. Os comportamentos de Alfie, aparentemente,
são em função de obter disponibilidade de sexo. Sob essa ótica, ele descreve a va-
riabilidade dessas possibilidades. “Só olhar em volta, cada uma delas, vejo que são
únicas e especiais. E com tantas delícias neste mundo, ou seja, tanta preciosidade
e diversidade, como pode um homem se contentar com uma só?” Alfie continua a
dissertar sobre o valor reforçador das mulheres sobre o seu comportamento: “Mi-
nhas prioridades são as mulheres, o vinho e... bom, acho que são tudo, as mulheres
e o vinho. Se bem que mulheres e mulheres são uma boa opção também”. Essas
respostas verbais de Alfie podem ser tratadas como um tato acerca dos principais
reforçadores que controlam o seu comportamento, ou seja, mulheres. Ao mesmo
tempo, a frequência de respostas verbais em relações a mulheres emitidas por Alfie
no início do filme chama a atenção. Quais reforçadores estariam controlando o seu
comportamento de enfatizar para o ouvinte que mulheres são tão reforçadoras para
ele? Caso efeitos especiais sobre o comportamento do ouvinte sejam importantes
no controle dessas respostas verbais, elas perderiam o caráter de tato puro e pode-
riam ser classificadas como tatos impuros10 (Skinner, 1957/1978). !
Fica clara, portanto, a tentativa de se descrever como um homem e, como tal,
tem seus comportamentos controlados pelos reforçadores mais importantes no con-
trole dos comportamentos dos homens. Ao mesmo tempo, justifica seus comporta-
mentos promíscuos como função de tais reforçadores. Novamente, ele se vangloria,
uma vez que sugere que tem acesso a tais reforçadores, os quais não estão acessí-
veis à maioria dos demais homens como, por exemplo, Marlon e seu chefe. !
Alfie também se apresenta como um homem que está ligado à moda: “dizem
que a roupa tem uma linguagem universal. Como a maioria dos homens, cuido da
minha aparência. Afortunadamente, hoje vou trabalhar bem apresentado!” Ele tem
no modo de vestir um dos aspectos da linguagem não-verbal de apresentação de si
próprio. Descreve a autorregra11 de como passa perfume em seu corpo e do uso de
cuecas que não apertem demais. A maneira correta de passar perfume e quais rou-

10Tatos impuros, de acordo com Skinner (1957/1978), são respostas verbais com topografia de tato
em que o controle pelo estímulo antecedente é corrompido pelo efeito do estímulo consequente.
Sendo assim, a resposta verbal estaria tanto sob o controle do estímulo antecedente quanto sob o
controle do estímulo consequente. A precisão do controle pelo estímulo antecedente seria prejudica-
da com a adição do controle pelo estímulo consequente.

11Skinner (1969/1984) define autorregra como a regra emitida e seguida pelo mesmo indivíduo, que
exerce a função de falante e ouvinte simultaneamente.

43
pas íntimas usar dizem respeito à possibilidade de ter relações sexuais ao longo do
dia. De fato, para Alfie, um homem sempre deve estar preparado.!
!

Como dito anteriormente, o ouvinte é a pessoa que reforça o comportamento


do falante, e, portanto, sua presença é necessária para estabelecer e manter o
comportamento verbal (Baum, 1994/2006). Alfie fala olhando direto para a câmera, e
essa fala pode ser entendida como um episódio verbal entre ele, como falante, e o
ouvinte, o espectador do sexo masculino. Esse entendimento se baseia na fala dele
que, olhando para a câmera, diz: “Lembre-se de quantas garotas já caíram na sua”,
“Não, já sei o que estão pensando...”. Para o presente trabalho, todas as vezes que
o personagem faz essa narração para a câmera, o entendimento é de que ele está
se dirigindo à sua audiência. Resumindo, nesse primeiro “papo com a audiência
masculina”, Alfie se gaba. !
Não restam dúvidas que Alfie emite comportamentos que servem de ocasião
para a emissão do tato: “Alfie tem autoestima elevada quanto às mulheres”. Medei-
ros (2009, citado por Caixeta, 2009) oferece uma tradução comportamental para o
conceito de autoestima como uma categoria descritiva de comportamentos ou um
sistema funcionalmente unificado de resposta sob o controle de variáveis ambien-
tais. De acordo com Medeiros, as respostas contidas nesse sistema têm como ca-
racterísticas alta probabilidade de reforçamento em contexto social, a exposição às

44
situações em que o reforçamento social é apenas provável e não certo, autodescri-
ções elogiosas, enaltecendo a alta probabilidade de reforçamento social (e.g., “sou
irresistível”), e a eliciação de respostas emocionais reforçadoras em contextos de
exposição social. Esse sistema de respostas é observado em Alfie, principalmente,
nas relações amorosas. Ao mesmo tempo, pode-se observar como o contato com a
perda de reforçadores e com estímulos aversivos ao longo do filme vão deteriorando
esse seu sistema de respostas. Essa deterioração serve de evidência de que auto-
estima nada mais é do que um conceito que descreve comportamentos os quais são
determinados por eventos ambientais e, conforme Caixeta (2009) e Silva e Isidro-
Marinho (2003), não possui status de causa do comportamento. !
Na primeira cena dentro do apartamento, mesmo tendo falado sobre si, o
personagem não fala seu nome. Já fora do apartamento, quando vai dizer seu nome
(Alfie) ao espectador, encontra uma de suas vizinhas, que o questiona se ele deixou
bombons na frente de sua porta. Ele fala que não e que possivelmente foi um admi-
rador secreto, mas dá a entender que sim pelos outros comportamentos. Ela diz es-
tar de dieta. A vizinha é uma personagem senhora de terceira idade e que está aci-
ma do peso. Ele a questiona: “Você?”, como se estivesse surpreso por ela fazer die-
ta e tece um elogio sobre a aparência da senhora: “uma garota com uma aparência
como a sua (...) tem garantida a atenção de todos os homens”.!
O comportamento dele é um reforço positivo para os possíveis mandos dis-
farçados da senhora – “estou tão gordinha”. A fala é autodepreciativa, a qual serve
de ocasião para se dizer que a senhora tem baixa autoestima (Caixeta, 2009). Alfie
discrimina que tem o poder de manipular contingências de reforço e exercer controle
sobre o comportamento de mulheres vulneráveis como a sua vizinha. Ele olha para
a câmera e diz: “O que acabei de dizer levantou-lhe a autoestima”. É provável que
tenha mesmo aumentado a probabilidade momentânea de comportamentos que são
descritos como autoestima elevada. Porém, o reforço dele aumenta a probabilidade
de a senhora se engajar em outros comportamentos autodepreciativos que, em lon-
go prazo, servem de ocasião para dizer que tem baixa autoestima (Medeiros, 2009,
citado por Caixeta, 2009). O mais relevante no controle do comportamento de Alfie é
que o seu elogio também aumentou a probabilidade de ela distribuir reforçadores, o
que cotidianamente é chamado de bom humor (Skinner, 1953/2003). De acordo com
Baum (1994/2006), as relações envolvem trocas de reforçadores, assim, Alfie refor-
ça os mandos disfarçados de sua vizinha e ela arruma seu apartamento gratuita-
mente, mediante a emissão do mando disfarçado dele: “não se incomode se a sujei-
ra chegar ao corredor”. !
Na cena seguinte, ele aparece se relacionando sexualmente com Dorie, no
banco de trás da limusine. Alfie está deitado no banco e Dorie sentada por cima
dele. Ele descreve essa sua posição como a sua favorita, uma vez que posição dá o
maior prazer à mulher e o menor esforço para ele. Em outras palavras, sugere como

45
entrar em contato com reforçadores de grande magnitude12 e com baixo custo da
resposta13 (Moreira & Medeiros, 2007). Além disso, para evidenciar o sucesso de
sua posição sexual, utiliza o argumento da autoridade, relatando tal posição como a
preferida do presidente Kennedy. Ele faz uma relação de equivalência entre ele e o
presidente (Sidman & Tailby, 1982): os dois saberiam como dar a cada mulher o
máximo de prazer com o menor esforço. Além disso, ele se equipara a um dos mai-
ores presidentes dos EUA. Não restam dúvidas de que Alfie tende a se descrever de
forma positiva. !
Ele tenta mostrar ao telespectador padrões comportamentais que são efica-
zes, segundo ele próprio, para que se tenha disponibilidade de sexo. Então, ao final
do sexo, ele instrui o telespectador a
fazer carícias na parceira, tendo a du-
ração deste comportamento uma con-
tagem até 1002, para que o espectador
tenha uma noção de quanto tempo ele
atuou nas carícias de praxe após a re-
lação sexual. Em seguida, Alfie vai para
o banco da frente do carro, no seu tra-
balho de motorista de limusine e, en-
quanto se encaminha para deixar a cli-
ente, ela conversa com ele sobre o que
falará para o marido. Ele descreve para
ela o que pensa sobre as mulheres que
dão detalhes de sua própria vida: “A di-
ferença é que quanto mais detalhes
der, menos interessado ele ficará”. Ela
responde: “Não importa o que eu diga.
Ele acha que nenhum homem me olha
duas vezes”. Alfie entende essa fala
como um mando disfarçado e respon-
de: “Certo, querida. Está esperando um
elogio”. A interpretação que pode ser feita é que ele tem um treino discriminativo
apurado em elogiar as mulheres e, mesmo ela dizendo a ele que não, ou seja, que
de fato ela estava tateando a situação com o marido, ele se predispõe a reforçar o

12 A magnitude do estímulo reforçador refere-se a uma grandeza quantitativa acerca do estímulo re-
forçador (Moreira & Medeiros, 2007). Segundo os autores, quanto maior a magnitude do estímulo
reforçador, maior a sua eficácia em fortalecer o comportamento que o produz.

13 Moreira e Medeiros (2007) definem como custo da resposta uma medida quantitativa acerca do
requisito comportamental para a liberação do reforço. Por exemplo, ir a uma farmácia comprar um
remédio é uma resposta mais custosa do que pedi-lo por telefone. De acordo com os autores, quanto
maior o custo da resposta, menor a sua probabilidade de ocorrência.

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comportamento dela com um elogio quando ela menos esperar. Ao fazê-lo, ele dimi-
nuirá a probabilidade de seus comportamentos de baixa autoestima. De fato, Alfie
estaria executando um reforçamento diferencial (Alves & Isidro-Marinho, 2010; Oli-
veira, 2009; Valls, 2010), colocando em extinção os mandos disfarçados de autode-
preciação e apresentando reforçamento em outras situações em esquemas de re-
forçamento de tempo variado (Moreira & Medeiros, 2007). Nos esquemas de tempo
variado, o estímulo reforçador é apresentado sem que uma resposta específica pre-
cise ser emitida. De fato, os reforçadores são apresentados em intervalos irregula-
res. Como Alfie faz elogios quando Dorie menos espera, e sem que ela emita algum
comportamento para tanto, seus elogios são liberados em esquema de tempo varia-
do.!
O personagem dirige-se ao
espectador e diz que o que o afas-
ta do casamento são as mulheres
casadas; para ele, depois de um
tempo, elas exigem mais do que
um homem pode dar. Nesta cena,
pode-se averiguar, pela fala, uma
descrição do esforço do persona-
gem em se esquivar de uma rela-
ção mais íntima. Tão logo o perso-
nagem percebe estímulos aversi-
vos condicionados que exijam uma
resposta de aproximação, ele se
esquiva desaparecendo. Ainda na
limusine, Dorie diz: “Não seria es-
petacular se fossemos para sua
casa em vez de fazermos essa
cena toda?” Ele discrimina a fala
dela como uma tentativa de maior
intimidade, pois relata querer ir à
sua casa. Então, decreta para a
audiência: “Sim. Definitivamente é
hora de desaparecer”. Logo, indí-
cios por parte da parceira de que
um maior envolvimento seria refor-
çador para ela funcionam como
estímulo aversivo condicionado
(Sidman, 1989/1995). Ambos os
conceitos descrevem estímulos que sinalizam a probabilidade de entrada em conta-
to com estímulos aversivos caso o mesmo comportamento continue sendo emitido

47
(contingência de punição) ou que respostas de fuga ou esquiva não sejam emitidas
(contingência de reforçamento negativo). Pode-se se entender que a relação estável
para Alfie é aversiva, e que os indícios de que uma relação assim seja reforçadora
para sua parceira funcionam como estímulos aversivos condicionados. O compor-
tamento de Alfie fica sob o controle desses estímulos, uma vez que sinalizam con-
sequências aversivas de grande magnitude; pode-se dizer que Alfie está atento a
tais indícios (Skinner, 1974/1982).!
Depois desse primeiro encontro, o personagem descreve as possíveis con-
tingências nas quais pode vir a se engajar. Uma seria ir à sua própria casa comer
algo frio no apartamento frio. Ele tomou a decisão de atravessar a cidade para se
acomodar na casa de sua quase namorada, Julie. Alfie acha Julie uma mulher doce.
A doçura de Julie é um estímulo que controla o comportamento dele de ir ao encon-
tro dela sempre que comida quentinha e se acomodar têm função reforçadora, po-
rém o estímulo que mais é reforçador para Alfie, segundo ele próprio, é o sexo. Ob-
viamente, esses reforçadores não são suficientes para que Alfie se engaje em uma
relação estável com Julie. Ele tem como regra que homens são compradores de
sexo. “Já disse como somos nós; os homens. Somos compradores de sexo”. Como
comprador de sexo, ele avalia que Julie não tem as coisas que realmente importam,
ou seja, que os atributos físicos dela não são suficientes para que ele fique somente
com ela, nas suas palavras: “E o problema é que a Julie não tem essas coisas su-
perficiais que realmente importam”.!
Nessa cena, ele também se engaja em comportamentos de esquiva de rela-
cionar-se intimamente. Alfie discrimina que ela quer se compromissar: “O que ela
realmente quer dizer é... que quer um compromisso. Traduzindo: ‘Me colocar em um
altar’”. Ele se esquiva de entrar em contato com a contingência e logo fica sob o
controle das próprias regras, dirige-se para o telespectador e diz que “não vale a
pena se tornar dependente de nada nesta vida. Contraria a sua verdadeira natureza
e se torna um homem morto”. A resposta verbal “morto” pode ser tratada como uma
extensão metafórica do tato (Skinner, 1957/1978), ou seja, obviamente, um homem,
se está casado, não está morto. Logo, um homem casado não é um estímulo dis-
criminativo não verbal para a emissão da resposta verbal “morto”. A resposta verbal
“morto” é estendida para o estímulo “homem casado” pelo fato de esses dois estí-
mulos partilharem algumas propriedades como, de acordo com Alfie, serem condi-
ções aversivas que impedem comportamentos que produzem reforçadores, como
aqueles relacionados à promiscuidade. Para Alfie, portanto, pode-se concluir que
seduzir mulheres diferentes é estar vivo e passar todo o tempo com uma única pes-
soa é estar morto. Ele interpreta compromisso como uma forma de dependência,
como a morte, ou seja, tem isso como uma regra para as relações e generaliza para
todas aquelas nas quais estabelece um mínimo de vínculo. Alfie aponta a qualidade
de doçura, a de adorável e a de bonita para Julie, porém ainda não discrimina que já

48
depende de Julie, uma vez que seu repertório comportamental se desorganiza
quando os reforçadores disponibilizados por ela são retirados do seu ambiente. !
!

Alfie se demonstra habilidoso em interpretar o comportamento das pessoas


conforme ilustrado acima, porém, quando se fala de sentimentos, pode-se supor
que seu repertório discriminativo é pobre. Principalmente com relação ao que se
chama, em Psicologia, de “empatia”. Na cena com Julie, ela diz: “eu te amo”, ao que
ele responde “obrigado, gata” e Julie fala: “Você disse ‘obrigado’?”. Nesse momento,
Alfie olha para a audiência e pergunta o que houve, como se de fato não tivesse en-
tendido a inadequação de sua resposta. Caso a resposta verbal de Julie fosse um
mando disfarçado, ou seja, dizer “eu te amo” sendo mantido por um “eu também”,
Alfie não proveu o reforçamento para a função de mando, e sim, para função de
tato: “Obrigado Gata! [sua informação foi muito útil]” (Medeiros, 2002). No desenro-
lar da cena, Alfie não reforçou diferencialmente o comportamento de Julie como fez
com o mando disfarçado de Dorie. De fato, parece que ele não discriminou a função
manipulativa de sua resposta verbal, e se comportou em relação a ela como se fos-
se um tato. Na realidade, a resposta verbal dela pode ser interpretada como um
mando disfarçado que ele não reforçou, aparentemente por não compreendê-lo. A
diferença entre as duas situações em que Alfie discriminou a função manipulativa

49
dessa cena com Julie é que, nesta, o suposto estímulo tateado é um sentimento.
Daí a hipótese, de que, em temas emocionais, Alfie não tem um bom repertório dis-
criminativo. !
A interpretação que se pode fazer sobre Alfie é que ele é privado de contato
com aspectos emocionais de seus ambientes ou que ele não se importa com o que
as pessoas estão sentindo. De fato, faz sentido. Um sedutor promíscuo, frequente-
mente, apresenta estímulos aversivos às pessoas com as quais se relaciona ou as
priva do reforçamento de sua presença. Caso seu comportamento ficasse sob con-
trole discriminativo do que as pessoas sentem quando ele as trata dessa maneira,
seria provável que emitisse comportamentos operantes e respondentes que servem
de ocasião para se dizer “culpa” ou “ressentimento” na linguagem cotidiana (Gui-
lhardi, 2002). Portanto, não há razões para que o seu comportamento fique sob o
controle discriminativo do comportamento emocional das outras pessoas, já que
suas consequências seriam aversivas. Até o episódio com Marlon e com Lonette,
não se observa, no filme, a emissão de comportamentos característicos de culpa
por parte de Alfie. A sensação produzida na audiência é a de que ele realmente não
se importa. !
Por outro lado, outra explicação para essa falta de compreensão é a possibi-
lidade de uma inconsistência no roteiro, uma vez que ele é habilidoso em discrimi-
nar outros comportamentos femininos para poder seduzir as mulheres.!
Alfie tem uma boa habilidade em interpretar a fala das mulheres e de utilizar
elogios como reforçadores, essa é uma de suas estratégias de sedução. Outra es-
tratégia nas suas relações é manter o foco nos comportamentos femininos, tentando
manipular as contingências de forma que as pessoas, e não ele, se exponham. Julie
diz que o ama e a resposta de Alfie é dizer obrigado. Nesta situação, não se estabe-
lece relação de intimidade, pois apenas Julie se expõe. Alfie parece não estar sen-
sível a nenhum tipo de comportamento que o faça entrar em contato com seus pró-
prios afetos. Além disso, outra possibilidade de análise é a de que, se Alfie dissesse
para ela que também a amava, estaria fornecendo estímulos discriminativos para
um passo seguinte na relação, ou seja, o estabelecimento de uma relação estável.
Logo, ao não dizer que a ama, ele diminui a probabilidade de ela emitir mandos para
que uma relação estável fosse estabelecida.!
As críticas de Alfie ao casamento são comuns ao longo do filme. Na empresa
em que trabalha, o dono tem um modo muito grosseiro de tratar a esposa e o per-
sonagem descreve a relação de casamento dos dois. Alfie se posiciona de forma a
generalizar todos os casamentos a partir desse exemplo: “Um cara meio doido: ob-
servem a forma que fala com a pobre mulher. Ela está lhe dando seus melhores
anos ajudando-lhe nos negócios, submissa. E agora reparem só [o que ele faz com
a mulher]. É estranho eu respeitar a instituição matrimonial”. Alfie descreve para a
audiência a relação do dono da empresa com a mulher como um modelo generali-
zado da instituição casamento. Pode-se entender que Alfie argumenta em favor de

50
relações sem compromisso ao invés de relacionamentos estáveis, contrastando o
contato com reforçadores nas duas situações. É como se ele aqui dissesse que os
comportamentos num contexto de “solteirice” fossem reforçados com maior
frequência14 e magnitude (Moreira & Medeiros, 2007) do que se emitidos no contex-
to de um relacionamento estável. !
O comentário do Alfie acerca do conflito de Marlon e Lonette envolve uma
questão de gênero: “Uma crise dos 18 meses de relação. Lonette quer uma casa,
um bebê, uma família. Marlon quer mais 18 meses para pensar”. Ou seja, Alfie dis-
crimina muito bem uma norma cultural muito comum de que as mulheres procuram
se relacionar para formarem família, terem relações estáveis e de que os homens
fogem de compromissos (Babo & Zablonski, 2002; Carvalho & Medeiros, 2005; Pas-
sinato, 2009; Zordan, 2008). E dá esse exemplo na relação de Marlon e Lonette de
como essa aprendizagem pode gerar conflito entre gêneros. Alfie também descreve
muito bem a privação de Marlon. Como Lonette terminou com Marlon, ele se encon-
tra na privação dela e, consequentemente, o valor reforçador de Lonette aumentou.
No entanto, vale lembrar que, de acordo com
Carvalho e Medeiros (2005), apesar da importân-
cia dessa norma cultural, nem todos os homens e
nem todas as mulheres têm seus comportamen-
tos mantidos por esses reforçadores descritos.!
A situação do amigo o faz pensar na pró-
pria situação. O amigo é um modelo de como al-
gumas relações podem fazer falta, caso se fique
privado delas. Tal evento o leva a procurar Julie
novamente. Lá, encontra a porta com o trinco fe-
chado e pede a ela que abra a porta com elogios,
uma de suas estratégias de sedução. Ela não se
rende ao comportamento de sedução dele, não
abre o trinco e joga nele a calcinha vermelha de
Dorie, indício do comportamento promíscuo de
Alfie (No final de seu encontro com Dorie, ela co-
locou a calcinha no seu paletó sem que ele visse.
Julie encontra a calcinha no lixo de sua casa porque Alfie a colocou lá ao percebê-la
em seu paletó). Ao ser rejeitado por Julie, Alfie depara-se com uma consequência
aversiva do seu comportamento promíscuo, ou seja, a perda dos reforçadores que a
doçura de Julie sinalizava.!
No encontro de Alfie com Lonette, a função aversiva condicionada do sofri-
mento em potencial de Marlon não parece controlar o comportamento de Alfie ao

14 Frequência é um parâmetro do estímulo reforçador que altera a sua eficácia em fortalecer o com-
portamento que o produz (Moreira & Medeiros, 2007). A frequência de reforços diz respeito ao núme-
ro de vezes que o reforçamento ocorre numa unidade de tempo.

51
flertar com ela. Cabe interpretar que Alfie não tem estabelecida a função aversiva
condicionada generalizada do sofrimento do outro (Skinner, 1953/2003). O controle
dos reforçadores envolvidos na sedução é tão forte sobre o seu comportamento que
ele não fica sensível ao fato de que o envolvimento sexual com Lonette pode produ-
zir consequências aversivas em longo prazo para ele e, principalmente, para Lonet-
te e Marlon. Em palavras do senso comum, Alfie não tem autocontrole. Segundo
Rachlin e Green (1972, citado por Fantino & Fantino, 2002), o autocontrole é pri-
mordialmente um caso especial de escolha entre reforçamento menor imediato ver-
sus reforçamento maior atrasado. Alfie age de maneira impulsiva, tendo seu com-
portamento controlado pelo reforço imediato, mesmo correndo o risco de entrar em
contato com estímulos aversivos de maior magnitude no futuro (Nery & de-Farias,
2010; Rachlin & Green, 1972, citado por Fantino & Fantino, 2002). Quando Alfie re-
encontra Marlon, na manhã seguinte, ele tenta ignorá-lo por não conseguir tirar Lo-
nette e a “sua bunda da cabeça”. Nesse ponto do filme, novamente, Alfie emite
comportamentos sob o controle de consequências individuais, os quais não pare-
cem sofrer influência das consequências de seus comportamentos para os outros. A
interpretação é que Alfie não quer ser descoberto por questões práticas, ou seja,
não quer perder reforçadores, como o sexo com a mulher do amigo, e os reforçado-
res provenientes da amizade com Marlon. Entretanto, é inevitável falar com Marlon,
que lhe conta que ele pediu Lonette em casamento quando ela o procurou. Alfie en-
tende que, pelo “pecado” que cometeu por ter tido relações sexuais com Lonette, o
“castigo”, é ter seu melhor amigo casado. Por outro lado, ele entende que, graças a
ele ter feito sexo com a namorada do melhor amigo, Marlon “ganhou o jogo”.!
Essa análise de Alfie pode ser tratada como uma resposta de racionalização,
conforme descrita por Medeiros e Rocha (2004). As respostas de racionalização po-
dem ser vistas, de acordo com os autores, como distorções do tato acerca das va-
riáveis controladoras do próprio comportamento, tendo a si mesmo como ouvinte.
Essas respostas tendem a enfraquecer a função aversiva condicionada do próprio
comportamento punido no passado (Medeiros & Rocha, 2004). No caso de Alfie, os
comportamentos de flertar e fazer sexo com a mulher do amigo são passíveis de
punição social. Esses comportamentos, quando adquirem a função de estímulo dis-
criminativo controlador de respostas de auto-observação, tendem a evocar compor-
tamentos respondentes e operantes comuns na culpa, no remorso e na vergonha.
Uma esquiva comum é a resposta de racionalização, na medida em que Alfie enxer-
ga um lado bom para o amigo a partir do fato de ele ter tido relações sexuais com
Lonette. Com essa resposta verbal, talvez Alfie se sentisse menos culpado pelo que
fizera. Por outro lado, nesse ponto do filme, ainda não é claro se Alfie realmente
emite comportamentos que servem de ocasião para que o senso comum diga as
palavras “culpa”, “remorso” ou “vergonha” (ou seja, em termos do senso comum,
ainda não é claro se ele sente culpa, remorso ou vergonha). !

52
Pela segunda vez, ele faz um paralelo entre a vida de Marlon e a dele. A hi-
pótese que se pode levantar é a de que os comportamentos do amigo funcionam
como operações estabelecedoras que evocam a emissão de comportamentos pre-
correntes15 (Skinner, 1969/1984) sobre os próprios comportamentos, principalmente
em relação à Julie: “A palavra do dia: resistência. A capacidade para se recompor
das desilusões amorosas. Capacidade de se relançar”. Inicialmente, ele emite esse
tato sob o controle discriminativo do fim da relação entre Marlon e Lonette e, em se-
guida, o emite em função do fim de seu relacionamento com Julie: “Compreendam,
não se trata de pôr outra no lugar de Julie. Trata-se de voltar à vida... de novo. As
mulheres não significam muito para mim”.!
Depois dessa situação com Lonette e Marlon, e do rompimento com Julie, ele
tenta voltar à vida de sair com várias mulheres. Com tudo o que aconteceu, Alfie evi-
tou entrar em contato com as consequências de seus comportamentos. Ele não
emitiu, em princípio, respostas emocionais em decorrência dos estímulos aversivos
com os quais entrara recentemente em conta-
to. No entanto, nas outras experiências sexu-
ais, ele não teve ereção. Nessas experiênci-
as, a falta de ereção de Alfie é seguida de
estímulos aversivos como críticas, irritação e
ridicularização de suas parceiras sexuais em
potencial. Nesse momento, Alfie emite o
clássico tato distorcido “isso nunca aconteceu
antes!” mantido pela retiradas desses estímu-
los aversivos.!
Mediante esse problema de ereção, o
personagem procura ajuda médica, que
aponta como causa da falta de ereção “situa-
ções emocionalmente estressantes”. De
acordo com Baum (1994/2006), para enten-
der como um indivíduo torna-se apto para se
autodescrever ou auto-observar, há necessidade de levar em conta o papel do con-
texto social em que ele está inserido ao longo de sua história. Em várias situações

15 Baum (1994/2006) discute o conceito de comportamento precorrente como aquele que produz es-
tímulos que servem de ocasião para emissão de novos comportamentos que, em uma cadeia com-
portamental, venham a resultar em reforçamento. Os comportamentos precorrentes são a principal
ocasião para se dizer “pensamentos” e ocorrem em situações definidas por Skinner (1974/1982)
como problemas. Skinner define como problemas aquelas condições de estímulo que não evocam
prontamente uma resposta que venha a produzir reforçamento e, portanto, servem de ocasião para a
emissão de comportamentos que tornem a resposta que produza o reforçamento mais provável (i.e.,
comportamentos precorrentes). A insistência de Marlon em reconquistar Lonette, ao ponto de decidir
casar com ela, e a ausência de Julie em sua vida, assim como de todos os reforçadores envolvidos
na relação com Julie, constituem-se em um problema para Alfie, situação que evoca a emissão de
comportamentos precorrentes. No fim, Alfie lança mão da velha fórmula de recorrer a novos reforça-
dores similares, no seu caso, novas mulheres.

53
do filme, Alfie é questionado se está bem; em muitas delas, caberia dizer qualquer
outra coisa, mas Alfie automaticamente responde: “eu estou sempre bem”. Seu
comportamento fica sob o controle dessa autorregra (Skinner, 1969/1984) e, neste
aspecto, não consegue se auto-observar, ou seja, ficar sob controle discriminativo
dos próprios comportamentos (Skinner, 1953/2003). Essa autorregra pode estar re-
lacionada à insensibilidade às contingências aversivas às quais é exposto (Catania,
1998/1999), na medida em que não discrimina as suas próprias respostas emocio-
nais evocadas por tais contingências. Ao mesmo tempo, comportar-se de acordo
com essa regra para alguém como Alfie, cujas conquistas amorosas são muito re-
forçadoras, aumenta a probabilidade de reforçamento, uma vez que pessoas que
aparentam estar felizes e confiantes tendem a ser mais atraentes. !
Quando o médico fala de emoção, Alfie foge dizendo: “Estresse? Emocional-
mente? Não. Nunca”. Imediatamente, ele leva em consideração a separação com
Julie; o comportamento de pensar em Julie elicia respostas de sua história juntos e
ele tem uma ereção. Com isso, constata-se que a parte fisiológica está normal e o
problema estava relacionado ao rompimento com Julie. Alfie comenta: “Como sem-
pre digo: se não te pegam de uma forma, pegam de outra”.!
Nessa consulta, Alfie faz uma coleta de material peniano para biópsia e vai
para casa. Ao chegar a sua casa, Lonette o espera na porta da frente. Ao vê-la, Alfie
diz que teve saudade e pergunta como ela tem passado. Ao que ela responde se-
camente que está grávida. Eles vão a uma clínica de aborto. Nesse contexto, Alfie
demonstra sensibilidade às possíveis consequências para o amigo, para Lonette e
para ele próprio se um bebê de traços brancos nascesse (Lonette e Marlon são
afrodescendentes). Ele se dá conta das consequências aversivas da relação sexual
com Lonette. A notícia da gravidez o faz pensar na possibilidade de Marlon desco-
brir. Ele elabora uma hipótese de como essa situação produziria sofrimento em Mar-
lon. Aqui, ele fica sob o controle do sofrimento do outro. “Ambos sabíamos que, se o
bebê nascesse com traços de branco, seria o fim para o Marlon”. Entrar em contato
com consequências aversivas, tais como a gravidez de Lonette, faz Alfie dizer que
começou a mudar a forma de encarar as coisas. Aparentemente, o personagem dis-
crimina que precisa mudar a forma de se comportar de modo a evitar mais contatos
com estímulos aversivos.!
Como dito anteriormente, nas relações que estabelece com as pessoas, Alfie
se apresenta de forma a se mostrar sempre bem. Ele procura se colocar para o ou-
tro de maneira agradável, ou seja, elogiando algum aspecto da pessoa ou pergun-
tando como a pessoa está ou se sente. Quando é indagado como ele se sente, in-

54
traverbaliza16 que está bem e não emite tatos puros acerca de si mesmo (Medeiros,
2002). Nas interações, Alfie utiliza mandos disfarçados e respostas de esquiva. A
retomada desse assunto é para pontuar que, de fato, ele fez pequenas mudanças.
Ao receber o resultado da biópsia, que deu negativo, o personagem tem uma con-
versa no banheiro com Joe. Alfie se comporta tateando seus eventos privados e,
quando perguntado por Joe se está bem, tenta sair de sua resposta automatizada
de dizer sim, e diz: “espero”. Nesse ponto, o personagem parece ter ficado mais
sensível às contingências que são responsáveis por seu comportamento emocional.!
De fato, o comportamento do personagem ficou mais sensível, mas não o su-
ficiente para ele mudar seu estilo de vida. Então, ele diz que vai operar mudanças
no ambiente: em prol da saúde, vai beber suco de cenoura com vegetais e colocá-la
como prioridade; em relação às mulheres, ele se mantém dentro do mesmo padrão
comportamental de sedução. Alfie flerta com Liz, uma mulher rica e mais velha.
Como Alfie diz: “Uma mulher de verdade”. O personagem interpreta que incorreu em
mudança por estar investindo em uma mulher rica que, para ele, não ficaria com
qualquer um, o que deixa clara a função reforçadora condicionada generalizada de
tê-la. A interação social de flerte entre ele e a mulher o faz se questionar se está fi-
cando mais interessante. Liz, portanto, serviria de troféu para Alfie, já que ela não
ficaria com qualquer um. Seu comportamento parecer ser controlado pelo
“vencer” (reforçadores condicionados generalizados) e não pelos possíveis reforça-
dores advindos de uma relação com Liz. Ficar com Liz seria um indício de seu pró-
prio valor. Daí é possível questionar a autoestima de Alfie, na medida em que as
suas descrições de si mesmo dependeriam de reforçadores condicionados generali-
zados. !
Com a mudança do seu melhor amigo e de Lonette para outra cidade sem
convidá-lo para visitá-los, privado da presença de seu amigo, dirigindo um táxi, Alfie
descreve a solidão que sente no Natal, segundo ele: “uma noite que traz à memória
todas essas tradições familiares... Falta de esperança, angústia, desespero. De ma-
neira nenhuma ficar só”.!
Quando se pensa que ele vai descrever sobre a dificuldade de estar só no
Natal, ele faz um contraponto, dizendo que esse é um momento de se trocar pre-

16 Medeiros (2002) descreve a emissão de intraverbais em substituição aos tatos puros como uma
manipulação do comportamento verbal. Skinner (1957/1978) descreve os intraverbais como respos-
tas verbais controladas por estímulos antecedentes verbais em que a similaridade formal entre o es-
tímulo e a resposta são irrelevantes. A principal fonte de controle no intraverbal é a relação temática
entre o estímulo e a resposta, de modo que é emitida a resposta verbal que é frequentemente refor-
çada na presença desse estímulo (Skinner, 1957/1978). A pergunta “você está bem?” é um estímulo
verbal que normalmente controla a resposta intraverbal “estou ótimo”. Tatos acerca da própria condi-
ção na presença dessa pergunta (e.g., “estou mal”) provavelmente não seriam reforçados pelo ouvin-
te sem muita intimidade com o falante. No caso de Alfie, parece que o intraverbal “estou ótimo” em
substituição ao tato acerca da sua condição tem uma frequência muito elevada até mesmo com
aqueles ouvintes com os quais tem intimidade. Como seus intraverbais são reforçados e não os ta-
tos, o seu próprio repertório de auto-observação se torna enfraquecido. Logo, Alfie, estando sempre
bem, raramente sabe como realmente está.

55
sentes: “Por isso, penso que casais não devem nunca se separar entre o Dia de
Ação de Graças e o dia 2 de janeiro. Sempre tenha alguém ao seu lado. Sempre.
Esse é o momento para se trocar presentes”. Aqui se pode entender que ele tem
dificuldade de ficar só, principalmente em datas festivas, mas tem dificuldade de
discriminar isso nele mesmo. Ter alguém, portanto, é reforçador para Alfie mesmo
que seja aversiva a perda do acesso a outras mulheres. Carvalho e Medeiros (2005)
discorrem sobre as variáveis que controlam o permanecer relacionamentos pouco
reforçadores ao invés de ficar solteiro, o que, em muitos casos, seria mais reforça-
dor.!
O serviço de táxi é solicitado e ele es-
taciona para atender aos clientes; en-
tão, entra no carro Nikki, a quem ele
discrimina como “um milagre natalino”.
Alfie a descreve como “Ela era exube-
rante. Era como... uma mistura de sen-
sualidade com loucura que me fascina.
Nos lugares que íamos, nos olhavam
com espanto. Era brilhante! Graciosa,
original, louca, surpreendente. Ah, não
esquecendo, sabia fazer coisas mara-
vilhosas”. Os reforçadores de curto
prazo que Nikki proporcionava eram
esses descritos. No entanto, observando
a contingência de maneira mais ampla e conhecendo a parceira melhor, Alfie des-
creve: “Acabou o encanto. Para começar, já não tinha argumentos. Depois, as coi-
sas continuaram a piorar. Tornou-se fechada e melancólica. Maniática. Quebrou mi-
nha motocicleta e eu não tinha seguro. Depois, comecei a sentir vontade de querer
parar e fui pensando no que realmente tínhamos em comum”. Neste momento, ele
entra em contato, minimamente, com o questionamento de que reforçadores mútuos
mantêm uma pessoa na relação com a outra. Por fim, Alfie a descreve como uma
escultura de mármore linda e perfeita, mas que, ao chegar perto dela, percebia sua
insignificância. Assim, ele termina a relação.!
Mesmo relatando que não deseja mais manter a relação com Nikki, a ausên-
cia de companhia e dos reforçadores envolvidos representa uma situação aversiva
para ele. Nesse momento, Julie volta a ter função reforçadora. Pode-se discutir o
fenômeno da ressurgência (Moreira & Medeiros, 2007), isto é, comportamentos que
eram previamente reforçados (por exemplo, procurar Julie) se tornam mais prová-
veis quando não se tem acesso a reforçadores outrora disponíveis. !
Outro encontro amoroso que ocorre no filme se dá entre Alfie e Liz, numa tar-
de que o personagem chama de: “A tarde do absinto”. Nesta cena, observa-se que
ela se comporta de maneira parecida com a dele. Por exemplo, ele elogia sua tatu-

56
agem. Liz por sua vez, responde com uma pergunta “Gosta de tatuagens exóticas?”.
Assim como ele, ela tenta manter o foco no outro, como uma forma de comporta-
mento de manipulação da situação. Nas demais relações, era Alfie quem fazia isso. !

!
Em seguida, no filme, há uma ocasião que ele e Julie se encontram. Alfie a
elogia e lamenta o que aconteceu entre eles. Alfie também diz que sente falta de
Max (filho de Julie), tenta dizer o quanto foi bom, que não se compromete com
nada, e que, se ela quisesse, eles poderiam se encontrar outra vez. Alfie não é su-
perficial neste momento, pode-se dizer que ele descreve seus eventos privados.
Mas Julie pune o comportamento dele, dizendo que não foi bom, que isso são
águas passadas e se comporta de forma a extinguir seu comportamento, pelo me-
nos na presença dela, apresentando-lhe o novo namorado. A resposta de sedução
dele é seguida de um estímulo aversivo (“não foi bom”) o qual sinaliza que ele não é
tão bom assim e que não conseguiu fazê-la feliz. Ao mesmo tempo, ao não corres-
ponder suas respostas de sedução, ela retira os reforçadores que as mantinham, o

57
que se configura em uma extinção. Os dois procedimentos têm como efeito principal
a diminuição da frequência do comportamento, no caso, tenderiam a fazer com que
Alfie deixasse de tentar seduzi-la. Em seguida, ele tateia que gostou de vê-la nova-
mente e sai da situação, indo embora após cumprimentar o casal. Neste momento,
ele tem que lidar com mais uma situação aversiva em decorrência de seu compor-
tamento frente às mulheres.!
Para dar seguimento a um negócio que queria fazer com Marlon, foi fazer-lhe
uma visita. Ao chegar lá, descobre que Lonette não fizera o aborto e que ela e Mar-
lon criam o filho. Novamente, Alfie tem que enfrentar uma consequência aversiva de
seus comportamentos promíscuos. Com essa visita, ele repensa os erros que come-
teu. Identifica, com isso, que evita lidar com situações aversivas, como no dia que
levou Lonette para abortar e não perguntou diretamente se ela havia feito o aborto,
simplesmente ficou calado. É possível inferir que ele se cala diante das possibilida-
des de situações que o façam entrar em contato com estímulos aversivos. Na visita
a Marlon e Lonette, ele lembra-se disso e fala: “Só não quis admitir a mim mesmo.
O comportamento clássico. Não disse nada”. Com o desenrolar da história, Alfie en-
tra novamente em contato com as consequências aversivas de seu comportamento,
ao ver todo o sofrimento que causou no amigo. Nesse ponto do filme, Alfie demons-
tra pela primeira vez estar sob controle do caráter aversivo do sofrimento de outra
pessoa, quando vê que magoou Marlon. Em uma breve comparação, o fato de Julie
ter descoberto a promiscuidade de Alfie só foi aversiva para ele pela perda dos re-
forçadores outrora disponíveis. Entretanto, o fato de tê-la magoado não exercera
controle sobre o seu comportamento como o ocorrido com Marlon.!
Essa é mais uma experiência que motiva Alfie a mudar seu comportamento,
então ele compra flores para Liz. Quando chega lá para entregar-lhe as flores, en-
contra-a com outro homem. Nesse momento, tem a experiência de estar no papel
em que colocava frequentemente as mulheres, um papel de descartável. Alfie ques-
tiona: “o que ele tem de melhor que eu?”, ao que Liz responde: “ele é mais novo que
você”. E aqui se pode dizer que novamente está enfrentando uma situação aversiva.
Ele entra em contato com uma rejeição, como sofrera com Julie. Pelo que se obser-
va, a rejeição é muito aversiva para ele, que costumava ter seus comportamentos
mantidos em esquema de reforçamento contínuo17. Além disso, ela representa um
estímulo punitivo condicionado generalizado, ou seja, uma derrota. !
Com a exposição a todas essas contingências aversivas, Alfie, ao final do fil-
me, fala de seus sentimentos, e diz que, com essas experiências, aprendeu a ge-
renciar seus sentimentos. Afirma que falou a verdade (i.e., emitiu tatos puros) ape-
nas com Liz e que, ironicamente, ela o traiu. Neste sentido, Alfie tem autoconheci-
mento sobre seus comportamentos nas suas relações amorosas: descreve que, em

17Conforme Moreira e Medeiros (2007), a exposição ao não reforçamento após o comportamento


ser mantido em um esquema em que todas as respostas eram reforçadas (i.e., esquema de reforça-
mento contínuo) elicia fortes respostas emocionais.

58
todos os relacionamentos, exceto neste, ele mentiu. Alfie fala: “Estou cego por uma
crença errada. Não me olhem. Eu nunca me casarei”, no entanto, os sentimentos
das mulheres que eram insignificantes passam a ser considerados por ele “como
olhavam pra mim, se preocupavam. O carinho que me dispensavam e... costumava
me sentir com o controle das coisas”. Privado de afeto ou de possíveis pessoas que
possam lhe disponibilizar afeto, ele diz: “agarra à minha solidão... minha vida sou
eu. Mas não tenho tranquilidade. E se não tem isso, não tem nada. Sendo assim,
como vai ser agora?” Alfie se questiona sobre a sua condição e a descreve como
uma consequência de suas ações no mundo. Por fim, ele discrimina sua dificuldade
de ficar só.!
Considerações Finais!
!
Pode-se concluir que a produção cultural apresentada no filme é, em boa par-
te, uma reprodução dos comportamentos observados no cotidiano. É possível ainda
dizer que os comportamentos apresentados de forma caricaturada pelo persona-
gem, com a sua extrema insensibilidade no aspecto emocional, retratam, com certa
fidedignidade, os comportamentos difundidos pela cultura contemporânea de como
os homens se posicionam em suas relações afetivas. !

Pode-se concluir que essa produção cinematográfica passa duas mensa-


gens: a primeira é a de que os homens devem evitar o envolvimento em relações

59
estáveis e serem motivados por sexo fácil sem compromisso. A segunda seria jus-
tamente a mensagem oposta, no sentido em que a solidão e o sofrimento são inevi-
táveis, caso se viva dessa forma. O primeiro modo seria entender a produção do
filme como uma forma de motivar os homens a usarem Alfie como um modelo de
padrão comportamental para obterem sucesso em seus comportamentos de sedu-
ção. A evidência para essa interpretação é a de que, ao longo do filme, a audiência
fica muito mais exposta às regras emitidas pelo personagem de como emitir com-
portamentos que seduzam as mulheres do que expostos àquelas regras de que vale
a pena se relacionar intimamente. Outro modo de entender o filme passaria pela
produção que quer mostrar para os homens que sedução não é tudo e que o ama-
durecimento envolve ver as mulheres e as relações de outra forma. De qualquer
maneira, a influência desses estímulos apresentados no filme sobre a audiência vai
depender de variáveis outras na vida do espectador ao longo de sua própria história
e que estejam influenciando a vida dele no momento em que assiste ao filme (Skin-
ner, 1953/2003).!
Outro ponto bastante difundido na cultura e bem trabalhado no filme é esse
pavor do personagem acerca do casamento, reproduzindo e dando modelo para o
gênero masculino na sociedade. A despeito disso, o personagem se engaja, ao final
do filme, numa tentativa de iniciar uma relação estável com Liz. Alguns pontos de-
vem ser considerados a esse respeito. Em primeiro lugar, os inúmeros contatos com
estímulos aversivos e com a perda de reforçadores ao longo do filme em decorrên-
cia de seu modo de vivenciar as relações amorosas. Além disso, tais experiências
foram acompanhadas de várias reflexões feitas pelo personagem, principalmente a
partir de suas conversas com Joe. A partir dessas ponderações, é possível concluir
que Alfie, de fato, teve seu padrão comportamental modificado. Por outro lado, não
se deve negligenciar a mudança de perfil de Liz em relação às demais mulheres
com as quais Alfie se relacionara ao longo do filme. Liz, como estímulo discriminati-
vo, sinalizou a disponibilidade de outros reforçadores aos quais Alfie não teria aces-
so caso mantivesse uma relação estável com Julie, Lonette, Nikki, dentre outras. Ter
uma relação com Liz poderia ser considerado, então, uma manutenção de padrão
ao invés de uma mudança. Isto é, os comportamentos de Alfie em relação às mulhe-
res e os reforçadores que os controlam continuam os mesmos. Desse modo, não é
possível afirmar com convicção se os padrões comportamentais de Alfie teriam se
modificado em decorrência das situações vivenciadas no filme. !
Um contra-argumento à ausência de mudança de padrão comportamental em
Alfie quanto à propensão aos relacionamentos estáveis foi o seu diálogo com Julie
do meio para o final do filme. De fato, Alfie propõe a ela um novo relacionamento,
porém, não fica claro se Alfie pretende manter o mesmo tipo de relação que tinha
com ela anteriormente ou se pretende assumi-la em uma relação estável.!
Apesar da tentativa de estabelecer esse padrão comportamental de seduzir
várias mulheres e ter relações sexuais sem envolvimento afetivo, o personagem tem

60
que lidar com um efeito, também bastante vivenciado pelas pessoas atualmente,
que é a solidão. Efeito este bastante trabalhando nos consultórios de Psicologia
como queixa inicial dos clientes. Alfie passou a vivenciar as contingências comuns
na solidão após o rompimento com Julie. Esse rompimento resultou em várias puni-
ções negativas, na medida em que Alfie perdeu acesso a vários reforçadores co-
muns em uma relação estável. Por outro lado, até que ponto evitar a solidão justifi-
caria o estabelecimento e a manutenção de relações pouco reforçadoras, como dis-
cutem Carvalho e Medeiros (2005)? Não restam dúvidas de que Alfie sofreu bastan-
te ao longo do filme como consequência de seu estilo de se relacionar, porém, caso
se engaje em uma relação estável como resposta de fuga e/ou esquiva desse sofri-
mento, não parece provável que esteja pronto para se engajar em relacionamentos
considerados saudáveis. Em outras palavras, por mais que tenham sido terapêuti-
cas as experiências de Alfie no filme, ainda parece haver um longo caminho pela
frente para que ele consiga vivenciar uma relação sob o controle de reforçadores
positivos. !
A própria análise feita por Alfie acerca de sua relação com Nikki, com base na
metáfora das estátuas imperfeitas, possibilita uma reflexão acerca das variáveis
controladoras de seu comportamento de se engajar em uma relação estável. No fim
das contas, de acordo com a metáfora, o valor reforçador condicionado de ter al-
guém socialmente desejável como a belíssima Nikki (ver a estátua de longe) é maior
do que quando já se possui alguém e, principalmente, quando se entra em contato
de fato com essa pessoa (ver a estátua de perto, com suas imperfeições). No mo-
mento em que Alfie decide romper sua relação com Nikki, ele a vê só de calcinha,
vestida com uma camisa social sua, tomando um copo de vinho e com manchas de
tinta sobre a pele. Em seguida, ele comenta: “qualquer homem, ao ver essa cena,
ficaria excitado. O fato de isso não mexer nada comigo significa que é o fim”. É mui-
to provável que o mesmo efeito acontecesse com Liz. Ao possuí-la, rapidamente,
ela perderia o valor. Mesmo com Julie, que também o rejeitara, é muito provável que
ele tentasse ter com ela a mesma relação que tinha antes, caso ela o aceitasse de
volta, ao invés de assumi-la em uma relação estável. !
“Alfie: o sedutor” possibilita, portanto, refletir acerca das variáveis controlado-
ras dos comportamentos de entrar e manter uma relação afetiva estável. Quais re-
forçadores deveriam controlar esses comportamentos para se vivenciar uma relação
considerada saudável? Qual a chance de Alfie ter seu comportamento sob o contro-
le de tais reforçadores ao final do filme? Até que ponto o sofrimento nas relações
amorosas é a melhor maneira de aprender isso? O que o filme parece tentar mos-
trar é que colecionar belas estátuas e evitar a solidão são motivações correlaciona-
das com o fracasso nas relações amorosas.!
!
!
!
61
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!

63
!

“500 DIAS COM ELA”: ANÁLISE COMPORTAMEN-


TAL DE RELAÇÕES AFETIVAS!
!
Helen Carolina Ferreira Pereira18 !
Centro Universitário de Brasília – UniCEUB !
Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento - IBAC!
!
Carlos Augusto de Medeiros19!
Centro Universitário de Brasília – UniCEUB !

Título Original: 500 Days of Summer !


Título no Brasil: 500 Dias com Ela!
Ano: 2009!
Roteiro: Scott Neustadter e Michael H. Weber !
Direção: Marc Webb!
Produção: Mark Waters

O ideal de amor romântico encontra-se presente culturalmente desde após a


idade média (Carpenedo & Koller, 2004), e de acordo com este modelo, a única
forma de alguém ser feliz, é encontrando uma pessoa com quem possa vivenciar
uma relação afetiva/sexual. O modelo em questão é permeado de regras impreci-
sas, que levam constantemente as pessoas a buscarem ajuda psicológica, por esta-

18O presente texto trata-se da monografia de conclusão de curso de graduação em Psicologia do


Centro Universitário de Brasília da primeira autora orientada pelo segundo autor.

19 E-mail: c.a.medeiros@gmail.com

64
rem sofrendo pelo que se chama “mal de amor”. Dentre elas, cabe citar: “o amor
dura para sempre”, “um amor que morreu pode renascer” e “o amor conquista tudo”. !
! Faz-se necessário ressaltar que, nas últimas décadas, o modelo idealizado
de amor romântico não foi o elemento primordial para o estabelecimento das uniões
conjugais (Carpenedo & Koller, 2004). No entanto, para os autores, na atualidade,
este tornou-se o ápice da realização pessoal, principalmente para culturas latino-
americanas. Pessoas acompanhadas, dentro do contexto de uma relação afetiva,
têm o seu comportamento socialmente reconhecido, sendo vistas pelo grupo como
possuidoras de grande valor pessoal. Pessoas solteiras, por outro lado, são fre-
quentemente privadas de tal reconhecimento e, ao mesmo tempo, rotuladas de fra-
cassadas do ponto de vista afetivo e pessoal. !
! Os filmes e demais produções artísticas e culturais, com frequência, transmi-
tem o modelo idealizado de amor romântico, e uma série de mitos associados a ele.
Poucas dessas produções questionam a imprecisão desses mitos na condição de
variáveis de controle do comportamento. Atualmente, embora ainda pequena, há
uma movimentação dos produtores artísticos em função de questionar esses mode-
los. Fato que pode ser visto claramente na produção de Shrek® (Dreamworks Ani-
mation, 2001), no qual o príncipe não vem de cavalo branco nem atende aos pa-
drões de aparência e polidez idealizados e a real beleza da princesa não se dá em
função de seus atributos físicos e sim de qualidades pessoais. !
O filme “500 dias com ela”, também se apresenta de modo a questionar tais
modelos, e o quanto o controle de modo extenuante das regras referentes ao ideal
de amor romântico podem levar as pessoas a limitarem suas possibilidades nas re-
lações afetivas e a sofrerem de modo significativo. !
! A análise do filme “500 dias com ela” visa possibilitar uma maior compreen-
são de conceitos da Análise do Comportamento aplicados ao contexto de relações
amorosas. Os conceitos utilizados foram os relacionados ao comportamento contro-
lado por regras, o comportamento emocional, o comportamento verbal e o terceiro
nível de seleção. Questões de gênero também foram discutidas à luz da Análise do
Comportamento, na medida em que o filme aponta para algumas mudanças em re-
lação aos modelos tradicionais. !
O presente estudo é relevante, uma vez que o comportamento não é livre de
influências do ambiente, e o profissional de psicologia deve estar atento aos mode-
los sociais que exercem influência sobre o modo como as pessoas vão se compor-
tar no contexto de suas interações. Somente a partir dessa compreensão é que será
possível auxiliar quem busca ajuda pela psicoterapia a compreender as variáveis
que controlam seu comportamento, e as reais possibilidades de mudança por meio
desse processo. !
O presente estudo traz um breve resumo do filme com a sua análise aprofun-
dada em seguida, sendo finalizados com as considerações finais. A análise enfocou

65
os comportamentos emitidos pelos protagonistas Tom Hansen e Summer Finn, ten-
do como pano de fundo o contexto das relações afetivas contemporâneas. !
!
Descrição do Filme!
! !
O enredo do filme “500 dias com ela” dá-se em torno da estória de Tom (Jo-
seph Gordon-Levitt), um arquiteto formado que trabalha como escritor de cartões
em uma empresa de Los Angeles, e sua recém-conhecida colega de trabalho,
Summer (Zooey Deschanel). !

Tom, ao conhecer Summer, assistente de seu chefe, Vance (Clark Gregg),


acredita estar diante da sua predestinada, e por isso, a única mulher capaz de fazê-
lo feliz. Diante disso se empenha em comportamentos a fim de conquistá-la e esta-
belecer um relacionamento nos moldes tradicionais de namoro com ela. Summer,
por sua vez, representa de modo caricato uma geração de mulheres, que por ques-
tões históricas e culturais, adota uma postura mais independente em relação aos
homens, e não acredita que precisa estar vivenciando uma relação amorosa nos
moldes tradicionais de namoro e casamento para ser feliz. !
O decorrer da trama é marcado pela presença de um narrador, que relata ini-
cialmente aos telespectadores eventos da infância e desenvolvimento dos persona-
gens. Tal fato parece uma tentativa de explicar o motivo do comportamento destes
durante a estória. !
O narrador diz o seguinte trecho sobre Tom:!
!

66
O garoto, Tom Hansen, de Margate, Nova Jersey, cresceu acreditando que nunca
seria verdadeiramente feliz até o dia em que conhecesse a predestinada.! Essa
crença vem de uma exposição precoce à triste música pop britânica e à má compre-
ensão do filme ‘‘A Primeira Noite de um Homem’’.!
!
Sobre Summer a narrativa é a que segue:!
!
A garota, Summer Finn, de Shinnecock, Michigan, não acredita na mesma coisa.
Desde o fim do casamento de seus pais, ela só amava duas coisas: a primeira era
seu longo cabelo escuro; a segunda era a facilidade para cortá-lo, sem sentir nada. !

