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Vidas Impressas:
as práticas psicológicas de avaliação e o agir ético
Rio de Janeiro
2012
Marcia Ferreira Amendola
Vidas Impressas:
as práticas psicológicas de avaliação e o agir ético
Rio de Janeiro
2012
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CEH/A
es CDU 159.9:174
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
Tese.
___________________________________ _______________
Assinatura Data
Marcia Ferreira Amendola
Vidas Impressas:
as práticas psicológicas de avaliação e o agir ético
Banca Examinadora:
______________________________________
Profª Drª Leila Maria Torraca de Brito
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
______________________________________
Profª Drª Ariane Patrícia Ewald
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
______________________________________
Profª Drª Hebe Signorini Gonçalves
Universidade Federal do Rio de Janeiro
______________________________________
Prof. Dr. Pedro Paulo Gastalho Bicalho
Universidade Federal do Rio de Janeiro
______________________________________
Drª Lygia Santa Maria Ayres
Universidade Federal Fluminense - Conselho Regional de Psicologia/RJ
Rio de Janeiro
2012
DEDICATÓRIA
São muitas as pessoas a quem devo meus sinceros agradecimentos. Sem a ajuda desses
familiares, amigos, professores, conhecidos e desconhecidos, talvez, essa etapa da minha
jornada não tivesse se concluído.
À Leila Maria Torraca de Brito, por ser mais que uma orientadora e apostar, até o fim,
com muita dedicação, na realização desse sonho-desafio. E aos amigos do grupo
parentalidade, pelo incentivo, em especial, à Analícia de Sousa, amiga de pesquisa que se
tornou comadre, parceira e instigadora.
Aos professores Ariane Ewald, Jorge Coelho, Heliana Conde, Marisa Rocha, Anna
Uziel, Ana Jacó-Vilela, Lygia Ayres, pelas contribuições e incentivo.
Aos professores Pedro Paulo Bicalho, Hebe Gonçalves, Ariane Ewald, Lygia Ayres,
Jorge Coelho e Andréia Cardoso, por aceitarem o convite para integraram a banca de
avaliação. É uma verdadeira honra poder compartilhar esse trabalho e receber as contribuições
que, certamente, enriquecem e estimulam o pensamento.
Aos amigos conquistados no espaço de trabalho do CRP-RJ/COE, que foram muitos,
que não só autorizaram a pesquisa, mas confiaram na minha capacidade para tratar de um
assunto tão delicado como os processos éticos com o respeito e a seriedade que merece.
Ao CRP de São Paulo e ao Conselho Federal de Psicologia, por atenderem às minhas
solicitações com prontidão e gentileza.
Ao Eduardo Marinho, pelos nossos preciosos encontros.
Às queridas amigas do HUPE, Catarine, Fernanda, Elaine, Simone, Flávia, Daisy e
Marília, pelas alegrias e parceria.
À minha amada família, André, Vitor e ao pequeno Guigui.
Aos meus pais, Clarice e Cesar, que doaram parte de suas vidas para que eu pudesse
simplesmente viver e aos meus sogros e família ampliada, pelo apoio e palavras de conforto
nas horas difíceis.
Aos meus alunos dos cursos de psicodiagnóstico da Escola Preparatória, de
especialização em Terapia de Família do Instituto de Gestalt Terapia, de extensão em
Psicologia Jurídica e do curso livre de escrita psicológica, sem saber, suas dúvidas e
comentários se transformaram em reflexão e matéria-prima para minhas análises.
Aos alunos e futuros colegas de profissão do curso de graduação da UERJ, por
ouvirem atentamente minhas ideias e me darem a dica que eu estava indo em um caminho
possível.
Agradeço aos pais, mães, filhos, avós e as psicólogas que, de certo modo, contribuíram
com suas vidas impressas; espero que este trabalho seja uma contribuição para outros modos
de ser e viver.
Os Estatutos do Homem
(Ato Institucional Permanente)
A Carlos Heitor Cony
Artigo III
Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.
Artigo IV
Fica decretado que o homem não precisará nunca mais duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar, como o ar confia no campo azul do céu.
Artigo V
Fica decretado que os homens estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
Artigo IX
Fica permitido que o pão de cada dia tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que, sobretudo tenha sempre o quente sabor da ternura.
Artigo XIII
Fica decretado que o dinheiro não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo, o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar e a festa do dia que chegou.
Artigo Final.
A partir deste instante a liberdade será algo vivo e transparente como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre o coração do homem.
Thiago de Mello
Santiago do Chile, abril de 1964
RESUMO
The thesis came out from the results presented on the master degree research called
Psychologists in the Accusations Labyrinth, where some fathers accused of committing sexual
abuse against their children and excluded of the psychological evaluation process were
speaking out the professionals on the Brazilian Regional Councils about the documents‘
development. During this time, the Brazilian Psychology Federal Council (CFP) along with
some Regional Councils have noticed an increase in the amount of complaints against
psychologists because of this same practice. In 2011, the CFP established the Psychological
Evaluation Year, where the discussion of this issue was settled. This thesis is the speech
analysis result of six Ethics Disciplinary Process (PDE) established by the Rio de Janeiro
Psychology Regional Council between 1999 and 2004, whose denounce object was the
psychological evaluation document in cases of claimed sexual abuse against children. By the
French Speech Analysis, this research aimed to analyze the discursive materiality and its
effects of meaning produced in certain socio-historical and ideological conditions. It was
decided to organize the speeches in four major types. The work was based on the socio-
historical approach and took the discussions of several authors to support the proposed
analyzes. The performance of a hermetic psychological evaluation model became evident,
focused on the search for a pretentious truth, revelation and confirmation of abuse and
establishing the guilt of the alleged offender, based on symptoms, personality traits and the
child‘s speech, who produced both victims and perpetrators apart of the complex relationships
among individuals and their socio-historical and cultural context.
INTRODUÇÃO ................................................................................................... 16
1 AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA NO BRASIL .................................................. 29
1.1 Por que falar em Avaliação Psicológica?........................................................... 29
1.2 Preparando o solo: algumas influências na produção do conhecimento
psicológico no Brasil ............................................................................................ 33
1.3 Medir, Testar, Classificar: aplicando o saber psicológico ............................... 47
1.4 Consolidando a Psicologia no Brasil: algumas considerações e
problematizações ................................................................................................. 61
1.4.1 Rumo à regulamentação ........................................................................................ 61
1.4.2 Formar é preciso: caminhos para a formação profissional .................................... 72
1.4.3 A mercantilização do ensino e a demanda por técnicos e especialistas: avaliação
psicológica em perspectiva .................................................................................... 103
1.5 Avaliação psicológica em foco: noções, ações, implicações .............................. 131
1.5.1 Noções ................................................................................................................... 131
1.5.2 Ações ..................................................................................................................... 145
1.5.3 Implicações ............................................................................................................ 172
2 DISCUSSÕES SOBRE ÉTICA E O CÓDIGO DE ÉTICA ............................ 185
2.1 Discussões sobre Ética ......................................................................................... 185
2.2 Discussões sobre e em torno do Código de Ética .............................................. 207
2.3 Desmembrando para Objetivar - A Força das Resoluções e Referências
Técnicas ................................................................................................................ 233
2.4 O trabalho da Comissão de Ética do CRP-RJ .................................................. 261
2.4.1 Contando uma história .......................................................................................... 261
2.4.2 Os trâmites processuais: a Comissão de Orientação de Ética em ação ................. 273
2.5 Quem é o psicólogo brasileiro denunciado? ...................................................... 295
3 PESQUISA ........................................................................................................... 302
3.1 A escolha do caminho .......................................................................................... 302
3.2 A construção da pesquisa ................................................................................... 308
3.3 A amostra ............................................................................................................. 315
3.4 O método .............................................................................................................. 319
3.5 Apresentação dos personagens ou autores dos discursos por PDE ................ 322
3.6 Vidas Impressas: análise dos discursos nos documentos psicológicos ............ 324
3.7 Denúncia: o consumo de direitos ....................................................................... 339
3.8 Defesa: discurso técnico-científico ..................................................................... 351
3.9 Tribunal Regional de Ética: Discursos Jurídico-Disciplinares ....................... 366
4 ÚLTIMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE AS PRÁTICAS 378
PSICOLÓGICAS DE AVALIAÇÃO E O AGIR ÉTICO ...............................
REFERÊNCIAS .................................................................................................. 387
APÊNDICE A - Ofício à Presidente da Comissão de Ética do CRP-RJ ............ 425
ANEXO A - Código de Ética Profissional do Psicólogo ...................................... 427
ANEXO B - Código de Ética Profissional do Psicólogo ...................................... 431
ANEXO C – Equivalência dos Códigos de Ética Profissional do Psicólogo ....... 435
ANEXO D – Ofício CRP-05 nº 360/2009-COE ................................................... 443
ANEXO E – Ofício nº 1713-09-CT-CFP ............................................................. 446
16
INTRODUÇÃO
Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido.
Eu não: quero é uma verdade inventada.
Clarice Lispector (1980, p.22)
―Vidas Impressas‖, título desta tese de doutorado, nasceu após muito refletir acerca
das considerações e contribuições feitas pela banca de qualificação do projeto de pesquisa 1
composta pelas professoras doutoras Ana Maria Jacó-Vilela e Lygia Santa Maria Ayres. O
título pretende resgatar e manter viva a fala de uma pessoa que foi falsamente acusada de
abusar sexualmente do filho. Em conversa informal durante o período em que concluía a
dissertação de Mestrado em Psicologia Social junto ao Programa de Pós-Graduação da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), esta pessoa interrogou, em tom de
indignação, como um psicólogo poderia acusar alguém de tão grave crime sem ao menos
ouvi-la? Como poderia falar de sua personalidade e de sua vida sem conhecê-la? Por fim, e
entre lágrimas, disse que era a vida de pessoas que estava em jogo; vidas que ficavam
impressas em um papel – referindo-se ao laudo psicológico –, que seria entregue às mãos da
Justiça para que, fundamentados naquele documento, juízes pudessem decidir sobre o destino
de pais, mães e filhos. Investida desses sentimentos, entrou com denúncia junto ao Conselho
Regional de Psicologia, naquela mesma época, contra o profissional que elaborou o referido
laudo, levantando estes e outros questionamentos para que o Conselho tomasse as devidas
providências.
Passados quatro anos sem poder estar com a criança, às voltas com o processo judicial
(em que era ré) e o processo ético (em que era representante), encontrava-se afastada do
trabalho, em tratamento psiquiátrico para depressão, em acompanhamento psicológico, além
de ter vendido a própria casa para pagar o advogado. Oito anos após a acusação (2009), não
obstante tenha sido considerada inocente, não conseguia ―visitar‖ o filho em razão da decisão
judicial em segunda instância exarada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
(TJRJ) em 2007, conforme transcrição abaixo:
1
O título do projeto de pesquisa ―Vidas em Papel‖ foi alterado pois, segundo informação de Ayres durante a
qualificação, existe uma monografia de graduação intitulada ―Vidas de papel‖. Ficou acordado, desta forma, que
seria de bom tom alterar o título na tese.
17
Família. Ação de destituição do pátrio poder movida pelo Ministério Público, na qual se alega
prática de abusos sexuais por parte [...] [do réu] em relação a seu filho menor. [...] A presente
demanda encerra um incontrolável conflito familiar, como sempre desencadeado pelos adultos
a projetar efeitos nos filhos menores e indefesos. A questão relativa à destituição do pátrio
poder ficou definitivamente decidida com improcedência proclamada na sentença recorrida,
sem que houvesse recurso. [...] Lamentavelmente, os processos que envolvem denúncia de
abuso sexual têm sua gênese em laudos elaborados pela FIA, órgão que não se preocupa com
nada mais, a não ser com a versão do denunciante. [...] O estudo social indica que o menor
[...] mantém equilíbrio, sendo que, por outro lado, carrega ele [...] um sentimento de medo [...]
[do réu], já consolidado ao longo desses anos de litígio. Ora, se o pedido foi para destituição
de pátrio poder, não está inibido o julgador de restringir a visitação por ora. Afinal, quem
pode o mais, pode o menos. Todavia, por ora, não nos parece razoável impor-se uma
proibição de visitação [...]. É que mantido que está o menor sob o poder familiar [...] [do réu],
poderá exercer o direito de visitação, só que isso deve ocorrer quando espontaneamente o
filho externar tal desejo. Essa postura será alcançada se conscientizados estiverem os adultos
de que o amadurecimento saudável do menor estará sempre a depender de um esforço comum
no sentido de aceitarem uma assistência psicoterápica rigorosamente específica, técnica e
competente. Apelo parcialmente provido2.
Como é possível ler, a decisão judicial aponta para algumas direções: embora esta
lamente que o laudo emitido pela referida instituição tenha se fundamentado apenas na
acusação e reconheça a existência de um litígio familiar, entende que, como a criança sente
medo do genitor acusado, o direito à visitação só pode ser exercido mediante o desejo
espontâneo da mesma.
Conhecendo este e tantos outros casos de pessoas que foram falsamente acusadas de
abusar sexualmente de seus filhos no contexto da separação litigiosa que realizei a
mencionada pesquisa de Mestrado intitulada Psicólogos no Labirinto das Acusações
(AMENDOLA, 2006), sob orientação da Profª Drª. Leila Maria Torraca de Brito – publicado
posteriormente pela editora Juruá Psicologia, no ano de 2009, com o título de Crianças no
Labirinto das Acusações. Meu objetivo era ―compreender como esses profissionais
[psicólogos], que atuam em instituições de referência na avaliação de casos de suspeita de
abuso sexual contra criança, desempenham suas atividades‖ (AMENDOLA, 2009a, p.154).
Neste trabalho, analisei o conteúdo de questionários enviados por correio eletrônico a
dez pais3 acusados de abusar sexualmente dos filhos. Desse material, coletei informações que
contribuíram na elaboração de um roteiro de entrevista, posteriormente realizada com os
psicólogos. Ao todo, foram entrevistados cinco psicólogos que atuavam em instituições4 de
2
Processo Nº: 0064635-73.2009.8.19.0000 Disponível em <http://tjrj.jus.br>. Acesso em 30 set. 2009. Algumas
partes do texto foram omitidas para preservar a identidade do réu e da criança.
3
Cabe esclarecer que a mãe é o genitor que detém a guarda dos filhos na maior parte dos casos, tornando-se o
principal responsável pela denúncia de abuso sexual contra a criança.
4
Instituições que foram convidadas a participar da pesquisa: Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção
à Infância e Adolescência (ABRAPIA); Centro de Atendimento a Crianças e Adolescentes Vitimados (CACAV);
Clínica da Violência; Conselhos Tutelares; Fundação para a Infância e Adolescência (FIA); Programa Sentinela
(atualmente municipalizado com o nome de SECABEXS – Serviço de Combate ao Abuso e a Exploração Sexual
de Crianças e Adolescentes); Vara de Família da Comarca da Capital.
18
referência para atendimentos em casos de suspeita de abuso sexual contra crianças situadas na
cidade do Rio de Janeiro.
Dentre as informações prestadas, o aspecto de maior relevância à pesquisa estava no
fato de que a maior parte dos profissionais destinava sua atuação exclusivamente à avaliação
psicológica de crianças sem a participação do suposto abusador, embora os laudos fossem
oferecidos à Justiça como uma prova técnica conclusiva sobre a matéria em análise: a
ocorrência ou não do abuso sexual, incluindo a indicação de autoria do mesmo.
A exclusão do acusado nas avaliações desencadeava uma variedade de
desdobramentos, dentre eles: o afastamento de pais acusados de abusar sexualmente de seus
filhos como medida de proteção; o questionamento acerca da fidedignidade dos resultados da
avaliação e, por extensão, da credibilidade dos laudos e das técnicas empregadas, diante da
parcialidade evidente.
Foi possível verificar, assim, congruências nas informações prestadas tanto pelos pais quanto
pelos psicólogos, a começar pelo fato de o pai acusado, muitas vezes, ser excluído do
processo de avaliação psicológica, o que gera uma série de repercussões, desde a parcialidade
do trabalho do profissional, até a contestação desses laudos psicológicos pelos pais acusados.
Nesse caso, estes se veem diante de uma engrenagem que opera a partir de uma lógica de
acusação, sentenciados sem serem ouvidos. De modo que passam a solicitar ao juízo a
realização de novas e repetidas avaliações das crianças, dentre as quais também solicitam a
própria inclusão, o que remete a outro elemento constatado em nossa pesquisa: a
multiplicidade de laudos psicológicos em um mesmo processo de investigação de suspeita de
abuso sexual contra crianças (AMENDOLA, 2009a, p.174).
O olhar que busca por indícios de abuso sexual na criança, intrínseco ao funcionamento desse
modelo, tem feito com que os psicólogos apresentem certa dificuldade para perceber a
existência de uma falsa alegação de abuso sexual, até mesmo um ceticismo – a menos que as
próprias crianças sinalizem que foram instruídas pelas mães a mentir –, como admitiram
alguns psicólogos entrevistados (AMENDOLA, 2009a, p.176).
Ao utilizar a palavra modelo, refiro-me a uma construção intelectual que está baseada
―na crença de que existe uma relação de analogia entre o que conhecemos e o que desejamos
19
É por isso que a teoria não expressará, não traduzirá, não aplicará uma prática; ela é uma
prática. [...] Uma teoria é como uma caixa de ferramentas. Nada tem a ver com o
significante... É preciso que sirva, é preciso que funcione. E não para si mesma. Se não há
pessoas para utilizá-la, a começar pelo próprio teórico que deixa então de ser teórico, é que
ela não vale nada ou que o momento ainda não chegou. Não se refaz uma teoria, fazem-se
outras; há outras a serem feitas.
Entendendo os modelos teóricos como ferramenta, eles devem servir para o propósito
pelos quais foram criados. Neste caso, quando um profissional realiza uma avaliação
psicológica, está colocando em prática uma caixa de ferramentas específica a qual considera
que irá servir ou funcionar de acordo com o esperado para aquele fim. Ao compreender que
obteve êxito em sua atividade, a partir do emprego de determinada ferramenta teórica e
metodológica, um psicólogo, por exemplo, poderá conferir credibilidade à mesma, julgando-a
verdadeira ou correta. Uma conclusão que, apesar de lógica, limita-se apenas às partes
conhecidas da relação analógica (o que se conhece e o que se deseja conhecer). Mas, resta a
pergunta: e quanto à parte desconhecida?
Se ―conhecer é reduzir o desconhecido ao conhecido‖ (ALVES, 2005b, p.50), no caso
de o profissional psicólogo ficar restrito ao alcance das informações prestadas pela criança e
pelo genitor responsável (a mãe), excluindo o pai acusado do processo, não irá,
necessariamente, restringir a análise aos termos conhecidos: a palavra da criança e a da mãe?
Enquanto a palavra do pai permanecer desconhecida, tal modelo teórico será considerado
exitoso, porém inadequado para os casos de falsas alegações de abuso sexual, pois obterá por
resultado a confirmação do abuso sexual alegado.
20
2006, p.17), alguns profissionais parecem sustentar Um dos malfeitores chamava-se Procusto
e tinha um leito de ferro, no qual
ações pautadas em certos pressupostos apenas em costumava amarrar todos os viajantes que
lhe caíam nas mãos. Se eram menores que
função dos resultados obtidos (e desejados, o leito, ele lhes pichava as pernas e, se
idealizados), como, por exemplo, indicar a ocorrência fossem maiores, cortava a parte que
sobrava. Teseu castigou-o, fazendo com
de violência sexual contra crianças apenas pela escuta ele o que fazia com os outros.
5
Ao longo da tese, haverá palavras marcadas em negrito. Estas fazem referência a uma conversa paralela
disposta em caixas de texto laterais, sob a forma de poesias, contos, músicas, bem como dados históricos,
normativas, que considerei relevante para a diversificação do pensamento.
21
Feijóo (2001, p.189), pois as teorias têm a pretensão [...] Tem a ver com superar o confortável
espírito de rebanho: formar e sustentar
de oferecer receitas universalmente válidas, criando opiniões próprias. Não com viver
desdenhosamente à margem, mas enfrentar
―hábitos mentais‖ (ALVES, 2005b, p.130). O homem
o risco de algum isolamento. Não vender a
se habitua ao mundo que ele próprio cria alma a qualquer preço por qualquer
companhia, mas selecionar os amados
eleitos, os amigos leais, os mestres e
modelos sensatos. Até mesmo a profissão
e toma-o como verdade, como a própria
mais adequada, a que nos dê mais prazer, se
realidade. O hábito constitui-se num
grande perigo, quando o homem se apega
é que podemos fazer essa escolha: temos de
à segurança e à ordem estabelecida e se pegar qualquer atividade quando se trata de
esquece de meditar, questionar, refletir sobreviver. Falar é fácil... Eu sei. Mudanças
sobre as coisas, pensar sobre si mesmo produzem ansiedade. [...] Sair do
(FEIJÓO, 2001, p.189). estabelecido e habitual, mesmo ruim, é
sempre perturbador. O desejo de ser mais
livre é forte, o medo de sair da situação
O hábito diz respeito a experiências que se conhecida, por pior que ela seja, pode ser
maior ainda. Para nos reorganizarmos
repetem, se acumulam, se implantam e se impõem, precisamos nos desmontar, refazer esse
enigma nosso e descobrir qual é, afinal, o
seja pela educação, seja pela linguagem, criando projeto de cada um de nós.
formas peculiares de contemplar o mundo. Essa
Lya Luft (2006, p.33-34)
tendência à repetição automática geraria no sujeito
uma expectativa pela ocorrência de um determinado evento, sem que provoque qualquer
reflexão. Disso decorre a afirmação de Bauman (2000; 2003) de que os hábitos raramente
permitem que o sujeito reflita sobre os acontecimentos ou suas ações; ―e, quando pressionado
a justificar-se, resiste a fazê-lo‖ (BAUMAN, 2000, p.136).
Sobre o assunto, Matos (1997, p. 139) explica:
À inércia dos hábitos liga-se a crença. O hábito de obedecer aos costumes não provém de sua
racionalidade ou justiça, mas da crença de que são razoáveis e justos. Essa crença na
estabilidade da natureza funda a crença em hábitos constantes e uniformes, de onde
comportamentos homogêneos e espírito conservador encontram-se unidos. Os hábitos
decretam a ociosidade da reflexão especulativa. O que é hábito passa por ser natural: ―o
costume‖, escreve Sérgio Cardoso, ―impede-nos de pensar [...] justamente porque crenças,
ações e opiniões são costumeiras‖. Habituados a certas formas de agir e de ser, legadas da
tradição, os homens a elas se submetem sem reservas e aquele que não as respeita – aquele
que apresenta, do ponto de vista da moral, modos de agir imprevistos e de pensar arbitrários –
é imoral. [...] Nietzsche dirá que liga-se à ―moral de rebanho‖, a normas estereotipadas e a
homens de opiniões constantes.
Para Foucault (2004a), tudo que é banal ou banalizado perde a capacidade de atrair a
atenção e interesse para tornar-se um objeto de repetição. Para que deixe de ser banal, sugere
o autor que o objeto ou o evento deva ascender a uma posição de valor, quer ―moral, estética,
política ou histórica‖ (FOUCAULT, 2004a, p.141). Assim, a persistência na repetição de um
modelo teórico de trabalho faz parte de jogos de poder e saber, sendo uma estratégia de
22
Enquanto não temos certeza de que ocorreu o abuso, se a criança ainda não falou, emitimos
laudos parciais. Podem ser vários laudos parciais. E os conclusivos, quando a criança fala (Psi
04) (AMENDOLA, 2009a, 165).
A partir desse exemplo, entendo que a prática recorrente de insistir para que a criança
verbalize sobre o suposto abuso faz dos profissionais ―autores da permanência‖, conforme
Gonçalves (2004, p.56), para quem ―O hábito vicioso [...] aprisiona a criança na reação
esperada a partir da literatura, cristaliza suas reações e impede a nós, técnicos, de vermos sua
capacidade de reagir às situações particulares‖ (idem, ibidem).
Surpreendentemente, no decorrer das entrevistas realizadas na citada pesquisa, alguns
profissionais se mostraram hesitantes com suas próprias respostas, passando a questionar o
próprio modelo de trabalho a muito naturalizado e, assim, ascendendo, como propôs Foucault
(2004a), a uma posição de valor, no meu entender, ético-político. Indagaram se estariam
prolongando em demasia os atendimentos ou provocando, nas crianças avaliadas, uma reação
para que digam o que, como avaliadores de um suposto abuso, guardariam a expectativa de
ouvir. Mais ainda, se não poderiam atribuir outros sentidos ao silêncio da criança e quais
limites deveriam estabelecer para não prejudicá-la e ao próprio processo de avaliação.
A criança tem o direito de não querer falar. O que você acha disso? Não dá pra ficar forçando
a criança falar. Se ela quer manter pra ela, é um direito dela, não estou certa? Vou massacrar a
criança com perguntas, ela vai se fechar ainda mais ou vai responder aquilo que quero ouvir
(Psi 02) (AMENDOLA, 2009a, p.162-3).
Tal fato me fez perguntar que práticas/discursos são construídos neste lugar de
avaliador, especialmente quando se trata de um tema tão complexo como a violência sexual
6
A Entrevista de Revelação ou Estudo de Revelação descreve uma intervenção realizada por profissionais de
Psicologia e de Serviço Social no trato com crianças supostamente vítimas de abuso sexual. O tema foi por mim
abordado em pesquisa de Mestrado (AMENDOLA, 2009) e foi rediscutido nesta tese conforme os objetivos aqui
traçados.
23
contra crianças. Seria, nestes casos, a avaliação psicológica apenas uma prática endurecida,
cristalizada pela repetição, naturalização e banalização de um modelo teórico de
conhecimento, pautado exclusivamente na revelação; ou haveria outras práticas/discursos
possíveis que escapariam desse modelo ―analítico, causal-dedutivo e [que] visa dar respostas a
todos os problemas‖ (IGNÁCIO; CAVOUR, 2009, p.74)?
Dessas perguntas surgiram outras tantas: o que é um processo de avaliação
psicológica; e nos casos de suspeita de abuso sexual, que práticas/discursos os psicólogos
estão (re)produzindo; que subjetividades7 estão sendo produzidas; que discursos/práticas são
priorizados e o que são desprezados; o que contêm os documentos psicológicos para que
alguns psicólogos estejam sendo denunciados no CRP?.
Tais indagações instigaram um novo projeto de pesquisa, efetivado ao longo do
Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da UERJ. Neste, recuperei a
parte da fala do genitor acusado que mencionei no início dessa tese – que anunciava a
denúncia do psicólogo no Conselho Regional de Psicologia contra o profissional que elaborou
o documento encaminhado à Justiça –, para pensar a articulação entre avaliação psicológica e
ética.
Na pesquisa de Mestrado, foi consenso entre os pais que responderam ao questionário
a intenção de denunciar os psicólogos por infração ao Código de Ética em função da
elaboração de laudos após a avaliação psicológica de seus filhos, não apenas por haverem sido
excluídos do processo, mas porque, embora excluídos, foram acusados de abusar sexualmente
deles:
Meu filho foi encaminhado pra [instituição]. Eu não fui procurado [...]. Compareci
voluntariamente porque eu ‗corri atrás‘ e descobri que meu filho estava lá. Fui muito mal
atendido [...], a psicóloga disse que não tinha obrigação de fazê-lo ‗porque seu foco é a
criança‘. Com relação às denúncias, declarou estar plenamente convencida das alegações da
mãe (Pai 05) (AMENDOLA, 2009a, p.146).
Estou com processo no Conselho Regional de Psicologia contra psicóloga [...]. Os psicólogos,
assim como os Conselhos de Psicologia deveriam fazer um trabalho de conscientização com
os profissionais para que eles sejam mais cuidadosos na emissão dos tais ‗laudos‘. Na minha
opinião, sei que posso encontrar algum psicólogo que fará o laudo que eu quiser com os
termos que eu quiser, como foi feito pela mãe de minha filha. Conheci muitos psicólogos
durante toda a minha caminhada para provar o que não fiz, e estes são profissionais sérios e
que jamais fariam este tipo de coisa (Pai 02) (AMENDOLA, 2009a, p.149).
7
Subjetividade é compreendida como algo produzido e referente às diferentes maneiras de volver e experimentar
a vida, isto é, a maneira como vivemos, sentimos, percebemos, andamos, amamos, etc. (GUATARRI; ROLNIK,
1996).
24
Mediante tais relatos, entendo ser inconcebível pensar uma atuação profissional
divorciada de uma reflexão ética e dos princípios estabelecidos pelo Código de conduta
profissional da categoria. O que parece óbvio tem sido motivo de preocupação para alguns
Conselhos Regionais de Psicologia e para o Conselho Federal de Psicologia em razão do
aumento no número de queixas em desfavor de psicólogos que despontam nas Comissões de
Orientação e Ética.
Concomitantemente à construção da pesquisa de Mestrado, recebi convite da então
conselheira-presidente da Comissão Permanente de Ética ou, simplesmente, Comissão de
Ética (CoE) do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro (CRP-RJ), Fabiana
Valadares, Gestão 2004-2007, para auxiliar, como colaboradora, do trabalho de instrução
(condução) processual de Processos Disciplinares Éticos8. Na ocasião, Valadares (2004,
comunicação pessoal) explicou que houve um aumento considerável de denúncias contra os
psicólogos em razão de documentos escritos – a maior parte decorrente de avaliação
psicológica –, que se tornaram judiciais, ou seja, ―carregam o peso de subsidiar sentenças
judiciais e atuar de modo factual (coercitivo) na vida das pessoas‖ (BARRETO ; SILVA,
2011, p.02). Por este motivo, explicou a então presidente da CoE, necessitava de um
psicólogo com experiência na área de avaliação psicológica e aplicação de testes para compor
uma Comissão de Instrução. Assim, fazendo uso do Art. 21 do Código de Processamento
Disciplinar (RESOLUÇÃO CFP nº 006/20019), passei a integrar a Comissão de Instrução de
Processos Éticos como profissional ligada à área em questão:
8
Processo Disciplinar Ético refere-se à categoria que inclui a fase preliminar denominada ―Representação‖ e a
fase processual, quando há instauração de Processo Ético.
9
Com a finalidade de qualificar o cumprimento do dever de ―orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da
profissão de Psicólogo e zelar pela fiel observância dos princípios da ética‖ (Lei nº 5.766/71), a Secretaria de
Orientações e Ética do Conselho Federal de Psicologia promove, periodicamente, reuniões nacionais com os
CRPs para analisar o Código de Processamento Disciplinar (CPD) – que sofreu alterações recentes, sendo
revogado pela Resolução CFP Nº 006/2007.
25
profissional, tendo como ponto alto da discussão a análise das demandas que são endereçadas
aos profissionais e os possíveis efeitos que esta prática provoca na vida das pessoas.
Contudo, essa questão referente às denúncias em desfavor dos psicólogos em função
dos laudos se instaurou de forma contundente em vários Conselhos Regionais de Psicologia,
no início do século XXI. Segundo algumas informações prestadas pelo CRP-01 (DF, AC,
AM, RO, RR), CRP-05 (RJ), CRP-06 (SP), CRP-07 (RS) e CRP-08 (PR), diversos psicólogos
que atendem pela autoria de documentos psicológicos resultantes de avaliação psicológica no
contexto da (suposta) violência sexual contra a criança, têm sido chamados a responder a
críticas e denúncias junto aos seus Conselhos de Classe, quanto à sua competência
profissional, como reza o Art. 1º do Código de Ética Profissional do Psicólogo:
Diante desse cenário e lançando mão de alguns pressupostos que tiveram ascendência
na dissertação de Mestrado (AMENDOLA, 2006), como o fato de muitos profissionais
estarem sendo denunciados em função de laudos, propus circunscrever e analisar os
discursos/práticas que integram os Processos Disciplinares Éticos contra psicólogos que
realizaram atendimento e produziram documentos em casos de alegações de abuso sexual
contra crianças.
O tema de estudo, por sua vez, é atual e relevante, haja vista a decisão, pelo Conselho
Federal de Psicologia, de decretar o ano de 2011 o Ano Temático da Avaliação Psicológica,
em razão, dentre outros aspectos, do considerável aumento no número de denúncias contra
psicólogos decorrente desta prática. Este fato, porém, vem de longa data, como noticiado no
Jornal do Federal em 1999 – aliás, este foi o ano da primeira denúncia feita no CRP do Rio de
Janeiro sobre essa matéria e que recebeu indicação para instauração de Processo Ético. Em
nota, naquela edição do Jornal, o CFP se mostrava preocupado não somente com o aumento
de denúncias contra os psicólogos, mas o que esse acontecimento implicava: prejuízo e
sofrimento à população que contrata o serviço psicológico, bem como dano à própria imagem
da profissão, como destacaram alguns autores.
De acordo com Noronha (2002), Patto (1997) e Silva (2004), é imperioso colocar em
discussão essa temática tão complexa como a da avaliação psicológica no sentido de rever a
formação profissional, já que, de acordo com a Lei nº 4119/62 que regulamenta a profissão de
26
uso de bolas de cristal para desvelar verdades e segredos, como já alertaram alguns autores
(MACHADO, 2007; MALUF, 1994; RAUTER, 1989).
Talvez, porque o psicólogo esteja atendendo qualquer demanda que lhe chega sem
criticidade, ―sem rigor e sem compromissos‖ (FIGUEIREDO, 2008, p.19), que a crença de
que a Psicologia ―lança mão de tudo‖ (idem, ibidem) para obter os resultados esperados venha
se perpetuando.
Seguindo essa lógica, se a sociedade mostra um flagrante desconhecimento do
trabalho do psicólogo, que tem levado muitas pessoas a acreditarem que o psicólogo é aquele
que aplica testes, provavelmente, é porque essa tem sido a mensagem que a categoria está
transmitindo. O que me leva ao entendimento de que o próprio psicólogo acredita ser capaz de
exercer esse papel de mago, com poderes para oferecer soluções mágicas para todas as
questões que lhes são apresentadas (TEIXEIRA; BELÉM, 2002).
O poder (supostamente) mágico dos instrumentos parece exercer um fascínio nos
profissionais, ―e nada indica que isso vá mudar‖ (STARLING, 2002, p.84), Os psicólogos
continuarão tal quais os psicometristas do início do século XX no Brasil ou, na melhor das
hipóteses, tornar-se-ão uma nova versão destes aplicadores de testes, não menos aterrorizantes
para uma parcela da população que, por ter que se submeter ao poder mágico do profissional,
sente-se exposta e vulnerável.
Cunha (2000) é da opinião que, ―exatamente porque as pessoas temem tanto enfrentar
seus aspectos doentios, ainda existam atitudes preconceituosas em relação ao
psicodiagnóstico, que ‗magicamente‘ pode revelar ‗seus pontos fracos‘ e ‗possibilidades para
o futuro‘‖ (CUNHA, 2000, p.111-112) é. Decorre dessa visão, o alerta que a autora faz para
que o psicólogo não contribua com essa atitude, devendo, para isso, esclarecer os objetivos do
trabalho profissional.
De qualquer modo, quando o assunto é avaliação psicológica, seja no contexto que for
– na obtenção de um emprego, da carteira de habilitação e/ou do porte de armas de fogo, em
decisões judiciais pela disputa de guarda dos filhos, em denúncias de violência e/ou
diagnóstico de sanidade mental –, uma aura de mistério, dúvida, ansiedade parece pairar sobre
aqueles que serão submetidos ao procedimento. Tal fato é reforçado em função de os testes
psicológicos serem de competência e exclusividade do psicólogo, o que torna o processo
muitas vezes inacessível e incompreensível para as pessoas avaliadas, embora determinante
na vida de cada um, como alerta o próprio Conselho Federal de Psicologia (CFP).
31
Há muitas discussões acerca do que são testes psicológicos. A questão mais importante nesse
debate não é como a definição deve realmente ser feita, mas as repercussões que ela pode ter
para o futuro da sociedade e da Psicologia. Os motivos que levam a essa questão estão ligados
ao uso privativo dos testes psicológicos pelos psicólogos (CFP, 2010, p.31).
uma vez que as demandas sociais têm exigido do psicólogo uma competência e habilidade
cada vez maior para a realização eficaz destas tarefas. Novas legislações, que vêm no rastro
da necessidade de organização da vida social de acordo com as mudanças ocorridas, trazem
novos desafios para a profissão, tanto para a condição do ensino quanto para a prática
profissional. A necessidade de laudos e perícias para auxiliar nas decisões do Poder
Judiciário, as avaliações na área do trânsito, as avaliações para porte de arma, as avaliações
em concursos públicos, o uso de testes nos contextos de saúde e trabalho, e outras, são
exigências cotidianas da prática de profissionais que têm-se percebido pouco atualizados e
frequentemente incapacitados para realizar, com a competência esperada, as tarefas exigidas.