!
! O enredo do filme não ocorre de forma linear aos fatos vivenciados pelos
personagens. A primeira cena é marcada pela reação de Tom após o término do re-
lacionamento, na qual quebra pratos em casa, ouve conselhos dos amigos e é con-
fortado por sua irmã mais nova, Rachel (Chloë Grace Moretz). Nesta cena Tom rela-
ta que tudo parecia bem e, de modo repentino, Summer rompeu o relacionamento.
Seus amigos e irmã lhe dão diversos conselhos, dentre eles dizem que há outros
peixes no mar, e o lembram que já terminou outros namoros no passado. Tom ape-
nas enfatiza que agora é diferente porque ama Summer de verdade. Cabe ressaltar
que o término ocorre após Tom levar Summer para assistir “The Graduate”, o filme
no qual acredita estar evidente o amor verdadeiro. !
A partir da primeira cena, outras vão sendo introduzidas, retratando os 500
dias do período do relacionamento e a percepção de Tom durante cada momento.
Dessa forma é apresentado o momento no qual conhece Summer e acredita que de
fato está diante da sua predestinada até o momento em que questiona suas crenças
em destino e no amor verdadeiro. !

67
O início do relacionamento é marcado pelo diálogo onde Summer deixa claro
para Tom que o envolvimento é apenas casual e não deseja ser namorada de nin-
guém. Summer pergunta a Tom se isso para ele seria um problema, ao passo que
ele responde não ser. Tom se engaja na relação, mas em muitos momentos se mos-
tra confuso e insatisfeito com essa forma de se relacionar. Seus amigos também o
questionam sobre o que, de fato, o relacionamento deles seria. !
! Tom, com o término da relação, passa a escrever cartões muito melancólicos
até ser transferido para o setor de consolações por Vance. Meses depois, Tom en-
contra Summer no casamento de uma amiga de trabalho em comum. O encontro
faz com que relembrem os tempos do “namoro” e divertem-se. Summer pega o
buquê da noiva. Na viagem de volta para casa sentam-se juntos, e ela o convida
para uma festa em seu apartamento. Tom vai à festa, cheio de expectativas em re-
lação a um possível retorno, e vê Summer mostrando uma aliança de noivado a
uma amiga. Isso o faz perceber que o relacionamento, de fato, acabou. !
Após a festa na casa de Summer, Tom passa por um período de depressão,
durante o qual não cuida da aparência, da alimentação, ingere bebidas alcoólicas
com frequência e evita contatos sociais relevantes. Depois de alguns dias vai ao
trabalho de ressaca. Nesse momento passa a questionar suas crenças em amor
verdadeiro, destino, pede demissão do emprego e passa a dedicar-se à arquitetura. !
A penúltima cena do filme é marcada pelo encontro entre Tom e Summer, ela
já casada. Ele a questiona, perguntando sobre como ela que nunca quis namorar
pôde ter-se casado. Tom relata a Summer a sua atual descrença no amor dizendo
que ela estava certa. Summer discorda dele e diz que ele estava certo, mas que não
estava certo sobre ela, e que agora ela estava sentindo pelo marido o que nunca
sentiu por Tom. No fim deste diálogo, ele deseja que Summer seja feliz. !
! A última cena do filme é marcada por Tom chegando a uma entrevista de em-
prego, na qual conhece Autumn (Outono, em inglês), interpretada por Minka Kelly.
Ela, uma bela mulher, é sua concorrente para a vaga. Tom a convida para um café
após a entrevista. !
O filme acaba com a seguinte narrativa: “Tom finalmente aprendeu que não
existem milagres. Não existem coisas como o destino. Nada está destinado a ser.
Ele sabia. Ele tinha certeza disso agora. Tom tinha... Desculpa!”. !
O resumo descrito pode não contemplar toda a riqueza de dados que o filme
possui e que são relevantes para a análise do estudo em questão. Considerando
este fato, outros dados podem aparecer na análise quando forem úteis para de-
monstrar aspectos relevantes para o estudo.!
!
!
!
68
!
Comportamento Emocional de Tom!
! !
Segundo Kohlenberg e Tsai (1991/2001) sentimentos não são causa de com-
portamentos e sim respostas emocionais respondentes e operantes decor-
rentes da interação do organismo com o seu ambiente. A esse respeito,
Skinner (1989/2002) ilustra da seguinte maneira “não choramos por-
que estamos tristes, ou sentimos tristeza porque choramos; cho-
ramos e sentimos tristeza porque alguma coisa aconteceu (tal-
vez alguém a quem amávamos tenha morrido)’’ (p. 15). Cabe
ressaltar que as pessoas aprendem a nomear o que sentem
por meio de dicas públicas que a comunidade verbal forne-
ce de modo contíguo a esses eventos. !
!O comportamento emocional de Tom no decorrer do filme
ilustra bem a proposição do Behaviorismo Radical a res-
peito do fenômeno emocional. Skinner (1953/1993) diz
que quando as pessoas relatam o que sentem, nomeando
esse sentimento, referem-se ao que aconteceu a elas, e
que tipos de topografias comportamentais tenderão a emitir.
A emissão de tais respostas depende das práticas de reforço
da comunidade verbal onde estão inseridas. Tom, ao dizer
que ama Summer, demonstra sua probabilidade de emitir com-
portamentos que são reforçados por estar perto dela e de favore-
cê-la, o que fez no decorrer da estória. O filme mostra cenas nas
quais Tom se comporta em função de agradar Summer. As cenas são
marcadas por Tom perguntando se Summer quer sair para jantar, ir ao cine-
ma e a presenteando com um livro e um CD. !
! O amor (i.e., os comportamentos resumidos pelo termo) que sente/emite em
relação à Summer ocorre em decorrência dos reforçadores disponibilizados por ela
no âmbito da relação afetiva dos dois. Isso fica claro nas palavras de Tom “Amo
como ela me faz sentir. Como se tudo fosse possível, como se a vida valesse a
pena”. A afirmação de Tom é perfeitamente condizente com o enunciado de Skinner
(1989/2002), o qual enfatiza que no contexto das relações afetivas, quando se diz
“Eu te amo” significa “Você me dá prazer ou faz-me sentir bem” ou “Você reforça
meu comportamento” (p. 16). Cabe ressaltar que os reforçadores emitidos por
Summer para o comportamento de Tom, são tanto generalizados, em função do
controle social que os modelos simbólicos exerciam sobre o seu comportamento,
quanto naturais, decorrentes da vivência da intimidade, que envolve troca de afeto,
sexo, dentre outros. !
! Segundo Moreira e Medeiros (2007) a forma como as pessoas se comportam
emocionalmente, em seu aspecto respondente, deve-se ao emparelhamento de es-

69
tímulos, onde um estímulo que provoca uma reação emocional é apresentado logo
após ou contíguo a outro que não provocaria qualquer reação. Summer, nos mo-
mentos de interação com Tom, reforça significativamente o comportamento dele, e
muitos dos estímulos presentes quando estão juntos, tornam-se estímulos condicio-
nados que eliciaram respostas emocionais em Tom, mesmo na ausência de Sum-
mer. Tal proposição fica clara com a seguinte narrativa: “Amo ouvir uma música
sempre que penso nela”. A música é parte da contingência onde o comportamento
foi reforçado, e por isso torna-se um estímulo discriminativo que facilita os operantes
de lembrar de Summer, além de eliciar certas respostas condicionadas comuns
quando estavam se divertindo juntos (cf. Skinner, 1953/1993). Essas alterações
comportamentais comuns no lembrar ocorrerão na ausência de Summer.!
! O sofrimento apresentado por Tom decorrente do rompimento da relação jus-
tifica-se pela perda de reforçadores que Summer disponibilizava. Essas alterações
comportamentais estão de acordo com a proposição de Skinner (1989/2002) de que
“não choramos porque sentimos tristeza, e sim choramos e sentimos tristeza porque
algo aconteceu” (p. 16). Nesse caso, o que aconteceu foi a perda de reforçadores
outrora disponíveis.!
! A cena que mostra o comportamento do personagem logo após o término do
relacionamento demonstra com clareza padrões respondentes e operantes que
constituem suas repostas emocionais. São respostas operantes emitidas pelo per-
sonagem “quebrar os pratos, ingerir bebida alcoólica, relatar aos amigos o que
aconteceu”. As alterações comportamentais operantes são toleradas na cultura, já
que foram emitidas “no calor da emoção”. De modo contíguo a essas respostas, o
personagem apresenta o franzir de testa e respiração ofegante. Tais topografias são
alterações fisiológicas referentes ao padrão respondente dos estados emocionais.!
! Outras respostas emocionais emitidas por Tom ao longo filme seriam descri-
tas na linguagem cotidiana como ciúmes. Costa e Barros (2009) sustentam que res-
postas emocionais nomeadas como ciúme tendem a aparecer no contexto no qual o
indivíduo discrimina a possível perda de reforçadores. Segundo os autores, as topo-
grafias emitidas quando alguém diz sentir ciúmes possuem a função de afastar o
rival, diminuir a competição, e também chamar a atenção do parceiro. Essas topo-
grafias foram apresentadas por Tom, quando outro homem foi cortejar Summer em
sua frente. Ele solicitou que o rival se afastasse e diante da negativa envolveu-se
em uma briga. !
! As proposições de Banaco (2005, citado por Costa & Barros, 2009) e Touri-
nho (2006, citado por Cunha & Borloti, 2009) compreendem o ciúme como uma
“emoção social”, de modo que o que é sentido pelo sujeito é experimentado dentro
de um contexto cultural e sob o controle das práticas verbais de um grupo. A manei-
ra pela qual se comporta após a briga, ilustram esse aspecto cultural do ciúmes. Em
alguns contextos culturais, emitir comportamentos ciumentos é tratado como de-
monstração de afeto e prova de amor. Tom, após a briga, apresentou comportamen-

70
tos descritos cotidianamente como euforia em relação ao seu feito, sendo que
Summer desaprovou seu comportamento. Aborrecido, Tom disse que apanhou por
ela. Infere-se, a partir da cena que, ao dizer isto, Tom estava dizendo que fez por
amor a ela, portanto, ela não tinha o direito de sentir raiva dele. Tom, devido às prá-
ticas de seu grupo, comportou-se como se o seu comportamento ciumento devesse
ser reforçado por Summer. !
!
A Comunicação entre Tom e Summer!
! !
Segundo Cordova e Jacobson (1999, citado por Silva & Weber, 2006), parte
dos problemas que os casais enfrentam em uma relação deve-se à dificuldade de
comunicação entre os parceiros. A esse respeito, Kohlenberg e Tsai (1991/2001) di-
zem que em contexto de relações de intimidade, os envolvidos devem ser claros um
com outro a respeito do que sentem, de modo que possam ter suas necessidades
atendidas. No entanto, Medeiros (no prelo) ressalta que nem sempre há uma corre-
lação precisa entre a variável de controle do comportamento verbal e a sua topogra-
fia. As manipulações do comportamento verbal, segundo o autor, ilustram como o
comportamento verbal não se reduz a um instrumento de expressão de ideias, e
sim, como operantes que atuam no ambiente social. Em decorrência disso, muitas
vezes a comunicação clara é comprometida, na medida em que os ouvintes tem
acesso à topografia, mas nem sempre conseguem discriminar a função do compor-
tamento verbal. !

71
! O relacionamento entre Tom e Summer é marcado pela diferença do tipo de
relação que seria reforçadora para os comportamentos de ambos. Para Summer é
reforçador estar com Tom, compartilhar momentos de intimidade, mas o rótulo de
namorada dele apresentava funções aversivas. Já para Tom, tê-la como namorada
nos moldes tradicionais é um reforçador poderoso capaz de fortalecer vários ope-
rantes. Nesse momento, a regra “ela era a sua predestinada, portanto a única capaz
de fazê-lo feliz” pode ter estabelecido tal função reforçadora sobre o seu comporta-
mento. !
! O início do relacionamento entre Tom e Summer é marcado pelo diálogo
onde ela deixa claro para Tom que deseja apenas que o relacionamento entre eles
seja casual, e pergunta se para ele há algum problema, ao passo que ele responde
que para ele está tudo bem assim. Em termos comportamentais, o diálogo entre
Tom e Summer é marcado pela emissão de um tato20 emitido por Summer. Trata-se
de um tato na medida em que a sua resposta verbal está sob o controle discrimina-
tivo do tipo de relação que seria reforçadora para ela com ele, e não sob o controle
das possíveis consequências apresentadas por Tom na condição de ouvinte. No en-
tanto, Tom responde com um operante verbal manipulativo, um tato distorcido21, em
que sua resposta verbal se dá em função de não perder os reforçadores provenien-
tes da relação de intimidade com Summer, e não em função do tipo de relação que
seria reforçador para ele viver com ela.!
! Quando Tom e Summer vão ter a primeira relação sexual, ele fica desconfor-
tável como o fato de ela não ser sua namorada, e emite o seguinte intraverbal22
para si próprio: “Certo! É só uma garota. Só uma garota. Ela quer ser casual. Por
isso está na minha cama, pessoas casuais fazem isso. Tudo bem, tudo ótimo!”.
Tom ao racionalizar para si que pessoas casuais fazem isto, está de acordo com a
conexão que a cultura estabeleceu para sexo sem compromisso igual a relaciona-
mento casual (Medeiros & Rocha, 2004). Outros intraverbais foram emitidos por
Tom, no decorrer do filme, dentre eles cabe citar: “Por favor, somos adultos, sabe-

20O tato é operante verbal cuja topografia é determinada é estímulo antecedente não verbal (Skin-
ner, 1957/1978). Suas consequências mantenedoras são generalizadas e não determinam a sua to-
pografia. Os exemplos cotidianos mais comuns são relatos, narrativas e comentários.

21 O tato distorcido é definido por Medeiros (no prelo) como a resposta verbal com topografia de tato
a qual é determinada pelas consequências tanto para tatos precisos, quanto para tatos distorcidos.
Nos tatos distorcidos, o controle pelos estímulos antecedentes é corrompido pela influência dos es-
tímulos consequentes.

22 Skinner (1957/1978) introduz o conceito de comportamento intraverbal o qual possui a topografia


determinada por um estímulo antecedente verbal, porém, não há correspondências formais entre o
estímulo e a resposta verbais. Os intraverbais são instalados pelas consequências generalizadas
disponibilizadas pelo ouvinte quando determinadas respostas verbais ocorrem na presença de certos
estímulos verbais, constituindo o controle temático, conforme definido por Skinner (1957/1978). Os
intraverbais são muito comuns em resposta de prova, frase prontas, paráfrases e resumos.

72
mos o que sentimos. Não precisamos de rótulos. Namorado, namorada, tudo isso é
muito juvenil”. !
! Os operantes intraverbais emitidos por Tom eram apenas respostas de racio-
nalização no seu discurso (Medeiros & Rocha, 2004). Isso devido ao fato de que o
seu comportamento de modo algum estava sob o controle do discurso moderno
emitido por ele, de que “pessoas casuais têm relação sem compromisso” e “adultos
não precisam de rótulos”. Tal discurso era uma regra que controlava o comporta-
mento de Summer, não de Tom, que simplesmente os repetia, sem autoconheci-
mento, para conseguir lidar com uma relação afetiva fora dos moldes que seriam
reforçadores para ele (Medeiros & Rocha, 2004).!
! Quando a relação tornou-se pouco reforçadora e Summer passou a punir os
comportamentos de Tom, ele reagiu de modo a dizer o que o relacionamento deles
significava para ele. A noção de significado para o Behaviorismo Radical é a de que
os usos dos termos que uma pessoa aprende dentro do seu grupo, é que vão definir
o significado de cada palavra para o indivíduo (Skinner, 1957/1978). Este significado
depende das práticas de reforço da comunidade verbal, que podem variar entre dife-
rentes comunidades. Os comportamentos emitidos no contexto da interação afetiva
entre Tom e Summer para ele significavam um namoro, enquanto que, para ela, sig-
nificavam um relacionamento casual. Tom deixa claro quando emite o seguinte rela-
to:!
!
Não venha com essa. Nem tente. Não é assim que se trata um amigo. Beijos na sala
da copiadora, mãos dadas na loja. Sexo no chuveiro. Amigos uma ova! (...) Não é a
única a dar opinião, eu também posso. E digo que somos um casal, droga!!
!
Modelação Inversa e Autorregras no Comportamento de Sum-
mer!
!
A narrativa inicial do filme enfatiza a separação dos pais de Summer, e o fato
de, ao contrário de Tom, ela não acreditar que só seria feliz quando encontrasse al-
guém com quem pudesse vivenciar um amor nos moldes dos contos de fada, filmes
e demais produções artísticas. !
! Segundo Baldwin e Baldwin (1986), quando um observador vê o comporta-
mento de um modelo ser punido tende a fazer o contrário do que fez o modelo. Ape-
sar de o filme não mostrar esses dados de forma detalhada, com base no relato
verbal de Summer, é possível inferir que seu comportamento tenha sido inversa-
mente modelado quando viu o comportamento dos seus pais entrarem em contato
com estímulos aversivos decorrentes da interação afetiva/sexual vivenciada no con-
texto da conjugalidade. Ela diz: “Eu gosto de ter vida própria, relacionamentos são
confusos, as pessoas ferem os sentimentos, quem precisa disso? E a maioria dos
casamentos acaba em divórcio hoje, como o dos meus pais”. Tal fato, dentre outros,

73
pode ter colaborado para que ela não condicionasse o sentido da sua vida à espera
de encontrar um homem que pudesse fazê-la feliz, ou a salvasse dos perigos do
mundo, como os príncipes fazem com as princesas (Passinato, 2009). !
! Baldwin e Baldwin (1986) também enfatizam que a modelação inversa tende
a ocorrer quando é reforçador para o comportamento da pessoa mostrar que não é
uma pessoa conformista. Agir contrariamente a modelos sociais é uma característi-
ca que o filme mostra a respeito do comportamento de Summer, não só em contex-
tos de relações afetivas, mas em diversos outros campos. Isso fica claro no seguinte
diálogo com Tom, sobre preferências musicais:!
!
Summer: - Qual é? Eu amo Ringo Starr. !
Tom: - Ninguém ama Ringo Starr. !
Summer: - Por isso eu o amo. !
!
Infere-se, a partir do relato verbal de
Summer no decorrer da estória, que esta
tenha reformulado a regra do modelo tradi-
cional de relações afetivas, que diz que
“uma pessoa só será feliz quando encon-
trar o amor verdadeiro”. Summer questio-
na o modelo tradicional, emitindo compor-
tamentos, no contexto das relações afeti-
vas, controlados por reforçadores mais
próximos aos naturais. Quando uma pes-
soa reformula uma regra, e esta passa a
ser uma variável de controle do seu com-
portamento, ela passa a ser uma autorre-
gra (Meyer, 2005). Os comportamentos de
Summer, no decorrer da estória, parecem
estar sob o controle da autorregra emitida
pela personagem, ao dizer que gosta de ter
vida própria, relacionamentos são confusos
e não necessariamente se têm que estar
vivenciando uma relação afetiva nos mol-
des tradicionais para ser feliz. !
! É importante notar que os compor-
tamentos de Summer em relação a Tom
não eram mantidos por reforçamento nega-
tivo, como é comum em muitos casais
(Carvalho & Medeiros, 2005). Ela o encon-
trava, beijava, dava carinho a Tom quando
esses comportamentos produziam reforça-

74
dores positivos. Porém, ela não os emitia para evitar cobranças, reclamações, ou
mesmo, prevenir o rompimento. Regras comuns nos relacionamento tradicionais
não exerciam controle sobre o comportamento dela como, por exemplo: “meu tempo
livre eu tenho que passar com o meu namorado”; “tenho que me dedicar à relação
mesmo que nem sempre esteja com vontade”; “estar disponível sexualmente para o
parceiro faz parte das atribuições de uma boa namorada”.!
!
Papel de Gênero no Comportamento de Summer!
! !
Ao longo das últimas décadas, houve uma mudança importante no controle
social do comportamento feminino. Antes, a mulher devia exercer o seu papel de
mãe, esposa, cuidadora e do lar, e somente assim poderia ter o seu comportamento
socialmente reconhecido pelo grupo. Devido a mudanças históricas, como o adven-
to da pílula anticoncepcional, o Movimento Feminista, a entrada para o mercado de
trabalho e para as faculdades, houve uma ampliação das possibilidades femininas
(Carpenedo & Koller, 2004). O sexo ficou desvinculado do casamento e da procria-
ção; o advento da pílula anticoncepcional permitiu que a maternidade, se ocorresse,
fosse de acordo com a conveniência do momento; e as mulheres passaram a expe-
rimentar os reforçadores decorrentes de outras interações, dentre elas, o trabalho. !
! Apesar das mudanças ocorridas, Rocha e Coutinho (2000, citado por Carpe-
nedo & Koller, 2004), chamam a atenção para o fato de que, junto com os novos
modelos, os velhos ainda se fazem presente. E tal fato pode ser constatado com
modelos ainda presentes na comunidade verbal, que ensinam as mulheres que po-
dem sim ter seu espaço profissional, mas só serão verdadeiramente felizes quando
encontrarem um homem com quem possa estabelecer uma relação afetiva/sexual
estável. Segundo Gonçalves (2007, citado por Pastana, Maia & Maia, 2010) a mu-
lher solteira ainda é vista como “solitária, infeliz, frustrada e insatisfeita, considerada
tanto vítima, quanto culpada de sua condição” (p. 57). !
! Os modelos instituídos ainda presentes têm especial caráter aversivo para
algumas mulheres. Isso faz com que seja reforçador para o comportamento de al-
gumas demonstrarem que as diferenças entre os sexos é algo irrelevante. Mulheres
assim se comportam sob o controle do que é reforçador positivo para o seu compor-
tamento, e não em função de se adequarem ao papel de gênero imposto pelo gru-
po. Muitas ainda assumem uma postura tipicamente masculina no modo de se com-
portar. A personagem Summer Finn representa de modo caricato esse grupo que
teve seu comportamento inversamente modelado. No decorrer do filme, Summer
apresenta topografias comportamentais tidas socialmente como masculinas. Tem
um amplo histórico de relações afetivas, inclusive com uma pessoa do mesmo sexo,
diz a Tom que não deseja um relacionamento estável, e deixa claro que só faz aqui-
lo que é reforçador para o seu comportamento, em contraposição aos modelos so-
ciais. Os três seguintes diálogos marcam bem essa postura. !

75
!
Summer e Mckenzie (Geoffrey Arend):!
Summer: - Não acredita que uma mulher gostaria de ser livre e independente?!
Mckenzie: - Você é lésbica?!
Summer: Não, não sou. Só não fico confortável sendo namorada de alguém. Não
fico confortável sendo nada de ninguém. Eu gosto de ter vida própria (...) Somos jo-
vens, moramos em uma das cidades mais lindas, podemos nos divertir enquanto
podemos e guardar as coisas sérias para depois.!
Mckenzie: - Cacete! Você é um homem. Ela é um homem. !
!
Tom e Summer: !
!
Tom: - Mas ele estava na
sua vida, então por que
dançou comigo?!
Summer: - Porque eu
quis.!
!
Tom e Summer: !
Summer: - Temos sido
como Sid e Nancy 23 há
meses.!
Tom: - Sid esfaqueou a Nancy sete vezes com a faca de cozinha. Quer dizer, temos
nossas diferenças, mas não acho que eu seja Sid Vicious.!
Summer: - Não, eu sou o Sid.!
!
O Controle por Regras dos Comportamentos de Tom!

Existe uma Predestinada !


Segundo a narrativa inicial do filme, a exposição precoce ao modelo social de
relação amorosa presente na comunidade de Tom exerceu forte influência para o
estabelecimento da regra que passaria a ser a variável de controle do seu compor-
tamento no contexto de uma relação amorosa. De acordo com o modelo exposto a
Tom, uma pessoa só pode ser verdadeiramente feliz quando encontra o seu par ro-
mântico, que está destinado a ser encontrado em algum momento da vida, e quan-
do isto acontecer, tudo fará sentido. Todas as outras coisas, como trabalho, amigos
e lazer são aspectos secundários. !

23Sid Vicious foi baixista da banda Sex Pistols. Músico inglês reconhecido como um ícone da cultura
Punk. Nasceu em Londres em 1957 e faleceu em Nova Iorque em 1979. Sid conheceu Nancy e os
dois viveram uma relação com muitos conflitos e uso de drogas. Nancy foi encontrada morta no apar-
tamento onde vivia com Syd e a culpa do crime recaiu sobre ele. Tal fato inspirou um filme onde Syd
mata Nancy com uma faca de cozinha.

76
! A observação do comportamento de outra pessoa pode influenciar direta-
mente o comportamento de quem observa (Baldwin & Baldwin, 1986). Quando isto
ocorre, o comportamento observado serve de modelo para o comportamento do ob-
servador. Os modelos podem ser pessoas que participam ativamente na vida do ob-
servador ou podem ser simbólicos, como os apresentados nos livros, filmes, músi-
cas, descrições verbais, dentre outros meios de transmissão cultural. A esse respei-
to, Baldwin e Baldwin enfatizam que “os observadores que veem, ouvem ou leem
sobre o comportamento de um modelo, ganham informação sobre o comportamento
e podem usar esta informação para orientar seu próprio comportamento” (p. 164). !
Segundo Baum (1994/1999) os mo-
delos mais imitados são aqueles que re-
presentam sucesso e status dentro de um
grupo. Ou seja, aqueles que têm dispen-
sado aos seus comportamentos reforçado-
res generalizados, como admiração e res-
peito, dentre outros. !
Infere-se a partir do que foi apre-
sentando no filme, que Tom, ao observar
os modelos sociais, apresentados em fil-
mes, livros e música, teve seu comporta-
mento diretamente afetado. Tal fato pode
ser claramente observado no seu modo de
se comportar no contexto da relação amo-
rosa que teve com Summer. Baum
(1994/1999) enfatiza que, o controle por
regras pode ser estabelecido quando um
ouvinte escuta a verbalização de uma re-
gra ou lê uma instrução, e esta passa a
exercer controle sobre seu comportamento. Diante disso, infere-se pelo desenrolar
da estória, que a aprendizagem de Tom, em relação a acreditar que só poderia ser
verdadeiramente feliz quando encontrasse sua predestinada, deu-se em função da
observação de modelos e regras transmitidas a ele por sua comunidade verbal refe-
rentes ao ideal de amor romântico. !
Segundo Skinner (1974/2004), o estabelecimento do controle por regras se
dá de maneira mais rápida do que a própria exposição às contingências. Tal fato
pode ser observado com clareza no histórico do personagem. Tom, ainda na infân-
cia, antes de se expor às contingências presentes numa interação afetiva/sexual,
com base nos modelos sociais apresentados, foi exposto à regra que estabelece a
relação entre felicidade e a realização do ideal de amor romântico. O narrador deixa
bem claro como foi estabelecida essa regra quando inicia a descrição de Tom.!

77
Dentre outras coisas, o filme “A Primeira Noite de um Homem” narra a história
de um jovem que vence diversos obstáculos para conseguir ficar com a mulher
amada. No final desse filme, ambos lutam contra tudo e contra todos e terminam fu-
gindo de ônibus. Ao comparar o comportamento do protagonista de “A Primeira Noi-
te de um Homem” ao comportamento de Tom, cabe inferir, que este foi um dentre os
modelos, para o estabelecimento da regra de que Tom só seria feliz quando encon-
trasse sua predestinada. De modo semelhante ao protagonista do filme, Tom for-
mou-se em arquitetura e conformou-se com o emprego que conseguiu, ficando a
espera que sua predestinada chegasse para dar sentido à sua vida. As seguintes
palavras de Tom e do narrador demonstram isso com clareza: Tom: - Eu precisava
de um emprego e aqui estamos nós. Narrador: - Tom conheceu Summer em oito de
janeiro, e ele soube imediatamente que ela é quem ele procurava. !
Regras são construídas no contexto de uma comunidade verbal e especifi-
cam para o indivíduo qual o modelo de comportamento que é reforçado pelo grupo
(Baum, 1994/1999). O personagem Tom representa um jovem da sociedade con-
temporânea atual, a qual é fortemente marcada pelo ideal do amor romântico, com
este se constituindo em uma fonte de glamourização da vida (Pastana e cols.,
2010). Os filmes, as músicas e os contos de fadas que transmitiram a regra de que
“só encontrando o amor verdadeiro Tom seria feliz” são produtos da comunidade
onde o mesmo se encontra inserido (Lazarus, 1985/1992; Passinato, 2009). !
O modelo idealizado de amor romântico
transmitido pelos filmes, contos de fadas, li-
vros, revistas e músicas são permeados de re-
gras que definem que características físicas e
de personalidade o parceiro deve ter para que
a relação dê certo, o que fazer para manter
uma relação, o que fazer para conquistar o
amor da sua vida e o que fazer para reconquis-
tá-lo quando for necessário, dentre outras. !
De acordo com Shilinger e Blakeli (1987,
citado por Paracampo & Albuquerque, 2005), o
comportamento descrito pela regra, pode ser
emitido depois de passado certo tempo após a
apresentação da mesma. Nesse caso o com-
portamento é evocado diante de estímulos
descritos pela regra. Uma das regras referen-
tes ao ideal do amor romântico é que “existe
uma pessoa certa, predestinada para ser en-
contrada, e quando esta chegar, a pessoa logo
saberá”. Esta regra também foi uma variável de
controle relevante sobre o comportamento de

78
Tom, e foi transmitida ao personagem ainda na infância. No entanto, os comporta-
mentos descritos por ela foram emitidos quando Tom encontrou Summer. Nesse
caso, Summer funcionou como um estímulo discriminativo para o seguimento da re-
gra. Essa regra pode ser verificada na cena que marca o diálogo entre o casal sobre
o tema amor. Segue a descrição: !
!
Summer: - Não existe isso de amor, é fantasia. !
Tom: - Acho que você está errada. !
Summer: - Está bem, então o que estou perdendo? !
Tom: - Acho que você saberá quando sentir.!

A Importância da Beleza Feminina para o Estabelecimento de uma


Relação Estável!

O personagem Tom, de modo semelhante aos homens de sua idade no con-


texto cultural onde vive, valoriza o atributo aparência física nas mulheres. A aparên-
cia representa um pré-requisito para que uma mulher seja sua namorada. O fato de
Summer ter-se tornado um estímulo discriminativo (SD) para que Tom se compor-
tasse a fim de conquistá-la é devido ao fato desta compartilhar características físi-
cas valorizadas pelo grupo no qual Tom encontra-se inserido. A seguinte narrativa
demonstra isso com clareza.!

79
!
(...) Summer Finn era a mulher. Altura mediana, peso mediano, pés um pouco maio-
res que a média, para todos os propósitos, ela era apenas mais uma garota. Mas ela
não era. (...) Todo apartamento que Summer alugava era oferecido a uma taxa em
média 9,2% mais baixa que o valor de mercado. Na viagem de ida ao trabalho, re-
cebia uma média de 18,4 olhadas por dia. Era uma qualidade rara, o efeito Summer,
rara e algo que todo homem adulto encontrou pelo menos uma vez na vida.!
!
Segundo Passinato (2009), com base no modelo do príncipe dos contos de
fadas, os meninos aprendem que o pré-requisito primordial para que uma moça seja
sua namorada são os atributos físicos. Os príncipes se apaixonam quase que de
modo instantâneo pelas princesas de beleza inigualável. O mesmo aconteceu com
Tom Hansen quando viu Summer Finn. Isso fica claro através da seguinte narrativa:
“Tom conheceu Summer em oito de janeiro, e ele soube imediatamente que ela é
quem ele procurava”. !
Segundo Buss (1999, citado por Silva & Weber, 2006), embora os homens
procurem em suas parceiras características como bondade, entendimento e habili-
dades para cuidar dos filhos “a atratividade da parceira tem uma importância des-
proporcionalmente maior do que outras qualidades” (p. 58). A partir disso, é possível
inferir que apresentar-se para o grupo onde se encontra inserido ao lado de uma
mulher tão bela quanto Summer é especialmente reforçador para o comportamento
dos rapazes. Ao fazê-lo, passam a ser vistos como competentes e capazes no que
se refere ao padrão afetivo masculino. Em outras palavras, mulheres sexualmente
atraentes trazem status, admiração e respeito como reforçadores condicionados ge-
neralizados para os seus parceiros. O discurso dos amigos de Tom a respeito do
que consideram importante para estabelecerem um relacionamento afetivo sexual
também demonstra com clareza a regra de que aspectos físicos são considerados
fatores importantes. Segue a narrativa: !
!
Mckenzie: - Contanto que ela seja bonita e esteja disposta, né? !
Paul (Matthew Gray Gubler): - Acho que, tecnicamente, a garota dos meus sonhos,
provavelmente teria um peito avantajado, cabelo diferente, provavelmente gostaria
de esportes (...).!
! !
A comunidade reforça o comportamento de pessoas que são esteticamente
adequadas para o padrão de beleza instituído pelo grupo. Quando se trata de bele-
za feminina, esta é vista como um ideal a ser conquistado pelo homem, que entra
em contato com reforçadores sociais, quando se apresenta com uma bela mulher ao
seu lado; e um ideal a ser alcançado por outras mulheres, que se empenham em
comportamentos a fim de se adequarem ao padrão. Ao belo, como bem constatado
no diálogo a seguir entre Tom e Mckenzie, é dada a permissão até da falta de edu-
cação. !

80
!
Tom: - Que merda! Por que garotas bonitas acham que podem tratar todos mal e fi-
car tudo bem? !
Mckenzie: - Séculos de fortalecimento. !

Um Amor que Morreu Pode Renascer!


A regra, encontrada por Lazarus (1985/1992), baseado em relatos e grava-
ções de sessões com pacientes, de que “um amor que já morreu pode renascer” (p.
108) pode ser verificada no comportamento de Tom. Isso ocorre quando após o tér-
mino do relacionamento, Tom se empenha em comportamentos com a função de
produzir a presença de Summer e de restabelecer a relação. Ele procura estar em
lugares onde possa encontrá-la e, nos momentos em que estão juntos, procura ser
agradável, fazendo-a lembrar os bons momentos que passaram juntos. A seguinte
narrativa demonstra o fato com clareza: “Tom andou até o apartamento dela, intoxi-
cado pela promessa da noite. Ele acreditava, que desta vez, suas expectativas iam-
se alinhar com a realidade”.!
!
Afinidades Garantem o Sucesso de uma Relação !
Segundo Otero e Ingberman (2004, citado por Silva & Weber, 2006), seme-
lhanças existentes entre os parceiros levam a interações especialmente reforçado-
ras. As semelhanças compartilhadas entre Tom e Summer também se constituíram
em uma variável de controle para reforçar o comportamento dele de acreditar que
ela era sua predestinada. Isso pode ser observado na seguinte fala de Tom: “Ela
gosta de Magritte e Hopper. Falamos sobre Banana Fish por uns 20 minutos, tão
compatível... louco. Ela não é como achei que fosse, é incrível!”.!
Segundo Otero e Ingberman (2004, citado por Silva & Weber, 2006), afinida-
des e diferenças não são fatores que no início de uma relação terão como predizer
se o relacionamento vai-se estabelecer, uma vez que o início é marcado por ativida-
des de lazer. Nessa fase os parceiros procuram mostrar o que têm de mais interes-
sante a fim de que seus comportamentos sejam reforçados com a atenção e a admi-
ração do outro. Ao longo da estória de Tom e Summer, embora eles tivessem algu-
mas afinidades, as diferenças tornaram a relação pouco reforçadora para o compor-
tamento de Tom. Summer, sempre que podia, fazia questão de mostrar a Tom o
quão diferente dele ela era. O que fica claro no seguinte diálogo entre o casal: !
!
Tom: - Em Londres, 1964, as garotas sabiam se vestir. Hoje, usam óculos enormes,
tatuagens. Bolsas com cachorros dentro. Quem permitiu isso?!
Summer: - Algumas pessoas gostam.!
Tom: - Gosto de como se veste.!
Summer: - Estava pensando em tatuar uma borboleta no tornozelo.!

81
O Amor Conquista Tudo!
! A despeito das tentativas de Tom em fazer com que a relação afetiva com
Summer se tornasse estável aos moldes tradicionais de um namoro, Summer resis-
tia e fazia questão de mantê-la casual. Além de o reforçamento intermitente ter con-
tribuído para a insistência de Tom, a regra de que o amor conquista tudo pode ter
contribuído para a manutenção de seu comportamento. Infere-se, a partir disso, que
talvez o comportamento de Tom estivesse sob o controle da regra encontrada por
Stenberg (1999, citado por Silva & Weber, 2006) de que “o amor conquista tudo”, se
comportando em função de fazer com que os sentimentos de Summer por ele mu-
dassem. !

Variáveis que Afetaram a Permanência e a Mudança do Comporta-


mento de Tom sob o Controle de Regras Discrepantes das Contin-
gências!
Segundo Newman, Buffington e Hemmes (2002, citado por Paracampo & Al-
buquerque, 2005), o seguimento de regras discrepantes das contingências “depen-
de do esquema de reforço que reforça ou não o seguimento da regra” (p. 234). O
relacionamento entre Tom e Summer é marcado, a maior parte do tempo, por es-
quema de reforço intermitente. Indícios de que fosse a predestinada e de que teriam
uma relação estável eram apresentados intermitentemente, o que mantinham os
comportamento de Tom em relação a ela. A intermitência passa a ocorrer após
Summer dizer a Tom que não deseja um relacionamento sério, passando a reforçar

82
apenas algumas das tentativas dele de se aproximar. Esse esquema fica claro nas
palavras de Summer: - “Não posso essa semana, que tal na próxima? Espero que
signifique que está pronto para sermos amigos”. !
! O esquema de reforço intermitente torna o comportamento sob o controle da
regra discrepante das contingências mais resistente à extinção (Newman e cols.,
2002, citado por Paracampo & Albuquerque, 2005). Fato que justifica a manutenção
do comportamento de Tom em permanecer na relação com Summer, mesmo quan-
do a relação tornou-se pouco reforçadora e com maior contato com estímulos aver-
sivos. Isso pode ser observado em uma das cenas, onde Summer pune o compor-
tamento de Tom, e ele vai embora chateado após discutir com ela. No entanto, em
seguida ela o procura, e emite todos os reforçadores que tem elevada magnitude
para o comportamento dele, como atenção, afeto e relação sexual. Esta cena, com
ela na porta do apartamento dele, é marcada pelo seguinte diálogo: !
!
Summer: - Eu não deveria ter feito aquilo. !
Tom: - O quê? !
Summer: - Ficado com raiva de você. Desculpa! !
! !
Segundo Zettle e Hayes (1982, citado por Paracampo & Albuquerque, 2005),
o seguimento de regras estará sob o controle de duas variáveis distintas, podendo
ser o reforço emitido pelo grupo para o comportamento de seguir a regra (con-
sequências sociais), ou sob as consequências que se seguirão após a emissão do
comportamento sob o controle da regra. Apesar de o controle social estabelecido
para o seguimento da regra “encontrando o amor verdadeiro, serei feliz” no compor-
tamento de Tom, este experimentou alguns reforçadores naturais decorrentes da
interação afetiva/sexual com Summer. No entanto, com o passar do tempo, as con-
sequências naturais reforçadoras para o seu comportamento sob o controle da regra
já não estavam mais sendo produzidas pela relação. Pelo contrário, Tom em muitos
momentos estava tendo os seus comportamentos punidos por Summer. Diante dis-
so, a probabilidade seria de que Tom rompesse o relacionamento, o que não ocor-
reu. Fato este que demonstra com clareza que o comportamento de Tom estava
mais sob o controle das consequências sociais mediadas para o responder de acor-
do com a regra, do que sob as consequências naturais decorrentes da interação
com as contingências. !
! Segundo Skinner (1974/2004) o controle por regras é útil quando as contin-
gências são estáveis, e torna-se problemático quando as contingências mudam e o
controle exercido pela regra não. Isso faz com que o comportamento exercido sob o
controle da regra, em muitos casos, entre em contato com estímulos aversivos ao
invés de ser reforçado. Houve uma mudança nas contingências do relacionamento
entre Tom e Summer quando ela sinalizou que não mais dispensaria ao comporta-
mento dele os reforçadores provenientes da relação de intimidade com ela. Isto

83
ocorre quando ela rompe o relacionamento com ele. Este fato fez com que o con-
trole da regra de que Summer era sua predestinada e todas as respostas emitidas
sob este controle não fossem reforçadas, ou mesmo, fossem punidas. A seguinte
fala de Tom caracteriza essa variável de controle para os comportamentos que emi-
tiu na tentativa de reconquistar Summer. “São uns mentirosos. Não quero superá-la.
Quero-a de volta. Por um lado quero esquecê-la, pelo outro sei que ela é a única no
universo que me faria feliz”. !
! Segundo Paracampo e Albuquerque (2005), “o seguimento de regras tende a
deixar de ocorrer quando produz perda de reforçadores” (p. 232). O controle da re-
gra para o comportamento de Tom mudou quando este emitiu comportamentos com
a função de restabelecer sua relação com Summer que não foram reforçados. A au-
sência de reforço por parte de Summer, aliado ao fato de Tom vê-la com uma alian-
ça, o que foi extremamente aversivo, fez com que o comportamento de procurá-la
diminuísse de frequência.!
! O reforço emitido de modo intermitente para o comportamento de Tom no de-
correr da relação com Summer tornou mais difícil a diminuição do efeito da regra de
que ela era sua predestinada. Embora o enredo do filme gire em torno do questio-
namento dos mitos referentes ao amor romântico, em alguns casos, não necessari-
amente o controle da regra muda quando a pessoa entra em contato com estímulos
aversivos na relação. O indivíduo pode continuar se comportando sob o controle de
regras imprecisas em outros relacionamentos, e para este o predestinado continua a
existir, argumentando que o da relação anterior não era o “correto”. !
! Após discriminar a impossibilidade do relacionamento se restabelecer, Tom
passa a emitir topografias de respostas nomeadas como depressão, quando pode-
se observar que ele não se alimenta, evita contatos sociais, emite respostas emoci-
onais de choro, dentre outras. Nesse período, Tom também questiona as regras que
controlam seu comportamento, e discrimina o seu controle social.!
!
Perceber que tudo em que você acredita é mentira é uma droga. Sabe! Destino, al-
mas gêmeas, amor verdadeiro e todos aqueles contos de fada infantis (...). São es-
ses cartões, os filmes e as músicas pop. São os culpados por todas essas mentiras.!
!
! O histórico de pouca exposição às contingências em contextos de relações
afetivas/sexuais pode ter se constituído em um, dentre os fatores, que fizeram com
que Tom demorasse a responder às novas contingências. O seu comportamento era
estável e só mudou devido ao contato com estímulos aversivos e quando deixou de
produzir reforçadores (Chase & Danforth, 1991, citado por Paracampo & Albuquer-
que, 2005). Cabe inferir que talvez pelo controle da regra “à espera da predestina-
da”, Tom não tenha se exposto às contingências de um relacionamento de modo re-
levante, por não ter conseguido perceber em outras pessoas características de mu-
lher descritas pelo modelo que controlava seu comportamento. O controle por re-
gras pode tanto restringir quanto aumentar a variabilidade comportamental, a de-

84
pender das condições em que é estabelecido (Paracampo & Albuquerque, 2005).
No caso de Tom, a regra restringiu as possibilidades de variação do comportamento. !
! No decorrer do filme algumas regras úteis foram verbalizadas a Tom por seus
amigos, irmã e também por Summer. Essas regras foram úteis por descreverem
com mais precisão as contingências que Tom estava vivenciando, e poderiam pro-
duzir reforçadores para o comportamento dele, caso seguisse os conselhos. Dentre
elas cabe citar:!
Conselhos de Rachel: !
!
Só porque uma garota bonita que gosta das suas bizarrices, não quer dizer que ela
é “aquela”. É como nós falamos, ainda tem muito peixe no mar.!
!
Diálogo entre Tom e Summer:!
!
Tom: - Mas preciso de algo concreto. Mesmo sabendo que não vai
acordar se sentindo diferente. !
Summer: - Eu não posso te dar isso. Ninguém pode.!
! !
As regras descritas por Rachel são especialmente úteis
por questionar mitos referentes ao amor romântico, onde com-
partilhar gostos em comum, embora seja favorável, não é ga-
rantia de que uma relação será bem sucedida. De fato, caso
Tom se expusesse às novas contingências poderia conhecer
outra pessoa. Com um novo relacionamento, ele poderia obter
acesso aos reforçadores decorrentes de uma nova relação de
intimidade. A regra descrita por Summer é verdadeira no sentido
de que relações afetivas envolvem sensibilidade aos efeitos do
comportamento de uma pessoa sobre a outra, e os sentimentos
decorrentes dessas interações podem mudar (Kohlenberg & Tsai,
1991/2001). No entanto, apesar de úteis, tais conselhos não foram se-
guidos por Tom logo após a sua emissão. !
! O não seguimento das regras descritas por Rachel pode ser explicado
em decorrência da magnitude dos reforçadores obtidos na relação com Summer se-
rem muito importantes para Tom, devido ao forte controle social exercido sob o
comportamento dele. O fato de as regras descreverem consequências reforçadoras
atrasadas e o contato com consequências aversivas imediatas também contribuiu
para que a probabilidade de seu seguimento seja baixa. !
O conselho de Summer pode ter tido pouca utilidade devido ao fato de Tom
não ter um histórico mais amplo de exposição às contingências em contextos de re-
lações amorosas. O comportamento de Tom sob o controle dos mitos referentes ao
ideal de amor romântico, como “há uma predestinada” e “o amor dura para sempre”,

85
associado a pouca variabilidade, pode ter tornado pouco provável que ele discrimi-
nasse que ninguém pode dar garantias de um amor para sempre. !
! Segundo Carvalho e Medeiros (2005), o controle por regras discrepantes das
contingências leva ao que cotidianamente chama-se de sofrimento, o que pode ser
observado com clareza nas consequências produzidas pelo comportamento de Tom.
Discriminar as regras que controlavam seu comportamento e a origem social delas
foi especialmente útil para Tom. Este passou a autoconhecer-se e reformulou as re-
gras antigas e imprecisas por outras que descreviam melhor as contingências que
passaria a vivenciar. Nesse sentido, Tom emitiu autorregras, e passou a comportar-
se sob este novo controle, expondo-se a novas contingências. O que deixa clara a
proposição de Carvalho e Medeiros (2005), ao enfatizarem que não basta a mudan-
ça na regra, é necessário para que o novo repertório se estabeleça, de modo que o
comportamento novo seja exposto às contingências, sendo reforçado em novas in-
terações. !
! Tom, ao reformular a regra de que sua vida só teria sentido quando encon-
trasse um amor verdadeiro, deixou de comportar-se apenas em função de encontrar
alguém com quem pudesse viver uma relação nos moldes do amor romântico. O
personagem se expôs às novas contingências. Isso fez com que pedisse demissão
do emprego que pagava suas contas e passasse a se dedicar a profissão que esco-
lheu, com o objetivo de experimentar os reforçadores provenientes da interação com
o trabalho, o que cotidianamente é chamado de realização profissional. A última
cena do filme é marcada pelo encontro ocasional com Autumn, onde, por fim, con-
segue visualizar os outros “peixes do mar” tanto mencionados por seus amigos e
irmã. O filme termina com a seguinte narrativa sobre Tom: “Se Tom aprendeu algo, é
que você não pode atribuir um significado cósmico a um simples evento terreno.
Coincidência. É o que tudo é”.!
!
Considerações Finais !
!
Com o presente estudo, foi possível relacionar conceitos da Análise do Com-
portamento aos comportamentos emitidos pelos personagens Tom e Summer no
contexto de uma relação amorosa. Ao analisar a comunicação entre o casal, pode
ser observado que o comportamento verbal de Tom se apresentava de modo mani-
pulativo. O personagem apresentou respostas de racionalização, intraverbais e tatos
distorcidos. Isso devido ao fato de que seu comportamento ocorria em função de
não perder os reforçadores que Summer liberava para o seu comportamento. Os
reforçadores poderiam se tornar indisponíveis caso fossem emitidos tatos puros. !
Foram encontrados no comportamento de Tom regras imprecisas referentes
ao ideal de amor romântico transmitido pelos modelos sociais. Sendo elas “um amor
que morreu pode renascer”, “o amor conquista tudo”, “para que uma mulher seja
namorada de um homem é necessário que seja bela”, “afinidades garantem o su-

86
cesso de uma relação”, “existe uma pessoa predestinada a ser encontrada”. No en-
tanto, o controle dessas regras, por não descreverem com clareza as contingências
que o personagem estava vivenciando, acabou por fazê-lo entrar em contato com
diversos estímulos aversivos e também perder reforçadores, o que justifica o sofri-
mento que este vivenciou ao longo da estória. !

O comportamento emocional de Tom no contexto da interação afetiva com


Summer apresentou padrões respondentes e operantes, e pode ser observado o
caráter fortemente social de algumas respostas emocionais. Dentre elas, cabe citar
os comportamentos ciumentos que Tom emitiu quando Summer foi cortejada por ou-
tro homem. Tom, após se envolver em uma briga, ficou eufórico com seu feito, e es-
perava que seu comportamento ciumento fosse reforçado por Summer. Isso devido
ao fato de que o comportamento ciumento, em alguns contextos culturais, é tratado
como demonstração de amor e afeto. !
A observação dos comportamentos emitidos por Summer no decorrer do filme
possibilitaram compreender o quanto as mudanças nos papéis de gênero nas últi-
mas décadas possibilitaram às mulheres uma maior ampliação de possibilidades de

87
interações afetivas. O controle que antes era de caráter fortemente social, atualmen-
te é mais natural. Isso devido ao fato de que na atualidade, as mulheres têm a alter-
nativa de se envolverem em uma relação que seja reforçadora para o seu compor-
tamento, e não somente para serem aceitas pela sociedade porque têm um marido. !
Os conceitos de modelação inversa e autorregras também puderam clara-
mente ser observados no comportamento de Summer. A personagem se comporta-
va em função de reforçadores que eram naturais para o seu comportamento, e dei-
xava clara, pelo seu relato verbal, sua oposição aos modelos sociais estabelecidos. !
O filme é especialmente rico em dados que podem ser aprofundados e úteis
em análises futuras, dentre elas o comportamento verbal de Summer, e o fato de
que apesar de todo o seu discurso moderno, ao final esta se casou nos moldes tra-
dicionais do que seria uma relação reforçadora para o comportamento de Tom. Não
se pretendeu com esse trabalho esgotar tais possibilidades. !
Sugere-se que análise de filmes que relacionem os conceitos da Análise
do Comportamento ao comportamento de personagens em diversos contex-
tos seja algo mais presente nas produções acadêmicas. Isso devido ao
fato de que facilitam o entendimento de tais conceitos, e também ilustra
de modo significativo, um recorte de parte das contingências que
ocorrem na cultura vigente e que exercem controle sob o comporta-
mento das pessoas. !
!
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!
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88
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!
!

89
!

HOMOSSEXUALIDADE, COERÇÃO E HOMOFOBIA


EM “ORAÇÕES PARA BOBBY” !
!
Wanderson Barreto!
Pontifícia Universidade Católica de Goiás!
!
Michela Rodrigues Ribeiro24!
Pontifícia Universidade Católica de Goiás!
Centro Universitário de Brasília!
Consultório Particular!

Título do filme: Orações para Bobby!


Título original: Prayers for Bobby!
Ano: 2009!
Diretor: Russel Mulcahy!
Produtor: Damian Ganczewski!
Lançado por: Lifetime Television

“Orações para Bobby” é um filme baseado no livro homônimo de Leroy Aa-


rons, publicado em 1995, e conta a história real de Bobby e Mary Griffith (Ryan Kel-
ley e Sigourney Weaver, respectivamente) na década de 1970, em Walnut Creek,
Califórnia, EUA. O filme mostra a história de Bobby, um rapaz que apresenta dificul-
dades em lidar com sua homossexualidade e com o preconceito de sua mãe Mary.
Após a homossexualidade de Bobby ser revelada por seu irmão mais velho à sua

24 E-mail: michelaribeiro@uol.com.br

90
família, uma série de questionamentos, busca de explicações e culpas ocorrem, in-
clusive com várias tentativas de tratamentos terapêuticos e religiosos que pretendi-
am a “cura do problema”. Bobby decide sair de casa na tentativa de se afastar da
intolerância da mãe, muda-se de cidade, entra em contato com um ambiente mais
tolerante e chega a se relacionar com um rapaz, porém ele não consegue se esque-
cer das palavras negativas de sua mãe quanto à sua sexualidade e vivencia senti-
mentos de que é doente e pecador. !
Após um tempo longe da família, Bobby busca uma nova aproximação com a
mãe e, em uma discussão, ela lhe diz: “Eu não vou ter um filho gay!”. Estas são as
últimas palavras que Bobby se lembra antes de cometer suicídio aos 20 anos de
idade. Após a morte de seu filho, Mary lê em seu diário: “Na minha família, já ouvi
várias vezes eles falando que odeiam os gays, que Deus odeia os gays também.
Isso realmente me apavora quando escuto minha família falando desse jeito, porque
eles estão realmente falando de mim”. Mary se sente culpada e busca repensar
seus dogmas religiosos e morais, aproxima-se de uma igreja e de um grupo de pais
que aceitam a homossexualidade como uma forma saudável de vida e se torna uma
defensora da causa homossexual.!

O filme mostra como os comportamentos afetivos e sexuais entre pessoas do


mesmo sexo eram, nas décadas de 70 e 80, vistos com dúvidas e estranhamento,
como algo errado e anti-natural. E apesar de ser comum, no século XXI, ver articu-
lações sobre as várias formas de prazer e expressões de sentimentos relacionados
à sexualidade, além de ser possível ver vários comportamentos sexuais não hete-

91
rossexuais expostos nos meios de comunicação de massa, é interessante observar
como a sexualidade humana ainda gera curiosidade e é vista como tabu. Tendo em
vista tal realidade, o presente trabalho buscou fazer uma análise dos comportamen-
tos das personagens do filme “Orações para Bobby”, no que diz respeito à homofo-
bia e à coerção sobre a homossexualidade, sob o ponto de vista da Análise do
Comportamento.!
!
Homossexualidade: Conceito e História!

!
Dentre as várias possibilidades de expressão sexual, Pedrosa (2006) aponta
os três conceitos mais utilizados na literatura: a bissexualidade, a heterossexualida-
de e a homossexualidade. O indivíduo bissexual é aquele que tem seu desejo sexu-
al direcionado tanto para o sexo masculino quanto para o feminino. O indivíduo he-

92
terossexual é aquele se tem seu desejo sexual direcionado para outro indivíduo do
sexo oposto, sendo este tipo de expressão predominante na natureza e na socieda-
de. Já a homossexualidade, seja em humanos ou não-humanos, ocorre quando o
organismo tem a orientação do desejo sexual direcionada a outro organismo do
mesmo sexo. Outros autores definem a homossexualidade como uma preferência
emocional e por condutas eróticas e sexuais por parceiros do mesmo sexo, sendo
manifestada comportamental e cognitivamente (Forastieri, 2005; Müller, 2000; Sán-
chez, 2009). É importante informar que os conceitos de homossexualidade e hete-
rossexualidade também podem ser considerados como pontos extremos de um con-
tinuum dentro do qual diversas ocorrências podem estar presentes, considerando-se
variáveis como a identidade sexual, a prática sexual e a orientação sexual e afetiva
(Cardoso, 2008). !
Juntamente com o conceito de homossexualidade, encontram-se os termos
homoerotismo ou homoerótico que, embora sejam mais empregados como estilos
artísticos e literários, também dizem respeito à homossexualidade, ou seja, relação
amorosa entre pessoas do mesmo sexo (Mucci, 2005). “A homossexualidade é uma
experiência recorrente, mas, como todo comportamento humano, é normatizada
pela sociedade e influenciada pela cultura, manifesta-se de forma diferente, nas di-
versas sociedades estudadas e varia de época para época” (Ferreti, 1998, p. 154).!
As práticas homossexuais na Antiguidade (1300 a.C., aproximadamente),
principalmente na Grécia e em Roma, eram toleradas, encorajadas e exigidas; não
eram vistas como tabu, imoralidade, pecado ou doença como começaram a ser tra-
tadas logo após a popularização do Cristianismo, que considera qualquer ato não
procriador (masturbação, homossexualidade, etc.) como pecado. A concepção dos
atos homossexuais continuou mudando e, no século XIX, a homossexualidade co-
meçou a ser vista sob o prisma das Ciências Biológicas e da Medicina, que deram
caráter de doença a esta expressão da sexualidade. A visão patológica de desvio
mental e sexual manteve-se até a década de 1970 (Naphy, 2006; Pedrosa, 2006).
Neste período, as ideias aversivas quanto à homossexualidade também tiveram a
colaboração da Psicologia, cujas teorias sugeriam que a homossexualidade era o
resultado de um processo desastroso, uma anormalidade de comportamento e uma
inversão sexual (Guimarães, 2009). Pedrosa (2006) mostra que, até o final da déca-
da de 1970, era proposta a “cura” da homossexualidade por meio de tratamentos
psiquiátricos e psicológicos, como a terapia de aversão. Tal técnica consistia em
manipular estímulos aversivos, como, por exemplo, apresentar imagens homoeróti-
cas acompanhadas de choques elétricos com a intenção de inibir a resposta de de-
sejo homossexual e condicionar repulsa e respostas negativas quanto à homosse-
xualidade (Wolpe, 1983, citado por Pedrosa, 2006). Este tipo de tratamento criava
uma aversão aos contatos sexuais, mas não eliminava completamente o desejo
homossexual e os pacientes vivenciavam constantes sentimentos de culpa ou expe-
rimentavam algum tipo de disfunção sexual (Pedrosa, 2006). !