A insuficiente qualificação para atuar nesse segmento é um dos motivos que preocupa
também o Conselho Federal de Psicologia (CFP), atento para o aumento no número de
denúncias contra psicólogos por possível infração ética decorrente de avaliação psicológica e
elaboração de laudos. Contudo, não é a única inquietação:
Se, por um lado, os deveres éticos fundamentais do psicólogo preconizavam que este devia
prestar serviços de acordo com os princípios e técnicas reconhecidas pela ciência e que não
poderia fazer declarações sem a devida fundamentação técnico-científica, por outro, havia
uma prática embasada em instrumentos que claramente contradiziam tais princípios. Isso
configurava uma situação de um mal velado à população, difícil de ser descoberto, diante do
qual ela não possuía mecanismos para se defender (CFP, 2010a, p.129).
voltado ao que veio a ser uma prática de avaliar, François Gerard, 1798 Museu do Louvre,
Paris.
medir, testar e classificar que se tornou hegemônica na
Psicologia no Brasil (PASQUALI; ALCHIERI, 2001; TAVARES, 2010).
Parto, portanto, da premissa de que a Psicologia que se edificou no país, enquanto
resultado de uma construção histórica, social e política, atravessada por inúmeras forças,
compactuando ou fazendo resistência, reproduzindo ou criando, alienando ou se
comprometendo com formas diferenciadas de pensar, ganhou contornos particulares (PATTO,
2010).
Mais ainda, considerando que o momento atual carrega consigo uma história que a
precede, esta aproximação e exploração do tema proposto enquanto território em movimento
serve para pensar e buscar compreender como vem senso instituída a avaliação psicológica, a
que ou a quem serve, sua finalidade, seus interesses, enfim, como esta prática psicológica está
sendo conduzida, definida e praticada ultimamente.
Quando formos contar o que vimos, já estaremos fazendo a história da história a se contar.
Catharino (1999)
A história não descobrirá uma identidade esquecida sempre pronta a renascer, mas um sistema
complexo de elementos múltiplos, distintos e que nenhum poder de síntese domina.
Foucault (2001a)
34
Foi por volta do século XIX, a partir da proclamação do Império, data de 1822, que é
possível identificar um movimento bastante rudimentar da formação do pensamento ou ideias
psicológicas no Brasil, quando um processo de transformações significativas no âmbito
político-administrativo e econômico passou a ganhar força após séculos de colonização
portuguesa.
Sob a vigência de um modelo econômico escravista agro-exportador, a realidade da
população brasileira, que se mantinha analfabeta e pouco qualificada para o mercado de
trabalho, foi aos pouco se modificando, à medida que múltiplas e urgentes demandas por
trabalhadores liberais se fizeram crescentes em um país que queria se industrializar e
modernizar.
Foi nesse contexto que alguns autores explicam que a pequena elite intelectual
brasileira (geralmente composta de religiosos e políticos sustentados financeiramente pelos
grandes latifundiários), interessada na formação e aperfeiçoamento na Europa ou junto a
estrangeiros convidados a ministrar cursos, conferências ou prestar assessoria no Brasil,
passou a investir em escolarização e formação profissional no próprio país. Escolas Normais,
Faculdades de Direito e de Medicina, instituições que ganharam relevância na produção de
ideias referentes aos fenômenos psicológicos, passaram, portanto, a formar esta elite
intelectual, disseminando o modelo de racionalidade em efervescência nos países dito
civilizados (europeu) (CASTILHO ; CABRAL, 2004; PESSOTTI, 1988; PFROMM NETTO,
2004; ROCHA, 2004; SANTOS, 1988; PATTO, 1984; 2010).
De acordo com Castilho e Cabral (2004) e Patto (2010), as mais prestigiadas correntes
de pensamento científico europeu que chegaram ao Brasil por volta de 1870, trazidas
principalmente por médicos que lá se formaram, foram responsáveis por uma série de novas
ideias, prontamente implementadas (especialmente pela Medicina), em um momento que a
sociedade industrial emergente ansiava por mudanças de ordem econômica, política e cultural.
35
A filosofia positiva trouxe também o elogio da ordem social como condição de progresso,
supostamente em benefício de todos. ―Ordem e progresso‖ era o lema do autor do Curso de
filosofia positiva. No centro, uma concepção hierárquico-coercitiva de Estado. A gestão da
vida social ficava a cargo de cientistas, portadores de verdades definitivas, objetivas e neutras
produzidas pela Ciência (PATTO, 2010, p.26).
Naquele momento, o Positivismo era tido, na Europa, como um sistema geral das
Ciências que operava com fatos e se restringia ao observável, sendo considerado o meio mais
adequado para se alcançar o conhecimento científico. As questões epistemológicas foram
reduzidas à metodologia condicionada ao rigor das medições, do emprego da lógica
matemática para conhecer o universo: ―conhecer significa quantificar‖ (SANTOS, 1988, p.50)
e quantificar significava ―estabelecer relações entre variáveis passíveis de mensuração‖
(MARIGUELA, 1995, p.26). Tudo o mais que não pudesse ser quantificável, ser submetido
ao critério da calculabilidade e da utilidade, ou seja, que não pudesse ser reduzido à
obediência às regras físico-matemáticas, tais como a religião, os valores sociais, os interesses,
a arte e as paixões – próprios da experiência humana – tornava-se irrelevante ou, ―suspeito
para o esclarecimento‖ (ADORNO; HORKHEIMER, 2006, p.19). O número se tornou,
portanto, o cânone da Ciência Moderna.
Essa premissa permitiu que as bases do conhecimento filosófico-teológico migrassem
do exercício do raciocínio especulativo, dogmático e do senso comum para dar lugar à análise
científica por meio da observação, da experimentação e da lógica matemática: o chamado
método empírico ou Empirismo (GAARDER, 1995; MARCONDES, 2002).
Chauí (2000), em sua obra Convite à Filosofia, descreve que a concepção empirista
atesta que a ciência:
[...] é uma interpretação dos fatos baseada em observações e experimentos que permitem
estabelecer induções e que, ao serem completadas, oferecem a definição do objeto, suas
propriedades e suas leis de funcionamento. A teoria científica resulta das observações e dos
experimentos, de modo que a experiência não tem simplesmente o papel de verificar e
confirmar conceitos, mas tem a função de produzi-los. Eis por que, nesta concepção, sempre
houve grande cuidado para estabelecer métodos experimentais rigorosos, pois deles dependia
a formulação da teoria e a definição da objetividade investigada.
Para a autora, a nova ciência – Ciência Moderna – teve por fundação a ideia de
intervir, modificar e explorar a Natureza para conhecê-la e apropriar-se dela para fins de
ampliar a capacidade de trabalho do homem, tornando-se inseparável da tecnologia (CHAUÍ,
2000).
36
10
Chaui (2000) define cientificismo como uma atitude que funde ciência e técnica, transmitindo a ideia (ilusão)
da neutralidade.
37
Desta forma, o médico passou a ser reconhecido como aquele que detinha um saber
sobre o sujeito, capaz de promover, ao mesmo tempo, um tratamento para o corpo, bem como
para as enfermidades da alma. Logo, esta analogia entre medicina do corpo e medicina da
alma, empregada pela Filosofia e Teologia, ganhou nova significação com a Ciência Médica
que, a partir de uma visão cientificista, pretendeu-se suficiente para tratar os estados psíquicos
(ou a consciência) ―como epifenômeno11 das modificações orgânicas‖ (MALHEIRO;
NADER, 1987, p.12), ou seja, interessando-se em abarcar e curar os fenômenos da alma a
partir das intervenções no estado físico do organismo – passíveis de observação e mensuração
(FOUCAULT, 2001a; MASSIMI, 1990).
Desta forma, houve, no século XIX, um processo de mudança na episteme, quando as
relações passaram a ser dominadas pelo funcional e pela razão instrumental, cuja concepção
objetiva da realidade fez com que houvesse uma preocupação em aplicar os mesmos
princípios descobertos nas leis da Natureza às leis da sociedade (JACÓ-VILELA; KEIDE,
1999).
Sobre o assunto, sintetiza Figueiredo (1991a, p.12-13):
11
Na reflexão de alguns cientistas, certos filósofos materialistas ou positivistas e psicólogos behavioristas, a
consciência humana é considerada um fenômeno secundário e condicionado por processos fisiológicos, e,
portanto, incapaz de determinar o comportamento dos indivíduos.
38
para o autor, interessava ao grupo dominante impor determinados conceitos como verdadeiros
e assim manter o status quo social:
Galton – que cunhou o termo Eugenia –, partia do princípio que ―a inteligência podia
ser medida com base na capacidade sensorial individual e que, quanto mais inteligente, mais
alto o nível de funcionamento sensorial do indivíduo‖ (SCHULTZ; SCHULTZ, 2005, p.140).
Um dado curioso, mas relevante, que Patto (2010) expõe é que Galton procurou –
baseado em suas premissas fortemente influenciadas pelo evolucionismo darwiniano –,
proibir os casamentos entre pessoas portadoras de deficiências físicas e mentais para
incentivar a união dos ―mais aptos‖ (PATTO, 2010, p.127). Expressão esta que deu origem,
mais tarde, ao conceito de ―aptidões naturais‖ (PATTO, 2010, p.128) aplicada pela Psicologia
científica.
Para identificar os mais aptos, Galton instalou um laboratório de Psicometria, visando
construir instrumentos que pudessem medir as faculdades mentais. Eis que surgiram,
conforme expõem alguns autores, os primeiros testes12 de inteligência, consolidando a
importação de conceitos biológicos de adaptação para o universo da Psicologia (ANASTASI,
1977; HOGAN, 2006; PASQUALI, 2001).
Patto (1984, p.92) chama a atenção para o fato de que:
[...] [a] importação do modelo das ciências biológicas não é casual ou inconsequente; antes,
instaura no miolo teórico-conceitual da psicologia uma analogia entre meio natural e meio
social e abre caminho para o primado da ideologia adaptacionista como concepção que
norteia a ação do psicólogo, colocando-o pari passu com a ideologia política dominante num
mundo industrial oligárquico. A consideração do meio social como algo ―natural‖, ―dado‖, a
que os indivíduos devem ajustar-se em nome de seu bom funcionamento, constitui um
artifício reiterador de grande eficácia mistificadora da realidade de uma sociedade de classes,
na medida em que faz com que ela apareça como algo objetivo, externo e independente dos
homens.
12
Testes de acuidade sensorial, de discriminação, de tempo de reação, além das medidas físicas, como altura e
peso.
40
[...] decorre da primazia do conhecimento biológico no século XIX [...] [o conceito] de ―raça‖
que, embora denote a herança de características físicas pertencentes aos diferentes grupos
humanos, no contexto de reação ao ideário iluminista aproxima-se muito do conceito de
13
Buscava-se justificar a hierarquia racial, afirmando pela superioridade da raça branca (ANTUNES, 2004).
14
Decorria a Teoria da Degenerescência, que considerava a propensão à degenerescência física e mental das
raças inferiores (ANTUNES, 2004, p.119).
41
Patto (2010) acrescenta, ainda, que a dominação da classe subalterna não se deu sem
repressão e controle por meio da imposição de uma visão de mundo própria da classe
dominante, difundida como científica.
A Teoria da degenerescência15 atribuiu à Medicina e à Higiene papel fundamental na
ingerência dos processos biológicos e orgânicos. Apresentando-se como ―uma técnica política
de intervenção, com efeitos de poder próprios‖ (FOUCAULT, 2000, p.301-302), a Medicina,
se tornou responsável pelo advento da sociedade disciplinar (FOUCAULT, 2005) ou
sociedade de normalização. Foucault (2005) demonstrou, portanto, nesse tipo de formação
social, uma relação entre o exercício do poder e a produção de um conjunto de novos saberes
no interior da sociedade disciplinar: um saber normalizador, ou seja, caracterizado pela
norma, voltado para a disciplina e regulamentação dos corpos e do comportamento da
população a serviço do capitalismo de produção, cuja potência estaria no homem convertido
em força de trabalho.
A ―disciplina‖ não pode se identificar com uma instituição nem com um aparelho; ela é um
tipo de poder, uma modalidade para exercê-lo, que comporta todo um conjunto de
instrumentos, de técnicas, de procedimentos, de níveis de aplicação, de alvos; ela é uma
―física‖ ou uma ―anatomia‖ do poder, uma tecnologia (FOUCAULT, 2005, p.177).
15
Proposta por Morel (1857), a ideia de degenerescência repousa sobre a concepção de que a herança que se
transmite através das gerações não se restringe ao plano biológico, mas inclui dimensões morais e de
comportamentos – virtuosos ou viciados. Algumas causas para a degenerescência incluem o abuso do álcool,
alimentação deficiente, meio social miserável, imoralidade dos costumes, conduta sexual desregrada, doenças da
infância e a própria herança de uma carga de degenerescência. Nessa perspectiva, a influência concreta da
família sobre a criança desempenharia um papel central na instalação da degeneração no indivíduo. (PEREIRA,
2008, p. 492-493).
42
Por sua vez, se o objetivo das biopolíticas era a vigilância, a organização e o controle
da vida – protegê-la multiplicá-la, regulá-la – para encaixá-la no formato preestabelecido e
definido como normal, eram necessários os conhecimentos científicos para fins de ―intervir
racionalmente no substrato biológico das populações‖ (SIBILIA, 2003, p.161). Essa
intervenção se daria por meio de regramentos e da instituição de leis sanitárias, planejamentos
reprodutivos, mudança de hábitos e costumes ligados à higiene e à prevenção de doenças
(BARONI, VARGAS ; CAPONI, 2010; SAMPAIO, 1994).
A produção de saberes sobre os indivíduos, conforme explica Foucault (1996; 2005),
partiu da tecnologia disciplinar denominada Panóptico – promotora da vigilância escalonada,
43
Os sintomas no corpo devem ser observados por longo tempo para serem descritos
detalhadamente para uma intervenção moral e curativa. [...] Esse processo produz as
preocupações com a higiene pública, com a centralização das informações, sua normatização
e coordenação, com as pedagogias da higiene e com a medicalização. Produz também a
preocupação com os incapazes, [...] portadores de anomalias.
16
O Projeto de Lei nº 3.675/04 transformava o ensino primário em ensino fundamental, quando a Classe de
Alfabetização foi incorporada ao ciclo obrigatório. Posteriormente, a Lei 11.114/05 estendeu o prazo para até o
ano de 2010 para que Estados e Municípios pudessem se adaptar às novas medidas.
45
a cidade do Rio de Janeiro que recebeu o título de ―Meca intelectual‖ (PESSOTTI, 1988,
p.22) do país, lugar de grandes empreendimentos científicos, o que favoreceu o florescimento
da vida acadêmica.
Embora Castilho e Cabral (1950/2004) afirmem que as obras psicológicas na Medicina
tiveram mais prestígio que as na Pedagogia, ambas estavam interessadas no emprego de
técnicas e metodologia oriundas da Psicologia, tais como os testes psicológicos. Embora
fossem instrumentos estrangeiros traduzidos de forma rudimentar e improvisada, os testes
psicológicos despontaram como um recurso bastante útil no início do século XX na intenção
de identificar ―marginais‖ (PATTO, 1984, p.99) e, com efeito, promover medidas visando à
reintegração ou segregação, dependendo o interesse do sistema.
Jacó-Vilela (2002) explica que, com a acumulação do saber, tornou-se possível aos
profissionais saírem do espaço restrito do laboratório, sem, contudo, abdicar das regras de seu
funcionamento.
Com essa medida, os testes e sua ―quantificação quase mágica‖ (PATTO, 1984, p.98)
ficaram disponíveis para concretizar a aspiração da sociedade industrial capitalista, ao se
pautar em critérios numéricos e objetivos, de poder classificar seus membros.
A importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças ou barômetros. A
importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós.
Malito e Aguiar (2010, p.53)
Naquele momento, final do século XIX e início do século XX, a influência norte-
americana se fez sentir no Brasil, mais especificamente pela Psicologia Funcional ou
Aplicada, oriunda dos países de língua inglesa – cujo afã era de medir, classificar, visando à
adaptação do organismo ao ambiente.
48
A naturalização tem sido uma forma de exercer o poder, um mecanismo de dominação, pois
tudo aquilo que coloca em risco a funcionalidade das relações dominantes, consideradas
naturais, passa a ser encarado como anormal, doentio, patológico que necessita ser
diagnosticado.
17
Na prática da antropometria, o profissional deveria ―medir a caixa craniana, estudar a ossatura facial e
inspecionar a anatomia, na busca de possíveis sinais de degenerescência‖ (FOUCAULT, 2001, p.32-33).
53
Assim, constituídos com base no exame, nos diagnósticos, nas previsões, os saberes
psiquiátrico, psicológico, etc., surgiam como um sofisticado mecanismo de poder e controle
disciplinar paralelo ao judiciário (FOUCAULT, 1999; 2006). Exercendo esse biopoder, os
―técnicos da continuidade ideológica‖ (AGUIAR, 1984, p. 34) realizavam uma ortopedia
social ou uma ―ortopedia das subjetividades‖ (PEREZ; MEZA; ROSSOTTI; BICALHO,
2010, p.181), produzindo verdades, rituais, realidades e sujeitos.
Logo, conforme discutem alguns autores, o tratamento àquele julgado doente visava à
prevenção do indesejado, à cura do anormal e à correção do inadequado ou do desviante para
fins de formação de ―bons costumes e bons sujeitos‖ (HÜNING; GUARESCHI, 2005, p.117)
e recondução à normalidade, conforme padrões moralizantes exigidos pela sociedade. Com
efeito, a Psicologia emergente serviu como dispositivo de desqualificação dos modos de ser e
viver daqueles que não se enquadravam à norma (FERREIRA; GUTMAN, 2007; NERI,
2009; OLIVEIRA, 2009; SEMINÉRIO, 1980a; TORRANO, 2006/2007).
Nestes termos, os testes psicológicos tornaram-se o dispositivo considerado mais
adequado não só para indicar anomalias e desvios, a partir de uma visão cientificista e
organicista, como também para determinar as características de personalidade, com vistas a
proteger a sociedade ―das ações intempestivas daqueles que visam sua destruição‖ (JACÓ-
VILELA et. ali, 2005, p.23-24).
Acima de tudo, estes instrumentos serviram também para colocar a Psicologia como
uma aliada ao projeto do Governo de modernização do país (CASTRO; CASTRO,
JOSEPHSON; JACÓ-VILELA, 2007, p.283; MARIGUELA, 1995; OLIVEIRA, 2009,
SENNE, 2005).
Neste contexto, alguns autores explicam que a Psicologia recebeu grande investimento
da comunidade científica com vistas a operar, pela via do exame e do estudo do
comportamento humano, como um ―engenheiro social da utilidade‖ (MONTEIRO; JACÓ-
VILELA, 2007, p.137), cuja intenção era adequar o homem a modelos morais e socialmente
determinados, assim como adaptá-los ao trabalho, sem maiores considerações sobre a
realidade social e cotidiana (BERNARDES, 2004; MELLO, 1989; MORAES, 2003a;
SEMINÉRIO, 1980b).
56
18
Utilitarismo: investimento na organização racional da sociedade, de modo que caberia ao Estado intervir na
regulação da vida social para fins de aumentar a ―utilidade social e reduzir [...] o seu potencial político‖
(MANCEBO, 2004, p.39).
57
[...] o famoso teste de Q.I. voltou a prometer (assim como ainda promete) milagres, na medida
em que pretendia mensurar a inteligência de forma insofismável. Respaldados nas mesmas
certezas da natureza, que tanto animaram os cientistas de finais do XIX, nossos pesquisadores
19
O livro versava sobre alguns testes: Quociente de Inteligência ou QI; Ensaio de Padronagem do Teste
Colúmbia; Estudo Psicotécnico de Alguns Testes de Aptidão; Teste Alfa e Teste de Desenho de Goodnough
(PASQUALI; ALCHIERI, 2001).
58
Canguilhem (1973) entende que o psicólogo, nestas circunstâncias, passou a ser ―um
prático profissional‖ (CANGUILHEM, 1973, p.121) voltado à pesquisa de leis da adaptação a
um meio sócio-técnico, fato que conferia às operações de medição e exame um alcance de
perícia. Visão compartilhada por Japiassú (1979) e Augras (1980) quando afirmam que a
demanda crescente por uma produção técnico-científica reduzia a Psicologia emergente no
país a uma técnica de adaptação voltada para o controle dos indivíduos e grupos com vistas a
manter o funcionamento adequado da sociedade em um mundo capitalista-industrial, a partir
da previsão e ―planificação‖ dos comportamentos (JAPIASSU, 1979, p.88). Este autor critica,
portanto, a conversão do psicólogo em um ―psicotecnicista‖, cuja função seria a de ―analista
dos empregos e das profissões, ou de policial especializado em manter a ordem psíquica ou
em reprimir e controlar a ‗desordem‘ de toda uma gama de comportamentos e costumes‖
(JAPIASSU, 1979, p.88-89).
Para oferecer esse serviço de seleção e orientação profissional a Psicologia
Educacional estabeleceu uma parceria com a organização empresarial,
[...] que já utilizava os egressos dos cursos de Pedagogia nas tarefas desempenhadas pela
Psicologia na nova sistemática de administração empresarial. Passou a atuar preventivamente
nas escolas para encontrar, por meio de processos de testes, indivíduos que tivessem
interesses e aptidões para um bom desempenho nas atividades de trabalho (BAPTISTA, 2004,
p.160).
20
O ISOP foi criado pela Fundação Getúlio Vargas, na cidade do Rio de Janeiro, em 1947.
59
Cabe destacar que Mira y López também foi o Arquivos Brasileiros de Psicotécnica
Entre as múltiplas atividades que a
fundador da Associação Brasileira de Psicotécnica e Fundação Getúlio Vargas se propõe
desenvolver, ocupa lugar de destaque a
redator-chefe dos Arquivos Brasileiros de melhoria das condições do rendimento
Psicotécnica, tendo promovido enormes avanços nos humano, mediante a aplicação dos
conhecimentos científicos ao campo do
estudos e na formação de profissionais voltados à trabalho.
Criou, então, em 1947, o Instituto de
seleção e orientação ocupacional e à divulgação da Seleção e Orientação Profissional
(I.S.O.P.), visando realizar investigações no
Psicologia como campo de saber (ANTUNES, 2004; campo da psicotécnica, promover a
formação de pessoal especializado e prestar
BAPTISTA, 2004; LOURENÇO FILHO, 2004). serviços a instituições e ao público em
Dentre os objetivos do ISOP, constavam: geral.
Para organizar e dirigir, do ponto de
vista técnico, o I.S.O.P., a Fundação
Getúlio Vargas contratou os serviços de um
(1) a realização de pesquisas de caráter especialista de renome internacional, o
psicotécnico, objetivando o ajustamento
Professor Emilio Mira y Lopez, e recorreu à
entre o trabalhador e o trabalho; (2) o
estudo, a execução e a difusão dos reconhecida capacidade de um ilustre
métodos científicos de informação, administrador brasileiro – o Engenheiro
seleção profissional, concursos e João Carlos Vital – um dos pioneiros da
classificação de pessoal, assistência aplicação da psicotécnica no Brasil, para a
psicológica no trabalho, orientação vital direção suprema do Instituto.
e orientação profissional; (3) o Sob a direção desses dois autênticos
reajustamento e readaptação profissional expoentes, o corpo de técnicos do I.S.O.P.,
dos incapacitados do trabalho, constituídos de um grupo seleto e
possibilitando seu retorno a atividades
entusiasta, já realizou uma série de
profissionais adequadas; (4) o estudo do
mercado nacional do trabalho para o fim trabalhos dignos de atenção, que nos
de colocação racional do trabalhador, animaram a criar estes Arquivos, com a
com vistas a seu maior rendimento nas finalidade de dar aos interessados uma
melhores condições técnicas; (5) a visão honesta do que estamos realizando e
promoção de reuniões e seminários de de instituir uma tribuna ao alcance dos
Psicotécnica e (6) a organização e estudiosos brasileiros e estrangeiros, onde
administração de cursos de formação, serão livremente debatidos todos os
extensão e aperfeiçoamento de assuntos ligados à psicotécnica. [...]
psicotécnicos e orientadores profissionais
A publicação destes Arquivos visa
(MANCEBO, 1999, p.57).
conclamar os que estudam o assunto do
ponto de vista científico, os profissionais da
Em 1951, o ISOP iniciou o exame de psicotécnica, os nossos administradores,
empregadores, nas atividades públicas ou
candidatos para obtenção da Carteira Nacional de privadas, ―consumidores‖ do fator humano,
que tanto necessitam de mão de obra
Habilitação (CNH) por meio de entrevistas, provas de adequada, a encetarmos, juntos, uma forte
campanha de aumento da produção
aptidão e personalidade e, em 1962, o Conselho nacional, de maior rendimento, de maior
felicidade no trabalho, através da Seleção e
Nacional de Trânsito (CONTRAM) estendeu o exame da Orientação Profissional [...].
psicotécnico a todos os aspirantes à obtenção da CNH. Os Arquivos Brasileiros de
Psicotécnica, que pretendemos publicar
com regularidade, exprimem os ideais
científicos e humanitários, o ardente desejo
Como consequência, nas décadas de de servir, que norteiam as atividades da
1940 e 1950, as autoridades buscaram Fundação Getúlio Vargas.
desenvolver e implementar medidas
preventivas, dentre elas, a seleção
médica e psicotécnica. Esta, por sua vez, Lopes (1949, p.196)
tinha a finalidade de restringir o acesso
60
século XX, reprodutora da Psicologia científica hegemônica nos Estados Unidos, era calcada
em testes objetivos utilizados principalmente nas indústrias e nas escolas pelos psicotécnicos
ou psicologistas.
Ao tornar-se uma escola de formação de psicotécnicos e um centro de pesquisas para
implantação e difusão da Psicologia, segundo alguns autores, o ISOP passou a ser
reconhecido como uma das maiores organizações já criadas no Brasil à época, aberta ao
público para a formação de especialistas direcionados à realização de exames de orientação
profissional, contribuindo com a consolidação da Psicologia no Rio de Janeiro. Mais ainda,
segundo Mancebo (1999), para a regulamentação da profissão de psicólogo (ANACHE;
61
O período entre os anos de 1930 e 1962, que antecedeu a legislação que regulamentou
o exercício profissional da Psicologia, foi fundamental para o desenvolvimento da Psicologia
enquanto ciência e profissão no país. Esse fato se deveu à relevante produção nas áreas de
ensino, aplicação, pesquisas e publicações, assim como na realização de eventos e
organização de associações profissionais.
Na ausência de uma legislação que disciplinasse a Psicologia enquanto ciência e
profissão, muitos cursos e estágios foram oferecidos a profissionais graduados em Filosofia e
Pedagogia com a finalidade de treinar especialistas para a prática psicológica, conforme
especifica Baptista (2010, p.174).
21
A Universidade de São Paulo foi a primeira universidade brasileira, fundada em 1934 (PATTO, 1984).
62
curso de bacharel (três anos) e licenciado (dois anos). [...] O curso de bacharel em Psicologia,
a ser realizado em faculdades de Filosofia [...] daria direito ao exercício da profissão de
auxiliar-psicologista em serviços de Psicologia aplicada. O profissional já formado nesse
nível não poderia, em qualquer circunstância, ser diretor desses serviços. O curso de
licenciado formaria o psicotécnico da educação e do trabalho e do ajustamento clínico,
permitindo ainda o exercício da direção (BAPTISTA, 2010, p.176).
64
Quanto à prática,
Mais tarde, o Projeto de Lei nº 3.825-A, de 1958, primeiro a ser formulado com vistas
ao reconhecimento da Psicologia enquanto ciência e profissão, foi reprovado por não
apresentar ―uma fórmula que satisfizesse o governo e ao mesmo tempo às diversas correntes
de pensamento dentro da psicologia‖ (ROSAS; ROSAS; XAVIER, 1988, p. 33). Ademais, o
projeto referente à formação de psicologistas desagradava vários setores da área médica que
não concordavam com a regulamentação da Psicologia como profissão. Tal fato promoveu
debates em torno da questão, gerando um substitutivo elaborado pela ABP juntamente com o
Sindicato dos Psicólogos de São Paulo e enviado ao Ministério de Educação e Cultura (MEC)
(BAPTISTA, 2010; CFP, 1992; CRP-06, 1994).
Alguns autores salientam que este foi um momento de muitas lutas, principalmente
diante da resistência e oposição dos médicos que reivindicavam exclusividade do exercício da
psicoterapia aos profissionais com formação em Medicina, insistindo que a Psicologia Clínica
ficasse como auxiliar e sob a sua tutela22 (ANTUNES, 2004; BAPTISTA, 2010;
BERNARDES, 2004; JACÓ-VILELA; ESCH, 2001).
[...] as disputas corporativas, nesse período, são intensas. Como exemplo, a disputa com a
Medicina, que no Art. 11, inciso III, do projeto de lei n° 3.825, de 1958, ao falar das funções
do psicologista, diz o seguinte: Não poderão os licenciados de uma ou outra modalidade
(Psicologia) responder pela organização e direção de serviços de psicologia clínica, os quais
requerem a direção de médico devidamente capacitado; poderão, entretanto, nesses serviços
exercer funções de assistentes técnicos (BERNARDES, 2004, p.90).
22
Movimentos semelhantes despontaram em 1973, com o Parecer Alcântara-Cabernite, que propõe aos
psicólogos não atuarem como psicoterapeutas. Já em 1980, a questão voltou à tona com o chamado Projeto
Julianelli, quando o médico e Deputado do Partido Democrático Social (PDS), Salvador Julianelli, apresentou
um projeto o qual propunha que todos os profissionais de saúde ficassem subordinados ao médico, exercendo
atividades auxiliares à Medicina (BERNARDES, 2004; SILVA, 2007). Tal projeto ficou conhecido como
―Projeto Julianelli‖. Guardadas as devidas proporções, há um projeto em curso no Senado Federal, conhecido
por Lei do Ato Médico (PL nº 268/2002; substitutivo PL nº 7.703/2006), que dispõe sobre o exercício da
Medicina. Este PL afeta diretamente as profissões ligadas à área de saúde, tais como a Biologia, Biomedicina,
Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia, Óptica e Optometria, Psicologia e
Serviço Social, especialmente no que se refere ao Art. 4º, que pretende tornar atividade privativa do médico a
―formulação do diagnóstico nosológico e a respectiva transcrição terapêutica‖. Tal fato subtrai o direito de outras
categorias profissionais na área da saúde de exercerem livremente suas atividades em suas respectivas áreas de
conhecimento científico, já regulamentadas em leis anteriores (http://blog.crprs.org.br/?p=97).
65
23
A data do reconhecimento da Psicologia enquanto ciência e profissão, dia 27 de agosto: quando se comemora
o Dia Nacional do Psicólogo.
66
De acordo com Rosas et. al. (1988), não foram feitas restrições quanto à natureza ou
competência das instituições formadoras, assim como foram beneficiados, com direitos iguais,
profissionais com título de doutor em Psicologia Educacional, Filosofia e Pedagogia, cujo
tema da tese fosse próprio da Psicologia. Militares diplomados em Psicologia pelo Ministério
da Guerra e, posteriormente, portadores de diploma de pós-graduação em Psicologia e
Psicologia Educacional, também se beneficiaram da medida. Tais aditamentos fizeram com
que o prazo estipulado por lei de 180 dias fosse renovado sucessivas vezes.
Sobre este ponto, Coimbra (1995/1996) teceu alguns comentários:
24
Período que durou de 1964 a 1985.
67
25
No ano de 2008, o Sistema Conselhos de Psicologia propôs mudanças na Lei 5.766/71 por meio de uma
campanha de democratização no próprio Sistema. Nesse intento, o Grupo de Trabalho da Lei 5.766/71 sugeriu a
elaboração de textos referência, culminando com o lançamento de uma cartilha com orientações e propostas para
alteração da Lei. Além dos textos, a cartilha traz também anexos contendo a Lei 5.766/71, Decreto 79.822/77,
minuta do Projeto de Lei para alteração da Lei 5.766 e minuta de Resolução que dispõe sobre a estrutura e
funcionamento dos Conselhos Federal e Regionais de Psicologia, entre outros.
68
autarquia a qual é atribuída uma função de Estado, que é a de garantir o melhor desempenho
profissional possível no atendimento ao usuário. Para tanto, é responsável pela fiscalização e
pelos processos éticos no caso de infrações ao nosso Código de Ética. É também o órgão que,
em nome do Estado, diz o que é e o que não é a Psicologia, para este fim, ou seja, para os fins
de controle da qualidade do serviço prestado e para a definição do que é o desempenho
profissional do psicólogo e de quem não pode utilizar métodos e técnicas privativas dessa
profissão (FURTADO, 2006, p.264).
Segundo Coimbra (2008) e Leite (2008), tanto a profissão quanto o Sistema Conselhos
foram regulamentados mantendo uma proximidade entre os proponentes da Lei e o aparelho
do Estado. Aliança que se materializou, segundo o depoimento de José Tozoni-Reis,
conselheiro suplente da Gestão do CRP-06 (1980-1983), com a concessão de ―diploma de
psicólogo honorário para o [General Emílio Garrastazu] Médici26 e para o [General Ernesto]
Geisel27 e os respectivos ministros do Trabalho‖ (CRP-06, 1994, p.24).
Conforme afirmam Scocuglia (2010) e Yamamoto (2007), a interferência no sistema
educacional pela ditadura era evidente.
26
Presidente do país entre os anos de 1969 a 1974.
27
Presidente entre os anos de 1974 a 1979.
69
[...] houve profissionais ―psi‖ que apoiaram e respaldaram a patologização dos que lutavam
contra a ditadura, classificando-os como ―carentes‖, ―desestruturados‖, ou seja, ―doentes‖, por
meio de uma pesquisa, ―O Perfil Psicológico do Terrorista Brasileiro‖, que usou uma série de
testes psicológicos aplicados a presos políticos. Alguns desses profissionais forneceram
laudos psiquiátricos e psicológicos de militantes presos, entre 1964 e 1978, também
patologizando-os. Uma prática mais indigna ainda foi a dos profissionais que davam suporte
às torturas, orientando os torturadores acerca dos limites dos presos, para continuarem sendo
torturados ou não [...]. Muitos profissionais [...] colaboraram para que a tortura e o terrorismo
de Estado funcionassem de forma eficiente e produtiva; ainda hoje, continuam respaldando
processos de exclusão e estigmatização com os seus saberes e suas práticas.
Leite (2008) e Yamamoto (2006) esclarecem que a repressão política teve o efeito de
silenciar a categoria, que evitava se reunir para debater questões relativas à organização da
profissão, sob o risco de ser acusada de conspiração. Além disso, havia o interesse de outras
categorias, especialmente a Medicina, de que a profissão de psicólogo se mantivesse
desorganizada e sem força política, na intenção de impedi-la de ter aprovado o direito de atuar
no campo da psicoterapia, assim como de obter a exclusividade na aplicação de testes
psicológicos.
Foi, portanto, nesse cenário, sob a influência da ditadura militar, que o CFP –
efetivamente instalado em 1973 –, organizou sua estrutura hierarquizada e federativa,
constituída por conselheiros indicados pelos Conselhos Regionais. À semelhança das eleições
para presidência da República no país, a eleição para compor o primeiro Plenário do CFP
também foi pelo voto indireto, sem a participação da categoria. Seus eleitores: vinte
70
A lei que criou a formação em psicologia, fixando que os profissionais deveriam ser
diplomados, teria sido necessária, segundo os pareceres que a acompanharam, por ter
aumentado muito a importação, desde a década de 1920, de técnicas psicológicas ―enquanto
técnicas‖, isto é, com vistas à aplicação imediata, faltando muitas vezes com uma tradução
adequada, com a padronização nacional dos resultados, com um conhecimento consistente de
suas possibilidades e limites, enfim, muitas das práticas instrumentais careceriam de um
―estatuto de cientificidade‖ que a formação e a pesquisa universitária visariam, justamente,
fornecer. Como arrogado, a ―base científica‖ provida pela formação universitária haveria de
ser a garantia da ―não banalização‖ da profissão dos psicólogos.
A educação não vira política por causa da decisão deste ou daquele educador.
Ela é política.
Paulo Freire (2007, p.110)
28
A confiança no diagnóstico alcançado pelos testes era tamanha na ocasião que a Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP) promovia uma avaliação psicológica dos candidatos como um dos critérios de
seleção para ingresso à Faculdade de Psicologia. Embora fosse considerada uma determinação rigorosa, a
medida foi implementada por diversas faculdades no país em razão do entendimento de que seria possível
selecionar os candidatos com reais condições para se tornarem psicólogos. Essa prática foi, no entanto, criticada
por muitos candidatos ao curso de Psicologia que alegavam poder prestar exame em outras instituições
formadoras de psicólogos sem terem que se submeter a essa exigência. Uma dessas críticas partiu de um grupo
de alunos e professores reunidos em um dos primeiros encontros de avaliação psicológica realizado em Porto
Alegre promovido pelo CRP da região. Dentre os argumentos utilizados era a falta de amparo legal para essa
medida. Em pouco tempo, todas as instituições que ainda a utilizavam da avaliação psicológica dos candidatos
para ingresso na faculdade foram abandonadas (CUSTÓDIO, 2007).
73
29
O Parecer do CFE Nº 403/62 fixava o Currículo Mínimo e a duração do curso de Psicologia.
74
Esse modo de pensar a psicanálise produz práticas que trazem como efeito não somente a
reprodução como o fortalecimento dessas subjetividades dominantes. Produzem-se e
naturalizam-se, com isso, demandas ligadas às instituições do familiarismo, intimismo,
especialismo, neutralismo e cientificismo (RODRIGUES, 2000, p.70).
Esta leitura da Psicanálise passou a ser ensinada, na década de 1970, na maioria das
Faculdades de Psicologia no país, a despeito da existência de outras práticas psicoterápicas.
Logo, tornou-se área de conhecimento e modelo de atendimento psicológico demandados
pelos estudantes, que passaram a priorizar a atuação clínica, privatista, individualizante e de
cunho liberal, em detrimento do trabalho em outros enquadres. Yamamoto (2007) declara que
essa forma de tratamento se refere ao elitismo da Psicologia:
a notável preferência dos psicólogos pela chamada pela atividade clínica associada ao modelo
subjacente de profissional liberal, [...], estaria produzindo, ou contribuindo de forma decisiva,
para o desenho do perfil da profissão (YAMAMOTO, 2007, p.30).
Este movimento contribuiu para o declínio do uso dos testes na área clínica, em razão
da preferência dos profissionais pela interpretação intuitiva ou por instrumentos com clara
associação à perspectiva teórica psicanalítica (CUNHA, 2000; CUSTÓDIO, 2007;
NORONHA, 2002).
Era o boom psicanalítico, momento em que a Psicanálise entrou em moda, oferecendo
explicações a todas as circunstâncias da vida, reorganizando os valores e crenças das classes
78
média e alta. ―Falava-se ‗psicanalês‘, o mundo das relações pessoais era interpretado em
termos psicanalíticos‖ (RUSSO, 1999, s/p).
Com esta ―psicologização da vida social e política‖ (COIMBRA, 1995, p.118), todos
os acontecimentos da vida viravam pretexto para uma intervenção terapêutica, cabendo aos
psicólogos a tarefa ou missão de aconselhar, esclarecer e tratar mulheres e homens e propor
modelos socialmente aceitos de criança, família, casamento, etc. O Brasil foi se tornando,
assim, o terceiro mercado mundial da Psicanálise, só ficando atrás dos Estados Unidos e da
França.
Já a partir da segunda metade da década de 1970, ocasião em que a Psicanálise e
outras práticas psicoterapêuticas se popularizaram, críticas quanto ao uso dos testes
psicológicos, assim como à deficiência do controle na publicação de material psicológico31
aumentaram progressivamente. Pasquali e Alchieri (2001) salientam que nem o Conselho
Federal nem os Conselhos Regionais de Psicologia tiveram cuidado ou preocupação com esta
prática, deixando ao encargo do mercado editorial brasileiro traduzir, adaptar e comercializar
os instrumentos de uso exclusivo do psicólogo. Para os autores, os próprios ―psicólogos que
faziam uso de tais testes não tinham maiores críticas ou escrúpulos em utilizá-los, uma vez
que eles próprios não foram instruídos o suficiente para perceber a carência técnica e
metodológica em que as universidades estavam mergulhadas‖ (PASQUALI; ALCHIERI,
2001, p.210).
Tal fato promoveu, segundo a análise de alguns autores, um desinteresse generalizado
pelo ensino e aprendizagem de medidas psicológicas, assim como um descrédito e
banalização no uso dos instrumentos psicométricos (em especial, os testes objetivos),
provocando um engessamento na construção, atualização e aplicação de testes psicológicos
(ALCHIERI; CRUZ, 2006; CUSTÓDIO, 2007; PEREIRA; CARELLOS, 1995; CRP-06,
1994; PASQUALI; ALCHIERI, 2001).
31
Pesquisa promovida por Noronha, Primi e Alchieri (2004) revelou que dos 146 instrumentos comercializados
no Brasil pelas editoras Casa do Psicólogo, CEPA e Vetor: 41,1% eram de inteligência e/ou aptidões e 36,3% de
personalidade, somente 28,8% desses instrumentos apresentaram informação acerca de estudos de precisão,
validade e padronização (condições mínimas para se considerar um instrumento como cientificamente
fundamentado).
79
Com a redução da carga horária dos cursos e consequente redução de custos (visando baratear
o ensino para massificá-lo), a lógica neoliberal reduz a formação do sujeito a uma formação
profissional, técnica, pontual, fragmentada. A formação, portanto, se transforma em
treinamento de um conjunto de técnicas desvinculadas da realidade social.
32
A Tropicália foi um dos movimentos artísticos mais importantes dos anos 60, de grande repercussão cultural
na música popular brasileira, onde se destacaram os cantores e compositores Caetano Veloso e Gilberto Gil,
82
ficou conhecida não só pela música popular brasileira, mas por outras produções da época,
quando os ―antigos modos de vestir, de falar, de morar, de comer‖ (COIMBRA, 1995, p.11)
foram abandonados e quando os sincretismos e as misturas eram a ordem do dia.
De um modo geral, Rolnik (2007, p.114) vai informar que:
Além desse, a influência dos movimentos culturais e políticos das juventudes europeia
e norte-americana, tais como os hippies, os Beatles; as revoluções fundamentalistas islâmicas,
os movimentos de libertação pedagógica, as lutas antimanicomiais, dentre outros, também se
fizeram sentir no país, especialmente no meio acadêmico (COIMBRA, 1995; SATHLER,
2008).
Alguns cursos de graduação, no âmbito da Psicologia, passaram a adotar uma postura
associada ao movimento cultural emergente de reação à concepção de rigor científico
fundamentada na rigidez das análises quantitativas. O principal centro de ataque era à
Psicologia positivista, tida como ciência neutra, objetiva e apolítica, embasada em princípios e
conceitos advindos de uma psicologia experimental norte-americana e suas manifestações
técnicas, dentre as quais, o uso de instrumentos de testagem, conforme discuti anteriormente.
Por sua vez, a chegada dos exilados argentinos ao Brasil, muitos deles psicanalistas,
recrudesceu as críticas à postura cientificista defendida naquele momento. Chamada de
―segunda geração de argentinos‖ (RODRIGUES, 2000, p.91), estes psicanalistas estavam
ligados ao Grupo Plataforma, fortemente influenciado pelas ideias difundidas na França, na
década de 1960, por Georges Lapassade, criador do paradigma Análise Institucional, René
Lourau (Socioanálise de tradição dialética), Gilles Deleuze e Félix Guattari (Esquizoanálise),
fato que contribuiu para a constituição no Brasil, de um campo de intervenção em Análise
Institucional (COIMBRA, 1995; CUNHA; DORNA; RODRIGUES, 2006; RODRIGUES,
2000).
Cunha, Dorna, Rodrigues (2006) e Rodrigues (2000) afirmam que a Análise
Institucional no Brasil, marcada historicamente pelo hibridismo e pela polifonia, consiste em
uma rede de conceitos, práticas e agentes que combina uma multiplicidade de elementos
dentre outros. ―Tropicália‖, de Caetano Veloso, se tornou a canção símbolo deste movimento cultural, que
aponta os diferentes níveis em que se dá a combinação entre o arcaico e o moderno.
83
No mesmo período, final da década de 1970 e início de 1980, uma proposta alternativa
e crítica ao paradigma positivista na Psicologia ganhava força, oriunda da Psicologia Social, a
Psicologia Sócio-Histórica. Proveniente das formulações teóricas do materialismo histórico e
dialético propostas por Vigotsky, Luria e Leontiev (MANCEBO, 2004; OZELLA;
SANCHENZ, 2001). Embora a adesão dos alunos de graduação não fosse expressiva na
ocasião, o movimento marcou alguns avanços a partir de 1980, como a criação da Associação
Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO).
A Psicologia Sócio-Histórica representou a possibilidade de apreender o sujeito e a
subjetividade como produções históricas, ―na relação dialética com a realidade objetiva‖
(GONÇALVES, 2001, p.50). Essa perspectiva propõe que os fenômenos psicológicos passem
a ser estudados como decorrentes de um processo de constituição do sujeito enquanto ser
social que se desenvolve ao longo do tempo, negando a naturalidade do desenvolvimento
humano. Deste modo, o homem se insere no mundo por meio de suas relações e experiências
e, enquanto atua, interferindo no mundo, é por ele afetado.
Um dos primeiros eventos, e que ainda se mantém, foi o Encontro Sobre Testes Psicológicos,
CRP-07 do RS, que desde sua primeira edição em 1983 com a presença de 150 participantes,
em 1999 contou com mais de 600 profissionais, ocasião em que foi transformado em
Congresso Nacional de Avaliação Psicológica. A temática, amparada inicialmente sobre
questões de utilização e ensino de testes, vem assumindo progressivamente um caráter voltado
para a preocupação com a qualidade científica desses instrumentos e sua constante atualização
em investigações científicas (PASQUALI; ALCHIERI, 2001, p.216).
Ao mesmo tempo que a psicanálise, outras abordagens clínicas, ditas ―humanistas‖, em parte
por corresponder aos anseios de uma contracultura em voga (a busca do ―desenvolvimento
pessoal‖), em parte por dispor de alguma bibliografia acadêmica a respeito, e em parte por
encontrar uso prático e mercado em expansão, também entraram na formação em psicologia, a
exemplo do psicodrama, ou das terapias de Rogers e de Reich (SENNE, 2005, p.26).
Ao longo dos anos 80, em 10 cursos não ocorreram mudanças curriculares, sendo que, via de
regra são cursos novos [...]. Nos demais cursos (71,43%) ocorreram mudanças. [...] As
mudanças foram desde a implantação de uma nova proposta curricular até a ampliação da
duração do curso, passando por mudanças de carga-horária e de semestre em que a disciplina
foi oferecida. [...] Sempre fica patente que a reformulação consistiu em um esforço para busca
de melhoria na formação oferecida e de adequação à realidade em que a escola se insere, ou
seja, à demanda da sociedade. [...] Algumas disciplinas cederam espaço ou tempo para outras,
mas não há evolução marcante acompanhando os progressos internacionais. Há sim um
esforço de acomodação ou de busca de um equilíbrio curricular, reduzindo antigas
hegemonias (WITTER; BASTOS; BOMFIM; GUEDES, 1992, p.185-187).
Todavia, o cenário brasileiro não se configurava dos melhores. Ainda que houvesse a
reconquista da democracia parlamentar e a promulgação da nova Constituição em 1988,
inserindo o país em um movimento de construção de uma sociedade interessada na afirmação
dos direitos dos cidadãos, o panorama instalado era de recessão econômica, aumento da
inflação, desemprego.
86
Houve corte nos gastos pelo desmonte dos Desmonte do Serviço Público
Seja para opor-se seja para defender
serviços públicos, desigualdade e vulnerabilidades essas ideias, o campo da discussão está
predeterminado e predefinido pela ideologia
sociais, equacionado à ideia de um Estado mínimo neoliberal e pela alienação que ela acarreta.
(redução do papel do Estado) e ao amplo programa de Essa temática indica uma estranha amnésia
social e política. De fato, parece que nos
privatizações. Este era o retrato de um processo de esquecemos de que, durante a ditadura, a
classe dominante, sob o pretexto de
crise socioeconômica e política que se armou no país combate à subversão, mas, realmente, para
servir aos interesses de uma de suas
se contrapondo aos anos precedentes do milagre parcelas (os proprietários das escolas
privadas), praticamente destruiu a escola
(crescimento) econômico e que culminou com a pública de primeiro e segundo graus. Por
hegemonia do ideário e agenda neoliberais (BASTOS, que pôde fazê-lo? Porque neste país,
educação é considerada privilégio e não um
1992; YAMAMOTO, 2007). direito dos cidadãos. Como o fez? Cassando
seus melhores professores, abolindo a
Em linhas gerais, o neoliberalismo, enquanto Escola Normal na formação dos professores
do primeiro grau, inventando a Licenciatura
uma nova ordem mundial, começou a dar os ares de Curta, alterando as grades curriculares,
inventando os cursos profissionalizantes
sua graça no país, irreais, estabelecendo uma política do livro
baseada na descartável e nos testes de
[...] com seus corolários de globalização,
Estado mínimo, livre mercado, livre múltipla escolha e, evidentemente, retirando
comércio, privatizações, marketing, recursos para manutenção e ampliação das
rotação rápida, capitalismo financeiro, escolas e, sobretudo, aviltando de maneira
isolamento tecnocrático, cultura-
escandalosa os salários dos professores.
mercado, dentre outros, produzindo o
Que pretendia a classe dominante ao
que ficou conhecido como ―paradigma
da insegurança‖ (Pegoraro, 1996:75-87). desmontar um patrimônio público de alta
As ameaças de desestabilização da qualidade? Que a escola de primeiro e
economia e de catástrofe social têm sidosegunda graus ficasse reduzida à tarefa de
conjuradas pelas elites que governam alfabetizar e treinar mão de obra barata para
nosso país com discursos sobre o mercado de trabalho. Isso que o editorial
eficiência, leis do da Folha de S. Paulo chama de ―avanço
mercado,
competitividade, necessidade de
social‖ das crianças pobres
privatizações e livre comércio. Esse
modelo neo-liberal tem produzido
Chauí (2001, p.36).
insegurança e medo para as classes médias e trabalhadores em geral e mais desemprego,
pobreza e miséria. (COIMBRA, 2000, p.144).
Dirigindo sua atenção para as classes subalternas, o psicólogo precisou reconstruir sua
prática profissional. Desta forma, teve a oportunidade de diversificar e ampliar seus modos de
intervenção, privilegiando atividades de cunho mais preventivo, educacional e social.
Contudo, o modo como os cursos de Psicologia estavam estruturados, formando profissionais
liberais, não permitia o preparo dos futuros psicólogos para esta mudança de foco, segundo
Bock et. ali (1984) e Witter, Bastos, Bomfim e Guedes (1992).
Gomide (1988) comenta que o modelo de ensino em Psicologia praticado até então
criava um profissional que não atendia às necessidades da maior parte da população.
[...] os psicólogos são profissionais com uma formação técnica; preocupados muito mais com
a doença do que com a saúde; que enfatizam e investem no indivíduo que está sofrendo e não
nas condições ou variáveis que determinam o seu sofrimento; cuja atuação é
fundamentalmente determinada por técnicas, procedimentos e conhecimentos e não pelos
problemas ou necessidades da população; e que a sua formação partiu de informações
existentes e conhecidas não das necessidades reais e mais urgentes da população, para depois
se produzir ou escolher o conhecimento necessário e adequado para uma atuação útil e
comprometida socialmente (GOMIDE, 1988, p.74).
Tal panorama resultou na oferta de uma mão de obra profissional desqualificada, que
não correspondia às necessidades do mercado, tampouco da população. O atendimento
psicológico ficou caracterizado pela segmentação, com oferta de serviços de qualidade
individualizada segundo a capacidade de pagamento do usuário, sendo identificado como:
―(a) estatal-gratuito-precário; (b) privado-mercantil-boa qualidade e (c) filantrópico-
voluntário-qualidade questionável (e virtual ausência de controles)‖ (YAMAMOTO, 2007,
p.33).
88
[...] a suposição de que alguém se expõe a (e precisa de) uma análise e outro alguém,
especializado no assunto, se dispõe (e pode) analisá-lo. Toda a cena diagnóstica se constrói,
portanto, em função da crença de que duas pessoas mediadas por um recurso técnico podem
chegar à verdade a respeito de o que provoca o distúrbio e/ou o sofrimento de uma delas.
Alguém conhece (porque pode fazê-lo) outro alguém (que não dispõe de recurso
especializado para se conhecer), com o recurso de uma técnica, numa relação de justaposição
de partes: um alguém, o outro alguém e o recurso técnico.
[...] a Psicologia – por sua própria natureza epistêmica e não por alguma deficiência que seja
histórica ou metodologicamente sanável – se constitui como um universo plural e
fragmentado que não pode e nem deve ser homogeneizável (DRAWIN, 1988, p.236-251) [...]
Antes de qualquer outra consideração, é preciso reconhecer que, independente de qualquer
juízo de valor, essa é uma situação, de fato, da Psicologia (DRAWIN, 2009, p.49).
Por sua vez, a ideia de conviver com o plural, com a diversidade nos modos de ser, o
ecletismo de tendências e estilos abrigados sob o nome de Psicologia, implica, ao mesmo
tempo, em lidar com a mobilidade, com a fluidez, com o volátil, o incerto, o efêmero. Um
movimento compatível com os fenômenos que caracterizam a contemporaneidade ou a era
33
O termo ―matrizes do conhecimento psicológico‖ proposto por Figueiredo (1993) refere-se aos ―grandes
conjuntos de valores, normas, crenças metafísicas, concepções epistemológicas e metodológicas que subjazem às
teorias e às práticas profissionais dos psicólogos‖ (FIGUEIREDO, 2008, p. 23).
34
A questão da cientificidade da Psicologia é tema de críticas e discussões ainda não superadas (e talvez o
consenso não seja possível).
90
Ou seja, o confronto com novas realidades não parece estar expondo [...] insuficiências dos
modelos teóricos tradicionais da Psicologia em dar conta das novas realidades, promovendo o
desenvolvimento de práticas inovadoras, mas uma reiteração, eventualmente sem a necessária
consideração das circunstâncias e das questões envolvidas, de práticas tradicionais nesses
novos contextos de atuação (YAMAMOTO et. ali, 2001, p.71).
Nesse sentido, vale o alerta de Hoff (1999) sobre esses novos campos de atuação: as
novidades não podem ficar reduzidas aos espaços. Elas devem representar a necessidade de
construção de formas de atuação que atendam às novas demandas, bem como de edificação de
indicadores voltados à formação na graduação.
Em relação à prática em áreas denominadas de emergentes, Starling (2002) chegou a
constatação semelhante, entendendo que, de fato, a atuação profissional nestes diferentes
contextos, o psicólogo faz uso de teorias e técnicas conhecidas, em geral, pertencentes à
Psicologia Clínica, nada produzindo de específico ou inovador. Porém, diferentemente, para o
autor, não existe estabelecido, de caráter inequívoco, que determinado ―locus gerador de
fenômenos psicológicos únicos‖ demande ―conjuntos declarativos ou técnicos igualmente
únicos, embora seja certo que os fenômenos psicológicos lá se manifestem sob as
contingências específicas daquele ambiente‖ (STARLING, 2002, p.86).
Diante de tais considerações, cabe indagar: o psicólogo não inova nestes novos
campos de trabalho por que o modelo tradicional realmente é considerado suficiente para
atender as demandas de um mercado de trabalho neoliberal, restrito e competitivo? Ou ainda,
por que, embora os novos campos convoquem o profissional a inovar, a qualificação recebida
pelo psicólogo nos cursos de graduação não lhe confere uma base sólida para esta mudança de
foco? Seria esta uma circunstância que levaria o profissional atuante nestes novos campos de
trabalho a impor uma leitura da realidade aderida aos modelos teóricos ligados às atividades
consideradas tradicionais ou mais conservadoras às demandas dos novos espaços de atuação?
Diante dessa perspectiva, Santos (2002), em tom de indignação, questionou quantos
psicólogos efetivamente criam algo em sua prática. Para o autor, repetir o que já foi pensado,
teorizado e está consagrado é mais simples e cômodo, além de seguro, pois não se corre
riscos. O temor ao desconhecido frente aos novos acontecimentos que possam gerar dúvidas e
rupturas aos modos instituídos paralisam. Porém, de acordo com Mattos (2006), sair desse
lugar de conforto é tarefa pela qual ninguém passa incólume, e do qual Figueiredo (2010)
corajosamente defende quando afirma que prefere
92
os riscos de pensar a partir da experiência, com tudo que isso contém de surpresas e
complexidade, ao enclausuramento defensivo; prefiro o risco de continuar pensando,
pesquisando, em vez de me encerrar em minhas próprias convicções. E procuro, venho
procurando, por diferentes meios e vias, transmitir essas posições a meus alunos e leitores
(FIGUEIREDO, 2010, p.146).
35
Atualmente, encontra-se em vigor a Resolução nº 003/2007. Revogadas as disposições em contrário,
especialmente as Resoluções CFP nº 004/86, nº001/88, nº004/88, nº 003/87, nº 004/87, nº 014/92, nº 03/93,
nº019/95, nº010/96, nº07/97, nº02/98, nº018/00, nº04/01, nº04/02, nº 03/03, nº 09/03 e nº 02/05.
94
36
O Brasil e a Organização das Nações Unidas (ONU) desenvolveram uma ferramenta para análise das
ocupações, com interesse em realizar um planejamento das atividades de trabalho por meio de estatísticas de
emprego-desemprego, elaboração de currículos, dentre outros aspectos. Tal instrumento foi denominado de
Catálogo Brasileiro de Ocupações (CBO) que, em parceria com o Ministério do Trabalho, era (e ainda é) o
responsável pela descrição, em âmbito nacional, das ocupações oriundas de diversos setores econômicos. A
primeira versão foi disponibilizada em 1977 (CARVALHO, 1988; SEGNINI, 2004). A atual, aprovada pela
Portaria Ministerial nº. 397, de 09 de outubro de 2002.
95
As Diretrizes Curriculares têm por objetivo servir de referência para as IES [Instituições de
Ensino Superior] na organização de seus programas de formação, permitindo uma
flexibilidade na construção dos currículos plenos e privilegiando a indicação de áreas do
conhecimento a serem consideradas, ao invés de estabelecer disciplinas e cargas horárias
definidas. As Diretrizes Curriculares devem contemplar ainda a denominação de diferentes
formações e habilitações para cada área do conhecimento, explicitando os objetivos e
demandas existentes na sociedade.
37
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/e04.pdf>
97
38
Do início da tramitação das propostas para as Diretrizes Curriculares Nacionais de Psicologia até sua
aprovação em 2004, houve a homologação de três pareceres que discorriam sobre o tema (CIRINO et. al. 2007).
No portal do MEC <http://portal.mec.gov.br> é possível ler todos os Pareceres, bem como as Diretrizes
Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Psicologia.
98
Ribeiro e Luzio (2008) entendem que a formação básica ficaria, dessa maneira,
definida em dois perfis: de psicólogo e de bacharel em Psicologia, mais ainda, que o perfil do
profissional deveria ser construído a partir de um núcleo comum, compreendido como
conjunto de competências, habilidades e conhecimentos, bem como de eixos estruturantes,
definindo quais as competências e habilidades deveriam ser desenvolvidas ao longo do curso
e a obrigatoriedade de estágio básico e específico.
Para tanto, serviram de referência na definição dos currículos plenos,
O currículo ideal, nesta medida, não existe; o que há são resultados provisórios do conflito
entre perspectivas mais ou menos díspares. Concretamente, os currículos são soluções de
compromisso que acabam refletindo o resultado de um jogo político que envolve as direções
das faculdades, os membros do corpo docente e, às vezes, partes do corpo discente. [...]
Enfim, não há uma solução meramente acadêmica ou técnica para a definição de um currículo
(FIGUEIREDO, 2008, p.147-149).
Creio que a universidade tem hoje um papel [...] que é determinante para a existência da
própria universidade: criar incompetentes sociais e políticos, realizar com a cultura o que a
empresa realiza com o trabalho, isto é, parcelar, fragmentar, limitar o conhecimento e impedir
o pensamento, de modo a bloquear toda tentativa concreta de decisão, controle e participação,
tanto no plano da produção material quanto no da produção intelectual. Se a universidade
brasileira está em crise é simplesmente porque a reforma do ensino inverteu seu sentido e
finalidade – em lugar de criar elites dirigentes, está destinada a adestrar mão de obra dócil
para um mercado sempre incerto.
Sem desmerecer alguns avanços, essa lógica não está muito distante da Reforma
Universitária de 1968, conforme explicita Castelo Branco (1998). De acordo com o autor, a
Reforma visava direcionar a educação rumo à tecnocracia,
Um profissional [...] não pode, em momento algum de seu trabalho, deixar de ter presentes
diante de si os dilemas maiores da profissão. Trabalhar [...] exige uma formação teórico-
prática coerente com os desafios que o psicólogo vai enfrentar, mas exige mais: reflexão,
sensibilidade ética e atenção redobrada aos personagens e aos caminhos que se abrem diante
dele. Sem o entendimento rigoroso e bem fundamentado do que se passa na subjetividade e
nas relações intersubjetivas numa sociedade concreta, e sem a consciência da imensa
responsabilidade dessas práticas, esses profissionais podem lesar direitos fundamentais das
pessoas e, no limite, colaborar para a negação de seu direito à vida. Um psicólogo que não
adquirir a capacidade de pensar o próprio pensamento da ciência que pratica – ou seja, de
refletir sobre a dimensão epistemológica e ética do conhecimento que ela produz – certamente
somará, insciente, com o preconceito delirante, a opressão, o genocídio e a tortura.
Além disto tudo, os Conselhos não podem ficar à parte das lutas sociais da classe [...], bem
como empenho no sentido de haver uma melhor remuneração do profissional de ensino e de
geração de melhores condições de trabalho para a formação profissional (HOLANDA, 1997,
p.12).
103
39
Importante salientar que as expressões ―saber especializado‖, ―atendimentos especializado‖ são empregadas
nessa pesquisa como equivalentes a saber/atendimento específico do campo da Psicologia (que se diferencia de
outros saberes) e não, necessariamente, um saber atrelado à realização de curso de especialização ou à obtenção
de título de especialista. Quanto ao termo ―especialista‖, embora possa gerar certa confusão em função do uso
corrente ou do senso comum, empreguei para indicar o psicólogo que possui especialização.
104
Com isso, o saber sofreu uma transformação, não mais sendo concebido enquanto
constitutivo do sujeito, mas ―sob a forma de mercadoria informacional‖ apartado do sujeito
cognoscente (LYOTARD, 1998, p.5). Desta forma, o autor entende que houve uma
mercantilização generalizada do saber, ou seja, transformado em mercadoria, o saber
valorizou o capital, promovendo a qualificação da mão de obra, a formação de competências,
a melhoria das performances ou desempenho, para o processo produtivo.
Diz Lyotard (1998, p.82):
É mais o desejo de enriquecimento que o de saber que impõe de inicio aos técnicos o
imperativo da melhoria das performances e de realização dos produtos. A conjunção
―orgânica‖ da técnica com o lucro precede a sua junção com a ciência. As técnicas não
assumem importância no saber contemporâneo senão pela mediação do espírito de
desempenho generalizado.
para que intervenham na vida de outros seres humanos [...] sem a exigência de uma residência
ou especialização, [...] acompanhadas e avaliadas por profissionais e entidades para tanto
qualificados. [...] Penso que esse estado do nosso exercício profissional [...] coloca mais em
risco a população (STARLING, 2002, p.88).
Contudo, não é isso o que ocorre. Lamentavelmente, onde impera a lógica que
transforma ensino em mercadoria – lógica esta fundante da sociedade capitalista com seus
interesses consumistas (BAUMAN, 2011) –, a responsabilidade pelas práticas decorrentes de
escolhas por determinados ensino-mercadorias não recai sobre as instituições formadoras, mas
sobre os próprios psicólogo-consumidores individualmente.
Outrossim, a decisão por estender a formação por meio da realização de cursos de
aperfeiçoamento ou de especialização também dependerá da necessidade, interesse e/ou
recursos financeiros de cada um. Com isso, Noronha, Beraldo e Oliveira (2003) constataram
que apenas uma pequena parcela da categoria profissional procura se atualizar por meio de
estudos regulares, enquanto a maioria se satisfaz com os conhecimentos aprendidos na
graduação, por exemplo, realizando avaliação psicológica com a metodologia ensinada no
curso de formação universitária.
Na perspectiva de alguns autores, a falta de aprimoramento do psicólogo que possui
apenas uma formação básica e generalista (considerada precária), não só o desqualificaria
para o exercício de sua profissão, como também o tornaria pouco atraente e competitivo para
107
o mercado. Na opinião desses autores, um currículo profissional extenso seria um sinal de que
o psicólogo busca se manter atualizado técnica e cientificamente e, nesse caso, quanto mais
especializado estiver o profissional, melhor! Os argumentos para incentivar e reforçar a
necessidade de aquisição de competências vão desde o refinamento da prática pelo
aperfeiçoamento no uso do instrumental teórico e técnico-científico, passando pelo título de
especialista, até chegar à ética (ALVES, 2009b; ANACHE; REPPOLD, 2010; FONSECA,
2011; NORONHA, 2002; 2009; NORONHA; BERALDO; OLIVEIRA, 2003; NUNES;
PRIMI, 2010; PRIMI; NUNES, 2010; PRIMI, 2011; REPPOLD, 2011; RIBEIRO; LUZIO,
2008; STARLING, 2002; TEIXEIRA, 2008b; TREVIZAN, 2011).
40
Ver GUATTARI, F.; ROLNIK, S., Micropolítica: cartografias do desejo. Rio de Janeiro, Vozes, 1988, p.15-
40.
109
Bastará navegar na Internet [...] para constatar que qualquer ―centro de psicologia‖, ―centro
educativo‖ ―gabinete de psicologia‖ ou ―instituto de psicologia‖ faz ofertas de formação
denominadas mais ou menos aleatoriamente por ―curso de formação‖, ―curso de
especialização‖ ou, até, ―pós-graduação‖ sem que possamos saber quais são as qualificações
efectivas dos promotores, se porventura os formadores serão mesmo psicólogos e qual a
credibilidade científica e pedagógica dos conteúdos, entre outros aspectos. No limite, até
podem não ser o que dizem ser.
41
Resolução do CFP nº 003/2007 institui a Consolidação das Resoluções do Conselho Federal de Psicologia. No
Capítulo II, da Publicidade Profissional, determina o Artigo 53 - Toda publicidade veiculada por psicólogo
conterá obrigatoriamente o nome completo do profissional, a palavra psicólogo, a sigla do Conselho Regional de
Psicologia onde tenha sua inscrição e o número desta inscrição.
110
Curso Online de Revelação do Abuso Sexual pela Criança: Dicas Práticas para
Profissionais com certificado (10h/30 reais);
Curso Online de Elaboração de Relatórios em Situação de Vitimização Sexual de Crianças
e Adolescentes com certificado (4h/25 reais);
Curso Online de Conduzindo Entrevistas de Revelação Com Crianças Vítimas de Abuso
Sexual com certificado (7h/30 reais);
Curso Online de Identificando a Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes com
certificado (8h/40 reais);
Curso Online de ―CAUSAS DO ABUSO SEXUAL‖ com certificado (14h/35 reais);
Curso Online de Síndrome De Alienação Parental - Falsas Memórias De Abuso Sexual
com certificado (7h/25 reais) dentre outros (http://www.buzzero.com).
Portanto, está à venda uma enormidade de cursos que não primam pela qualidade,
posta de lado em nome do retorno financeiro; e se há lucro é porque há psicólogos
consumindo, priorizando, por sua vez, a praticidade, a rapidez a baixos custos, bem ao estilo
dos valores nutridos na pós-modernidade: a fugacidade dos modismos, o imediatismo, o
descartável e os ganhos de curto prazo.
Fica notória, deste modo, além da supremacia do consumo e da mobilidade do capital
nas sociedades pós-modernas, a circulação dos saberes na condição de ―descartáveis‖
(SOUZA, 2001, p.284), indicando para a velocidade com que o profissional tem sua mão de
obra qualificada e desqualificada, necessitando de constante requalificação (DUFOUR, 2005).
Associada essa circunstância à difusão de práticas emergentes – na proporção do
aumento da demanda por especialistas –, que os psicólogos passaram a atuar em várias frentes
Decorre dessa situação a defesa por uma Algumas Resoluções que regulam a
atuação profissional
formação com enfoque mais técnico e especializado,
Resolução nº 012 / 2011
gerando uma pressão por parte da categoria pelo Regulamenta a atuação da(o) psicóloga(a)
reconhecimento do Conselho Federal de Psicologia de no âmbito do sistema prisional.
Resolução CFP nº 008 / 2010
certas áreas de conhecimento específico para a Dispõe sobre a atuação do psicólogo como
perito e assistente técnico no Poder
atuação do profissional. Judiciário
Resolução nº 010 / 2010
Ao considerar esse panorama, o CFP tem Institui a regulamentação da Escuta
Psicológica de Crianças e Adolescentes
ponderado em duas direções: por um lado, aponta para envolvidos em situação de violência, na
a Psicologia plural, rica em conceitos, visões de Rede de Proteção
Resolução CFP 001 / 2009
mundo e de homem; por outro, assinala para uma Dispõe sobre a obrigatoriedade do registro
documental decorrente da prestação de
grave atomização da Psicologia em saberes, formando serviços psicológicos
Resolução CFP nº 018 / 2008
claustros teóricos arduamente defendidos por muito de Dispõe acerca do trabalho do psicólogo na
avaliação psicológica para concessão de
seus integrantes (CFP, 1986). registro e/ou porte de arma de fogo.
Não obstante supusesse a possibilidade de a RESOLUÇÃO CFP Nº 012 / 2005
Regulamenta o atendimento
Psicologia transformar-se em profissão fragmentada, psicoterapêutico e outros serviços
psicológicos mediados por computador
dogmática, com zonas teóricas impermeáveis a Resolução CFP nº 7 / 2003
Institui o Manual de Elaboração de
quaisquer outros referenciais – com risco de promover Documentos Escritos produzidos pelo
psicólogo, decorrentes de avaliação
uma rarefação crítico-teórica dos profissionais que psicológica
permanecerem encastelados em suas especialidades –, Resolução CFP nº 18 / 2002
Estabelece normas de atuação para os
o CFP aprovou, no ano 2000, a Resolução CFP psicólogos em relação a preconceito e
discriminação racial
nº014/0042 que instituiu ―o título profissional de Resolução CFP nº 16 / 2002
Dispõe acerca do trabalho do psicólogo na
Especialista em Psicologia e dispõe sobre normas e avaliação psicológica de candidatos à
Carteira Nacional de Habilitação e
procedimentos para seu registro‖. condutores de veículos automotores
Com a Resolução, ficou aprovada a concessão Resolução CFP nº 5 / 2002
Dispõe sobre a prática da acupuntura pelo
de título de especialista pelo Sistema Conselhos de psicólogo
Resolução CFP nº 13 / 2000
Psicologia para as especialidades: Psicologia Escolar e Aprova e Regulamenta o uso da Hipnose
como Recurso Auxiliar de Trabalho do
Educacional; Psicologia Organizacional e do Psicólogo;
Resolução CFP nº 1 / 1999
Trabalho; Psicologia do Trânsito; Psicologia Jurídica; Estabelece normas de atuação para os
do Esporte; Hospitalar; Clínica; Psicopedagogia; e psicólogos em relação à questão da
orientação sexual
Psicomotricidade. A Resolução deixava em aberto a Resolução CFP nº 02 / 1995
Dispõe sobre prestação de serviços
possibilidade de regulamentar novas especialidades psicológicos por telefone.
42
Atualmente, regulando a concessão de títulos para especialista, vigora a Resolução CFP nº 013/2007.
112
A procura por competência técnica não é privilegio das áreas de psicologia [...], mas uma
produção histórica trazida pelo pensamento liberal que tem, como um de seus frutos diletos, a
abordagem positivista com seus corolários cientificistas: objetividade, neutralidade,
previsibilidade (COIMBRA; AYRES; NASCIMENTO, 2009, p.21).
Como um saber-poder da ciência, as práticas psicológicas por vezes são positivistas, a-éticas e
(re)ativadoras de matérias-prima do Capital, conduzem a vida do outro e adequam
singularidades ao estabelecido, ao status quo. Assim como a Vida tem sido reduzida à sua
dimensão biológica, algumas práticas em Psicologia ficam reduzidas às suas dimensões
técnicas. Há aí um matiz variado de colorações: desde uma psicologia de conexão atualizada
historicizada, problematizadora e contextualizada com a complexidade contemporânea até a
alienação focada, intimista, descontextualizada, a-histórica, especializada e ―resolvedora de
problemas‖ (ANDRADE, 2009, p.26-27).