93
A ideia de cura da homossexualidade é apresentada no filme “Orações para
Bobby” de uma forma diferente do exposto acima. Há uma cena em que Mary busca
tratamento psiquiátrico para Bobby após ler a seguinte frase em um livro: “Se um
homossexual que quer renunciar à homossexualidade encontra um psiquiatra que
sabe ‘curar’ a homossexualidade, ele tem uma grande chance de se tornar um hete-
rossexual feliz e nos eixos”. Mary leva o filho a uma psiquiatra e esta exige que
Bobby esteja interessado na “cura” para que o tratamento seja eficaz, sugere que
ele está em dúvidas quanto à sua sexualidade por não ter se relacionado sexual-
mente com garotas e orienta que o pai se aproxime do filho para lhe dar modelo de
masculinidade. Além disso, sua mãe coloca mensagens pela casa com trechos da
Bíblia que dizem que a homossexualidade é pecado ou que incentivam uma mu-
dança de padrões por meio da força de vontade; em outros momentos, faz orações
ao pé da cama de Bobby antes de ele dormir, pedindo a Deus que o “cure”.!

Pedrosa (2006) relembra que, em 1973, depois de rever estudos que indica-
vam que a homossexualidade não se enquadrava nos critérios utilizados para cate-
gorizar as doenças mentais, a Associação Americana de Psiquiatria retirou o ho-
mossexualismo do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM).
A Organização Mundial de Saúde (OMS) deixou de considerar a homossexualidade
como doença em 1991 (Pedrosa, 2006). Posteriormente, o Conselho Federal de

94
Psicologia (2005), no Brasil, em seu Código de Ética Profissional do Psicólogo, Art.
2º, alínea “b”, aponta que é vedado ao psicólogo induzir convicções quanto à orien-
tação sexual. Esta passagem do atual código de ética encontra-se em acordo com a
resolução 001/99 do Conselho Federal de Psicologia (1999), Art. 2º, que resolve que
“os psicólogos deverão contribuir, com seu conhecimento, para uma reflexão sobre
o preconceito e o desaparecimento de discriminações e estigmatizações contra
aqueles que apresentam comportamentos ou práticas homoeróticas.” A resolução
001/99 ainda aponta que a homossexualidade não constitui doença, distúrbio e nem
perversão e, sendo assim, os psicólogos não devem promover serviços que propo-
nham sua cura.!
Como dito anteriormente, os tratamentos utilizados até o final da década de
1970 baseavam-se em técnicas coercitivas com a finalidade de eliminar do repertó-
rio comportamental dos indivíduos as práticas e desejos homoeróticos. Este era o
contexto de vida das personagens Bobby e Mary Griffith: o uso da coerção nos tra-
tamentos era aceita e praticada. A seguir, serão apresentadas algumas análises a
respeito da visão analítico-comportamental sobre o uso da coerção.!
!
A Coerção!
!
A coerção25 se refere ao uso de contingências de punição (positiva e negati-
va) e de reforçamento negativo que visam controlar o comportamento das pessoas
no sentido de suprimir ou evitar uma resposta considerada inadequada. A punição
positiva é a apresentação de um estímulo aversivo que tem força para reduzir a
probabilidade futura de ocorrência de uma resposta: no filme, Bobby sofre com as
condutas invasivas e com as falas apresentadas pela psiquiatra, por um grupo reli-
gioso e, principalmente, pela mãe. A punição negativa é a retirada de estímulos re-
forçadores que mantêm uma resposta e tem como efeito a diminuição da probabili-
dade de ocorrência futura da mesma; um exemplo disso pode ser observado quan-
do a família de Bobby deixa de vivenciar os momentos felizes, que são mostrados
no início do filme, para focar em sua “cura”. O reforçamento negativo aumenta a
probabilidade de uma resposta pela retirada de uma estimulação aversiva do ambi-
ente; um exemplo disso ocorre quando a mãe de Bobby busca se livrar da culpa
pela morte do filho na Igreja e em um grupo de pais de homossexuais. Os eventos
aversivos visavam à mudança da orientação sexual de Bobby e o contato com estas
contingências aversivas gerou outros comportamentos que serão discutidos posteri-
ormente. !

25Coerção é um termo originalmente utilizado por Durkheim (1895/2001), que aponta que a socieda-
de utiliza a coerção (constrangimento) para induzir os indivíduos, por meio da educação e costumes,
a um jeito de pensar e agir. No presente trabalho, porém, o termo coerção será utilizado consideran-
do as análises de Skinner (1953/2003) e Sidman (1989/1995).

95
A sociedade, de um modo geral, é punitiva e aceita a prática da coerção
como algo natural; faz parte dos costumes. Qualquer pessoa, criminosa ou não, so-
fre coerção, pois seu uso garante, num curto espaço de tempo, a modificação do
comportamento, fortalecendo assim a prática da coerção (Moreira & Medeiros,
2007; Sidman, 1989/1995; Skinner, 1953/2003).!
Para Skinner
(1953/2003), em um ato
coercitivo, a estimula-
ção aversiva pode fazer
com que o organismo
tente eliminar tal esti-
mulação por meio da
fuga ou esquiva. A fuga
é a remoção do estímu-
lo aversivo que está em
contato com o organis-
mo. Na esquiva, ocorre
a evitação e a prevenção
de um estímulo aversivo. Em ambos os casos, diz-se que a resposta foi reforçada
negativamente, pois há uma tendência de aumento da probabilidade de ocorrência
da mesma no futuro por eliminar ou evitar um estímulo aversivo. Um exemplo de
fuga pode ser visto quando Bobby decide morar em outra cidade, ficando longe do
controle aversivo da mãe que busca rigidamente “curá-lo” de sua homossexualida-
de. Um exemplo de esquiva é quando, inicialmente, Bobby evita falar com seu irmão
sobre sua sexualidade, por medo de não ser compreendido e odiado por sua família
(i.e., ao se calar, ele evita críticas e ódio).!
De acordo com Sidman (1989/1995), a coerção está presente em contextos
naturais e sociais. Em outras palavras, consequências aversivas podem ser promo-
vidas pelo ambiente físico, como quando uma pedra entra em nosso sapato ou
quando nos ferimos com um espinho de uma rosa, mas também podem ser promo-
vidas pelo nosso ambiente social: (1) na família, onde os pais ameaçam e punem o
comportamento de seus filhos com castigos ou com a retirada de seu lazer; (2) no
trabalho, no qual os empregados produzem sob a ameaça de demissão ou redução
salarial; (3) nas escolas, onde alunos tiram notas boas, evitando a reprovação, e
com ela, a punição dos pais; (4) nas religiões, que prometem os males do inferno
para condutas classificadas como pecaminosas ou mundanas; (5) pelo governo e
suas leis, que descrevem contingências de punição (prisão, multa, etc.) para com-
portamentos considerados inadequados ou nocivos para a boa convivência em gru-
po; entre outros. Assim, a coerção é utilizada, como uma prática natural e eficiente
de controle comportamental. O filme mostra que as coerções que Bobby sofreu vie-
ram principalmente do seu ambiente familiar e religioso: mãe conservadora e religi-

96
osa que vê o comportamento homossexual do filho como doença e pecado, assim
como o grupo de jovens que Bobby frequenta na Igreja e a psiquiatra que concorda
em “curar” sua homossexualidade.!
Skinner (1953/2003) posiciona-se contra o uso da punição e do controle
aversivo, pois produzem subprodutos indesejáveis como medo, ansiedade, culpa,
vergonha, prejuízo nos repertórios sociais, dificuldade na resolução de problemas
interpessoais e na manutenção de relacionamentos positivos. Sugere-se que, no
lugar de punição, seja usado o reforçamento positivo para manter ou aumentar a
probabilidade de ocorrência de comportamentos “adequados”, ou o reforçamento
diferencial, que envolve extinção e reforçamento positivo: o comportamento “indese-
jável” é extinto e há, ao mesmo tempo, o reforço de comportamentos alternativos
(Moreira & Medeiros, 2007). Um exemplo de reforçamento positivo pode ser obser-
vado na relação que Bobby tem com sua prima onde há aceitação, carinho, atenção
e compreensão dos desejos e sentimentos de Bobby. Outro exemplo de reforça-
mento positivo pode ser ilustrado com a relação entre David (namorado de Bobby) e
sua família. David, diferente de Bobby, demonstra maior entendimento e aceitação
de sua homossexualidade, ao mesmo tempo em que seus pais o apóiam e aceitam
sua sexualidade. Os sentimentos positivos (auto-aceitação e autoconfiança) podem
ser consequências do apoio, da valorização e da aceitação dos comportamentos
homoeróticos de David. !

A Homofobia e suas Características!


Caracteriza-se a homofobia como um medo, rejeição e hostilização em rela-
ção aos homossexuais ou à homossexualidade de modo geral. O comportamento
homofóbico caracteriza-se por atos de discriminação, violência física e verbal, medo
e desprezo aos homossexuais e assédio moral (Blumenfeld, 2004; Junqueira, 2009;
Marinho, Marques, Almeida, Menezes & Guerra, 2004; Nascimento, 2010; Pedrosa,
2006). Outra característica da homofobia é a desqualificação de todos que não cor-
respondem ao ideal normativo da sexualidade, ou seja, a heterossexualidade; as
práticas sexuais não heterossexuais são vistas como desvio, crime, aberração, do-
ença, perversão, imoralidade ou pecado (Junqueira, 2009; Pocahy & Nardi, 2007).
Existe ainda a homofobia “internalizada” que, segundo Pereira e Leal (2002), diz
respeito ao medo da própria homossexualidade. A homofobia “internalizada” não é
simplesmente uma ideia ou sentimento negativo em relação à própria homossexua-
lidade, ela é também caracterizada como um desconforto do indivíduo em relação à
homossexualidade em geral (Meyer & Dean, 1998, citados por Newcomb & Mus-
tanski, 2010).!
Na sociedade atual, inclusive no Brasil, a homofobia é exercida por meio do
incentivo ao castigo, à hostilidade, ao preconceito e à reprodução de forma caricatu-
ral dos comportamentos homossexuais nos meios de comunicação (Mott, 2003). Os
costumes e as mensagens sociais da cultura homofóbica, que defendem a heteros-

97
sexualidade e ignoram ou reprovam a homossexualidade, contribuem e mantêm as
percepções errôneas, muitas vezes negativas, que as pessoas têm dos homosse-
xuais (Caixeta, 2007; Hardin, 2000; Lunn, 1993). Para Junqueira (2009) e Pedrosa
(2010), as escolas são instituições que preservam e ampliam ideias negativas quan-
to à homossexualidade na medida em que as crianças aprendem com suas famílias
a aversão contra o homossexual e tal conduta é reforçada socialmente pelo grupo
(professores e alunos), que também comunga com estas ideias. Dessa maneira,
uma criança que presencia o pai xingando um homem de “bicha” se sentirá à vonta-
de para fazer o mesmo com um colega de escola sem, muitas vezes, ser repreendi-
do por tal conduta.!
Pedrosa (2006) aponta que os atos homofóbicos têm forte influência dos
dogmas religiosos judaico-cristãos, segundo os quais a homossexualidade é conce-
bida como pecado e como conduta antinatural, especialmente por não permitir a re-
produção de outros seres humanos. Guimarães (2009) revela que, para a Igreja Ca-
tólica, não bastava que a reprodução fosse a finalidade da relação sexual, mas que
esta reprodução de descendentes deveria estar dentro de um modelo familiar hete-
rossexual e o contrário seria considerado imoral e anti-natural. !
Em “Orações para Bobby”, há vários exemplos da visão religiosa sobre a ho-
mossexualidade, como quando Mary se refere a uma passagem bíblica: “É, este é
um pecado terrível. A Bíblia chama de abominação. ‘Se um homem se deitar com
outro homem, os dois devem ser executados’”. Em outra situação, Mary diz a um
padre que a homossexualidade é um pecado punido com a morte. Muitas ideias
como essas até hoje permanecem presentes em grupos religiosos.!
A homofobia como prática social desenvolvida ao longo da história da huma-
nidade é um tipo de comportamento organizado em grupo, no qual a coerção sobre
o homossexual é passada de um indivíduo para o outro por meio de regras ou dire-
tamente pelas contingências (Pedrosa, 2006). As regras são estímulos discriminati-
vos verbais que descrevem certa contingência; as contingências são as relações
entre eventos ambientais e comportamentais ou entre eventos comportamentais e
comportamentais nos quais há uma relação de dependência entre eles (Skinner,
1953/2003). Pode-se dizer que uma contingência pode ser definida por uma relação
“se... então...”. Se ocorrer determinada situação, então o indivíduo se comportará de
determinada forma. Ou ainda, se eu fizer algo, então haverá determinada con-
sequência. Um exemplo de aprendizagem por regra ocorre quando uma pessoa
aprende com a religião ou com a família que ser homossexual é pecado e errado e
segue ou repete tal regra; dessa forma, sua aprendizagem ocorreu por meio da re-
gra “ser homossexual é pecado e errado”. No caso da aprendizagem que ocorre di-
retamente por meio de uma contingência, um exemplo seria quando uma pessoa
hostiliza um homossexual e, como consequência, seu comportamento é reforçado
pelo grupo social com elogios, atenções, aprovações, etc.; se a pessoa continua
hostilizando um homossexual, diz-se que, nesse exemplo, seu aprendizado ocorreu

98
por meio de uma contingência de reforço social. É importante esclarecer que, mes-
mo quando um indivíduo aprende por meio de regras, seu comportamento também
será mantido pelas consequências que ele obtém em seu ambiente (Baum,
1994/1999; Catania, 1998/1999; Skinner, 1953/2003). !

No filme, a avó de Bobby (interpretada por Madge Levinson) diz que os ho-
mossexuais deveriam ser mortos e à sua volta todos se divertem com o comentário.
Para Caixeta (2007), o comportamento da pessoa homofóbica é mais eficaz numa
situação de grupo, pois terá como consequência reforçadora o reconhecimento e a
admiração pelo grupo homofóbico que valoriza o ideal de “virilidade” e “masculinida-
de”. Este processo de aprendizagem é dinâmico, complexo e longo. Dessa maneira,
diversas situações de aprendizagem por regras e por contingências podem ocorrer
na história de vida de uma pessoa (Baum, 1994/1999; Catania, 1998/1999; Skinner,
1953/2003).!
As informações acima sobre a homofobia podem ser ilustradas em algumas
cenas do filme “Orações para Bobby”, como, por exemplo, na cena do aniversário
da avó quando o irmão de Bobby, Ed (interpretado por Austin Nichols), coloca uma
bolsa feminina, faz trejeitos femininos e diz: “Acho que fica bem em mim, o que vo-
cês acham? Vó, esse batom é ótimo. Lindo!”. E a conversa segue:!
!
Mary: “Ed, pare com isso!”.!
Ed: “Por quê? O que tem mãe?”.!
Mary: “É nojento!”.!
Avó: “É. Bichas deveriam ser alinhadas e fuziladas!”.!
!

99
Como já afirmado, no filme, a homofobia aparece com a ideia de que a ho-
mossexualidade é pecado e doença, como na cena em que Ed e Mary conversam
sobre Bobby:!
!
Ed: “Ele acha que pode ser homossexual”.!
Mary: “Ele não é!”.!
Ed: “Ele não queria que eu te contasse. Ele ia tomar um monte de aspirinas”.!
Mary: “Não tenho dúvida de que Deus pode cuidar disso. Ele vai nos ajudar. Ele vai
curar o Bobby”.!
!
Durante o filme, há outros exemplos de homofobia na fala das personagens.
Um rapaz chama Bobby de “viado”, após os dois terem se esbarrado numa festa; a
psiquiatra reproduz o ideal heterossexual e sugere a mudança da orientação sexual
de Bobby; e o pai diz que Bobby não é gay, apenas não encontrou uma garota atra-
ente. Ocorrências como essas podem gerar no indivíduo desconforto e sentimento
de inadequação em seu ambiente familiar. A seguir, serão discutidos os possíveis
efeitos produzidos pela homofobia.!

A Homofobia e seus Efeitos!


Para Caixeta (2007), o preconceito e a homofobia são comportamentos prati-
cados pela “cultura homofóbica”: os membros deste grupo cultural apresentam e re-
cebem reforços por se comportarem reprovando ou ridicularizando a figura homos-
sexual; os efeitos destes comportamentos para os homossexuais são os sentimen-
tos de vergonha e culpa, que podem contribuir para o desenvolvimento enfraquecido
de habilidades sociais.!
A homofobia gera sentimentos negativos quanto à sexualidade. O homosse-
xual, ao observar a reação social quanto à homossexualidade e com medo do pre-
conceito, passa a evitar exposição pública, desenvolve sentimento de inadequação
e tende a ser mais reservado na expressão de sentimentos, a fim de não ser identi-
ficado como gay ou lésbica (Lasso, 1998; Nascimento, 2010; Pereira & Leal, 2002). !
Outro efeito da homofobia é que os homossexuais, ao encontrarem uma so-
ciedade que pune e ignora a expressão homoerótica, buscam expressar sua sexua-
lidade em grupos ou lugares exclusivos para gays, lésbicas e bissexuais, onde ficam
longe do controle heterossexual (Costa, 1994; Mott, 2003). Existe também o medo
de eventualmente serem descobertos e discriminados (Mott, 2003; Müller, 2000).
Nestes casos, a homossexualidade é mantida em segredo, como no caso do fenô-
meno conhecido por “ficar no armário”. !
Uma análise funcional sobre o desenvolvimento dos padrões de comporta-
mentos característicos do “ficar no armário” e da homofobia “internalizada” deve in-
cluir eventos e variáveis presentes na história de aprendizagem do indivíduo. A Figu-
ra 1 apresenta um diagrama com algumas possíveis variáveis dessa história, mos-

100
Figura 1. Variáveis que podem estar presentes na história de aprendizagem da
homofobia.

101
trando que os indivíduos, ao longo da vida, podem aprender os comportamentos
homofóbicos não só diretamente pela aprendizagem pelas contingências ou por re-
gras, como já dito, mas também por modelação (Raich, 2008; Skinner, 1953/2003).
Nos quadros A, B e C da Figura 1 são apresentados os elementos da contingência
tríplice para a análise funcional – contextos ou estímulos antecedentes, respostas
ou classes de respostas, e consequências. O quadro D apresenta um padrão com-
portamental desenvolvido pelas repetidas exposições aos eventos apresentados
nos quadros A, B e C.!
A aprendizagem por modelação (quadro A da Figura 1), isto é, imitar um mo-
delo de homofobia, permitiria ao indivíduo o acesso a reforçadores e/ou punidores
que podem aumentar ou diminuir a ocorrência de seus comportamentos homofóbi-
cos na presença de quem ofereceu o modelo. A aprendizagem por regras (quadro B
da Figura 1), presente em situações nas quais o indivíduo segue ou repete uma re-
gra homofóbica, ocorre quando tal comportamento produzirá, com maior probabili-
dade, o acesso a reforçadores e/ou punidores. Por fim, a aprendizagem pelo contato
direto com as contingências (quadro C da Figura 1) envolveria o fato de os compor-
tamentos ditos homossexuais acontecerem em vários contextos de vida das pesso-
as e, em geral, envolverem contingências de punição positiva e negativa. Estas con-
tingências poderiam contribuir para a diminuição da probabilidade de ocorrências de
comportamentos homossexuais nos contextos em que eles foram punidos ou o au-
mento na probabilidade de comportamentos homofóbicos nos contextos em que
eles foram reforçados. Veja que as consequências podem incluir tanto reforçadores
quanto punidores. Quando a ocorrência de reforçadores para respostas homofóbi-
cas é mais frequente do que os punidores, a tendência é de que essas respostas
sejam mantidas no repertório do indivíduo.!
É preciso que estas relações entre os comportamentos e suas consequências
reforçadoras ou punitivas aconteçam em vários momentos da vida do indivíduo para
que o comportamento punido seja suprimido de seu repertório ou para que o com-
portamento reforçado seja adicionado ao seu repertório (quadro D da Figura 1).
Após essa aprendizagem, é possível supor alguns efeitos: “ficar no armário” (apre-
sentado na Figura 2) e/ou homofobia “internalizada” (apresentado na Figura 3).!
A Figura 2 apresenta contingências tríplices que podem estar envolvidas no
padrão comportamental de “ficar no armário” (quadro A) e de expor-se em contextos
mais seguros (quadro B). Os contextos mais seguros são aqueles nos quais há
maior probabilidade de acesso a reforçadores tendo em vista a ocorrência de com-
portamentos homossexuais. Para algumas pessoas, o padrão apresentado no qua-
dro A é exclusivo (isto é, algumas pessoas comportam-se publicamente sempre de
forma heterossexual) e, para outras, ele é predominante, ocasionalmente ocorrendo
o padrão complementar apresentado no quadro B (isto é, outras pessoas se com-
portam de forma heterossexual em certos contextos e de forma homossexual em
outros). Comportar-se de forma a evitar comportamentos homossexuais ou apresen-

102
103
Figura 3. Possíveis efeitos da aprendizagem da homofobia – padrão comportamental característico da homofobia “internalizada”.
tar comportamentos públicos típicos de heterossexuais pode produzir reforçadores
sociais como aceitação (reforçamento positivo) ou, pelo menos, passar despercebi-
do (reforçamento negativo). Quando o comportamento é apresentado de forma cari-
catural ou exagerada, as contradições entre comportamentos públicos (heterosse-
xual) e privados (homossexual) poderão produzir punição como a rejeição (quadro
A). Há também a possibilidade de haver rejeição mesmo em contextos mais segu-
ros; entretanto, essa rejeição provavelmente ocorre em menor frequência e é uma
ocorrência natural de relações interpessoais nas quais não é possível agradar a to-
dos. É bem provável que indivíduos que obtêm reforçadores através desse padrão
comportamental de “ficar no armário” tenham dificuldades de assumir sua homosse-
xualidade e permaneçam se comportando assim por muito tempo.!

Figura 2. Possíveis efeitos da aprendizagem da homofobia – padrão comportamental


característico do “ficar no armário”.!
!
A Figura 3 apresenta um esquema de uma cadeia comportamental relaciona-
da à ocorrência da homofobia “internalizada”, considerando várias possibilidades de
comportamentos e as consequências que eles produzem. Nesta figura, é possível
observar como os comportamentos que produzem contato com estímulos aversivos
(culpa, medo, ansiedade, rejeição, desprezo, etc.) e o desconforto quanto à própria

104
sexualidade, que caracterizam a homofobia “internalizada”, acontecem numa com-
plexa cadeia comportamental na qual o indivíduo, após sofrer as devidas con-
sequências para as respostas emitidas, pode ter como resultado o fortalecimento do
medo e da rejeição da própria sexualidade. !
O indivíduo que está frequentemente entrando em contato com situações
aversivas pode desenvolver um padrão comportamental de fuga e esquiva. Os ho-
mossexuais que, na sua história, tiveram seu comportamento guiado por contingên-
cias de reforçamento negativo e por punição quanto à sua sexualidade, com maior
frequência fugirão e se esquivarão de aceitar sua orientação homossexual (Pedro-
sa, 2006). Essa análise, porém, deve ser realizada considerando a história individual
e as particularidades de cada caso, isto quer dizer que a Figura 3 apenas pretende
oferecer uma análise das possíveis ocorrências relacionadas à homofobia “internali-
zada” e cada história individual informará se tais análises correspondem à sua reali-
dade. !
Como já foi visto, a homofobia “internalizada” ocorre em função do contato
com contingências aversivas. Uma história de contato com contingências aversivas
pode produzir também alterações comportamentais e problemas psicológicos seve-
ros (Sidman, 1989/1995). Para avaliar tal possibilidade, Newcomb e Mustanski
(2010) realizaram uma meta-análise de estudos sobre homofobia “internalizada” e
sua correlação com transtornos de ansiedade e depressão. Foi realizado um levan-
tamento bibliográfico considerando os estudos publicados até agosto de 2008, utili-
zando-se as bases de dados PsycINFO, PubMed, ProQuest, American Psychologi-
cal Association Division 44 e Sexnet. Os autores avaliaram cinco variáveis: gênero
dos participantes, ano em que os dados foram coletados, tipo de publicação, idade
dos participantes das amostras e tipo de sintomatologia investigada entre os ho-
mossexuais (depressão e ansiedade). Trinta e um artigos, publicados de 1986 a
2008, se adequaram aos critérios da pesquisa e totalizaram registros de 5831 parti-
cipantes (gays, lésbicas e bissexuais). Os resultados indicaram que não houve dife-
rença da homofobia “internalizada” entre homens e mulheres, apesar de parecer
que os homens sofrem mais discriminação do que as mulheres, do ponto de vista
dos autores. Em relação ao ano de publicação e ao tipo de publicação, não houve
diferença na quantidade de descrições sobre a homofobia “internalizada” relaciona-
da a sintomas de ansiedade e depressão no decorrer dos anos e nos diferentes ti-
pos de publicação dos estudos. Quanto à idade dos participantes dos estudos, a
pesquisa revelou que, quanto maior a idade, maior a homofobia “internalizada” e os
sintomas de ansiedade e depressão. Para os autores, os dados referentes à idade
indicam que os participantes mais velhos podem ter acumulado, ao longo do tempo,
problemas comportamentais, já que vivenciaram sua sexualidade numa época em
que ela era menos tolerada. No caso do tipo de sintomatologia investigada entre os
homossexuais, os dados revelaram que existe uma moderada correlação positiva
entre homofobia “internalizada” e transtornos de ansiedade e depressão, isto é, al-

105
tos escores de homofobia “internalizada” estão correlacionados com altos escores
de sintomas de ansiedade e/ou depressão. É importante esclarecer que os dados
de Newcomb e Mustanski (2010) apresentam uma correlação entre duas variáveis e
que não é possível indicar uma relação causal. Provavelmente, essas duas variá-
veis sejam determinadas por uma (ou mais) variável(is) que não foi(ram) investiga-
da(s), como a história de vida ou de aprendizagem ou, ainda, o contexto no qual os
indivíduos estão inseridos.!
Ao se falar de homofobia “internalizada”, é importante esclarecer que o termo
“internalizado” não está de acordo com a proposta da Análise do Comportamento,
pois o que ocorre nas relações humanas são comportamentos e estes estão locali-
zados nas interações que ocorrem no ambiente e não dentro das pessoas (Baum,
1994/1999). O termo pode dar a ideia de que algo estava fora e passou a estar den-
tro do indivíduo. Na verdade, o que ocorre é que inicialmente a homofobia não faz
parte do repertório do indivíduo e pode ser aprendida através do contato com as
contingências. Dessa maneira, uma nova forma de agir, de pensar e de sentir pode
começar a ocorrer com frequência nas interações que o indivíduo estabelece com
seu ambiente. Considerando esta forma de compreender o fenômeno, o termo ho-
mofobia “internalizada” foi mantido neste trabalho por ele ser largamente utilizado na
literatura sobre homossexualidade e por se referir também ao medo e ao desconfor-
to que o indivíduo pode ter em relação à sua própria homossexualidade.!
No filme, também há exemplos de homofobia “internalizada”. Em duas cenas,
Bobby demonstra medo e vergonha quanto à sua sexualidade: quando vai a um bar
gay e é beijado por um homem e quando recebe um beijo no rosto de seu namorado
em um parque. Os sentimentos negativos de Bobby quanto à sua homossexualida-
de, que foram aprendidos com as regras da mãe, são expressos no seguinte diálo-
go:!
!
Bobby: “Quando ele (seu namorado) me toca em público, ou, ‘Deus me livre’, me
beija, eu me afasto. Eu sinto vergonha”.!
Mary: “Porque você sabe que é errado!”.!
Bobby: “Porque você me disse que é errado. (...) Me desculpe! Eu não sou o Bobby
perfeitinho que você sempre quis. Mas não posso continuar pedindo perdão por isso, mãe!
Aceite-me como eu sou ou esqueça!”.!
Mary: “Eu não vou ter um filho gay!”.!
!
Além disso, Bobby vive constantemente se lembrando das regras da mãe de
que a homossexualidade é um pecado, não é natural. Sofrendo com a rejeição, o
preconceito da mãe e as dificuldades para lidar com o ambiente coercitivo no qual
estava inserido, o protagonista opta pelo suicídio como um ato extremo para acabar
com seu sofrimento.!
Após este acontecimento, Mary encontra o diário de Bobby onde lê: “Não
posso deixar ninguém descobrir que não sou hetero. Seria tão humilhante. Meus

106
amigos me odiariam, minha família... Já os ouvi demais!”. Mary tenta se livrar da
culpa e do sofrimento da perda do filho buscando apoio em uma igreja, onde há um
padre que apóia os jovens gays e, a partir disso, conhece uma mãe de um jovem
homossexual e um grupo de pais e amigos de homossexuais. Mary começa a fre-
quentar o grupo e aprende novas regras a respeito da homossexualidade, como na
cena em que diz ao padre: “Agora eu sei porque Deus não curou o Bobby. Não cu-
rou porque não havia nada de errado com ele”. Há outra cena do filme que mostra
Mary expressando seus sentimentos em relação à perda do filho e revelando as
consequências aversivas de sua conduta para com a homossexualidade de Bobby: !

!
Quando ele disse que era homossexual, meu mundo caiu. Eu fiz tudo que pude para
curá-lo de sua doença. Há oito meses, meu filho pulou de uma ponte e se matou. Eu
me arrependo amargamente da minha falta de conhecimento sobre gays e lésbicas.
Percebo que tudo que me ensinaram e disseram era odioso e desumano. Se eu ti-
vesse investigado além do que me disseram, se eu tivesse simplesmente ouvido
meu filho quando ele abriu o coração pra mim... Eu não estaria aqui hoje, com vo-
cês, plenamente arrependida. (...) Eu não sabia que, cada vez que eu repetia ‘con-
denação eterna aos gays’, cada vez que eu me referia ao Bobby como doente, per-
vertido e perigoso às nossas crianças, sua autoestima e seu valor próprio estavam
sendo destruídos. (...) A morte de Bobby foi resultado direto da ignorância e do medo
de seus pais quanto à palavra ‘gay’.!
!
!

107
Considerações Finais!
!
O objetivo do presente trabalho foi apresentar uma análise dos comportamen-
tos das personagens do filme “Orações para Bobby”, no que diz respeito aos atos
de coerção e homofobia e seus respectivos efeitos. Para a Análise do Comporta-
mento, a coerção é um tipo de conduta que visa punir comportamentos considera-
dos inadequados e a homofobia pode ser vista como uma prática coercitiva que tem
como objetivo punir comportamentos homossexuais.!
“Orações para Bobby” mostra uma mãe homofóbica que punia os comporta-
mentos do filho em nome de sua crença religiosa, sustentada pelo contexto das dé-
cadas de 1970 e 1980, quando, embora estivesse emergindo uma nova concepção
da homossexualidade pelos principais órgãos de saúde, a sociedade ainda não ti-
nha condições de avaliar ou mudar seus valores quanto à sexualidade humana.
Mesmo com os novos conhecimentos desse e do atual contexto quanto à homosse-
xualidade, Guimarães (2009) revela que muitos profissionais da saúde, inclusive
psicólogos, veem a homossexualidade como uma doença, perturbação ou desvio do
desejo sexual e que, sendo assim, merece tratamento ou reabilitação. Sabe-se, no
entanto, que a homossexualidade não é uma doença e sim um jeito de ser e de ex-
pressar a sexualidade que está presente desde a antiga história da humanidade,
não sendo passível de “cura” (Pedrosa, 2006). !
O Conselho Federal de Psicologia, por meio da resolução 001/99, estabele-
ceu uma nova forma de atuação dos psicólogos em relação à orientação sexual.
Além disso, os psicólogos podem atuar em acordo com o Conselho Nacional de
Combate à Discriminação (2004) que desenvolveu o programa “Brasil Sem Homo-
fobia”, reconhece o preconceito por orientação sexual e tem como objetivo a
reparação da cidadania de gays, lésbicas, travestis, transexuais e bissexu-
ais. Os psicólogos também podem contribuir com pesquisas e conheci-
mentos sobre a sexualidade humana em geral, objetivando maior escla-
recimento e colaborando para que as pessoas possam exercer sua
sexualidade de forma livre e responsável.!
!
Referências Bibliográficas!
!
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!
!

110
“INVICTUS”: UMA LIÇÃO SOBRE ANÁLISE DE
CONTINGÊNCIAS!
!
Raquel Maria de Melo26!
Universidade de Brasília!
!
Alessandra Rocha de Albuquerque!
Universidade Católica de Brasília!

Título do filme: “Invictus”: Conquistando o inimig!


Título original: “Invictus”!
Ano: 2009!
Diretor: Clint Eastwood!
Roteiro: Anthony Peckham!
Produtores: Clint Eastwood, Robert Lorenz, Lori McCreary
e Mace Neufeld!
Lançado por: Warner Bros. Pictures / Spyglass Entertain-
ment / Revelations Entertainment / Mace Neufeld Producti-
ons / Malpaso Productions

“Invictus” é uma adaptação para o cinema do livro “Conquistando o ini-


migo: Nelson Mandela e o jogo que uniu a África do Sul”, de John Carlin
(“Playing the enemy: Nelson Mandela and the game that made a nation”, 2008).
O filme retrata o período em que Mandela (Morgan Freeman) sai da prisão, em
1990, após 27 anos de detenção, é eleito presidente da África do Sul e inicia a
reestruturação e o processo de unificação do país a partir do fim do apartheid.
São enfatizadas a participação vitoriosa da equipe sul-africana na Copa Mun-

26 E-mail: melo.rm@gmail.com

111
dial de Rúgbi, de 1995, e a habilidade de Nelson Mandela em utilizar o esporte
como meio de integração social.!
Ao assumir a presidência em 1994, Mandela encontra um país com pro-
blemas em várias áreas: economia, educação, saúde, habitação, segurança e,
principalmente, a segregação racial. Para lidar com estas situações, Mandela
faz a opção de se aproximar e conhecer a minoria branca (denominada de afri-
kaners, traduzido por africânderes) a partir da identificação do que explica o
comportamento deste grupo, ao invés de adotar uma estratégia de vingança
com base na violência, opressão e humilhação que caracterizaram o período
do apartheid. !

A realização da Copa do Mundo de Rúgbi de 1995 na África do Sul foi


utilizada por Mandela como uma oportunidade para diminuir a segregação ra-
cial. O rúgbi era o jogo favorito dos brancos e não apreciado pelos negros, que
preferiam o futebol e torciam por qualquer adversário do time de rúgbi da África
do Sul, o Springboks. Como estratégia, Mandela convida para uma reunião
François Pienaar (Matt Damon), capitão da equipe sul-africana, e inicia um pro-
cesso conjunto para transformar o desacreditado time do Springboks em cam-
peão mundial e, ao mesmo tempo, fazer com que a população se una e apóie
o time em busca deste objetivo.!
Na etapa de preparação para a copa do mundo, a campanha publicitária
destaca a imagem do único jogador negro (Chester Williams, interpretado por
McNeil Hendricks) do Springboks e o time tem como uma de suas atribuições

112
desenvolver atividades de iniciação ao rúgbi em bairros pobres. O capitão do
time assume a sua função de líder e segue as orientações de Mandela ao bus-
car estratégias de jogo que levem o time a superar as suas limitações e a obter
o melhor desempenho de cada um dos jogadores. O Springboks vence todos
os adversários e conquista o título na final contra a equipe da Nova Zelândia,
considerada a favorita. Durante a decisão, o estádio lotado, com cerca de 63
mil pessoas, torce, incentiva o time, e comemora a vitória. Assim, como plane-
jado por Mandela, a nação arco-íris, composta por representantes de várias et-
nias, se uniu em torno de um mesmo objetivo. A hostilidade em relação a tudo
que o rúgbi simbolizava no período do apartheid foi superada. !
!
Análise Teórica!
!
O referencial da Análise do Comportamento será utilizado para caracte-
rizar a relevância da análise de contingências no planejamento de mudanças
em comportamentos sociais, previamente mantidos por controle aversivo. Se-
rão analisados diferentes trechos do filme que demonstram que o comporta-
mento é explicado a partir da história de interações do indivíduo, ou grupo, com
o ambiente (físico ou social), ou seja, a partir de análises funcionais. Assim,
será possível abordar a questão do ensinar enquanto programação de contin-
gências de reforço que resultam em mudança de comportamento a partir da
análise das interações em determinados grupos (e.g., time de rúgbi e os segu-
ranças do presidente Nelson Mandela), e de uma forma mais ampla, das con-
tingências estabelecidas pelo governo enquanto agência de controle. !

O Apartheid e o Governo enquanto Agências de Controle!


! Apesar de a questão do apartheid não ser o tema central do filme “Invic-
tus”, é importante descrever suas principais características, uma vez que as
interações sociais entre negros e brancos ali retratadas são resultantes da his-
tória passada e presente produzida pelas contingências estabelecidas pelo go-
verno, a partir de leis de segregação racial.!
! O apartheid (separação em africâner) foi um regime de segregação raci-
al adotado na África do Sul no período de 1948 a 1994. Nesse regime, a mino-
ria branca, de origem principalmente inglesa e holandesa, detinha o poder polí-
tico e econômico, enquanto aos grupos pertencentes a outras etnias, compos-
tos em sua maioria por negros, eram impostas várias leis que restringiam os
seus direitos políticos e sociais (e.g., educação, saúde, posse de terra e local
de moradia). Dentre as principais leis do apartheid, podem ser citadas: a proibi-
ção do casamento entre brancos e negros, a obrigação de declaração de regis-
tro de cor para todos os sul-africanos, a proibição de circulação de negros em
determinadas áreas das cidades, a criação de bantustões (bairros só para ne-

113
gros), a separação de serviços públicos (e.g., banheiros, ônibus, restaurantes)
para brancos e negros e a criação de um sistema diferenciado de educação
para as crianças nos bantustões27.!

O apartheid resultou em revoltas e manifestações populares. O movi-


mento antiapartheid foi liderado por Mandela, foi preso em 1962 e condenado à
prisão perpétua com trabalhos forçados. Conforme a revolta se tornava mais
frequente e violenta, as organizações estatais respondiam com o aumento da
repressão e da violência. Esta situação mobilizou a comunidade internacional.
Em 1973, a Assembléia Geral das Organizações Nacionais Unidas (ONU) de-
clarou o apartheid um “crime contra a humanidade” e, em 1986, os Estados

27 http://pt.wikipedia.org/wiki/apartheid disponível em 02/11/10.

114
Unidos decretaram o embargo econômico28 contra a África do Sul. A pressão
internacional fez com que, no início dos anos 90, o presidente Frederik de Klerk
iniciasse as negociações para por fim ao apartheid e libertasse Nelson Mande-
la. Em 1992, cerca de 70% dos eleitores brancos votaram a favor do fim do
apartheid em um plebiscito. de Klerk e Mandela receberam o Prêmio Nobel da
Paz (1993), uma nova Constituição não-racial passou a vigorar e os negros
adquiriram direito ao voto. As primeiras eleições multirraciais na África do Sul
foram realizadas em 1994, e Nelson Mandela foi eleito presidente.29!
Esta caracterização histórica nos permite analisar a primeira cena do
filme que mostra o carro em que se encontra Nelson Mandela, após ser liberta-
do, escoltado por outros carros e motos, trafegando em uma estrada que divide
duas realidades sociais distintas. De um lado, garotos negros, mal vestidos, jo-
gam futebol em um terreno baldio. Ao reconhecerem Nelson Mandela, gritam
seu nome e acenam alegremente na lateral da estrada. Do outro lado, crianças
brancas, uniformizadas, treinam rúgbi em um campo gramado sob a supervisão
de um técnico. O time interrompe o treino, observa o cortejo passar, e o técnico
informa que se trata de um “terrorista” que foi libertado. A diferença entre as
duas realidades está relacionada com as contingências estabelecidas pelo go-
verno a partir do regime do apartheid (leis previamente descritas), as quais re-
sultaram em diferentes histórias de interação entre os dois grupos e dos seus
membros com os recursos ambientais disponíveis (e.g., saúde, educação, la-
zer) . Tais histórias são fundamentais para que se possam explicar os compor-
tamentos dos indivíduos de cada um destes grupos30. !
! Para a abordagem analítico-comportamental, o comportamento é multi-
determinado, ou seja, múltiplas variáveis o determinam. É influenciado por três
níveis de variação e seleção: filogenético, ontogenético e cultural (Andery, Mi-
cheletto & Sério, 2007; Skinner, 1953/1981, 1981; Todorov & de-Farias, 2009),
os quais devem ser considerados em uma explicação (análise e descrição)
mais ampla do comportamento. O nível filogenético está relacionado às carac-
terísticas herdadas, funcionamento e estrutura do organismo; o nível ontogené-
tico diz respeito à história de aprendizagem de cada indivíduo; e o nível cultural
se refere às peculiaridades da cultura em que o indivíduo está inserido (práti-
cas culturais).!
As contingências estabelecidas pelo governo, por meio das restrições

28 Embargo: É a proibição do comércio e da comercialização com um determinado país (http://pt.wi-


kipedia.org/wiki/Apartheid disponível em 02/11/10).

29http://www.Ibge.gov.br/ibgeteen/datas/discriminação/apartheid.html.org/wiki/Apartheid, disponível
em 02/11/10.

30de-Farias e Lima-Parolin (2007) realizaram análise semelhante sobre o preconceito racial ilustrado
no filme “Crash: No limite”.!

115
impostas aos negros ao longo dos anos, fizeram com que os dois grupos,
membros da espécie humana, com histórias filogenéticas semelhantes, fossem
expostos a ambientes físico e social distintos. O acesso limitado à educação,
saúde, alimentação e restrição de moradia a determinados espaços geográfi-
cos resultaram na aquisição de repertórios diferentes pelos negros e compor-
tamentos hostis entre os gru-
pos de diferentes etnias. A
manutenção da diferença en-
tre as duas realidades soci-
ais foi legalmente garantida
pelo governo por meio das
leis de segregação racial. !
! De acordo com Skin-
ner (1953/1981), a lei é “o
enunciado de uma contin-
gência de reforço mantida
por uma agência governa-
mental. (…) Uma lei é uma
regra de conduta no sentido
de que especifica as con-
sequências de certas ações
que por seu turno ‘regem’ o
comportamento” (p. 322).
Assim, as leis do apartheid
podem ser analisadas como
regras que proibiam a convi-
vência entre brancos e ne-
gros, estabeleciam acessos
diferenciados aos recursos
ambientais, e previam pena-
lidades caso não fossem
cumpridas. Desta forma, os
enunciados das regras funci-
onam como estímulos dis-
criminativos verbais que indicam uma contingência: se o comportamento ocor-
rer em determinada situação, então uma consequência será mais – ou menos
– provável (Baum, 1994/1999). Conforme destaca Skinner (1953/1981), o con-
trole exercido pelo governo se dá, geralmente, por meio da punição e o com-
portamento obediente, fazer ou seguir o previsto nas leis, evita a punição:!
!
O governo usa seu poder para ‘manter a paz’ – para restringir comportamentos

116
que ameaçam a propriedade e as pessoas de outros membros do grupo. Um
governo que possui apenas o poder de punir pode fortalecer o comportamento
legal somente pela remoção de uma ameaça de punição a ele contingente. Al-
gumas vezes isto é feito, mas a técnica mais comum é simplesmente punir as
formas ilegais do comportamento (Skinner, 1953/1981, p. 320).!
!
A segregação racial pode também ser analisada de acordo com o nível
cultural de seleção do comportamento por consequências enquanto uma práti-
ca cultural. Uma prática cultural “envolve repetição de comportamento operante
análogo entre indivíduos de uma dada geração e entre gerações de indivíduos”
(Glenn, 1991, p. 60). O comportamento replicado é, portanto, chamado de uma
prática cultural (Glenn & Malagodi, 1991; Todorov & de-Farias, 2009). Nas prá-
ticas culturais, as consequências agem sobre o grupo “e o efeito sobre o grupo,
não mais as conseqüências reforçadoras para os membros individuais, que é
responsável pela evolução da cultura” (Skinner, 1981, p. 502). Entre a popula-
ção branca, comportamentos que podem ser considerados de segregação ra-
cial, tais como uso de rótulos verbais pejorativos em relação aos negros,
agressões físicas, recusa em compartilhar os mesmos espaços públicos que os
negros, uso de uma língua diferente da falada pelos negros, foram transmitidos
e mantidos ao longo de várias gerações em que perdurou o apartheid. Algumas
agências de controle – o governo, por meio de leis, do controle social da polícia
e do exército, e medidas econômicas; a mídia (ao relacionar a etnia racial com
comportamentos considerados positivos ou negativos); a escola (ao definir o
que era ensinado para os membros de cada grupo) – selecionaram as práticas
culturais que garantiram à minoria branca condições econômicas, acesso à
saúde, educação e habitação de melhor qualidade em comparação com o que
os negros tinham acesso. !
Entretanto, é um engano supor que o controle exercido pelo governo por
meio de punições produz submissão passiva. Tais contingências podem gerar
comportamentos de reação por parte dos grupos controlados, ou seja, contra-
controle, conforme destacado por Skinner (1953/1981):!
!
O governo e o governado compõem um sistema social (…). O governo manipu-
la as variáveis que alteram o comportamento do governado e se define em
termos de seu poder de assim fazer. A mudança no comportamento do gover-
nado provem de volta um reforço ao governo, explicando a continuação de sua
função (…) O controle excessivo gera também comportamento da parte do
controlado sob a forma de fuga, revolta, ou resistência passiva (pp. 329-330). !
!
! Os fatos históricos, previamente descritos, mostram que o apartheid re-
sultou em reações de revolta por parte dos negros, uma evidência de contra-
controle, as quais desencadearam repressões constantes do governo e, con-

117
sequentemente, novas manifestações e protestos. Líderes do movimento do
apartheid foram presos, dentre estes Nelson Mandela. Reações de contracon-
trole são frequentemente observadas em contextos sociais onde predominam
contingências aversivas (Sidman, 1989/1995), as quais serão abordadas na
seção seguinte deste capítulo. !

Análise de Contingências: A Estratégia Utilizada por Mandela!


! A descrição do contexto histórico, caracterizado pela exposição prolon-
gada dos negros às contingências aversivas acima descritas, estabelece o re-
ferencial para analisar algumas cenas do filme que mostram como era, inicial-
mente, a interação entre brancos e negros em pequenos grupos e a estratégia
utilizada por Mandela para lidar com tais situações. Contingências aversivas
envolvem punição e reforçamento negativo ou coerção, conforme Sidman
(1989/1995). Diversas cenas do filme ilustram o princípio do reforçamento ne-
gativo, de acordo com o qual se verifica a ocorrência de comportamentos que
resultam na remoção ou adiamento na apresentação de estímulos aversivos31. !
No primeiro dia como presidente, Mandela percorre o corredor em dire-

31 Estímulo aversivo: é um evento ou mudança no ambiente que (1) reduz a probabilidade do com-
portamento que o produz como consequência; ou (2) aumenta a probabilidade do comportamento
que o elimina, adia ou evita a sua apresentação. O comportamento que elimina o estímulo aversivo é
denominado fuga; o comportamento que adia ou evita o estímulo aversivo é chamado de esquiva. A
situação (1) caracteriza a punição, enquanto a situação (2) descreve o reforçamento negativo (Cata-
nia, 1998/1999; Skinner, 1953/1981).

118
ção ao seu gabinete, cumprimenta com gentileza os funcionários, enquanto al-
guns deles caminham apressadamente segurando caixas com pertences pes-
soais. A história de conflitos entre brancos e negros durante o período do
apartheid, previamente descrita, o término desse regime de segregação racial,
e a posse de um presidente negro estabelecem o contexto para comportamen-
tos de se afastar, de evitar o contato social com os representantes do novo go-
verno, pois estes impedem o contato com possíveis estímulos aversivos. Os
comportamentos de “prevenção” adotados pelos funcionários – arrumar os ma-
teriais e se preparar para ir embora – evitam humilhações futuras ou uma pos-
sível demissão e, portanto, poderiam ser considerados comportamentos de es-
quiva (reforçamento negativo). !
Ao presenciar tais comportamentos dos funcionários, Mandela convoca
uma reunião e apresenta a eles duas opções: abandonar o trabalho ou perma-
necer e ajudar a construir uma “nação arco-íris” (sem diferenças entre brancos
e negros). Mandela ressalta que o conhecimento dos funcionários será muito
importante e que aqueles que ficarem devem realizar o seu trabalho da melhor
forma possível, para ajudá-lo a governar. Tal estratégia evidencia que os com-
portamentos dos funcionários foram valorizados, ou seja, os desempenhos com
competência foram reforçados positivamente, e são apresentadas duas alter-
nativas de escolha, uma que envolve perda de reforçadores (e.g., salário, re-
conhecimento social) e, outra, a apresentação de tais reforçadores positivos. !
! Entre os membros da equipe de seguranças de Mandela, observam-se
inicialmente comportamentos hostis dos negros em relação aos brancos que
integravam a equipe da guarda pessoal do ex-presidente. Quando os quatro
guarda-costas do ex-presidente se apresentam e informam que foram convo-
cados, pelo presidente Nelson Mandela, para compor a nova equipe de segu-
rança, Jason Tshabalala (representado por Tony Kgoroge), o chefe da equipe,
fica irritado. A presença de pessoas que trabalhavam para a polícia, ou como
segurança, foram anteriormente associadas a agressões físicas e verbais (US
– estímulos incondicionados) que eliciavam respostas de ansiedade e irritação
(UR – respostas incondicionadas). Em decorrência de tais associações, deno-
minadas de condicionamento respondente, respostas de ansiedade e raiva
passaram a ser eliciadas pela presença dos seguranças brancos do antigo go-
verno (CS – estímulos condicionados), tornando-se, portanto, respostas condi-
cionadas (CR). Adicionalmente, a irritação (CR) eliciada pela presença dos se-
guranças brancos (CS) desempenha, também, função de estímulo discriminati-
vo para respostas que poderiam impedir ou evitar o contato com tais estímulos,
o que é exemplificado pelo comportamento de Jason de questionar o presiden-
te Mandela sobre a composição da equipe de segurança (Figura 1). Como
Mandela mantém a sua decisão e pede para que ele se esforce para conviver
de forma harmoniosa com todos os seguranças, Jason interrompe a argumen-

119
tação e concorda em mudar a sua forma de agir. Tais comportamentos evitam a
desaprovação do presidente (reforçamento negativo). !

Figura 1. Representação esquemática de relações funcionais observadas no filme (as


siglas correspondem a CS: estímulo condicionado; US: estímulo incondicionado; CR:
resposta condicionada; UR: resposta incondicionada; SD: estímulo discriminativo; R:
resposta; e Csq à consequência). !
!

120
Na cena previamente descrita, novamente Mandela evita o uso de con-
trole aversivo. Ao conversar com Jason, ressalta a qualificação e a competên-
cia dos seguranças do ex-presidente; argumenta que o presidente se apresen-
ta em público na companhia dos guarda-costas e que a “nação arco-íris” deve
começar pela composição da sua equipe; destaca também a importância da
“reconciliação” e do “perdão”; e pede, gentilmente, que Jason acate o seu pe-
dido. Nesta cena, podemos destacar também a importância que Mandela atri-
bui ao comportamento que deve ser utilizado como exemplo, ou da aprendiza-
gem a partir do comportamento do modelo. Ao usar o time do Springboks e a
Copa do Mundo de Rúgbi, até então símbolos da segregação racial e da mino-
ria branca, como uma oportunidade para diminuir a segregação, Mandela o faz
também acreditando na força do modelo como meio de mudança e na possibi-
lidade de que tais mudanças se generalizem para outros contextos (quando é
informado de que um bilhão de pessoas no mundo acompanharão a Copa do
Mundo, afirma que “esta é uma grande oportunidade”). Em uma das cenas do
filme, os jogadores do Springboks são informados de que deveriam visitar cri-
anças negras em regiões desfavorecidas do país. As imagens desta visita são
transmitidas por um telejornal e, ao assisti-las, Mandela comenta que “estas
imagens valem mais do que mil discursos”. !
Em situações naturais de interação social, o comportamento do líder de
um grupo pode funcionar como modelo que os outros seguem e copiam. Em
tais situações, a probabilidade de modificar o comportamento dos membros do
grupo é alta, uma vez que o líder (modelo) controla a liberação de reforçado-
res, estabelece o que pode ou não ser feito e o seu próprio comportamento é
mantido por consequências reforçadoras, as quais também poderão ser apre-
sentadas quando comportamentos similares aos do modelo ocorrerem (Baum,
1994/1999; Catania, 1998/1999; Mazur, 2002). Em diferentes cenas do filme,
Mandela apresenta comportamentos de respeito ao próximo e que favorecem a
interação social, tais como sorrir com freqüência, cumprimentar as pessoas
(e.g., aperta a mão, coloca a mão no ombro) e verbalizações que demonstram
preocupação e consideração em relação aos outros (e.g., pergunta como vão a
pessoa e sua família), sem considerar a sua função profissional, etnia ou nível
social. Merecem destaque três cenas. Na primeira, após a solenidade de aber-
tura de um jogo de rúgbi, Mandela se afasta dos seguranças, caminha entre o
público até localizar e, posteriormente, cumprimentar um torcedor com a nova
bandeira da África do Sul. Em outra cena, durante a visita do capitão do time
de rúgbi, Mandela pergunta como vai o tornozelo do jogador, sugere que ele se
sente em um local onde a luz não incomode os seus olhos (o capitão é branco
e tem olhos claros), pergunta como ele prefere o chá e pessoalmente lhe serve,
e menciona que o chá “foi uma das boas contribuições, herança dos ingleses”.
Em uma terceira cena, um dos seguranças brancos de Mandela, ao ser questi-

121
onado a respeito de como é o presidente, responde que, quando trabalhou
para o ex-presidente, seu trabalho era ser invisível e que, para Mandela, nin-
guém é invisível – “o presidente atual descobriu que eu gostava de toffee inglês
(um tipo de bala de caramelo) e trouxe para mim de sua visita à Inglaterra”.
Nestas situações sociais e em outras similares, tais comportamentos de Man-
dela são reforçados pelo comportamento das outras pessoas que retribuem o
sorriso ou o cumprimento, e respondem com gentileza às suas perguntas. As-
sim, os exemplos mostram que as análises feitas por Mandela destacam os
aspectos funcionais do comportamento e, por outro lado, ao se comportar de
maneira coerente com tal análise, apresenta o modelo do comportamento ade-
quado, mostra a resposta “adequada” e como ela deve ser executada, ou seja,
a sua estrutura ou topografia. Adicionalmente, a presença de Mandela e o que
ele representa (o governo sob o controle da população negra) estão correlacio-
nados com contingências reforçadoras. !

Ao longo do filme, são ilustradas interações entre os seguranças que se


caracterizam por trabalho em equipe, pois a qualidade do resultado obtido (a
segurança do Presidente) depende do desempenho de cada um, e pela dimi-
nuição de comportamentos hostis e aumento da ocorrência de comportamen-
tos pró-sociais tais como sorrir, cumprimentar e falar de assuntos de interesse
comum. À medida que os seguranças negros começam a apresentar compor-
tamentos pró-sociais similares aos do Presidente Mandela, tais comportamen-
tos são reforçados pelos seguranças brancos em situações naturais de intera-
ção social. A Copa do Mundo funciona como ocasião para comportamentos de

122
aproximação entre os seguranças e o rúgbi passa a ser tema comum das con-
versas. O contexto da competição e a campanha do governo de apoio ao time
da África do Sul aumentam o valor reforçador de diversos aspectos relaciona-
dos ao rúgbi (e.g., informações sobre as regras e os jogos disputados) e au-
menta a ocorrência de comportamentos que resultam no acesso a tais con-
sequências. As pessoas que conhecem as regras do jogo compreendem os
comentários esportivos, os movimentos de uma jogada e participam de conver-
sas com outras pessoas enquanto assistem aos jogos ou, dito de outra forma,
discriminam se os comentários são coerentes ou não de acordo com o que de
fato ocorreu, se o árbitro marcou uma falta corretamente e qual a pontuação
atribuída para cada tipo de jogada. Assim, ao longo do filme, observa-se que os
comportamentos que resultam em informações sobre tal esporte passaram a
ocorrer com mais freqüência assim como os comportamentos de assistir e tor-
cer, os quais produzem reforçadores naturais, bem estar, diversão. Esta mu-
dança na interação entre os seguranças é ilustrada na cena em que, após al-
gumas explicações sobre o jogo, todos os seguranças jogam rúgbi no jardim de
maneira cooperativa, sorriem e conversam de maneira descontraída, ou seja, a
prática do esporte produz reforçadores inerentes à atividade.!
Outra cena que ilustra o efeito da exposição a contingências aversivas é
a que mostra duas senhoras, uma negra e uma branca, durante a doação de
roupas para crianças de uma comunidade pobre. Um garoto negro rejeita a
camisa do time de rúgbi da África do Sul (Springboks) e sai correndo. Quando
a senhora branca pergunta por que o garoto não aceitou a camisa, a senhora
negra explica que “se o garoto usá-la, ele irá apanhar dos outros”, pois a cami-
sa do Springboks representa o apartheid. A população negra demonstrava hos-
tilidade por tudo relacionado ao Springboks (e.g., uniforme, bandeira, hino) e,
nas competições, torcia sempre para o adversário, como pode ser visto no pri-
meiro jogo apresentado no filme entre o Springboks e um time da Inglaterra.
Este exemplo demonstra, como anteriormente descrito, que diferentes variáveis
controlam o comportamento. Mesmo sob condição de privação de agasalhos,
proteção contra baixa temperatura, o garoto apresentou expressão facial de
insatisfação na presença da camisa do Springboks e rejeitou a doação. Assim,
as respostas emocionais funcionaram como estímulos antecedentes para o
comportamento de fuga, acenar negativamente com a cabeça e correr para
longe, afastar-se do estímulo aversivo (camisa do Springboks). !
Como analisado anteriormente, a presença dos brancos eliciava respon-
dentes (e.g., ansiedade, raiva), pois foi associada a agressões físicas e verbais
durante o período do apartheid. Como o rúgbi era uma atividade esportiva pra-
ticada por brancos, os uniformes, a bandeira e o hino em competições foram
também emparelhados arbitrariamente com a presença dos brancos, que,
como já dito, por condicionamento respondente, eliciava respostas emocionais.

123
Tal ampliação da classe de estímulos que elicia respondentes ou que resulta
em comportamentos de fuga e esquiva poderia ser explicada por relações arbi-
trárias entre estímulos (ver, por exemplo, o conceito de equivalência de estímu-
los, em Albuquerque & Melo, 2005; Sidman, 1994; Sidman & Tailby, 1982). !

A hostilidade em relação ao time do Springboks aparece de forma mais


marcante durante uma reunião do NSC (National Sports Concil). Esta reunião
tinha como pauta a votação da mudança das cores e emblema do Springboks,
bem como a mudança do nome do time. Os comportamentos dos líderes do
NSC podem ser considerados exemplos de contracontrole (ou contrarreação)
decorrentes da exposição prévia a contingências aversivas, exposição esta se-
guida por mudança nas contingências quando o grupo, anteriormente controla-
do, passa a exercer cargos públicos, com poder de decisão. Comportamentos
semelhantes de contracontrole e repetição de ciclos de coerção e contracontro-
le são destacados por Sidman (1989/1995): !
!
Coerção severa, então, gera contrarreação quase automática. Mas isto
não termina aí. Retaliação bem-sucedida provê reforçamento rápido e po-
deroso. Aqueles que estavam por baixo tornam-se os poderosos, aqueles
que eram os temidos opressores agora buscam seu favor. É fácil ver como
a agressão poderia tornar-se um novo modo de vida para os inicialmente
subservientes. O próprio sucesso da contra-agressão pode colocar em
movimento uma estrutura autoperpetuadora de um modo de vida agressi-
vo. Aqueles que anteriormente nada tinham agora tudo têm. A agressão
que levou às novas vantagens pode agora ser usada para ajudar a mantê-
las. A todo momento vemos revolucionários transformarem-se em cópias
carbono dos regimes que derrubaram; o ciclo de coerção e represália repe-
te-se incessantemente (Sidman, 1989/1995, p. 223).!

124
! !
! Na continuidade desta parte do filme, ao ser informado sobre o tema
discutido, Mandela interrompe suas atividades no gabinete e decide compare-
cer à reunião do NSC. Na reunião, faz um pronunciamento contra a mudança
dos símbolos do time de rúgbi e considera que é importante não tirar dos bran-
cos aquilo que eles valorizam. Argumenta que, nos 27 anos em que esteve
preso, estudou os brancos, conheceu seus costumes, língua, livros e poesias.
Tais informações foram importantes para que pudesse aprender como interagir
com eles de maneira pacífica e com respeito. Podemos considerar que a forma
como Mandela analisa esta situação de conflito, assim como várias outras co-
mentadas neste capítulo, apresenta características de uma análise das contin-
gências em vigor. Suas intervenções demonstram uma análise funcional dos
vários aspectos envolvidos com a previsão das consequências de optar por
uma ou outra alternativa de escolha: (i) agir como os brancos durante o
apartheid, ou seja, perpetuar o uso de contingências aversivas, ou (ii) tentar
identificar variáveis que poderiam fazê-los contribuir para a reconstrução do
país, ou seja, utilizar contingências que priorizem o reforçamento positivo de
comportamentos relevantes para a convivência social. Se, no contexto caracte-
rizado no filme (término do apartheid e negros no controle do governo – situa-
ção antecedente), o governo priorizasse a vingança, a partir de confisco de
bens, restrição de acesso aos serviços públicos, desqualificação e proibição de
tudo que os brancos valorizavam (respostas), possivelmente ocorreriam mais
hostilidades e conflitos entre os grupos (consequências). Na verdade, é isto
que a minoria branca esperava que acontecesse quando os negros assumiram
o poder, o que é ilustrado em uma cena em que um pai de família verbaliza que
tem medo de que o novo governo (do Presidente Mandela) tire o emprego de-
les e tudo que possuem. Diferente do esperado, Mandela argumenta que a po-
pulação negra deve surpreender os brancos com “compaixão, moderação e
generosidade. Não é hora de vingança (....). Brancos não são inimigos, são
companheiros sul-africanos, são parceiros na democracia”. Esta análise mostra
que, no mesmo contexto, um comportamento alternativo, restabelecer o rúgbi e
aceitar seus símbolos, poderia ser um passo para favorecer a aceitação do
novo governo. Assim, a minoria branca, que no governo de Mandela ainda
mantinha o controle da polícia, do exército e da economia, poderia trabalhar
em conjunto para a reconstrução do país, sem segregação racial.!
As análises previamente apresentadas de diversas cenas do filme suge-
rem que as estratégias utilizadas por Mandela apresentam características das
intervenções feitas no contexto de ensino. De acordo com Skinner (1968/1972),
ensinar é “arranjar contingências de reforço” (p. 4). Arranjar contingências refe-
re-se a planejar o ensino, ou seja, definir as condições diante das quais o com-
portamento deverá ocorrer e as consequências ou mudanças no ambiente que

125
deverão seguir o comportamento. Os exemplos analisados mostram a relevân-
cia da análise funcional para a identificação do efeito de contingências aversi-
vas e das diferentes variáveis que afetam o comportamento social, e, princi-
palmente, para o planejamento de contingências que favoreçam as interações
entre membros de diferentes grupos sociais e etnias (para análise semelhante,
ver de-Farias & Lima-Parolin, 2007). !

As Contingências Envolvidas nas “Fontes de Inspiração”!


! A questão da causalidade do comportamento é abordada no filme a par-
tir de explicações que pressu-
põem que causas internas, tais
como “força de vontade” e “ins-
piração”, resultam em compor-
tamentos manifestos. Podemos
observar explicações de tal tipo
nas cenas que abordam a estra-
tégia utilizada por Mandela para
ajudar o capitão do time de rúgbi
a cumprir a sua difícil tarefa de
liderar o time para conquistar a
vitória, o título de campeão da
Copa do Mundo de Rúgbi de
1995.!
! Durante o encontro com o
capitão do time de rúgbi (Fran-
çois Pienaar), Mandela busca
informações sobre a sua “filoso-
fia de liderança” e lhe faz per-
guntas sobre como liderar o time
de tal forma a tirar o máximo de
cada um e fazer com que os jo-
gadores superem as próprias
expectativas. O capitão mencio-
na que faz uso do exemplo, ou
seja, demonstra o que deve ser
feito e de que maneira. Mande-
la sugere como alternativa o uso
da “inspiração” e relata que, en-
quanto esteve preso na Ilha Robben, as palavras de um poema o ajudaram a
se “manter em pé”, a não desistir, apesar de todas as dificuldades. O hino da
África do Sul negra, Nkosi Sikelele (Deus abençoe a África), também é citado

126
por Mandela como uma fonte de inspiração para que ele faça o melhor, supere
as próprias expectativas, ao governar o país. Pienaar ouve atentamente os re-
latos das experiências pessoais do Presidente e comenta que, em algumas
ocasiões, selecionou uma música com palavras de incentivo para os jogadores
ouvirem no ônibus a caminho de um jogo. !
! Na véspera do jogo de estréia do Springboks na Copa do Mundo de
Rúgbi contra o time da Austrália, Mandela vai até o centro de treinamento,
cumprimenta pelo nome e com um aperto de mão cada um dos jogadores, de-
seja boa sorte a todos, e entrega o poema previamente mencionado ao capi-
tão do time. Trata-se do poema “Invictus”, do escritor inglês William Er-
nest Henley (1849-1903):!
!
Do fundo desta noite que persiste 

A me envolver em breu - eterno e espesso,

A qualquer deus - se algum acaso existe,

Por mi’alma insubjugável agradeço.!
Nas garras do destino e seus estragos,

Sob os golpes que o acaso atira e acerta,

Nunca me lamentei - e ainda trago

Minha cabeça - embora em sangue - ereta.!
Além deste oceano de lamúria,

Somente o Horror das trevas se divisa; 

Porém o tempo, a consumir-se em fúria,

Não me amedronta, nem me martiriza. !
Por ser estreita a senda - eu não declino,

Nem por pesada a mão que o mundo espal-
ma;

Eu sou dono e senhor de meu destino;

Eu sou o comandante de minha alma.!
!
O poema é apresentado no filme durante a visita do
Springboks à prisão da Ilha Robben, em cenas em que o capi-
tão, dentro da cela onde Mandela esteve preso, imagina o Presi-
dente nesse espaço restrito e quebrando pedras juntamente com ou-
tros presos. !
As cenas previamente comentadas ilustram afirmações típicas do senso
comum e sugerem que a superação de dificuldades ou a obtenção de um re-
sultado positivo é decorrente das causas internas (e.g., “inspiração”, “vontade”,
“expectativa”), as quais seriam, no caso do filme, desencadeadas por um poe-
ma ou pela descrição verbal de como alguém foi bem sucedido em tais situa-
ções. Tais explicações são rejeitadas pela Análise do Comportamento, que se
constitui como uma proposta externalista e anti-mentalista (Skinner, 1953/1981;
1974/1982). Para Skinner (1953/1981), explicações mentalistas, que buscam

127
as causas do comportamento dentro do organismo, tendem a obscurecer as
variáveis disponíveis para uma análise científica e não conseguem explicar
aquilo a que se propõem. Uma das limitações apontadas para as explicações
mentalistas encontra-se no fato de estas serem redundantes (Baum,
1994/1999): !
!
Explicações mentalistas inferem uma entidade fictícia a partir do compor-
tamento, e então afirmam que a entidade inferida é a causa do comporta-
mento. Quando se diz que uma pessoa come verduras pelo desejo de man-
ter-se saudável ou por sua crença no vegetarianismo, essa descrição se
origina antes de tudo da observação do comportamento de comer verduras;
portanto, a razão para se dizer que há um desejo ou uma crença é a ação.
Essa ‘explicação’ é inteiramente circular: a pessoa tem o desejo por causa
de seu comportamento, e exibe o comportamento por causa do desejo
(Baum, 1994/1999, p. 52).!
!
! O uso da “inspiração” de Pienaar ou da “força de vontade” dos jogadores
do Springboks para explicar o excelente desempenho do time durante a Copa
do Mundo são claramente redundantes – a “inspiração” e “força de vontade”
que explicam o desempenho dos jogadores são inferidas a partir do próprio de-
sempenho.!
Para a Análise do Comportamento, os eventos tradicionalmente tratados
como mentais (e.g., pensar, sentir) não são tomados como causas do compor-
tamento e sim como eventos privados – ambientais e comportamentais – que,
como quaisquer outros (públicos), devem ser compreendidos a partir da análise
das interações envolvidas (Skinner, 1953/1981; Tourinho, 1997). Simonassi,
Tourinho e Silva (2001) afirmam que:!
!
Os eventos privados são definidos por Skinner como estímulos e respostas
acessíveis de modo direto apenas ao próprio indivíduo a quem dizem res-
peito (Skinner, 1945, 1953/1965, 1969, 1974). Nenhuma natureza especial
precisa ser suposta; nenhum apelo à metafísica se torna necessário para
explicá-los. Como fenômenos comportamentais, estímulos e respostas pri-
vados são dotados de natureza física e podem ser interpretados com os
mesmos conceitos com os quais se interpretam os fenômenos públicos. A
inacessibilidade à observação pública, que confere especificidade aos
eventos privados, pode ser momentânea e circunstancial (p. 134).!
!
! A partir de tais considerações, o termo “inspiração”, utilizado no filme
para se referir a uma “força interior”, não tem valor como explicação do com-
portamento e deve ser substituído por uma análise funcional de comportamen-

128
tos desempenhados32. A análise do comportamento de Pienaar revela a ocor-
rência de comportamentos públicos e privados, inseridos em contextos especí-
ficos, que produziram diferentes consequências reforçadoras, dentre elas a vi-
tória de um time desacreditado. Por exemplo, Mandela, ao convidar Pienaar
para uma conversa, na qual demonstra interesse pelo rúgbi e levanta a possibi-
lidade de um bom desempenho do Springboks na Copa do Mundo, funciona
como um contexto (estímulo discriminativo) que estabelece a ocasião para que
Pienaar “busque fazer o melhor” e sinaliza consequências sociais reforçadoras
(valorização pelo presidente, contribuição para dissipar a segregação racial na
África, resgate da credibilidade do Springboks). “Fazer o melhor”, portanto, não
é decorrente de “inspiração” (fornecida pelos estímulos discriminativos poema
ou música ), mas está sob controle de eventos ambientais externos. Adicional-
mente, após um jogo contra a Inglaterra, a menos de um ano da Copa, no
qual o Springboks foi derrotado e severamente criticado, muitas mu-
danças estratégicas ocorreram: o treinador e o manager do time fo-
ram demitidos; o novo treinador estabeleceu uma rotina de treino
e preparação física extenuantes (em uma cena do filme, o novo
treinador afirma que o Springboks pode não ser o melhor time
do mundo, mas será o de melhor preparo físico); e Mandela
passou a apoiar amplamente o time (comparecendo a trei-
nos, e valorizando os jogadores com elogios e agradecimen-
tos pelo desempenho). !
Em um momento posterior, que retrata o período de
realização da Copa do Mundo, são mostrados os jogadores
do Springboks assistindo ao jogo do All Blacks (time da Nova
Zelândia, considerado o melhor time e adversário do Spring-
boks na final) contra a Inglaterra; enquanto assistem ao jogo,
analisam as jogadas e planejam impedir que o principal jogador
da Nova Zelândia (Lomu) avance na final. No dia da final (Spring-
boks x All Blacks), 62 mil torcedores brancos e negros lotam o estádio,
cantam, acenam e um avião Jumbo 747 sobrevoa o estádio, desejando
boa sorte ao time. Mandela entra em campo vestindo o uniforme do Spring-
boks, cumprimenta cada jogador e diz para o capitão que o país está orgulhoso
(reforço social para o bom desempenho apresentado até o momento e contexto
para o comportamento de jogar a final). Durante o jogo, Pineaar pede tempo e
estabelece uma estratégia para que o seu time neutralize Lomu. O Springboks
faz um excelente jogo, ganha a final e Mandela, pessoalmente, entrega a taça
ao capitão, agradece pelo que fez ao país, enquanto brancos e negros come-
moram juntos (consequências reforçadoras). Estas análises explicitam os con-

32Análise semelhante, aplicada ao conceito de personalidade, pode ser vista na análise comporta-
mental do filme “Curtindo a vida adoidado” (Moreira, 2007).

129
troles externos (ambientais) que atuaram sobre os comportamentos de Pienaar
e demais jogadores, antes e durante a Copa do Mundo, sem recorrer a eventos
internos como causas do comportamento. !
Deve-se lembrar, contudo, que a Análise do Comportamento não rejeita
a existência/ocorrência de eventos privados, os quais podem ser tratados como
comportamentais (operantes ou respondentes) ou ambientais (estímulos dis-
criminativos, eliciadores, reforçadores ou aversivos). Em uma cena, Pienaar, ao
receber o telefonema de Mandela convidando-o para um chá e ao dirigir-se ao
palácio do governo, mostra-se tenso, inseguro e ansioso. A tensão e ansiedade
podem ser interpretadas como eventos privados; tais sentimentos, contudo,
não são responsáveis pelo pronto atendimento de Pienaar ao convite do presi-
dente, tampouco por ele “fazer o melhor”. ! !
Cabe aqui um esclarecimento adicional a respeito do papel dos eventos
privados em uma análise funcional do comportamento: eventos privados po-
dem ser comportamentos e, como tal, parte de uma contingência, ou podem
ser subprodutos de contingências de reforçamento que atuam sobre outros
comportamentos (Abreu-Rodrigues & Sanabio, 2001; Tourinho, 1997). No
exemplo citado no parágrafo anterior, o convite de Mandela a Pienaar é um es-
tímulo (eliciador) que produz alterações internas no capitão, como a ansiedade,
e estabelece a ocasião (estímulo discriminativo) para que a resposta de ir ao
encontro do presidente ocorra e seja consequenciada. A resposta de ir ao en-
contro do presidente é analisada como um operante sob controle de suas con-
sequências, enquanto a ansiedade é considerada um subproduto das contin-
gências atuantes sobre o comportamento de atender ao convite do presidente.
Já no caso de um evento privado como parte da contingência (ou seja, como
comportamento), pode-se citar o exemplo hipotético de um jogador de rúgbi
que, diante de uma configuração do jogo (e.g., posicionamento dos adversári-
os, colocação da bola – estímulos discriminativos) analisa rapidamente as pos-
sibilidades de jogada (pensa – comportamento privado) e decide por passar a
bola para um jogador específico (comportamento público), produzindo assim
um ponto para o time (reforço). Neste caso, a análise privada feita pelo jogador
é parte da contingência e não subproduto desta.!
!
Considerações Finais!
!
! A análise do filme “Invictus” aqui apresentada explorou o potencial expli-
cativo da Análise do Comportamento para lidar com fenômenos sociais. Skin-
ner (1953/1981) afirma que tais fenômenos são objetos de estudo legítimos da
Análise do Comportamento; apesar disso, o estudo do comportamento em so-
ciedades não foi foco de interesse dos analistas do comportamento por quase
meio século (Todorov & Moreira, 2004). !

130
! As interações entre indivíduos de grupos raciais diferentes, destacadas
no filme como produto do apartheid, foram analisadas a partir da identificação
de variáveis ambientais, históricas e atuais, relacionadas com os níveis de va-
riação e seleção ontogenético e cultural. Foram descritas algumas contingênci-
as típicas deste regime de segregação racial mantidas pelo governo, assim
como os efeitos sobre o comportamento dos membros dos diferentes grupos. !

! As análises de contexto realizadas por Mandela, assim como as estraté-


gias que ele utilizou para lidar com conflitos entre grupos formados por brancos
e negros (e.g., seguranças e funcionários do seu gabinete) e para transformar
o time de rúgbi, previamente associado com o apartheid, em símbolo nacional
(“um time, uma nação”) são, conforme discutido neste capítulo, demonstrações
claras de análises funcionais como recurso para o planejamento de mudanças
ambientais que resultaram na substituição de contingências aversivas por con-
tingências de reforçamento positivo. Desta forma, Mandela pode ser conside-
rado um mestre (um professor) quando consideramos a proposta de definição
de ensinar de Skinner (1968/1972), pois habilmente ensinou comportamentos a
partir da utilização de contingências de reforçamento positivo (e.g., apresenta-
ção de comportamentos modelos, uso de reforçadores sociais) e criou oportu-
nidades para que as interações entre membros de grupos de diferentes etnias
resultassem em reforçadores naturais (e.g., diversão durante um jogo de rúgbi
entre os seguranças, vitória na decisão da Copa do Mundo a partir da partici-
pação de cada jogador nas estratégias propostas pelo capitão do time). Adicio-
nalmente, ao focalizar o envolvimento de Mandela na missão de ajudar o time
do Springboks a ganhar a Copa do Mundo de Rúgbi, o filme nos permite discu-

131
tir a questão da causalidade do comportamento em termos de eventos ambi-
entais externos, físicos e sociais.!
!
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dológicos e de formação em análise do comportamento e terapia cognitivista (pp.
174-187). Santo André: ESETec.!
!
!

133
!
“MEU PAI, UMA LIÇÃO DE VIDA”: ANÁLISE DE
CONTINGÊNCIAS DURANTE A VELHICE!
!
Alessandra Rocha de Albuquerque33!
Universidade Católica de Brasília!
!
Raquel Maria de Melo!
Universidade de Brasília!

Titulo do filme: Meu Pai, uma Lição de Vida!


Título original: Dad!
Ano: 1989!
Diretor: Gary David Goldberg!
Roteiro: Gary David Goldberg, baseado em romance de
William Wharton!
Produtores: Gary David Goldberg, Joseph Stern!
Estúdio: Amblin Entertainment

! O filme “Meu pai, uma lição de vida” apresenta a história de três gera-
ções de uma família ao enfrentar as mudanças biopsicossociais que ocorrem
durante a fase de envelhecimento. John Tremont (Ted Danson) é um executivo
bem sucedido em Nova York que retorna à casa dos pais, Jake Tremont (Jack
Lemon) e Bette (Olympia Dukakis), após a internação da mãe em decorrência
de um ataque cardíaco. Bette é uma mulher racional, controladora, autoritária e
que não permite que o marido realize as atividades diárias sozinho ou tome
decisões. Durante o período de internação de Bette, John precisa permanecer
com seu pai, Jake, para acompanhá-lo e ajudá-lo. John percebe, no contato

33 E-mail: arocha@ucb.br

134
inicial com o pai, o quanto este havia mudado nos dois últimos anos (tempo em
que não se viam), tornando-se menos autônomo; decide então ensiná-lo a fa-
zer as tarefas diárias – tais como vestir-se, comer, lavar as louças – e estimula-
o a tomar decisões e voltar a dirigir. A interação constante de Jake e John, du-
rante o período de internação de Bette, foi marcada pela aproximação de am-
bos e melhora do vínculo afetivo entre eles. Neste contexto Billy, o filho de John
(Ethan Hawke) que pouco convive com ele desde que este se divorciou de sua
mãe, decide visitar os avós ao ser avisado pela tia (Annie) do que ocorrera com
Bette. Logo após Bette receber alta e retornar para casa, a família vivencia um
novo drama ao descobrir que Jake está com câncer. Ao ser informado do diag-
nóstico, Jake entra em estado de choque, tem alucinações e permanece seda-
do. John questiona o tratamento e decide levar o pai para casa. Entretanto,
Jake tem uma crise, é novamente internado e permanece em coma durante vá-
rios dias. Para cuidar do pai, John decide ficar no hospital e, na tentativa de
ajudar na sua recuperação, leva fotos para o quarto e conversa com ele com
muita frequência, até o dia em que, ao acordar, tem uma surpresa ao ver o pai
sentado na cama. Jake está lúcido, reconhece e conversa com o filho e os fun-
cionários do hospital. Ao retornar para casa, Jake começa a viver intensamente
e a se comportar como um jovem – pratica esportes (por exemplo, golfe, corri-
da, flexões), veste roupas extravagantes, o interesse sexual aumenta, e relata
para os familiares seus delírios sobre uma vida alternativa, na qual ele é um
jovem fazendeiro trabalhador, tem uma esposa compreensiva e carinhosa e
quatro filhos. Estas mudanças de comportamento incomodam Bette, que em
alguns momentos fica irritada, mas depois decide deixar o marido assumir o
controle para que eles possam juntos viver melhor e se divertir. O quadro de
saúde de Jake piora, o câncer se espalha para o sistema linfático, ele é nova-
mente internado, mas agora reage bem ao diagnóstico mantendo-se lúcido até
a morte. John e Billy, que inicialmente mantinham uma relação hostil, permane-
ceram unidos durante a etapa final da vida de Jake, se conheceram melhor e
se tornaram companheiros.!
!
Análise Teórica!
!
! O presente capítulo tem por objetivo analisar o filme “Meu pai, uma lição
de vida” de uma perspectiva analítico-comportamental, enfocando princípios
básicos do comportamento (reforçamento, punição, etc.) de modo a ilustrar,
para estudantes que estão iniciando seu contato com esta perspectiva, tais
princípios. Será explorado o comportamento de Jake, com especial atenção às
interações entre as díades Jake-Bette e Jake-John, bem como será abordada a
velhice, como um estágio do desenvolvimento humano, sob a perspectiva teó-
rica em questão.!

135
! A Análise do Comportamento é uma abordagem psicológica que tem
como objeto de estudo as interações organismo-ambiente; ambiente, neste
caso, definido de forma ampla e englobando o mundo físico, social, biológico e
histórico (Matos, 1997; Skinner, 1953/1981; Todorov, 2007). Neste processo de
interação, os organismos apresentam comportamentos variados, os quais mo-
dificam o ambiente e são por ele modificados em um processo contínuo a partir
do qual comportamentos são selecionados. Ao longo da vida ocorrem mudan-
ças na estrutura biológica e no funcionamento do organismo (por exemplo, mo-
tor, sistemas sensoriais, produção de hormônios) que possibilitam interações
diferenciadas com objetos, pessoas e eventos, as quais podem variar de acor-
do com a cultura na qual o indivíduo está inserido. Desta forma, os comporta-
mentos que caracterizam cada indivíduo em um determinado momento de sua
vida são decorrentes de sua história pessoal de interação contínua e variada
com o ambiente (Bijou & Baer, 1978/1980).!
! O instrumento de estudo destas interações organismo-ambiente é a con-
tingência, definida como uma formulação que especifica uma relação de de-
pendência entre eventos ambientais ou entre eventos ambientais e comporta-
mentais (Todorov, 1985, 2007). A menor unidade de análise de interações or-
ganismo-ambiente é a contingência de dois termos, a qual descreve a relação
entre eventos ambientais eliciadores (que produzem respostas) e a resposta
produzida por tais eventos. A contingência de três termos é considerada pela
Análise do Comportamento como a unidade fundamental de estudo das intera-
ções de interesse e especifica a interação entre: (1) o contexto que estabelece
a ocasião para que uma dada resposta seja afetada por determinada con-
seqüência (estímulo antecedente), (2) a resposta (ou classe de respostas) e (3)
as conseqüências seletivas que a seguem (Skinner, 1974/1982; Todorov,
1985). ! !
Ao processo de identificação e descrição dessas relações de dependên-
cia entre eventos comportamentais e ambientais dá-se o nome de análise de
contingências (Meyer e cols., 2010; Sidman, 1989/1995) ou análise funcional
(Meyer, 1997). Moreira e Medeiros (2007) afirmam que analisar funcionalmente
o comportamento consiste, basicamente, em encaixá-lo em um paradigma ope-
rante ou respondente e identificar seus determinantes. A seguir será feita uma
breve definição de alguns dos princípios básicos de condicionamento respon-
dente e operante para, na sequência, apresentar a concepção analítico-com-
portamental de desenvolvimento humano e analisar funcionalmente os compor-
tamentos de algumas das personagens do filme.!

Breve Definição dos Princípios Básicos do Comportamento!


! Skinner (1981) concebe o comportamento como multideterminado e re-
sultante de três níveis de variação e seleção – filogenético (o qual envolve as

136
características definidoras da espécie); ontogenético (relativo à história de
aprendizagem do indivíduo) e cultural (o qual engloba práticas culturais trans-
mitidas de geração em geração) – classificando-os em duas categorias funcio-
nalmente definidas: respondentes e operantes. !
! Os comportamentos respondentes são aqueles eliciados por estímulos
antecedentes, podem ser incondicionados (selecionados filogeneticamente) –
por exemplo, a contração pupilar diante de exposição a um estímulo luminoso
ou assustar-se diante de um som alto – ou aprendidos (condicionados) – por
exemplo, arrepio ao ouvir o nome de uma pessoa. O princípio fundamental de
aprendizagem respondente é o condicionamento clássico ou Pavloviano
(Baldwin & Baldwin; 1986; Catania, 1998/1999; Millenson, 1967; Skinner
1953/1981) que envolve a apresentação de um estímulo neutro (definido como
aquele que não elicia uma dada resposta) emparelhado a um estímulo eliciador
incondicionado, de modo que o estímulo originalmente neutro passe a eliciar
uma dada resposta. A compreensão do comportamento e condicionamento
respondente se insere em uma contingência de dois termos, onde um estímulo
elicia uma resposta.!
! Os comportamentos operantes, por sua vez, são emitidos (e não elicia-
dos), modificam o ambiente (produzem consequências) e são retroativamente
modificados por ele (Catania, 1998/1999; Moreira & Medeiros, 2007; Skinner,
1974/1982). A análise do comportamento operante se insere no modelo de con-
tingência tríplice (estímulo antecedente – resposta – estímulo conseqüente)
sendo que os estímulos antecedentes apenas estabelecem o contexto de
emissão de operantes (não têm função eliciadora de operantes) e os conse-
quentes atuam seletivamente sobre tais comportamentos.!
! O comportamento operante pode ser descrito por dois tipos de relação
entre o comportamento dos organismos e suas consequências: o reforçamento,
que torna a ocorrência de um comportamento mais provável, e a punição, que
a torna menos provável (Catania, 1998/1999; Tomanari, 2004). O reforçamento
pode tornar uma dada resposta mais provável por esta produzir a apresentação
de reforçadores positivos – reforçamento positivo (por exemplo, quando John
conversa francamente com seu filho Billy, expressa seus sentimentos e Billy
responde às suas perguntas com sinceridade, sem ironia) – ou a remoção/evi-
tação de estímulos aversivos – reforçamento negativo (por exemplo, no início
do filme, Jake frequentemente fazia o que Bette determinava, evitando assim,
confrontos com a esposa). Os operantes mantidos por reforçamento negativo
são classificados como fuga e esquiva, sendo que o primeiro, quando emitido,
produz a interrupção de um estímulo aversivo presente e o segundo previne/
evita um estímulo aversivo (Catania, 1998/1999; Moreira & Medeiros, 2007). !
! A punição pode diminuir a probabilidade de ocorrência de uma dada
resposta pela apresentação de um estímulo aversivo, contingente à emissão

137
da mesma – punição positiva (por exemplo, as críticas de Bette aos comporta-
mentos autônomos de Jake produziram como efeito a diminuição da frequência
de tais comportamentos) – ou pela remoção de reforçadores positivos – puni-
ção negativa (por exemplo, se Bette e Jake se atrasassem, ao chegarem ao
mercado não encontrariam os produtos em promoção naquele dia). Operantes
podem também ser enfraquecidos se a condição original de reforçamento for
interrompida, ou seja, a resposta deixar de ser seguida do reforçador que a
mantém; a este princípio denomina-se extinção operante (Catania, 1998/1999;
Moreira & Medeiros, 2007).!
As definições acima destacam a relação da resposta com suas con-
seqüências, todavia, como já citado, os estímulos antecedentes (a partir da cor-
relação com os consequentes da resposta) estabelecem a ocasião para que
uma dada resposta seja afetada por determinada consequência e devem ser
considerados em uma análise operante; tais estímulos são denominados dis-
criminativos (por exemplo, escova com pasta de dente sobre a bancada do ba-
nheiro estabelece a ocasião para Jake escovar os dentes). Quando diferentes
estímulos discriminativos exercem controle sobre uma mesma classe de res-
postas denomina-se o processo de generalização. Contrariamente, quando es-
tímulos diferentes controlam classes diferentes de resposta, denomina-se dis-
criminação (Baum, 1994/1999; Catania, 1998/1999, Moreira & Medeiros, 2007).
Estímulos discriminativos podem ser verbais e descritores de contingências,
neste caso são denominados regras e o operante sob seu controle de compor-
tamento controlado por regras (Baum, 1994/1999; Catania, 1998/1999). Quan-
do Jake executa em sequência os comportamentos especificados por John em
cartões para a realização de tarefas domésticas, tais como lavar louças ou ar-
rumar a casa, podemos dizer que o comportamento de Jake está sob o contro-
le de regras, as instruções escritas do que deve ser feito para realizar cada ta-
refa. !
Os comportamentos respondentes e operantes, bem como os eventos a
eles relacionados (estímulos antecedentes e consequentes) podem ser classifi-
cados como públicos ou privados. Segundo Tourinho (1997): !
!
(…) privado é aquilo que só está acessível de forma direta ao indivíduo no inte-
rior de quem ele ocorre. É apenas nesse sentido que há uma diferença entre
público e privado. O privado é tão físico quanto o evento público e pode ser
igualmente interpretado com os conceitos de uma ciência do comportamento,
isto é, pode ser interpretado em termos de estímulos e respostas cuja única
especificidade reside em seu caráter de inacessibilidade à observação pública
direta (p. 177).!
! !
! De acordo com essa classificação, as diversas interações entre Jake e
John e entre Jake e a esposa (Bette) ilustram comportamentos públicos e os

138
delírios de Jake, ou seja, a imaginação de uma vida alternativa na qual ele é
um jovem fazendeiro com uma esposa mais jovem e quatro filhos, exemplifi-
cam comportamentos privados.!
Muitos dos princípios básicos do comportamento são ilustrados com
bastante clareza nas interações entre os membros da família Tremont. As aná-
lises que se seguem, contudo, privilegiarão os comportamentos de Jake.!

Velhice: A Abordagem Analítico-Comportamental do Desenvolvi-


mento Humano!
! A análise do comportamento
de Jake, personagem principal da
história, cujo repertório comporta-
mental é diferenciado na primeira e
segunda metade do filme, evidencia
a natureza interacional, multideter-
minada e adaptativa do comporta-
mento. Nas cenas iniciais do filme
tem-se Jake como uma pessoa de
idade avançada, apático, dependen-
te da esposa na execução de tarefas
rotineiras (por exemplo, vestir-se,
comer, dirigir) e lento na execução
de tarefas que realizava com auto-
nomia (por exemplo, escovar os den-
tes, cuidar das plantas na estufa).
Este padrão comportamental inicial
de Jake é comum em boa parte das
pessoas idosas em nossa sociedade
e ilustra algumas das características
da velhice como um estágio de de-
senvolvimento. !
! A psicologia do desenvolvi-
mento é comumente definida como
um campo de estudo que se ocupa
das mudanças progressivas que
ocorrem com as pessoas ao longo
da vida – no tamanho, fisiologia,
comportamentos, etc. (Papalia, Olds & Feldman, 2009) e, segundo Novak e Pe-
láez (2004), busca respostas para duas questões fundamentais: “o que se de-
senvolve?” e “como se desenvolve?”. Tradicionalmente este campo de estudo
responde à primeira questão, propondo a existência de estágios de desenvol-

139
vimento sequenciais previsíveis, biologicamente determinados, descrevendo o
desenvolvimento. A segunda questão pressupõe a investigação de processos e
explica o desenvolvimento (Novak & Peláez, 2004; Rosalez-Ruiz & Baer, 1997). !
! A Análise do Comportamento se interessa pelas propriedades funcionais
e não topográficas dos eventos comportamentais e ambientais (Catania,
1998/1999). “Na mesma linha, a evolução do comportamento é abordada não
como uma sucessão de topografias comportamentais, mas a partir da emer-
gência das relações organismo-ambiente, como resultado de processos seleti-
vos” (Tourinho & Neno, 2006, p. 94), ou seja, de uma perspectiva analítico-
comportamental, desenvolvimento é compreendido como mudanças progressi-
vas nas interações dos organismos com o ambiente ao longo do curso de vida
(Bijou & Baer, 1980). Estas mudanças, contudo, não seguem uma direção pré-
determinada, !
!
(…) não há etapas sucessivas a serem cumpridas na evolução do comporta-
mento individual, nem elas dependem necessariamente da passagem de um
período determinado de tempo. Ainda que a filogênese tenha nos preparado
para certas aprendizagens, tornando-nos sensíveis a certos estímulos particu-
lares e aptos a emitir certas respostas, contingências de reforço definirão o
curso e a direção da aprendizagem (Tourinho & Neno, 2006, p. 97).!
!
! Deste modo, a concepção de desenvolvimento da Análise do Compor-
tamento considera os três níveis de variação e seleção citados anteriormente
(Skinner, 1953/1981, 1974/1982; Vasconcelos, Naves & Ávila, 2010): filogenéti-
co (relacionados à história da espécie), ontogenético (relacionados à história
do indivíduo) e cultural (relacionados às práticas culturais). Ao considerá-los, dá
importância às variáveis biológicas e genéticas (Carvalho-Neto & Tourinho,
1999), mas enfatiza os processos de aprendizagem (interações) aos quais indi-
víduos, biologicamente constituídos, são expostos ao longo de sua vida. Além
disso, tais indivíduos estão inseridos em contextos culturais e serão também
produto de uma cultura. !
! O termo senescência é utilizado para definir mudanças biológicas, rela-
cionadas ao avanço da idade, que aumentam a suscetibilidade à morte (Silva,
2006). Dentre as mudanças de natureza biológica, típicas da velhice, podem
ser citadas algumas endógenas – desaceleração da reprodução celular, dege-
neração dos órgãos, diminuição da acuidade visual – e outras físicas, publica-
mente observáveis – rugas, cabelos brancos, lentidão locomotora. Tais mudan-
ças exemplificam o processo de seleção filogenética uma vez que são parte do
processo natural de envelhecimento e comum aos seres vivos de diferentes
espécies. No caso em análise, as características de Jake exploradas no início
do filme (por exemplo, apatia, lentidão) exemplificam o processo de seleção
filogenética e ilustram a vulnerabilidade do organismo, típica da senescência,

140
haja vista a sucessão de problemas de saúde apresentados por Jake que coin-
cidem com a chegada de John à sua casa. Organismos e pessoas, contudo,
não se desenvolvem independentemente e as mudanças biológicas estão em
constante interação com as contingências ambientais (Skinner, 1983). Por
exemplo, na velhice, na medida em que os “os músculos se tornam mais lentos
e fracos, menos coisas podem ser feitas com sucesso” (Skinner, 1983, p. 239).
! A análise do nível cultural de seleção é fundamental para a compreen-
são do processo de desenvolvimento e da velhice como parte deste. Tal nível
de seleção é representado pelas práticas culturais, as quais “são definidas em
termos de comportamentos que são replicados por indivíduos, intra e intergera-
ções, em um sistema sociocultural” (Vasconcelos e cols., 2010, p. 139). Pes-
quisas que investigam concepções e representações sociais sobre o idoso/ve-
lhice (por exemplo, Paulino, 2007; Santos, 2002; Silva, 2006; Veloz, Nascimen-
to-Scholze & Camargo, 1999) dão luz às práticas culturais dominantes na soci-
edade ocidental e, de modo geral, indicam conceitos predominantemente nega-
tivos relacionados à velhice, tais como: relaciona-se a doença, dependêcia e
morte; envolve perda da capacidade de trabalho, de laços familiares (abando-
no) e de atrativos físicos. No caso específico de Jake observa-se que ele, aos
poucos, vai deixando de desempenhar diferentes atividades, como se não ti-
vesse mais condições de fazê-las (por exemplo, divertir-se, dirigir), seja por im-
possiblilidade física ou por inadequação pela idade. Em outro momento do fil-
me, quando conversa com Bette na estufa, após o jantar japonês, Jake diz que
Bette e as demais pessoas olham para ele e veem um velho, mas que não é
assim que se sente. Essa afirmação de Jake sugere uma expectativa das pes-
soas, em especial Bette, em relação a ele, em função da sua idade e aparên-
cia. No início do filme Jake demonstrava concordar e se comportar de acordo
com tais expectativas, todavia, após a experiência de autonomia vivida com o
filho, Jake demonstra sentir-se novamente capaz e passa a comportar-se de
forma diferente, frustrando Bette que, num primeiro momento apresenta dificul-
dades para lidar com o novo Jake. !
! A importância da seleção no nível ontogenético para o processo de de-
senvolvimento fica elucidada quando são analisadas as mudanças comporta-
mentais apresentadas por Jake ao longo do filme. Adicionalmente, a constata-
ção destas mudanças exemplifica a noção de que a filogênese prepara os or-
ganismos para determinadas aprendizagens, todavia é a interação com o meio
que define o curso da mesma (Carvalho-Neto & Tourinho, 1999; Tourinho &
Neno, 2006). Toda a análise que se segue explora fundamentalmente os pro-
cessos de seleção ontogenética, apesar de se entender que estes três níveis
são inseparáveis e simultaneamente necessários para a compreensão do
comportamento em toda a complexidade que o caracteriza. !
!
141
Análise Funcional dos Comportamentos de Jake. A internação de Bette e a
presença de John na casa dos pais marcam o processo de mudança de Jake
que volta a fazer coisas que havia deixado de fazer (por exemplo, lavar a lou-
ça, sair de casa, ir ao bingo, dirigir), demonstra maior autonomia (preparar o
café da manhã para o filho) e passa a fazer coisas que nunca havia feito (por
exemplo, vestir roupas extravagantes, buscar aproximação dos vizinhos, jogar
golfe). A forma como Bette e John interagiam com Jake eram claramente distin-
tas e favoreceram a apresentação e manutenção de padrões comportamentais
diferentes neste.!
! Os Quadros 1 e 2, que se seguem, apresentam, de forma esquemática,
comportamentos de Jake inseridos em uma relação contingencial tríplice bem
como o princípio básico presente na interação analisada, com foco nas intera-
ções com Bette (Quadro 1) ou John (Quadro 2). Na primeira coluna de cada
figura são apresentados os estímulos antecedentes (discriminativos ou elicia-
dores), na segunda as respostas apresentadas por Jake (emitidas ou
eliciadas), na terceira as conseqüências seletivas que seguiram determinada
resposta (reforçadoras ou aversivas) e, finalmente, na quarta coluna, o nome
do princípio em vigor. !
!
Estímulos Respostas Estímulos Princípios
Antecedentes de Jake Consequentes
1 Bette separa e organiza a Levanta da cama e veste- Fica pronto para sair Reforçamento
roupa de Jake sobre sua se Positivo
cama e fala:
“Vista-se, quero estar lá
!
(Comportamento Evita repreensões da Reforçamento
quando eles abrirem” controlado por regra) esposa Negativo

2 Objetos de higiene pessoal Realiza a higiene matinal Fica pronto para sair Reforçamento
sobre a bancada do (escova os dentes, Positivo
banheiro, separados e penteia os cabelos, lava o
organizados previamente rosto)
por Bette. Escova de dentes Evita repreensões da Reforçamento
com pasta. esposa Negativo

3 Na mesa do café da manhã, Alimenta-se Fica alimentado e Reforçamento


comida e bebida pronto para sair Positivo
previamente
organizadas por Bette Evita repreensões da Reforçamento
esposa Negativo
4 Na mesa do café da manhã, Pega o açucareiro Bette fala: “Já Punição
comida e bebida coloquei açúcar, uma é Positiva
previamente organizados suficiente
para Jake
5 Pão sem manteiga Segura a faca para pegar Bette retira a faca de Punição
manteiga na sua mão e passa a Positiva
manteigueira manteiga para Jake

142
6 No hospital, John e Bette Fala carinhosamente Bette e John param de Reforçamento
discutem a respeito do que para Bette se acalmar e discutir Negativo
Jake tem comido (coq au não ficar agitada
vin)
7 Bette retorna para casa; Faz um brinde dizendo Bette responde Punição
almoço em família; toda “Para minha noiva. Você “Noiva? Você já bebeu Positiva
família reunida está de volta ao seio de hoje Jake?”
sua família, onde é o seu
lugar”
8 Família reunida durante o Fala olhando para Billy: Bette responde com Punição
almoço comemorativo do “Adorei o seu brinco. ironia: “É muito Positiva
retorno de Bette para casa; Acha que devo colocar bonito! Eu tenho um
Billy e Bette sentados um?” broche que combina”
próximos de Jake
9 Família reunida durante o Apresenta olhar distante
almoço, conversando e lacrimeja, depois
afirma que está feliz
!
(Comportamento
respondente)
10 Jake recebe alta do hospital Apresenta, juntamente Bette gargalha, Reforçamento
e está novamente em casa com Billy e John, suas aplaude e beija Jake Positivo
roupas novas para Bette
e Annie
11 A presença de Bette Sente-se excitado
!
(Comportamento
respondente)
Visita os vizinhos, Bette o acompanha, Reforçamento
apresentando-se receptividade dos Positivo
vizinhos
12 Crianças dos vizinhos na Cuida e brinca com as Bette contribui; Reforçamento
casa de Jake crianças em companhia crianças se divertem; Positivo
de Bette Jake também de
diverte
13 Família reunida; jantar Pede para Bette passar o Bette atira as tigelas de Punição
japonês sugerido por Jake arroz (em japonês) comida sobre a mesa e Positiva
diz que não quer nada
disso, que já se
esforçou o suficiente
14 John e Bette discutem Chorando pede para que Briga é cessada Reforçamento
durante o jantar japonês, não briguem e diz que Negativo
John insulta a mãe e Bette acaba com ele ouvi-los
bate-lhe na face falando deste modo
15 Bette vai conversar com Compartilha com ela o Bette beija-o e Reforçamento
Jake na estufa após o que sente e afirma que posiciona-se para Positivo
ocorrido no jantar japonês. perderam o rumo ao dançar
Diz o quanto lhe magoa longo da vida, do quanto
este outro mundo (fantasias se esqueceram da vida
sobre a família vivendo em que já desejaram. Diz
uma fazenda em Nova que quer voltar a dançar
Jersey). Pergunta a ele se com Bette antes de
“era tão ruim estar aqui morrer.
com ela”

143
16 História de predomínio de Alucinações de um Evita contato com as Reforçamento
exposição a contingências mundo melhor (esposa insatisfações rotineiras Negativo
aversivas na relação com amorosa, família mais de seu casamento
Bette numerosa e em
harmonia) Situações encobertas Reforçamento
alegres, harmônicas Positivo

Quadro 1. Análise funcional dos comportamentos apresentados por Jake com foco
nas interações da díade Jake-Bette.!
!
! O Quadro 1 traz alguns exemplos de contingências de reforçamento po-
sitivo atuando sobre os comportamentos de Jake quando este está em intera-
ção com Bette (linhas 1, 2, 3, 10, 11, 12, 15 e 16). Entretanto, inicialmente, as
consequências reforçadoras positivas são disponibilizadas pelo ambiente físico
(por exemplo, linhas 1, 2 e 3), mais do que pelo social (por exemplo, linhas 10
e 12), aqui representado pela esposa. As interações com Bette são marcadas,
predominantemente, por contingências coercitivas (aversivas) de reforçamento
negativo (linhas 1, 2, 3, 6, 14 e 16) e punição positiva (linhas 4, 5, 7, 8 e 13). !
! Segundo Sidman (1989/1995), o controle coercitivo produz efeitos cola-
terais que comprometem nossas relações cotidianas. Dentre os efeitos colate-
rais descritos na literatura destacam-se dois, por sua relação mais estreita com
os comportamentos de Jake: (1) o efeito supressivo da punição pode ser gene-
ralizado para outras respostas que não apenas a punida e (2) pessoas punidas
aprendem a evitar a punição e o agente punidor (Baldwin & Baldwin, 1998).
Observa-se que Jake, no início do filme, apresenta um repertório comporta-
mental empobrecido, pouco variável (apático, dependente); são comuns situa-
ções nas quais Bette pune comportamentos de Jake, em especial os que de-
monstram autonomia, criticando-o ou se antecipando a Jake, fazendo por ele o
que ele poderia realizar sozinho (por exemplo, passar manteiga no pão ou
adoçar a própria bebida). Ao punir algumas respostas de autonomia de Jake
não apenas a resposta diretamente punida é enfraquecida, mas também res-
postas semelhantes; este fenômeno é denominado de supressão generalizada
de resposta (Baldwin & Baldwin, 1998). Segundo Sidman (1989/1995) “os efei-
tos de coerção, particularmente se o reforçamento negativo é forte ou constan-
te, podem espalhar-se para esferas da conduta aparentemente não-relaciona-
das” (p. 57), dito de outro modo, “estímulos punitivos podem ter efeitos inde-
pendentes de sua relação de contingência com as respostas” (Catania,
1998/1999, p. 113) e é o que se observa nos casos de supressão generalizada.!
! Baldwin e Baldwin (1998) afirmam que histórias repetitivas de punição
com supressão generalizada produzem “o indivíduo inibido, aquele que tem
medo de falar, que nunca toma a frente, que teme conseqüências aversivas por
todo lado” (p. 323). O padrão comportamental descrito por Baldwin e Baldwin
(1998) corresponde ao padrão apresentado por Jake e o filme sugere, apesar
de não remeter o espectador ao passado com cenas de flashback, que Bette

144
sempre se relacionou com as pessoas de maneira geral e, com Jake em espe-
cial, usando de estratégias coercitivas e, portanto, que Jake foi sistematica-
mente exposto a situações cotidianas de coerção. Ainda que a coerção a que
Jake foi historicamente exposto tenha sido “branda” e, muitas vezes, topografi-
camente “disfarçada” de zelo, cuidado, atenção, seu efeito sobre o repertório
comportamental de Jake foi de supressão. Um exemplo disso ocorre quando
ao se antecipar a Jake passando manteiga em seu pão, Bette contribui para
que o comportamento de Jake de tomar seu café da manhã de forma autôno-
ma seja enfraquecido, portanto, trata-se de um exemplo de punição positiva.
Todavia, ao se antecipar a Jake passando manteiga em seu pão Bette demons-
tra cuidado com o marido. !
! Com relação ao segundo efeito colateral destacado – pessoas punidas
aprendem a evitar a punição e o agente punidor – tem-se no delírio de Jake,
classificado pelo psiquiatra como um quadro de “esquizofrenia bem sucedida”,
um exemplo de esquiva. Desde a primeira cena o filme retrata Jake se imagi-
nando casado com uma esposa afetuosa, com uma família mais numerosa e
morando em uma fazenda em Nova Jersey (linha 16 do Quadro 1); ao criar
este “mundo paralelo” Jake não só se afasta das contingências aversivas pre-
dominantes em seu mundo real (esquiva) como também produz reforçadores
positivos encobertos (um mundo mais satisfatório). Esta análise do delírio de
Jake como esquiva é coerente com a interpretação analítico-comportamental
dos eventos privados, os quais são entendidos como eventos físicos que só se
diferenciam dos públicos em função de serem acessíveis diretamente apenas
às pessoas que o experienciam (Skinner, 1974/1982). Segundo Tourinho
(1997) eventos privados podem ser comportamentos e, como tal, são parte de
uma contingência ou podem ser subprodutos de contingências de reforçamento
que atuam sobre outros comportamentos. Na situação analisada as duas inter-
pretações são possíveis na medida em que o delírio de Jake parece relaciona-
do à predominância de contingências coercitivas que atuam sobre outros com-
portamentos (portanto, um subproduto de contingências), mas estas também
atuam como comportamentos encobertos, que produzem conseqüências priva-
das e, portanto, são parte da contingência. !
! Outros exemplos de esquiva são apresentados no filme. Percebe-se que
Jake aprendeu, ao longo de sua vida em comum com Bette, a não “contrariá-
la”, portanto, a esquivar-se de possíveis repreensões e críticas da esposa ten-
do muitos de seus comportamentos mantidos por reforçamento negativo (linhas
1, 2 e 3 do Quadro 1). Todavia, ao esquivar-se de punições da esposa, Jake
passa, também, a restringir as situações reforçadoras em sua vida. Por exem-
plo, quando questionado por John a respeito do motivo de ter deixado de dirigir,
Jake explica que sua carteira expirou há dois anos, que não fez nova prova de
direção por ter medo de não passar e que “um bom motorista sabe quando não

145
é mais um bom motorista”. Em outro momento do filme, Bette diz que aceita ir
para a praia em Venice desde que não seja com Jake dirigindo. Ao permanecer
sem licença para dirigir, Jake esquiva-se de críticas da esposa e também de
uma possível reprovação na prova de direção, todavia mantém-se dependente
de Bette para sair de casa e, portanto, com mais limitações para divertir-se (por
exemplo, ir ao bingo ou à praia) e resolver questões domésticas (por exemplo,
ir ao mercado). Observa-se, portanto, no caso de Jake, um círculo vicioso em
que comportamentos são expostos sistematicamente a contingências coerciti-
vas, a variabilidade comportamental diminui, seu repertório comportamental
mostra-se empobrecido e, deste modo, as possibilidades de exposição a con-
tingências alternativas de reforço tornam-se mais escassas.!

! Skinner (1983) afirma que nossa cultura não é generosa em reforçar o


comportamento de pessoas idosas e propõe como estratégia para lidar com as
mudanças e limitações biológicas impostas pela idade a construção de um am-
biente abundantemente reforçador. Um ambiente mais reforçador é aquele em
que o idoso consegue executar com sucesso, ou com o mínimo de dificuldade,
os comportamentos de acordo com as suas capacidades e limitações. A utiliza-
ção de óculos, agendas e o uso do corrimão para apoio durante o banho são
alternativas que amenizam limitações de visão, esquecimento e desequilíbrio e
possibilitam mais experiências e oportunidades para o idoso interagir com o
ambiente físico e social. Adicionalmente, se manter ocupado, aprender coisas

146
novas e realizar atividades de lazer favorecem o contato com reforçadores po-
sitivos decorrentes do fato de ser bem sucedido e das interações sociais propi-
ciadas por tais atividades (Skinner & Vaughan, 1983/1985). !
O Quadro 2, que destaca as interações entre Jake e John, evidencia
presença irrestrita de contingências de reforçamento positivo, caracterizando
mudanças nas contingências atuantes sobre os comportamentos de Jake (pre-
dominantemente coercitivas na interação com Bette) as quais relacionam-se a
alterações positivas em seu repertório comportamental.!
! John, ao chegar à casa dos pais e se deparar com o processo degene-
rativo de Jake, passa a estimulá-lo a realizar coisas que já não vinha realizan-
do, criando condições para que se engaje em diferentes tarefas (fornecendo ou
atuando como estímulo discriminativo), as quais são seguidas por reforçadores
sociais (aceitação, aprovação de John) e naturais (casa arrumada quando Jake
a arruma, por exemplo). Uma vez que o reforço fortalece o comportamento que
o produz e que John, deliberadamente, valoriza (reforça) comportamentos de
maior autonomia do pai, Jake rapidamente e gradualmente torna-se mais e
mais independente e ativo durante o período de convivência com o filho. Con-
tingências de reforçamento positivo passam também a predominar na relação
de Jake e Bette (Quadro 1, linhas 10, 12, 15 e 16) na medida em que Jake
passa a se comportar de forma diferente e, em especial, após seu retorno para
casa depois do período de internação. !
! Observa-se que a partir do reforçamento de diferentes comportamentos
autônomos de Jake estes passaram a ocorrer diante de situações novas (por
exemplo, ao acompanhar John a uma reunião de trabalho Jake decide perma-
necer – mesmo contrariando a sugestão do filho – e faz comentários por escrito
a respeito de sua análise da reunião – “ele está mentindo”), exemplificando o
processo de generalização de estímulos. !
!