[...] a emergência e a expansão do especialismo, constituem-se, hoje, pela via de seu saber-
poder, um forte e importante veículo de aprisionamento do homem aos valores instituídos.
[...] Os especialistas [...], e suas formas disciplinadoras encontram-se, hoje, diluídas em quase
todos os espaços do cotidiano do homem, ―regulando‖ seus corpos, seus desejos, seus
sentimentos, suas escolhas e suas trajetórias (AYRES, 2008a, p.107).
Os discursos que circulam e fazem circular as verdades que eles mesmos constroem são
discursos carregados de um saber e, por isso mesmo, de um poder específico. Esse poder-
saber ou essa vontade de saber-poder, visto que os discursos mudam incessantemente,
mantendo os dispositivos de verdade, estão disseminados pelos vários segmentos sociais.
Estes não são células separadas e distintas umas das outras, mas são inter-atuantes, inter-
influenciadas e inter-dependentes. A vontade de saber liga-se, hoje, à psicologia, visto que é,
através do discurso psicológico, que o sujeito pode saber-se. Ou melhor, é através da escuta
psicológica que o sujeito é dito ou se diz (SATHLER, 2008, p.23-24).
43
Movimento de demanda por serviços psicológicos que leva alguns psicólogos à procura por cursos que os
qualifiquem que, por sua vez, gera uma oferta de cursos para atender o interesse do profissional. Esse
movimento circular se mantém enquanto houver demanda e esta gerar retorno financeiro.
117
44
Em 2011, fui convidada a ministrar um curso de escrita psicológica em parceria com uma instituição
formadora no Rio de Janeiro a partir das discussões que integraram o Ano Temático da Avaliação Psicológica no
CRP-05. Divisando a demanda por cursos que abordassem a escrita, em razão do crescente aumento no número
de denúncias contra psicólogos pela elaboração de documentos, esta instituição promoveu uma palestra gratuita
(como divulgação para o curso ―Escrita Psicológica: aspectos técnicos e éticos‖), a qual ministrei para uma
plateia com mais de 30 pessoas (limite máximo da sala) bastante interessada na discussão da escrita para o
campo jurídico e escolar por psicólogos que atuam em consultórios particulares. Conforme aponta a literatura, o
curso foi administrado para uma turma em que 75% dos alunos eram de psicólogos recém-formados, ávidos por
uma formação que complementasse o conteúdo administrado durante a graduação. Todos apontaram para uma
―falta‖ nos cursos, principalmente das discussões éticas que envolvem desde a demanda e finalidade da avaliação
até a conclusão e encaminhamento do trabalho que afetará a vida das pessoas envolvidas; discussões estas em
destaque no curso.
118
Nesse rumo, posso enumerar, a título de exemplo, alguns dos inúmeros eventos que
ocorrem a cada ano – Congresso de Psicologia; Congresso Brasileiro de Avaliação
Psicológica; Congreso Nacional de Psicología Jurídica y Forense; Congresso Nacional de
Psicologia Jurídica; Congresso Brasileiro e Simpósio Sul-Brasileiro de Psicologia Jurídica -,
119
[...] um acompanhamento efetivo dos diversos problemas que envolvem as crianças carentes e
os adolescentes infratores, já que os psicólogos [...] comporão a equipe interdisciplinar, tão
importante no assessoramento dos Juízes da Infância e da Juventude, que buscam em seus
laudos os subsídios de ordem técnica para embasar os julgamentos que proferem diariamente.
O título ―psicologia‖ engrossa, sem cessar, o caudal de autores que aparentemente encontram
todo o sentido que precisam no próprio fazer, justificando seus atos em um mesmo nível em
que são situadas as proposições e os modos de proceder, instalando-se no como as coisas
funcionam, dispensando qualquer questionamento externo ou aprofundado.
45
Desde 2004, integro a equipe de docentes da Escola Preparatória, instituição que oferece cursos preparatórios
para concursos públicos, sendo responsável pela disciplina de psicodiagnóstico.
46
O ano de 2012 foi inaugurado com o anúncio da abertura de concurso público para o TJRJ, oferecendo 30
vagas para psicólogos.
120
47
Na tese de Shine (2009), não pude entender se o autor faz uma crítica ou se defende a concepção de utilidade
descrita.
48
Uma concepção que remete ao Mito de Procusto, mencionado anteriormente, quando, em nome de uma teoria
preferida, os fenômenos são ―esticados‖ ou ―cortados‖ para ―caber‖ na teoria e não lhe causar descrédito.
121
[...], a Psicologia brasileira, como ciência e profissão [...], busca, sistematicamente, incorporar
à sua prática novos compromissos que atendam aos princípios éticos idealizados para a
profissão e ao respeito aos Direitos Humanos. (p.21) [...] Neste sentido, é primordial que o
ensino da avaliação psicológica, exercício restrito aos psicólogos, priorize, além de
competências técnicas, a vivência de situações práticas que envolvam dilemas relacionados à
ética, ao respeito à dignidade e aos Direitos Humanos, à preocupação com o bem-estar do
outro e à responsabilidade social (Noronha; Reppold, 2010). [...] Com isso, o SATEPSI eleva
a qualidade dos instrumentos de avaliação psicológica utilizados pelos profissionais da área e
prima pela atenção aos Direitos Humanos, uma vez que baseia os critérios de avaliação da
qualidade dos testes em estudos que comprovem seus fundamentos científicos (isto é, que
sejam baseados em evidências empíricas e normas atualizadas). A manutenção deste sistema
é, sem dúvida, um incremento à qualificação da área, pois a administração de instrumentos
antes não regulamentados pelo SATEPSI poderia ferir os direitos das pessoas avaliadas, caso
estes fossem utilizados para uma finalidade não própria (p.24-25). [...] À luz dessa discussão,
pode-se concluir que a prática de avaliação psicológica, quando realizada de forma
responsável e coerente com o contexto social do indivíduo e quando substanciada com
instrumentos validados e normatizados para a população da qual o indivíduo faz parte, busca
garantir atenção aos Direitos Humanos (REPPOLD, 2011, p.27).
122
A urgência invadiu nossas vidas e nos são exigidas ações imediatas e instantâneas. Esse
“reinado do tempo curto” tem seus efeitos. Produz-se um novo tipo de sujeito, flexível,
apressado, colado às exigências do instante, no qual o culto à velocidade liga-se à
performance, à rentabilidade, à competência (COIMBRA; NASCIMENTO, 2007, p.32).
É tratar a formação enquanto deformação, tendo em vista que muitos alunos chegam
às universidades e aos cursos de pós-graduação já formados, ou seja, fechados em seus
valores, crenças, em seus objetivos e certezas. O desafio de deformar é o de criar brechas na
fôrma do pensamento e de perfurar blindagens, criando novas e constantes alternativas
(ALBUQUERQUE JR., 2010; HENZ, 2009).
Por isso venho aqui propor que precisamos de um professor que deforme e não que forme, um
professor que ponha em questão, primeiro em sua própria vida, em sua práticas e discursos os
códigos sociais em que foi formado. Professor que pense o ensinar como uma atividade de
auto-transformação, como uma atividade diária de mutação do que considera ser sua
subjetividade, sua identidade, seu Eu. O ensinar como a abertura para se deixar afetar pelas
forças e matérias sociais que o convocam a se elaborar permanentemente, a escreverem a si
mesmo, a cuidarem de si mesmo, numa atividade ética que pressupõe abrir-se para o outro,
para o diferente, para o estranho, para o estrangeiro, para o não-sabido, o não-pensado, o não-
valorado. Ensinar não como uma atividade centrada na transmissão de verdades, do que é a
certeza, o aceito, o já pensado, o consensual, o que se dá como inquestionável. Ensinar como
o ato de se abrir para questionar as certezas, as verdades, o aceito, o consenso, o que não se
questiona. Ensinar pensado não como uma atividade que supõe uma hierarquia, uma
desigualdade de saber entre professor e aluno, mas como uma atividade relacional, em que
alunos e professor têm o que aprender um com o outro. [...] O ensino que deforma é aquele
que investe na desmontagem dos sujeitos, dos modelos de subjetividades. [...] É aquele que
questiona, descontinua os valores que formam a sociedade circundante. [...] O ensino que
desvaloriza os valores, que tenta pensá-los como produtos de dados interesses, que estes têm
uma história. Um ensino que desarruma o arrumado, que gera a indisciplina no pensar e no
agir (ALBUQUERQUE JR., 2010, s/p).
Nesta mesma linha, outros autores também afirmam ser necessário intervir na
formação para que o psicólogo possa criar estratégias, linhas de fuga, enfim, possa utilizar o
enquadramento teórico e técnico como ferramenta a ser empregada para gerar rupturas nos
modos instituídos de pensar, de agir, de sentir, enfim, de viver (ALVARENGA FILHO, 2010;
BICALHO, 2005; RODRIGUES, 2000).
Esta postura crítica, reflexiva, criativa, e principalmente, ético-política a ser exercida
já durante a formação, é requerida ao profissional no acolhimento às demandas a ele
endereçadas, conforme explicitada na Resolução CFP Nº 007/2003 que institui o Manual de
Elaboração de Documentos Escritos. Neste documento, o CFP orienta que o profissional
promova uma avaliação da demanda:
Sempre que o trabalho exigir, sugere-se uma intervenção sobre a própria demanda e a
construção de um projeto de trabalho que aponte para a reformulação dos condicionantes que
provoquem o sofrimento psíquico, a violação dos Direitos Humanos e a manutenção de
estruturas de poder que sustentam condições de dominação e segregação [...]. Desta forma, a
demanda, tal como é formulada, deve ser compreendida como efeito de uma situação de
grande complexidade (RESOLUÇÃO CFP nº 007/2003).
125
Deste modo, colocar a prática em análise é, portanto, um dever ético que requer muita
coragem e resistência (!); já que todo psicólogo está implicado, de alguma maneira, em sua
práxis.
No entanto, consegue o psicólogo vislumbrar o papel ético-político que exerce na
atuação profissional? Centrando-se na discussão técnico-científica, não estaria o psicólogo
isentando-se de pensar a demanda e os efeitos de suas práticas/discursos e, com isso,
neutralizando a dimensão ético-política de suas ações? Estas são algumas das questões que
Coimbra, Ayres e Nascimento (2009) levantaram e que recupero, de modo adaptado, na
intenção de refletir como certos psicólogos, a partir da valorização do saber especializado,
têm se comportado diante do convite para romper com a racionalidade que biologiza, que
interioriza e individualiza as questões humanas, a subjetividade, enfim, para romper com as
velhas ideias (que vigoravam nos séculos XIX e XX) e que persistem nos dias de hoje nas
respostas às demandas que lhes chegam.
Na percepção de Souto, Bartalini e Magalhães (2009), quando é oferecida aos
psicólogos uma visão crítica que os convida a escapar de um enquadramento que desconsidera
a criatividade, muitos tendem a evadir dos cursos de graduação, o mesmo ocorrendo com
cursos de formação continuada. Uma das razões para essa evasão está na opção feita por estes
alunos/profissionais por uma formação técnica e especializada que os transformem em
especialistas capazes de aplicar determinados modelos técnico-científicos que correspondam
às demandas circulantes no mercado de trabalho conforme elas são estabelecidas.
Muitos, inclusive, acreditam no poder das técnicas, das teorias, enfim, acreditam que
estas ferramentas que dão aporte às práticas psicológicas são capazes de explicar e emitir
respostas, soluções para os problemas (que originaram as demandas) de modo eficiente e
preciso. Assim, quando o profissional, a partir do emprego dessas ferramentas, produz o efeito
desejado, ou seja, oferece uma solução satisfatória ao problema lhe apresentado, o processo se
retroalimenta, e novas demandas passarão a ser atendidas com o uso desses mesmos
instrumentos. São, portanto, práticas que ―se legitimam enquanto se repetem‖ (GUIRADO,
1986, p.39) e, enquanto se repetem, criam hábitos, convenções ou modelos dogmáticos que
cristalizam o pensamento e tornam mecânicas as ações, sem que haja lugar para a
inventividade, ou mesmo, para adaptação às circunstâncias novas e singulares.
Como explicam Perez, Meza, Rossotti e Bicalho (2010), toda vez que o psicólogo
aceita uma demanda, está também a produzindo. As repetições indicam o declínio do
pensamento pela fixação em modelos instituídos, e toda atividade pensante que for requerida
126
Com o rosto tenso e brilho no olhar, a estagiária me diz que a supervisão de psicoterapia lhe
parecia uma aula de escultura. No final do estágio, sentiu o corpo modelado em gesso, imóvel,
tendo os mesmos gestos, cor e estatura de seu supervisor. O sangue transformou-se em pedra.
Os pedaços foram lapidados em cada encontro, quando aprendia, quando aprendia a
interpretar, compreender e respeitar o paciente. Vivia uma intensa aula de humanismo
plástico. As intervenções que lhe pareciam sair do território clínico eram jogadas fora como
excesso de massa. Na sala de supervisão, só a Psicologia podia entrar. Outros convidados
eram barrados naquele recinto acadêmico. Suas dúvidas eram transformadas em
desagradáveis poeiras de ateliê (BAPTISTA, 2000, p.23).
Fazendo uma leitura desse movimento, muitos psicólogos podem entender o aumento
da demanda dirigida à categoria, e a eles próprios, como um sinal de prosperidade profissional
e financeira, ou seja, de um reconhecimento e valorização da profissão. No entanto, quais
critérios podem ser empregados para determinar a excelência do exercício profissional? Será
o mercado, representado pelos juízes, advogados, diretores de escolas, professores, médicos,
pais, etc., satisfeitos com os serviços prestados? Será a aplicação de técnicas conforme
prescrevem os manuais? Será pensar e falar em uníssono ou monocordicamente com autores
de livros ou professores?
Que ninguém se iluda, a prática psicológica, bem como o próprio psicólogo, no
capitalismo neoliberal, ficaram reduzidos à condição de mercadoria e o Mercado é seu grande
regulador, o “novo mecenas” (CHAUÍ, 2001, p.167). Em decorrência da transformação do
saber em mercadoria, o mercado passou a financiar serviços em vista dos resultados que
deseja obter para manutenção do sistema. A prática psicológica, nesse viés, torna-se
especializada para atender aos mais diversos e particulares serviços encomendados aos
psicólogos, cujos objetivos, prazos e finalidades são definidos pelo próprio mecenas e não
mais pelos profissionais.
127
Esse acontecimento tem um efeito de reforçar, ainda mais, no profissional, uma visão
dogmática e tecnicista, arraigada aos critérios neutro-positivistas que sustentam a postura e
exercício dos especialistas. Ademais, parece retirar de cena a consciência ética e política, que
implica em uma atuação com responsabilidade social voltada à valorização da subjetividade,
criatividade e singularidade, para, em seu lugar, apreciar os aspectos de ordem econômico-
financeira.
Nesse sentido, promover uma análise das práticas e da demanda mercadológica, no
sentido de contrapor a expectativa que se guarda da prática do profissional em corresponder
ao interesse do solicitante e o que efetivamente o psicólogo pode fazer, é entrar em
contradição com o capitalismo contemporâneo, de modo que não está na ordem do dia
questioná-las (COIMBRA, 2004a; SARAIVA, 2006).
Contudo,
Se há forças antagônicas, eu tenho que estar consciente daquilo que [...] [se] espera do meu
trabalho, exatamente para que eu possa intervir nisso, para que eu possa atuar numa
perspectiva de intervenção. Ou seja, aceitando essa demanda ou não aceitando essa demanda;
aceitando essa demanda ou questionando essa demanda. Ou transformando essa demanda.
Então, de tudo o que estou falando, eu só posso entender que a minha prática necessariamente
está norteada por uma reflexão muito mais do que puramente técnica ou clínica; para além,
tem um componente político muito forte. Ético e ético-político, no sentido da compreensão e
de poder refletir a respeito desse jogo de forças e daquilo que está sendo esperado de mim
como profissional (SARAIVA, 2006, s/p).
e social. Conforme orienta Arantes (2005), os psicólogos devem refletir ―sobre o papel
estratégico que desempenham nestes processos de objetivação/subjetivação, a
problematizarem as demandas que lhes são feitas e a colocarem em análise a sua condição de
especialista‖ (ARANTES, 2005, p.28).
Este cenário, que remete à formação eminentemente técnica do psicólogo brasileiro,
voltada à satisfação dos mecenas, não pode ser classificada como formação, mas como
―pseudoformação‖ (PATTO, 2010, p. 84). Voltada ao favorecimento de privilégios outros que
não o compromisso social, esta formação vem, já de algum tempo, e por este motivo,
suscitando questionamentos e inquietações tanto pela sociedade quanto pelos próprios
psicólogos.
Será que realmente a sociedade precisa e/ou quer psicólogos técnicos e especializados,
simultaneamente qualificados e limitados? Será que o psicólogo precisa se tornar um
―profissional a serviço da demanda‖ (SOUSA, 2010, p.193)?
Nestes termos, a Psicologia precisa reconhecer a necessidade de revisar seu lugar
enquanto uma ciência que tem por objeto de ocupação o Homem, para não ser conduzida por
uma lógica de mercado extremamente frágil e volátil. Lógica esta que exige soluções
imediatistas e definitivas e que, por este motivo, (re)cria ou reforça uma Psicologia da
exclusividade da técnica, do diagnóstico, do objetivo, do quantitativo, na busca por
identificar, classificar para extrair a verdade. Enfim, uma velha Psicologia que vem se
mantendo atual por força de interesses pela avaliação psicológica utilitarista, especialmente
no campo jurídico, seja na verificação da periculosidade, da sanidade, seja em assuntos
ligados ao direito de família e à proteção infanto-juvenil, por exemplo (BARROS-BRISSET,
2011).
Por sua vez, a superação de modelos arcaicos para implementar outros considerados
novos e revolucionários pode levar à armadilha que captura aqueles fascinados com os
modismos e práticas movidas por equipamentos indefensáveis, descompromissadas com as
questões ético-políticas e sociais, como os atuais recursos tecnológicos de extração ou
revelação da verdade, por meio da palavra da criança, nos casos de denúncia de abuso sexual.
Com vistas a atender às demandas do âmbito judicial, práticas psicológicas
contemporâneas criaram modelos de atendimento a crianças consideradas vítimas de abuso
sexual que pouco destoam do controle exercido pelas biopolíticas do século XIX.
129
Entendemos que a fala inicial de ajudar as pessoas advém, em geral, como desdobramento de
uma concepção de Psicologia reduzida à esfera da clínica e a uma máxima de que o psicólogo
serve para resolver problemas. Entre um discurso humanista bem-intencionado e pouco
argumentativo de que se deve fazer o bem ao próximo – herança de uma tradição cristã –, e o
entendimento do psicólogo como sujeito autorizado a cuidar das mentes humanas – herança
positivista –, constrói-se o discurso da ajuda (MALITO; AGUIAR, 2010, p.42).
Dessa forma, para que o paciente, a família, a criança, etc., possam receber algum tipo
de cuidado, atenção especial, conselhos ou privilégios, precisam confessar para os psicólogos
suas emoções, seus pensamentos, seus delitos e traumas, sujeitando-se.
Essa obrigação à confissão, por estar tão profundamente incorporada à lógica que fundamenta
a entrevista de revelação, não permite que a percebamos como efeito de um poder repressor.
A entrevista de revelação, portanto, nada mais seria que um dos procedimentos pelo qual essa
vontade de saber relativa à ocorrência de abuso sexual faz funcionar o ritual de confissão, sob
a égide de uma pretensa regularidade científica (AMENDOLA, 2009a, p.90).
Porém, não interessa ao psicólogo qualquer revelação, mas aquela que possa produzir
uma verdade sobre o sexo, que passa a ser objetivado juntamente com a própria criança, por
meio de um discurso racional, técnico-científico, que a coloca como protagonista da revelação
do abuso sexual que teria sofrido, ou seja, em que foi testemunha.
Foucault (2001a) explica que, na Idade Média, houve uma explosão do discurso sobre
o sexo, quando tudo a este respeito deveria ser dito, confessado nos mais íntimos detalhes. Já
na Idade Moderna, operava-se ―uma espécie de ortopedia discursiva‖ (FOUCAULT, 2001a,
p.31). O falar de sexo não era apenas por meio de um discurso moral, mas também racional-
49
Para saber mais sobre Depoimento sem Dano indico a leitura do Projeto de Lei (PL nº 4.126/2004 e PLC
35/2007), bem como da publicação ―Falando sério sobre a escuta de crianças e adolescentes envolvidos em
situação de violência e a rede de proteção‖ pelo CFP (2009), além do livro recém-lançado pela EdUERJ,
organizado por Leila Maria T. Brito (2012), intitulado Escuta de crianças e de adolescentes: reflexões, sentidos
e práticas.
130
[...] que por muito tempo se ocupou da sexualidade, sobretudo sob a forma de crimes
―crapulosos‖ e antinaturais, mas que na metade do século XIX se abriu à jurisdição miúda dos
pequenos atentados, dos ultrajes de pouca monta, das perversões sem importância, enfim,
todos esses controles sociais que se desenvolveram no final do século passado e filtram a
sexualidade dos casais, dos pais e dos filhos, dos adolescentes perigosos e em perigo –
tratando de proteger, separar e prevenir, assinalando perigos em toda parte, despertando as
atenções, solicitando diagnósticos, acumulando relatórios, organizando terapêuticas; em torno
do sexo eles irradiaram os discursos, intensificando a consciência de um perigo incessante que
constitui, por sua vez, a incitação a se falar dele (FOUCAULT, 2001a, p.32-33).
Nesta mesma linha de argumentação, Senne (2005, p.174) afirma que as técnicas de
confissão passaram a ser reconhecidas como atividades científicas, ―dando impressão de que
são verdadeiras quando são apenas eficazes‖. Em sua função de medir, controlar e tornar os
indivíduos dóceis e úteis, a Psicologia preparou-os para ―exercícios da obediência, da
confissão‖ (ibidem, p.173). Tal confissão anuncia as relações de poder, onde há um que
confessa, enquanto há outro que, ao ouvir, julga, condena e redime. Acima de tudo, o ritual da
confissão quer a verdade. O psicólogo quer, pela palavra da criança, a verdade sobre o sexo,
pois desta não se requer a contextualização, tampouco a fundamentação dos fatos, apenas uma
metodologia de extração que atribuirá a ela valor científico e alienará o psicológico da
responsabilidade ética pela produção discursiva.
Neste caso, o alerta de Freire revela-se bastante pertinente. Para o autor, a capacitação
em torno de saberes instrumentais não pode prescindir de uma formação ética: ―a radicalidade
desta exigência é tal que não deveríamos necessitar sequer de insistir na formação ética do ser
131
ao falar de sua preparação técnica e científica‖ (FREIRE, 2007, p.56). Esta – a formação ética
–, antecede qualquer formação profissional.
Desta forma, entendo ser dever ético interrogar, antes de tudo, que demandas são
endereçadas aos profissionais de Psicologia e, decorrente destas, que práticas estão sendo
produzidas em respostas a tais demandas, já que ―os grandes temas precisam ser vistos e
tratados de maneira nova‖ (BAUMAN, 2003, p.8), porém, não menos crítica e implicada com
as questões éticas e sociais.
1.5.1 Noções
De acordo com Cronbach (1996), é preciso que o profissional parta de uma definição
de avaliação psicológica para nortear seu trabalho na produção de um diagnóstico com vista a
uma intervenção. Esse cuidado, segundo o autor, evitaria, de pronto, que o psicólogo se
pautasse em concepções equivocadas, comprometendo seu trabalho. Nesta fala, porém, o
autor já produziu um sentido para avaliação psicológica: um trabalho que visa à produção de
um diagnóstico para fins de intervenção. Talvez o autor quisesse chamar a atenção do
profissional para uma definição que desse um norte ao seu trabalho, um como fazer, portanto
uma definição direcionada aos aspectos técnicos da avaliação, não interrogando, de fato, o
que é avaliar e para que avaliar, definindo os pressupostos político-filosóficos (CARRARA;
RAPHAEL, 2002).
132
Afinal, o que vem a ser avaliação? O que é fazer uma avaliação psicológica? Machado
(2011), após pesquisar a definição da palavra ―avaliar‖ no dicionário Houaiss, trouxe algumas
sugestões, dentre elas, pensar a expressão avaliar enquanto ―estabelecer a valia‖ ou o valor de
algo, ―apreciar o mérito‖ ou, ainda, ―ter ideia de‖ (MACHADO, 2011, p.71). Mediante esses
conceitos, a autora indagou sobre o que ou a quem o psicólogo atribui valores, ou aprecia o
mérito, senão sobre os aspectos ou fenômenos psicológicos de uma pessoa. O que levaria a
outra indagação: o que seriam esses fenômenos?
Quanto a este ponto, Hoff (1999, p.21) explica que não há uma conceituação direta
para o que seja fenômeno psicológico, mas sugestões implícitas, por exemplo, nas Diretrizes
Curriculares nacionais para os cursos de graduação em Psicologia. Questiona, porém se é
possível considerar a natureza e a especificidade do fenômeno psicológico, subentendendo-o a
uma concepção única? A autora também indaga se o fenômeno psicológico existe per si ou se
interage com fenômenos biológicos, sociais e culturais. Para a autora, não há uma só resposta
possível a estas questões, dada a diversidade teórico-conceitual que caracteriza a Psicologia.
Esse fator causa um problema para que o psicólogo possa compreender as também diversas
definições propostas para avaliação psicológica.
Parafraseando Bicalho (2011), a avaliação psicológica será o que for feita dela por
aqueles que dela se apoderam, ou seja, pela ―força e presença de uma certa perspectiva
epistemológica‖ (BICALHO, 2005; 2011, p.89). Logo, não faz sentido falar em avaliação
psicológica sem antes colocar em evidência os pressupostos epistemológicos adotados pelo
avaliador, portanto, a visão de ciência, as teorias e as concepções de Homem as quais o
profissional defende. Se a avaliação psicológica estiver condizente com esses pressupostos,
facilmente o aluno de Psicologia, como o próprio profissional, poderá perceber que não há um
conceito específico, tampouco um consenso entre os psicólogos sobre o que seja e como deve
operar uma avaliação psicológica.
Historicamente, conforme discutido, o território da avaliação psicológica, instituído
por um sistema de postulados estrangeiros de marcada tradição filosófica positivista,
concentrou-se na testagem dos indivíduos, a partir do emprego de instrumentos de medida do
comportamento, cujos resultados eram postos a serviço da sociedade capitalista na
normatização dos indivíduos. A Psicologia, aliada a esse processo disciplinar e apoiada na
ilusão criada de que teria poderes para ―decifrar o mundo psíquico‖ (BARROS, 2009, p.172),
utilizou-se da mensuração de fenômenos de cunho psicológico para fins de diagnóstico e
prescrição de tratamento clínico especializado aos considerados portadores de desvio. A
133
avaliação psicológica, nestes termos, era tratada como equivalente à testagem, cujo resultado
dos testes era a própria avaliação, de tal modo que até hoje esta é socialmente conhecida pelos
instrumentos de mensuração e investigação de traços psíquicos.
Alguns autores, todavia, vêm buscando desfazer, nos últimos vinte anos, essa
associação entre medir e avaliar. Argumentam que essa ligação adviria do uso indiscriminado
que os psicólogos fizeram dos testes desde os idos dos anos de 1960/1970 em razão do
desconhecimento destes profissionais sobre o modo de realizar uma avaliação psicológica
(ANACHE, 2011; MACHADO, 1996; MALUF, 1994; NORONHA, 2002; NORONHA et.
ali, 2002, PASQUALI, 2001; PRIMI, 2010; PRIMI, NASCIMENTO; SOUZA, 2004;
REPPOLD, 2011; SILVA, 2004; URBINA, 2007; WERLANG; VILLEMOR-AMARAL;
NASCIMENTO, 2010).
Mais precisamente, na opinião de Silva (2004, p.25), avaliar não é o mesmo que testar,
embora esta atividade apresente uma ligação com a aplicação de instrumentos de medida. A
razão, na opinião do autor, para essa confusão seria a formação acadêmica dos profissionais
que irão utilizar as técnicas de avaliação. Por esse motivo, profissionais estariam aplicando e
corrigindo testes psicológicos sem saber por que aplicam determinados instrumentos, para que
servem e o que fazer com os resultados dos testes. ―Sabem usar testes ou instrumentos para
medir, mas não sabem avaliar‖, favorecendo o surgimento das críticas em relação à avaliação
psicológica (SILVA, 2004, p.25-26).
Medir, conforme explicam Pasquali (2001) e Silva (2004), significa descrever um
processo, atribuindo magnitudes, números ou valores, por intermédio de sistema numérico
(estatística) que estabelece uma comparação entre a propriedade de um objeto a ser medida e
uma regra preestabelecida, que poderá ser verificada empiricamente. Medir, portanto, é uma
atividade da avaliação psicológica por meio da qual o psicólogo obtém dados quantitativos
que podem ser usados na avaliação de fenômenos e processos psicológicos.
A testagem psicológica, na definição de alguns autores, constituiu uma etapa do
processo de avaliação psicológica, que insere o sujeito em uma situação artificializada ou
134
sistematizada na qual ele deve executar algumas tarefas, previamente definidas, de tal modo
que suas respostas poderão ser observadas, descritas e julgadas (valoradas), enfim,
classificadas, em regra, por meio de números. Assim, os testes psicológicos são os
instrumentos empregados pelos psicólogos para obterem uma medida objetiva e padronizada
de uma amostra do comportamento, portanto limitados ou de alcance reduzido (ANACHE;
REPPOLD, 2010; ANASTASI, 1977; CRONBACH, 1996; HOGAN, 2006; LIEBESNY,
PROENÇA; SOUZA; SENNE, 2005; LÖHR, 2011; MAIA; FONSECA, 2002; NORONHA
et. ali, 2001; NORONHA, 2002, 2009; PASQUALI, 2001; PRIMI, 2010; PRIMI,
NASCIMENTO; SOUZA, 2004; SILVA, 2004; URBINA, 2007).
50
Cabe destacar que alguns livros disponíveis e bastante utilizados no Brasil são traduções de obras estrangeiras.
Somente a partir da década de 1990, foi possível observar um aumento na publicação nacional dado o
investimento em pesquisa na área.
51
Seja este psicólogo, juiz, médico, professor, Ministério Público, Defensoria Pública, escola, etc..
136
[...] a Psicologia enquanto disciplina de aplicação da norma, com seus processos de escrita de
classificação e administração de corpos, vai criando também subjetividades; dentro de saberes
legitimados cientificamente que distribuem os indivíduos, uns em relação aos outros, dentro
de uma política de administração das subjetividades um sujeito que será tanto melhor quanto
mais adequado for às estatísticas da Psicologia. Essas estatísticas têm como ponto referencial
a curva normal e, a partir do dispositivo da disciplinaridade, o sujeito passa a compreender-se,
enunciar-se e existir sob essa perspectiva: o sujeito normal dentro das médias e desvios, que a
psicologia vai enunciar a normalidade, o desvio, e até a patologização de cada indivíduo
(SATHLER, 2008, p.23).
avaliação psicológica do tipo ou natureza operante ou - Que lugar estranho era aquele?
- Estranho?
instrumental, fundamentada em pressupostos técnico- - Sim. Todo mundo igual.
científicos, que visaria à objetividade, precisão e - E por que isso é estranho?
- Porque não é assim que é. As pessoas são
veracidade das informações obtidas por meio de uma diferentes.
- Primeiro, é preciso saber que há muitas
atuação objetiva, asséptica, apolítica. coisas além daquelas que a gente conhece e,
depois, que lamentavelmente as diferenças
Nessas circunstâncias, o psicólogo atuaria incomodam.
- Incomodam a quem?
como um técnico ou como um ortopedista da - A uma boa parte das pessoas.
subjetividade (FOUCAULT, 2005), ou ainda, como - Eu não me incomodo.
- Você se incomoda, sim. É que você não se
um guardião da ordem, para citar a publicação de lembra.
Chalita (p.24-25)
Coimbra (1995), munido de instrumentos de precisão,
a procura de explicações que se limitam no plano das diferenças individuais, ignorando a
dimensão política, histórica e social que as produzem. Assim, por regra, o psicólogo deveria
ser um executor neutro das técnicas sedimentadas na Estatística e em suas leis de
probabilidade. Para tanto, deveria estar devidamente capacitado para afastar qualquer indício
de subjetividade – eliminando os dilemas, alegrias, sofrimentos, expectativas, frustrações,
ideologias e experiências que poderiam invalidar a análise – e manter uma postura que não
viesse a interferir na extração dos dados numéricos e posterior análise e conversão destes em
fenômenos psicológicos.
Pois é próprio da avaliação gerar uma demissão do pensamento, a considerar que o avaliador
se encontra normalmente dispensado de interrogar a natureza mesma daquilo que ele avalia.
Cabe a ele somente encontrar o equivalente numérico que lhe possa dar a medida do que ele
se propõe avaliar, pouco lhe importando a razão de ser ou a finalidade do que está sendo
avaliado. O que está em questão, na transformação reificante dos homens em instrumento ou
coisa útil, é justamente deles fazer algo de comportamento previsível e funcionamento
calculável (TEIXEIRA, 2008a, p.41).
intervenção, tais como a psicoterapia (COIMBRA et. ali., 2009; GUIRADO, 2005; PATTO,
1997; SENNE, 2005).
Desta forma, a prática psicológica decorrente dessas concepções tem sua ênfase na doença, na
falta, nas dificuldades, nos desequilíbrios e nos desajustes. Portanto, será definida como uma
intervenção sempre ortopédica, dita terapêutica, na direção de uma possível e desejável
―cura‖, que é, em última análise, uma intervenção que busca contribuir para que o que há de
―verdadeiro‖ no homem se manifeste, para que as potencialidades humanas possam ter
expressão e para que conheçamos essa essência que nos constitui e que, todavia, nos é
desconhecida (COIMBRA et. ali., 2009, p.28).
É nesse sentido que Foucault nos ensina que o homem não possui uma interioridade, pois é
formado como resultante de forças que o atravessam. Forças que se configuram enquanto
práticas históricas que o objetivam, que o subjetivam e que provocam um exercício ético. São
produções que dizem respeito a um solo histórico, com arranjos políticos, com jogos de saber,
de poder e de técnicas de si. O homem é, portanto, efeito de uma constituição que se dá na
imanência histórica, sem essências, sem naturalizações, sem um caráter de a priori ou de
transcendência (PEREZ et.al., 2010, p.184).
Todo conhecimento, seja ele cientifico ou ideológico, só pode existir a partir de condições
políticas que são as condições para que se formem tanto o sujeito quanto os domínios do
saber. A investigação do saber não deve remeter a um sujeito de conhecimento que seria sua
origem, mas a relações de poder que lhe constituem. Não há saber neutro. Todo saber é
político. [...] todo saber tem sua gênese em relações de poder.
[...] todas as classificações humanas são construções sociais que afetam o próprio indivíduo
classificado de forma direta. As classificações tratam de descrever as características humanas
e, uma vez medidas, as qualidades são transformadas em quantidades. O mesmo acontece
com os princípios ligados à biologização que procuram uma explicação de ordem biológica
aos comportamentos ou aos problemas humanos (SATHLER, 2008, p.93).
52
A psicologização da vida social, do cotidiano é quando há uma infiltração de ideias do âmbito psicológico-
existencial na determinação e análise de eventos sociais e ―categorias políticas são transformadas em categorias
psicológicas‖, ou seja, descontextualizados das circunstancias históricas (RODRIGUES, 2000, p.69).
143
neutro, pelo contrário (RIOS, 1993). Na opinião de Japiassú (1996), estaria atravessado pelo
que denominou de ―ideologia profissional‖, capaz de normalizar as práticas e, sobretudo, ―de
impor uma ortodoxia, adaptadas aos dados [...] e aos interesses da corporação científica‖
(JAPIASSÚ, 1996, p.92).
Todo conhecimento produzido pelas práticas psicológicas ficaria impresso no formato
de documentos psicológicos – espaço privilegiado de comunicação do conhecimento
produzido pelo psicólogo decorrente da avaliação tanto quanto da atuação do profissional, que
levem à tomada de decisão.
Tratar-se-ia, portanto, de documento com dupla função: enquanto o psicólogo falaria
sobre o sujeito e pelo sujeito, também se revelaria enquanto profissional. O laudo, como ficou
popularmente conhecido, colocaria, portanto, o psicólogo no lugar daquele que, a partir das
descrições, interpretações, diagnósticos, conclusões e prescrições, tornaria público um saber
produzido sobre o sujeito avaliado.