147
Estímulos Respostas Estímulos Princípios
Antecedentes de Jake Consequentes
1 John chega de viagem à Cumprimenta John com um John retribui o aperto de Reforçamento
casa dos pais aperto de mão e diz que é mão e comentário Positivo
bom vê-lo

(Comportamento controlado
por regra)
2 John se aproxima de Jake Jake se levanta e vai para o John auxilia-o e Reforçamento
que cochila em frente à quarto acomoda-o para dormir Positivo
TV e diz que é melhor
dormirem (Comportamento controlado
por regra)
3 Na mesa do café da Lê o jornal e procura os Encontra tickets Reforçamento
manhã, comida e bebida anúncios de promoção antes promocionais; John Positivo
previamente organizados procurados por Bette; conversa com Jake de
para Jake; Bette ausente e Conversa com John sobre forma amistosa, sem
John presente diferentes assuntos críticas
4 John ensina o pai a lavar a Jake separa as roupas brancas John considera o Reforçamento
roupa e de cor com John posicionamento de Jake Positivo

(Comportamento controlado
por regra)
5 John pergunta a Jake qual Responde que não sabe bem, John faz perguntas a fim Reforçamento
o melhor caminho para o pois é Bette quem sempre de descobrir porque o pai Positivo
supermercado dirige parou de dirigir e afirma
que o pai sempre foi um
bom motorista
6 Manhã, horário do café Acorda antes de John, John agradece o café Reforçamento
prepara o café sozinho e Positivo
serve John
7 Bette internada há alguns Pede para visitar Bette, É levado para ver Bette Reforçamento
dias argumenta que é seu marido e Positivo
que deveria ter o direito de
fazê-lo
8 Louça suja na pia da Diz para John que acha que John concorda, orienta-o Reforçamento
cozinha; John entrega pode lavá-la; coloca o boné e manifesta aprovação Positivo
para Jake cartões para “trabalhar melhor” (boné com o boné
coloridos com instruções que Bette não gosta que ele
use) e brinca que John
deveria vender a idéia de
colocar cartões com
instruções para realizar as
atividades domésticas
9 John escreve vários Realiza as tarefas com Casa limpa e arrumada; Reforçamento
cartões com a sequência autonomia John convida-o para se Positivo
de passos de diferentes divertirem um pouco
tarefas domésticas para (Comportamento controlado
Jake (lavar a louça, limpar por regra)
o chão, forrar a cama)
10 Convite de John para se Vai ao bingo com John John, inicialmente, Reforçamento
divertirem parece não se divertir Positivo
!
Quadro 2. Análise funcional dos comportamentos apresentados por Jake com foco nas intera-
ções da díade Jake-John.!

148
! Outro aspecto que se destaca na interação de Jake e John, particular-
mente nos primeiros dias de convivência, refere-se ao controle do comporta-
mento de Jake por regras, também evidente na interação com Bette (Quadro 2,
linha 1). Regras são estímulos discriminativos verbais que especificam contin-
gências (Skinner, 1969/1980) e um comportamento controlado por regra é um
comportamento que está sob controle deste estímulo discriminativo verbal
(Baldwin & Baldwin, 1998; Baum, 1994/1999; Catania, 1998/1999). Quando
John orienta o pai na realização das tarefas domésticas rotineiras, seja expli-
cando-o como fazer ou disponibilizando instruções escritas (Quadro 2, linhas 2,
4 e 9) tem-se, no comportamento verbal de John, um exemplo de regra e, no
de Jake, um exemplo de comportamento controlado por regra. Cabe acrescen-
tar que regra, assim como qualquer outro estímulo discriminativo, não é a “cau-
sa” do comportamento operante e que operantes controlados por regra são,
como qualquer outro, mantidos diretamente por suas conseqüências (Baum,
1994/1999). O uso de instruções para a realização das atividades domésticas
provavelmente acelerou o processo de aprendizagem de Jake e garantiu a
produção de estímulos reforçadores; a produção destes estímulos é que forta-
leceu e manteve o comportamento de Jake. !
! Skinner (1969/1980) aponta a rapidez do processo de aprendizagem e a
redução de estimulação aversiva como vantagens do controle por regra, toda-
via, o comportamento controlado por regra é menos sensível a mudanças nas
contingências que o comportamento aprendido e controlado por exposição di-
reta às contingências (Baum, 1994/1999; Catania, 1998/1999). Esta menor
sensibilidade do comportamento controlado por regras fica evidente no filme
quando, em decorrência do adoecimento e internação de Bette e, portanto mu-
dança nas contingências, Jake tem dificuldades de vestir-se só, de ir para
cama deitar-se ou decidir se uma roupa é branca ou de cor (sugere ligar para
Bette no hospital e consultá-la), sendo que estes e outros comportamentos vi-
nham sendo controlados por regras.!
! A Análise do Comportamento, como já foi dito, compreende comporta-
mentos funcionalmente, em oposição à topograficamente. Isso significa que
comportamentos (respondentes ou operantes) e eventos ambientais (reforça-
dores, aversivos, discriminativos, eliciadores) são definidos por suas funções e
não por suas formas (Catania, 1998/1999); deste modo, um evento topografi-
camente único pode assumir diferentes funções. !
! As análises funcionais apresentadas até o momento focalizaram as
ações de Jake (analisadas como o segundo elemento da contingência tríplice)
em interação com o meio. Muitas das conseqüências produzidas pelas respos-
tas de Jake foram sociais e, neste caso, representadas pelas ações das de-
mais personagens. Uma mudança no foco da análise, de modo que as ações
de Bette ou John sejam consideradas como respostas (e não como eventos

149
antecedentes/conseqüentes das ações de Jake), explicita as interações envol-
vidas nas trocas organismo-ambiente, evidenciando que não apenas o compor-
tamento de Jake é modificado em função do das demais personagens mas
também o de Bette e John são afetados pelo de Jake. A seguir apresenta-se a
análise funcional dos comportamentos de Bette e John com ênfase na díade
Bette-Jake e John-Jake.!
!
Análise Funcional dos Comportamentos de Bette. Quando o comportamento de
Bette é considerado como foco da análise, verifica-se que fornecer instruções
para o marido (por exemplo, “Jack, querido está na hora de levantar”; “Vista-
se”) resulta em conseqüências reforçadoras positivas (Jack segue prontamente
o comando) e evita estímulos aversivos (por exemplo, chegar atrasado e per-
der as ofertas do supermercado). Comportamentos que resultam na interrup-
ção do comportamento de Jake (Quadro 1, linha 4: Dizer “Já coloquei açúcar,
uma é suficiente” quando Jake pega o açucareiro – Estímulo antecedente; linha
5: Retirar a faca da mão de Jake e passar a manteiga no pão logo que Jake
coloca a mão na faca – Estímulo antecedente) produzem reforçadores positivos
(refeição concluída mais rapidamente) e evitam estímulos aversivos (por
exemplo, sujeira na mesa, duração longa da refeição). Desta forma, a dinâmica
da interação entre Jake e Bette, mostra a funcionalidade dos comportamentos
de cada um deles uma vez que são mantidos por conseqüências disponibiliza-
das pelo outro membro da díade em determinada situação antecedente (estí-
mulos do ambiente físico ou social). A mútua influência comportamento-ambi-
ente e a funcionalidade da relação Jake-Bette é relatada por Jake em uma
cena do filme na qual conversa com Bette na estufa e diz que ela assumiu o
controle de tudo e que ele deixou. !
! A funcionalidade descrita é “ameaçada” com o retorno de Jake para
casa após seu período de coma. Jake mostra-se mais disposto, autônomo, re-
toma a vontade de viver (em uma cena do filme diz para Bette: “Nunca soube
de alguém que morreu de tanto rir, Bette. Mas não seria ótimo?” e em outra
afirma “Morrer não é pecado, mas deixar de viver sim”), passa a sair mais, pra-
ticar esportes, usar roupas extravagantes e mostra-se menos preocupado com
o que as pessoas irão pensar a seu respeito (diz para Bette, “Você olha para
mim, assim como os outros e enxerga apenas um homem velho. Mas por den-
tro me sinto com 19 anos. E ajo como tal”). Estas mudanças se refletem em al-
terações nas contingências dominantes na relação Jake-Bette (antes Bette
dava instruções, Jake seguia e livrava-se de punição) de modo que os reforça-
dores que habitualmente seguiam o comportamento de Bette (Jake seguia
suas instruções e limitava-se a fazer o que ela julgava adequado) deixaram de
segui-lo. Esta situação de interrupção da contingência de reforçamento vigente
é um exemplo de extinção operante e, o padrão comportamental apresentado

150
por Bette é também característico do processo de extinção. A extinção, além
de produzir redução na taxa da resposta, produz também alterações marcantes
na topografia da resposta com aumento inicial na variabilidade e magnitude da
mesma (Catania, 1998/1999; Millenson, 1967). Como já citado anteriormente
Bette passa a se relacionar com Jake de forma mais reforçadora e menos co-
ercitiva quando este retorna para casa após o período de coma, indicando um
enfraquecimento dos comportamentos anteriormente apresentados por Bette –
ditar normas, fazer as coisas por Jake e criticá-lo. Esta mudança na forma de
lidar com Jake, contudo, não é imediata, mas é acompanhada, inicialmente, de
(a) desorganização do repertório comportamental de Bette (Bette, que sempre
estava segura, sabia o que fazer e ditava as normas, começou a não saber o
que fazer), (b) intensificação das respostas anteriormente reforçadas (durante o
jantar japonês Bette mostra-se claramente desconfortável com toda a situação
e, em determinado momento dá fim ao jantar jogando as travessas de comida
sobre a mesa, relata seu desconforto e sua recusa em tolerar as mudanças de
Jake) e (c) surgimento de respostas emocionais (Bette mostra-se apreensiva,
insegura, com medo – fala para John que está com medo e que quer seu mari-
do de volta); padrão este característico do processo de extinção. !
!
Análise Funcional dos Comportamentos de John. A análise dos comportamen-
tos de John indica a predominância de contingências de reforçamento positivo
atuando sobre seu repertório “profissional” – sucesso, dinheiro, poder e reco-
nhecimento. Simultaneamente, ao dedicar-se intensamente ao trabalho, John
se esquiva de contingências aversivas que atuam sobre seu repertório social-
afetivo-familiar – ausência de uma companheira, de convívio com o filho com o
qual mantém uma relação ríspida, contato com uma mãe dominadora e um pai
que se deixa dominar. O adoecimento da mãe obriga John a afastar-se do tra-
balho e a conviver com a família após 2 anos sem encontrá-la. No primeiro
contato com o pai, John, apesar de demonstrar preocupação e tristeza com o
processo de envelhecimento do mesmo (pergunta para a irmã “quando ele fi-
cou tão ruim?”), indica à irmã que tem que retornar ao trabalho em poucos dias.
Deste modo, ao estimular a maior autonomia do pai (orientar, fornecer instru-
ções passo a passo, criar alternativas para o pai desempenhar comportamen-
tos diferenciados e se divertir) seu comportamento é, retroativamente, reforça-
do positivamente pelo progresso e satisfação evidenciados pelo desempenho
de Jake e, também, negativamente, na medida em que cria condições de “li-
vrar-se” da responsabilidade de permanecer com Jake e afastado do trabalho.!
! Todavia, na medida em que o convívio com Jake se mantém, John mos-
tra-se cada vez mais envolvido com o pai e menos preocupado com o trabalho
(muda sua agenda de trabalho e diz para a irmã que não precisa se preocupar
em procurar alguém para ficar com o pai), tem oportunidade de rever seu papel

151
como filho e também como pai, e seu comportamento fica predominantemente
sob controle de contingências de reforçamento positivo (em uma cena do filme
a irmã comenta o quanto o pai está bem e o quanto John tem feito bem a ele.
John responde: “Ele tem sido ótimo para mim também. Estamos nos
divertindo.”). John e Jake passam a se comportar com cumplicidade (Jake
chama John, e não Bette, quando urina sangue) e de forma mais afetiva (pas-
sam a se abraçar e a declarar que se amam). Quando Jake recebe o diagnósti-
co de câncer e entra em estado de choque (não reconhece os familiares e alu-
cina), John decide cuidar do pai em casa, todavia seu comportamento é punido
positivamente, pois Jake tem uma crise durante a noite, a qual coloca sua inte-
gridade física em risco e John leva-o de volta ao hospital. !

! No retorno ao hospital Jake entra em estado de coma e o médico que o


acompanha autoriza John a ficar com o pai se “isso o faz sentir-se melhor”. Du-
rante este período de internação, John dorme no quarto com o pai e conversa
frequentemente com ele, mantém contato físico constante com Jake e auxilia
as enfermeiras nos cuidados diários. Os comportamentos de cuidar de Jake,
emitidos por John, são intensos (alta frequência), ilustrando a presença de con-

152
tingências de reforçamento tanto positivo quanto negativo. Tais comportamen-
tos podem ser compreendidos como esquiva (portanto, reforçados negativa-
mente) na medida em que são mantidos pela evitação de estímulos aversivos –
ao cuidar de Jake, John impede que ele seja tratado com displicência no hospi-
tal e adia sua morte (em conversa com a irmã John diz: “Tenho a impressão de
que se eu ficar lá falando ele não vai morrer”) ao mesmo tempo em que apazi-
gua sua culpa por não ter cuidado do pai na velhice e “paga” a dívida que tem
ao saber que o pai cuidou da família por 30 anos trabalhando em um emprego
que não gostava. O cuidar também é reforçado positivamente pela melhora do
pai, reconhecimento pela família e oportunidade de reaproximação de Billy.!
! É interessante também ressaltar que as mudanças de comportamento
de John em relação ao seu pai (Jake) também se estendem para as interações
entre John e seu filho (Billy), as quais são inicialmente hostis. John critica com
freqüência o comportamento do filho, o que ilustra a punição. Por exemplo,
quando questiona o filho a respeito de ter abandonado a escola, a justificativa
do filho é considerada por John inaceitável, ele diz que se o filho se interessar
apenas por diversão não conseguirá ter um bom emprego no futuro. Diante de
tais críticas, Billy responde de forma irônica, em tom de brincadeira, um com-
portamento de fuga, pois evita a continuidade das críticas de John. Por outro
lado, Billy demonstra afetividade e carinho pelo avô (Jake), os dois conversam
sobre diferentes assuntos de maneira tranquila e trabalham juntos na estufa, o
que demonstra uma relação que se mantém por reforçadores positivos. Na
medida em que John se envolve com o tratamento do pai e as diversas situa-
ções vivenciadas são marcadas principalmente por reforçadores positivos, ele
passa a se comportar de maneira diferente com o próprio filho: Muda a forma
de fazer perguntas sobre os interesses e planos do filho, ouve os argumentos
do filho com atenção e evita fazer críticas. Adicionalmente, na fase do filme em
que Jake vive intensamente, Jake, John e Billy, por exemplo, vestem roupas
extravagantes e se divertem fazendo diferentes dramatizações. Tais interações
reforçadoras fortalecem a ocorrência de comportamentos que possibilitam fazer
atividades conjuntas entre John e Billy e torna o estarem juntos uma situação
por si só reforçadora.!
!
Considerações Finais!
!
! A análise do filme “Meu pai, uma lição de vida” não se propôs a ser
exaustiva, na medida em que as interações envolvendo outras personagens
(Billy, Annie, Mario, médicos, dentre outros) não foram exploradas. O capítulo
se concentrou em ilustrar os princípios básicos do comportamento presentes
nas interações entre a personagem principal (Jake), sua esposa e filho explici-
tando as mútuas influências exercidas no processo de interação organismo-

153
ambiente. !
! O processo de desenvolvimento humano, com ênfase em seu estágio
final (velhice), de uma perspectiva analítico-comportamental, foi abordado e
ilustrado a partir da análise do comportamento de Jake. Tal análise evidenciou
a natureza multideterminada do comportamento resultante dos três níveis de
variabilidade e seleção – filogenético, exemplificado pelo processo biológico de
envelhecimento; ontogenético, ilustrado pelas interações indiossincráticas de
Jake com seu ambiente e cultural. !
A descrição das contingências vivenciadas por Jake nas interações com
seus familiares demonstrou a importância de se considerar o que um indivíduo
é capaz de fazer, em quais situações, e as mudanças produzidas no ambiente
físico e social, a partir de uma perspectiva funcional. Quando as situações vi-
venciadas são caracterizadas por contingências coercitivas (primeira parte do
filme), repertórios comportamentais empobrecidos e com pouca variabilidade
foram observados (por exemplo, apatia, lentidão, dependência). Por outro lado,
contingências marcadas por reforçamento positivo (segunda parte do filme) fo-
ram associadas com interações sociais positivas, afeto, aquisição de novos
e variados comportamentos. Portanto, a análise funcional se mostrou
relevante para identificar aspectos relacionados com a ocorrência/ma-
nutenção de determinados comportamentos e fatores que podem ser
modificados a fim de melhorar a qualidade de vida da pessoa ido-
sa. !
!
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156
!
“A NOVA ONDA DO IMPERADOR”: APRENDIZA-
GEM DE HABILIDADES SOCIAIS E O ESTABE-
LECIMENTO DE RELAÇÕES DE AMIZADE!
!
Yvanna Aires Gadelha-Sarmet34!
Universidade de Brasília!
Super Infância Psicologia Infantil!
!
Patrícia Serejo de Jesus!
Super Infância Psicologia Infantil!
MafaGafo Escola para Bebês!
!
Penélope Ximenes!
Universidade de Brasília!
Super Infância Psicologia Infantil!

Título do filme: “A nova onda do imperador”!


Título original: The emperor’s new groove!
Ano: 2000!
Diretor: Mark Dindal !
Produtor: Randy Fullmer!
Lançado por: Walt Disney Pictures

34 E-mail: yvanna@unb.br

157
!
“A nova onda do imperador”, lançado no ano de 2000, é um filme doce e
curto. Sua característica especial é relacionada ao seu personagem principal:
um anti-herói, arrogante, egocêntrico e cruel. A mensagem transmitida ao longo
do filme é a de que ajudar os outros e fazer amigos é bom, enquanto o egoís-
mo, a prepotência e a petulância são ruins. No entanto, essa lição não é trazida
à tona com sentimentalismo ou drama. Ao contrário, o filme usa uma linguagem
leve e bem humorada.!

O título do filme deriva de um conto popular chamado “A nova roupa do


imperador”, no qual, similarmente, um imperador obcecado por poder põe suas
vontades sempre em primeiro lugar, em detrimento das necessidades de seu
povo. No caso do filme “A nova onda do imperador”, o ambiente físico e a cultu-
ra nos quais a história se desenrola baseiam-se no Império Inca, que existiu na
América do Sul, onde atualmente é o Peru. Kuzco é o nome do principal perso-
nagem, inspirado no nome da cidade peruana considerada capital do Império
Inca (Cusco). Pacha, coadjuvante essencial no transcorrer da história de Kuz-
co, teve seu nome derivado de um importante mandante do Império Inca, Pa-
chacuti. O cenário para o desenrolar da trama é cuidadosamente construído,
observando-se elementos da cultura inca e de culturas sul-americanas: estra-
das, rios, casas e animais domésticos típicos. No entanto, é possível observar
incongruências e anacronismos ao longo do filme, o que promove um efeito
humorístico, priorizando assim a mensagem transmitida pela história, e não sua
autenticidade.!
O filme se passa em uma antiga civilização Inca fictícia, na qual Kuzco é
o imperador egoísta e cruel. Ele tem uma arrogância que combina com o tama-

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nho de seu reino, de modo que, com ele, tudo é: “eu sou”, “eu tenho”, “eu que-
ro”, “eu posso”. No início da trama, o imperador Kuzco decide se ver livre de
Yzma, sua conselheira pessoal, bastante sábia e traiçoeira. Após sua demissão
sem justa causa, a bruxa Yzma planeja tomar o trono do imperador, envene-
nando sua bebida com uma poção enfeitiçada. No entanto, ao invés de causar
sua morte, como havia planejado, a poção de Yzma o transforma em uma lha-
ma. A feiticeira pede que seu atrapalhado ajudante, Kronk, livre-se de Kuzco,
mas ele escapa das garras de Kronk, e acaba se vendo na companhia de um
gentil camponês, Pacha, que acredita que existe bondade em todas as pesso-
as, mesmo no egocêntrico Kuzco. Pacha havia sido chamado por Kuzco, antes
de ele ser transformado em um animal, para informá-lo que sua vila seria des-
truída para a construção de um parque aquático particular: a Kuzcotopia. Pa-
cha, muito decepcionado com o imperador e desolado com a perda que teria,
reconhece o imperador transformado em lhama e faz com ele um acordo. Jun-
tos, Pacha e Kuzco buscariam restaurar sua forma humana e recolocá-lo em
seu trono de imperador e, em contrapartida, Kuzco construiria Kuzcotopia em
outro lugar. Ao longo da jornada rumo ao castelo imperial, Kuzco e Pacha apoi-
am e defendem um ao outro, embora Kuzco frequentemente traia a confiança
do amigável e paciente Pacha. Kuzco aprende a observar as consequências do
seu comportamento e tem em Pacha um modelo a seguir de maneira a estabe-
lecer uma relação de parceria, confiança, cumplicidade e amizade. !
!
Análise Teórica!
!
A Análise do Comportamento é uma ciência relativamente nova que teve
origem na filosofia behaviorista proposta por Skinner (1904-1990). A Análise do
Comportamento busca a compreensão de como e porque o comportamento
acontece, é mantido e modificado. Uma definição convencional a considera
como uma prática científica na qual se investigam as relações organismo-am-
biente (Castanheira, 1999).!
O analista comportamental infantil utiliza a análise funcional como impor-
tante instrumento para compreensão da demanda do seu cliente criança e de
seus clientes família e escola. Por meio da análise funcional, os “comportamen-
tos-problema”35 são considerados nas suas interações com outros comporta-
mentos e com o ambiente em que o cliente está inserido. O psicoterapeuta faz
um arranjo detalhado dos estímulos antecedentes e consequentes contingen-
tes ao “comportamento-problema” e também dos esquemas de reforço que po-

35 Os comportamentos-problema de uma criança devem ser analisados a partir de sua interação com
os diferentes contextos. Desse modo, o mesmo comportamento poderá ser visto ou não como pro-
blema dependendo da situação em que ocorre. Essa visão ajuda a evitar que o problema seja colo-
cado na criança, como sendo um traço de personalidade imutável.

159
dem manter o “comportamento-problema”. A análise funcional é um processo
importante para uma intervenção bem sucedida (Conte & Regra, 2000).!

Recursos Lúdicos!

Na psicoterapia analítico-comportamental infantil, o psicoterapeuta utiliza


procedimentos além do relato verbal para possibilitar a descrição de sentimen-
tos e pensamentos: a modelação, a modelagem, o treino discriminativo, o re-
forçamento diferencial e a aprendizagem de resolução de problemas. Por meio
de estratégias lúdicas, como o brincar, ler livros, assistir a filmes, desenhar e
jogar, o terapeuta promove ocasiões para emissão de “comportamentos-pro-
blema” de modo a intervir diretamente sobre eles, ou cria condições para con-
duzir a criança na compreensão de seu próprio comportamento, especificando
os antecedentes e consequentes (Conte & Regra, 2000).!

160
As estratégias lúdicas dão à criança a oportunidade de utilizar suas ex-
periências reais e imaginárias para aprender e fortalecer comportamentos ver-
bais e não verbais. O comportamento verbal está presente na maior parte do
tempo nas interações psicólogo-criança e também quando as crianças conver-
sam consigo mesmas, interpretando personagens, ou quando conversam com
seus brinquedos. O contexto da fantasia proporciona a modelagem de compor-
tamentos verbais e não verbais, além do reforçamento de habilidades sociais
(Moyles, 2002). !
! De acordo com Vasconcelos (2005), um dos meios de transmissão da
cultura de um povo é a literatura. Pode-se admitir que os filmes são também
meios de transmissão de valores, crenças e regras e que neles são apresenta-
dos diversos padrões de comportamento. A leitura de histórias, bem como a
apresentação e a discussão de filmes com as crianças, são ferramentas impor-
tantes no contexto clínico quando permitem que a criança adquira e fortaleça
comportamentos de observação, reflexão, crítica, sensibilidade às necessida-
des do outro e de expressão de sentimentos e pensamentos. !
! Além de permitir que as crianças informem sobre seus sentimentos e
descrevam comportamentos e eventos importantes, os filmes, quando usados
no contexto terapêutico, permitem que as crianças aprendam respostas alter-
nativas aos seus “comportamentos-problema”. Por meio da exibição de um fil-
me, o psicoterapeuta conduz a criança na análise do comportamento dos per-
sonagens, na avaliação das contingências que o determinam e, a partir daí,
ajuda a criança a pensar em alternativas comportamentais para os persona-
gens. Esse treino, com o uso da fantasia e da brincadeira, leva a criança a en-
contrar alternativas de ação, inicialmente para os personagens de suas brinca-
deiras, que depois podem ser generalizadas para as situações de sua vida
(Guerrelhas, Bueno & Silvares, 2000). !
! Falar do comportamento dos personagens de um filme é uma aproxima-
ção gradual para depois falar de si mesmo (Regra, 2000) e, por isso, é um ins-
trumento útil na psicoterapia infantil. Para essa autora, quando a criança é le-
vada a identificar os padrões de comportamento dos personagens da história
que têm relação com os seus padrões de comportamento e de seus familiares,
estabelece-se uma ponte entre a fantasia e a realidade, e a criança é conduzi-
da a falar de si mesmo e de suas relações, diante da audiência não punitiva do
terapeuta.!
! Em outras palavras, a utilização de histórias, sejam elas lidas ou assisti-
das, permite um intercâmbio entre fantasia e realidade que contribui para a
formação de conceitos sobre as relações sociais e posterior mudança de com-
portamento (Vasconcelos, 2005). Com o uso da história, é possível refletir so-
bre contingências, tornando-a um instrumento de aprendizagem da análise
funcional do comportamento. Por meio da análise das contingências apresen-

161
tadas na história, é possível identificar os comportamentos dos personagens,
seus antecedentes e consequentes, mostrando para criança a relação entre
esses eventos. A partir daí, a criança pode adquirir competência para sugerir
mudanças nos antecedentes, no comportamento dos personagens, e nas con-
sequências, brincando de criar novas histórias. Desse modo, o repertório de
comportamentos pode ser aumentado, e comportamentos mais adaptativos
podem ser adquiridos, emitidos e reforçados, o que faz com que sua frequência
aumente.!

Habilidades Sociais!

Habilidades sociais representam uma classe de comportamentos que é,


talvez, a mais importante e funcional para crianças e jovens que chegam à te-
rapia com transtornos emocionais e de comportamento. No decorrer da vida, o

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ser humano precisa aprender continuamente novas habilidades. Essa necessi-
dade se deve principalmente à constante transformação do ambiente social
(Del Prette & Del Prette, 1999). O estudo das habilidades sociais torna-se rele-
vante principalmente quando se observa que as relações interpessoais podem
ser prejudicadas por respostas de agressão ou timidez, por exemplo. Assim
sendo, a ocorrência de comportamentos que dificultam ou alteram a qualidade
das interações de crianças e adolescentes, além de ser um problema em si
mesmo, pode ocasionar problemas adicionais, já que altera o curso de desen-
volvimento de outros comportamentos. !
De acordo com Caballo (1986, citado por Del Prette & Del Prette, 2001): !
!
(…) habilidade social é o conjunto de comportamentos emitidos por um indiví-
duo no contexto interpessoal, que expressa sentimentos, atitudes, desejos,
opiniões ou direitos desse indivíduo de modo adequado à situação, respeitando
esses comportamentos nos demais, e que geralmente resolve uma situação ao
mesmo tempo em que minimiza a probabilidade de problemas futuros (p. 238). !
!
Para Caballo (2003), existem duas dimensões de habilidades sociais: (a)
a dimensão descritiva, que se refere à classe de comportamentos molares (fa-
zer e responder perguntas; fornecer feedback, falar em público) e moleculares
(contato visual, postura, velocidade e entonação da voz, sorrisos, gestos), que,
juntamente com as situações em que ocorrem, configuram o conteúdo das ha-
bilidades sociais e que podem ser aprendidas; e (b) a dimensão avaliativa ou
competência social, que é o grau de adequação desses comportamentos em
termos de consequências imediatas ou futuras. Existe também a dimensão
pessoal das habilidades sociais, referentes aos comportamentos e processos
privados que acompanham o desempenho social, incluindo as percepções, ex-
pectativas, conhecimento das normas e valores socioculturais que facilitam ou
dificultam o desempenho socialmente habilidoso (Del Prette & Del Prette,
2001). !
Em uma das obras mais recentes de Del Prette e Del Prette (2005), são
utilizados três termos importantes: (a) o desempenho social, que se refere a
qualquer tipo de comportamento emitido na relação com outras pessoas e in-
clui tanto os desempenhos que favorecem a qualidade dos relacionamentos
como os que prejudicam; (b) as habilidades sociais, que são diferentes classes
de comportamentos sociais que contribuem para a competência social, favore-
cendo um relacionamento saudável e produtivo com as demais pessoas; e (c) a
competência social, que é a capacidade que a pessoa possui de articular pen-
samentos, sentimentos e ações, de acordo com uma situação e com a cultura,
gerando consequências positivas para o indivíduo e suas relações. !
De acordo com Del Prette e Del Prette (2005), existem sete principais
classes que são consideradas essenciais e indispensáveis para o desempenho

163
totalmente competente da criança: (a) autocontrole e expressividade emocio-
nal; (b) civilidade; (c) fazer amizades; (d) solução de problemas interpessoais;
(e) habilidades sociais acadêmicas; (f) empatia; e (g) assertividade.!
Autocontrole e expressividade emocional referem-se à diferença entre
sentir e expressar. Dentro dessa
classe, existem componentes como:
reconhecer e nomear emoções pró-
prias e dos outros; falar sobre emo-
ções e sentimentos; acalmar-se; li-
dar com os próprios sentimentos e
controlar o humor; expressar qual-
quer tipo de emoções; lidar com
sentimentos negativos; tolerar frus-
trações; e mostrar espírito esporti-
vo. !
A civilidade é a expressão
comportamental das regras míni-
mas de relacionamento aceitas e/ou
valorizadas na subcultura: é neces-
sário considerar as normas e regras
estabelecidas pela cultura e os sub-
grupos dos quais a criança faz par-
te. A dificuldade de desempenho
dessa habilidade seria pelo desco-
nhecimento de normas e regras ou
problemas de aprendizagem, por
modelos inadequados ou falta de
contato com o grupo. Essa habilida-
de é fundamental para a qualidade de relacionamentos em geral e para um
bom desempenho social em todas as outras habilidades. !
A habilidade de fazer amizades é importante para o desenvolvimento
social e emocional da criança, pois, por meio desta, ela faz e responde a per-
guntas sociais, sugere atividades, faz e aceita elogios, entre outros. Para que
se tenha competência nessa habilidade, é necessária a habilidade de empatia
e de assertividade (Del Prette & Del Prette, 2001, 2005).!
Primeiramente, antes de se falar sobre a definição de solução de pro-
blemas interpessoais, é preciso definir problema interpessoal, que é caracteri-
zado pelo desequilíbrio na relação entre duas ou mais pessoas, ou seja, quan-
do uma das partes se sente prejudicada por causa de uma ação da outra parte
ou devido a discrepâncias de condições. A habilidade de solução de problemas

164
interpessoais exige a habilidade de expressividade emocional, empatia e as-
sertividade.!
!

As habilidades sociais acadêmicas têm relação com competência social


e bom rendimento escolar. Para isso, a criança precisa saber como seguir as
instruções ou regras; aguardar a vez de falar; fazer e responder a perguntas;
oferecer e agradecer ajudas; reconhecer e elogiar o desempenho do outro
quando de qualidade; participar das discussões em sala de aula; entre outros.
Pode-se concluir que os produtos sociais da educação escolar não se restrin-
gem à assimilação de conteúdos e competências acadêmicas (Del Prette & Del
Prette, 2005).!
A empatia tem papel muito importante na qualidade das relações inter-
pessoais, pois reduz conflitos e aumenta o vínculo. Empatia é a capacidade de

165
compreender e sentir o que alguém pensa e sente em uma demanda afetiva.
Para uma interação empática, três habilidades devem estar envolvidas: (a)
prestar atenção, que significa identificar as mensagens não-verbais da outra
pessoa e manter contato visual, por exemplo; (b) ouvir sensivelmente, que sig-
nifica oportunizar ao outro ser ouvido sem julgamento, aceitando seus senti-
mentos e ideias; e (c) verbalizar sensivelmente, que é ajudar o outro a ser
compreendido, explorando as suas preocupações de modo completo (Falcone,
2004).!
De acordo com Lange e Jakubowski (1976, citado por Falcone, 2001), a
assertividade é a capacidade de defender os próprios direitos, expressando
seus sentimentos, pensamentos e crenças de forma honesta, direta e apropri-
ada, sem violar os direitos da outra pessoa. O indivíduo assertivo tem controle
de si mesmo nas relações interpessoais, sente-se capaz e confiante sem hosti-
lidade, é espontâneo na expressão de sentimentos e emoções e geralmente é
respeitado e admirado pelos outros sem prejudicá-los (Alberti & Emmons,
1983). Os comportamentos assertivos são comportamentos socialmente habili-
dosos. Del Prette e Del Prette (2005) colocam três requisitos que caracterizam
o comportamento assertivo: saber e aplicar o conceito de reciprocidade para
que se entenda o que são deveres e direitos; distinguir o que é e o que não é
relevante nos relacionamentos interpessoais; e a capacidade de avaliar as
consequências de emitir ou não comportamentos assertivos. !
As habilidades sociais são relacionadas à melhor qualidade de vida, às
relações interpessoais, à realização pessoal e ao sucesso profissional. Porém,
é comum que existam dificuldades no agir socialmente, o que pode causar
transtornos emocionais.!
Para Caballo (2003), não existem dados de como e quando se apren-
dem as habilidades sociais, mas a infância sem dúvida é um período crítico.
Hops (1983, citado por Del Prette & Del Prette, 1999) diz que: “o desenvolvi-
mento social inicia-se no nascimento e há evidências de que o repertório de
habilidades sociais se torna progressivamente mais elaborado ao longo da in-
fância” (p. 18). Para ele, os pais têm grande influência na aprendizagem de ha-
bilidades sociais, pois as crianças observam os comportamentos sociais de
seus pais e passam a imitá-los. Estes não apenas se tornam modelos para
muitos comportamentos sociais, mas também se organizam, punindo ou refor-
çando o desvio ou a adequação das crianças aos seus padrões (Del Prette &
Del Prette, 1999). !
Buck (1991, citado por Caballo, 2003) considera que o indivíduo emoci-
onalmente expressivo cria um ambiente emocional e social mais rico, pois ofe-
rece mais informações aos demais sobre si mesmo e, assim, obtém mais retro-
alimentação, o que facilita o desenvolvimento das habilidades sociais. A ex-
pressividade espontânea está relacionada à capacidade de adaptação a novas

166
situações para enfrentar o inesperado. Apesar de as predisposições biológicas
serem determinantes básicos do comportamento, precisamente das primeiras
experiências sociais, na maioria das pessoas o desenvolvimento das habilida-
des sociais depende principalmente da maturidade e das experiências de
aprendizagem. Quanto mais experiência tem um indivíduo em determinada si-
tuação, mais seu comportamento social dependerá do que ele tenha aprendido
a fazer em tal situação, assim a contribuição do temperamento será menor
(Caballo, 2003).!
Posteriormente, a criança é inserida em outros microssistemas além do
familiar, diversificando os interlocutores, requerendo o exercício de novos pa-
péis e habilidades. Estas novas oportunidades trazem experiências fundamen-
tais para o desenvolvimento social da criança. Este período é considerado críti-
co para o desenvolvimento de habilidades sociais porque as aprendidas até
aquele momento são testadas continuamente e a criança percebe que necessi-
ta aprender novas habilidades nas interações sociais (Del Prette & Del Prette,
1999).!
As habilidades sociais podem também ser aprendidas pelo ensino direto
ou pela instrução. Frases como “pedir desculpas”, “não falar com a boca cheia”,
“lave as mãos antes de comer” modelam a conduta social. As respostas podem
ser reforçadas ou punidas, aumentando ou aperfeiçoando certos comporta-
mentos e diminuindo ou fazendo com que desapareçam outros (Caballo, 2003). !
A seguir, serão abordadas algumas das técnicas mais utilizadas no pro-
cesso de psicoterapia, a fim de desenvolver um comportamento socialmente
habilidoso.!
!
Procedimentos e Técnicas. O ensaio comportamental modifica e ensina formas
de comportamentos que sejam socialmente adequadas, fazendo com que as
crianças encontrem alternativas comportamentais (Caballo, 1996). Pode ser
realizado por meio de encenação de situações reais, quando a criança mostra
como ela se sente, ou de situações imaginárias, criadas livremente ou com au-
xílio de livros e filmes. O ensaio comportamental permite o desenvolvimento de
novos comportamentos e possibilita que a pessoa em treinamento amplie seu
potencial de observação e auto-observação, de escuta atenta e de controle so-
bre seu próprio desempenho (Del Prette & Del Prette, 2002).!
O reforçamento consiste em apresentar uma consequência em seguida
a um comportamento e, assim, aumentar suas chances de emissão futura, e
está presente em todos os processos comportamentais (Baum, 1994/1999; Ca-
tania, 1998/1999; Skinner, 1976). O reforçamento tem como objetivo selecionar
e manter no repertório comportamental os componentes relevantes para de-
sempenho social adequado. A comunidade verbal tende a selecionar, por meio

167
da emissão de reforçadores sociais como sorrisos e elogios, os comportamen-
tos adequados socialmente. !
A modelagem consiste no uso de reforçamento diferencial36 para de-
sempenhos gradualmente cada vez mais semelhantes ao desempenho final
que se pretende alcançar. É muito aplicada em crianças tímidas com dificulda-
des para iniciar e manter contato social (Del Prette & Del Prette, 2002).!

A modelação é importante para o treinamento realizado em grupo, pois


uma criança com um bom repertório de expressão verbal pode servir de mode-
lo para outra que não o possui. A modelação consiste na observação e imita-
ção de comportamentos desempenhados por outras pessoas, geralmente al-
guém relevante para o observador. Pode ser utilizada, num contexto progra-
mado de ensino de habilidades sociais, com instruções, feedback e reforça-
mento diferencial (Caballo, 2003; Del Prette & Del Prette, 2002).!
A outra técnica utilizada no ensino de habilidades sociais é o relaxamen-
to, cujo método mais utilizado é o progressivo de Jacobson, que ensina a cri-
ança a perceber os seus estados de tensão e conseguir relaxar e controlar sua
própria ansiedade, de forma a melhorar seu desempenho social. É muito útil já

36 É o reforço de apenas algumas das respostas que se incluem em uma determinada classe (Cata-
nia, 1998/1999).

168
que muitos indivíduos com déficit de habilidade social apresentam alto nível de
ansiedade (Caballo, 1996; Del Prette & Del Prette, 2002).!
Por fim, existe a técnica de dessensibilização sistemática, que diminui o
medo e a ansiedade nas relações interpessoais. Tem início com a elaboração,
por parte do terapeuta e do cliente, de uma hierarquia de situações ou estímu-
los que geram ansiedade interpessoal. Sua função é contribuir para a diminui-
ção da ansiedade por meio de exposição controlada a situações aversivas.
Pode ser utilizada em conjunto com uma técnica de relaxamento. A exposição
a situações sociais se justifica a partir do momento que o indivíduo pode obter
reforços sociais relevantes nesta interação, aumentando assim sua motivação
e engajamento no processo terapêutico.!
No treinamento de habilidades sociais, primeiramente, são identificadas,
com ajuda do cliente, as principais áreas nas quais se tem dificuldades. Para
tanto, faz-se uso de entrevista, de registro de comportamento e de observação.
O próximo passo é analisar funcionalmente porque o indivíduo não se compor-
ta de forma socialmente adequada, identificando os antecedentes e conse-
quentes contingentes ao “comportamento-problema”. Depois, o cliente é infor-
mado sobre o treino em habilidades sociais e seus objetivos, e questionam-se
quais são as expectativas deste na terapia, de modo a incentivar o paciente a
realizar o treinamento. Pode ser necessário também, antes de abordar as situ-
ações problemáticas, ensinar o indivíduo a relaxar e delinear o problema. Isto
se faz necessário porque o tratamento utilizado pode depender do tipo de
“comportamento-problema” do cliente (Caballo, 2003). !
As técnicas podem ser aplicadas tanto na psicoterapia individual quanto
em grupo. A aplicação na psicoterapia individual tem como vantagens a possi-
bilidade de se fazer uma avaliação contínua do desempenho, a possibilidade
de realizar ensaios extensos com repetições, a maior habilidade do terapeuta
para fazer a modelagem das habilidades sociais, além de ser possível fazer
modificações imediatas dos procedimentos que não estiverem sendo efetivos
(Caballo, 2003). !
!
Análises do Filme e dos Principais Personagens!
!
O filme “A nova onda do imperador” traz personagens com desempe-
nhos sociais bastante ricos, sejam socialmente adequados ou não. Persona-
gens como a conselheira Yzma, seu ajudante Kronk e mesmo o imperador
Kuzco retratam desempenhos que trazem prejuízos ao convívio social e várias
situações ao longo do filme demonstram as consequências destes comporta-
mentos – a transformação do Kuzco em lhama e da Yzma em gata, por exem-
plo. Por outro lado, o personagem Pacha emite desempenho favorável ao con-
vívio social e ao estreitamento dos vínculos interpessoais, com exemplos de

169
comportamentos de autocontrole e expressividade emocional, empatia, civili-
dade, assertividade e capacidade de solução de problemas interpessoais. Des-
ta forma, suas habilidades sociais denotam ao personagem bastante compe-
tência social. No entanto, a análise mais importante que o filme propicia se tra-
ta da mudança comportamental do seu personagem principal, o imperador
Kuzco que, ao longo de sua convivência com Pacha, conquista repertório soci-
al hábil e se torna bastante competente. !

Desempenho Social do Imperador Kuzco no Início do Filme!


O início do filme destaca duas grandes características de seu persona-
gem principal – o orgulho e a tirania. O imperador Kuzco, transformado em
lhama, tende a se vitimizar diante de sua situação, sem saber os motivos que o
levaram a ser uma lhama, tampouco a relação entre seu comportamento e esta
consequência. Assim, Kuzco reclama: “Eu era a pessoa mais simpática do
mundo e arruinaram minha vida sem motivo”.!

Figura 1. Imperador Kuzco transformado em lhama.!


!
Apesar de este relato não evidenciar autoconhecimento, ao narrar sua
história, Kuzco identifica o tipo de relações que teve ao longo da vida – de ter
todos os seus caprichos realizados – que fez com que ele se tornasse assim:
tirano e egoísta. Kuzco narra: “Todos ali estão sob minhas ordens: mordomo,
chefe, cantor de tema.” E conclui que é “o amo soberano da nação, o supras-
sumo da criação”. A cena, no início do filme, em que Kuzco está confortavel-
mente sentado em seu trono ladeado por todas as coisas que gosta ilustra o
imperador com todas as suas mordomias. !
!
!
170
!
!

Figura 2. Imperador Kuzco em seu palácio.!


!
Sua segunda característica marcante, a tirania, pode ser observada em
situações de desprezo e desrespeito aos outros. A partir de sua posição social,
ele menospreza e humilha outras pessoas, usando expressões verbais pejora-
tivas e irônicas, o que pode ser observado nas falas a seguir, retiradas da cena
em que, ao imperador, são apresentadas candidatas para que ele escolhesse
uma noiva:!
!
– Sua alteza, é hora de escolher sua noiva.!
– Vamos dar uma olhada: odeio teu cabelo, baranga, baranga, baranga. Deixe-
me adivinhar. Você tem um caráter muito bonito. Isto é o melhor que podem
fazer?!
– Oh, sim. Oh, não. Quero dizer, talvez...!
– O quê? Você está gaguejando? É como uma coisa que não deixa fechar sua
boca.!
!
Esta cena permite a observação dos padrões de comportamento verbal
e de sentimentos que Kuzco provoca devido ao seu desempenho social. O
comportamento irônico e de deboche de Kuzco e seu sentimento de repulsa
em relação às moças elicia nelas sentimentos de tristeza ou de raiva. !
Ainda no início do filme, para caracterizar o imperador, passam-se cenas
que demonstram a falta de empatia e respeito aos outros, como: “amanhã, na
minha festa de aniversário, quando eu ordenar, sua cidade será destruída pra
virar isso aqui!”, referindo-se à destruição da vila de Pacha para construção de
sua casa de veraneio: a Kuzcotopia. Nesta cena, quando Pacha, preocupado,

171
pergunta: “onde nós vamos viver?”, Kuzco responde apenas: “não sei, tô nem
aí, que tal?”. !

Figura 3. Sentimentos de repulsa de Kuzco e de tristeza e raiva das mulheres num


contexto de escolha do Imperador por uma esposa.!

Relacionamento Interpessoal entre os Personagens Yzma e


Kuzco!
Também no início do filme, Kuzco despede Yzma do cargo de conselhei-
ra, com o argumento de que ela estava governando em seu lugar, o que era
inaceitável. Consequentemente, Yzma, com muita raiva, planeja destruir Kuzco
e assumir o império. Percebe-se que, como consequência natural dos compor-
tamentos desrespeitosos que Kuzco assume diante das pessoas que com-
põem seu império, elas o temem e, ao mesmo tempo, sentem raiva dele. As
respostas emocionais de medo e de raiva são naturais diante de estimulação
aversiva. Por vingança, Yzma manda o seu ajudante Kronk matá-lo, mas os
venenos são trocados e Kuzco vira uma lhama. !
A próxima cena faz referência ao personagem Kronk, que apresenta
comportamentos opostos ao do imperador, tais como pensar nas consequênci-
as de seu comportamento e o respeito às outras pessoas.!

Kronk – Conversando com seus Pensamentos!


! A cena mostra Kronk em conversa com seus próprios pensamentos,
simbolizados pela imagem de um anjo e de um diabo. Kronk é um fiel servo da
conselheira Yzma. Contudo, demonstra conflito quando é solicitado a fazer coi-
sas erradas. Na conversa com as imagens, Kronk analisa as consequências
boas e ruins de seus comportamentos. !

172
! Apesar das análises, Kronk faz o que Yzma manda, porém não conse-
gue êxito. Acaba por mentir para ela sobre o paradeiro de Kuzco. Kronk, ape-
sar de coadjuvante, também é um personagem com desempenho social rele-
vante, pois se mostra intranquilo perante seus comportamentos “inadequados”.
No final do filme, entretanto, Kronk parece se realizar ao poder emitir bons
comportamentos como guiar um grupo de escoteiros mirins à floresta, demons-
trando como deve ser o contato com os animais.!
!

Figura 4. Kronk refletindo sobre as consequências boas e ruins de seus atos. !


!
Outro personagem central no desenvolvimento da trama é o camponês
Pacha, que, além de ser uma pessoa de uma condição social mais humilde,
apresenta comportamentos opostos aos do imperador. É por meio dos modelos
fornecidos por Pacha que Kuzco melhorará as suas habilidades sociais e sua
própria visão de mundo, pois se tornará mais humanizado.!

Competência Social de Pacha e seu relacionamento com Kuzco!


Ao contrário do que se observa em Kuzco, vê-se em Pacha comporta-
mentos de ajuda e cooperação, os quais certamente contribuíram para que ele
formasse uma família, ao invés de viver sozinho em um grande palácio, como
Kuzco vivia. Pacha é casado, tem dois filhos, um menino e uma menina, e sua
esposa está grávida. Sua interação com a esposa e os filhos é permeada de
carinho, respeito e cooperação. Quando Kuzco reconhece o imperador trans-
formado em lhama, ao invés de buscar destruí-lo, o que seria um comporta-
mento compreensível, visto que sua motivação poderia ser a de evitar a des-
truição prometida de sua vila, Pacha decide ajudá-lo e barganha com ele uma
cooperação mútua – cena que demonstra sua capacidade de resolução de
problemas interpessoais. Pacha age assertivamente diante do imperador Kuz-

173
co, dizendo que não poderá deixar que ele volte ao palácio se não prometer
que construirá sua Kuzcotopia em outro lugar. Kuzco, em sua arrogância,
nega-se a fazer qualquer acordo com Pacha, como pode ser visto no diálogo
seguinte:!
!
– Faça sua casa de veraneio noutro lugar.!
– Quer falar disso outra vez?!
– Não posso deixar você voltar a menos que mude seus planos e construa sua
casa de veraneio noutro lugar.!
– Humm. Eu tenho um segredinho. Venha cá, aproxime-se. Não faço acordos
com camponeses!!
!
Kuzco segue sozinho a caminho do palácio, mas vê sua vida ameaçada
por animais selvagens. Mais uma vez, Pacha decide por salvar Kuzco, de-
monstrando civilidade. Pacha se propõe a levar o imperador de volta ao palá-
cio, na esperança de vê-lo mudar.!
!
– Mas já que você está aqui, vai me levar de volta ao palácio. Vou fazer com
que Yzma me transforme, e então vou começar a construção de Kuzcotopia.!
– Acho que começamos mal. Creio que, se você realmente pensasse nisso,
decidiria construir sua casa numa colina diferente.!
– E por que eu faria isso?!
– Porque acredito que você se dará conta de que está forçando toda uma al-
deia a sair de suas casas só por você.!
– E isso é ruim?!
– Claro que sim! Ninguém tem o coração tão duro.!
!
Pacha, que possui habilidades de expressão emocional e empatia, des-
creve possíveis consequências do comportamento egoísta e de vitimizar-se de
Kuzco: “Um dia, vai acabar ficando completamente só e não terá ninguém a
quem culpar além de si.” Sua observação é bastante pertinente, pois Kuzco só
tem a ele, mas o trata com desprezo. Seu egoísmo cegou seus olhos e ele não
percebe que sua conselheira foi quem provocou sua transformação. !
Por volta do 33º minuto de filme, aparecem os primeiros indícios de sen-
sibilização de Kuzco. Parece que os comportamentos “adequados” de Pacha
eliciam novas emoções no imperador. Na cena destacada, a dupla está acam-
pando na floresta. Kuzco parece sentir muito frio à noite e Pacha o cobre com
seu poncho, costurado por sua esposa, demonstrando cuidado. Kuzco também
passa a emitir repertório social mais adequado, elogiando o material e agrade-
cendo pelo empréstimo, como pode ser observado no diálogo a seguir:!
!
– Obrigado.!
– Não tem problema.!

174
– Se parece com lã.!
– Sim.!
– Alpaca?!
– Sim.!
– Sim, eu achei que fosse. É agradável.!
– Minha esposa fez.!
– Oh, ela sabe tecer?!
– Com agulhas.!
– Agulhas? Bem, obrigado.!
!

Figura 5. Kuzco sensibilizado com o cuidado de Pacha com ele. !


!
Após a noite no acampamento, Kuzco modifica seu relato verbal em re-
lação à construção da Kuzcotopia na colina onde vive Pacha. Assim, os dois
fazem um acordo de cavalheiros – Pacha o guiaria até seu castelo e em troca
Kuzco construiria sua casa de veraneio em outro lugar –, o que parece ser o
início de uma amizade. Pacha faz cobranças de reciprocidade na relação inter-
pessoal com Kuzco.!
!
– Estava pensando que quando voltar à cidade poderíamos, digo, há muitas
colinas, e talvez eu pudesse, você sabe... poderia...!
– Está dizendo... que mudou de idéia?!
– Mmm, bom...!
– Porque, sabe o que quer dizer, estaria fazendo algo de bom pelos demais.!
– Não, já sei, já sei.!
– Não me dê a mão, a menos que seja sincero.!
– Está bem!!
!

175
Contudo, na primeira oportunidade de se ver seguro e livre de Pacha, Kuzco
mais uma vez retoma seu repertório de egoísmo e arrogância, recusando-se a
salvar Pacha, apesar de este ter salvado sua vida em várias situações de peri-
go. A cena ocorrida no 38º minuto ilustra o sentimento de descaso de Kuzco e
de ira de Pacha, provenientes da traição do acordo. Pacha expõe assertiva-
mente seus sentimentos:!
!

Figura 6. Acordo de cavalheiros selado entre Kuzco e Pacha por um aperto de mão.!
!
– Kuzco!!
– Sim? !
– Rápido, me ajude a subir. !
– Não. Não acho que eu vá.!
– Vai me deixar aqui?!
– Bom, ia te aprisionar, mas acho que isto é melhor.!
– Achei que fosse um homem mudado.!
– Vamos, tive que dizer algo para que você me trouxesse para a cidade!
– Então foi tudo mentira?!
– Bom, sim, não, espere, não, sim, tudo era mentira. Adeus!!
– Nos demos a mão!!
– Sabe, o engraçado de dar a mão é que precisa de mãos.!
– Por que eu arrisquei minha vida? Por um egoísta como você? Sempre me
ensinaram que todos têm algo bom, mas você provou que eu estava errado.
Me sinto muito mal. Poderia ter te deixado morrer na selva e assim todos meus
problemas seriam resolvidos.!
!
Após o diálogo acima, os dois encontram-se emperrados em uma situa-
ção de perigo. Para se salvarem, é preciso que confiem um no outro e que co-
operem. Pacha instrui Kuzco: “Tenho uma idéia, me dá seu braço. Agora o ou-

176
tro. Quando eu disser vai, empurre contra minhas costas e vamos subir cami-
nhando. Temos que trabalhar juntos para sair dessa.” !
!
!

Figura 7. Sentimento de ira de Pacha por Kuzco não ter cumprido o acordo.!
!

Figura 8. Situação de exigência de cooperação mútua.!


!
A situação exige que Kuzco desempenhe novas habilidades sociais, de
confiança e cooperação. O imperador se sai bem, contudo, ainda não confia
completamente no companheiro: “Como saberei que não vai me deixar cair de-
pois que agarrar a corda?” Pacha exige de Kuzco novas habilidades sociais,
orientando-o acerca do que é necessário: “Vai ter que confiar em mim!” A dupla
se salva da emboscada e, na cena seguinte, Pacha cai no penhasco, mas, ao

177
contrário da cena retratada no 38º minuto, Kuzco demonstra sentimentos de
pavor ao ver seu amigo em risco de morte e o salva. O imperador então emite
comportamentos de cuidado e atenção para com Pacha, demonstrando assim
aquisição de repertório social oposto ao apresentado no início do filme.!

Figura 9. Kuzco salva a vida de Pacha.!


!
Pacha esbanja alegria pelo salvamento e principalmente por perceber
que há algo de bom no imperador. A consequência do envolvimento de Kuzco é
que Pacha se dispõe a acompanhá-lo novamente ao palácio, mesmo sabendo
que Kuzco pode ainda construir a Kuscotopia em sua colina. Pacha exprime:
“Bem, eu te dei a mão, não?”, demonstrando compromisso e civilidade. A ex-
pressão de seus sentimentos é considerada um reforço social ao padrão de
competência social sendo adquirido por Kuzco. Pacha também demonstra, ao
longo de todo o filme, desempenho social que serve de modelo para o impera-
dor, que tem a oportunidade, a partir destas novas relações de desenvolver no-
vas habilidades.!
No desenrolar da trama, Kuzco ainda desconfia de Pacha e rejeita sua
ajuda. Pacha demonstra sentimentos de tristeza, mas não abandona o amigo.
Num próximo encontro entre eles, Kuzco pede desculpas ao amigo. O impera-
dor já é capaz de se colocar no lugar do próximo, expressar seus sentimentos
e fazer amizades. A partir daí, os dois têm um mesmo objetivo em comum:
transformar Kuzco de volta em ser humano. !
No final do filme, com um novo repertório social, Kuzco se vê diante de
situação semelhante à ilustrada anteriormente, quando os dois estão presos
em uma emboscada e devem trabalhar em equipe para conseguir sair ilesos da
situação. Para ser transformado novamente em ser humano, os amigos preci-
sam agir juntos. Desta vez, entretanto, é fácil para o imperador confiar em Pa-
cha. Os sentimentos de apreensão e medo não fazem parte desta cena. !

178
!
!

Figura 10. Kuzco pede desculpas a Pacha e os amigos fazem as pazes.!


!
!

Figura 11. Nova situação de exigência de cooperação mútua.!