Assim, a partir da emissão do laudo psicológico, concebido como ―uma população de
acontecimentos no espaço do discurso em geral‖ (FOUCAULT, 2004b, p.30), o trabalho do
psicólogo poderia ser também avaliado e sua pretensa neutralidade contestada, porquanto sua
atuação revelaria as preferências teóricas, técnicas, as ideologias e os dispositivos de saber-
poder que enunciariam o sujeito.
Para Carvalho, Ayres e Farias (2009, p.77), o laudo é como:
Um dizer de um profissional, a partir daquilo que ele, com sua história de vida, seus
referenciais teóricos e suas crenças, pôde entender da história, contata para ele, naquelas
poucas entrevistas, e não como um retrato que diz sobre a verdade do sujeito, esquadrinhado e
analisado, verdade apreendida nas entrevistas por um perito, neutro, cuja habilidade detém.
definindo os rumos da vida das pessoas envolvidas no processo de avaliação. Por este motivo,
muitos psicólogos, também se tornariam partícipes, ou seja, seriam responsáveis pelos
desdobramentos e repercussões gerados pelo uso que fosse dado aos laudos, pois os
documentos psicológicos seriam elaborados para atenderem a algum propósito. Assim, seria
possível julgar a moralidade dos psicólogos e as implicações ético-políticas de suas ações
(MACHADO, 1994; MAIA, 2002; RAUTER, 1989; SALAZAR, 1996).
Analisando a situação, Sass (1994, p.16) comentou, em artigo publicado no Jornal do
CRP/06 que os laudos psicológicos suscitam entendimentos paradoxais,
[...] tanto entre os próprios psicólogos quanto em outros segmentos sociais. A par da cega
aceitação do laudo psicológico, há uma rejeição igualmente cega à elaboração de documento
técnico sobre a intimidade do sujeito. Psicólogos recusam os instrumentos historicamente
construídos, sob variados pretextos, enquanto leigos reivindicam a utilização de tais
instrumentos para justificar a condição subjetiva da pessoa.
Andriola (1996), Noronha (2002) e Silva (2004) entendem ser esperado e até mesmo
imprescindível que a avaliação psicológica seja questionada, para que não se mantenha
enquanto uma prática rígida à semelhança do que ocorreu entre as décadas de 1970 e 1980,
quando o psicólogo confundia o resultado dos testes como sendo a própria avaliação. As
críticas serviriam, portanto, como uma fonte de revisão e contribuição para a prática à medida
que estimulariam reflexões e destas, melhoramentos.
1.5.2 Ações
No mesmo ano, foi criado o Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (IBAP), uma
instituição voltada para a pesquisa na área da avaliação psicológica, em especial, sobre a
instrumentação psicológica, com a criação e validação de técnicas de exame psicológico53.
Em 2000, o CFP, em resposta às circunstâncias desencadeadas pelo veto presidencial,
instituiu o Manual para Avaliação Psicológica de Candidatos à Carteira Nacional de
Habilitação e condutores de veículos automotores, por meio da Resolução CFP nº 12/2000,
que dispunha sobre:
I. Conceito de Avaliação Psicológica
II. Perfil do Candidato à CNH e dos Condutores de Veículos Automotores
III. Instrumentos de Avaliação Psicológica
IV. Condições do Aplicador
V. Condições da Aplicação dos Instrumentos de Avaliação Psicológica
VI. Material Utilizado
VII. Mensuração e Avaliação
VIII. Laudo Psicológico
O entendimento de rever os conceitos e de aprimorar os instrumentos e procedimentos
técnicos dos psicólogos, com o intuito de garantir serviços com qualidade técnica e ética à
população usuária desses serviços, também se fez presente nas discussões promovidas pelo
Sistema Conselhos de Psicologia.
53
Para saber mais, ver <http://www.ibapnet.org.br/>.
148
bem como, da análise histórica, social e crítica dos seus determinantes e de suas
consequências. [...] Tal reconstrução conduzirá a uma conscientização da importância: (1) da
reestruturação curricular sobre a relevância dessa prática; (2) da busca pelo aprimoramento
técnico e teórico de nossos profissionais; (3) da crítica a qualquer prática classificatória e
discriminatória que possa reforçar a exclusão social; (4) do respaldo social sobre o exercício
da Psicologia (TOURINHO e SILVA; MORETZSOHN; SÁTIRO; LARA, JÚNIA; COSTA;
LINS, 2000, s/p).
Destas discussões o CFP deu origem, naquele ano, ao I Fórum Nacional de Avaliação
Psicológica e, em 2001, às Resoluções CFP nº 25/2001 e CFP nº 30/2001. Enquanto a
primeira definia teste psicológico como método de avaliação privativo do psicólogo e
regulamentava sua elaboração, comercialização e uso, a segunda instituía o Manual de
Elaboração de Documentos, produzidos pelo psicólogo, decorrentes de avaliação
psicológica.
A este respeito, comentou Frizzo (2004, p.42).
A publicação, pelo CFP, das resoluções que tentam dar conta de normatizar os diversos
contextos em que se têm realizado avaliação psicológica são um exemplo das necessidades e
da organização dos psicólogos, apontados em Congressos e eventos das diferentes áreas, (em
especial pelo I Fórum Nacional sobre Avaliação Psicológica, realizado em Brasília, em
dezembro de 2000).
54
A Resolução CFP nº 002/2003 sofreu algumas alterações. A mais recente foi por meio da Resolução CFP nº
005/2012 que alterou a redação do Art. 1º, que define testes psicológicos. Comentarei mais a frente sobre o
assunto.
149
dos instrumentos de avaliação, bem como à concepção de que estes confeririam foro
científico a processos de marginalização e exclusão social, restringindo os problemas à
dimensão individual, com isso, desconsiderando os aspectos sócio-históricos e culturais
envolvidos. Alegam que as críticas apoiam o fim dos testes psicológicos, propondo que a
avaliação psicológica possa ser realizada com métodos não padronizados, tais como a
observação e entrevistas, dentre outros. Decorreria dessa postura, a incursão de movimentos
que buscariam restringir a formação profissional do psicólogo no que se refere ao ensino dos
instrumentos de avaliação psicológica, considerando, inclusive, que muitos desses problemas
procederiam, portanto, de deficiências na formação profissional.
Os autores replicaram, anunciando que esses posicionamentos negam os avanços
científicos que a área de avaliação psicológica já vinha recebendo, tomando a avaliação
psicológica ainda enquanto prática exercida nos idos de 1970. Também destacam que ―a visão
de mundo, na qual os testes se legitimam, particularmente a teoria da medida em ciências, não
somente representa um conhecimento legítimo, mas também constitui um critério de avanço
do saber embasado cientificamente‖ (NORONHA et. ali, 2002, p.173).
Embora admitissem que os testes viessem a apresentar problemas de validação,
padronização, entre outros, faltando com qualidade científica, o maior problema em
avaliações consideradas ineficientes decorreria da má utilização desses instrumentos pelos
psicólogos, responsáveis pela seleção, aplicação, avaliação e interpretação dos dados obtidos
(NORONHA et. ali, 2002).
De modo que, atribuir poder de decisão aos testes psicológicos seria confundir, de
acordo com Moretzosohn (2005) e Noronha (2009), o instrumento com o uso que os
psicólogos fazem dele. O problema estaria, segundo Arzeno (1995, p.15) em o psicólogo não
―renunciar à onipotência de poder entender tudo‖.
Para Tavares (2010, p.48) os testes confeririam poderes ao profissional que utilizaria
os resultados na tomada de decisões que influenciaria no destino dos sujeitos.
Na avaliação psicológica não existe equilíbrio de poder. O sujeito não sabe nem como a
avaliação irá produzir informações, nem que informações serão produzidas. A avaliação
psicológica gera informações privilegiadas que dão poder a quem as detém. Esse poder é
utilizado sobre os sujeitos, fora do campo de controle ou sem consentimento consciente deles,
para que terceiros tomem decisões a respeito de sua vida, de seu futuro.
Há quem pondere com maior cuidado e afirme pela existência de uma série de
problemas com os testes no início da atividade profissional. Além de apresentarem
deficiências quanto à tradução e adequação à realidade brasileira, não serem instrumentos
infalíveis, ainda geravam informações descontextualizadas, contribuindo para a produção de
estereótipos. Porque privilegiavam atividades classificatórias, pautadas no modelo biológico-
psicopatológico na verificação do ajustamento do indivíduo a modelos sociais estabelecidos,
os psicólogos que permaneciam se amparando em testes, afirmavam práticas de exclusão
social (ANCONA-LOPEZ, 2002; REPPOLD, 2011; WERLANG, VILLEMOR-AMARAL;
NASCIMENTO, 2010).
Como a qualidade dos testes psicológicos não é a única variável a ser considerada no
processo de avaliação, devendo ser igualmente levados em consideração o conhecimento e a
prática do profissional com esses instrumentos, fica evidente que entre os pontos de maior
preocupação e alvo de constantes queixas e discordância estão os testes psicológicos e o uso
que fazem destes.
A este respeito, o documento Em defesa da Avaliação Psicológica ainda evidenciava:
Tais conteúdos estão aquém da real necessidade da avaliação psicológica, além de estarem
sendo ministrados de forma dissociada da realidade! Essas mudanças irão refletir o atual
momento histórico pelo qual passa a Psicologia no Brasil, na qual a área de avaliação
psicológica está a necessitar de um outro tipo de enfoque teórico e de um outro tipo de
psicólogo!
Enquanto uns defendem, Noronha et. ali, (2002) ressaltaram que os críticos ao
emprego de testes no processo de avaliação psicológica viram no argumento da má formação
uma razão suficiente para eliminar o ensino de testes da grade curricular e, assim, não mais
haver a prática de avaliação com uso destes instrumentos.
No estudo que empreendi, embora houvesse, e ainda haja, muitas críticas quanto ao
uso de testes no processo de avaliação, nenhuma explicitamente se opunha radicalmente ao
ensino e uso desses instrumentos, pelo contrário. Como salientou Patto (1997, s/p), por ser o
uso de testes psicológicos da competência exclusiva do psicólogo, conforme estabelece a Lei
nº 4119/62, estes acabam por representar a categoria perante a sociedade, tornando-se ―centro
de sua identidade profissional‖. O mau uso desses instrumentos pelo profissional repercute na
comunidade científica e na sociedade, denegrindo a imagem da profissão.
Logo, o ensino sobre o que constitui um processo de avaliação psicológica seria tão
relevante quanto o de aplicação de testes para fins psicodiagnósticos. No entanto, o que gerou
preocupação na autora foi a ênfase dada na defesa por uma formação eminentemente técnica,
sendo imperioso, para ela, colocar esta temática tão complexa em discussão.
154
Assim, o SATEPSI foi criado para apontar os rumos da avaliação psicológica no país a
155
Enquadram-se nessa categoria também alguns métodos que envolvem desenhos, contar
histórias, montar cenas com bonecos ou dramatizações que não se propõem a apresentar
estudos normativos ou indicadores sistemáticos de interpretação. A credibilidade dos
resultados e conclusões apresentados pelo profissional está condicionada a um referencial
teórico válido, que sustente as interpretações segundo o pressuposto do determinismo
psíquico. A experiência do profissional, o fato de os dados interpretados terem se originado
num contexto clínico, acompanhado de outros métodos de observação e análise, são
condições imprescindíveis para garantir a confiabilidade dos resultados que se integrarão de
modo coerente a um corpo teórico consistente (WERLANG et. ali, 2010, p.93).
Isso quer dizer que, numa Avaliação Psicológica em que o profissional opta pelo uso de
Testes Psicológicos, tais instrumentos precisam atender, no mínimo, aos critérios de
condições de uso, caso contrário, os resultados poderiam não refletir a situação dos sujeitos
em avaliação. Nesse sentido, a escolha adequada dos instrumentos, aliada ao preparo do
profissional, resulta em maior credibilidade na prestação dos serviços à população
(TOURINHO E SILVA; MACEDO, 2004, p.56).
Foi essa a visão que norteou os trabalhos dos ―especialistas‖ (REPPOLD, 2011, p.24;
SANTOS, 2011, p.14) da Comissão Consultiva que criou o SATEPSI: tornar os testes
psicológicos confiáveis, qualificados, em perfeitas condições para o psicólogo prestar serviços
à população. Para tanto,
2011, p.48). Outros autores, porém, entendem ser preciso diferenciar, em diversos aspectos, as
avaliações que são realizadas em campos de atuação também distintos. Com essa medida,
haveria, por exemplo, uma avaliação psicológica clínica restrita aos psicólogos clínicos, uma
―avaliação forense‖ (ROVINSKI, 2011, p.96) reservada aos psicólogos que atuam no sistema
judiciário, evitando conflito de papéis (MACHADO; MORONA, 2007; PRIMI;
NASCIMENTO; SOUZA, 2004; ROVINSKI, 2011; TRENTINI; BANDEIRA; ROVINSKI,
2006).
Por sua vez, Brito (2011a) afirma ser uma ―falsa ideia‖ (BRITO, 2011a, p.87) pensar
que haveria modelos especializados de avaliação, exclusivos aos especialistas dos diferentes
campos de atuação. Segundo a autora, o importante seria o psicólogo que pretende realizar
uma avaliação psicológica, entender, conhecer as singularidades que fazem parte do campo
que irá atuar, por exemplo, conhecer as questões que permeiam o campo da Psicologia
Jurídica, como separação, guarda de filhos, recasamento, adoções, violência sexual contra
criança, para citar alguns. Nestes termos, para fazer uma avaliação psicológica, o profissional
não deveria se limitar à técnica, à investigação per si, mas, acima de tudo, interrogar os
objetivos do trabalho que estariam lhe demandando e, após, analisar se poderia/deveria ou não
executá-lo, dada a pertinência da demanda no campo da Psicologia, o conhecimento ou
competência profissional no assunto requisitado, bem como os efeitos decorrentes dessa
prática.
Concordando com a autora, entendo que não faz sentido fragmentar a avaliação
psicológica em pequenos compartimentos ou nichos, a não ser que esta seja uma forma de
justificar uma manobra de reserva de mercado. Aliás, penso que, se para a avaliação
psicológica ser considerada fundamentada cientificamente, o psicólogo precisaria fazê-la em
base epistemológica de corte positivista, na verdade, não haveria diferentes tipos de avaliação,
158
mas uma única forma de fazer avaliação: aquela que adotasse métodos padronizados, cujo
objetivo seria emitir uma resposta acerca da (in)adequação, (a)normalidade, (in)sanidade,
periculosidade dos sujeitos, pouco importando o contexto.
Portanto, entendo ser essa a condição que requereu a Comissão Consultiva em
Avaliação Psicológica ao garantir que os métodos e técnicas psicológicas mantivessem
parâmetros científicos: que a avaliação psicológica fosse definida enquanto prática vinculada,
necessariamente, à aplicação destes instrumentos e que estes permitissem ao psicólogo
atender aos princípios previstos pelo Código de Ética Profissional do Psicólogo.
Além do trabalho de avaliação dos testes, o SATEPSI foi planejado, segundo
explicações de Anache e Corrêa (2010), para oferecer à categoria, assim como às instituições
públicas e privadas, orientações sobre a prática da avaliação psicológica, incluindo o emprego
dos testes nos diferentes contextos e finalidades. Desta forma, o CFP buscou assegurar que os
serviços prestados pelos profissionais atendessem às necessidades dos usuários.
De acordo com Bandeira et. ali, (2006, p.129),
[...] o CFP disponibilizou aos psicólogos e ao público em geral a primeira tabela com
resultados preliminares do processo de avaliação, em que o grande número de testes que
obtiveram parecer desfavorável surpreendeu muitos psicólogos desavisados e até mesmo
outros que, mesmo informados e mobilizados acerca da pauta, não esperavam tamanho rigor
por parte do Conselho.
A revisão dos testes psicológicos rapidamente se tornou notícia na mídia, que colocava
os testes em termos de ―artefatos misteriosos‖ (BANDEIRA et. ali, 2006, p. 130) até para o
CFP, abrindo a discussão não somente em relação à confiabilidade dos resultados, mas quanto
à legitimidade do CFP para regular esses instrumentos. Assim, tais medidas adotadas pelo
CFP, dentre elas a criação e organização do SATEPSI, tinham em vista, não só oferecer uma
resposta satisfatória às críticas que recaiam sobre o uso de testes psicológicos sem o devido
lastro de cientificidade, mas também afirmar ou ratificar a competência do próprio CFP como
órgão gestor da categoria para regular esses instrumentos.
Primi e Nunes (2010) acreditam que foi por meio da criação e implementação do
SATEPSI que foram evitadas medidas proibitivas em relação ao uso da avaliação psicológica
em setores sociais, como os concursos públicos. Ademais, os autores entendem que o
SATEPSI ainda serviu de estímulo para o desenvolvimento de pesquisas pelas editoras, que
tiveram que se adaptar às exigências técnicas antes de dispor no mercado o material referente
à testagem psicológica para uso profissional.
159
efeito de licença saúde (Resolução CFP nº 007/94), e outra para tratamento de saúde por
problemas psicológicos (Resolução CFP nº 015/96). Para Sathler (2008), essa era uma prova
do valor social atribuído aos documentos psicológicos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
No CEPP, havia a referência a ―atestado‖ e ―laudo‖ ou ―informe‖.
Esse manual seria um antídoto contra a baixa qualidade dos escritos psicológicos e também
um guia para excluir casos de representações ou notificações éticas. Até aqui, o poder, as
questões éticas e as relativas à responsabilidade social, por exemplo, não foram tocadas
diretamente, dando a impressão de que o mais importante é a forma ou o caráter formal do
texto, em sua semântica e sua construção gramatical que revelam uma concepção de
linguagem (SATHLER, 2008, p.114).
Tal fato, de certo modo, deu oportunidade para o mercado explorar esse campo por
meio da criação de cursos complementares de elaboração de documentos, conforme discuti
anteriormente. Em geral, esses cursos atribuem importância à forma em detrimento do
conteúdo, possivelmente em razão de a própria Resolução dar destaque aos cuidados com a
linguagem escrita, deixando a parte mais complexa – o conteúdo – por conta do psicólogo,
exigindo deste a apresentação de fundamentação técnico-científica (SATHLER, 2008).
162
55
Resolução CFP nº 002/1987: Art. 2º alínea ‗m‘; Resolução CFP nº 010/2005: Art. 2º alínea ‗g‘.
163
documento também decorre de uma avaliação psicológica. Assim, o que faz com que não seja
considerado um documento decorrente de avaliação psicológica?
O entendimento acerca do que seja avaliação psicológica pela Comissão Consultiva
em Avaliação Psicológica e pelo Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (IBAP), ambos
responsáveis pela elaboração do Manual no período de 2002 a 2004, conforme mencionei a
pouco, é o de que:
Lima e Werlang (2011) afirmam que o documento Parecer não seria decorrente de
avaliação psicológica, pois seus resultados não adviriam do emprego de estratégias
psicológicas, quando as autoras mencionam, especificamente, os testes psicológicos. Definem
o referido documento como sendo uma forma de o psicólogo apresentar resposta no campo da
Psicologia com o objetivo de esclarecer possíveis dúvidas que venham a interferir em uma
tomada de decisão.
Interessante observar que a mesma autora, em parceria com outros autores
(WERLANG; VILLEMOR-AMARAL; NASCIMENTO, 2010), afirma que a avaliação
psicológica pode ser realizada sem uso de instrumentos padronizados, como os testes. Logo,
não poderia o parecer ser considerado decorrente de avaliação por estar fundamentado, por
exemplo, em estratégias outras como a pesquisa bibliográfica?
Esse posicionamento revela a defesa (ou imposição para a categoria) de uma visão
epistemológica que concebe avaliação psicológica como o processo técnico-científico de
coleta de dados, estudos e interpretação de informações a respeito dos fenômenos
psicológicos, que, necessariamente, requer do psicólogo empregar estratégias psicológicas
identificadas como sendo os testes. O que leva à conclusão de que o uso de testes psicológicos
não está só previsto no processo de avaliação psicológica, como está subentendido à sua
definição, como se deste processo não pudesse prescindir, sob o risco de carecer de
fundamentação técnica e científica.
Quanto à elaboração do laudo psicológico, a Resolução CFP 007/2003 orienta que
esse documento esteja em conformidade com as especificações dos dispositivos do Código de
164
Ética Profissional do Psicólogo. Deposita ênfase para os deveres do psicólogo nas suas
relações com a pessoa atendida, para as questões relativas ao sigilo profissional e à disposição
das informações – identificando riscos e compromissos em relação à utilização dos
documentos, por exemplo, como matéria a ser apreciada em processos judiciais.
Neste caso, o Laudo, pela Resolução CFP nº 007/2003, é definido como sendo:
[...] uma apresentação descritiva acerca de situações e/ou condições psicológicas e suas
determinações históricas, sociais, políticas e culturais, pesquisadas no processo de avaliação
psicológica. Como todo DOCUMENTO, deve ser subsidiado em dados colhidos e analisados,
à luz de um instrumental técnico (entrevistas, dinâmicas, testes psicológicos, observação,
exame psíquico, intervenção verbal), consubstanciado em referencial técnico-filosófico e
científico adotado pelo psicólogo. A finalidade do relatório psicológico será a de apresentar os
procedimentos e conclusões gerados pelo processo da avaliação psicológica, relatando sobre o
encaminhamento, as intervenções, o diagnóstico, o prognóstico e evolução do caso, orientação
e sugestão de projeto terapêutico, bem como, caso necessário, solicitação de acompanhamento
psicológico, limitando-se a fornecer somente as informações necessárias relacionadas à
demanda, solicitação ou petição.
mas de forma contida, recortada, modelada, seja por procedimentos de interdição, tal como o
sigilo, seja por questões ideológicas, disciplinares e/ou por aprisionamento dogmático.
Laudos, portanto, não são apenas registros gráficos impressos em um papel, tampouco
monumentos de um único autor, mas ―ficções psicológicas‖ (BARROS-BRISSET, 2011,
p.37) que pressupõem a presença do outro, sendo uma construção dialógica. São discursos
que não retratam a realidade em si, mas a realidade que o psicólogo é capaz de produzir a
partir do enredamento de experiências e ideologias, pois mesmo quando faz uma descrição, ao
elaborar o documento, o profissional promove uma interpretação (ORLANDI, 2003).
Por este motivo que vidas são produzidas e impressas no papel por meio dos recursos
que o psicólogo dispõe a partir de uma posição teórica, metodológica, ideológica, política,
histórica, social face à interpretação que promove. Logo, toda escrita é um ato ético e político,
cujos meios adotados pelo profissional para alcançar o fim são sempre objeto de escolha,
porquanto são selecionados (dentre tantos meios possíveis) ―em função da sua maior ou
menor aptidão para se atingir o fim‖ (JAPIASSU, 1975, p.42). O que significa dizer que os
meios, que os métodos adotados pelo psicólogo contêm o valor do fim, ou seja, determinam o
resultado, o que será apresentado no documento (GUIRADO, 2005).
O laudo, assim, oferece uma visão e uma interpretação da realidade, produzindo
subjetividades, criando um sujeito psicológico. Contudo, este sujeito psicológico criado pelo
psicólogo não constitui a totalidade do sujeito, mas é a expressão de um dispositivo de poder
disciplinar ou uma face construída pelo exame. A escrita psicológica será, desta forma, um
recorte de uma realidade inatingível em sua totalidade ao mesmo tempo em que uma criação e
transformação dessa realidade.
EIXO I: Qualificação: no intuito de criar critérios com base em direitos humanos, avaliação
como processo, manuais considerando os contextos de aplicação e âmbitos de utilização dos
instrumentos;
EIXO II: Relações Institucionais: para debater a avaliação nos diversos campos de atuação;
EIXO III: Relação com o contexto de formação.
Previamente aos debates, foi lançada uma publicação intitulada Ano da Avaliação
Psicológica – Textos geradores. Na apresentação da referida publicação, o conselheiro-
presidente do CFP anunciou que, com essa iniciativa, pretendia:
[...] mapear as necessidades para qualificação da área e discutir a adequação das ferramentas
aos parâmetros éticos da profissão e aos contextos de uso. A decisão de realizar este ano
temático foi da Assembleia das Políticas, da Administração e das Finanças (APAF), instância
deliberativa do Sistema Conselhos de Psicologia que reúne todos os Conselhos Regionais e os
Conselhos Federais. A expectativa é envolver a categoria, em todas as regiões do Brasil, em
reflexão sobre a avaliação psicológica como um processo complexo, no qual os Direitos
Humanos devem ser garantidos, bem como os princípios éticos e técnicos da profissão, sendo
o objetivo final das atividades a qualificação dessa prática no Brasil. Os textos geradores que
agora publicamos têm o intuito de contribuir com os debates que estão sendo realizados pelos
Conselhos Regionais (VERONA, 2011, p.11).
Reppold (2011) foi mais contundente quando afirmou que, por haver o SATEPSI
elevado ―a qualidade dos instrumentos de avaliação psicológica utilizados pelos profissionais
da área‖, foi responsável por primar pelo respeito aos Direitos Humanos, ―uma vez que baseia
os critérios de avaliação da qualidade dos testes em estudos que comprovem seus
fundamentos científicos‖ (REPPOLD, 2011, p.25).
É justo que o psicólogo se preocupe em evitar ações que discriminam e segregam as
pessoas avaliadas, e ainda disponibilize seu conhecimento para a sociedade de forma
responsável, mas seriam os critérios de avaliação da qualidade e credenciamento dos testes
(pelo SATEPSI) o que de fato garantiria que o psicólogo evitasse essas ações de exclusão
social e assim respeitasse a ética e os Direitos Humanos?
Talvez para evitar polêmicas maiores, Primi (2011) e Reppold (2011) relativizaram
seus discursos pautados na exclusividade dos testes padronizados pelo SATEPSI na garantia
da ética e dos Direitos Humanos para situar a competência profissional como requisito para
bem empregar as informações obtidas pelos testes. Isso inclui a necessidade de o psicólogo
contextualizar o conhecimento produzido, considerando as diferenças e necessidades
individuais e/ou da coletividade para agir de forma responsável e coerente. Porém, Reppold
(2011) insistiu, ainda, em afirmar que a prática de avaliação psicológica, quando substanciada
com instrumentos padronizados, ―busca garantir atenção aos Direitos Humanos‖ (REPPOLD,
2011, p.27).
À luz dessa discussão, Bicalho (2011) e Novaes (2011) ponderaram no sentido de
contestar essa visão que apregoa ética e Direitos Humanos enquanto princípios, leis, códigos
ou convenções. Isso seria o mesmo que tomar a ética e os Direitos Humanos por efeito, ou
seja, bastaria ao psicólogo cumprir com determinadas regras ou procedimentos, como utilizar
testes padronizados para a população em que o sujeito avaliado está inserido, para entender
que sua prática respeita a ética e os Direitos Humanos. A visão dos autores caminha no
sentido contrário dessa perspectiva: porque o psicólogo age em respeito à ética e aos Direitos
174
Humanos que tem a possibilidade ou a liberdade para fazer escolhas, tal qual a de fazer ou
não avaliação psicológica com uso de testes.
Portanto, o principal fundamento sobre o qual o psicólogo deve sustentar o seu fazer
são os aspectos éticos e de defesa dos Direitos Humanos, subordinando a estes todos os
demais, inclusive os técnicos e não o oposto. Lembrando Gondar (2004), toda escolha técnica
é, anteriormente, uma escolha ética, sempre política, indissociável de qualquer processo de
produção de conhecimento, de modo que ética e Direitos Humanos devem ser admitidos
como norteadores de nossas práticas e não simples efeitos destas (BICALHO, 2011).
Para Novaes (2011, p.38-40):
A questão dos Direitos Humanos é também polêmica: trata-se, a cada momento, de construir
uma compreensão do que seriam esses direitos, quais categorias, grupos ou coletividades
deveriam ser seus sujeitos, como deveriam eles ser operacionalizados, quais as ações em sua
defesa. É um trabalho constante, tendo em vista as manifestações oportunistas de pessoas,
grupos e instituições diversas, que se utilizam da expressão a favor de seus interesses
políticos, ideológicos, teóricos, religiosos e outros. [...] Como já foi assinalado anteriormente,
[...] a condução ética e de respeito aos Direitos Humanos na orientação, regulamentação e
fiscalização das atividades profissionais em Psicologia no Brasil não deve ser considerada
apenas como aplicação automática, burocrática ou protocolar do CEPP e dos princípios
construídos dos Direitos Humanos.
De uma vez por todas, a avaliação psicológica precisa ser compreendida como competência
imprescindível ao psicólogo – como é disposto nas diretrizes curriculares que regem a
formação profissional – e como área que requer formação específica e atualizada, o que
justifica o título de Especialista (NORONHA; REPPOLD, 2010, p.199).
Alguns cursos possuem uma ou duas disciplinas de testes, conforme Alves, Alchieri e
Marques (2002), o que certamente não é tempo suficiente para o aprofundamento deste tema.
Os alunos de Minas Gerais já pontuam a insuficiência de conteúdos de AP na sua formação
(Paula, Pereira,; Nascimento, 2007). E com o advento das ênfases, aquele aluno que não opta
por uma ênfase que aborde o tema da avaliação fica com uma formação mais deficitária ainda.
Aliado a isso, a partir da demanda corrente, os cursos tiveram a necessidade de introduzir
novas disciplinas, específicas de determinados contextos, tais como Psicologia hospitalar,
Psicologia do esporte, Psicologia jurídica. Tal fato fez com que o tempo disponível ficasse
mais escasso ainda. Diante desta realidade, parece que somente nos cursos de especialização
voltados para avaliação psicológica os psicólogos conseguem aprofundar seu conhecimento
na área. Esses têm-se disseminado com mais intensidade, muito em função da própria
necessidade dos psicólogos ao se depararem com a prática profissional. Prova disso é a
quantidade de psicólogos que se inscrevem em cursos de AP oferecidos nos congressos
realizados na área. É crescente a procura por esses cursos e a sua oferta. [...] Então pergunto, é
possível, em cursos generalistas como os que temos, aumentar a carga horária para essa área?
Reppold e Serafini (2010) entendem que sim. Mas ainda questiono, é desejável? Com a carga
atual, será que o estudante de Psicologia se forma em condições de trabalhar com avaliação
psicológica, seja com que técnica for? (BANDEIRA, 2011, p.130-131).
A autora ainda sugere que os instrumentos psicológicos sejam classificados por nível
de conhecimento, de tal modo que aos alunos de Psicologia seriam ensinadas – dentro dessa
reduzida carga horária destinada às disciplinas de testes – apenas algumas técnicas (leia-se, as
mais fáceis, como inventários) as quais poderiam ser empregadas com certo nível de
excelência pelo psicólogo recém-formado. Com isso, para aprenderem e aplicarem técnicas
mais complexas seria exigida a especialização dos profissionais.
Em geral, acreditam os autores que, com essa medida, haveria uma valorização da
disciplina de avaliação psicológica, fomentando a criação de cursos de formação continuada,
por conseguinte, o interesse entre os próprios profissionais pela formação especializada e
desenvolvimento de projetos de carreira. Ademais, defendem que outros benefícios adviriam
com a regulamentação do título de especialista na área da avaliação psicológica, dentre eles, a
redução dos processos éticos contra os psicólogos pela qualificação técnica (ANACHE;
REPPOLD, 2010; BANDEIRA, 2011; FONSECA, 2011; NORONHA; REPPOLD, 2010;
NUNES; PRIMI, 2010; PRIMI, 2010, 2011; PRIMI; NUNES, 2010; REPPOLD, 2011;
TREVIZAN, 2011).
Compreende-se que, à medida que essas questões são discutidas como próprias de uma área
específica, menos imperícias no uso de procedimentos avaliativos tendem a ocorrer e mais se
avançará no sentido de que a avaliação psicológica seja socialmente relevante e beneficie as
pessoas, especialmente propiciando-lhes mais qualidade de vida (REPPOLD, 2011, p.27).
Chamo a atenção para o fato de que os autores passaram não mais a tratar a avaliação
psicológica como atividade, mas enquanto área, o que faz uma enorme diferença, pois, nestes
termos, a avaliação se tornaria, de fato, um campo especializado de atividade profissional e
não mais em uma atividade comum a todos os psicólogos.
176
Além disso, não resta dúvida que a regulamentação do referido título irá estimular o
mercado a planejar cursos de especialização, literalmente vendendo a ideia de que, portando o
título, o psicólogo ficaria protegido ou imune a eventuais processos éticos, por estar
qualificado técnica e cientificamente.
O psicólogo não pode ser ingênuo ao ponto de perder de vista que os maiores
beneficiados com a regulamentação do título serão as instituições formadoras, em especial, o
Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (IBAP) e a Associação Brasileira de Rorschach e
Outros Métodos Projetivos (ASBRo), que estão à frente das discussões, juntamente com a
Comissão Consultiva em Avaliação Psicológica e a ANPEPP. O impacto desse discurso pela
regulamentação do título é tão intenso que, não por acaso, tais instituições foram convidadas a
participar do Seminário Nacional de encerramento das atividades do Ano Temático da
Avaliação Psicológica na sede do Conselho Federal de Psicologia em março de 2012.
56
Representantes da categoria, eleitos nos encontros regionais promovidos pelos Conselhos Regionais de
Psicologia.
177
dada ao psicólogo para atuar com a certeza de que não será processado por infração ao CEPP
é simplesmente inebriante e, acrescento, um chamariz bastante atrativo comercialmente.
No entanto, transformar os psicólogos em especialistas em avaliação psicológica,
aprimorando-os ou treinando-os quanto ao uso de técnicas cada vez mais refinadas, embora
pareça ser a solução para muito dos problemas citados, não os torna isentos de cometer erros.
Aliás, apesar de desejável para alguns, a concessão do título de especialista em Avaliação
Psicológica não é o mesmo que um selo de qualidade profissional. Treinar habilidades e
competências necessárias para o exercício da avaliação psicológica tampouco os neutraliza. O
erro faz parte da condição humana e, embora seja louvável investir no ensino para evitá-lo,
este apenas o minimiza, pois ―não é possível zerar [...] erros‖ (HUTZ, 2009, p.306).
Na opinião de Hutz (2009, p.306),
o ideal, e devemos realmente caminhar nessa direção, seria que o psicólogo que usa avaliação
psicológica para declarar pessoas aptas ou inaptas, passíveis ou não de promoção, ou para
outras finalidades classificatórias, saiba qual o grau de erro envolvido em seus procedimentos
e, com base nessa informação, possa estimar benefícios e prejuízos.
1998, p.30)? Ademais, aparelhando o psicólogo com uma formação técnica na intenção de
evitar que ele cometa erros, na verdade, não se estaria cerceando-o da ―liberdade de
experimentação‖ (BAUMAN, 2011, p.121)? Por que protegê-lo contra suas próprias escolhas
e repercussões possíveis que dela possam advir? Talvez para melhorar a imagem que a
sociedade tem da Psicologia, em especial, da avaliação psicológica, e com isso, haveria novas
demandas e aberturas de campos de trabalho.
Se algo der errado, seremos nós os responsáveis, e teremos que viver com isso. Não há
abstração ou projeção que possamos fazer que nos liberte da condição de termos que decidir
cotidianamente o que devemos e o que não devemos fazer. Não há conforto que possa nos
livrar de nossa responsabilidade moral diante de nós mesmos. Não há como fugir da ética
porque não há como se eximir de agir (SILVEIRA; HÜNING, 2010, p. 394).
Ora, por mais que se invista na garantia de um trabalho tecnicamente bem executado
por meio da qualificação profissional, bem como no aprimoramento dos instrumentos, é
preciso salientar que a participação do psicólogo não é nem objetiva, nem neutra, assim como
a própria realização da investigação. O psicólogo não pode ser curado de sua humanidade,
não pode abdicar de suas convicções, seus interesses, sua disponibilidade, seus valores,
tampouco das convenções e estereótipos presentes em meio à cultura onde vive, promovendo
uma espécie de apagamento ou ocultação da subjetividade, transformando-se, ele próprio, em
objeto, para garantir a descoberta ou revelação da verdade, da realidade dada a priori
(BURKE, 1992; MOYSÉS; COLLARES, 1997; ZANETTI; GOMES, 2009).
Dito isso, a neutralidade, a impessoalidade e a objetividade deixam de ser uma
possibilidade para se tornarem uma ―maneira cômoda, talvez, hipócrita, de esconder a opção‖
(FREIRE, 2007, p.112) por uma prática científica, por certo olhar, por uma teoria dentre
tantas outras possíveis, sempre comprometida com um modo de pensar e de intervir ético-
político, produtor de subjetividades (MALHEIRO; NADER, 1987; MOLON, 2004).