!
Para selar a amizade entre Kuzco e Pacha, sinalizando as mudanças
significativas observadas no seu desempenho social, o imperador decide cons-
truir a Kuzcotopia em outra colina. Ele ainda não é capaz de admitir suas esco-
lhas sem ironia, porém abre mão de destruir a vila dos camponeses e, seguin-
do o pedido de Pacha, constrói sua casa de veraneio em colina ao lado, ironi-
camente, menor do que a colina onde reside Pacha. Parece que Kuzco foi ca-
paz de solucionar problemas com empatia, assertividade e autocontrole!!

179
!
– Então você mentiu pra mim.!
– Eu menti?!
– Sim, me disse que, quando o sol golpeasse o cume, certamente essas colinas
cantariam. Bom, percorri todas as colinas e não escutei nenhuma canção. Então
vou construir minha casa de veraneio em uma colina mais mágica. Obrigado.
Parece que você e sua família estão presos nessa colina para sempre, amigo.!
– Sabe, estou certo que ouvirá umas canções na colina junto à nossa, no caso
de te interessar.!
!

Figura 12. Colina onde o Imperador Kuzco montou sua Kuzcotopia (à esquerda) e co-
lina onde reside Pacha e sua família (à direita).!
!
!
Considerações Finais!
!
A utilização de filmes na clínica comportamental infantil ainda é uma práti-
ca pouco utilizada pelos terapeutas infantis. No entanto, esta utilização abre
novos caminhos ao terapeuta, visto que, com o acesso cada vez maior das cri-
anças ao uso de tecnologias, a sua atenção está mais voltada para TV e com-
putador quando comparada a outros estímulos. Boto (2002) argumenta que,
como as crianças passam pelo menos 20 horas por semana em situação esco-
lar, algumas atividades realizadas no consultório, como desenhos e pinturas,
por sua semelhança ao que é desenvolvido na escola, podem dificultar a moti-
vação da criança e o engajamento desta em terapia. Com isso, os filmes ga-
nham um status diferenciado no contexto clínico infantil, tornando-se mais atra-
tivos e reforçadores.!
Os filmes muitas vezes traduzem a literatura infantil. Assim, da mesma
forma que a literatura, a utilização de filmes pode contribuir para o enriqueci-

180
mento do repertório comportamental das crianças, pois oferece soluções alter-
nativas para diversos problemas do mundo infantil (Vasconcelos, 2005).!
As demandas terapêuticas que podem ser trabalhadas com filmes são
inúmeras e abrangem desde medos até dificuldades escolares. O filme “A nova
onda do imperador” traz personagens com desempenho social bem definido e
ilustrado, fazendo com que habilidades sociais possam ser observadas e anali-
sadas nas cenas. Desta forma, o filme pode ser utilizado como recurso lúdico
no acompanhamento clínico de crianças com queixas relacionadas ao repertó-
rio social. !
Algumas habilidades sociais inadequadas emitidas por Kuzco, Yzma e
Kronk são funcionalmente semelhantes a queixas frequentes apresentadas por
crianças em terapia, como egoísmo, baixa resistência à frustração, comporta-
mentos de deboche e desprezo, agressividade, entre outras. Assistir ao filme e
propor uma análise funcional do comportamento dos personagens pode consti-
tuir uma forma mais branda de sinalizar a inadequação de comportamentos do
cliente, permitindo de forma gradativa a aproximação para que a criança des-
creva seus próprios comportamentos. Analisar funcionalmente o comportamen-
to dos personagens, identificando principalmente as consequências em longo
prazo do “comportamento-problema” (e.g., ficar sozinho), pode facilitar o de-
senvolvimento de auto-observação e autoconhecimento por parte da criança. !

181
Pacha, o personagem com mais competência social, é um excelente
modelo das classes de habilidades sociais. Ele demonstra autocontrole e ex-
pressividade emocional quando sente raiva e tristeza pelos comportamentos de
Kuzco, descreve seus sentimentos, mas não se torna agressivo e não o aban-
dona. Pacha comporta-se com extrema civilidade quando deixa sua família
para guiar ao palácio o imperador, que precisa de sua ajuda, mesmo quando o
sumiço deste imperador significaria a solução de seus problemas. O camponês
é empático com a situação de Kuzco e assertivo nas exigências que faz. Da
mesma forma, propõe meios de solução de problemas interpessoais adequa-
das ao longo do filme. Sua competência social é reforçada pela amizade con-
quistada e pela mudança de atitude do imperador. No atendimento infantil, este
exemplo pode ser utilizado para promover, por meio de modelação, comporta-
mentos funcionalmente semelhantes em crianças com repertório social precá-
rio. Ainda, algumas cenas podem servir de contexto para ensaios comporta-
mentais com a criança, por exemplo, de situações de pedir ajuda, pedir descul-
pas, cooperação mútua, expressão de sentimentos, etc. !
! As histórias são instrumentos poderosos de transmissão de valores de
geração em geração. Por meio delas, perpetuam-se regras, crenças e padrões
comportamentais, que contribuem para a formação da cultura. As histórias utili-
zadas no contexto terapêutico infantil, além de trabalharem com queixas espe-
cíficas, ensinam conceitos mais amplos, de forma sutil. As histórias abordam,
por exemplo, as noções de amizade, medo, companheirismo, rivalidade, com-
petição, solidariedade e amor.!
! Quando um terapeuta escolhe um material para utilizar nas sessões de
terapia com a criança, ou até mesmo com os pais, ele deve ter cautela. Devem-
se buscar histórias que ensinem valores de acordo com o contexto familiar e
também de acordo com os valores culturais. Dessa forma, o terapeuta pre-
cisa estar consciente do seu papel de educador, e mais precisamente do
seu poder de influência sobre a promoção de um repertório particular
do seu cliente.!
! Não existe uma receita pronta para utilização de histórias na
clínica infantil. Cada história pode ser explorada de acordo com a
queixa levantada e com peculiaridades do terapeuta. Ele deve co-
nhecer bem as histórias que for utilizar, deve refletir sobre os valo-
res presentes nelas e sobre a melhor forma de aplicação desse
instrumento.!
!
Referências Bibliográficas!
!
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ashumanas/ humanidades_foco/anteriores/humanidades_5/textos/aprovados/
educ_historias.pdf


185
!
“INSTINTO”: DESCRIÇÃO, PREVISÃO E CON-
TROLE DO COMPORTAMENTO VIOLENTO !
!
Maria Verônica Studart Lins de Albuquerque37!
Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento!
!
Ana Karina C. R. de-Farias!
Consultório Particular!
Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal!
Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento!

Título do filme: Instinto!


Título original: Instinct !
Ano: 1999!
Diretor: Jon Turteltaub !
Produtor: Barbara Boyle, Hunt Lowry e Wolfgang Petersen !
Lançado por: Touchstone Pictures, Spyglass Entertainment

O objetivo desse trabalho é realizar uma análise de comportamentos


agressivos extremos, sob a perspectiva do Behaviorismo Radical e da Análise
do Comportamento, discutindo possíveis contribuições da Psicologia para a
descrição, previsão e controle do comportamento violento.!

37 E-mail: veronica.studart@gmail.com !

186
Nenhum problema permanece tão atual, ao longo dos tempos, quanto o
tema da violência no mundo. A escalada da violência, em especial, a urbana, é
foco de atenção dos governos, da sociedade organizada e de instituições es-
pecializadas, movidas pelo intento de proteger a criança, o adolescente, e de-
mais cidadãos. Cada retrato da violência abre uma oportunidade para discus-
sões sob os mais diferentes olhares, no intuito de entendê-la, classificá-la, tra-
tá-la, contê-la e preveni-la.!
A Organização das Nações Unidas (ONU) classificou o Brasil, em 2011,
como o sexto país mais violento do mundo. Estudos do Instituto Sangari38, rea-
lizados em 2011, em parceria com o Ministério da Justiça, revelam que a taxa
de mortes por homicídio no Brasil cresceu 4% ao ano, sucessivamente, entre
os anos de 1980 a 2003, mantendo-se no patamar entre 26% e 29%, desde
então.!
A estabilização dos índices, de acordo com os estudos, se deve de um
lado à redução de homicídios nos estados mais violentos e, de outro lado, ao
aumento dos índices nos estados considerados mais pacíficos. Uma análise
mais detalhada revela que os fatores principais da estabilização foram: o Esta-
tuto do Desarmamento, que entrou em vigor em 2003, promovendo campanhas
de desarmamento voluntário; o incremento de políticas governamentais, o in-
vestimento de recursos em segurança pública, destinados aos estados mais
violentos do país e, finalmente, em contrapartida, o aumento da violência nos
estados antes considerados mais pacíficos devido à falta de políticas e de re-
cursos apropriados, dentre outros fatores, como o do crescimento demográfico
e suas consequências.!
No Brasil, o elevado índice de violência, atrelado às questões de segu-
rança pública, é a principal preocupação da população; é o que mostra uma
recente pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisas Aplicadas (IPEA)39. De
acordo com essa pesquisa, 23% dos entrevistados apontaram a violência como
sua maior preocupação: essa posição se manifesta inclusive na população de
baixa renda, em detrimento de problemas como a fome e o desemprego.!
Pode-se citar como exemplo dessa preocupação o recente acontecimen-
to registrado no Rio de Janeiro no mês de fevereiro de 2012 e publicado em
diversos jornais do País40: sentado na primeira fila de um ônibus, Paulo Rober-
to viu uma menina de 12 anos passar através da catraca; seguiu-a, sentou-se

38Os estudos foram coordenados pelo sociólogo Júlio Jacobo Waisefisz e têm como fonte os dados
do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde.

39 Informações obtidas em Mapa da Violência divulgado no site oficial do Instituto de Pesquisas Apli-
cadas, fundação vinculada ao Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República do Bra-
sil, em 21 de dezembro de 2011.

40Informações obtidas no Portal de Notícias da Globo, www.g1.com/rio-de-janeiro/noticias/html , em


15/05/2012.

187
ao lado dela nos fundos do coletivo e, ali, a estuprou. O criminoso havia cum-
prido pena de vários anos de prisão, por vários tipos de crimes e estava em li-
berdade condicional, há apenas 11 dias, o que lhe foi garantido pela lei, já que
havia cumprido metade de sua pena e apresentava, no presídio, bom compor-
tamento. A Comissão de Avaliação entendeu que Paulo estava apto a retornar
ao convívio com a sociedade – foi o argumento da juíza que assinou a senten-
ça de liberdade. Esse fato é apenas uma amostra do que os jornais nos apre-
sentam como balanço diário da violência no Brasil e no mundo.!

Não apenas os jornais, mas todas as formas de mídia denunciam os


dramas da humanidade. As artes, como o cinema, também não se esquivam da
responsabilidade de participar do debate dos temas que afligem a sociedade.
Muitos filmes são produzidos sobre o tema da violência nas suas mais diferen-

188
tes versões, adotando um posicionamento crítico social e político, instigando o
público à reflexão.!
Um filme em especial, “Instinto”, chama a atenção pela riqueza do seu
enredo, em termos de temas passíveis de discussão, dentre elas a questão do
conceito da violência, as relações interpessoais, a relação terapeuta x paciente
nos hospícios judiciais, a estrutura funcional do comportamento agressivo/vio-
lento e os aspectos contextuais. O filme americano, baseado em novela de Ge-
rald Di Pego e produzido em 1999, apresenta uma face da violência de grande
interesse para o campo da Psicologia.!

“Instinto” conta a história de um assassino considerado louco e violento,


que é avaliado por um psiquiatra, para asseverar à justiça as condições de im-
putabilidade penal do preso. O assassino em questão é Dr. Ethan Powell
(Anthony Hopkins), um famoso antropólogo americano desaparecido há 2
anos, durante uma viagem feita à África, para estudar o comportamento dos
gorilas. !
Doutor Ethan foi localizado quando foi preso em Ruanda, por assassinar
violentamente três caçadores, no interior da selva africana. Maltrapilho, sujo e
desgrenhado, num acesso descontrolado de agressividade, foi contido e con-
duzido à cadeia, onde passou a apresentar um comportamento retraído e sub-
misso por longos períodos, interrompidos, momentaneamente, por reações de
extrema agressividade. Tido como louco, o antropólogo foi posto sob a custódia
do governo americano e transferido para os Estados Unidos, onde foi mantido

189
em um manicômio judicial até que sua condição de saúde mental fosse avalia-
da, definindo-se a sua capacidade de ser responsabilizado por seu ato e de ser
legalmente punido.!
Um jovem e ousado psiquiatra, Dr. Theo Caulder (protagonizado por
Cuba Gooding Jr.) ofereceu-se para realizar o trabalho de diagnóstico. Ciente
da notoriedade do caso e vislumbrando uma oportunidade de projetar-se pro-
fissionalmente, Dr. Theo aceitou os riscos de lidar com situações que ameaça-
riam não apenas o sucesso de sua carreira, como também a sua própria inte-
gridade física. Além da agressividade exacerbada, impulsiva e imprevisível, o
psiquiatra teria que enfrentar ainda a completa mudez de Dr. Ethan, entendida,
até então, como um dos sintomas do distúrbio apresentado pelo paciente.!

Dono de uma habilidade incomum para o acolhimento ao paciente, Dr.


Theo conseguiu, no decorrer das entrevistas, estabelecer com Dr. Ethan um
vínculo terapêutico confiável e autêntico, que quebrou a barreira do silêncio e,
aos poucos, trouxe revelações surpreendentes sobre todas e cada uma, indivi-
dualmente, das reações de violência do antropólogo.!
Ao longo dos 2 anos de desaparecimento, o antropólogo tinha vivido no
seio de uma família de gorilas, no interior da selva. Antes disso, ele ocupava
um acampamento, de onde se deslocava todos os dias, pela manhã, para fazer
observações sobre as relações sociais e comportamentos de um grupo de gori-
las que elegera para seus estudos, retornando ao acampamento, todas as noi-
tes. Com o passar do tempo, Dr. Ethan conseguiu chegar cada vez mais próxi-
mo do grupo e, assim, permanecia cada vez mais tempo com ele.!
O grupo, por sua vez, admitia, gradualmente, uma aproximação maior
de Dr. Ethan, até que, por fim, aceitou a presença permanente dele, no seio da
família. Dr. Ethan havia aprendido as regras de submissão ao macho alfa, de
participação, de limites e até mesmo de comportamentos esperados, assumin-
do no grupo o papel que lhe foi autorizado. Foi nessa ocasião que o antropólo-

190
go decidiu abandonar, definitivamente, o acampamento e seus últimos e tênues
contatos com o mundo dos humanos. Foram 2 anos de convivência intensa, o
homem e os gorilas, interagindo como membros de um mesmo clã, trocando
cooperação e afeto, cuidando-se mutuamente. O equilíbrio harmonioso da con-
vivência com os animais era, entretanto, sutilmente ameaçado por distantes
rumores de caçadores humanos e, por isso, o grupo se deslocava selva aden-
tro, de tempos em tempos.!
No entanto, certa hora, a caça terminou. A família de gorilas foi surpre-
endida no momento em que um tiro rompeu a quietude da selva e atingiu mor-
talmente a matriarca do grupo. No desespero pela sobrevivência, os membros
correram a ermo, enquanto Dr. Ethan abraçou um bebê gorila e o escondeu
entre os arbustos. Depois, presenciando a matança de outros membros, ele
voltou e atacou ferozmente os caçadores, matando dois deles. Mas foi, enfim,
contido e lançado por terra. Caído ao lado do macho alfa, que também foi atin-
gido e agonizava, Dr. Ethan se despediu de uma verdadeira família, para ser
conduzido à prisão.!
O presente texto debruça-se sobre a análise dos comportamentos
agressivos/violentos do protagonista do filme, para tecer considerações acerca
das contribuições da Análise do Comportamento, para a descrição, previsão e
controle de comportamentos antissociais agressivos.!
A Análise do Comportamento é uma ciência baseada nos pressupostos
do Behaviorismo Radical, desenvolvido por B. F. Skinner. O Behaviorismo, na
sua concepção mais ampla41, não se constitui na ciência psicológica propria-
mente, mas sim, numa filosofia do comportamento humano que norteia o tra-
tamento de questões como porque os indivíduos se comportam do modo como
se comportam, quais os mecanismos envolvidos e quais fatores devem ser
manipulados para viabilizar uma previsão acurada e o seu controle. Tendo em
vista os pressupostos do Behaviorismo Radical, na Análise do Comportamento,
o foco das análises é direcionado para as relações funcionais e dinâmicas es-
tabelecidas entre os elementos que constituem o comportamento (Baum,
1994/1999; Chiesa, 1994/2006). !
Skinner (1953/2003) define comportamento como um complexo proces-
so de interação entre o organismo e o ambiente e não, simplesmente, como
aquilo que observamos dele: todo comportamento é iniciado a partir de um es-
tímulo ambiental e seguido de uma resposta do organismo. Muitas vezes, a
resposta produz efeitos no ambiente, gerando consequências, que podem re-
troagir sobre o organismo. Assim sendo, o comportamento não pode ser com-
preendido de forma isolada do seu contexto, pois ele é constituído de um con-

41 O Behaviorismo passou por várias fases ou vertentes, na busca de inserir a metodologia científica
no estudo do comportamento. O Behaviorismo Radical é a versão mais recente dentro do Behavio-
rismo (Chiesa, 1994/2006).

191
junto de elementos interdependentes: os eventos ambientais antecedentes, a
resposta do organismo a esses eventos e as suas consequências (Marçal,
2010; Skinner, 1953/2003). A resposta é sempre emitida em função de variá-
veis do ambiente, as quais podem ocorrer de modo contíguo ou não à apresen-
tação do comportamento e podem, ainda, ser atuais ou históricas.!
Para a Análise do Compor-
tamento, as características do
comportamento são selecionadas
dentre uma faixa ampla de possi-
bilidades disponíveis ao indivíduo
ao longo do tempo, numa relação
temporal ou espacial (Chiesa,
1994/2006). Matos (1997) desta-
ca que, para Skinner, a explica-
ção do comportamento como
uma cadeia unidirecional e me-
canicista de eventos não se sus-
tenta ante uma análise mais acu-
rada. O modelo de explicação
skinneriano é essencialmente se-
lecionista e reconhece nas con-
sequências advindas do ambien-
te um papel fundamental na sele-
ção, manutenção e modificação
dos comportamentos. !
Essas são as bases teóri-
co-conceituais sob as quais se
fundamenta este texto. Tratam-
se, também, de aspectos tais
como os três níveis de seleção
por consequências, topografia e
função dos comportamentos,
comportamento diretamente mo-
delado por contingências e com-
portamento governado por regras, habilidades sociais, reforçadores e motiva-
ções para o indivíduo se comportar tal como o faz, e, ainda, a questão da
consciência do comportamento. Procura-se trazer uma compreensão do com-
portamento agressivo e seus determinantes, analisando as fronteiras entre a
normalidade e o transtorno de agressividade, tecendo análises e formulando
diagnósticos para a elaboração final de posicionamento crítico sobre a proble-
mática central do filme, que é a expressão da agressividade humana.!

192
A Análise dos Comportamentos !

Os Três Níveis de Seleção dos Comportamentos!

Em conformidade com o pensamento de Darwin sobre o processo de


seleção natural das espécies, a Análise do Comportamento entende que a for-
mação dos repertórios comportamentais ocorre pela seleção dos comporta-
mentos por suas consequências adaptativas às mudanças ambientais. O pri-
meiro nível de seleção natural, filogenético, responde pelos reflexos e padrões
típicos de cada espécie, pelo maior ou menor grau de sensibilidade às con-
sequências e por operantes típicos de cada espécie. No segundo nível de se-
leção, ontogenético, operantes condicionados são selecionados de um modo
que os indivíduos não estão predeterminados filogeneticamente, mas tal sele-
ção permite que o indivíduo se torne mais flexível e adaptativo a um ambiente
de mudanças, durante sua vida particular. O terceiro nível de seleção é consti-
tuído pelo conjunto de contingências socioculturais. Esse nível de evolução é
viabilizado pelo surgimento do comportamento verbal e permite que os indiví-
duos tenham acesso ao mundo privado, porque viabiliza o compartilhamento
das experiências individuais, construindo novos repertórios de operantes con-
dicionados, bem como de respondentes modificados (Andery, 1997; Matos,
1997; Skinner, 1981/2007; Todorov & de-Farias, 2009).!
De acordo com esse modelo, o comportamento não se explica por uma
cadeia causal de variáveis, mas “por uma malha de relações de caráter intera-
cionista e histórica” (Matos, 1997, p. 59). O ambiente determina quais compor-

193
tamentos do indivíduo serão selecionados e mantidos, a partir da interação que
o organismo estabeleceu com ele no passado: na história da evolução da es-
pécie, na história de vida do indivíduo e nas práticas da cultura na qual ele es-
teve inserido (Marçal, 2010; Skinner, 1953/2003).!
Ao levar em consideração os três níveis de seleção dos comportamen-
tos acima mencionados, torna-se evidente que cada indivíduo e, por extensão,
seus comportamentos precisam ser vistos como uma unidade inseparável e
desse modo devem ser analisados. O mecanismo de seleção dos comporta-
mentos defendido por Skinner nos permite entender sua posição a respeito do
tratamento científico que deve ser dado à análise do comportamento. !
Skinner (1953/2003) defende que o tratamento científico dado ao estudo
dos comportamentos não pode ser de busca de uniformidade, pela coincidên-
cia de características e estatísticas de incidência. Na Sociologia e na Antropo-
logia, por exemplo, o comportamento pode ser visto sob o prisma da uniformi-
dade, como é o caso do estudo dos costumes e usos que descrevem compor-
tamentos gerais de grupos sociais. O mesmo ocorre nas ciências médicas, nas
quais as doenças podem ser descritas em termos gerais e os indivíduos podem
ser tratados com base na identificação de grupos de fatores comuns a um nú-
mero de casos considerável. Entretanto, para a Análise do Comportamento,
cuja proposta é descrever, predizer e controlar o comportamento, as
características médias de um indivíduo, definidas por padrões esta-
tísticos, pouco contribuem.!

Topografia e Função dos Comportamentos!


Outro mecanismo importante para as análises behavi-
oristas é o das relações entre o organismo e o ambiente. Um
dos pressupostos da doutrina skinneriana é que todo com-
portamento é uma resposta dada pelo organismo aos estí-
mulos ambientais. Tais respostas são selecionadas entre vá-
rias possibilidades, em função das contingências ambientais
e das consequências advindas do ambiente ao longo da his-
tória do organismo, assim como dos efeitos positivos ou nega-
tivos dessas consequências sobre o organismo. Compreender
os padrões comportamentais desenvolvidos por cada indivíduo
significa, portanto, conhecer as relações estabelecidas entre ele e o
seu ambiente e identificar os determinantes ambientais que geraram e
mantêm tais padrões. Essas relações possuem um caráter absolutamente
particular, considerando-se que cada indivíduo constrói seu repertório compor-
tamental a partir das experiências acumuladas ao longo de sua história e, as-
sim, comportamentos iguais na sua forma, podem possuir funções totalmente

194
diferentes e, inversamente, comportamentos com funções diferentes podem ser
topograficamente iguais (Skinner, 1953/2003).!
Neste ponto, é possível tecer as primeiras considerações sobre os com-
portamentos de Dr. Ethan. Agredir e matar duas pessoas foram os seus atos
considerados criminosos, que o levaram à prisão. Do ponto de vista da Análise
do Comportamento, agredir e matar, simplesmente, não constituem a essência
do crime, haja vista que os caçadores não foram considerados agressivos e
criminosos, por agredir e matar gorilas. Estes usaram armas de fogo, para, sor-
rateiramente, investir contra suas vítimas, enquanto Dr. Ethan projetou-se de
forma arrebatadora contra os caçadores, matando-os a pauladas. Possivelmen-
te, o que caracterizou o crime foi o objeto da agressão, ou seja, pessoas, e não
gorilas, e a sua forma. Tal suposição, ainda assim, se restringe à descrição to-
pográfica do comportamento. O que dizer, porém, da sua função? Matar para
defender a tribo, para garantir-lhe a sobrevivência seria mais grave do que ma-
tar gorilas adultos para capturar e vender seus filhotes ou para comer suas
carnes, ou, ainda, para cortar suas mãos e transformá-las em cinzeiros, que
são vendidos no mercado africano a altos preços?42!
Aqui, se apresenta um dos grandes diferenciais da Análise do Compor-
tamento a respeito da topografia e função dos comportamentos agressivos.
Como afirma Skinner (1969, p. 129):!
!
(…) nenhum comportamento é agressivo por causa de sua topografia. Uma
pessoa que, em dado momento, está agressiva é uma que, entre outras carac-
terísticas, 1) apresenta uma possibilidade elevada de comportar-se verbalmen-
te ou não-verbalmente de modo tal que alguém seja atingido (juntamente com
uma probabilidade diminuída de agir, de modo que ele seja positivamente re-
forçado) e 2) é reforçada por tais conseqüências.!
!
Marçal (2005a) assinala que os comportamentos, enquanto interações
organismo-ambiente, têm funções biológicas adaptativas. Desse modo, tanto o
comportamento do antropólogo, quanto os comportamentos dos caçadores ti-
nham funções adaptativas distintas, embora ambos tenham agredido e causa-
do mortes. Na análise do comportamento humano, topografia e função dos
comportamentos são características básicas a serem analisadas. Existem ou-
tros aspectos que também são de relevância fundamental para o diagnóstico e
o tratamento dos comportamentos inadequados. A análise que se segue tratará
do processo pelo qual o comportamento agressivo/violento de Dr. Ethan se es-
tabeleceu, tornando-se altamente inflexível.!
!
!
42 Informações obtidas no site The Gorila Foundation, http://www.koko.org/index.php, em 06/04/12.

195
Comportamentos Diretamente Modelados por Contingências e
Comportamentos Governados por Regras!
Como já mencionado anteriormente, todos os padrões comportamentais
operantes se estabelecem em função de suas consequências, mas o processo
pelo qual se estabelecem pode ser diferente. Comportamentos podem ser mo-
delados e mantidos diretamente pelas contingências naturais do ambiente e
suas consequências ou podem ser governados por regras provenientes de um
comportamento verbal antecedente, emitido por um falante. O falante pode ser
outra pessoa, ou a própria pessoa. Neste último caso, diz-se que a pessoa de-
senvolveu uma autorregra. !
Os comportamentos modelados por contingências requerem um apren-
dizado mais lento, pois dependem da exposição a um grande número de con-
tingências para se desenvolver; por outro lado, permitem ao indivíduo distinguir
com mais acurácia diferenças sutis das variáveis contingenciais, proporcionan-
do respostas e consequências imediatas mais precisas e efetivas. Os compor-
tamentos governados por regras são aprendidos mais rapidamente e estabele-
cem sequências específicas de respostas padronizadas, que são aplicáveis a
contingências específicas. Porém, esses padrões de comportamento tornam o
indivíduo menos sensível às variações contingenciais, induzindo, muitas vezes,
a emissão da resposta em contextos impróprios e produzindo consequências
indesejáveis (Baum, 1994/1999; Meyer, 2005). !
Mesmo antes dos 2 anos de convivência com os gorilas, os comporta-
mentos de Dr. Ethan já estavam fortemente governados pelas regras de intera-
ção social do grupo. O mutismo, os movimentos minimizados e lentos e a ma-
nutenção de uma distância regulamentar, eram regras a serem seguidas, para
que o pesquisador pudesse realizar, sem maiores riscos, o acompanhamento e
a observação do grupo. Quando decidiu permanecer definitivamente na selva,
em convivência com os gorilas, as primeiras ações de Dr. Ethan foram uma
aproximação sucessiva: gradualmente, ele foi abandonando as regras sociais
dos humanos e ampliando seu sistema de regras de comportamento à seme-
lhança das normas do grupo de gorilas; algumas vezes, pediu autorização, à
moda dos gorilas, para ingressar e permanecer no grupo, estendendo a mão
de forma cautelosa, com o dedo indicador apontado horizontalmente para o
macho alfa e aguardando ser tocado pelo gorila na ponta do dedo, o que seria
o sinal de autorização. Daí em diante, foi o seguimento rigoroso de normas so-
ciais do grupo de gorilas que permitiram a Dr. Ethan a convivência com eles.
Essas normas incluíam a submissão ao macho dominante, o respeito às roti-
nas, o uso das mesmas formas de comunicação e a participação em tarefas
que lhe eram atribuídas e a proteção aos demais membros.!
Sob forte controle de normas (regras em um sentido geral), era previsí-
vel que a defesa incondicional do grupo pela sobrevivência tenha sido, para Dr.

196
Ethan, a única coisa a fazer, no momento do ataque. Ao agredir e matar os ca-
çadores, a função do comportamento de Dr. Ethan era proteger os membros do
grupo, tal como é a regra de defesa da espécie contra predadores43. De volta
ao mundo civilizado, os comportamentos se mantiveram sob o controle das re-
gras animais: ver outros presos serem agredidos por policiais evocava em Dr.
Ethan as mesmas reações de defesa do grupo; ameaças à sua integridade físi-
ca evocavam comportamento de luta para eliminação de um “possível” preda-
dor; ruídos perturbadores e tumultos comuns do presídio evocavam comporta-
mentos de fuga. As contingências mudaram, mas ele estava insensível a essas
mudanças.!
Como pode ser visto no comportamento de Dr. Ethan, o seguimento de
regras restringiu-lhe a discriminação da criticidade de uma contingência especí-
fica que se diferenciava das contingências comuns da selva. Entre animais sel-
vagens impera a lei da defesa e preservação da espécie; na contingência em
questão, o inimigo a ser atacado era um indivíduo da mesma espécie, em con-
traposição às vítimas que pertenciam à espécie diferente de seu defensor. O
resultado foi o homem matando homens para defender gorilas.!
Um questionamento se impõe, neste ponto, sobre o processo de formação
das regras assimiladas por Dr. Ethan: se regras são construídas a partir de es-
tímulos verbais antecedentes, como então se instalaram tais regras? Baum
(1994/1999) faz uma interessante análise das atividades dos cientistas, ao tra-
tar do tema do comportamento verbal e formação de regras, que pode ajudar
no esclarecimento da questão. Segundo ele, os comportamentos de estudo e
pesquisa dos cientistas envolvem coleta de dados por meio de observações
excepcionalmente acuradas, registro e análise de dados que, na linguagem
behaviorista radical, consistem na formação de discriminações. As discrimina-
ções permitem que os cientistas digam ou escrevam coisas a respeito das ob-
servações, produzindo um conhecimento que pode, de uma forma ou de outra,
ser compartilhado verbalmente. Os dados observados transformam-se, portan-
to, em estímulos ambientais que evocam comportamentos verbais de falar e
escrever, podendo resultar na formulação de regras e autorregras.!
Por definição, a regra que resultou no comportamento agressivo de Dr.
Ethan contra os caçadores era, portanto, uma autorregra, uma vez que o pro-
cesso cognitivo44 subjacente a ela consistiu na tradução do comportamento dos
animais para a linguagem humana. Desse modo, é importante ressaltar que
não se supõe que os gorilas tenham regras verbalizadas, em conformidade
com o conceito de regras sob o ponto de vista da Análise do Comportamento,

43 Informações obtidas no site The Gorila Foundation, http://www.koko.org/index.php, em 08/04/12.

44 Processos cognitivos são, aqui, tratados como processos comportamentais, sujeitos às mesmas
leis que os demais comportamentos. Portanto, (1) não têm uma natureza diferente em relação aos
demais comportamentos emitidos por um organismo, e (2) não possuem um status causal.

197
embora eles demonstrem possuir normas sociais que regem as relações dos
grupos. !
É relevante esclarecer que regras e autorregras são úteis para as pes-
soas e para as comunidades como um todo, na medida em que viabilizam con-
formidade e equilíbrio aos indivíduos no convívio em grupo. Skinner
(1989/1991) apresenta duas importantes razões para os indivíduos se compor-
tarem conforme as normas do grupo em que estão inseridos: a primeira refere-
se à seleção natural e está diretamente relacionada à preservação da espécie;
a segunda refere-se à obtenção de reforços comuns da convivência grupal,
fornecidos pelos membros, que reforçam conformidades e punem desvios.!
No processo de formação das regras e dos padrões comportamentais de-
senvolvidos por Dr. Ethan em seu período de vida selvagem, alguns reforçado-
res disponíveis estimulavam e mantinham seus comportamentos. É o que se
procura analisar no próximo segmento deste trabalho. !

Reforçadores Sociais e Motivações!


Dr. Ethan envolveu-se em total harmonia com o grupo de gorilas, acei-
tando incondicionalmente suas regras, enquanto seu envolvimento social ante-
rior com os humanos não parecia ter grande importância; ao contrário, parecia,
até mesmo, aversivo. De fato, a filha de Dr. Ethan, em entrevista ao psiquiatra,
descreveu o pai como um homem que sempre foi “distante, obcecado pelo tra-
balho e indiferente à família”, antes de desaparecer na selva africana. Essa
descrição faz referência a um baixo repertório de comportamentos sociais, os
quais envolvem a dificuldade para formar vínculos interpessoais com familiares
e amigos, a falta de capacidade para iniciar e manter conversação com outros,
a falta de assertividade da comunicação e a expressão de sentimentos e afe-
tos45. A inabilidade social encontra explicações na história de vida do indivíduo
inserido em contextos ambientais pouco estimulantes verbalmente, represso-
res, com disponibilização de modelos inadequados ou com reforçadores do
ambiente familiar incompatíveis com outros oferecidos no ambiente social. As
inabilidades sociais constituem-se de deficiências ou excessos comportamen-
tais (Marçal, 2005b). !
Inábil para relacionar-se socialmente, o isolamento na selva parecia ser
uma opção razoável para Dr. Ethan. O ambiente social do mundo moderno era
aversivo para ele, na medida em que exigia comportamentos os quais não es-
tava apto a emitir. Na selva, porém, a observação do relacionamento social do

45 Uma grande lista de comportamentos sociais é apresentada no artigo escrito por Alessandra T.
Bolsoni-Silva, intitulado “Habilidades sociais: Breve análise da teoria e da prática à luz da análise do
comportamento”, no qual ela cita autores como Caballo (1991), Del Prette e Del Prette (2001b), Al-
berti e Emmons (1978), dentre outros que tratam do tema. Para obtenção de detalhes, o artigo pode
ser acessado em SER- Sistema Eletrônico de Revistas da UFPR, no endereço eletrônico http://
ojs.c3sl.ufpr.br/ojs-2.2.4/index.php/psicologia/article/viewArticle/3311

198
grupo de gorilas fez “emergir o desejo”46 de compartilhar daquela interação, da
troca de cuidados e de afeto. Apesar das limitações, o antropólogo era um ho-
mem carente (i.e., privado) de interação social. Afinal, como afirmava o filósofo
grego Aristóteles (384-322 a.C.), o homem é um ser social que, para obter a
felicidade, precisa desenvolver e exercer suas capacidades no interior do con-
vívio social47. !

Na visão de Skinner (1953/2003), a convivência social do indivíduo com


outros é importante porque muitos reforçadores são providos por, ou requerem
a presença de outra pessoa. A presença necessária da mãe como provedora
de alimento para o bebê, o comportamento sexual e os reforçadores sociais
generalizados, tais como atenção, afeto e aprovação, são exemplos que de-
monstram a importância das relações sociais. !
Uma cena marcante do filme exemplifica o pressuposto acima descrito;
é quando Dr. Ethan relatava ao Dr. Theo suas experiências com os gorilas:
“Pensariam eles em mim? Eu pensava neles; sentia falta deles, gostava deles,
eu precisava deles. A cada dia, deixavam-me aproximar um pouco mais. Eu me
sentia privilegiado. Sentia que de algum modo eu estava indo ao encontro de
algo que tinha perdido e que só agora lembrava. De repente, aconteceu. Eu
não mais estava fora do grupo. Pela primeira vez, eu era um macaco. No seio
da floresta, longe de tudo o que conhecemos, longe de tudo o que aprendemos
na escola, nos livros, nas canções e nos versos, nós podemos encontrar a paz,

46 Pode-se falar, aqui, em uma predisposição emocional para agir (Skinner, 1953/2003). As contin-
gências ambientais, históricas e atuais, eliciaram determinados sentimentos (comportamentos res-
pondentes) e ocasionaram um aumento na probabilidade de emitir determinadas respostas operan-
tes.

47 Ver: http://educacao.uol.com.br/filosofia/aristoteles-o-mundo-da-experiencia-as-quatro-causas-eti-
ca-e-politica.jhtm

199
a afinidade emocional, a harmonia e até mesmo a segurança. Há mais perigo
na cidade do que um dia se verá naquelas florestas.” !
Como entender essa disposição, a partir da visão behaviorista? O que
dizer dos motivos que mobilizaram Dr. Ethan a integrar-se ao ambiente social
dos primatas? Skinner (1953/2003) alerta, antes de tudo, para o fato de que
termos como carência, necessidade e motivação não ajudam na compreensão
dos comportamentos dos indivíduos; são apenas referências a estados interio-
res hipotéticos, aos quais não é possível ter acesso direto para análise e con-
firmação. Para ele, tais termos podem ser explicados sob uma perspectiva
mais satisfatória, como um processo de homeostase do organismo: privações
às quais o indivíduo é submetido produzem desequilíbrio e instabilidade, au-
mentando de forma especial a probabilidade de o indivíduo emitir certos com-
portamentos, cujas consequências restituem o estado de equilíbrio. Millenson
(1967) conclui, daí, que privação e seu oposto, saciação, são exemplos de
operações ambientais antecedentes associadas à motivação. !
A motivação seria, portanto, entendida como um efeito (ou produto) de
uma operação ambiental, e não como uma variável interna ao organismo. A
Análise do Comportamento chama essas ações ambientais de “operações es-
tabelecedoras”, que possuem dois efeitos: efeito estabelecedor do reforço (al-
teram, momentaneamente, para mais ou para menos o valor reforçador de um
dado estímulo) e efeito evocativo (alteram, também momentaneamente, a pro-
babilidade de respostas que produzem este estímulo). Privação, saciação e es-
timulação aversiva seriam os exemplos mais comuns dessas operações (da
Cunha & Isidro-Marinho, 2005; Michael, 1993; Miguel, 2000). Ao discutir as ca-
racterísticas dos reforçadores sociais, Skinner (1953/2003) lembra que um es-
tímulo social, como qualquer outro estímulo, torna-se importante no controle do
comportamento por causa das contingências em que se encaixa. A descrição
desses estímulos pode não ser tão fácil quanto descrever um estímulo físico,
como um círculo ou um triângulo, porque estes possuem propriedades bastan-
te objetivas, independentes do observador, enquanto os estímulos sociais vari-
am de cultura para cultura e também de indivíduo para indivíduo.!
O mundo civilizado, com suas características sociais, não se configurava
em estimulação reforçadora para Dr. Ethan. Mas, na selva, as contingências
envolvidas nas relações entre os primatas sinalizavam para ele a oportunidade
de exercitar suas competências sociais, dentro das limitações de seu repertó-
rio. Foi o mesmo que aconteceu entre ele e Dr. Theo. Havia, em ambos os con-
textos, um diferencial comum que permitiu ao Dr. Ethan emitir comportamentos
sociais antes suprimidos: a condição fundamental de respeito e aceitação das
suas características individuais. Entre os gorilas, o respeito, a tolerância e a
cooperação existentes sinalizavam um contexto repleto de variáveis reforçado-
ras. Com Dr. Theo, os comportamentos do médico, desde a primeira entrevista,

200
sinalizaram uma relação de respeito, compreensão e aceitação incondicional
assim expressa: “Dr. Ethan, eu sei que você decidiu não mais falar e eu respei-
to sua decisão. Mas eu quero que você considere a possibilidade de suspender
seu silêncio e conversar comigo, como uma situação fora da sua rotina atual,
para depois voltar ao seu silêncio. Estou lhe oferecendo a oportunidade de di-
zer a mim, ao mundo e à sua família tudo o que desejar e depois voltar ao seu
silêncio”.!

Os comportamentos dos gorilas e de Dr. Theo são variáveis anteceden-


tes ao comportamento do Dr. Ethan, que podem ser definidos como operações
estabelecedoras ou variáveis motivacionais. Na ausência de outros eventos re-
forçadores, essas variáveis adquiriram alto poder evocativo de consequências
disponíveis (atenção, pertencimento ao grupo) e aumentaram a probabilidade
de emissão de respostas tais como submeter-se ao macho alfa ou conversar
com o Dr. Theo. Em outras palavras, os comportamentos dos primatas, bem

201
como os de Dr. Theo, evocaram comportamentos de engajamento de Dr. Ethan
em relações sociais com ambos. !
Skinner (1953/2003) observa que essas conexões entre estímulos e
respostas não são, na maioria das vezes, processos óbvios para a pessoa, no
momento do evento; que, apenas nas análises retrospectivas, a tendência da
pessoa para se comportar de determinadas maneiras aparece como resultado
de certas consequências e, mesmo se tornando evidentes para outras pesso-
as, podem nunca o ser para aquele que se comporta. Surpreende, entretanto,
o grau de lucidez com que Dr. Ethan relata os seus pensamentos, sentimentos
e motivações, a consciência de seus atos, no exato momento de certos even-
tos.!

Consciência!
Consciência, de acordo com o Dicionário Michaelis on line48, significa
percepção imediata da própria experiência, capacidade de percepção em geral
e, ainda, capacidade que o homem tem de conhecer valores e mandamentos
morais e aplicá-los à diferentes situações.!
Na perspectiva da Análise do Comportamento, ser consciente significa
ser capaz de descrever verbalmente, de forma privada ou pública49, o que se
está fazendo. A consciência decorre da capacidade do homem de se auto-ob-
servar, isto é, de discriminar seus próprios comportamentos (de Rose, 1982;
Skinner, 1953/2003). A discriminação, entretanto, não é a consciência propria-
mente dita. Segundo Tourinho (1993), discriminar constitui-se um dos compo-
nentes de todos os comportamentos operantes, o qual especifica um processo
de condicionamento: na medida em que um operante adquire uma conexão
importante com um estímulo ambiental, confere a este último o caráter de estí-
mulo discriminativo, estabelecendo uma relação funcional com ele. A consciên-
cia, por sua vez, é definida, por Skinner (1989/1991), como o comportamento
humano de se auto-observar (autodiscriminação), resultante da interação social

48Informação obtida em 20/04/12 em http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lin-


gua=portugues-portugues&palavra=consci%EAncia

49Skinner (1953/2003) distingue comportamentos públicos e privados, sendo os primeiros aqueles


aos quais a comunidade tem acesso em algum grau, por algum meio, como observação, e os segun-
dos, aqueles aos quais apenas o indivíduo tem acesso direto.

202
que demanda e incentiva os indivíduos a dar explicações de si mesmo, aos ou-
tros.!
Baum (1994/1999) e Tourinho
(1993) utilizam o termo autoconhe-
cimento para se referir à consciência.
Tourinho (1993) destaca três ques-
tões relevantes para o entendimento
do conceito: a primeira é que o pro-
cesso de autodiscriminação é um
evento privado; a segunda é que as
contingências para a autodiscrimina-
ção são providas pela comunidade
verbal; e a terceira é que a comuni-
dade só tem acesso às autodiscrimi-
nações de um indivíduo por meio de
seus relatos verbais. A partir disso,
conclui, então, que “o autoconheci-
mento é um tipo de autodiscrimina-
ção, que implica a capacidade de au-
todescrição” e segue, citando as pa-
lavras de Skinner (1969, citado por
Tourinho, 1993, p. 52): “Estamos
conscientes do que estamos fazen-
do, quando descrevemos a topogra-
fia do nosso comportamento. Estamos conscientes de por que o fazemos,
quando descrevemos as variáveis relevantes, tais como aspectos importantes
da ocasião ou do reforço”. !
Dito isso, é possível retornar à análise de Dr. Ethan, afirmando que, pelo
menos em grande parte de suas experiências, ele se manteve consciente de
seus atos. De fato, todo o enredo de “Instinto” é uma retrospectiva das experi-
ências de Dr. Ethan na selva africana, construída a partir dos seus relatos fei-
tos ao Dr. Theo, nas dependências do manicômio judicial. As descrições feitas
eram vívidas, cheias de detalhes de contextos ambientais e ocasiões de estí-
mulos, revelando a clareza com que Dr. Ethan conhecia e explicava seus com-
portamentos públicos, pensamentos e sentimentos. O próprio mutismo de Dr.
Ethan, mantido por mais de um ano da sua vida na prisão, revelou-se voluntá-
rio e consciente. Foi o que se constatou na terceira entrevista de Dr. Theo a Dr.
Ethan: até então, o prisioneiro havia se mantido em silêncio. Nessa ocasião, o
psiquiatra mostrou para ele fotos de um gorila, de seu acampamento na selva,
da casa em que, antes, havia morado com a família; fez perguntas, sem obter
nenhuma resposta. Por fim, ao mostrar uma foto de Dr. Ethan com sua filha, Dr.

203
Theo, disse: “Seu silêncio diz: ‘sim, eu sou um animal; um animal selvagem e
perigoso. Você pode me bater, me prender. Eu já não sou mais humano, não
tenho mais nada a dizer; nem a um psiquiatra do outro lado da mesa, nem aos
guardas, nem sequer a ela (à filha). Mas você ainda é o pai dela e ela o quer
de volta. Ela disse isso. O que você diz a ela?’”. E Dr. Ethan respondeu:
“Adeus”. Dr. Ethan, enfim, falou. O significado da mensagem, os pensamentos
e sentimentos concomitantes àquela fala permaneceram privados; mas a res-
posta induz o público a supor a consciência de Dr. Ethan quanto à impossibili-
dade de seu retorno ao mundo civilizado. Sob a perspectiva da Análise do
Comportamento, pode-se entender que as variáveis envolvidas nas relações
de Dr. Ethan com esse mundo civilizado não forneciam consequências reforça-
doras de magnitude e valor suficientes para seu retorno. !
Em seguida ao diálogo acima descrito, Dr. Ethan perguntou ao Dr. Theo:
“Eu fiz o seu dia?” A frase nos mostrou sua consciência quanto às variáveis do
contexto e à relevância da ocasião, pois, do ponto de vista semântico, pode ser
assim entendida: “Eu sei dos seus esforços (de Dr. Theo) para me induzir a fa-
lar, e sei o quanto você está satisfeito, agora”. !
Outra evidência de comportamento consciente é apresentada quando,
questionado por Dr. Theo sobre a acusação de assassinato dos caçadores, Dr.
Ethan respondeu: “culpado”. Naquele momento, Dr. Ethan mostrou sua capaci-
dade de reconhecer os valores e regras sociais e a consciência de que seu
comportamento consistia numa infração a uma regra, mais especificamente,
uma lei da comunidade civilizada. !
Uma análise mais acurada do comportamento agressivo/violento de Dr.
Ethan traz outras comprovações consistentes sobre a consciência de seus
atos. Como já mencionado anteriormente, agredir e matar eram comportamen-
tos governados por autorregras. Regras e autorregras, segundo Tourinho
(1993), não são variáveis comportamentais necessariamente conhecidas pelos
indivíduos que se comportam em conformidade com elas, mas, em alguns ca-
sos, elas, necessariamente, estabelecem uma estreita relação com o autoco-
nhecimento, isto é, com a consciência. Isso ocorre, especialmente, quando as
regras formuladas dizem respeito ao próprio comportamento do indivíduo que
se comporta. Como postula Skinner (1969, citado por Tourinho, 1993, p. 59): !
!
(…) quando construímos regras sem sermos sujeitos às contingências (por
exemplo, quando extraímos regras, a partir de uma análise de um sistema re-
forçador tal como um espaço de amostra), nada há em nosso comportamento
de que devamos estar conscientes; mas quando construímos uma regra a par-
tir de observações de nosso comportamento sob exposição das contingências
(sem saber delas em qualquer outro sentido), devemos estar conscientes do
comportamento e das variáveis das quais é função’. !
!
204
Foi assim que aconteceu com Dr. Ethan: observando os comportamen-
tos dos gorilas e consciente dos próprios comportamentos, ele, gradualmente,
passou a se comportar em obediência a autorregras as quais possibilitaram
sua integração à comunidade dos primatas.!
Dr. Ethan era, portanto, um homem possuidor de autoconhecimento, que
fez escolhas, consciente de seus atos e das consequências deles. Embora ne-
nhuma cena do filme aponte explicitamente essa evidência, a conclusão é o
resultado da estratégia desse enredo brilhante, que leva o público a participar
do filme, fazendo suas próprias análises, construindo, em paralelo com Dr.
Theo, o diagnóstico e o parecer quanto à imputabilidade de Dr. Ethan pelo cri-
me cometido.!
Há, entretanto, que se avaliar ainda, se, apesar de consciente, Dr. Ethan
estava em pleno estado de saúde mental. Seria ele “normal” ou era portador de
algum transtorno? Ele se enquadraria no diagnóstico de transtorno de agressi-
vidade? Essas análises serão feitas, a seguir, partindo-se de uma compreen-
são do conceito de agressividade.!
!
Compreendendo o Comportamento Agressivo!

Definição de Comportamento Agressivo!


Um estudo que visa discutir um tema à luz das proposições científicas
requer uma definição mais acurada e a escolha de um termo operacionalmente
definido em torno do qual possam ser discutidos os aspectos propostos em
foco.!
O conceito de agressividade, no senso comum, está estreitamente rela-
cionado com o conceito de violência, preservando, porém, algumas diferenças,
em função das diversas dimensões e intensidades que os fenômenos de
agressão ou de violência podem apresentar. No Dicionário Larousse Cultural
(1992, p. 31), “agressividade” é definida como “uma tendência para atacar,
agredir”; “agressão” é definida como o “ataque violento e intempestivo”, en-
quanto “violência” é definida como “constrangimento físico ou moral” e qualquer
“força material ou moral empregada contra a vontade e a liberdade de uma
pessoa”; “tendência do indivíduo para atacar”. Dentro do mesmo princípio, o
indivíduo “agressivo” é definido como “aquele que é voltado para o ataque”.
Aqui, agressão e violência claramente se confundem.!
Bock, Teixeira e Furtado (1995/1999) diferenciam agressividade e vio-
lência: afirmam que a agressividade é uma energia ou um impulso destrutivo
inerente ao ser humano, que pode ser direcionada para dentro do indivíduo
(autoagressividade) ou para fora (heteroagressividade); a violência, por sua
vez é o uso intencional de agressividade, podendo ser um ato voluntário (inten-
cional), racional (premeditado e direcionado especificamente para o objeto

205
causador da reação) e consciente, ou involuntário, irracional (quando atinge
qualquer objeto, sem relação direta com a causa) e inconsciente. O comporta-
mento agressivo pode, ainda, ser manifesto em forma de agressão leve, soci-
almente aceita, como é o caso do uso de algumas expressões verbais. O
mesmo não ocorre com o comportamento violento, que é sempre considerado
nocivo (Bock e cols., 1995/1999). Adicionalmente, Mangini (2008, citado por
Fiorelli & Mangini, 2009) diz que agressividade é uma característica humana
que ajuda na sobrevivência e na disposição para superar obstáculos e pode
ser canalizada para atividades produtivas como atividades profissionais, espor-
tivas e artes. Porém, quando isso não acontece, a agressividade é canalizada
de forma negativa, destrutiva, podendo chegar ao nível da violência.!

Para a Análise do Comportamento, as palavras “agressividade” e “vio-


lência” são adjetivações que fazem referência a um conjunto específico de
comportamentos antissociais. Skinner (1953/2003) descreve o comportamento
social (e, por conseguinte, o antissocial), como uma interação entre duas ou
mais pessoas, ou entre grupos de pessoas, relacionando-se em um ambiente
comum. Assim, comportamentos sociais (e antissociais) só ocorrem se uma
pessoa se torna parte do ambiente de outra, a qual estabelece ocasião ou libe-
ra consequências de respostas em contingências sociais. Skinner (1953/2003)
é bastante enfático ao defender que, embora termos como “agressivo” e “vio-
lento” possam parecer referir-se a propriedades do comportamento, geralmente

206
ocultam referências acerca das variáveis ambientais que os produzem. Teixeira
Jr. e Souza (2006) reúnem as diversas das definições apresentadas acima, in-
tegrando agressividade e violência num mesmo conceito. Eles descrevem a
“agressividade ou comportamento agressivo” como um comportamento de ca-
ráter verbal ou não verbal, que causa dano a um organismo e é emitido em
função de estimulação aversiva ou como efeito da retirada de um estímulo re-
forçador. !
Para os fins deste trabalho, adota-se a expressão “comportamento
agressivo” definida em Teixeira Jr. e Souza (1996), por estar fundamentada nos
princípios do Análise do Comportamento e por traduzir com clareza e objetivi-
dade os comportamentos de Dr. Ethan: foi a ameaça de captura e morte dos
gorilas, que o incitaram à mais grave de suas reações agressivas e que culmi-
nou na morte dos três caçadores africanos; seu claro propósito foi proteger os
animais. Entretanto, até o período de sua prisão na África, que durou um ano,
não havia se observado nenhum outro evento de comportamento agressivo. Ao
contrário, Dr. Ethan manteve-se em absoluto silêncio, impotente e acuado no
interior de uma cela. De repente, a agressividade voltou a se manifestar em si-
tuações diversas, quando ele se encontrava preso no manicômio judicial, nos
Estados Unidos. Os comportamentos manifestos naquela ocasião serão focos
das análises que se seguirão. !

Os Determinantes do Comportamento Agressivo!


Cinco cenas do filme foram selecionadas para serem analisadas de
modo a possibilitar uma compreensão do que determinou o comportamento
agressivo de Dr. Ethan: (1 e 2) as duas vezes em que, sentado à mesa de en-
trevista e aparentemente calmo, Dr. Ethan, repentinamente, atacou Dr. Theo,
tentando feri-lo na mão, com um lápis; (3) a ocasião em que Dr. Ethan atacou
violentamente um presidiário; (4) em outra ocasião de entrevista, num momen-
to de interação pacífica, Dr. Theo foi surpreendido com um ataque de Dr.
Ethan, que aplicou uma “chave de braço” no psiquiatra e ameaçou matá-lo; e
(5) o momento em que, dentro do presídio, Dr. Ethan pôs-se numa fuga desvai-
rada e atacou violentamente um guarda, quase cometendo mais um assassina-
to. Nessas ocasiões, ele realmente parecia um animal selvagem, furioso e des-
controlado. O que se pode dizer do retorno de um homem civilizado a um com-
portamento tão primitivo? !
Pinker (2011) defende que o comportamento agressivo é inato e que foi
determinado por influências ambientais, ao longo do processo de evolução da
espécie humana. O argumento do inato é exemplificado com o comportamento
das crianças nos primeiros 2 anos de idade, cujos comportamentos violentos
em direção a outras crianças precisam ser contidos por seus cuidadores, para
evitar danos mais graves, ressaltando que o controle da agressividade se torna

207
mais eficaz, na medida do crescimento, coincidindo com o desenvolvimento
progressivo dos lobos frontais, relacionadas às funções cognitivas: consciência
de si mesmo e dos outros, a análise de consequências e o planejamento de
ações futuras. De acordo com esse autor, o comportamento agressivo foi “in-
corporado”, filogeneticamente, e esse fator foi determinante para a sobrevivên-
cia da espécie, quando se fez necessário, na pré-história, defender-se de seus
predadores, disputar as mulheres com outros homens, para o acasalamento, e
caçar, em busca de alimentos; a evolução social e a eficácia dos controles so-
ciais são os responsáveis por uma gra-
dual redução da necessidade do ho-
mem de se comportar agressivamente.
Pinker (2011) chama atenção especial
para o período histórico do Iluminismo
e seus efeitos controladores da agres-
sividade, ao disseminar os valores da
razão, da ciência, e dos direitos indivi-
duais sobre os dos grupos.!
De acordo com Bock e cols.
(1995/1999), o que determina a ex-
pressão adequada ou inadequada da
agressividade são a adesão do indiví-
duo ao ambiente cultural e a efetivida-
de dos mecanismos de controle sociais, tais como normas, regras e leis. Se-
gundo elas, a agressividade inata está na base da violência, mas não é o único
fator determinante: condições sociais adversas produzem uma ruptura dos
compromissos dos indivíduos com as regras sociais, levando à violência. Den-
tre essas condições, estão a luta pela sobrevivência, a competitividade exacer-
bada, a disputa por poder e a deterioração de valores básicos de agregação
social.!
A Análise do Comportamento tem sua própria versão acerca do desen-
volvimento e manutenção dos comportamentos: essa visão é determinista, no
sentido de que, assim como os objetos de outras ciências, o comportamento
também não ocorre espontânea ou acidentalmente, mas está sujeito às leis de
causa e efeito; as causas são múltiplas, estão, inevitavelmente, no ambiente e
não respeitam, necessariamente, uma contiguidade espacial ou temporal com
o comportamento. Essa visão considera que as relações causais se estabele-
cem ao longo do tempo, à semelhança da seleção darwinista, conferindo ao
indivíduo características comportamentais selecionadas dentre uma ampla fai-
xa de possibilidades disponíveis ao indivíduo. Como já mencionado anterior-
mente, essa seleção ocorre nos níveis filogenético, ontogenético e cultural. A
Análise do Comportamento ocupa-se em estudar o comportamento do indiví-

208
duo, tal como ele se manifesta em sua condição atual, entendendo que essa
condição consiste no acúmulo de efeitos passados. Isso significa dizer que,
quando um indivíduo se comporta, ele está interagindo tanto com variáveis do
seu ambiente atual, quanto com os efeitos das experiências passadas (Chiesa,
1994/2006).!
Na concepção da Análise do Comportamento, a apresentação isolada de
um comportamento não permite afirmar a existência de um padrão comporta-
mental que venha a caracterizar o indivíduo. Para caracterizar o comportamen-
to de uma pessoa, é preciso que se identifique certas condições-padrão, em
termos de frequência com que o comportamento é emitido. Como a repetição
idêntica de um comportamento não pode ser controlada ou prevista, dadas as
dificuldades de repetição da mesma contingência, o que é possível prever e
controlar são comportamentos futuros semelhantes, os quais são incluídos no
que Skinner chama de uma mesma classe de respostas. Os comportamentos
são reunidos em classes, não pelas semelhanças das suas características to-
pográficas, mas pela coincidência das consequências geradas por eles. Skin-
ner denomina as classes de respostas como “operantes”, pois o termo refere-
se ao fato de que o indivíduo, se comportando, opera sobre o ambiente e esta
ação pode produzir determinadas consequências (Skinner, 1953/2003). !
Um padrão comportamental ou uma classe de respostas pode ser identi-
ficada, a partir da análise dos comportamentos agressivos de Dr. Ethan. O pro-
cedimento utilizado para esse fim, sob a orientação da Análise do Comporta-
mento, é denominado análise funcional. !