[...] o que há são cientistas que estão inseridos em uma realidade histórica, pertencentes a uma
classe social, comprometidos politicamente com alguma visão da sociedade e, enquanto
indivíduos, com sua subjetividade; a neutralidade científica não é possível, pois declarar-se
neutro já implica assumir uma visão, ou uma posição dentro do processo de conhecimento
científico (MALHEIRO; NADER, 1987, p.11).
O erro, por sua vez, não deve ser visto como inimigo, mas aliado no trabalho do
psicólogo, enquanto recurso que permite a criação, a ruptura com modelos instituídos, a
revisão e a produção do novo. Cursos e treinamentos podem transformar o psicólogo em um
profissional tecnicamente bem preparado, mas não o tornam perfeito ou infalível. Eis um
181
Ou seja, nós não somos constituídos para entender; nós somos constituídos para obedecer! O
que eu estou dizendo é exatamente a composição de nossa existência. Então, a Filosofia, ou a
História do Pensamento, se confronta diretamente com os processos pedagógicos que nos
constituem, que nos ensinam não a entender, mas a obedecer.
Por isso, quando o psicólogo envereda em analisar temas dos quais de nada vale a
obediência, ou seja, quando ser um técnico da subjetividade e aplicar técnicas bem treinadas
não é condição suficiente para produzir conhecimento, resta-lhe a única opção que realmente
importa: praticar o pensamento crítico, a liberdade para escolher, motores do exercício da
ética e, ainda, o bom-senso para regular o exagero.
Prudência e bom-senso, salientados por Freire (2007), aparentemente sem importância
frente a tantos recursos técnicos e metodológicos, são expedientes preciosos na regulação dos
excessos e da insensatez na atuação do profissional, inclusive na arte de avaliar.
Por este motivo a inviabilidade e ilegitimidade da perspectiva positivista que postula a
neutralidade. Esta visão de ciência não só anula o que o profissional tem de humano, como
também cria a impossibilidade do exercício da ética, pois um profissional neutralizado não
pode responder por seus atos, tornando incompatível o discurso que prega por uma ação
profissional técnico-científica (de corte positivista) e ética.
182
Porém, o que faz com que essas discursividades diferentes venham conectadas? A
visão epistemológica. Longe de suprimir a perspectiva positivista, na pós-modernidade,
Lyotard (1998, p. 24) vislumbra a coexistência de duas espécies de saber: um positivista – no
qual a Psicologia assume o papel de verificadora de hipóteses, interessando-se por
categorizar, medir, calcular, classificar e descrever seu objeto de estudo com o intuito de
explicá-lo –, e que se presta a tornar-se uma força produtiva indispensável ao sistema, e uma
espécie crítica e reflexiva, ética e politicamente implicada que resgata a subjetividade e a
função social da ciência.
Afirmar pela competência técnico-científica e ética, na perspectiva positivista, é
entender ética equivalente à legalidade, ao cumprimento da norma. Logo, se é dever do
psicólogo usar um teste validado, preciso, ele estaria, nesta perspectiva, respeitando as normas
de sua profissão, estaria agindo conforme a deontologia... mas estaria sendo ético?
Não pela perspectiva sócio-histórica, crítica e reflexiva. Ética e moral, embora
idênticas na aparência, qual irmãs gêmeas, não são a mesma coisa. Legalidade e
responsabilidade ética, portanto, não devem ser confundidas. A legalidade ou normativa é da
ordem da moral, do certo ou errado, do bom e mau comportamento, boa ou má conduta, do
erro; enquanto a liberdade para fazer escolhas e tomar decisões em diferentes contextos é da
ordem da ética.
Senso assim, como discursos feitos ―por pares de profissão e ímpares de filiação
teórica‖ (GUIRADO, 2005, p.22) soam conciliáveis, por exemplo, nas definições propostas
para avaliação psicológica? Como falar, por exemplo, em considerar e analisar os
condicionantes históricos e sociais e seus efeitos no psiquismo contidos na Resolução CFP nº
007/2003, na perspectiva positivista? Como anunciar que há vários tipos de avaliação
psicológica, vinculadas a diversas correntes epistemológicas, se, ao mesmo tempo, exige-se
do profissional ―domínio de instrumentos e técnicas de exame psicológico‖ (LÖHR, 2011,
p.143)? Para Löhr (2011), a definição epistemológica serviria para auxiliar o profissional na
interpretação dos dados. Portanto, o psicólogo poderia aplicar testes construídos por um viés
epistemológico positivista e somente interpretar a partir de outro viés de sua escolha? Soa
paradoxal.
O discurso, porém, revela uma das características da epistemologia positivista, a
rigorosidade quanto aos critérios científicos, com a negação da diversidade, criando campos
de especialidade. Assim, o profissional poderia estar fundamentado em teorias outras e, ainda
assim, teria que aplicar testes ancorados em bases positivistas.
183
Quando um profissional afirma, no contexto atual, que sua atuação é ética ou ético-
política porque está amparada, fundamentada ou prevista no Código de Ética, há, nesta
declaração, um juízo acerca do que este profissional entende por ética e, por extensão, por
moral.
Alguns autores perceberam que, no cotidiano, que tais expressões se confundem no
linguajar do senso comum sendo tratadas, de forma recorrente, como sinônimas (BADIOU,
1995; BOFF, 2004; CAMARGO, 2004; GONDAR, 2004; ROMANO, 2001; VALLS, 1999;
VAZQUEZ, 1998).
Considerando a dimensão da complexidade que envolve o tema, Guareschi (2000)
provoca o leitor a pensar, interrogando se alguma vez este teria arriscado a dizer o que
entende por ética. Provocação bastante pertinente, a meu ver, tendo em vista que a palavra
ética, ―tomada num sentido difuso‖, prolixo, como fala Gondar (2004, p.30), perdeu seu rigor
e contundência (GUIRADO, 1991).
Nestes termos, parece ser consenso entre os vários autores estudados que muito se fala
de ética, havendo até um uso recursivo dessa palavra, porém, pouco se produz em termos de
entendimento (BENAVIDES; ANTÓN, 1987; BOFF, 2004; CAMARGO, 2004; FORTES,
1998; GONDAR, 2004; GUARESCHI, 2000; PIRES, AZAMBUJA, COUTO, COSTA,
MENDES, 2008; ROLNIK, 1995; ROMANO, 2001; VALLS, 1999; VAZQUEZ, 1998).
Antes de me aproximar do tema, esclareço que não é meu objetivo desenvolver um
tratado filosófico sobre Ética ou mesmo fazer um percurso histórico dos sistemas filosóficos
que abordam a temática, tarefa que demandaria um estudo dirigido exclusivamente ao assunto
e foge ao escopo desse trabalho. Creio, porém, ser necessário trazer, para esta tese, algumas
das principais discussões filosóficas que se deram ao longo dos séculos sobre ética e moral,
para fins de entender como são pensadas nos dias de hoje. Para tanto, recorri a alguns autores,
estudiosos, filósofos e debatedores da temática ética e moral, bem como da ética aplicada à
186
A virtude é pensada como efeito da áskesis, de uma disciplina dura e severa, do controle
vigilante sobre si. A virtude estaria ligada à temperança, à justa medida e ao justo meio. É
preciso controlar os apetites da carne para dominar-se, vencer-se a si mesmo. [...] A virtude
visa à liberdade, à justiça e à felicidade, que são idéias políticas que expressam a cidadania e a
democracia. Nos séculos V e IV a.C. podemos identificar um deslocamento no pensamento
grego. A filosofia passa a tematizar a ética, a política e as teorias do conhecimento, a cidade e
o cidadão [...]. A ética constitui-se como questão, emergindo enquanto uma problemática
inerente à política, à cidadania e à democracia.
modo de agir, sendo a razão o elemento fundamental para o exercício desse controle
(BADIOU, 1995; FOUCAULT, 2004c).
Na concepção platônica, o autocontrole, entendido como sendo a dominação das
tendências perversas, refletia um modo ético de agir em que a razão daria as condições
necessárias para o homem ser capaz de ―decidir com mais acuidade e melhor governar a si
mesmo‖ (FERREIRA, 2002, 2007, p. 33). No entanto, a possibilidade de agir corretamente e
de tomar decisões éticas dependeria de um conhecimento do Bem pela via da dialética, ―pois
ao conhecer o Bem, conhece também a Verdade, a Justiça e a Beleza‖ (MARCONDES, 2007,
p.18).
A ética se relacionara ao Bem num solo cultural que não dispunha da categoria de sujeito,
como era na Antiguidade Clássica. [...], o Bem regia as questões relativas as questões ao
conhecimento, à conduta individual, e à organização sociopolítico: ele era capaz de conduzir
os homens ao conhecimento verdadeiro, à sabedoria no agir e a um dispositivo político mais
perfeito. A ética se entrelaçava então à epistemologia e à atividade política, e o homem não
era considerado em sua dimensão subjetiva: ele não era um sujeito, mas um ser que devia ser
pensado a partir de sua condição de cidadão e de sua posição na ordem do Cosmos. A lei,
neste caso, não possuía valor em si mesma, mas apenas enquanto delegada ou representante
de um princípio mais alto: o Bem (GONDAR, 2004, p.33).
Foi Aristóteles (384-22 a.C.), porém, quem primeiro empregou o termo ética em sua
obra Ética a Nicômaco57. Em se tratando originalmente de um vocábulo grego, muitos autores
recorrem à etimologia da palavra êthos – que significava caráter, índole, temperamento,
modo de ser do homem, modo de estar no mundo, morada humana –; e éthos – que
significava costume, conduta regular, hábitos de uma pessoa –, para afirmar que ética diz
respeito ao estudo dos hábitos e costumes dos homens para fins de discernir entre o certo e o
errado, o Bem e o Mal. (BENAVIDES; ANTÓN, 1987; BOFF, 2004; CAMARGO, 2004;
CHAUÍ, 2000; FIGUEIREDO, 2008; JAPIASSU, 2005; JORNAL PSI, 2000; JUNQUEIRA,
2006; MACHADO, 1999; MEDEIROS, 2002; PAIM, 1992; PIRES et al., 2008; RIOS, 1993).
De modo geral, os filósofos gregos subordinavam a ética às práticas ou técnicas de si,
portanto, à capacidade de o homem racional recorrer à reflexão crítica acerca das ações e
atitudes para estabelecer uma nova relação com as regras e preceitos morais e, assim, definir
como proceder nas relações e organizações sociais (na polis). O que significa que ele deveria
57
O pensamento moral de Aristóteles está exposto em sua obra de referência para o estudo da ética: ―Ética a
Nicômaco‖ (várias edições brasileiras). O nome da obra deve-se ao compilador da obra, seu filho Nicômaco; e é
composta por 10 livros. Para Aristóteles, o homem preocupa-se com o bem e almeja a felicidade, que só poderá
alcançar se for virtuoso e respeitar os valores morais.
188
manter uma postura ascética58, uma relação libertária de si e com o outro enquanto unidade
jurídica59, de quem possui direitos e deveres, e usar sua sabedoria no cumprimento das
verdades propostas, dominando os instintos, as paixões, as forças estéticas, o uso dos
prazeres, enfim, tornando-se um cidadão responsável, laborioso, virtuoso, portanto, ético.
Assim, a ética era considerada parte da política, que tratava de virtudes políticas ou do
cidadão. Conforme aponta Arendt (2004), ―a questão nunca é se um indivíduo é bom, mas se
sua conduta é boa para o mundo em que vive. No centro do interesse está o mundo, e não o
eu‖ (ARENDT, 2004, p.218). Nestas condições, este homem racional, com sua identidade
constituída nos espaços sociais, realizaria o soberano Bem e conquistaria sua liberdade cívica,
ou seja, seria um homem livre, ético, instituindo uma vida bela, uma ―estética da existência‖,
temperante e equilibrada à semelhança de uma ―obra de arte‖ (FOUCAULT, 2001b, p.16).
Deve-se entender, com isso, práticas refletidas e voluntárias através das quais os homens não
somente se fixam regras de conduta, como também procuram se transformar, modificar-se em
seu ser singular e fazer de sua vida uma obra que seja portadora de valores estéticos e
responda a certos critérios de estilo (FOUCAULT, 2001b, p. 15).
58
Ascese na filosofia grega: conjunto de práticas e disciplinas caracterizadas pela austeridade e autocontrole do
corpo e do espírito, que acompanham e fortalecem a especulação teórica em busca da verdade.
59
A liberdade na Antiguidade dizia respeito ao campo político, à vida enquanto cidadão e não à vida privada.
60
A preocupação moral é fundamental para a filosofia do helenismo de modo geral. As várias religiões que
surgiram durante o helenismo tinham em comum o fato de pretenderem ensinar a seus fiéis como obter salvação
para a morte (GAARDER, 1995, p.146).
189
Teríamos assim no início da Idade Moderna uma primeira experiência mais universal de
individualização: a constituição do indivíduo no século XVI enquanto um sujeito autônomo,
singular, igual aos demais e dotado de uma interioridade (foro íntimo) que seria a base
contratual dos Estados Modernos e fonte do poder destes (FERREIRA, 2007, p.27).
marcado por uma nova visão de Homem, o homem natural com direitos naturais: liberdade,
igualdade, fraternidade. Portanto um sujeito racional, jurídico e moral, não mais definido por
suas posições sociais. O cuidado de si moderno, deste modo, convidava o homem a olhar para
sua vida interior, provocando um ―adensamento‖ (FERREIRA, 2007, p.17) da interioridade,
por conseguinte, uma separação entre o público e o privado (JACÓ-VILELA, 2002;
SENNETT, 2002).
Tomando esses pressupostos por base, eis que uma nova atitude científica nasceu com
a obra de Descartes (1569-1650). Reconhecidamente racionalista, Descartes propôs a
construção de um método lógico-matemático apresentado no Discurso do método para bem
conduzir a Razão e buscar a Verdade na Ciência, a partir do qual estabeleceu a Razão61,
independente das influências do mundo exterior, como único guia do espírito para alcançar a
verdade, abolindo os fenômenos de perturbação espiritual: as paixões humanas, a imaginação,
o sonho, o erro e a loucura (BITTENCOURT, 2005; DIAS, 2005; MENEZES, 2007).
A reflexão filosófica cartesiana inaugurou uma era de racionalismo, de
intelectualismo, cujo rigor técnico e metodológico se amparava na dicotomia rex extensa –
rex cogitans, corpo e alma, oposição matéria-substância pensante, a fim de dar maior rigor à
objetividade científica. Nestes alicerces, Descartes concebeu uma moral provisória, pautada
na qualidade inata da razão humana de distinguir entre certo e errado como meio de orientar o
homem a viver em conformidade às leis, sendo resoluto em suas ações ao mesmo tempo em
que deveria ter domínio de si, ou seja, agindo conforme suas possibilidades (DIAS, 2005;
GAARDER, 1995; MARIGUELA, 1995; MENEZES, 2007).
A valorização do pensamento como Razão preparou o terreno para, ao final do século
XVII, emergir a Filosofia das Ciências ou Filosofia das Luzes, ou ainda, Filosofia iluminista
ou Iluminismo, cujo propósito era retirar a sociedade das trevas das superstições e mitos da fé.
Assim, fortemente aderida à razão, às normas e aos valores universais, os iluministas e os
materialistas do século XVII e XVIII destacaram-se pela compreensão de ética como um
elemento inerente à natureza humana, de características universais, inatas, independentes da
cultura e da experiência de vida individual. Esta ética de concepção jusnaturalista (direito
61
O termo – que apresenta duas fontes: uma latina, ratio, e outra grega, logos, – exprime ideias muito próximas:
contar, reunir, juntar, medir, calcular. Ações que remetem a um modo ordenado de agir. Desta forma, Chauí
(2000) explica que logos, ratio ou razão significa pensar e falar ordenadamente, com medida e proporção e de
modo compreensível a outros, do que advém a definição: razão é a capacidade intelectual para pensar e exprimir-
se correta e claramente. A razão é uma maneira de organizar a realidade pela qual esta se torna compreensível.
Contudo, a razão objetiva difere da razão subjetiva ou instrumental. Enquanto a razão objetiva (logos),
característica da época clássica, diz respeito à sabedoria, à filosofia; a razão subjetiva diz respeito à faculdade do
homem pensar, classificar, inferir, sendo neutra, abstrata e lógico-matemática.
192
natural) e essencialista utilizou-se da ideia de uma razão humana natural, universal, laicizada,
para ordenar a natureza e vida social dos povos a qualquer tempo, por meio de sistemas éticos
universais. (CHAUÍ, 1992; FEIJOO, 2001; ROUANET, 1992; SANCHES, 2009; VALLS,
1999; VAZQUEZ, 1998).
De acordo com Foucault (2005), as luzes, as práticas epistêmicas foram responsáveis
pelos dispositivos disciplinares que individualizaram e objetivaram o homem, tais como o exame,
a classificação, a mensuração, a taxonomia natural. As Ciências Humanas se originaram desse
contexto, transformando o homem em objeto cognoscível.
Silva (1997, s/p) esclarecem que:
Immanuel Kant (1724-1804), conhecido por suas obras Crítica da Razão Pura (1781),
Crítica da Razão Prática (1787) e Crítica da Faculdade de Julgar (1790), surgiu, no limiar
da modernidade, como o mais eminente teórico iluminista a pensar uma ética das normas,
inaugurando uma revolução no pensamento da época.
O ponto central da teoria de Kant está no fato de o homem ter uma consciência moral
e, assim, poder desvelar os sentimentos de justiça, por meio da razão 62 instrumental,
obedecendo a uma lógica edificada segundo a noção de ciência da modernidade, de modo que
a ação do sujeito racional possa se tornar uma regra generalizável, válida para todos. A ética
deixaria de ser o caminho para o Bem, para tratar da relação entre as ações do sujeito e a lei
62
Chauí (2000) explica que a Razão, compreendida como uma estrutura vazia, pura, sem conteúdos, é universal,
a mesma para todos os seres humanos, em todos os tempos e lugares. Essa estrutura (a razão), por ser inata e não
depender da experiência para existir, é, do ponto de vista do conhecimento, anterior à experiência. Como definiu
Kant, a estrutura da razão pura é a priori (vem antes da experiência e não depende dela).
193
considerada universal, tal como se configura no imperativo categórico: Aja apenas segundo a
máxima que você gostaria de ver transformada em lei universal.
[...] Kant, apesar de muitas afirmações em contrário, nunca distinguiu completamente entre
legalidade e moralidade, e que ele queria que a moralidade se tornasse, sem intermediários, a
fonte da lei, de modo que o homem, aonde quer que fosse e o quer que fizesse, fosse o seu
próprio legislador, uma pessoa inteiramente autônoma (ARENDT, 2004, p.174).
Kant entendia a autonomia da razão como condição para o que chamou de maturidade
ou maioridade do sujeito, ou seja, condição para a liberdade, sendo mais livre aquele que
pudesse, após uma consciente aceitação da norma, escolher agir em conformidade à lei moral,
ao invés de simplesmente obedecê-la. Com efeito, postulava que a noção de certo e errado não
se limitava a uma questão de sentimento, compreendendo-a, à semelhança dos racionalistas,
como inerente à razão humana (FOUCAULT, 2004c).
Assim, na aurora de um mundo ético secular, com autonomia frente à reflexão
filosófica sobre o humano, a ética transcendental do imperativo categórico permitia a
discussão dos grandes princípios, ―uma abstração do entendimento, sem alcançar à concretude
da ideia‖ (CHAUÍ, 1992, p.352).
Desprovida de qualquer conteúdo, sendo, portanto, equiparada a postulados retóricos,
formais e abstratos, não satisfazia as exigências e questões da prática do dia-a-dia, pois não
oferecia respostas concretas sobre como o homem deveria deliberar e agir nas suas
experiências particulares (BORNHEIM, 1992; SANCHES, 2009).
Nas palavras de Fortes (1998, p.27), a situação vivenciada naquele momento era
[...] distinta dos períodos de hegemonia dos ensinamentos judaicos e cristãos, para quem o
bom equivalia à obediência do Decálogo e às orientações divinas. A sociedade moderna sente
falta de parâmetros e critérios objetivos para definir os significados práticos do ―bom‖, da
―vida boa‖, do ―bem-estar‖, e assim estabelecer os limites e exigências éticas.
Bastaria, para isso, apenas seguir o referencial da Lei, com o ideal de igualar-se a sua pura
forma e introjetar seu paradigma universal. Mas ao mesmo tempo em que esta concepção do
senso comum é compartilhada como sendo a que melhor conduz o indivíduo a um modo de
vida responsável e justo, concedendo-lhe o direito a uma espécie de liberdade assistida por
fora e vigiada por dentro (como num panópticum), relativa ao grau de liberdade que a própria
sociedade poderia suportar sem ser ameaçada em sua constituição, instaura-se, na mesma
proporção, a contraparte de um assujeitamento sutil e inaudito que submete e desvia tanto o
desejo quanto mais ele adere, na espera de recompensas ou ganhos, ao modo moralmente útil
de ser.
63
Ciência e a tecnologia passaram a estar ligadas durante os séculos XVII e XVIII, inicialmente com a invenção
de instrumentos que facilitassem a experimentação; posteriormente, com as descobertas, dentre elas: o relógio de
pêndulo, a máquina a vapor, a bicicleta, a vacina contra a varíola, a calculadora, a eletricidade, a lâmpada
elétrica, dentre outros inventos.
196
Coube ao século XIX com Nietzsche, Freud, Marx, fazer severas críticas à repressão e à
opressão sofridas pelo ser humano no processo civilizatório em nome da Razão. [...]
Nietzsche acentua o maléfico poder da ciência que em nome da vontade de saber domina a
vontade de potência criadora da vida, despotencializando o homem. Freud coloca às claras a
cegueira do homem face à própria vida, devido ao seu lado inconsciente, repressivo, tão
preponderante e tão ignorante de si mesmo, quer do ponto de vista ético e estético. Marx
denuncia a falta de liberdade como consequência de uma história econômica opressora que
força uma luta de classes sociais onde a alienação marca a vida ética e elimina ou reduz a vida
estética (HÜHNE, 2005, p.123).
64
Os grandes discursos da Razão destinados a produzir uma visão integrada e coerente do mundo, assim como a
fornecer sistemas de normas capazes de regular as condutas e comportamentos, dando um sentido ou propondo
uma ―salvação‖ para a vida dos indivíduos.
65
―Crise‖ é uma expressão utilizada por vários autores, cujas ideias são diferenciadas pelos significados da
palavra e pelos sentidos atribuídos às diversas tendências e correntes da psicologia e o grau de reconhecimento e
validação da crise (MOLON, 2004). Contudo, a palavra, de origem grega krísis não tem um sentido negativo,
mas uma tomada de posição capaz de separar o verdadeiro do falso (VEIGA-NETO, 2008). Chauí (2003), em
entrevista à Agência Brasil, explica que seu significado remete a um momento no qual um processo vai
encontrar o seu ponto culminante do qual se exige uma intervenção muito clara e muito eficaz para que o
processo se complete e uma situação nova possa ser estabelecida. Portanto, no sentido latino, passou a significar
ação ou faculdade de distinguir, decisão, por extensão, momento decisivo, que obriga uma tomada de decisão; a
confrontar determinada situação e fazer uma escolha. Um momento de decisão, visando uma mudança no curso
de um acontecimento. Derivam de crise as palavras ―crítica‖ e ―critério‖, que também evocam produtividade. As
crises proporcionam uma oportunidade de reflexão de modo a agir para mudar o rumo dos acontecimentos.
198
A ambiguidade é parte integrante de nossa compreensão deste fenômeno. Se, por um lado,
busca-se uma homogeneização, conduzida pelo princípio da igualdade, por outro, através do
princípio da liberdade, aprofunda-se o processo de diferenciação e de acentuação das
singularidades, desencadeando uma tendência de personalização sem precedentes na história
da constituição do indivíduo, levando o sujeito ao desfecho da cultura narcísica (SOUZA,
2001, p.282).
Preferimos, então, adotar uma compreensão dialética, assumindo uma abordagem da pós-
modernidade a partir de uma tensão constante entre ruptura e continuidade no âmbito das
práticas culturais, revelando ora tendências continuístas, ora tendências de corte ou ruptura
(SOUZA, 2001, p.279).
66
Os grandes discursos da Razão, com seus universalismos disciplinadores e unidimensionalizadores, produtora
de conhecimentos legitimáveis e verdadeiros, são destinados a produzir uma visão integrada e coerente do
mundo, assim como a fornecer sistemas de normas capazes de regular as condutas e comportamentos, dando um
sentido ou propondo uma ―salvação‖ para a vida dos indivíduos.
199
entraves. Ampliado, o mercado neoliberal proclama a liberdade para o consumo, de modo que
as atividades humanas devem ser livres ―para perseguir seus interesses egoístas‖ (DUFOUR,
2005, p.81).
O discurso em defesa da liberdade ocorre em uma perspectiva individualista e
hedonista que implica no ―desregramento‖ (BAUMAN, 2003, p.43) ou um arrefecimento
generalizado das normas morais, denominado de crise ética, bem dizendo, uma crise moral,
quando cada indivíduo torna-se governante de suas próprias vontades, tanto quanto de sua
conduta, não se submetendo aos ditames alheios. Na análise de alguns autores, significa que,
em face do capitalismo sumariamente denominado neoliberalismo, esse indivíduo livre deve
confiar e ser leal a si mesmo, enquanto o outro se torna cada vez menos necessário e, ainda,
podendo ser lesado caso venha a ser um obstáculo ou um concorrente na conquista de
interesses pessoais, da felicidade. As transgressões, nesta perspectiva, são justificadas a partir
do entendimento de que o homem, que reconhece a lei como válida, faz uma exceção
temporária a ela em vista do próprio benefício (ARANHA; MARTINS, 2009; BOFF, 2004;
CAMARGO, 2004; CHEVITARESE, 2001; DUFOUR, 2005; FIGUEIREDO, 1991b, 2008;
FUGANTI, 2009; JAPIASSÚ, 1996; ROUANET, 1992; SENNET, 1999).
Bem, esse é o mundo em que vivemos. [...] Em nossa ordem ética, a ação moral não tem
fundamentos, o que nos condena ao decisionismo ou ao niilismo; o direito à auto-realização
não tem uma base sólida, o que nos condena ao hedonismo sem princípios ou ao ascetismo; o
direito ao descentramento é contestado, o que nos condena ao conformismo; e não há clima
para o universalismo, o que nos condena ao relativismo e à imanência das normatividades
particulares. Ora, isso acontece num momento em que todas as certezas se dissolvem no ar.
[...] muitos mergulharam na anomia e no vazio existencial (ROUANET, 1992, p.157).
Desse modo de viver, em que os sujeitos se pretendem livres para concretizar todos
seus desejos, Figueiredo (2008), Souza (2001) e Szapiro (2005) relatam perceber o
aparecimento de sujeitos desestabilizados que perderam suas referências. Nestas condições, o
sujeito poderia apresentar dificuldades na estruturação de modelos de interpretação da
realidade, de engendrar valores duradouros, fazendo ascender um vazio ontológico associado
a uma insegurança quanto à habilidade para decidir com correção (BAPTISTA, 1999; BOFF,
2004; ROUANET, 1992).
Essa vivência de esvaziamento fez ascender um sentimento de angústia no sujeito pós-
moderno para Baptista (1999), Bauman (2003), Chauí (1992), Figueiredo (2008) e Rodrigues
e Tedesco (2009); e fez desenvolver um ―sujeito precário, acrítico e psicotizante‖ no
entendimento de Dufour (2005, p.21).
Bauman (2003) explica que a consciência pós-moderna produz um desconforto, fonte
de angústia, especialmente para todos aqueles que receberam um ―resíduo suficiente de
sentimentos modernos‖ (BAUMAN, 2003, p.43). Logo, muitos daqueles que buscam
soluções para seus dilemas e querem escapar da angústia e do confronto com ambiguidades e
incertezas oriundas da liberdade de escolha, tentam reconstruir uma ética iluminista moderna
assentada em sua matriz original (razão). Por conseguinte, Rouanet (1992) explica que
202
67
A expressão ―homem da moral‖ utilizada por Rolnik (1995, p.154-155) é originalmente empregada por Gilles
Deleuze em ―Sur La différence de l‘Éthique avec une Morale‖ (Minuit, Paris, 1981). Este homem da moral,
segundo a autora, é o vetor de nossa subjetividade que transita no visível: é ele que conhece os códigos, isto é, o
conjunto de valores e regras de ação vigentes na sociedade em que estamos vivendo; ele guia nossas escolhas,
tomando como referência tais códigos.
203
O cristianismo tradicional está sempre disponível, mas não faltam alternativas pós-moderna,
que vão desde os fundamentalismos, evangélicos ou carismáticos, até o esoterismo. Quando a
tradição religiosa não basta, há receitas ecléticas, um pouco de Jung, algum Herman Hesse,
Reich em pequenas doses, e muita meditação no interior de pirâmides de cristal, entre um
baralho de tarô e um livro de Paulo Coelho (ROUANET, 1992, p.157).
Para nós, toda essa visão da Lei, do Bem comum e da Obediência a um plano de organização
de direitos e deveres que normatizariam as condutas e levariam a uma pretensa ordem
universal, numa palavra, tudo o que constitui a atitude Moral propriamente dita na relação do
indivíduo com a sociedade, precisa ser claramente distinguida de uma outra atitude, a postura
a que chamamos Ética (FUGANTI, 2009, s/p).
Note-se que encaminhamos uma concepção de ética que não pode ser definida pela
obediência aos códigos existentes, extraídos de uma verdade universal sobre a natureza do
sujeito, mas definida pelo desafio de interrogá-los, pela decisão de propor novas direções para
as condutas, a partir do que nos parece mais caro discutir: a inauguração de formas inéditas de
relação com os códigos e normas (RODRIGUES; TEDESCO, 2009, p.77).
Neste caso, o sujeito não cumpre ou comporta-se conforme uma regra, mas torna-se
sujeito enquanto age, seja de forma submissa e obediente, transgressora ou resistente, ou
ainda, sendo negligente. Portanto, sua ação não está limitada à aplicação de regras de um
código ou de uma Lei, mas livre, autônoma, para afirmar outras lógicas, para refletir acerca de
um desafio que se coloca ao pensamento e que se agencia nos encontros.
Assim, para ser um ―homem da ética‖ ou um ―ser ético‖, Rolnik (1995, p.154-164)
comenta que o homem abre-se para a alteridade, para o encontro com o outro. Enquanto ser
dialógico, relacional, o ser humano se constitui a partir das relações que estabelece com os
outros durante toda a sua vida, sem perder sua singularidade, sendo um ser único. ―A
dimensão ética apoia-se diretamente sobre essa antropologia personalista e dialógica‖
(GUARESCHI, 2000, p.20).
Arendt (2004), por sua vez, lembra em Responsabilidade e Julgamento, ser preciso ter
para com as escolhas e ações, responsabilidade, respondendo e se comprometendo também
pelo desejo, pela paixão, já que estas são endereçadas e produzem efeitos sobre outros
sujeitos. O ato de escolher como o homem deve agir ou se posicionar estaria, portanto, na
base da ―responsabilidade política‖, diz Assy (2004, p.52) na introdução da obra de Arendt
205
(2004), e implicaria ―uma qualidade de reflexão peculiar às atividades mentais, que por sua
vez repousam na responsabilidade pessoal‖ (ASSY, 2004, p.52).
Esses diversos posicionamentos remetem à condição pós-moderna, na qual a dispersão
de várias experiências denominadas ora por ética, ora por moral, vigora concomitantemente.
Importa ter em mente que, enquanto seres sociais, as ações (dos psicólogos, por exemplo)
promovem efeitos sobre outros seres humanos e, por conseguinte, para a sociedade, o que
significa que o sujeito deve manter um constante diálogo entre moral e ética para encontrar as
respostas para os desafios que se impõem à sua vida e fundamentar seus argumentos. Enfim,
saber articular a concretização do ser e o dever.
Enquanto a moral, representada pelo código de conduta, fornece princípios
norteadores das ações de um grupo, instituição ou categoria profissional, a ética remete à
liberdade do sujeito em sua relação com tais princípios na determinação de ações em
situações desafiadoras, sempre na perspectiva de um encontro com o outro. Deste modo, ética
e moral, embora não sejam equivalentes, podem ser compreendidas, conforme propõe
Machado (1999) e Rodrigues e Tedesco (2009), como vetores que se expressam na vida
humana que não se opõem tampouco se confundem, funcionando de forma articulada,
enquanto um campo de forças em relação dialógica.
Desta forma, a regra está sempre presente, porém caberá ao sujeito decidir o modo de
conduzir-se, orientar-se em relação a ela, articulando limites e possibilidades, direitos e
deveres, ―livre de coações internas ou externas‖ (FORTES, 1998, p.37). A autonomia ou
liberdade de pensamento, nesse sentido, diz respeito à possibilidade de transpor as ―próprias
condições da experiência condicionada pelo social ou pelo poder‖ (FUGANTI, 2009), de
colocar normas universais em questão mediante um processo de escolhas e definição de novas
formas de viver (GONDAR, 2004; RIOS, 1993; RODRIGUES; TEDESCO, 2009).
Ou seja, trata-se da forma particular pela qual um indivíduo cumpre as prescrições que se
encontram estabelecidas no código – já que existem diferentes maneiras e motivações para
cumpri-las. Ele pode fazê-lo a partir de certos ―modos de subjetivação‖ e de ―práticas de si‖
que não se encontram na dependência dos códigos morais ou da moralidade dos
comportamentos. [...] há um trabalho ético que o sujeito efetua sobre si, não [...] para tornar o
seu comportamento adequado a uma regra dada, mas, principalmente, para tornar-se ou
constituir-se enquanto sujeito à medida que age (GONDAR, 2004, p.37).
Deleuze (2005), em sua leitura sobre Foucault, aponta para o caráter facultativo e singular
dessas regras. São facultativas porque variam conforme a própria dinâmica das relações de
poder e singulares, pois só fazem sentido no contexto local dos sujeitos que constituem a
relação. O exercício ético, portanto, dirige-se à criação de condições para a problematização
que permite aos indivíduos ou coletivos se transformarem. Consequentemente, afirmamos que
toda prática apoiada em verdades absolutas – estruturas psíquicas invariantes, regras
normalizadoras, enfim códigos prescritivos, defensores de identidades ou mesmo referenciais
fixos por mais diminutos que sejam – seguem na direção dos estados de dominação: tendem à
fixação das relações de poder e, portanto, conduzem à estagnação do si em seus movimentos
de mudança.
Assim, a ética na visão de alguns autores, deve ser pensada como propositiva, ao
colocar desafios e exigências ao sujeito que devem ser reavaliados sempre que for necessário,
não se traduzindo em prescrições e proibições expressas em poder ou não poder; e que se
estabelecem nas relações com o outro, quem definirá se alguém é ético ou não. Ética também
remete à capacidade de o indivíduo ponderar vários argumentos à luz de conhecimentos que
possui naquele instante, de forma que possa fazer escolhas autênticas e tomar decisões
potencializadoras de vida sempre de modo provisório, criando novos modos de subjetivação e
práticas de si singulares. Ética, portanto, é criação permanente que sofre as influências de seu
tempo (FOUCAULT, 2001b; FORTES, 1998, GUARESCHI, 2000; GUYOMARD, 2007;
MACIEL; FRIZZO; CASTRO, 2010; MEDEIROS, 2002; PELLOSO; FERRAZ, 2005;
PEREIRA, 1991; RIOS, 1993; RODRIGUES; TEDESCO, 2009; VAZQUEZ, 1998).
Coimbra e Leitão (2007, p.169) propõem ética enquanto
A ideia de uma comunidade de integração é uma noção herdada da hoje ancestral era do pan-
óptico: ela se refere ao esforço organizado de fortalecer a fronteira que separa o ―interior‖ do
―exterior‖, de manter os internos dentro, enquanto se impede os outsiders de entrarem e os
próprios internos de praticarem desvios, quebrando normas e planejando escapar do pulso da
rotina. Tudo isso diz respeito à execução de um código de conduta uniforme, monotônico,
imputado em termos de espaço e tempo (BAUMAN, 2011, p.27-28).