Análise Funcional e Padrão Comportamental Agressivo!


A análise funcional consiste na descrição das contingências nas quais o
comportamento operante acontece. Em outras palavras, a análise da interação
entre o indivíduo e seu ambiente deve especificar a ocasião em que o compor-
tamento ocorre (antecedentes), o próprio comportamento (resposta) e as con-
sequências geradas pelo ambiente (Meyer, 1997; Skinner, 1953/2003). O am-
biente está, continuamente, liberando estímulos. Quando um operante ocorre,
estabelecem-se conexões importantes entre certos estímulos (antecedentes à
resposta) e o comportamento, que aumentam ou diminuem a probabilidade de
repetição do comportamento, em função do efeito causado pelos estímulos so-
bre o organismo. Esses estímulos são denominados discriminativos e o pro-
cesso pelo qual o indivíduo identifica os estímulos e responde a eles denomi-
na-se discriminação (Skinner, 1953/2003). !
Os cinco comportamentos agressivos em foco apresentavam estímulos
discriminativos com características funcionalmente semelhantes, os quais
exerciam controle sobre as reações do personagem principal. Observe-se a
primeira agressão a Dr. Theo, na qual um lápis foi usado como arma: pressu-

209
pondo que o entrevistado não iria falar, Dr. Theo entregou uma folha de papel e
um lápis, determinando, firmemente, a Dr. Ethan que escrevesse respostas às
perguntas que lhe eram feitas; na segunda agressão com um lápis, Dr. Theo
insistia em obter respostas de Dr. Ethan, sobre fotos que lhe eram apresenta-
das. A agressão feita ao outro prisioneiro ocorreu, quando o detento tentou to-
mar uma carta de baralho de posse de Dr. Ethan, a qual, tirada num sorteio50,
daria a Dr. Ethan o direito ao banho de sol; e a agressão ao segurança aconte-
ceu, porque este tentou conter a fuga de Dr. Ethan, utilizando a força física
para isso.!
O que se observa nos eventos antecedentes descritos acima é que to-
dos representavam uma forma de subjugação de Dr. Ethan e suas respostas
tinham a função de eliminar a opressão. A ausência de consequências positi-
vas contingente ao comportamento agressivo mostra que esses comportamen-
tos não estavam sob o controle das consequências imediatas, mas da regra
formulada a partir do contato com o grupo de gorilas, segundo a qual a liberda-
de, o controle e o poder eram conquistados por meio da força física. Uma evi-
dência disso é observada na ocasião em que Dr. Theo, em entrevista, pergun-
tou ao Dr. Ethan, do que tratava o jogo de cartas e ele respondeu: “Controle”.
Perguntado sobre quem exercia controle, ele respondeu: “Vocês, os arrebata-
dores51”. Recusando-se a dar mais explicações ao psiquiatra, Dr. Ethan insistiu
em se retirar para sua cela, ao que, depois de alguma resistência, Dr. Theo
aquiesceu dizendo: “OK, você está livre para ir”. E Dr. Ethan questionou: “Es-
tou, mesmo? É você quem decide, arrebatador? E você... você é livre?”. Aqui,
se esclarece o padrão comportamental de Dr. Ethan: agressividade, com fun-
ção de contracontrole, para a obtenção da supremacia e da liberdade. Sidman
(1989/2001) descreve o contracontrole como uma reação do indivíduo subme-
tido a controle coercivo, na tentativa de evitar e/ou fugir de punições ou amea-
ças de punição. Quando não é possível fugir ou esquivar-se delas, o indivíduo
procura uma forma de controlar seu controlador. Por essa razão é que se ob-
serva um alto grau de contracontrole no ambiente prisional, onde prisioneiros
exercem alguns tipos de coerção sobre os guardas, para obtenção de benes-
ses e atendimento de seus interesses.!
A agressividade não era, portanto, uma inabilidade para submeter-se a
controle, posto que Dr. Ethan, aceitava o controle exercido pelo macho domi-
nante, no grupo de gorilas, com quem mantinha relações pacíficas e harmonio-
sas. Mesmo no manicômio judicial, ele era pacífico e reservado, na maior parte

50 O sorteio era um jogo perverso do chefe de segurança, que distribuía aleatoriamente cartas de
baralho aos prisioneiros e somente aquele que fosse contemplado com o ás teria direito ao banho de
sol.

51O Dicionário Larousse Cultural, edição 1992, define arrebatar como ato de tirar com violência, ar-
rancar, roubar, tomar.

210
do tempo. As agressões, no manicômio, eram sempre precedidas de alguma
forma de controle coercitivo, que se constituía em estímulo aversivo. !
Pode-se presumir que os rompantes de agressividade estavam relacio-
nados, também, a certos estados emocionais eliciados pelos estímulos antece-
dentes. Skinner (1953/2003) afirma que situações que eliciam fortes reações
emocionais intervêm nas condições do indivíduo para discriminar o próprio
comportamento, dificultando a discriminação de estímulos e alterando, momen-
taneamente, o padrão com-
portamental; ele ressalta
também que o uso da força
física, como um tipo de con-
trole, geralmente, produz
uma forte disposição emoci-
onal para contra-atacar.
Desse modo, o comporta-
mento agressivo de Dr.
Ethan estava sendo reforça-
do durante os momentos de
raiva de Dr. Ehtan, ao ver-se
subjugado e o comporta-
mento agressivo estava sob
controle das condições que
eliciavam a raiva. Sobre a ira
e a raiva, Skinner (1953/2003) afirma que esses respondentes incluem alta
disposição para a reação agressiva contra o agente controlador e um enfra-
quecimento de outros comportamentos. Havia, entretanto, outros atos bastante
conscientes. Foi o que se observou, por exemplo, quando, pela terceira vez,
Dr. Theo foi agredido e ameaçado de morte: Dr. Ethan, dissimuladamente, pre-
parou condições propícias para imobilizar Dr. Theo, ameaçando-o de morte
caso ele não desse a resposta certa para sua pergunta: “E agora, o que eu tirei
de você?” As duas primeiras respostas foram consideradas erradas: “o contro-
le” e “a minha liberdade”. A resposta certa dada por Dr. Theo seria: “A ilusão”.
Ele referia-se à ilusão de ter o controle e a liberdade, que Dr. Ethan considera-
va não existir, na sociedade civilizada. !
Dr. Ethan rejeitava conscientemente a sociedade civilizada, com suas
normas e leis; apresentava um absoluto desprezo pelo que ele chamava de ilu-
são de poder e superioridade dos homens. Essa postura se revelou em diver-
sos momentos pela indiferença quanto à opressão e sofrimento de outros prisi-
oneiros, pelo apelido que deu ao Dr. Theo – Tabibu Juha, que significava “mé-
dico idiota”, em dialeto africano. Certa vez, ele disse: “eu vivi com os gorilas
como os humanos viveram há 100 mil anos atrás. Naquele tempo, os homens

211
sabiam como interagir com o mundo”; e ele próprio declarou: “eu não me en-
quadro mais nesse mundo”.!
!
Diagnóstico e Formulação Comportamental!
!
Doutor Ethan foi diagnosticado, no manicômio judicial, como psicopata,
em razão do retraimento, do mu-
tismo e, principalmente, do com-
portamento agressivo/violento. De
acordo com o DSM-IV-TR (Manu-
al Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais, editado pela
Associação Americana de Psiqui-
atria, 2002, em sua quarta edição
revisada), a Psicopatia agrupa-se
entre os transtornos da personali-
dade, sendo denominada Trans-
torno da Personalidade Antissoci-
al. Segundo Cavalcante e Touri-
nho (1998), o DSM é um sistema
de classificação dos transtornos
mentais elaborado com base em
conjuntos de sinais e sintomas,
que pretende facilitar a identifica-
ção da etiologia, o curso e a res-
posta ao tratamento médico. Dr.
Cláudio Banzato (2011), professor
da Unicamp, afirma que o DSM-
IV-TR é um dos sistemas diag-
nósticos mais usados pela área médica como fonte de pesquisa, para determi-
nar a presença ou não de uma enfermidade52.!
Segundo o DSM-IV-TR (APA, 2002), a característica essencial da Psico-
patia é o padrão persistente e inflexível de desrespeito aos direitos dos outros
abrangendo uma ampla faixa de situações pessoais e sociais. As característi-
cas se mostram estáveis e típicas do funcionamento do indivíduo no longo pra-
zo. Observa-se uma recorrência na violação de regras e não conformidade às
normas sociais (Critério A1); desrespeito aos direitos e sentimentos alheios,

52Entrevista concedida pelo Dr. Cláudio Banzato, em 10 de março de 2011, professor da Faculdade
de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) à Revista Eletrônica
de Jornalismo Científico. Retirada do site http://www.comciencia.br/comciencia/handler.php?
section=8&tipo=entrevista&edicao=64 em 14/05/12.

212
com manipulação dos outros para obtenção de dinheiro, sexo ou poder (Crité-
rio A2); impulsividade na tomada de decisão, com dificuldade para a continui-
dade de compromissos e planejamento do futuro (Critério A3); irritabilidade e
agressividade dirigida para outros, não sendo considerados como evidência os
atos agressivos cometidos em defesa própria ou de outra pessoa (Critério A4);
a imprudência com a segurança própria e dos outros (Critério A5); a irrespon-
sabilidade profissional e financeira (Critério A6); redução ou ausência de re-
morsos (Critério A7). Adicionalmente, esse diagnóstico só deve ser dado a indi-
víduo com idade superior a 18 anos (Critério B) e somente se os sintomas tive-
rem se iniciado antes dos 15 anos (Critério C) e, por fim, o comportamento an-
tissocial não deve ocorrer exclusivamente durante o curso de Esquizofrenia ou
de um Episódio Maníaco (Critério D).!
! De um ponto de vista analítico-comportamental, deve-se discutir a
propriedade do diagnóstico dado a Dr. Ethan. Cavalcante e Tourinho (1998)
afirmam que o DSM tem sua utilidade limitada para a Análise do Comportamen-
to, por se tratar de um modelo que apresenta apenas o aspecto formal/topográ-
fico dos transtornos mentais, não considerando os eventos dinâmicos que inte-
gram a vida do indivíduo, nem as diferenças individuais. Estes aspectos têm
relevância primordial para a compreensão dos problemas comportamentais de
cada pessoa. Os autores esclarecem que um mesmo padrão comportamental
descrito no Manual apresentado por indivíduos diferentes pode ser resultado
de histórias de vida totalmente distintas e ter, portanto, funções adaptativas di-
ferentes. Para Skinner (1953/2003), a descrição de uma doença, no âmbito da
ciência médica, é importante na medida em que permite discutir doença em
termos gerais e em relação aos fatores comuns a muitos casos; porém, para
uma análise científica do comportamento, oferece pouca contribuição, pois não
permite prever como o indivíduo irá se comportar e o que deve ser feito para
modificar o seu comportamento. !
! Sob o modelo behaviorista radical, o diagnóstico dá lugar à Formulação
Comportamental. Para isso, Skinner (1953/2003) orienta que é necessário reu-
nir informações acerca da história de vida do indivíduo e sobre as circunstânci-
as na qual ele vive. Entretanto, uma mera coleção de fatos não é suficiente. É
necessário que se demonstre as relações funcionais entre as variáveis inde-
pendentes do ambiente que afetam a variável dependente, que é o comporta-
mento. Para se chegar a um diagnóstico preciso, a efetividade da análise de-
penderá, fundamentalmente, de o terapeuta ter acesso às variáveis relevantes
de cada caso53. !

53Para maiores discussões sobre formulação comportamental, ver Moraes (2010) e Ruas, Albuquer-
que e Natalino (2010).

213
! Skinner (1989/1991) entende que os padrões comportamentais
apresentados por um indivíduo são, essencialmente, uma questão cultural54.
Comportar-se de forma normal ou anormal significa interagir em conformidade
ou não conformidade em relação às normas sociais e aos padrões esperados
dentro de uma dada comunidade. O autor aponta duas razões para uma pes-
soa se comportar de maneira normal: a primeira delas está relacionada à sele-
ção natural e à contribuição do indivíduo para a preservação da espécie; a se-
gunda está relacionada ao reforço ou punição advinda como consequência da
conformidade ou não conformidade. As normas sociais visam controlar os
comportamentos do indivíduo para benefício do grupo e isso não significa, ne-
cessariamente, que o comportamento esperado venha a agradar a um membro
individualmente. Esse membro somente se comportará em conformidade com
elas na medida em que for afetado favoravelmente pelas consequências do
comportamento de conformidade. A respeito dos comportamentos amistoso e
agressivo, Skinner (1953/2003) comenta que, tal como os demais, o seu con-
ceito muda de acordo com a cultura. Além disso, dentro de uma mesma comu-
nidade, a cultura muda com o passar do tempo, na medida em que mudam as
contingências, e o que era classificado como amigável ou agressivo pode ad-
quirir outras funções.!
! Com base nos pressupostos da Análise do Comportamento, pode-se,
por fim, concluir que o pa-
drão comportamental de
Dr. Ethan não estava em
conformidade com as leis e
normas sociais humanas.
Por outro lado, estava em
perfeita harmonia no con-
texto social dos gorilas. O
ponto crítico da análise é
também o mais óbvio: Dr.
Ethan não era um gorila,
mas sim, um homem; um
homem com uma história
de baixo repertório de habi-
lidades sociais e de refor-
çamentos sociais positivos,
e com alto repertório vigente de autodefesa pelo uso da força física; um ho-

54 É importante ressaltar que Skinner não nega as condições fisiológicas e neurológicas correlatas
aos comportamentos, nem os benefícios dos tratamentos oferecidos pela Psiquiatria moderna. Mas
afirma que uma ciência que segmenta o organismo torna-se ineficaz na resolução do problema. Des-
se modo, propõe que o diagnóstico e o tratamento das chamadas desordens mentais sejam conside-
rados em todas as suas dimensões (Skinner, 1953/2003).

214
mem que, reinserido no contexto social humano, comportava-se de forma
agressiva, desajustada e “anormal”. Convém lembrar que esse padrão só se
manifestava em situações aversivas específicas, nas quais Dr. Ethan se sentia
subjugado ou era agredido. Além disso, no decorrer da estória, observaram-se
mudanças relevantes no comportamento de Dr. Ethan: em relação a Dr. Theo,
ele tornou-se mais amistoso e tolerante, na medida em que compreendeu que
o psiquiatra não era hostil, nem ameaçador. Da mesma forma, ele já manifes-
tava, ao final, certa sensibilidade às relações interpessoais com outros prisio-
neiros, indo, em certa ocasião, em defesa de um prisioneiro agredido desne-
cessariamente por um guarda. E, no encontro final com sua filha, Dr. Ethan, em
terno e gravata, barba feita e cabelos bem penteados, numa postura polida e
impecável, expressou seu afeto paterno, antes da sua fuga definitiva para a
África.!
! Richelle (1993) aponta a recomendação de Skinner sobre a importância
da análise dos fatores ambientais, que devem ser cuidadosamente explorados,
antes de enquadrar um paciente numa categoria nosológica. Isso pode evitar
rotulá-lo com certo grau de severidade e com um prognóstico negativo, quando
há possibilidade de o comportamento anormal ser explicado por contingências
aversivas. Deslocada a causa do problema de questões internas para o ambi-
ente, todo o conceito da desordem psicológica e os esforços de solução do
problema mudam substancialmente: serão naturalmente direcionados para
mudar os fatores sociais ao invés dos diversos tratamentos individuais. E,
mesmo nos casos em que a genética e as disfunções biológicas são fatores
confirmados, a abordagem do comportamento mantém sua importância. Skin-
ner admite que podem haver casos em que exposições remotas a contingênci-
as aversivas extremas inviabilizem as mudanças de comportamento necessári-
as; em outros casos é impossível mudar o contexto ambiental do indivíduo,
para melhor abrigá-lo. Então, nesses casos, só resta prevenir outros danos psi-
cológicos futuros e os danos que o indivíduo possa eventualmente causar a
outros.!
Ainda conforme Richelle (1993), Skinner não propõe nenhuma classifica-
ção nosológica para os problemas comportamentais. De acordo com Skinner
(1953/2003, p. 401), “uma ciência do comportamento deveria dar uma contri-
buição maior para a terapia do que para o diagnóstico”. A visão da Análise do
Comportamento se identifica com o modelo biopsicossocial da saúde postulado
por Engel, em 1997. Segundo Arnal (1997), o modelo biopsicossocial sustenta
que a saúde e a enfermidade têm causação múltipla e resultam da interação de
fatores biológicos, psicológicos e sociais. Assim, os três fatores devem ser con-
siderados na análise dos determinantes de uma enfermidade e na orientação
de seu tratamento. Portanto, defende-se que sejam integrados todos os recur-

215
sos das diversas ciências, para juntas trabalharem em benefício da saúde e da
qualidade de vida das pessoas.!
!
Considerações Finais!
!
! A Análise do Comportamento ainda é pouco conhecida por outros
campos das ciências e ainda pouco compreendida por outras áreas da Psico-
logia, sendo acusada de ser uma teoria simplista e reducionista. Mas, ao con-
trário, seus pressupostos oferecem fundamentos teórico-conceituais bastante
consistentes; eles agregam significativas contribuições para a compreensão do
comportamento, para a solução de problemas e o aprimoramento das relações
do indivíduo com o seu ambiente natural. !

Ao fornecer uma explicação dos comportamentos como produto das re-


lações do indivíduo com o meio ambiente, os comportamentos podem ser ana-
lisados sem que se apele para argumentos mentais ou psicológicos metafísicos
e, recorrendo a elementos essencialmente observáveis e manipuláveis, a Aná-
lise do Comportamento oferece recursos efetivos para a explicação, previsão,
controle e modificação dos comportamentos (Chiesa, 1994/2006; Skinner,
1953/2003). !

216
No debate sobre o controle e o tratamento dos problemas de agressivi-
dade, diversos campos das ciências, como a Antropologia, Sociologia, Medici-
na e a Psicologia, direcionam suas lentes para questões que vão desde a
agressividade infantil, passando pela delinquência juvenil, indo ao extremo das
psicopatias com “sintomas” de conduta agressiva. Ao explicar e orientar sobre
esse complexo problema, a visão behaviorista radical implica em direcionar um
olhar perspicaz para as relações do indivíduo com o seu ambiente atual, nele
incluídas todas as influências de sua história passada. A análise comportamen-
tal realizada sob esse prisma pode redirecionar diagnósticos e produzir mudan-
ças radicais na orientação do tratamento de transtornos de agressividade e,
ainda, alterar substancialmente o direcionamento de medidas políticas e solu-
ções sociais para o problema da violência e da criminalidade. !
A fim de ressaltar as possíveis contribuições da Análise do Comporta-
mento para a descrição, previsão e controle de comportamentos antissociais
agressivos/violentos, este trabalho explorou o caso de um criminoso, no enredo
do filme “Instinto”. A análise do caso expôs uma variedade de elementos relaci-
onados aos padrões comportamentais do personagem: a função dos compor-
tamentos, os estímulos ambientais determinantes, as motivações, o estado de
consciência e os aspectos contextuais e culturais que determinam padrões de
normalidade e anormalidade. O estudo do caso poderia ainda ter-se estendido
para discutir outras questões correlatas, como a análise molar do comporta-
mento e os fatores históricos, o conceito de impulsividade e o comportamento
de escolha, e o princípio de livre arbítrio, segundo o pensamento skinneriano.
Contudo, não foi o propósito deste trabalho esgotar todos os aspectos relevan-
tes para a explicação do padrão comportamental agressivo, mas, apenas, de
forma prática, considerar os elementos fornecidos pelo enredo do filme. O tema
central do filme gira em torno das causas e soluções para o tratamento da vio-
lência e, por meio dele, o cinema faz suas fortes críticas às instituições políticas
e sociais, quanto à sua capacidade de analisar com acurácia a origem dos pro-
blemas, como base para tomadas de decisão, para o controle do comporta-
mento violento. !
Skinner (1953/2003) entende que as agências governamentais, enquan-
to controladoras da criminalidade, são ineficientes, porque possuem uma visão
segmentada do indivíduo e não possuem recursos eficazes para lidar com o
problema. Se um assassino é julgado insano, não se pode condená-lo, puni-lo
ou tentar mudar sua conduta, por esta se encontrar fora dos controles disponí-
veis. Se o indivíduo é considerado “normal” e imputável por seu crime, a sen-
tença é a punição por meio do encarceramento. Entretanto, punição e encarce-
ramento são técnicas que vão contra os princípios skinnerianos de controle e
modificação do comportamento, pois em nada contribuem para o desenvolvi-
mento de novos comportamentos e os subprodutos da punição, assim como de

217
qualquer técnica coerciva, não podem ser outros senão a agressividade, o con-
tracontrole, a esquiva e a fuga. !
Skinner (1953/2003) reconhece certo movimento do poder governamen-
tal, em direção a técnicas menos coercivas e algum esforço de “recuperação”
dos indivíduos condenados. Mas os parcos esforços são, além de lentos, tam-
bém ineficientes, porque não provêem contextos apropriados, nem os reforços
positivos necessários para que o indivíduo venha a se comportar em conformi-
dade com os padrões esperados social e legalmente. É nesse âmbito que a
Análise do Comportamento pode trazer enorme contribuição. Nas palavras de
Skinner:!
!
Os métodos da ciência têm tido um sucesso enorme onde quer que tenham sido
experimentados. Apliquemo-los então, aos assuntos humanos. Não precisamos
nos retirar dos setores onde a ciência já avançou. É necessário apenas levar
nossa compreensão da natureza humana até o mesmo grau. Na verdade,
essa é nossa única esperança. Se pudermos observar cuidadosamente
o comportamento humano, de um ponto de vista objetivo e chegar a
compreendê-lo pelo que é, poderemos ser capazes de adotar um
curso mais sensato de ação (pp. 5-6). !
!
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!
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Skinner. Belém: Editora Universitária. !
!

220
!
REGRAS, COERÇÃO E EVENTOS PRIVADOS EM
“SOZINHO CONTRA TODOS”!
!
Sara Alves Martins55!
Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento!
!
Ana Karina C. R. de-Farias!
Consultório Particular!
Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal!
Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento!

Título do filme: Sozinho Contra Todos !


Título original: Seul contre tous!
Ano: 1998!
Roteiro e direção: Gaspar Noé!
Lançado por: Lume Filmes!

Com a análise de filmes, livros, crônicas, peças teatrais, dentre tantas


outras manifestações artísticas, é possível apresentar, aplicar e discutir muitos
conceitos da Psicologia. Mesmo quando estes apresentam histórias fictícias, o
exercício que essa análise propõe, tratando a ficção como uma possibilidade

55 E-mail: saraalvesmartins@gmail.com !

221
real, serve de excelente recurso didático, propiciando grande auxílio para o de-
senvolvimento do raciocínio clínico do terapeuta.!
Este trabalho propõe uma análise dos comportamentos do protagonista
(interpretado pelo francês Philippe Nahon) do filme “Sozinho contra todos”, do
diretor argentino Gaspar Noé, usando como suporte teórico a filosofia do
Behaviorismo Radical proposta por B. F. Skinner, assim como sua ciência, a
Análise do Comportamento.!
A escolha desse filme, em particular, se deu pelo fato de ele possibilitar
acesso direto aos comportamentos privados do personagem. Em um contexto
clínico, o terapeuta depara-se com a dificuldade de acesso aos conteúdos pri-
vados de seus clientes. Tal acesso só é possível de forma indireta, por meio de
autorrelatos, gestos, desenhos, entre outros, e será sempre impreciso em mai-
or ou menor escala.!
Assim como a privacidade, pretendem-se trabalhar conceitos como re-
gras e autorregras, e comportamentos sob controle aversivo (contingências de
punição e reforçamento negativo). Alguns conceitos da abordagem serão des-
tacados, assim como relações comportamentais relevantes para se entender o
caso e, de certa forma, ilustrar a teoria por meio dos fenômenos comportamen-
tais apresentados pelo personagem.!
Primeiramente, será apresentado um resumo da história do persona-
gem. Serão descritas variáveis que interferem no controle das regras e autor-
regras sobre seu comportamento, assim como algumas vantagens e desvanta-
gens dos comportamentos governados por regras em relação aos comporta-
mentos diretamente modelados por contingências. Ainda sobre a história de
vida do personagem, pretende-se descrever como se deram o enfraquecimento
da regra moral no controle dos seus comportamentos, a sensibilidade às con-
tingências e a formulação de suas autorregras. Por fim, serão caracterizados
os comportamentos privados do personagem e definidas suas funções e as va-
riáveis que influenciam sua ocorrência.!
!
O Filme!
!
O filme retrata parte da história de um açougueiro de 50 anos, nascido
nos arredores de Paris, em 1939. A temática central relaciona-se com a solidão
vivenciada pelo protagonista. Nunca conheceu o pai e, já aos 2 anos, foi aban-
donado pela mãe, sendo criado desde então em um orfanato, onde sofreu vio-
lência sexual por parte de um docente. Aprendeu o ofício de açougueiro aos 14
anos e, aos 30, conseguiu abrir seu próprio açougue de carne de cavalo.!
Conheceu uma jovem que, por descuido, engravidou. Logo após o nas-
cimento de Cyntia, o açougueiro é novamente abandonado. A jovem fugiu com
outro homem, deixando a filha para ser criada com o pai. O tempo passa, Cyn-

222
tia cresce e ganha corpo, não sem a atenção do pai, que descobre uma atra-
ção pela filha.Uma reviravolta aconteceu em sua vida no episódio da primeira
menstruação de Cyntia. A jovem, assustada com o sangue, foi até o açougue
de seu pai. No caminho, encontrou um trabalhador que tentou seduzi-la, mas
foi resgatada por um vizinho que a levou ao açougueiro. Ao ver o sangue na
saia da filha, julgou que a violentaram, foi em busca do culpado, mas, transtor-
nado, acabou esfaqueando o trabalhador errado. O açougueiro foi preso e sua
filha colocada em um abrigo.!
Quando saiu da prisão, sem nenhum bem, procurou reestruturar a vida
para resgatar a filha, e acabou arrumando emprego em um café. Tornou-se
namorado da dona desse café, que logo ficou grávida. Eles se mudaram para o
norte da França, temporariamente para a casa da sogra, para recomeçar a
vida.!

O açougueiro se viu dominado pela mulher, dona do dinheiro, e forçado


a aceitar um emprego (vigia noturno). Desconfiada de que o marido a estava
traindo, a esposa iniciou uma discussão que culminou em agressão por parte
do protagonista, que acabou batendo na mulher, em seu bebê ainda na barriga
e na sogra, fugindo com o revólver que esta guardava do marido falecido. !
Voltou a Paris, mais uma vez com a ideia de recomeçar a vida. Buscou
ajuda de antigos amigos, procurou emprego, antigos fornecedores, mas nada
conseguiu. Sentiu-se humilhado e, pela primeira vez, seus pensamentos dei-
xam claros desejos de vingança. Durante todo o filme, o personagem apresen-
tou-se bastante calado. Com o decorrer dos acontecimentos, questionou-se,
privadamente, acerca de suas regras ou “valores morais”. Pensou o quanto foi
correto e honesto com as pessoas, mas que, ao longo de sua vida, não havia
sido tratado da mesma maneira. As pessoas não o respeitaram, não buscaram

223
entendê-lo, tiraram sua liberdade, seu negócio, seu dinheiro, sua filha. “É es-
tranho. Fracassei em tudo. O meu nascimento, a minha juventude, os meus
amores, os meus negócios... Não devia ter nascido. (...) A minha vida toda é
um erro. Menos a minha filha”.!
Decidiu pegar a filha no abrigo para um passeio. Levou-a para o mesmo
hotel no qual foi concebida. Teve uma série de pensamentos nos quais fazia
sexo com ela, matava-a e se matava em seguida. Mas a filha era tudo o que
tinha e tudo o que ele mais queria bem, não queria vê-la sofrer.!
!
Comportamentos Modelados por Contingências e Compor-
tamentos Governados por Regras!
!
Os comportamentos emitidos pelo protagonista ao longo do filme se di-
videm entre os eminentemente controlados por regras e os que são diretamen-
te modelados por contingências. Analisaremos como estes tipos de comporta-
mentos se apresentam no filme.!

Regras e Autorregras!
Diz-se que um comportamento está sob controle de uma regra quando
um estímulo verbal (a regra) funciona como estímulo discriminativo para este
comportamento. As regras descrevem contingências e são subprodutos da
nossa interação social. São considerados regras, os conselhos, instruções, or-
dens, entre outros. As regras podem ser formuladas por terceiros ou podem ser
formuladas pelo próprio sujeito, sendo, neste caso, chamadas de autorregras.
As autorregras são modeladas e mantidas pelas contingências nas quais o su-
jeito está inserido, e são derivadas de regras formuladas por outros ou a partir
de suas próprias experiências (Matos, 2001; Meyer, 2005). Após serem elabo-
radas pelo indivíduo, elas podem ocorrer de forma privada, por meio de pen-
samentos, por exemplo, ou publicamente por meio da fala (Jonas, 2001).!
Matos (2001) aponta a necessidade de se investigar as contingências
passadas e atuais do comportamento controlado por regras de forma a se en-
tender melhor sua função. O filme proporciona um espaço frutífero para discus-
são do tema, pois retrata a vida passada e presente de um personagem, pos-
sibilitando traçar um possível histórico de aquisição de regras, assim como
suas contingências mantenedoras (atuais), e ainda a emissão de autorregras
por meio de seus pensamentos. !
Como dito anteriormente, o filme apresenta a construção de uma história
de solidão de um indivíduo que vai sendo abandonado ao longo da vida pelas
pessoas que o cercam. Esse acaba sendo o conteúdo implícito das regras que
guiam seus comportamentos. Pode-se eleger como uma regra exemplar o se-
guinte pensamento:!

224
!
O amor e a amizade são pura ilusão. (...) Vivemos, nascemos e morremos so-
zinhos. Sempre sozinhos. (...) Pensamos que vivemos num mundo civilizado,
mas é uma selva. E, pra viver nessa selva, temos que fazer parte dos animais
mais fortes. Se fizer parte dos outros, tem que fugir a vida toda para salvar o
couro.!
!
Pode-se analisar o exemplo a partir dos três fatores descritos por Matos
(2001) como fundamentais para que a regra exerça controle dos comportamen-
tos de um indivíduo. Os fatores são: (a) a correspondência entre certos eventos
e o comportamento verbal do falante; (b) a correspondência entre o comporta-
mento verbal do falante e certos comportamentos do ouvinte; e (c) a corres-
pondência entre certos comportamentos do ouvinte e certos eventos no ambi-
ente como, por exemplo, aprovação social por seguir a regra e as consequên-
cias naturais por segui-la. !

O primeiro fator explicita uma correspondência entre eventos ambientais


e o comportamento verbal do falante na formulação de regras, ou seja, o que o
indivíduo discrimina dos acontecimentos vivenciados. Sobre o exemplo dado,

225
vários episódios da vida do personagem se encaixam como contexto que em-
basam essa regra. O fato de ter sido abandonado pelos pais e pela mãe de sua
filha que, não só o abandona, mas abandona também a própria filha. Ainda, a
mulher que se recusa a abrir um novo açougue para ele, em decorrência de
motivos dela, em detrimento de uma promessa feita a ele; a recusa dos amigos
em lhe dar ajuda; a agência de emprego, assim como os antigos fornecedores,
que não lhe ofereceram nenhuma oportunidade de emprego. Os exemplos não
acabam: o “sistema” que lhe tomou tudo após sua prisão, o fato de ter que
aprender uma profissão aos 14 anos para sobreviver, etc. !
O segundo fator apresentado por Matos (2001) refere-se à correspon-
dência entre o comportamento verbal do falante e certos comportamentos do
ouvinte. Neste filme em especial, temos o privilégio de acompanhar as relações
comportamentais do personagem atuando como falante e ouvinte de si mesmo.
Isso é retratado por meio dos comportamentos privados; no caso, os pensa-
mentos emitidos por ele, e aos quais temos acesso. Esses pensamentos são,
geralmente, controlados pela autorregra: “Pra viver nessa selva, temos que fa-
zer parte dos animais mais fortes. Se fizer parte dos outros, tem que fugir a
vida toda para salvar o couro”. !
A construção e manutenção dessa regra deram-se pelo fato de o açou-
gueiro, outrora um animal forte, ter perdido tudo o que tinha e, nessa nova
condição, como animal fraco, as pessoas lhe terem negado ajuda. Em outra
cena que se passa num bar, o açougueiro é enxotado por três homens e foge
“para salvar o couro”. Retorna em seguida, agora armado na condição de “ani-
mal mais forte”. É significativa a cena em que o açougueiro, ao adquirir a arma,
emite o pensamento: “Já perdi demasiado tempo. E, além disso, agora tenho
uma pistola. (...) É estranho, mas agora sinto que posso confiar na minha
sorte”, revelando o sentimento de pertencimento ao grupo dos mais fortes, pelo
menos em algum sentido. !
O último ponto apresentado pela autora refere-se às consequências por
seguir as regras, podendo ser a aprovação social, a punição social e/ou as
consequências naturais (i.e., advindas da relação direta entre o comportamento
governado pela regra e o ambiente) por segui-las. Voltemos ao exemplo apre-
sentado anteriormente: “Vivemos, nascemos e morremos sozinhos. (...) E, pra
viver nessa selva (...) tem que fugir a vida toda para salvar o couro”. A con-
sequência explícita da regra elaborada pelo personagem é “salvar o couro”, ou
seja, livrar-se de situações aversivas (trata-se, portanto, de contingências de
reforçamento negativo). !
Neste ponto, vale a pena abrir parênteses para a definição de contin-
gências de controle aversivo. A punição envolve enfraquecimento ou diminui-
ção na frequência/probabilidade de uma classe de respostas devido à adição,
contingente a uma resposta, de um estímulo aversivo ao ambiente (quando se

226
dá o nome de punição positiva) ou à retirada/adiamento de estímulos reforça-
dores positivos (ao que se nomeia punição negativa). Contingências de refor-
çamento negativo envolvem fortalecimento de uma classe de respostas devido
à retirada de um estímulo aversivo presente no ambiente (quando se denomi-
nam fuga) ou ao adiamento/evitação da apresentação de um estímulo aversivo
(a denominada esquiva). O reforçamento negativo acontece, por exemplo,
“quando nos livramos, diminuímos, fugimos, ou esquivamos de eventos pertur-
badores, perigosos ou ameaçadores” (Sidman, 1989/2001, p. 56). O fato de
nos livrarmos de situações ruins, aversivas, aumenta a probabilidade de que
emitamos a mesma resposta/ação no futuro, em situações física ou funcional-
mente semelhantes (Moreira & Medeiros, 2007; Skinner, 1953/2007).!
Por exemplo, quando o personagem aceita trabalhar como vigia, ex-
pressa o alívio por não ter que aturar mais a mulher e a sogra o dia todo. Após
o incidente da agressão à mulher, ele foge para Paris e evita, por exemplo,
uma possível condenação. Quanto mais ele foge ou se esquiva do convívio e
da punição social, maior a probabilidade de não se afiliar a ninguém. Ou seja, o
isolamento social gerado em médio e longo prazo por esse comportamento de
fuga-esquiva acaba mantendo a regra de que é sozinho.!

Moralidade (Regra Social)!


O protagonista tinha também seus comportamentos controlados por uma
“moralidade” que foi construída ao longo de sua vida. A moral, na visão skinne-
riana, é produto do terceiro nível de variação e seleção pelas consequências56,
ou seja, é produto do nível cultural (Skinner, 1981/2007; Todorov & de-Farias,
2009).!
No Dicionário Michaelis57, a palavra moral é relativa aos bons costumes,
à honestidade e à justiça; refere-se ao que é decente, educativo e instrutivo, e
consiste em um modo de proceder. Apesar de essas definições não apresenta-
rem uma operacionalização adequada do ponto de vista analítico-comporta-
mental, percebe-se que a moralidade diz respeito às práticas estabelecidas
pela própria sociedade, voltadas para o seu “bem” e manutenção. O valor mo-

56 Os níveis de variação e seleção fazem parte de um modelo causal no qual as consequências pro-
duzidas pelo comportamento no passado têm um papel determinante em selecionar o comportamen-
to humano. Ou seja, o comportamento humano é produto de um conjunto de três níveis de variação e
seleção, sendo eles: no primeiro nível, as contingências de sobrevivência responsáveis pela seleção
natural da espécie; no segundo, as contingências de reforçamento responsáveis pelos repertórios
adquiridos individualmente por seus membros; e, no terceiro nível, as contingências especiais manti-
das por um ambiente cultural evoluído. Em todos os três níveis, o filogenético, o ontogenético e o
cultural, as respectivas mudanças em níveis de espécie, práticas individuais e grupais só ocorrem
caso haja alguma variação (genética, comportamental ou de práticas grupais) e se essas variações
forem selecionadas pelas contingências em vigor (Skinner, 1981/2007; Todorov & de-Farias, 2009).

57 Disponível em http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portu-
gues&palavra=moral, no dia 01/05/2012.

227
ral é uma forma de zelar pela sobrevivência da cultura. “O comportamento mo-
ral como prática cultural fortalece a função da cultura de servir ao grupo, e não
aos seus indivíduos aumentando a probabilidade de sobrevivência dessa cultu-
ra. Seus reforços serão usufruídos pelas gerações futuras” (Horta, 2004, p. 32). !
Sendo seus reforços naturais usufruídos somente pelas gerações futu-
ras, o que controla o comportamento das pessoas que emitem os comporta-
mentos tidos como morais são os reforçadores generalizados condicionados
liberados para esses comportamentos, como a atenção, o elogio, a aprovação,
o apreço, o aplauso, o prestígio, mas também, a ameaça, o castigo, entre ou-
tros (Abib, 2001). !

! O filme retrata principalmente o controle dessas regras antes do episó-


dio da prisão. Analisando esse primeiro momento, percebem-se pontos da mo-
ralidade do personagem: o cuidado e preocupação com a filha, o sustento de
sua família mesmo diante das dificuldades que possa ter encontrado, a hones-
tidade observada e comentada pelo personagem em seu trabalho e na admi-
nistração de seu açougue, etc. Pode-se levantar a hipótese de ele ter sido in-
centivado por docentes ou tutores do orfanato a trabalhar cedo, a fim de se tor-
nar independente e, desse modo, não dar mais despesas ao Estado. Com isso,
pode ter recebido elogios e aprovação social. Abriu então seu próprio negócio,
o que geralmente propicia prestígio, atenção e apreço das pessoas. Até mes-

228
mo o fato de o personagem conter o desejo pela filha pode ter sido controlado
pelo estabelecimento de uma possível punição para um incesto e, ainda, pela
possível perda de reforçadores, regra essa muitas vezes transmitida por insti-
tuições como igreja e mídia.!
Com as informações exibidas no filme sobre o histórico de vida do per-
sonagem, serão levantadas algumas hipóteses a respeito de sua história de
vida, que poderão ajudar na compreensão do impacto de regras sociais, morais
em sua vida. Como o personagem foi abandonado pela mãe aos 2 anos de
idade e foi levado para um orfanato, supõe-se que a moralidade que regeu os
comportamentos do açougueiro tem suas bases construídas neste ambiente
institucional. Apesar de o filme situar-se na França, pelas semelhanças cultu-
rais ocidentais compartilhadas entre Brasil e França, e, principalmente, numa
tentativa de priorizar análises que possam ser úteis a práticas culturais brasilei-
ras, utilizaremos como referência a visão de Lidia N. D. Weber, sobre a vida em
instituições no Brasil.!
Weber (1999) descreve alguns empecilhos que os orfanatos no Brasil
apresentam no atendimento às crianças com relação a um tratamento mais in-
dividualizado, de acordo com as necessidades de cada uma delas. A autora
aponta essas instituições como tendo um grande número de crianças sendo
atendidas ao mesmo tempo, na mesma unidade; ocorre ainda grande rotativi-
dade de funcionários e rotatividade das próprias crianças e adolescentes que
são atendidos, dificultando formação de vínculos e de aprendizado, entre ou-
tros fatores. Este contexto possibilita maior controle das pessoas atendidas
para que, no futuro, estas não causem outros problemas de ordem social e,
assim, a cultura possa ser mantida. Além dos fatores apontados, o tratamento
é, geralmente, massificado e despersonalizado, todas as crianças devem fazer
as mesmas coisas ao mesmo tempo, e nada podem possuir. Apesar de as re-
gras sociais tornarem-se essenciais para a convivência em grupo no dia a dia
dessas instituições, aquelas que se referem à honestidade, igualdade, liberda-
de, fraternidade e respeito podem se mostrar frágeis, não refletindo o que os
internos vivenciam, ou seja, podem não descrever adequadamente as contin-
gências às quais os internos são/foram expostos. !
Apesar das possíveis diferenças entre instituições brasileiras e france-
sas, o ambiente no qual o açougueiro foi criado pode ter também formulado
verbalmente a noção de cuidado e honestidade, mas foi também o lugar onde
foi violentado e, aos 14 anos, teve que arrumar um trabalho para sobreviver,
sinalizando certas dificuldades e pressões na convivência social. Todo esse
contexto possivelmente contribuiria para que autorregras fossem formuladas, e
assim, o controle pela moralidade fosse diminuído. Desse modo, as constata-
ções do personagem de que “o amor não existe”, “estamos sozinhos sempre” e
“temos que lutar sozinhos para sobreviver” passam a controlar seu comporta-

229
mento de desconfiança e quebra de normas de condutas sociais, com o uso de
violência, por exemplo.!

Implicações dos Comportamentos Governados por Regras e o


Comportamento Diretamente Modelado por Contingências!
! A regra permite que um indivíduo se comporte sem ter que se expor di-
retamente às contingências. Isso pode se tornar uma vantagem quando a con-
sequência da resposta é punitiva ou em situações nas quais as contingências
viriam apenas em longo prazo, dificultando a modelagem do comportamento.
Ainda, quando os comportamentos modelados pela contingência são indesejá-
veis para o indivíduo ou seu grupo (Baum, 1994/2006; Skinner, 1969/1984).
Portanto, uma regra pode economizar várias tentativas de acerto e erro, assim
como punições indesejadas. Essas vantagens podem ser alcançadas ao se
seguir regras sociais, como faz o açougueiro, que se favorece das regras sem
ter que se expor diretamente a algumas consequências indesejáveis.!
Existe também maior rapidez na forma com que o comportamento é ins-
talado se comparado com o comportamento diretamente modelado pelas con-
tingências (Baum, 1994/2006; Skinner, 1969/1984). Porém, se acontece algu-
ma mudança no contexto e esse controle não se adapta a essas nova contin-
gência, dependendo da história anterior do indivíduo com relação às regras, o
comportamento tende a se enfraquecer (Matos, 2001).!
Ao contrário dos comportamentos controlados por regras, quando o
comportamento é diretamente modelado por contingências, são os eventos
ambientais que funcionam como estímulos discriminativos, o que modela e
mantêm esses comportamentos são suas consequências diretas no ambiente
(Skinner, 1969/1984). No filme, os comportamentos do açougueiro controlados
por regras sociais foram enfraquecendo (diminuindo de frequência) na medida
em que ele foi entrando em contato com outras contingências de reforço. Após
ter sido preso, o personagem perdeu a filha, o apartamento, o açougue. Envol-
veu-se em um relacionamento e acabou entrando em contato com situações
bem aversivas, como as humilhações da esposa e sua recusa em abrir um
novo açougue, a mudança para um lugar onde não conhecia ninguém, a busca
por um emprego novo, a falta de dinheiro e a dependência da esposa, a au-
sência da filha e a gravidez inesperada.!
A combinação desse novo contexto com as experiências históricas de
sua vida, de abandono e solidão, e ainda com o contexto sociocultural em que
esteve inserido na antiga cidade atingida por forte crise econômica, podem ter
contribuído para o surgimento dos sentimentos de humilhação, injustiça, fra-
casso. O controle da moralidade começou a perder sua força e as discrimina-
ções das contingências em que estava vivendo e das que esteve exposto ao
longo da vida ganharam força e começaram a governar seus comportamentos. !

230
Seus comportamentos privados relacionados ao ambiente externo au-
mentaram de frequência, assim como as autorregras. Novas situações ambien-
tais foram estabelecidas e acabaram exigindo novos comportamentos. O com-
portamento de seguir o padrão moralmente aceito foi diminuindo de frequência
ao longo do filme e o personagem tornou públicos alguns dos comportamentos
privados modelados pelas novas contingências e controlados por suas autorre-
gras.!
O açougueiro fugiu, procurou emprego, pediu dinheiro e ajuda, mas
nada conseguiu. “No final do túnel, nem sequer existe uma luz”. Até que cons-
tata: “É estranho, fracassei em tudo. O meu nascimento, a minha juventude, os
meus amores, os meus negócios. Não devia ter nascido. (...) A minha vida toda
é um erro. Menos a minha filha”. !
!
Comportamento Privado!
!
Durante todo o filme, é notável a presença dos pensamentos do perso-
nagem principal. Em um con-
texto clínico, não é possível
ter acesso direto aos pensa-
mentos de um cliente. Somen-
te é possível entrar em conta-
to com eles indiretamente,
caso o cliente os demonstre
de alguma maneira, seja por
meio de falas, gestos, escrita,
desenhos, músicas, ou outras
formas. E, mesmo quando o
faz, esse relato tenderá a ser
impreciso em maior ou menor
escala. Essa dificuldade de se
acessar os pensamentos e a
imprecisão desse é um dos
desafios com os quais o psicó-
logo clínico tem que lidar em seu trabalho. O mesmo não ocorre na análise do
personagem, dada a forma direta com que o filme apresenta seus pensamen-
tos. Isto é o que o faz tão frutífero para esta análise. O comportamento privado,
entre outras coisas, nos dá dicas de possíveis privações que a pessoa está so-
frendo, contingências aversivas que vivencia, seus mecanismos de fuga e es-
quiva, assim como seus reforçadores e situações prazerosas. Assim, é possível
entender melhor o quão significativo pode ser o estudo dos eventos privados e
de sua relação com os comportamentos públicos (Tourinho, 1999, 2001). !

231
Skinner (1953/2007) afirma que o comportamento é função do ambiente,
ou seja, sua ocorrência depende de eventos ambientais. Ambiente, por sua
vez, diz respeito a “qualquer evento no universo capaz de afetar o
organismo” (p. 281). Dentro desse universo no qual o indivíduo se insere, estão
contidas algumas situações particulares às quais somente o próprio indivíduo
tem acesso direto. Essas situações são, por exemplo, as respostas de um indi-
víduo frente à dor de um dente inflamado, os estados de excitação sexual ou
mesmo situações de privação alimentar.!
A este “mundo particular” é dado o nome de privado. Ele se distingue
dos eventos públicos somente por sua inacessibilidade pública. Os pensamen-
tos, sentimentos e sensações são eventos privados, pois só quem os vivencia,
pensa e sente, é capaz de relatá-los. No mais, para a Análise do Comporta-
mento, os eventos privados, assim como os públicos, são entendidos como
eventos naturais, também sendo derivados da história genética e ambiental
dos indivíduos (Baum, 1994/2006; Skinner, 1953/2007, 1974/1993).!
Comportamentos privados e públicos podem funcionar como variáveis
dependentes e como variáveis independentes (como estímulo antecedente ou
consequente) dentro de uma relação comportamental. Ou seja, os comporta-
mentos podem exercer influência sobre outros comportamentos, mas nunca
podem ser considerados como causas primárias destes (Abreu-Rodrigues &
Sanabio, 2001; Matos, 2001). É sempre necessário investigar as relações
comportamentais de maneira mais ampla, a fim de não incorrer em explicações
circulares, que justificam o comportamento pelo próprio comportamento, e aca-
bam não esclarecendo sua função e as variáveis que o controlam.!
O açougueiro emite incansavelmente seus pensamentos (comportamen-
to privado) em quantidade superior aos comportamentos verbais públicos. Essa
quase ausência de fala é uma condição apresentada pelo personagem mode-
lada por sua comunidade verbal. De acordo com Tourinho (2001), remetendo-
se às ideias de Skinner, “toda resposta verbal é função de contingências de re-
forçamento dispostas por uma comunidade verbal. É a comunidade que mode-
la nosso repertório verbal, e sua ação é baseada naquilo que lhe está acessível
à observação” (p. 165).!
Um dos fatores que contribuíram para essa quase ausência de fala do
personagem foi o ambiente repressor de toda a sua vida. Sua infância como
interno lhe impôs uma massificação pelo pouco espaço para manifestações in-
dividuais. Num local que abriga tantos indivíduos e de forma tão inadequada,
não é desejável que os internos demonstrem suas necessidades; caso de-
monstrem, é provável que não sejam atendidos, podendo até serem desmere-
cidos, ridicularizados, diminuídos. Dessa forma, a reclamação e a expressão de
sentimentos, além de serem pouco estimuladas, podem ser ainda sinais de fra-
queza perante os outros, características dos “animais mais fracos”, o que pode-

232
ria deixá-lo suscetível a chacotas e exploração. Esse ambiente demonstra um
convívio hostil e de amor condicional que não favorece o diálogo, o aprendiza-
do de trocas afetivas, habilidades sociais, assertividade e segurança. !
Crescendo nesse ambiente, é possível supor que o açougueiro tenha
pouca habilidade para estimular sua filha, ensinando-lhe repertórios verbais e
afetivos. Nas cenas em que ela aparece, vê-se uma menina apática que quase
não fala, não expressa vontades e sentimentos. Esses são comportamentos
observados no próprio açougueiro, dando evidências de que o pai oferecia
condições que limitavam ou não estimulavam a aprendizagem de expressão de
sentimentos. !
Apesar de a apatia ser visível em seus comportamentos públicos, o
açougueiro, privadamente, conversava consigo mesmo todo o tempo. Observa-
se que, em grande parte, os comportamentos públicos do personagem esta-
vam sendo controlados por reforçamento negativo e punição, como veremos
adiante. Essas relações comportamentais, como anteriormente descrito, são
tidas como coercitivas e podem trazer efeitos desagradáveis caso sejam pre-
dominantes na vida de um indivíduo (Sidman, 1989/2001; Skinner, 1953/2007).!
Vários comportamentos privados emitidos pelo personagem seriam pu-
nidos caso se tornassem públicos. Portanto, esses pensamentos acabam sen-
do uma forma de fuga ou esquiva de possíveis situações aversivas. Ou seja, o
“excesso” de comportamento privado foi modelado pelo histórico de vida do
personagem e mantido por algumas contingências aversivas em atuação em
sua vida.!
Ao longo do filme, encontramos o personagem exposto a esse tipo de
contingência quando ele se comporta a fim de evitar algumas situações, como,
por exemplo, quando aceita o emprego de vigia noturno e, dessa forma, dimi-
nui seu contato com a sogra e a esposa, ou quando muda de cidade após ba-
ter em ambas, evitando a prisão. Ele também age assim quando se comporta
guiado por alguma regra moral, evitando represálias sociais.!
“Reforçamento negativo gera fuga” (Sidman, 1989/2001) e é exatamen-
te isso que esses exemplos nos demonstram. Quando o açougueiro se encon-
tra nessas situações, faz de tudo para livrar-se delas, está sempre tentando
escapar do sombrio túnel que é a sua existência. Segundo Sidman, o reforça-
mento negativo:!
!
(…) se intenso e contínuo, pode restringir estreitamente nossos interesses, até
mesmo causando uma espécie de ‘visão de túnel’ que nos impede de atentar
para qualquer coisa, exceto o estresse a que estamos, no momento, sendo
submetidos. (...) Em casos extremos, estaremos sempre olhando por sobre os
ombros para ver que novo desastre está a ponto de desabar sobre nossas ca-
beças” (Sidman, 1989/2001, p. 109). !
!
233
A “visão de túnel” ilustrada por Sidman condiz com a realidade do per-
sonagem que, ao vivenciar situações que lhe são desfavoráveis, torna-se cada
vez mais desconfiado e, com isso, suas autorregras vão tomando força: !
!
(1) “É sempre a mesma coisa. Cada um defende o seu dinheiro. Cada
um defende o seu bife. E ninguém o faz por ti”; !
(2) “Vivemos, nascemos e morremos sozinhos. Sozinhos, sempre sozi-
nhos”; !
(3) “O amor filial é um mito. À mãe, só se quer bem enquanto der leite.
Ao pai, enquanto der dinheiro”; !
(4) “Só quando existe uma herança é que os filhos fingem ser amigos”; !
(5) “O amor e a amizade são pura ilusão”; !
(6) “Quando perde a vontade de foder, repara que não há mais nada pra
fazer no mundo”; !
(7) “A vida é um grande vazio, sempre o foi e sempre o será”; !
(8) “Quanto menos dinheiro se tem, mais as pessoas nos evitam”; !
(9) “Se sabem que está sem grana, te escorraçam”; e!
(10)“A prisão é para os pobres. Quando se é rico, a lei está do seu lado”.!
!
Outra contingência aversiva, anteriormente definida, é a punição, aplica-
da como forma de cessar (ou, ao menos, diminuir a probabilidade de) algum
comportamento. “Administramos todos os tipos de punição de forma a controlar
outras pessoas a fim de parar ou impedir quaisquer de suas ações que nos
machucam, privam, insultam ou desagradam” (Sidman, 1989/2001, p. 81).!
Podem-se citar alguns exemplos de punição negativa a que o açouguei-
ro é exposto quando perde sua liberdade, seu açougue, seu apartamento e a
convivência com a filha, após ter agredido o trabalhador. Contingências de pu-
nição positiva ocorrem, por exemplo, quando a esposa o repreende porque ele
diz que não quer candidatar-se às ofertas de emprego que lhe aparecem, ou
quando ela o xinga após lhe contarem que o viram com uma mulher. !
O ambiente vivido pelo personagem depois que sai da prisão é, de ma-
neira geral, aversivo. Seus comportamentos em maior parte são guiados por
relações de punição ou reforçamento negativo. Como vimos, esses tipos de
contingência fizeram com que os comportamentos de fuga e esquiva do açou-
gueiro aumentassem. !
A punição, assim como a privação, acaba induzindo a agressividade por
parte de quem a sofre. A coerção gera também um contracontrole58, onde “a
melhor defesa é um bom ataque” (Sidman, 1989/2001, p. 222). Portanto, o per-
sonagem acaba se engajando em ações voltadas para “dar uma lição” em

58Contracontrolar consiste em se opor ao controle exercido por outrem; emitir respostas que permi-
tam fuga ou esquiva do controle aversivo (Sidman, 1989/2001; Skinner, 1974/1993).