Esse processo, todavia, não se dá sem embates e contradições próprios das disputas e
interesses político-econômicos e ideológicos na sociedade. Tal fato remete à compreensão de
que todo Código não está isento da ideologia daqueles que representam o sistema do poder,
como lembra Benavides e Antón (1987, p.52),
208
Segundo estes ideólogos [Marx, Nietzsche e Freud], os códigos morais se criam como sendo
reflexos de ―interesses das classes dominantes‖ e ―expressão do poder‖ (Marx); como ―sanção
do vulgo e dos débeis tolhidos para prevalecer sobre os fortes e nobres‖ (Nietzsche); ou como
ideal ―paterno opressor dos instintos‖ (Freud). Em todo caso, são entendidas as normas como
―algo exterior‖ que leva a estabelecer um estado de coisas, que se bem pode ser benéfico com
vistas a criar certa ordem pacífica e rendosa.
Por este motivo, todo Código, que não seja uma Lei no sentido estrito e, portanto,
possa ser mais sensível ao contexto econômico-político e cultural de uma dada sociedade, tem
um aspecto dinâmico, o que permite – à medida que a sociedade e a própria profissão se
movimentam –, a revisão, transformação, renovação e reedição de seus artigos para se
aproximarem aos novos costumes (PEGORARO, 2005b; PEREIRA, 1991).
No caso do Código de Ética Profissional do Psicólogo (CEPP), trata-se de uma norma
jurídica, cuja denominação técnica é Resolução, enquanto tal, possui caráter normativo e
regulador da profissão. A partir desse instrumento jurídico, o Conselho Federal de Psicologia
institui, por escrito, o dever-ser da conduta moral do profissional da Psicologia.
Não obstante a controvérsia que possa suscitar e a lacuna que possa haver, o CEPP é
―uma norma imperativa, oponível a toda categoria dos psicólogos no Brasil e com força
coercitiva e de sanção‖ (PEREIRA, 1991, p.33). Em outras palavras: trata-se de um sistema
de regras que visa à regulação da conduta profissional do psicólogo, apontando
responsabilidades, direitos e deveres, de caráter obrigatório e coercitivo, de tal modo que seu
descumprimento é passível de punição (BENAVIDES; ANTÓN, 1987; FORTES, 1998;
MEDEIROS, 2002).
Bock (2008b, p.101), quando ainda exercia a função de conselheira-presidente do XIII
Plenário do CFP, declarou, em palestra posteriormente transcrita no livro Profissão Psicólogo
(2008)68, que a função do Código de Ética Profissional do Psicólogo é orientar a atividade do
psicólogo, devendo ser encarado
68
Edição destinada a apresentar o Código de Processamento Disciplinar comentado – (CPD, RESOLUÇÃO CFP
Nº 006/2007) – legislação que regulamenta os trâmites processuais de Processos Disciplinares Ordinários,
Funcionais e Éticos. O Código de Processamento Disciplinar comentado é uma publicação de iniciativa do CFP
resultante do Encontro das Comissões de Ética dos CRPs com a Comissão de Orientação e Ética do CFP que
aconteceu em Brasília nos dias 26 e 27 de outubro de 2007, cujas falas foram compiladas na publicação
Profissão Psicólogo; que foi editada no ano de 2008 e distribuída aos Conselheiros neste mesmo ano. O texto foi
formulado a partir da ―necessidade de se unificarem as ações das Comissões de Ética dos Conselhos Regionais,
bem como diminuir erros processuais que resultam em nulidades dos processos éticos‖ (CFP, 2008, p.9-10).
209
profissional, à infração ao Código, ao tipo de conduta de infração que tem sido encontrada,
entre outros aspectos.
Desta forma, este [o Conselho Regional] é um lugar que recebe denúncias de pessoas que são
usuárias dos serviços dos psicólogos, e é a serviço delas que o Conselho trabalha, não ao
contrário. O Conselho não existe para defender os psicólogos das pessoas que vêm apresentar
denúncia, e essa perspectiva faz a diferença no trato com a pessoa que vem apresentar a sua
denúncia, ou na forma como a denúncia é acolhida (BOCK, 2008b, p.100).
Alguns autores salientam que, além de o Código de Ética estar atento para as
demandas da sociedade, ele também tem por função orientar e proteger o próprio profissional.
Esta afirmativa não compromete, em absoluto, a fala da então presidente do CFP (BOCK,
2008b), pois não é função do Conselho de Classe defender o psicólogo, enquanto indivíduo,
quando este é denunciado ou em qualquer circunstância, seja lhe oferecendo assistência
jurídica, seja deixando de receber denúncias, etc.. Sua função é executiva e voltada para a
defesa da integridade da Psicologia enquanto profissão perante a sociedade (BENAVIDES;
ANTÓN, 1987; PEGORARO, 2005b; PEREIRA, 1991; PEREIRA; PEREIRA NETO, 2003).
Todavia, a meu ver, é função do CFP elaborar um Código de Ética que corresponda às
necessidades da categoria e divulgá-lo para que o profissional possa, ao conhecê-lo, usá-lo
como um referencial a ser observado com vistas a tomar suas decisões frente aos desafios da
profissão. Porém, não basta que o Conselho Federal construa um Código e o divulgue para
que a categoria o cumpra. É forçoso que, ao oferecê-lo, também instrumentalize, ou seja, dê
condições para que o profissional consiga articular as normas com sua prática de um modo
coerente e criativo, já que é a ele que o Código de Ética é endereçado e sobre ele que incidem
as denúncias de infração. Portanto, considero muito pertinente a pergunta feita por Arantes
(2008, comunicação pessoal) durante o evento comemorativo do Dia do Psicólogo na sede do
CRP-RJ: ―qual a nossa ética e como podemos fazer dela algo que possa nos proteger
também?‖.
Nesse sentido, para responder às exigências da população envolvendo questões de
ética profissional, assim como ter pontos de referência para a orientação e fiscalização no
210
69
Consultar: Homenageado. Arrigo Leonardo Angelini. Psicologia Ciência e Profissão, vol.26, n.1, 2006, p.172.
70
Consultar: Homenageado. Oswaldo de Barros Santos. Psicologia Ciência e Profissão, vol.23, nº 3, 2003,
p.101.
71
Não dispõe de texto biográfico para consulta na internet até o momento.
72
Consultar: JACO-VILELA, Ana Maria. Eliezer Schneider: um esboço biográfico. Estud. psicol. (Natal), vol.4,
n.2, 1999, p. 331-350.
211
teve lugar em Ribeirão Preto, em julho de 1964, quando da realização de uma assembleia
geral da ABP, por ocasião da XVI Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência. Em consequência, numerosas sugestões foram feitas, ou enviadas por escrito, e para
estudar a conveniência ou não da inclusão das alterações propostas, foi nomeada uma
comissão integrada pelos profs. Drs. Arrigo L. Angelini, Pedro Parafita de Bessa, Arthur M.
Saldanha, Dante M. Leite, Pé. Antonius Benko, Enzo Azzi e Prof. Osvaldo de Barros Santos.
Por dificuldades diversas, inerentes a uma Comissão, cujos componentes se encontravam em
pontos diferentes do país, não houve oportunidade de um trabalho em conjunto. No entanto,
isoladamente, cada membro dessa Comissão, que havia recebido cópia de todo o material
resultante da Assembleia Geral realizada em Ribeirão Preto, examinou o referido material à
luz do anteprojeto original. Em julho de 1965, na Assembleia Geral de ABP, realizada em
Belo Horizonte, por ocasião da XVII Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso
da Ciência, voltou-se a discutir o novo anteprojeto, cujos pontos principais foram
apresentados e aprovados nessa Assembleia Geral da Associação Brasileira de Psicólogos
pelos relatores da Comissão anteriormente indicada em Ribeirão Preto — Drs. Pedro Parafita
de Bessa e Arthur M. Saldanha que também cuidaram da redação final do novo anteprojeto.
Ampla divulgação desse anteprojeto foi feita pela A. B. P. entre seus associados. Finalmente,
na Assembleia Geral da A. B. P. realizada em Blumenau, por ocasião da XVIII Reunião
Anual da S. B. P. C. aos 12 dias do mês de julho de 1966 o novo anteprojeto foi
unanimemente considerado O CÓDIGO DE ÉTICA DOS PSICÓLOGOS BRASILEIROS e
decidiu-se recomendar a adoção do mesmo por todos quantos se dedicam profissionalmente à
Psicologia em nosso meio.
Conforme Weil (1967, p.258-259) menciona em seu texto, foi por determinação do
Código de Ética dos Psicólogos Brasileiros que a Assembleia Geral da Associação Brasileira
de Psicologia (ABP), realizada em Blumenau no ano de 1966, nomeou os membros do
Conselho de Ética Profissional, entidade que se incumbiria de orientar a aplicação deste
Código de Ética, zelar pela sua observância e fiscalizar o exercício profissional. Para tanto,
seria imprescindível uma normativa na qual os membros desse Conselho de Ética pudessem
se orientar na apuração das faltas disciplinares e infrações ao Código de Ética. Esse
instrumento legal ficou conhecido como o primeiro Código de Processamento Disciplinar
(CPD), Resolução CFP nº 014/1976, um ano após a instituição do primeiro Código de Ética
Profissional do Psicólogo (CEPP), por meio da Resolução CFP Nº 8, de 02 de fevereiro de
197573, publicada no Diário Oficial da União.
O primeiro Código de Ética da categoria era composto por cinco Princípios
Fundamentais e 40 (quarenta) artigos, distribuídos em 13 (treze) capítulos: das
responsabilidades gerais do psicólogo; das responsabilidades para com o cliente; das
responsabilidades e relações com as instituições empregadoras; das relações com outros
psicólogos; das relações com outros profissionais; das relações com associações congêneres
e representativas do psicólogo; das relações com a justiça; do sigilo profissional; das
comunicações científicas e das publicações; da publicidade profissional; dos honorários
73
Anexo A: Código de Ética de 1975.
212
74
Em anexo B.
213
[...] a estrutura de nosso código é simples [...] desenvolvem-se artigos em duas direções
paralelas: a preservação da dignidade do cliente e a preservação da dignidade do próprio
profissional, para concluir na consolidação da imagem social do psicólogo, que deve
assegurar a integralidade do mercado de trabalho. (DRAWIN, 1985, p.16).
214
76
Infelizmente, há pouca informação disponível acerca da elaboração desses documentos legais.
216
O material analisado foi apresentado em maio de 1985 para o CFP e demais CRPs em
reunião realizada para fins de estabelecer diretrizes básicas que deveriam nortear as propostas
para a feitura do novo Código. Concluiu-se por três diretrizes, que seriam: (1) prioridade para
218
Éthos, segundo Aristóteles, expressa um modo-de-ser, uma atitude psíquica, aquilo que o
homem traz dentro de si na sua relação consigo, com o outro e com o mundo. Indica as
disposições do ser humano perante a vida. Ser ético é muito mais do que um problema de
costumes, de normas práticas. Supõe a boa conduta das ações, a felicidade pela ação feita e o
prêmio ou a beatitude da alegria da auto-aprovação diante do bem-feito, no dizer de
Aristóteles (RESOLUÇÃO CFP Nº 002/87).
Neste sentido, o Código de 1987 conceituava Ética enquanto Filosofia Moral ou ética
filosófica, que recorre à reflexão e compreensão das singularidades, que permite o exercício
da criatividade, da liberdade e da espontaneidade. Portanto, uma ética capaz de fazer o
psicólogo ver o cliente como um ser de relação no mundo.
Por sua vez, entendendo ética também como Ciência dos Costumes, o Código dizia
respeito aos deveres sociais do homem e de suas obrigações na comunidade, lembrando que o
ser humano não pode viver ao sabor de suas paixões e que a vida não é apenas deixar-se viver.
Ao indivíduo, é requerida uma conduta moral para viver em sociedade ou em grupo,
respeitando certas regras ou leis e tendo por base a disciplina, a adaptação à vida grupal e a
autonomia da vontade. O Código ainda salientava que o agir ético vai além do pensar bem e
honestamente, mas exige do profissional estar consciente de suas ações. Assim, ao mesmo
tempo em que deveria expor normas explícitas, um Código de Ética não poderia oferecer
soluções pré-fabricadas, entendendo que caberia a cada indivíduo agir eticamente. Neste caso,
o psicólogo deveria, antes de cumprir as normas do Código, ser ético. Desta feita, o Código se
propunha a servir como um mapa, assinalando os principais caminhos de onde decorre a vida,
como um convite à reflexão e à descoberta de valores que deveriam guiar a ação/prática
profissional. Igualmente, o Código de Ética deveria também estar sujeito às leis da mudança,
aberto a reflexões que o atualizassem continuamente.
219
77
Os psicólogos elegiam os conselheiros regionais que, por sua vez, eram indicados para comporem o Plenário
Federal. Em 1989, pela primeira vez os psicólogos votaram em uma chapa para compor o VII Plenário do CFP
(CFP, 2004).
78
Os Congressos Nacionais da Psicologia são a instância máxima de deliberação na estrutura dos Conselhos
Regionais e Federal de Psicologia. São atividades políticas da maior relevância para a profissão no Brasil. Os
221
CNPs não são, portanto, eventos acadêmico-científicos. A construção do CNP se inicia com eventos
preparatórios e com os pré-congressos, nos quais é aberta à participação da categoria, que contribui com ideias e
com a produção de um conjunto de teses qualificadas e representativas do pensamento contemporâneo da
Psicologia, além de eleger os delegados – psicólogos regularmente inscritos e que não estejam respondendo a
processos éticos – que irão aos Congressos Regionais (Coreps) e ao CNP (extraído e adaptado do site
<http://cnp.pol.org.br/sobre>).
222
79
Essa informação é de extrema relevância, tendo em vista que, nos documentos analisados nessa pesquisa, essa
situação foi verificada em alguns processos éticos que foram arquivados sem que houvesse julgamento .
223
80
No texto de Apresentação, o CFP cometeu o equívoco de anunciar que o CEPP, Resolução CFP Nº 010/2005
era o terceiro da profissão de psicólogo no Brasil, mas, na verdade, trata-se do quarto código de ética elaborado
para a categoria.
81
A psicóloga conselheira Patrícia Garcia ocupou a função de presidente da Comissão de Orientação e Ética do
CRP de São Paulo na Gestão (2007-2010), havendo também exercido a função na Gestão anterior (2004-2007).
225
respondeu que ―o Código não é um oráculo, com respostas prontas e fechadas para tudo. Se
assim fosse, isto é, se tudo se resumisse a seguir preceitos e normas [...], não se poderia falar
em análise, reflexão [...] em ação ética‖ (JORNAL PSI, abril/maio 2009, s/p). Trata-se de um
instrumento historicamente construído, fruto de uma visão de Psicologia edificada ao longo
de décadas e consubstanciada em um momento específico, que deve servir como parâmetro
para que o psicólogo se posicione diante de situações-problemas de forma reflexiva e crítica,
tendo as normas como referência. Realizando uma análise das implicações de sua ação
juntamente com uma reflexão sobre as normas, o psicólogo terá meios de melhor decidir.
De acordo com a Resolução CFP Nº 010/2005 do Conselho Federal de Psicologia:
organizador do II Fórum Regional de Ética – Elisa Zaneratto Rosa –, emitiu opinião de que os
Códigos anteriores, aprovados na década de 1970, não contemplavam todas as possibilidades
de atuação profissional, pois eram eminentemente voltados à área clínica. O Código atual, na
opinião da conselheira, é mais abrangente, perdendo ―o eco predominantemente clínico‖
(JORNAL PSI, 2004, s/p) para assumir compromissos perante a sociedade, viabilizando a
sanção do profissional, por exemplo, nos casos de práticas de exclusão e discriminação.
Aluízio Brito, responsável pela coordenação dos trabalhos de construção do novo
Código, também em entrevista para o Jornal PSI (2004), comentou que acredita que este
Código esteja em sincronia com as legislações vigentes (Código de Defesa do Consumidor, o
Código Brasileiro de Trânsito, o Estatuto do Idoso e o Estatuto da Criança e do Adolescente),
incorporando vários de seus princípios. Para o referido psicólogo, a atenção voltou-se à
responsabilidade e às relações com a Justiça, entendendo que o novo Código de Ética vem
assegurar uma relação transparente dos psicólogos que trabalham com avaliação psicológica
no campo da Justiça e no Poder Judiciário.
Brito (2007) é de opinião diversa. A autora, em palestra no CRP do Rio de Janeiro,
promoveu uma série de observações e críticas ao novo Código, entendendo que o documento
que entrou em vigor em 1987 fornecia, sob alguns aspectos, mais suporte ao profissional que
atua junto ao poder judiciário. Para ilustrar, a autora citou alguns exemplos: tomando o Artigo
1º do Código de Ética de 2005 como referência, a autora questionou o sentido da expressão ―a
quem de direito‖ disposta nas alíneas ‗f‘, ‗g‘, ‗h‘. Alegou que muitos profissionais têm
dúvidas quanto à definição de quem teria direito às informações dos serviços psicológicos. No
Código de 87, o texto define que se trata da ―pessoa atendida‖ quem tem o direito a tais
informações, prevendo a possibilidade de, apenas na ―incapacidade dessa‖, o psicólogo vir a
prestar informações ―a quem de direito‖. Logo, Brito (2007) constata que, no atual CEPP,
esse entendimento foi generalizado, abrindo margem para interpretações diversas.
Nesse sentido, é possível recordar palestra de um promotor, em evento promovido
pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em 03 de julho de 2009, cujo tema em
debate era o testemunho de crianças como vítima de violência sexual. Em sua fala, o promotor
relatou que a expressão ―a quem de direito‖ refere-se ao juiz, devendo, portanto, o
profissional psicólogo reportar-se ao mesmo para fins de fornecer, informar e orientar acerca
de conteúdo relativo à prestação de serviço psicológico, conforme expresso no CEPP
(Resolução CFP nº 010/2005).
227
Nesses casos, pode ocorrer de o psicólogo que atua no âmbito judiciário se ver, muitas
vezes, compelido a atender à demanda judicial e a prestar as informações sem conseguir
dispor de argumentos para fundamentar opinião ou interpretação contrária.
Brito (2007) ressaltou, em mais uma ilustração de caso, que alguns psicólogos que
atuam no judiciário queixam-se em relação à compreensão do Art. 11: ―quando requisitado a
depor em juízo, o psicólogo poderá prestar informações, considerando o previsto neste
Código‖. Não está claro no CEPP em que condições o psicólogo é requisitado a depor:
outras atividades para as quais não se sentem contemplados e protegidos pelo Código de
Ética. Em geral, são psicólogos que consultam o CEPP na intenção de ter respaldo em seus
argumentos para interpor às exigências (pouco ou nada éticas) das demandas que lhes são
dirigidas no cotidiano das diversas instituições em que atuam. Por conseguinte, manifestam
receio de virem a ser denunciados por possível infração ao CEPP caso realizem as atividades
exigidas ou de perderem o emprego ou serem transferidos, caso recusem executá-las.
Esta situação foi constatada por Lídia Rosalina Folgueira Castro, responsável pelo
Setor de Psicologia das Varas da Família do Fórum Central da Capital de São Paulo, mais
especificamente, em relação à obrigação de emitir laudos conclusivos82 e à realização de
certos tipos de intervenção, nem sempre ligadas à Psicologia (JORNAL PSI, jul/set. 2006).
Esse descompasso entre o que se pede ao profissional e o respeito ao CEPP também é
verificado em relação ao sigilo das informações, um dos temas mais controversos e mais
debatidos em eventos sobre a relação exercício e ética profissional.
Sobre o sigilo, o CEPP dispõe que:
Art. 9º – É dever do psicólogo respeitar o sigilo profissional a fim de proteger, por meio da
confidencialidade, a intimidade das pessoas, grupos ou organizações, a que tenha acesso no
exercício profissional.
Art. 10 – Nas situações em que se configure conflito entre as exigências decorrentes do
disposto no Art. 9º e as afirmações dos princípios fundamentais deste Código, excetuando-se
os casos previstos em lei, o psicólogo poderá decidir pela quebra de sigilo, baseando sua
decisão na busca do menor prejuízo.
Parágrafo único – Em caso de quebra do sigilo previsto no caput deste artigo, o psicólogo
deverá restringir-se a prestar as informações estritamente necessárias.
De acordo com Patrícia Garcia, a questão do sigilo profissional foi bastante discutida
para que seu uso não se tornasse corrompido de modo a ―ferir os direitos humanos individuais
e coletivos‖ (JORNAL PSI, out/dez 2005, s/p). Explica a conselheira que o novo Código
manteve a garantia do sigilo como um fundamento da profissão. A novidade estaria no fato de
o CEPP agora considerar a possibilidade de rompimento deste em situações em que haja
conflito entre a manutenção do sigilo e os demais princípios do Código.
82
A emissão de uma conclusão nos laudos psicológicos tem sido uma questão para muitos psicólogos,
especialmente para o âmbito judicial. Defendo a ideia de que todo laudo deve ser conclusivo, portanto, deve
emitir opinião acerca das observações e análises obtidas no trabalho de avaliação psicológica; todavia, a
conclusão do profissional não deve exceder à sua função, confundindo-se com a sentença judicial.
229
pensar nas amplas repercussões que podem advir da imposição do silêncio (JORNAL PSI,
out/dez 2005, s/p).
A conselheira declara, ainda, que o profissional deva realizar uma análise crítica
acerca do atendimento prestado, levando em consideração os efeitos de sua intervenção não
somente no âmbito individual, mas no que se refere ao coletivo, incluindo, ―no processo de
formação de seu julgamento, as partes que compõem a situação conflitante e as legislações
nas quais toda a sociedade está submetida‖ (JORNAL PSI, out/dez 2005, s/p), tais como o
Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto do Idoso, o Estatuto da Criança e do
Adolescente, entre outras.
Novamente, o que está em questão para o profissional é saber reconhecer as condições
ou critérios em que a quebra do sigilo está autorizada, porquanto não está claro para este o
que significa a expressão ―busca do menor prejuízo83‖ e ―restringir-se a prestar as
informações estritamente necessárias‖ expressas no CEPP. Dada a circunstância, caberia ao
profissional justificar a revelação do segredo enquanto imperativo, ordem ou dever a cumprir
(BENAVIDES; ANTÓN, 1987).
Se para o profissional há uma dificuldade para compreender as condições em que
pode/deve ou não quebrar o sigilo e que tipo de informação pode/deve prestar, o mesmo
ocorre com os psicólogos conselheiros que atuam na Comissão de Orientação e Ética (COE),
cuja função regimental é analisar e interpretar questões relativas à ética profissional à luz do
Código de Ética Profissional do Psicólogo (CEPP) nos casos de denúncia contra seus colegas
de profissão, e apreciar as respectivas infrações.
Com efeito, a exigência por maior objetividade ao Código de Ética é legítima, pois de
nada serve uma norma que não cumpra com seu papel norteador para com as atividades
profissionais, porém é preciso estar atento para o fato de o psicólogo não limitar sua atuação
ao simples cumprimento do Código e com isso acreditar estar suficientemente seguro de estar
certo. A espera por normas firmes e confiáveis a abrigar às práticas profissionais é tarefa ―em
vão‖, embora ―ardentemente desejada‖ na opinião de Bauman (2003, p.28). Contudo, não há
autoridade, não há normas ou códigos poderosos o suficiente para oferecer ao psicólogo o
grau de segurança que busca. Tampouco há respostas prontas, pois não basta um Código de
Ética Profissional para garantir a conduta moral. Como apresenta o autor, ―precisamos
83
A quebra do sigilo das informações implica, por princípio, na ruptura dos laços de confiabilidade, de tal modo
que há o entendimento que a revelação, por si só, cause prejuízo.
230
aprender a viver sem essas garantias e conscientes de que nunca se oferecerão essas garantias‖
(BAUMAN, 2003, p.16).
No entanto, obedecer ao CEPP tem sido, para muitos psicólogos, medida
apaziguadora, de modo que eles têm confundido o cumprimento do Código com agir
eticamente. Além dessa circunstância – em que os profissionais entendem que o exercício da
ética se resume ou se basta no cumprimento do código de conduta –, Patrícia Mortara ainda
alerta para o fato de alunos de Psicologia da PUC de São Paulo interrogarem a necessidade da
reflexão crítica acerca da prática, tendo em vista a obrigatoriedade do cumprimento do CEPP
(JORNAL PSI, abr/mai., 2009).
Neste caso, quando o profissional estabelece uma relação de dependência acrítica com
seu código de conduta, o que ocorre é uma espécie de ética da tutela. A razão para buscar
tutela nos ditames do Código deve-se, a meu ver, ao sentimento de insegurança e angústia que
vem sobrepujando os sujeitos pós-modernos pelo fato de terem que fazer escolhas livremente
(guiados por suas reflexões e incertezas) e serem, por estas, responsáveis.
Em uma sociedade individualizada, como explica Bauman (2011, p.24), os sujeitos
vivem em um ―estado de incerteza aguda‖, de tal forma que as ―escolhas obrigatórias estão
cheias de sonhos de libertação das responsabilidades‖ (BAUMAN, 2011, p.53), com isso,
muitas pessoas estariam dispostas a renunciar formas de liberdade em nome da segurança. Tal
lógica estaria, no mundo contemporâneo, disseminada em todos os âmbitos da vida, incluindo
a profissional, quando o psicólogo, por exemplo, estaria disposto a abrir mão da liberdade de
pensar, de criar, inovar em seu fazer para manter-se atrelado à obediência à técnica, ao
cumprimento estrito do Código.
Seguramente, é mais fácil suportar a responsabilidade dos atos e escolhas praticados se
estes estiverem apoiados em normas, leis, diretrizes, postas por uma autoridade da qual se
deve obediência, à semelhança do Conselho Federal de Psicologia.
Todavia, não há código de comportamento moral que se possa
aprender, memorizar e desenvolver para escapar de situações sem bom resultado e poupar-se
do amargo gosto [...] [da culpa, do pecado] que vêm sem pedir na esteira das decisões
tomadas ou realizadas. A realidade humana é confusa e ambígua, e também as decisões
morais (BAUMAN, 2003, p.41).
Certamente, tais princípios pessoais devem ser respeitados e não rejeitados em nome de uma
neutralidade infactível. Contudo, respeitar esses valores não é o mesmo que o psicólogo agir
fundamentado apenas sobre eles, o que levaria à banalização e ao senso-comum (REIS;
RODRIGUES; MELO, 2010).
Não por acaso que essa tem sido a razão pela qual alguns Conselhos Regionais de
Psicologia têm se ocupado em promover debates ou palestras sobre ética. Na experiência do
CRP-SP, as medidas voltadas para esclarecimento e orientação ao profissional na Gestão
(2007-2010) apontam para uma redução efetiva no ―número de representações contra
psicólogos levadas a julgamento pela Comissão de Ética. O ponto de maior destaque foi a
redução dos casos envolvendo laudos psicológicos‖ (JORNAL PSI, ago/set. 2010).
De acordo com os dados apresentados pelo Jornal PSI (ago/set. 2010), metade das
denúncias contra os psicólogos em São Paulo são arquivados ainda na fase de Representação.
Mesmo nos casos em que a representação se torne um processo e chegue a julgamento, este
ainda pode ser arquivado, após avaliação do mérito.
Nestes termos, a Comissão de Ética passou a operar no gerenciamento dos riscos, ou
seja, no papel profilático a partir de uma política preventiva que, por sua vez, é requisitada
pela própria categoria. Porque não quer correr riscos, a categoria demanda do Conselho de
Classe respostas para suas dúvidas as quais não encontram respaldo no Código. Neste círculo
de demandas, o próprio Conselho Federal de Psicologia atua no sentido de respondê-las por
meio de Resoluções e manuais, constituindo um campo discursivo, cujas diretrizes se
transformam em tecnologias preventivas voltadas para a previsão e determinação do que deve
ou não fazer o profissional no sentido de evitar a irrupção do risco de incorrer em infração ao
CEPP. Com efeito, o CFP deixa de problematizar as razões pelas quais o psicólogo passou a
ser denunciado nas Comissões de Orientação e Ética (COE), e a se sentir desprotegido pelo
seu Código de Ética e sem argumentos para respaldar suas decisões, atuando como um
mecanismo regulador e de controle. Enquanto isso, para assegurar que o psicólogo não seja
processado, o CFP promove as suas compensações sob o nome de aprimoramento do
exercício profissional.
232
A mudança, segundo Patrícia, parece pequena, mas é fundamental, porque nesse primeiro
momento o objetivo da Comissão de Ética é justamente procurar esclarecer o fato que gerou a
representação. Assim que é aberta a representação, o psicólogo é comunicado por carta e
convidado a esclarecer os fatos do seu ponto de vista, ou seja, apresentar considerações da
perspectiva da sua condução profissional na situação questionada. ―Antes chamávamos essa
etapa de defesa prévia. Agora, mudamos o nome: o psicólogo é chamado a apresentar seus
esclarecimentos por escrito‖, afirma. ―Muitas vezes o psicólogo se sentia acusado nesse
primeiro momento, sendo que na realidade o procedimento é de apenas um levantamento
preliminar de dados, e os novos nomes aumentam a clareza do procedimento‖, afirma
(JORNAL PSI, maio/jun 2007).
84
Todo o trâmite processual será descrito e explicado mais adiante.
233
85
O CEPP normatiza a prática profissional de todos os psicólogos, independentemente de suas abordagens
teóricas.
86
Como debati no início do capítulo, compreendendo ética enquanto reflexão filosófica, esta não tem a
proficuidade imediata, ou seja, o código não oferece soluções prontas, apenas ajuda a lançar luz na elucidação de
dilemas éticos, deixando claro o caráter inalienável da responsabilidade do psicólogo perante suas decisões
éticas.
234
002/1987), e que diz respeito às relações com a Justiça, foram resgatados, recuperados,
reformulados e atualizados nos seguintes termos:
87
Sathler (2008) explica que o termo ―considerando‖ é empregado na intenção de estabelecer uma enumeração,
uma série ou uma sequência de itens a serem considerados e, implicitamente, essas considerações são
emergências técnico-profissionais no momento atual.
236
Além disso, o Código de Ética atual, no exemplo a seguir, teve sua escrita ajustada ao
contexto da prática e demanda judiciais, especificamente no caso da elaboração de
documentos decorrente do processo terapêutico.
88
Neste caso, especificamente, o psicólogo está obrigado a omitir ou alterar todo e qualquer dado que possa
servir para identificar o cliente, não se restringindo ao nome e à idade das pessoas, por exemplo.
239
conforme expresso nos art. 154 do Código Penal89, art. Quando causar danos graves e prejuízos
a terceiros
207 do Código de Processo Penal90 e art. 406 do Via de regra, entre as condições que em boa
moral, consideram-se como dever de
Código de Processo Civil91 – textos legais que revelar o sigilo para evitar dano ou prejuízo
asseguram a obrigação ao sigilo das informações a terceiro, encontramos:
1º - que o dano ou dolo seja real e formal,
advindas de atendimento ao seu cliente, estando o consequentemente seja o segredo o motivo
verdadeiro e provocador de mal ou
profissional (advogado, médico e psicólogo) proibido injustiça;
2º - que o dano ou dolo se estejam por
de revelar os assuntos abordados nessas conjunturas, concretizar, e não já cometido, sendo a
revelação de segredo o meio de evitá-lo;
inclusive mediante autorização. 3º - que o dano ou dolo que se há de seguir
A despeito de todas as prerrogativas pela seja verdadeiramente relevante ou grave,
pois sua revelação não é autorizada, moral e
manutenção do sigilo, há previsão para sua quebra por legalmente, se não existem motivos
ponderáveis ou graves;
meio do consentimento do próprio informante, no 4º - há de revelar-se apenas o estritamente
necessário
caso, do cliente ou seu representante legal, quando a Benavides e Antón (1987, p.216-217)
pessoa atendida for criança, adolescente ou interdito,
desde que observada a existência de justa causa. Menor prejuízo, justa causa..., ambos estão
relacionados e como é possível perceber, requerem análise criteriosa do profissional.
A justa causa remete à concepção de que há um motivo justo e suficiente para
justificar a decisão de o profissional romper com o contrato de confidencialidade, em geral,
por necessidade de ―salvaguardar um interesse maior‖ (BENAVIDES; ANTÓN, 1987, p.214).
Por sua vez, a revelação do segredo não elimina o prejuízo, que poderá comprometer e levar à
interrupção da relação terapeuta-cliente. Nos atendimentos psicoterapêuticos dirigidos a
crianças, como não são elas quem autorizam a revelação do segredo, ao tomarem
conhecimento do fato, poderão rejeitar e se tornarem refratárias a qualquer intervenção do
profissional. É certo que, para haver a quebra de sigilo, é mister a autorização, entendendo
que o sigilo é para benefício do usuário do serviço e não do profissional (FORTES, 1998).
Há casos, porém, que o segredo pode ser revelado sem o consentimento do
interessado: mediante a exigência de um dever social, quando o interesse coletivo ou público
é superior ao particular (bem comum); nas circunstâncias em que o segredo pode causar
danos graves e prejuízos a terceiros; quando do segredo resultar prejuízo ao próprio
89
Art. 154 – é crime revelar, sem justa causa, segredo adquirido em razão de função ministério, ofício ou
profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outra pessoa. Prevista a detenção de 03 meses a 01 ano ou
multa se comprovado o delito doloso.
90
Art. 207. São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam
guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho.
91
Art. 406 II – A testemunha não é obrigada a depor de fatos: a cujo respeito, por estado ou profissão, deva
guardar sigilo.
240
descumprindo a Resolução, podendo vir a ser condenado por infração ao Código de ética92?
Quais argumentos o profissional poderia empregar para negar-se a construir tal documento já
que bastaria a autorização do outro? Mediante a negativa, e mesmo na falta de
materialidade93, seria o psicoterapeuta acusado de ser um agente contra a defesa dos direitos
da criança? Seria ele denunciado e, talvez, penalizado porque deixou, por suposição, de basear
seu ―trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da
integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos
Direitos Humanos‖, conforme preconiza o Princípio Fundamental I do Código de Ética?
Poderia ele também responder por possível infração ao artigo 1º alíneas ‗e‘, ‗f‘, ‗g‘ do CEPP,
sobre a prestação de informação decorrente de serviço psicológico?
92
Nos dados colhidos para esta pesquisa, localizei dois casos nessa condição, de psicólogos terapeutas que se
recusaram a elaborar documentos com fins jurídicos. As denúncias foram arquivadas.
93
Materialidade nas Representações e Processos éticos diz respeito à prova material ou a presença de elementos
de prova a qual a Comissão de Instrução de Processos Éticos poderá analisar e opinar pela instauração ou não de
processo ético.
94
A expressão ―estudo psicoterapêutico‖ foi empregada por uma psicóloga que foi denunciada por confeccionar
documentos para fins jurídicos com informações advindas de psicoterapia. O processo foi objeto de estudo nessa
pesquisa.
95
Expressão foi utilizada por uma aluna durante aula de Psicodiagnóstico por mim administrada na Escola
Preparatória em outubro de 2011. Na tentativa de diferenciar de laudo, a aluna empregou o termo ―relatório‖,
demonstrando, claramente, desconhecer a Resolução CFP nº 007/2003 que atribui equivalência às expressões,
mesclando a prática de avaliação com psicoterapia, na tentativa de dar nome ao documento elaborado pelo
psicoterapeuta.
242
CFP nº 008/2010), ou ainda, de assistente técnico, de pessoas atendidas por ele, que estejam
envolvidas em situação litigiosa, como nos casos de denúncia de abuso sexual ou disputa de
guarda? Deste modo, não estaria a mesma Resolução se contradizendo?
Há quem tenha entendimento divergente sobre a prática pericial. Para Perotti e
Siqueira (2009), a perícia não se confunde com a prática clínica, embora as autoras, em
determinado momento, definam essa prática como sendo um ―instrumento de caráter clínico e
científico, um processo sistemático e criterioso [...] de investigação, análise e comunicação‖
(PEROTTI; SIQUEIRA, 2009, p.120-121) detalhado de pessoas e fatos que requer
conhecimento especializado e ―postura de neutralidade‖ (idem, ibidem, p.125). Acresce-se o
fato de que, para as autoras, porque o processo é contencioso, as pessoas a serem periciadas
são obrigadas a se submeterem, cabendo ao psicólogo manter-se imparcial. Outro diferencial,
na visão das autoras é que o cliente é o requisitante da perícia e não o periciando.