234
quem, em algum momento, o enxotou, agrediu, humilhou, etc., podendo tam-
bém dirigir sua agressão a outros que nem mesmo tinham relação direta com a
agressão sofrida. A agressão física que dirige à sua esposa, entre outras pes-
soas, por exemplo, é uma forma de contracontrole utilizada pelo personagem.!
Assim como estes com-
portamentos públicos, os pen-
samentos do personagem
também são de cunho agressi-
vo, pois foram estabelecidos
pelas mesmas relações de
contingência. A frequência de
comportamentos privados de-
pende de qual função eles
exercem na relação do sujeito
com seu ambiente. Pessoas
em ambientes aversivos ou
pouco prazerosos tenderão a
fantasiar com uma frequência
maior (Silva, 2008; Skinner,
1974/1993). A maior parte dos
pensamentos do açougueiro,
se emitidos publicamente, teri-
am grande probabilidade de
serem punidos. Mantê-los pri-
vados é, portanto, uma forma
de evitar essa possível puni-
ção.!
Skinner (1974/1993)
apresenta outra vantagem do
comportamento privado que se
refere à possibilidade de o in-
divíduo agir sem se compro-
meter. “Podemos anular o
comportamento e tentar novamente, se as consequências privadas não foram
reforçadoras” (p. 92). É como se fosse um ensaio, um teste de como seria, e o
personagem faz claramente isso o tempo todo. A cena final do filme retrata
esse pensamento como ensaio, de como seria caso ele tivesse uma relação
sexual com a filha e matasse a ela e a si mesmo em seguida.!
Os fatores motivadores para os pensamentos sexuais com a filha são,
por um lado, a privação afetiva e sexual a que ele está exposto, tendo em vista
que, de acordo com Skinner (1953/2007), se o indivíduo estiver em privação,

235
todo comportamento que o levaria a saciar aquela privação seria aumentado
de frequência. A filha tornou-se, então, um estímulo eliciador sexual para o per-
sonagem durante o período em que ele cuidou dela, visto que o açougueiro
não teve outras relações afetivas desde a fuga da mãe da filha. Além disso, era
ele quem dava banho e trocava a roupa de Cyntia até sua adolescência, e
acompanhou as transformações de seu corpo de menina até seu corpo de mu-
lher. Portanto, essa relação com a filha era o único contato íntimo com mulhe-
res que teve neste período.!
Por outro lado, pensar em fazer sexo com a filha, além de possivelmente
eliciar sensações prazerosas (das quais ele estava privado), pode ser conside-
rado também como uma resposta de contracontrole ao sistema em que vivia,
uma forma de superar o controle que o oprimia. Essa era a única situação na
qual ele poderia fazer algo, pois em todas as outras ele era “podado”. Ainda,
matar-se, como forma de cessar seu sofrimento e de escapar da punição do
seu ato incestuoso, seria tanto sua maior fuga/esquiva quanto seu maior ato de
contracontrole.!
!
Considerações Finais!
!
A análise aqui apresentada é, obviamente, uma análise ficcional, só ten-
do valor enquanto modelo e exemplo, contendo certo teor didático. Por meio
dela, foi possível abordar conceitos que são relevantes em um contexto real. !
No filme, a análise das contingências da vida do personagem possibili-
tou identificar um processo no qual o controle por regras sociais diminuiu de
frequência na medida em que o personagem foi entrando em contato com ou-
tras contingências de reforço. Dessa maneira, as discriminações das contin-
gências em que estava vivendo e das que esteve exposto ao longo da vida ga-
nharam força e, baseado nessas experiências, favoreceram o surgimento de
novas regras, formuladas pelo próprio personagem, que são dissonantes das
regras sociais que outrora controlavam seus comportamentos. !
A análise dos comportamentos governados por regras e diretamente
modelados por contingências nos atentou para as relações coercitivas (punição
e reforçamento negativo) às quais o personagem esteve exposto ao longo da
vida. Esse tipo de relação tanto modelou o repertório público – a pouca fala, a
dificuldade de estabelecer relações afetivas e recíprocas, o comportamento
arisco, agressivo e também apático –, quanto foi contexto para o estabeleci-
mento e ocorrência dos comportamentos privados, como pensamentos de cu-
nho agressivo e sentimentos de solidão e injustiça. Mantê-los privados foi uma
forma de fuga ou esquiva, pois, na medida em que eles se tornassem públicos,
teriam grande probabilidade de serem socialmente punidos. As privações de

236
relações prazerosas também contribuíram para a ocorrência de comportamen-
tos privados.!
Numa circunstância hipotética de tratamento do personagem, a exposi-
ção a outras contingências não aversivas e fontes de reforçamento positivo se-
riam imprescindíveis para que o mesmo desenvolvesse outros tipos de rela-
ções sociais e um repertório comportamental que superasse os seus excessos
comportamentais (comportamentos de cunho agressivo) e os seus déficits
comportamentais (falta de habilidades sociais e assertividade). !

O terapeuta, por meio de uma postura empática e acolhedora, poderia


ser fonte de reforçadores positivos ao estimular os relatos do personagem com
relação aos seus sentimentos, angústias, injustiças, fracassos, etc. A terapia
poderia ainda servir de contexto para aceitação de sentimentos, avaliação de
comportamentos alternativos, treino de habilidades sociais e comportamentos
assertivos. A relação com a filha poderia funcionar como uma operação estabe-
lecedora para o engajamento em mudanças comportamentais e até servir
como modelo para outras relações afetivas que viessem a surgir (de-Farias,
2010; Ruas, Albuquerque & Natalino, 2010; Silva & de-Farias, 2010). !
! A análise desse filme mostra o quão significativo é entender melhor o
mundo privado de uma pessoa. Estudá-lo e investigá-lo pode ser muito impor-
tante para se coletar dados, estabelecer o vínculo terapêutico e promover o au-

237
toconhecimento de um cliente, possibilitando outras formas de intervenção. En-
tretanto, a dificuldade de se acessar os pensamentos e a imprecisão desses é
um dos desafios que o psicólogo clínico tem que lidar em seu trabalho. !
Este estudo teve a proposta de servir como modelo de análise e exem-
plo de problemáticas que são encontradas por terapeutas no trabalho clíni-
co diário, por meio de exemplificações de conceitos e possibilidades de
intervenção. Por ter sido desenvolvido com base em um filme, permite
que outros profissionais desenvolvam outras interpretações do
mesmo material, gerando debates e intercâmbio de ideias, o que
contribui ainda mais para o aprendizado terapêutico.!
!
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Todorov, J. C. & de-Farias, A. K. C. R. (2009). Desenvolvimento e modificação de prá-
ticas culturais. Em A. L. F. Dias, A. C. P. M. Passarelli, F. L. de Melo, & M. A. S. de
Morais (Orgs.), Ciência do Comportamento: Conhecer e avançar (Vol. 7, pp.
79-90). Santo André: ESETec.!
Tourinho, E. Z. (1999). Eventos privados: O que, como e porque estudar. Em R. R.
Kerbauy, & R. C. Wielenska (Orgs.), Sobre comportamento e cognição: Vol. 4.
Psicologia Comportamental e Cognitiva: da reflexão teórica à diversidade de apli-
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Tourinho, E. Z. (2001). Eventos privados em uma ciência do comportamento. Em R. A.
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dológicos e de formação em Análise do Comportamento e Terapia Cognitiva (pp.
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Weber, L. N. D. (1999). A ficção e a realidade de crianças institucionalizadas: uma pro-
posta de intervenção. Congresso Internacional família e violência. Texto e Contex-
to, Florianópolis, SC, Brasil, pp. 427-430.!
!

239
!
“28 DIAS”: ANÁLISE CONTINGENCIAL DO AMBI-
ENTE DE INTERNAÇÃO PARA O TRATAMENTO
DE DEPENDÊNCIA QUÍMICA!
!
Alessandra de Cássia Araújo Fonseca Lledó!
Consultório Particular!
!
Ana Karina C. R. de-Farias59!
Consultório Particular!
Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal!
Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento !

Título: 28 dias!
Título original: 28 Days!
Ano: 2000!
Direção: Betty Thomas!
Roteiro: Susannah Grant!
Produção: Jenno Topping

Gwen Cummings, protagonista interpretada por Sandra Bullock, é uma


escritora envolvida em um ciclo social de badalações noturnas, no qual o uso
abusivo do álcool está presente. A relação com o namorado Jasper (Dominic
West) parece estar baseada em sexo e uso abusivo do álcool. Gwen apresenta
comportamentos padrões do alcoolismo, tais como não se lembrar do que fez
na noite anterior; fazer uso de álcool logo pela manhã e para se preparar para
eventos sociais; consumir bebidas alcóolicas ao longo do trajeto que a leva a
esses eventos (casamento da irmã, por exemplo); e não cumprir adequada-

59 E-mail: akdefarias@gmail.com

240
mente os compromissos familiares
em decorrência do uso abusivo do
álcool. O namorado parece influenci-
ar a manutenção desses comporta-
mentos, já que ele a acompanha,
demonstrando repertório comporta-
mental similar ao dela. !
A relação da protagonista com
a irmã mais velha, Lily Cummings
(Elizabeth Perkins), apresenta-se
desgastada devido ao vício de Gwen.
O vício e a falta de comprometimento
parecem ter contribuído para a sua
falta de credibilidade perante a família e para o afastamento afetivo entre ela e
a irmã no decorrer da vida. Aparenta sentir-se mal por desapontar, mais uma
vez, a irmã quando chega atrasada e alcoolizada ao seu casamento, e, por
isso, toma o analgésico Vicodin misturado ao álcool para amenizar a sensação
de mal-estar durante o evento. Ao longo do filme, o comportamento de tomar
remédios mostra-se um hábito da protagonista para amenizar momentos des-
confortáveis.!
No decorrer da festa de casamento da irmã, Gwen não discrimina a ina-
dequação de seus comportamentos junto com o namorado (ambos já se en-
contram alcoolizados) e expõe a irmã, seu noivo e convidados a situações
constrangedoras. Gwen acaba destruindo o bolo do casamento ao se jogar so-
bre ele em uma manobra mal sucedida enquanto dançava com Jasper. Mais
uma vez, depara-se com a frustração da irmã em virtude de seus comporta-
mentos e tenta resolver o problema saindo sozinha para comprar outro bolo,
pega a limusine do casamento e dirige, nitidamente embriagada, em busca de
uma confeitaria, colocando sua vida e a de outras pessoas em risco. Por estar
sob efeito do álcool, Gwen perde o controle do carro e arrebenta a varanda de
uma casa. A vida sem limites da protagonista chega a um ponto extremo e,
para não ir para a cadeia devido a esse episódio, ela se vê obrigada a fazer um
tratamento de reabilitação, por um período de 28 dias em uma clínica de inter-
nação.!
A partir daí, o filme mostra a realidade de uma clínica que envolve várias
operações estabelecedoras para o tratamento da dependência química. O que
se pretende abordar no presente texto é como a realidade do contexto terapêu-
tico da clínica de tratamento pode proporcionar a mudança comportamental e
se, de fato, ocorre o estabelecimento e generalização de novos comportamen-
tos de enfrentamento e prevenção de risco de recaída da dependência química
no ambiente externo e cotidiano do indivíduo. Teremos como base os princípios

241
da Análise do Comportamento e, para facilitar o entendimento das análises, se-
rão apresentados, em um primeiro momento, conceitos básicos da dependên-
cia química e dessa abordagem psicológica.!
!
Dependência Química!
!
O crescente aumento no consumo de drogas lícitas e ilícitas tem sido
tema de debates governamentais e sociais. O Relatório Mundial sobre Drogas
de 2008 (UNODC,
200860) informou que o
Brasil tem cerca de 870
mil usuários de cocaína e
que o consumo aumen-
tou de 0,4% para 0,7%
entre pessoas de 12 a 65
anos, no período entre
2001 e 2004, o que equi-
vale a aumento de cerca
de 75% dos usuários. O
Brasil é o segundo maior
mercado das Américas,
com 870 mil usuários,
atrás apenas dos Esta-
dos Unidos, com cerca
de seis milhões de con-
sumidores (UNODC,
2008).!
O consumo de maconha
subiu de 1% para 2,6%,
o maior aumento da
América Latina no perío-
do entre 2001 e 2005,
cerca de 160% de acrés-
cimo. A Organização das
Nações Unidas (ONU)
não dispõe de dados es-
pecíficos sobre o ecs-

60 http://oglobo.globo.com/pais/arquivos/drogas_2008.pdf-www.unodc.org - http://www.unodc.org/do-
cuments/southerncone//Topics_drugs/WDR/2010/WDR_2010_Referencias_ao_Brasil_e_Cone_-
Sul.pdf !

242
tasy, mas o crescente número de apreensões realizadas no país indica tam-
bém um crescimento do consumo (UNODC, 2008).!
Entretanto, a droga psicoativa mais amplamente usada no mundo é o
álcool. Nos Estados Unidos, 95 milhões ou 60% dos adultos (indivíduos com
pelos menos 18 anos) bebem em algum grau e 7% dos adultos bebem diaria-
mente. Aproximadamente, 26% das pessoas de 12 aos 17 anos de idade são
classificadas como bebedores regulares. A taxa de mortalidade entre as pes-
soas dependentes de álcool é 2,5 vezes maior que aquelas que não são de-
pendentes (Washton & Zweben, 2009).!
O álcool é uma droga que atua no Sistema Nervoso Central de forma
depressora, altera as funções cerebrais que normalmente exercem os controles
restritivos responsáveis por manter a inibição do comportamento social, pro-
porcionando, assim, maior “liberdade aos impulsos”. Por isso, o usuário tende a
sentir-se desinibido e relaxado. No entanto, o aumento da ingestão comprome-
te comportamento cognitivo, discernimento, capacidade de raciocínio e de jul-
gamento, instabilidade de humor, respiração, coordenação motora e sexualida-
de (Washton & Zweben, 2009). !
A pesquisa mais recente sobre a prevalência da dependência de álcool
no Brasil apontou que 17,1% entre os homens e 5,7% entre as mulheres apre-
sentam a dependência dessa substância, o que representa 11,2% da popula-
ção (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas, CEBRID,
2002). De acordo com o CEBRID, 19,1% da população já fez uso de maconha
e cocaína, entre outras drogas ilegais, percentual que aumenta para 29% se for
acrescido álcool e tabaco. A pesquisa aponta ainda que, no Brasil, 45,88% dos
adolescentes entre 12 e 17 anos já experimentaram álcool, uma prática tão
comum que chega a ser encarada com naturalidade. Geralmente, as famílias
só começam a se preocupar quando o problema já está instalado. Talvez, a lici-
tude do álcool e a aceitação social do consumo diminuam o interesse das auto-
ridades em desenvolver pesquisas mais recentes sobre o uso abusivo dessa
substância perante a complexidade do tráfico e das consequências públicas e
políticas das outras drogas que estão invadindo o Brasil nos últimos anos. Ape-
sar da aceitação social do consumo de bebida alcoólica, este consumo, quan-
do em excesso, passa a trazer sérios problemas em longo prazo e, dependen-
do da dose, frequência e circunstâncias de uso, pode causar um quadro de de-
pendência conhecido como alcoolismo. O consumo inadequado do álcool é um
fator relevante de saúde pública, acarretando altos custos para a sociedade e
envolvendo questões médicas, psicológicas, profissionais e familiares (CE-
BRID, 2003).!
A questão da dependência química já foi vista de forma estereotipada
pela sociedade, que considerava os usuários como impulsivos, não-confiáveis,
resistentes ao tratamento e desmotivados à mudança. Eram estigmatizados

243
como portadores de transtornos de caráter e tidos como não-responsivos às
intervenções psicoterapêuticas (Washton & Zweben, 2009). A maioria das defi-
nições de adição a drogas ou dependência de substâncias inclui descrições em
que o indivíduo não controla o uso de uma droga (uso compulsivo) e aponta
vários sintomas ou critérios que refletem a perda de controle sobre o consumo
de drogas (Associação Americana de Psiquiatria, APA, 2002). Hoje em dia, as
pesquisas se direcionam baseadas em conceitos psiquiátricos e da Psicologia
Experimental, juntamente com a Neurobiologia, visando identificar elementos
emocionais e biológicos que contribuem para alterar o equilíbrio do prazer e o
estabelecimento da dependência (APA, 2002).!
Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico das Doenças Mentais, em
sua quarta edição revisada, DSM-IV-TR (APA, 2002), a dependência química é
definida como um conjunto de sintomas cognitivos, comportamentais e fisioló-
gicos, indicando que o indivíduo continua utilizando uma substância, apesar de
problemas significativos relacionados a ela. A repetida autoadministração da
substância resulta em tolerância, abstinência e comportamento compulsivo de
consumo da droga. !
A tolerância caracteriza-se pela necessidade de quantidades progressi-
vamente aumentadas da substância para atingir intoxicação ou o efeito deseja-
do. O organismo demonstra uma habituação ao efeito da droga, ou seja, uma
redução do efeito com o uso continuado da mesma quantidade da substância.
Nos estágios mais avançados da dependência, o indivíduo começa a perder a
tolerância e fica incapacitado com pequenas doses da substância (APA, 2002). !
A abstinência refere-se a sintomas físicos (tremor, sudorese, palpitações
cardíacas, aumento de temperatura do corpo, náuseas, vômitos, confusão
mental e convulsões) e psíquicos (“fissura” pela droga, ansiedade, sintomas
depressivos, irritação, dificuldade de concentração e insônia) de desconforto
frente à redução ou interrupção do consumo de drogas. Diante dos sintomas
desagradáveis de abstinência, a pessoa tende a consumir a substância para
aliviá-los ou evitá-los. Os sinais e sintomas de abstinência variam de acordo
com a substância utilizada, sendo que álcool, opióides, sedativos, hipnóticos e
ansiolíticos apresentam sinais acentuados e facilmente identificáveis de absti-
nência. Vale ressaltar que nem a tolerância, nem a abstinência, são critérios
necessários ou suficientes para um diagnóstico de dependência química. O
Quadro 1 apresenta os critérios que devem ser satisfeitos para definir a depen-
dência química, conforme o DSM-IV-TR (APA, 2002).!
!
!
!
!
!
244
Critérios para Dependência de Substância
Um padrão mal-adaptativo de uso de substância, levando a prejuízo ou sofrimento
clinicamente significativo, manifestado por três (ou mais) dos seguintes critérios,
ocorrendo a qualquer momento no mesmo período de 12 meses:
(1) tolerância, definida por qualquer um dos seguintes aspectos:

(a) uma necessidade de quantidades progressivamente maiores da substância para adquirir
a intoxicação ou efeito desejado

(b) acentuada redução do efeito com o uso continuado da mesma quantidade de
substância
(2) abstinência, manifestada por qualquer dos seguintes aspectos:

(a) síndrome de abstinência característica para a substância (consultar os Critérios A e B
dos conjuntos de critérios para Abstinência das substâncias específicas)

(b) a mesma substância (ou uma substância estreitamente relacionada) é consumida para
aliviar ou evitar sintomas de abstinência
(3) a substância é freqüentemente consumida em maiores quantidades ou por um período
mais longo do que o pretendido
(4) existe um desejo persistente ou esforços mal-sucedidos no sentido de reduzir ou
controlar o uso da substância
(5) muito tempo é gasto em atividades necessárias para a obtenção da substância (por ex.,
consultas a múltiplos médicos ou fazer longas viagens de automóvel), na utilização da
substância (por ex., fumar em grupo) ou na recuperação de seus efeitos
(6) importantes atividades sociais, ocupacionais ou recreativas são abandonadas ou
reduzidas em virtude do uso da substância
(7) o uso da substância continua, apesar da consciência de ter um problema físico ou
psicológico persistente ou recorrente que tende a ser causado ou exacerbado pela
substância (por ex., uso atual de cocaína, embora o indivíduo reconheça que sua
depressão é induzida por ela, ou consumo continuado de bebidas alcoólicas, embora o
indivíduo reconheça que uma úlcera piorou pelo consumo do álcool)

Quadro 1. Critérios para definição de dependência química, conforme o DSM-IV-TR


(APA, 2002).!
!
Além do diagnóstico, é necessário o encaminhamento correto para o tra-
tamento da dependência química. Existem várias possibilidades: tratamento
medicamentoso com ou sem internação em hospital geral, psiquiátrico, comu-
nidades terapêuticas ou clínicas especializadas; tratamento não medicamento-
so com internação em fazendas de recuperação; tratamento não medicamen-
toso a partir do ingresso em grupo de ajuda mútua (Alcóolicos Anônimos – AA –
e Narcóticos Anônimos – NA); psicoterapias individuais ou de grupo; e, até
mesmo, a cura através da fé religiosa. O nível de gravidade da dependência

245
química diagnosticado por profissional especializado definirá a escolha da me-
lhor alternativa de tratamento (Edwards, 1995). !
Neste capítulo, vamos nos ater ao tratamento disponibilizado no filme,
que pode ser caracterizado como o de clínica especializada de internação, na
qual o indivíduo será submetido a uma avaliação diagnóstica clínica sócio-fami-
liar e psiquiátrica, iniciada na fase de desintoxicação, que resultará na elabora-
ção de um programa terapêutico específico para cada paciente. Após o diag-
nóstico, a equipe abordará objetivamente com o paciente e a família o nível de
dependência, as complicações em decorrência do abuso da(s) substância(s),
as dificuldades familiares e outras questões que sejam relevantes ao tratamen-
to baseado na abordagem terapêutica estabelecida pela clínica. No filme 28
dias, o modelo de tratamento é o Minessota, idealizado nos Estados Unidos,
que segue a filosofia da programação dos 12 passos sugeridos pelos Alcoóli-
cos Anônimos, interagindo com princípios da psicoterapia humanista, da psico-
terapia comportamental e da psicoterapia baseada na confrontação da realida-
de (Kadden & Cooney, 2009). Atualmente, esse modelo tem como fundamentos
o crescimento da consciência espiritual, reconhecimento da responsabilidade
sobre as escolhas pessoais e a aceitação da importância dos relacionamentos
pessoais.!
Como dito acima, o presente texto objetiva relacionar, brevemente, o en-
foque analítico-comportamental ao tratamento da dependência química. Para
que isso fique mais claro, é necessário abordar conceitos básicos dessa abor-
dagem.!
!
Análise do Comportamento: Conceitos Básicos!
!
A Análise do Comportamento é uma ciência baseada na filosofia do
Behaviorismo Radical, proposto por B. F. Skinner (1945/1988, 1953/1998,
1974/1982, 1981, 1989/2003). Defende-se que o comportamento humano é fru-
to das interações organismo-ambiente, sendo ambiente entendido como qual-
quer coisa que possa influenciar o comportamento. Desse modo, o conceito de
ambiente é estendido em relação às demais teorias psicológicas e ao senso
comum, e abarca estímulos internos e externos ao organismo que se comporta,
podendo tais estímulos consistirem em fatores históricos e/ou atuais. Quando
se fala em ambiente, portanto, está-se referindo à fisiologia, à história de vida
individual do organismo, à cultura (i.e., às práticas compartilhadas pelo grupo
do qual o indivíduo faz parte). Em outras palavras, sendo o comportamento se-
lecionado a partir de suas interações com o meio, um analista do comporta-
mento busca suas causas em três níveis de variação e seleção: filogenia, on-
togenia e cultura (de-Farias, 2010; Marçal, 2010; Skinner, 1981).!

246
A filogenia refere-se à história de variação, seleção e reprodução de ca-
racterísticas da espécie. Portanto, explica nossas características físicas, mas
também algumas comportamentais. É responsável, dentre outras coisas, pela
susceptibilidade aos condicionamentos respondente e operante (explicados
abaixo), assim como pela susceptibilidade variável às consequências do com-
portamento, dependendo do estado atual do organismo. Em outras palavras, a
filogênese nos prepara para aprender a interagir com um mundo que está em
constante modificação e, como não poderia deixar de ser, esta interação envol-
ve todo o organismo e o que se pode denominar “variáveis motivacionais” ou
“operações estabelecedoras” (Baum, 1994/1999). !
No que se refere à capacidade de aprender a partir de sua interação
única e direta com o ambiente (segundo nível de variação e seleção: ontoge-
nia), podem-se apontar os conceitos de condicionamento respondente, condi-
cionamento operante, modelação (ou aprendizagem por modelo), e, por fim,
aprendizagem por regras. No condicionamento respondente, um estímulo ante-
riormente neutro (i.e., que não elicia/produz a resposta sob análise), após uma
história de emparelhamentos com um estímulo incondicionado ou já condicio-
nado (i.e., um estímulo que já elicia determinada resposta) passa a eliciar a
resposta em análise (Baum, 1994/1999; Catania, 1998/1999; Moreira & Medei-
ros, 2007). Deste modo, a ingestão de álcool elicia, incondicionalmente, res-
postas de salivação e prazer. Após diversos emparelhamentos entre o líquido
ingerido e uma garrafa de cerveja, uma propaganda de whisky, ou a simples
visão de alguém bebendo álcool, os estímulos que anteriormente não eliciavam
respostas de “encher a boca d’água” (salivação e prazer) – ou seja, eram estí-
mulos neutros para estas respostas – podem passar a funcionar como estímu-
los condicionados e, agora, eliciam respostas condicionadas semelhantes (sali-
vação e prazer). O organismo passa, então, a responder reflexamente a estí-
mulos outros que não apenas o álcool (líquido) em si. !
O condicionamento operante, por sua vez, refere-se à aprendizagem pe-
las consequências do comportamento. Quando um organismo emite uma res-
posta que produz consequências, ou seja, uma resposta que modifica o meio,
essas consequências alteram a probabilidade de emissão futura daquela res-
posta. São denominadas consequências reforçadoras aquelas que aumentam
a probabilidade das respostas que as produzem e, por sua vez, diminuem a
probabilidade das respostas que as retiram do ambiente. Por outro lado, as
consequências punidoras (ou estímulos aversivos) são aquelas que diminuem
a probabilidade das respostas que as produzem e, também, aumentam a pro-
babilidade das respostas que as retiram. No início do processo, as consequên-
cias produzidas pelo álcool (desinibição, alegria, elogios por parte do grupo,
embriaguez, etc.) são tidas como reforçadoras pelos usuários e, portanto, res-
postas que as produzem (comprar ou pedir álcool, beber escondido, etc.) são

247
emitidas com alta frequência. Quando o indivíduo já se encontra dependente,
sintomas de abstinência (tais como tremores e dores) funcionam como estímu-
los aversivos ou punidores: respostas que produzem abstinência tendem a di-
minuir de probabilidade, e respostas que retiram ou adiam os sintomas de abs-
tinência (tais como beber escondido da família ou do terapeuta) tendem a au-
mentar de probabilidade. !
A relação entre respostas e consequências ocorre em um contexto, e
este contexto passa a fazer parte dos determinantes do comportamento61. Diz-
se, então, que existem estímulos que estabelecem ocasião para a consequen-
ciação de uma resposta: na presença de determinados estímulos ou classe de
estímulos62 (denominados discriminativos), a resposta é mais provável porque
a consequência, no passado, foi predominantemente liberada na presença e
não na ausência destes estímulos. Um usuário de drogas tende a ingeri-las,
inalá-las ou injetá-las na presença de determinados estímulos (pessoas, ambi-
ente físico, sentimentos, pensamentos, etc.) e não na presença de outros estí-
mulos. Os primeiros tornam-se, portanto, estímulos discriminativos que aumen-
tam a probabilidade de emissão da resposta quando estão presentes. Para al-
guns usuários, estar na companhia de amigos usuários (estímulos discriminati-
vos) tende a aumentar a probabilidade de usar drogas, enquanto estar em fa-
mília (estímulos delta) tende a diminuir esta probabilidade.!
Para se entender mais claramente o condicionamento operante, precisa-
se ter claro também o conceito de operações estabelecedoras, apontado aci-
ma. Estas consistem em operações ambientais que alteram, momentamente, o
valor de estímulos reforçadores ou punidores (efeito estabelecedor do reforço).
Com isso, alteram, também momentamente, a probabilidade de respostas que
produzem tais estímulos (efeito evocativo). Mecanismos de privação, saciação
e estimulação aversiva são exemplos de operações estabelecedoras (da Cu-
nha & Isidro-Marinho, 2005; Michael, 1993; Miguel, 2000). A privação de álcool
altera o valor reforçador deste estímulo, tornando-o momentamente mais “po-
deroso”, e aumentando a probabilidade de respostas que o produzam. Mesmo
em tratamento, um indivíduo submetido a esta privação pode “sucumbir”, ou
seja, a privação pode ter um efeito superior à “força de vontade” de um depen-
dente.!
O termo “força de vontade”, tão comum em reuniões e palestras para
alcoolistas e demais dependentes químicos, está relacionado ao autocontrole.
Nery e de-Farias (2010) definem autocontrole como um tipo de resposta em
situação de escolha entre diferentes alternativas: “o indivíduo passa a controlar

61A essa influência dos estímulos antecedentes sobre a probabilidade de respostas, dá-se o nome
de controle de estímulos.

62 O conceito de classe de estímulos refere-se a um conjunto de estímulos com uma propriedade


física ou funcional em comum.

248
parte de seu próprio comportamento quando uma resposta tem consequências
que provocam conflitos” (p. 116). Nele, observa-se a escolha ou preferência
pela alternativa de reforçamento maior atrasado, em detrimento da alternativa
de reforço imediato, porém de menor magnitude (denominada alternativa de
impulsividade).!

“Libertar-se” da dependência química envolve escolher a alternativa de


autocontrole, em detrimento da impulsividade, ou seja, não escolher as altera-
ções fisiológicas, a companhia de amigos que usam a droga, a eliminação ou
adiamento de sintomas de abstinência – acompanhadas de prazer e/ou alívio
imediatos – produzidas pelo uso de drogas, pois estas consequências vêm
acompanhadas de críticas, problemas de saúde, problemas legais, e outras
possíveis perdas em médio e longo prazo. !
Até agora, falamos de condicionamento operante referindo-nos à expo-
sição direta às contingências, ou seja, à modificação da probabilidade e topo-
grafia de respostas devido às consequências diretas que elas produzem no
meio. Entretanto, a probabilidade e a topografia de uma classe de respostas
podem também ser alteradas, como dito anteriormente, por meio de modelação
(aprendizagem por observação ou aprendizagem pelo modelo) ou por meio de
regras. Na modelação, aprende-se sobre uma resposta ou sobre uma contin-
gência observando-se o comportamento de outro organismo, que serve como
modelo (Baldwin & Baldwin, 1989; Millenson, 1967/1976). Uma criança pode
aprender que ingerir álcool é uma boa forma de se divertir e/ou aliviar o estres-
se, observando o comportamento e as consequências produzidas pelo compor-
tamento de seu pai alcoolista ou pelos atores de filmes e novelas, que parecem
relaxar ao tomar um whisky. !

249
Por fim, regras são estímulos que especificam verbalmente (descrevem)
contingências ambientais (Baum, 1994/1999; Skinner, 1969/1984). São deno-
minadas autorregras quando o falante (quem formula a regra) é seu próprio
ouvinte (quem a segue). Pode-se começar a usar algum tipo de droga após a
repetição de frases como: “você usa isso e os seus problemas desaparecem”,
“isso aqui é muito legal. Você vai se divertir como nunca”, “para fazer parte
desse grupo, tem que ser ‘pra frente’, divertido. Tem que experimentar” e/ou
“quem não usa é um nerd”.!
Portanto, pode-se aprender um comportamento (e.g., uso de drogas) por
exposição direta às contingências, modelação e/ou regras. Um terapeuta deve
estar atento a todas as possíveis influências e formas de estabelecimento e
manutenção de um repertório comportamental, para que suas intervenções se-
jam eficazes. A seguir, serão apresentadas algumas características do trata-
mento oferecido a Gwen.!
!
O Contexto de Tratamento da Clínica de Internação!

Intervenções Terapêuticas!
Logo na chegada à clínica, Gwen se depara com um grupo de autoaju-
da, iniciando as atividades diárias com cânticos de motivação, e liga para o
namorado, que aparenta estar em um lu-
gar com amigos, fazendo uso de bebidas
alcoólicas. Contudo, seu desabafo com o
namorado é interrompido pela enfermei-
ra Betty (Margo Martindale), nada simpá-
tica, pois na instituição não é permitido o
uso de celulares. Gwen começa, então,
a ser exposta a uma série de regras e
limites aos quais, inicialmente, não se
submetia. Também é privada de materi-
ais de uso pessoal que possam causar
riscos à sua própria vida ou à de outros
pacientes, inclusive suas pílulas para “dores nas costas”, das quais ela também
aparenta ter desenvolvido dependência. !
Já na primeira noite de internação, a protagonista enfrenta o seu primei-
ro desafio: passar por uma crise de abstinência em meio a vômitos, sudorese,
tremores e com a presença das lembranças da rotina de badalações com o
namorado e da mãe “divertida” e alcoolizada.!
Gwen assume uma conduta debochada e irônica nesse primeiro contato
com a realidade da clínica, resistindo aos cânticos, às outras técnicas terapêu-
ticas propostas, às intervenções do monitor do tratamento, às regras, enfim,

250
aos limites impostos. O espectador tem, a todo momento, a sensação de que a
protagonista age de forma a fugir de perceber-se como dependente química.
Ela tenta burlar e infringir as regras, inclusive tenta manipular o comportamento
do monitor da clínica, Cornell Shaw (Steve Buscemi), enquanto acreditava que
ele era um paciente, para acessar drogas. Assim, sofre sua primeira advertên-
cia e entra em contato com a contingência em operação: esse tipo de compor-
tamento poderia produzir como consequência a expulsão da clínica e, portanto,
sua ida para a cadeia. !
Em outros momentos do filme, Gwen tenta manipular o monitor para
amenizar suas respostas de ansiedade com o uso de medicação, o que vai
contra o modelo de tratamento seguido pela instituição, no qual o paciente
deve manter-se em abstinência total de substâncias psicoativas e aprender a
viver com a dependência como uma condição crônica. O monitor, por sua vez,
aproveita para indicar como a satisfação instantânea das vontades de Gwen
não auxiliou na resolução de problemas de sua vida, ao contrário, complica-
ram-nos ainda mais. Dessa forma, o objetivo principal do tratamento retratado
no filme é proporcionar o aprendizado do paciente em lidar com as contingên-
cias externas sem a interferência do consumo de drogas, optando por estraté-
gias de autocontrole, em detrimento da impulsividade. !
A proposta terapêutica da instituição envolve a convivência com outros
dependentes, sessões de terapia em grupo e individual, solicitação de registros
individuais diários (referentes a atividades, sentimentos, lembranças), exposi-
ção a material bibliográfico sobre dependência química, palestras científicas,
aulas didáticas e depoimentos (durante as sessões em grupo e palestras). Em
termos analítico-comportamentais, pode-se afirmar que o tratamento visava
atuar por meio de consequências diretas dos comportamentos emitidos pelos
pacientes, assim como por modelação e apresentação de regras.!
Uma ocasião terapêutica interessante é quando o grupo de apoio de
Gwen é exposto à terapia equina, cujo objetivo é o de tentar proporcionar ao
paciente a realização de uma análise funcional de como ele interage com o seu
ambiente na resolução e enfretamento de situações adversas cotidianas. Nes-
sa, o terapeuta dá as instruções e demonstra o que os pacientes deveriam fa-
zer para obter a resposta desejada do cavalo, ou seja, os pacientes deveriam
seguir o modelo do comportamento do terapeuta, assim como as regras por ele
emitidas, como forma de aprendizagem. No entanto, os pacientes não conse-
guem reproduzir o comportamento, e Gwen, especificamente, não reconhece
que precisa de ajuda, mesmo diante da insistência do instrutor e das suas limi-
tações aparentes, mantendo seu repertório comportamental de resolver as coi-
sas sozinha, e não pedir nem aceitar ajuda. Nesse contexto terapêutico, ela
não demonstra evolução comportamental. Em outra sessão com o cavalo, o
instrutor – quando se vê diante da recorrência comportamental dos pacientes

251
com o cavalo, sem êxito na tarefa solicitada e, ainda assim, sem aceitarem aju-
da ou experimentarem novos recursos comportamentais – define “insanidade”
como repetir o mesmo comportamento diante de uma mesma situação espe-
rando resultados diferentes. Isso poderia ser reinterpretado como insensibilida-
de às contingências em vigor, ou seja, as contingências ambientais se modifi-
cam, mas o comportamento emitido não entra em contato com essas mudan-
ças. Em outras palavras, o comportamento não se altera na medida/direção em
que as contingências se alteram (Catania, 1998/1999; Nico, 1999).!

Essa insensibilidade começa a diminuir, dando lugar a um melhor conta-


to com as contingências em vigor na instituição, após Gwen tentar pegar o Vi-
codin que havia jogado fora, a fim de não ser flagrada pelos monitores. Ela cai
da janela, machuca-se, e discrimina os riscos aos quais se expunha. Machuca-
da, assustada, afirma ao monitor: !
!
(…) há algo de errado com minhas mãos (apresentam tremores, sintomas típi-
cos de abstinência). Comigo. Que tipo de pessoa pularia da janela porque não
consegue parar quieta? E ficar sozinha no quarto? Uma pessoa deveria ser
capaz de ficar sozinha. As pessoas deveriam ser capazes de só respirar. Eu
não consigo respirar. Acho que se eu for para a prisão desse jeito, vou morrer,
e eu não quero morrer.!

252
!
Esse comportamento verbal autodiscriminativo parece ter contribuído
para a inserção de Gwen nas atividades propostas pela clínica. !
!
A Convivência com Outros Dependentes Químicos: Enfrentando
a Realidade do Vício!
A protagonista divide o leito com uma adolescente, Andrea (Azura Skye),
viciada em heroína e na novela “Santa Cruz”, a qual Gwen faz questão de dizer
que não conhece, enfatizando sua “intelectualidade”. Apesar da pouca idade,
Andrea aponta a contradição do discurso da colega de quarto: diante de tama-
nha intelectualidade, ela não deveria estar internada em uma clínica de reabili-
tação. !

A adolescente usa os doces para substituir e amenizar a sua necessida-


de pela droga, o que incomoda Gwen inicialmente. Entretanto, ela aprende e
adquire esse hábito para atenuar a ausência da nicotina, do álcool e até mes-
mo da cafeína. Ao longo do filme, Andrea indica uma relação problemática com
sua mãe e consigo mesma, apresenta comportamentos de autoflagelação,
aparentando o que se denomina baixa autoestima. A protagonista, porém, ha-
via estabelecido uma relação afetuosa com essa personagem, o que, prova-
velmente, havia se tornado uma operação estabelecedora para a manutenção

253
do tratamento de ambas. Andrea finaliza sua participação no filme quando
Gwen a encontra morta no banheiro por overdose, no dia que receberia alta e
que foi homenageada por seus colegas de tratamento. Os pacientes da clínica
acessam que a “só mais uma vez” (jargão usado pelos dependentes químicos
em momentos de fissura na abstinência, quando querem usar a droga pela úl-
tima vez) de Andrea a matou.!
Eddie Boone (Viggo Mortensen), um ex-jogador de beisebol internado na
clínica para tratar a compulsão por sexo e drogas, compulsão esta que pode
ter arruinado a sua carreira e relações sociais, também tem papel fundamental
no tratamento de Gwen. Além de ser o seu salvador quando ela cai da janela e
machuca a perna, a convivência entre eles proporciona uma interação da qual
emergirão outros reforçadores, tais como aprender a argumentar nas relações
usando a assertividade; que ela pode ser uma mulher interessante e divertida
sem a interferência do álcool; que outras pessoas também concordam com a
maneira social de seguir a vida sem a influência do álcool e das drogas para
enfrentar as adversidades; a importância de dividir suas dificuldades e poder
aprender diante da experiência do outro; assumir seus erros e suas limitações
e buscar ajuda para superar esses problemas e, principalmente, a grande lição
que pode tirar dessa relação: pensar nas pequenas coisas que pode controlar
em si quando achar que pode fracassar diante das imposições do ambiente e o
fato de que as pessoas não gostam de alguns de seus comportamentos, mas
que isso não significa que essas pessoas não gostem da pessoa que ela é.!
Numa palestra do monitor Cornell, um dos colegas de Gwen demonstra
ansiedade para saber quando ele estaria apto para se relacionar afetiva e se-
xualmente com outra pessoa. O monitor sugere que arrumem uma planta e ten-
tem mantê-la viva e saudável durante 1 ano; depois desse período, devem ad-
quirir um animal de estimação e, se após 2 anos, a planta e o animal estiverem
vivos, então, estarão preparados para namorar.!
Nessas oportunidades de convivência e exposição com os outros de-
pendentes, Gwen tem a possibilidade de experimentar as consequências de
seus próprios comportamentos, como a hostilidade e ironia, quando os colegas
reproduziam comportamentos como esses direcionados a ela. Isso pode facili-
tar a mudança e manutenção de comportamentos tidos como socialmente ade-
quados, evitando evocar nas pessoas os sentimentos desagradáveis que ela
sentia nessas circunstâncias. Esse aspecto pode ficar evidente quando Gwen
se dedica e mobiliza o grupo na realização da despedida de Andrea, antes de
sua overdose. Ela também teve a oportunidade de aprender por observação de
modelo, como no caso do colega de internação e do grupo de apoio.!
!

254
A Influência das Relações Afetivas Inadequadas no Processo Te-
rapêutico!
Na primeira visita do namorado de Gwen, eles mantêm os comporta-
mentos de exposição pública caindo no chão, quando ele aproveita para entre-
gar a medicação inapropriada e proibida
no contexto da clínica, mas que fora so-
licitada por ela. Nessa ocasião, ela rea-
firma seus sentimentos por ele. Os pa-
cientes e suas visitas aparentam cons-
trangimento ao observar essa conduta.
Ele proporciona a fuga dela da clínica
para fazerem sexo e usarem bebidas
alcoólicas, quebrando as regras da insti-
tuição. Ela retorna à clínica apresentan-
do comportamentos de embriaguez. !
No dia seguinte, é repreendida
pelo monitor, que a informa novamente
da consequência para esses comporta-
mentos: sua transferência para a ca-
deia. Ela aparenta não discriminar a
gravidade do comportamento que a le-
vou para o tratamento, negando sua
condição de dependência química, e
emite uma série de repostas agressivas
e de resistência ao acessar que a pos-
sibilidade de ser transferida para a ca-
deia é iminente. O monitor a ignora, res-
saltando que as regras seriam seguidas. Ao demonstrar indignação e revolta,
Gwen indica buscar o alívio dessa circunstância ingerindo a medicação proibi-
da, trazida pelo namorado, mas aparenta se dar conta que, agindo dessa for-
ma, ela confirma sua dependência não só pelo álcool, mas também por essa
medicação. Assim, numa tentativa de autocontrole, joga a caixa da medicação
pela janela do seu quarto e se dispõe a tomar banho, percebendo que voltou a
apresentar os tremores nas mãos. Esse sintoma fica muito visível diante de sua
dificuldade de confeccionar correntes de embalagens de chicletes. Nesse mo-
mento, prefere o isolamento e se esquiva de participar da palestra com o seu
monitor, na qual ele relata a sua experiência de adição às drogas e as adversi-
dades encontradas por ele para superar esse problema. !
Enquanto isso, no quarto, Gwen se vê, mais uma vez, acometida pelo
desconforto da possível abstinência e das lembranças dos eventos que envol-
viam bebida. Numa tentativa frustrada de pegar a medicação, outrora jogada

255
pela janela, ela cai da árvore, machuca uma de suas pernas, o que a leva a
usar tala e muletas. Essa é a circunstância referida anteriormente, na qual Ed-
die Boone a socorre quando chega à clínica. A recomendação médica para tra-
tar o machucado seria conviver com a dor, pois nesse contexto não poderia uti-
lizar remédio. !
Diante desse cenário, Gwen percebe seu reflexo no vidro da enfermaria
e demonstra discriminar sua condição física e emocional limitada frente à sua
dependência química. Esse é o marco do filme para a protagonista compreen-
der que precisa de ajuda para enfrentar o seu problema.!
Gwen procura, então, o monitor para negociar a sua permanência na
clínica, considerando admitir que suas condutas recentes foram inadequadas
(pular da janela para pegar a medicação, por exemplo) e que necessita, de
fato, de tratamento especializado para a dependência. Para tanto, alega que
não pode ir para a cadeia, pois lá não teria essa possibilidade terapêutica e,
como consequência, poderia morrer. Em razão desse último episódio, Gwen
também é repudiada pelo grupo de apoio, que não aceita o fato de ela poder
infringir as regras e permanecer na clínica. Ao se deparar com a pressão do
grupo, ela demonstra sua fragilidade e limitação perante os membros do grupo
e eles reforçam esse comportamento com aplausos e a inserindo nas ativida-
des laborais da clínica, com a condição de se sujeitar a fazer a limpeza dos
banheiros para ser aceita no grupo.!
Na segunda aparição de Jasper, namorado de Gwen, na clínica, ela
aparenta desenvolver uma discriminação dos comportamentos “inadequados”
dele. Ele a leva para um passeio de barco e a pede em casamento – ocasião
que ele avalia como apropriada para um evento romântico e de celebração, e,
por isso, leva uma garrafa térmica com champanhe para brindarem. Ela perce-
be a falta de repertório dele para avaliar e analisar as contingências de sua re-
abilitação e como ele pode contribuir, significativamente, para a manutenção
dos seus comportamentos de alcoolismo, considerando a natureza reforçadora
desse relacionamento e seu emparelhamento com o uso de álcool. Ela joga a
garrafa no lago e diz a ele como sua visão sobre o tratamento mudou, aceitan-
do sua dependência química e a necessidade de reavaliar o seu contexto de
vida, aproveitando a oportunidade para levar a vida de um jeito diferente, mais
adequado e, consequentemente, mais saudável. Jasper tenta persuadi-la mos-
trando que o estilo de vida transgressor deles é interessante e adequado, pois
assim minimizam as dores das perdas da vida adulta. Ele alega que o senti-
mento dela de inadequação, enquanto internada, está vinculado ao afastamen-
to deles e não realmente à percepção de ter um problema com drogas. Jasper
tenta aumentar a confusão de Gwen sobre os novos conceitos que vem adqui-
rindo na clínica, a fim de mantê-la como fonte reforçadora ligada à bebida.!

256
Gwen confidencia esse episódio a Andrea, que o divide com os colegas
do grupo de apoio. Os colegas sentem-se no dever de aconselhá-la a negar
esse pedido, considerando o namorado como alcoolista. Ela é contestada pelo
grupo sobre o valor que ela tem para o namorado, pois, se ele a ama, deveria
compreender e ajudá-la o processo de reabilitação. Nesse momento, Gwen re-
conhece que Jasper não consegue compreender o significado da internação.!
Outros comportamentos de Jasper fazem Gwen se questionar sobre o
valor do relacionamento, inclusive quando ela já está fora da clínica, em seu
primeiro dia de alta e ele a leva para um bar para conversarem sobre o futuro
do namoro. Ela se dá conta de que o que tinham em comum e poderia manter
o relacionamento era o interesse deles pela bebida alcoólica e a vida sem limi-
tes; diante dessa constatação, ela escolhe seguir a vida sozinha e conforme
seus objetivos terapêuticos. !

A Importância da Terapia de Grupo na Mudança e Aquisição do


Comportamento: Discriminação de Contingências Familiares!

Considerando-se que as situações sociais ocorrem naturalmente duran-


te o tratamento em grupo, pode-se afirmar que a Terapia de Grupo proporciona
maior oportunidade de aprendizagem, em relação à terapia individual, pois faci-
lita a aquisição de comportamentos, por meio da modelação e reforçamento

257
social dos participantes, incluindo-se o próprio terapeuta. Propicia condições de
aprendizagem por possibilitar a participação ativa e a observação; o indivíduo
tem a possibilidade de observar e refletir sobre a sua própria habilidade social;
as regras decorrentes da história de vida dos diferentes participantes do grupo
podem ser evidenciadas, questionadas e utilizadas como modelos de novos
repertórios (Delitti & Derdyk, 2008). !
Ao ser apresentada no grupo de apoio do qual passará a fazer parte,
Gwen se vê avaliada a partir de sua dependência, quando vê esses colegas
fazendo uma aposta por comida para saber qual seria a droga de dependência
dela ou comportamento que a levaram à internação. Ela também percebe que
é hostilizada por outros membros, nesse momento. Diante da resistência da
personagem em seguir as regras de convivência da instituição, ela é mal-vista
e excluída pelo grupo de apoio. Com o desenrolar da trama, a personagem
principal começa a perceber que cada uma daquelas pessoas que ela achava
estranhas, estereotipadas e, portanto, diferentes dela – pois, de início, não se
reconhecia como dependente química – era, na verdade, um paciente interna-
do e doente com características e histórias de vida singulares, como as dela.
Alguns desses pacientes demonstram, em seus depoimentos, os mesmos
comportamentos de resistência e negação de sua condição em relação ao ví-
cio.!
Em uma das reuniões, a terapeuta estabelece que uma pessoa da famí-
lia deve descrever como se sente quando a pessoa com dependência química
está sob o efeito da droga. Os terapeutas podem usar essa estratégia tentando
sensibilizar e estimular a discriminação do dependente da influência dos seus
comportamentos no sofrimento e na interação familiar.!
Quando Gwen ouve a filha de uma de suas colegas de internação rela-
tar o que sente pela mãe, este discurso assume função de estímulo para se
lembrar da convivência com o alcoolismo da mãe dela. O filme indica que essa
relação da protagonista com a mãe pode ter propiciado a evolução de seu al-
coolismo, considerando a mãe como modelo para aquisição de comportamen-
tos. !
Enquanto Gwen era criança e não tinha repertório de análise da inade-
quação dos comportamentos de alcoolismo da mãe, achava que a mãe era
uma pessoa divertida e bem humorada, já que fazia coisas simples (e.g., mesa
de centro da sala) virarem um evento extraordinário e inesquecível (e.g., trenó
em um dia de neve). Por estar alcoolizada, expunha ela mesma e as filhas a
situações de risco (no caso, descer com o trenó em via movimentada, podendo
ocasionar o atropelamento por carro e morte da família). !
A mãe aparentava emitir o comportamento recorrente de consumir bebi-
das até ficar inconsciente, quando as filhas a encontravam e, após várias tenta-
tivas de acordá-la sem sucesso, Gwen desferia um tapa no rosto da mãe que

258
fazia acordá-la. Diante da frequência e da naturalidade desses episódios,
Gwen teve dificuldades de compreender e aceitar a morte, de fato, da mãe. Por
já terem sido abandonadas pelo pai e com a morte prematura da mãe, vão mo-
rar temporariamente na casa de parentes. Considerando essa falta de referen-
cial de comportamento adulto e o valor reforçador da relação com a mãe, Gwen
pode ter aprendido que uma pessoa “feliz” emitia os mesmos comportamentos
que a mãe, enquanto estava alcoolizada. Isso pode ter propiciado o aprendiza-
do de autorregras distorcidas e inadequadas sobre comportamentos adultos,
contribuindo para o aprendizado relacionado ao alcoolismo.!
A relação conturbada de Gwen com sua irmã mais velha volta à trama
do filme quando a estratégia de confronto familiar na terapia de grupo será uti-
lizada com a personagem e ela solicita a participação de Lily nesse momento.
A irmã denota hostilidade por meio de seu discurso ao se recusar, inicialmente,
a participar dessa sessão de terapia familiar, considerando que não dará mais
oportunidades de Gwen interferir e atrapalhar a sua vida. Porém, reconsidera
e, durante a sessão, Lily precisa apontar um evento no qual o alcoolismo de
Gwen interferiu em sua vida. A irmã indica o dia em que Gwen arruinou o seu
casamento, demonstrando embriaguez ao entrar na igreja cambaleando e no
momento do brinde, do qual Gwen não se lembra, quando foi irônica ao definir
a conduta adulta e responsável da irmã e ao desmerecer o noivo, diante de to-
dos os convidados. Nessa situação, é possível perceber que Gwen e Lily apre-
sentam comportamentos similares de hostilidade e falta de repertório verbal
para expressar sentimentos, pois, quando Lily é questionada pela terapeuta e/
ou por Gwen sobre seus sentimentos, aparenta irritação e agressividade, le-
vanta-se e vai embora. !
Perante o abatimento de Gwen por causa da morte de Andrea, Lily vai
encontrá-la na clínica e expõe seus sentimentos desde a infância, seus erros,
ressentimentos, culpa e falta de compreensão do alcoolismo, possibilitando a
aproximação e estabelecimento de novas contingências para a adequação e
manutenção dessa relação.!
O filme termina com o encontro de Gwen com o colega, que estava an-
sioso para se relacionar afetiva e sexualmente, em uma loja de plantas. Ele es-
tava chorando, porque sua planta não havia sobrevivido, com um cachorro na
coleira, e buscando uma justificativa com o vendedor da loja sobre a morte da
planta, para não ter que assumir sua responsabilidade sobre o fato.!
!
Considerações Finais!
!
A colocação de Jaspers, em uma cena do filme, pode resumir regras/au-
torregras que controlavam o comportamento de Gwen: “nenhum adulto é feliz.

259
O importante no jogo é tentar minimizar a dor”. Em outros termos, deveríamos
nos comportar sob controle principal de reforçamento negativo.!
!

Seu possível histórico de negligência na infância, quando se divertir e


receber afeto da mãe significavam participar de atividades “irresponsáveis”, pa-
rece ter modelado um padrão comportamental tido como irresponsável, imedia-
tista, impulsivo, desequilibrado. O filme, claro, não retrata todos os eventos re-
levantes do histórico de Gwen, mas não há indícios de adultos que possam ter
servido de modelos para comportamentos de diversão dissociada de drogas,
de alegria pela simples companhia de outras pessoas, de desenvolvimento de
habilidades sociais para o enfrentamento de situações adversas, dentre outros
comportamentos que seriam nomeados como “maduros” ou “responsáveis”. Ao
contrário, após a morte da mãe, a personagem parece ter sido exposta à hosti-
lidade da irmã mais velha, a abandono, ao uso precoce de álcool, a amigos
que se divertiam a partir do abuso de substâncias. Vemos, então, um padrão
comportamental modelado e mantido a partir de exposição direta às contingên-
cias, modelos e, provavelmente, regras. Já adulta, o uso de álcool e outras
drogas era mantido por reforçamento positivo (respostas fisiológicas de prazer,
companhia de amigos e namorados, risadas) e reforçamento negativo (evitar
lidar com situações aversivas, evitar ter que se responsabilizar pelos seus er-

260
ros, adiar conversas difíceis, etc.). Soma-se a essa história de aprendizagem,
um repertório comportamental empobrecido no que se refere a habilidades de
resolução de problemas, assertividade, demonstração de afeto. Além disso,
possivelmente estavam em atuação operações estabelecedoras de (i) privação
de afeto, cuidado e proteção; e (ii) estimulação aversiva, pelas críticas e co-
branças da irmã e de outros. !
Todos estes aspectos (e muitos outros não apontados aqui) contribuíram
para a aquisição e manutenção do repertório comportamental da personagem
principal de “28 dias”. Nesse sentido, intervenções terapêuticas precisariam
partir da análise de fatores dos três níveis de variação e seleção pelas con-
sequências (filogenético, ontogenético e cultural). Precisariam levar em conta a
multideterminação da dependência química, a participação de eventos passa-
dos e atuais, os excessos e os déficits comportamentais. !
Em termos gerais, o que se defende no presente capítulo é que uma vi-
são externalista/interacionista, como a da Análise do Comportamento, permite
maior previsão e controle dos comportamentos por parte dos terapeutas e,
principalmente, dos clientes (de-Farias, 2010; Nery & de-Farias, 2010). Isto fa-
cilitaria a realização de análises funcionais mais completas, a independência
do cliente em relação ao terapeuta, a implementação de intervenções mais
adequadas, assim como a generalização das mudanças observadas em con-
texto clínico para o ambiente natural do cliente. A cliente precisaria se ex-
por a diferentes contingências; implementar variabilidade comportamen-
tal; testar regras e autorregras, e reformulá-las; desenvolver repertó-
rios de assertividade, autoconhecimento e autocontrole; etc.!
Sem dúvida, o trabalho de Gwen estava apenas começan-
do... !
!
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