Em outra perspectiva, Barreto e Silva (2011, p.7) explicam que,
Qualquer psicólogo, com registro nos órgãos que regulamentam a profissão, em seu
consultório particular, pode ser contratado pela parte de uma ação judicial para realizar um
trabalho técnico, em princípio, com a demanda de uma avaliação psicológica96, cujos
resultados serão expressos em um documento técnico a ser juntado em uma ação judicial. [...]
a entrada da demanda judicial nos consultórios psicológicos particulares - quando as partes
passavam a procurar e a constituir os seus peritos, peritos estes não judiciais, mas que em
algum momento também se tornavam judiciais.
o Juiz como interlocutor direto, por meio do que escreve em seu laudo/relatório técnico. Mas
também o psicólogo-assessor do Ministério Público, da Defensoria Pública ou contratado
pelas partes, apesar de ter estes como interlocutores imediatos, terá o Juiz como interlocutor
final, pois o que escreve em seus documentos técnicos, com vinculações institucionais
diversas, irá compor a heterogeneidade discursiva presente em uma ação judicial. Nesta, será
enunciada uma sentença, a partir da análise dos enunciados técnicos tomados como
verdadeiros, que irão legitimar (ou não) decisões factuais para a vida das pessoas envolvidas
na ação ou litígio judicial. Desta forma, quer tenham ou não o valor jurídico de perícia
judicial, o interlocutor final de tais psicólogos, em todos os níveis de intervenção, cujo
diálogo é estabelecido por meio dos resultados expressos em documentos técnicos – que se
tornam judiciais – será o Poder Judiciário (BARRETO; SILVA, 2011, p.13).
96
Em geral, a demanda é pelo ―laudo‖ para ser entregue à Justiça e não pela avaliação psicológica.
243
Não se pode perder de vista que, como a própria Resolução CFP nº 008/2010 expõe
nas considerações, o maior número de denúncias éticas contra os psicólogos decorre,
exatamente, da prática psicológica no campo jurídico.
97
Inclusive o assunto é tema dessa tese.
244
colocar medidas que protejam o seu auxiliar que atua como perito, permitindo uma
‗blindagem‘ contra tais ataques‖ (SHINE, 2009, p.105).
Embora, em minha opinião, não esteja claro o que o autor chamou de ―eventuais
problemas que podem ocorrer‖ e os ―riscos que corre em seu trabalho‖ (SHINE, 2009, p.105),
entendo que, entrelinhas, ele fez uma referência a uma possível infração ao Código de Ética.
Quanto à constatação feita de que os psicólogos judiciários são denunciados em menor
número, ainda que seja interessante pensar que o diferencial seja o treinamento oferecido a
eles, tornando-os mais competentes para o exercício da profissão no campo da Justiça, a
segunda hipótese – de que o sistema judiciário protege o perito com uma ―blindagem‖ contra
―ataques‖ –, mereceria, a meu ver, uma análise mais cuidadosa pelo autor. Pela declaração, o
autor perpassa a ideia de que o usuário do serviço psicológico, envolvido em uma ação
judicial, é visto pelo psicólogo do TJSP como uma ameaça em potencial. Frente a esta ameaça
de o psicólogo ser denunciado, haveria uma espécie de ―blindagem‖ feita pelo próprio sistema
judicial para proteger o funcionário. O que seria essa ―blindagem‖? Pela minha experiência
em casos de avaliação psicológica para fins jurídicos, muitos desses usuários deixam de
prestar queixas aos Conselhos de Classe contra alguns psicólogos que atuam no sistema
judicial por se sentirem intimidados, com receios de virem a ser prejudicados nos processos
(em que são réus) que tramitam na justiça.
De modo geral, partindo das considerações feitas, tudo indica que a aludida Resolução
CFP nº 008/2010 vai ao encontro dos anseios de um determinado grupo de psicólogos,
psicoterapeutas, de explorarem esse mercado de trabalho, bastante promissor, acolhendo as
demandas do sistema judiciário pela elaboração de documentos psicológicos. Por sua vez, esta
mesma Resolução estaria, por acréscimo, beneficiando o próprio sistema, que passaria a
receber informações antes sigilosas, sem maiores empecilhos, tudo em nome dos direitos de
crianças (vítimas de violência, por exemplo).
Conflitante, porém, torna-se essa atuação psicológica com a legislação que assegura o
direito do cliente ao sigilo das informações prestadas no contexto do atendimento clínico-
terapêutico, conforme discutido. Inconciliável também está essa norma com as Referências
técnicas propostas pelo próprio Conselho Federal de Psicologia, como dispõe o texto:
Há que se pensar no contrato que foi estabelecido com o cliente no início do atendimento, ou
seja, qual seu objetivo. Em atendimentos com finalidade terapêutica, geralmente se explica ao
paciente que tudo o que for dito naquele espaço será usado em benefício de seu tratamento,
havendo compromisso com o sigilo. Portanto, soa como inadequado usar informações
245
colhidas no espaço terapêutico para finalidade alheia, no caso para fins jurídicos
(CFP/CREPOP, 2010b, p.42).
O que fazemos e outras pessoas fazem pode ter consequências profundas, de longo alcance e
de longa duração, consequências que não podemos ver diretamente nem predizer com
precisão. [...] dificilmente podemos medir a qualidade de nossas ações mediante pleno
inventário de seus efeitos. O que nós e outros fazemos tem ―efeitos colaterais‖,
―consequências não-antecipatórias‖, que podem abafar quaisquer bons propósitos que se
fazem e produzir desastres e sofrimento que nós e ninguém quisemos ou vislumbramos. E
podem afetar pessoas que se acham muito distantes ou que viverão no futuro e com as quais
jamais vamos nos encontrar e lhes fitar o rosto. Podemos lhes fazer mal (ou elas nos podem
fazer mal) inadvertidamente, por ignorância mais do que de propósito, sem querer mal a quem
quer que seja em particular e sem agir com maldade, e sermos, no entanto, culpados
moralmente.
98
O fragmento foi extraído do Manual de Elaboração de Documentos, na parte dos considerandos, presente em
suas três versões (Resolução CFP nº 030/2001; 17/2002; 007/2003).
247
a profissão das polêmicas em que está envolvida, e a primeira polêmica citada é a produção
não qualificada de documentos‖ (SATHLER, 2008, p.107).
Por sua vez, o autor salienta que o Manual pode dar o seguinte efeito ilusório de
sentido: se o psicólogo seguir as normas, as produções estarão qualificadas para todas as
finalidades. Em verdade, a produção de normas específicas para a escrita psicológica diz
respeito a um ―jogo político que atende a conveniências‖ (SATHLER, 2008, p.114). Portanto,
atendem, convenientemente, a necessidade de controle, sendo uma questão de poder
evidenciada na determinação pelo CFP do que convém que seja dito e de que forma possa ser
dito em determinado momento.
Mediante essas ponderações, fica notória a intenção do Conselho Federal de
Psicologia de reduzir o número de processos éticos contra os psicólogos por meio da
instituição de Resoluções que normatizam e padronizam o trabalho e a escrita dos seus
profissionais e, com isso, desfazer a imagem de que a profissão apresenta ―problemas‖, como
observado no pronunciamento de Patrícia Garcia de Souza, conselheira-presidente da COE do
CRP-SP (Gestão 2007-2010), ao Jornal PSI (fev/mar 2009):
―Os casos que chegam ao nosso conhecimento nos mostram em que áreas estão ocorrendo
problemas‖, diz. Segundo ela, esse é, muitas vezes, o ponto de partida para a formulação
de resoluções que servirão de orientação para os psicólogos 99. Isso faz com que a atuação
do psicólogo fique menos exposta a questionamentos. ―Quando uma resolução sobre um tema
é divulgada, o arquivamento de processos sobre aquele tema aumenta progressivamente com
o correr do tempo‖ (JORNAL PSI, fev/mar 2009, s/p).
99
Grifo meu.
248
100
Na minha experiência na Comissão de Ética, este é um argumento muitas vezes utilizado por psicólogos
denunciados em sua defesa: o desconhecimento da norma.
249
101
Embora não seja divulgado, é possível supor que o dispositivo CREPOP foi criado tão logo a instituição do
novo Código de Ética CEPP em razão de alguns Conselhos Regionais (DF, RJ, SP, PR, RS, entre outros)
constatarem um aumento no número de denúncias contra os psicólogos. Desde modo, o CREPOP objetivaria o
Código de Ética, fornecendo diretrizes aos psicólogos.
250
102
A dissertação de Mestrado foi concluída em 2006, antes da pesquisa do CREPOP, no entanto, só foi
publicada em 2009.
103
Um total de 281 psicólogos respondeu ao questionário on-line e 54 às questões abertas sobre a rotina de
trabalho. O material quantitativo do questionário on-line pode ser acessado em http://crepop.pol.org.br
251
Digno de nota é o perfil dos 281 profissionais que responderam ao questionário on-
line, algo muito semelhante ao que observei por ocasião da pesquisa de mestrado104: mulheres
jovens, recém-formadas, sem experiência e conhecimento específico na área que escolheram
para atuar. Por conta disso, muitas buscaram complementar a formação com cursos de
capacitação profissional, quando não tomaram a iniciativa de estudar por conta e risco próprio
(AMENDOLA, 2006; 2009).
Grave, no entanto, foi a exposição de uma psicóloga acerca da capacitação oferecida
na instituição que atuava. Em suas palavras: ―não há capacitação. A capacitação, que não é
bem capacitação, não capacita muita coisa‖ (Psi 01; AMENDOLA, 2009a, p.157). Ora, isso
significa que, além de denunciar a má qualidade dos cursos de qualificação oferecidos aos
profissionais, a psicóloga também admite que venha atuando na área sem capacitação.
Essa circunstância não está distante do que o CREPOP (CFP, 2009a) apurou nos
relatos: existe uma falta de projetos para a formação dos profissionais que atuam nesse
campo, assim como carência na oferta de capacitação e supervisão nesses serviços.
No questionário respondido on-line, obtivemos várias informações que nos permitiram uma
aproximação desse profissional e de seu trabalho. Conforme Relatório elaborado pelo Crepop,
os profissionais com formação em Psicologia, atuantes nesse campo, são, em sua maioria,
mulheres jovens. A maior parte dessas psicólogas atua há pouco tempo nesses serviços e
somente poucas estão trabalhando nesse campo há 10 anos ou mais; esse tempo é
correspondente à existência e implantação do Programa Sentinela e dos Serviços de
Enfrentamento nas diversas regiões do país. A maioria também disse não possuir formação
específica no atendimento à criança e ao adolescente vítima de violência, abuso e exploração
sexual. Os(as) que têm formação obtiveram principalmente por meio de capacitações e
especializações (CFP/CREPOP, 2009a, p. 12).
A verdade é que o psicólogo não foi preparado, durante o curso de graduação, para
lidar com questões referentes ao abuso sexual contra crianças e adolescentes, tema este de alta
complexidade que requer permanente análise e discussão. Mas afinal, quais saberes,
discursos/práticas preparam um profissional para essa realidade? De que modo os saberes
psicológicos transmitidos nas universidades podem formar o psicólogo?
Outros dados compilados pelo CREPOP, também observados por mim durante a
pesquisa de mestrado, é que, em geral, os psicólogos atuam em equipes multidisciplinares em
número insuficiente para atender à demanda e para ampliar o escopo das ações, fato que
104
A pesquisa do CREPOP revela dados muito semelhantes aos observados na pesquisa que desenvolvi para
obtenção do título de mestre. Especulo que seja em função de ambas as pesquisas terem objetivo em comum e
empregarem (pelo menos uma) metodologia similar: entrevista com psicólogos que atuam em instituições de
referência ao atendimento a casos de denúncia de abuso sexual contra a criança e o adolescente.
252
Na produção dos relatórios individuais o psicólogo fica em dúvida sobre qual conteúdo deve
ou não fazer parte do relatório, pois acreditam que o que é colocado ali pode marcar para
sempre a vida da pessoa e envolve questões éticas (GF - CRP 04).
Creio que seria importante a realização de fóruns de discussão para que o Conselho possa vir
a formular uma diretriz quanto ao papel e a forma de atuação dos psicólogos que venha a
253
Ao que tudo indica, o profissional que atua nesses serviços, a despeito da capacitação
precária e outros tantos impasses narrados, ―luta por melhores condições de trabalho e por
qualificação profissional‖, exigindo do seu Conselho de Classe participação ativa nesse
sentido; embora esta demanda seja direcionada para que o CFP diga o que o profissional deve
ou não fazer (AMENDOLA, 2009a, p.170).
Em vias de acolher essa demanda por diretrizes, já nas etapas finais na construção das
referências técnicas, o CREPOP teve a contribuição de um grupo de pesquisadores do Centro
de Estudos em Administração e Governo da Fundação Getúlio Vargas105, para fins de
compilar as informações disponibilizadas106.
Para efetuar o documento, houve a participação da equipe de organizadores: o
Conselho Federal de Psicologia, o Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas
Públicas e de uma Comissão de elaboração do documento composta por Joseleno dos Santos,
Karin Koshima, Maria Luiza Oliveira, Sandra Amorim. Para finalizar houve o aporte de
Antonio José Angelo Motti e de Iolete Ribeiro da Silva. O material ainda recebeu
contribuições adicionais da equipe técnica do Ministério do Desenvolvimento Social e do
Combate à Fome.
É evidente que, por ser um documento construído a partir do relato das experiências de
trabalho dos psicólogos participantes e da contribuição de consultores ad hoc, as referências
técnicas remetem a uma determinada visão de mundo, de homem, de ciência, portanto, uma
forma de pensar e praticar a Psicologia, historicamente datada. Logo, o texto reflete esse
determinado grupo que defende teorias e métodos de trabalho que lhes são afins,
especialmente os referendados pelo Programa Sentinela107 e pela cartilha da Associação
105
Jacqueline Isaac Machado Brigagão, Peter Kevin Spink, Sérgio Seiji Aragaki, Tatiana Alves Cordaro Bichara,
Vanda Lúcia Vitoriano do Nascimento.
106
O material se encontra disponível no site do CREPOP para consulta (http://crepop.pol.org.br/novo/wp-
content/uploads/2010/11/livro_webSENTINELA.pdf).
107
O Programa Sentinela constitui uma ação de responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome (MDS), inserido no Programa de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e
Adolescentes, coordenado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, e está
presente em todos os Estados da Federação e no Distrito Federal (COMITÊ NACIONAL, 2006). Em 2006, com
a implantação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), o Sentinela se inseriu como serviço do Centro de
Referência Especial de Assistência Social, obedecendo às Normas Operacionais Básicas da Política Pública de
Assistência Social, e passou a se chamar Serviço de Enfrentamento à Violência, Abuso e Exploração Sexual
contra Crianças e Adolescentes. Atualmente, denomina-se Serviço de Proteção Social a Crianças e Adolescentes
Vítimas de Violência, Abuso e Exploração Sexual e suas Famílias, e destina-se ao atendimento de situações de
violência física, psicológica, sexual e de negligência grave contra crianças e adolescentes (CFP, 2009a, p.22-23).
254
Ainda que se cogite a possibilidade de uma falsa denúncia tomar curso nesse ambiente
de acolhimento, esse tipo de acontecimento é tratado como algo de menor valor, irrelevante à
análise pelos serviços de proteção a crianças e adolescentes. Tampouco parece interessar a
este documento de referências, já que a falsa denúncia contraria o modelo de trabalho
instituído nesses espaços. Por sua vez, as normas para a escuta de crianças e adolescentes
considerados vítimas de violência consta de outro documento oficial emitido pelo CFP – a
Resolução CFP nº 010/2010 que institui a regulamentação da Escuta Psicológica de
Crianças e Adolescentes envolvidos em situação de violência, na Rede de Proteção.
256
[...] é preciso estar atento, pois, em alguns casos, em situações de disputa pela guarda de uma
criança, pode acontecer de um dos pais manipular as crianças para que insinuem situação de
abuso, a fim de prejudicar a imagem do outro. Esses são casos que merecem atenção
redobrada, embora a crença na palavra da criança continue sendo premissa básica
(CFP/CREPOP, 2009b, p.59).
257
A partir dessa concepção, justifica-se arrancar à força a pretensa verdade da criança sobre o
abuso sexual, já que este último permanece na obscuridade/clandestinidade. Portanto, para o
profissional que se encarrega de ouvir a criança em seu processo de revelação do abuso, este
se torna o juiz, cujo ―poder em relação à confissão não consiste somente em exigi-la, antes de
ela ser feita, ou em decidir após ter sido proferida, porém em constituir, através dela e de sua
decifração, um discurso de verdade‖ (FOUCAULT, 2001, p. 66), essencial para o sucesso da
entrevista de revelação (AMENDOLA, 2009a, p.89-90).
questionamentos acerca das condutas profissionais, essas mesmas referências podem ser
utilizadas contra o psicólogo caso se argumente que não houve o cumprimento passo a passo
do que se configura nesses documentos.
Deriva dessa circunstância que as diretrizes e referências técnicas, enquanto
desdobramentos do Código de Ética, passaram a ter a mesma finalidade deste: tornaram-se
mais um dispositivo, paradoxalmente, de proteção e de coerção, exacerbando a heteronomia
coletiva ao invés da autonomia; a alienação da responsabilidade ao invés do exercício da
ética; a cópia em oposição à criação; o assentimento no lugar da transgressão108.
Nessa perspectiva, Mello (1983 p.99-100) afirma que,
108
Entendendo transgressão no sentindo de romper com o instituído para se pensar e produzir o novo.
260
Na falta dessas indagações – a quem está servindo e qual sua implicação (COIMBRA,
1995; ROLNIK, 1995; GONDAR, 1998; 2004) –, o profissional corre o risco de ficar
limitado ao lugar do técnico ou especialista, lugar da competência, daquele que detém o
―conhecimento sobre a conduta das pessoas e o como funcionam por meio de conjunto de
técnicas de observação, inquirição e medição‖ (MACIEL; FRIZZO; CASTRO, 2010, p.50),
empregando este seu saber-fazer em objetos e não sobre sujeitos109.
É deste lugar de técnico, enquanto reprodutor e executor de um determinado modelo
enrijecido de atuação, que o profissional psicólogo vem sendo questionado ou tem contra si
denúncias sobre a sua postura e prática profissional. Via de regra, são denúncias que
contestam as técnicas utilizadas, a atuação do profissional durante o processo de avaliação
psicológica, a fundamentação das conclusões, a produção de laudos (JORNAL PSI, 2002;
jan/mar 2006).
Assim, a postura ética do profissional psicólogo está para além de uma formação
racional técnico-científica, tanto quanto está para além das normas110. Contudo, é nesta norma
que o psicólogo deve pautar o seu agir ético, visto que é por meio deste instrumento que
poderá pensar sobre a sua prática como estética e ética, ou seja, à semelhança de uma obra de
arte, única, singular, que afeta e se deixa afetar (GONDAR, 2004; JAPIASSU, 2005;
SAWAIA, 1995).
A despeito das críticas e demais problemas que possam ser identificados no Código de
Ética e demais normativas, um aspecto deve ser considerado: toda intervenção profissional,
109
O termo ―objetos‖ é aqui adotado no sentido de ser humano visto como uma essência invariável,
diferentemente da ―categoria de sujeito‖ proposta por Gondar (1998, p.23), quando afirma que esta última ―não é
categoria técnica, e a esta não pode submeter-se; a dimensão subjetiva não pode ser colocada senão na dimensão
ética‖.
110
A Comissão de Orientação e Ética do CRP do Rio de Janeiro realizou nos anos de 2006 e 2007, sob vigência
do XI Plenário, a oficina ―Ética para além das normas‖.
261
porque está permeada por uma dimensão ética, política – já que é ao outro que o psicólogo
endereça sua prática – promove afetações na vida das pessoas e das instituições. De tal sorte
que o psicólogo é chamado a assumir a responsabilidade pelos efeitos decorrentes do
exercício profissional.
Nestes termos, é obrigação do CRP protocolar denúncia contra o profissional
psicólogo por uma possível infração ao Código de Ética e encaminhar à Comissão
Permanente de Ética para conduzir os Processos Disciplinares Éticos com base no Código de
Ética Profissional do Psicólogo e nas Resoluções do Conselho Federal de Psicologia.
111
Para esclarecimentos, nesta pesquisa optei por empregar a sigla CRP-RJ, como também poderia identificá-lo
pela sigla CRP-05 que se refere ao Conselho da 5ª Região.
262
112
As denúncias que datam de período anterior à Resolução CFP nº 006/2001 eram analisadas à luz da
Resolução 005/1988, desde que beneficiassem o denunciado.
113
Na Resolução CFP nº 006/2001, o texto está no artigo 21, enquanto que na Resolução CFP nº 006/2007,
atualmente em vigor, o mesmo texto se encontra no artigo 24.
263
proteção do CRP à classe profissional, falas estas que desqualificavam o trabalho feito pelos
conselheiros e colaboradores no que se referia à orientação e instrução de Processos
Disciplinares Éticos (PDE); ou ainda, questionamentos em relação à atuação do CRP-RJ
frente às demandas da categoria. A indignação parecia aumentar quando o assunto era a
anuidade: ―para que pagar o Conselho?‖; (afinal) o ―Conselho só está para o psicólogo na
hora de processar‖. Tais queixas demonstravam claramente uma insatisfação com o órgão de
Classe que, na visão de alguns profissionais, estavam pagando para que o Conselho
funcionasse contra eles, mostrando seu caráter disciplinador e repressor.
Em contrapartida, para os que denunciavam os psicólogos, o Conselho Regional de
Psicologia do Rio de Janeiro (CRP-RJ) era tido como instituição corporativista, protecionista.
O que a maioria deles desconhece (sejam estes psicólogos, seja a sociedade) é que este
mal-estar com o CRP-RJ tem relação com o fato de a instituição ter passado longos anos em
hibernação ou inércia. Foram aproximadamente 10 anos sem instruir e julgar Processos
Disciplinares Éticos (1994-2004), o que em muito explica a razão de inúmeras denúncias
prescreverem antes mesmo de serem instruídas.
Do mesmo modo, com a retomada da instauração e instrução de Processos
Disciplinares Éticos pelo XI Plenário, houve uma sensação de caça às bruxas, quando a CoE
passou a ser vista como inimiga da categoria por aceitar denúncias de todas as ordens,
incluindo daqueles considerados abusadores sexuais que se queixavam dos psicólogos que
alegavam atuar na defesa de crianças vítimas.
Em resposta às críticas endereçadas ao Conselho Regional de Psicologia do Rio de
Janeiro (CRP-RJ), Ana Lúcia Furtado, então presidente da Comissão Permanente de Ética e
José Novaes, presidente do CRP-RJ na ocasião (Gestão X, 2004-2007), escreveram em
conjunto um artigo para o Jornal do CRP-RJ (2006) na tentativa de esclarecer a categoria e
fazer alguns arrazoados.
114
O número mínimo de conselheiros no CRP-05 para que seja declarada insolvência é nove (metade dos 15
conselheiros efetivos, mais 1).
115
Pouco se pensarmos em números de psicólogos inscritos no CRP-05; muitíssimo se considerarmos a
participação em outros eventos, como a convocação para discutir o valor da anuidade e a venda da sede da
Tijuca e de Botafogo, aprovada pela categoria em Assembleia Extraordinária, em novembro de 2008, com a
presença de aproximadamente 20 psicólogos É digno de nota que essa média vem se mantendo ao longo dos
anos, com a participação, em geral, dos próprios conselheiros e funcionários do CRP-05 (JORNAL DO CRP-RJ,
ano 6, nº 21, março 2009).
267
V. criar Grupos de Trabalho para auxiliar na condução dos serviços do Conselho Regional;
VI. representar, mesmo criminalmente, contra qualquer pessoa que infringir disposições legais
referentes ao exercício da profissão de Psicólogo;
VII. dar andamento aos procedimentos de instrução dos Processos Disciplinares do Conselho
Regional.
Neste período, foram feitas 12 orientações para ofícios jurídicos. A COE ainda analisou 54
processos, ou seja, a assistente técnica verificou os dados dos documentos, a fim de,
posteriormente, encaminhá-los para julgamento. Além disso, foram consultados 63 processos
éticos, procedimento realizado em caso de transferência de regional ou quando alguém pede
informações sobre a existência de processos contra algum profissional. A Comissão enviou
ainda 25 cartas convocando para o andamento de processos ou informando sobre
arquivamentos. Também organizou-se quatro processos para desaforamento, ou seja, já
analisados pelas quatro comissões de instrução e que, portanto, devem ser encaminhados ao
CFP, já que o CRP não está em condições de julgá-los por não ter uma plenária eleita, e 21
representações. Estas se constituem na primeira fase de um processo, sendo resultado de uma
denúncia analisada pela COE, que deve confirmar se realmente houve alguma infração ética.
Em casos afirmativos, são, então, abertos os processos (BOLETIM CRP-05, jun. 2004, p.3).
No Rio de Janeiro, a chapa Ética e Compromisso Social, única inscrita e eleita com 65,78%
dos votos, tomou posse como a XI Plenária do Conselho Regional de Psicologia da 5ª Região
(CRP-05), em 22 de setembro. A cerimônia de posse foi presidida pela Comissão Gestora,
representada por Diva Lúcia Conde, Eliana Vianna e Margarete Paiva. Estiveram presentes
também psicólogos e funcionários do Conselho (BOLETIM CRP-05, dez. 2004, p.8).
de reformas e obras de manutenção na sede, nas subsedes e no prédio da antiga sede do CRP-
RJ localizada em Botafogo.
Quanto ao trabalho da Comissão de Ética (CoE), esta empreendeu esforços para
regularizar a situação, tendo em vista que os Processos Disciplinares Éticos estavam
paralisados e muitos já haviam prescritos, dada a necessidade de cumprir com a Resolução
CFP nº 005/1988 que não previa a interrupção da prescrição. Este foi, particularmente, um
momento difícil, de muita tensão entre conselheiros e colaboradores da Comissão de Ética.
Ao todo, durante os anos 2005 e 2006 funcionaram, em ritmo frenético, cinco Comissões de
Instrução – uma para cada dia da semana – para evitar a prescrição116 de um enorme número
de processos.
116
Art. 90 - As infrações éticas praticadas pelos psicólogos prescrevem em 05 (cinco) anos, a contar do seu
cometimento ou, quando desconhecido, do conhecimento do fato. Parágrafo único - O processo paralisado há
mais de 3 (três) anos, pendente de despacho ou julgamento, será arquivado de ofício ou a requerimento da parte
interessada. (Código de Processamento Disciplinar, Resolução CFP Nº 006/2001).
117
Art. 91 - § 1º - A prescrição dos processos disciplinares interrompe-se: I - pelo recebimento da representação
pela Comissão de Ética; II - pela citação do denunciado; ou III- por qualquer decisão do Plenário do Conselho
Regional. § 2º - Interrompida a prescrição, todo o prazo prescricional começa a correr, novamente, do dia da
interrupção (Resolução CFP Nº 006/2001).
118
De acordo com o então conselheiro-presidente do CRP-RJ, José Novaes, em comunicação pessoal (2009), foi
durante as reuniões das Comissões de Ética dos Conselhos Regionais no CFP em Brasília que o CRP-RJ marcou
269
esta diferença, denominando a Comissão por ―Comissão de Orientação e Ética‖, sendo esta nomenclatura
adotada, posteriormente, por outros Regionais e pelo próprio CFP.
270
se define pelo que detém em novidade e criatividade, pela sua capacidade de se transformar,
por suas práticas na atualidade‖ (BICALHO, 2005, p.36).
Desta forma, é possível vislumbrar o aspecto orientador presente nestes dispositivos,
como explicam Furtado, Moreira e Sertã (2010, p.13).
Não obstante o mérito do CRP-RJ em pensar a orientação para além dos trâmites
processuais, o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP-SP) se mostrou pioneiro
nessa intenção, adotando, desde 1998, ―uma postura voltada para a orientação e a prevenção,
procurando manter os profissionais informados e estimulando a reflexão sobre questões de
conduta dentro da Psicologia. Quanto mais questionadores forem os profissionais, mais
qualificada será a Psicologia‖ (JORNAL PSI, 2000, s/p).
Para este fim, o CRP-SP vem realizando, ao longo de alguns anos, diversas atividades,
desde reuniões para troca de experiências com professores de Ética e debates sobre a atuação
do psicólogo no âmbito jurídico, até planejar e capacitar as Comissões para conferir agilidade
ao procedimento administrativo das Representações.
A meu ver, essa experiência de trabalho do CRP-SP serve de parâmetro para
reconhecer o quanto o CRP-RJ se dedicou para, em um período breve de quatro anos – entre a
Junta Governativa e o exercício do XI Plenário – recompor administrativa e financeira o CRP-
RJ. Deste modo, a candidatura para a eleição do XII Plenário foi movida pela lembrança deste
esforço e dedicação, carregando enorme expectativa de vitória, continuidade dos trabalhos e
realização das novas propostas.
119
Em 2006, quando a Quart‘ética foi inventada, o evento, ao contrário do que os autores afirmam, ocorria
bimestralmente e não quinzenalmente. No entanto, com o passar dos anos, e a mudança de Gestão, os encontros
passaram a ter frequência trimestral e, finalmente, semestral até se extinguir em 2010.
271
anterior, acolhida e implementada pelos conselheiros que sucederam – tal dispositivo buscou
discutir a elaboração de laudos psicológicos em razão de este ser o objeto de denúncia da
maior parte dos Processos Disciplinares Éticos contra psicólogos junto ao Conselho120.
Cabe ressaltar, contudo, que os eventos promovidos pelo CRP/COE não visavam
apenas à orientação do profissional a fim de decrescer o número de Processos Disciplinares
Éticos, mas, sobretudo, que os psicólogos pudessem participar, contribuindo com suas
experiências, com questões e críticas. Desta forma, a partir desses eventos, abriu-se um canal
de comunicação na qual a COE buscava zelar pela profissão, garantindo qualidade do serviço
psicológico tanto à sociedade, trabalhando na defesa desta última (usuária dos serviços
psicológicos), quanto ao psicólogo, atuando e ―contribuindo para o desenvolvimento da
Psicologia como campo científico de conhecimento e de prática‖, conforme preconiza a
Resolução CFP nº 010/05 que institui o Código de Ética Profissional do Psicólogo.
Outra investida foi o levantamento dos dados de Processos Disciplinares Éticos, não
apenas estatísticos, mas, e principalmente, pelo viés da Análise do Discurso, lançando um
olhar sobre as práticas discursivas apresentadas pelos psicólogos. Os dados analisados, até
aquele momento, revelaram uma elevação do número de questionamentos e de abertura de
Processos Disciplinares Éticos decorrentes da produção de documentos escritos fruto de
avaliação psicológica para fins de subsidiar decisões judiciais121.
Atualmente, conforme comunicação pessoal de Zarlete Farias (2011), psicóloga
assistente técnica da COE, a atual Gestão do CRP-RJ (2010-1013) está implementando um
banco de dados informatizado que poderá, em futuro breve, fornecer informações sobre os
processos éticos com agilidade. Tal ambiente informatizado poderá ser empregado para
análises estatísticas de maior amplitude, uma medida que, inclusive, interessou o CRP-SP
que, em 2011, esteve na COE do CRP-RJ para conhecer este sistema.
Assim, o trabalho da COE do CRP-RJ, ao longo de praticamente uma década (2001-
2011), e por conta de uma infinidade de atravessamentos, ganhou contornos próprios. Embora
tenha por base os regimentos que a dirigem, foram os acontecimentos e as inúmeras
contribuições de conselheiros e colaboradores naquele período que permitiram com que a
COE criasse dispositivos próprios que visassem à orientação, concebendo ética para além das
normas. Aliás, em relação às normas, houve uma série de mudanças naquele mesmo período.
120
O CRP/COE investiu na gravação do evento em DVD, material este que foi distribuído aos psicólogos
participantes, durante a realização do II Fórum de ética sediado em um hotel em Copacabana.
121
Esse trabalho foi paralisado por decisão da própria COE, muito provavelmente por falta de disponibilidade de
horário de seus colaboradores.
273
Até 2001, estava em vigor a Resolução CFP nº 005/1988 que instituía o Código de
Processamento Disciplinar, após, entrava em vigência a Resolução CFP nº 006/2001, para ser
modificada em 2007 com a Resolução CFP nº 006/2007, conforme mencionei anteriormente.
O mesmo ocorreu com a Resolução CFP nº 010/2005 que institui o Código de Ética
Profissional do Psicólogo. Neste caso, foi preciso fazer a equivalência dos Códigos de Ética
Profissional do Psicólogo de 1987 e de 2005, pois não pode o psicólogo denunciado sofrer
prejuízo com a vigência da norma que veio substituir a anterior (que vigia na ocasião de
protocolada a denúncia), ou seja, não pode a norma retroagir sua eficácia para prejudicar o
denunciado.
Dentro dessa premissa, houve grande movimentação na COE do CRP-RJ na tentativa
de proceder à equivalência dos Códigos em Representações em fase de instrução e nos
Processos Éticos já instaurados. Como até meados de 2006 o CFP não havia encaminhado aos
Conselhos Regionais orientações acerca de como procederem à equivalência, coube à própria
COE do CRP-RJ fazer um estudo nesse sentindo, contando com a assessoria jurídica
disponível no Conselho. Dessa análise comparativa dos Códigos de Ética originou uma tabela
de equivalência122 que foi utilizada pelas Comissões de Instrução, a despeito das críticas e
dificuldades enfrentadas para ajustar os processos éticos às novas normativas.
Um dos problemas encontrados pela COE nos idos dos anos de 2005 e 2006 foi,
portanto, promover esse ajuste no interior das Representações e Processos éticos por conta e
risco próprios, bem como orientar denunciantes e psicólogos denunciados acerca das
alterações dos artigos citados em decorrência da nova legislação. Na ocasião, porém, muitos
psicólogos denunciados arguiram que havia cerceamento de defesa, solicitando anulação do
processo ético ou novo prazo para apresentar suas argumentações, considerando os ―novos‖
artigos.
Essa discussão, como é possível notar, remete à atuação das Comissões de Orientação
e Ética, bem como aos procedimentos a serem cumpridos por ela e que estão dispostos no
Código de Processamento Disciplinar, fundamentais para a análise das Representações e
Processos Éticos na pesquisa em tela.
122
Em anexo C: equivalência dos Códigos de Ética Resolução CFP nº 002/1987 e CFP nº 010/2005.
274
Outro exemplo dessa produção em termos estatísticos foi divulgado pela Comissão de
Ética do CRP do Paraná (Revista Contato, set/out 2007). Como uma forma de prestação de
contas dos trabalhos desenvolvidos na COE, estes Conselhos apresentaram os resultados via
exposição das penalidades decididas em julgamento.
123
Na prática, existe uma ajuda de custo no valor de cem reais* para oito horas de trabalho pagas aos integrantes
das Comissões de Instrução que não podem exceder esse limite de tempo de serviço por semana. Além das
ajudas de custo, há diárias pagas àqueles que moram fora do município em que está a sede do Conselho
Regional. O pagamento é destinado à alimentação e transporte, conforme estabelecido pela Resolução CFP nº
003/2007. *Os valores podem sofrer reajuste.
277
Ainda, conforme disposto na Resolução CFP n° 008/2008, Art.42 – Será considerada infração
disciplinar sujeita ao processo disciplinar ordinário:
Art. 12 - Após o recebimento dos esclarecimentos por escrito, e não havendo necessidade de
se proceder a novas diligências, a Comissão de Ética elaborará relatório conclusivo,
encaminhando ao Plenário.
§ 1º - Quando o fato narrado não configurar evidência ou indício de infração funcional, a
Comissão de Ética requererá ao Plenário do Conselho Regional de Psicologia o imediato
arquivamento da representação, por falta de objeto.
§ 2º- Suficientes as provas para se caracterizar a falta disciplinar funcional, o Presidente da
Comissão de Ética oferecerá Pedido de Instauração do Processo em desfavor do Conselheiro
(RESOLUÇÃO CFP nº 006/2007).
124
Os critérios que atestam o impedimento de o conselheiro julgar matéria referente a processos éticos são
objetivos e estão expostos no CPD, Título V, Capítulo III, onde declara que estão absolutamente impedidos
participar do processo os parentes até terceiro grau; aqueles que de qualquer forma tenham se envolvido com o
fato objeto da representação; que tenham, publicamente, sobre este emitido juízo de valor; e que tenham ou
tenham tido relação de vínculo profissional com o psicólogo processado ou o denunciante.
125
Desaforamento de uma Representação ocorre quando o CRP de origem não tem condições de instruir ou
julgar processos éticos, como no caso do CRP-05 na época da Comissão Gestora. Neste caso, cabe ao CFP, em
cumprimento à determinação da Secretaria de Orientação e Ética, escolher um CRP com Plenária eleita para
encaminhar as representações éticas para análise e julgamento, devendo o Processo retornar ao CFP após o fim
dos expedientes, conforme CPD.
278
Denúncia
no CRP
COE
Sem Com
Materialidade Materialidade
Abertura de
Representação
Esclarecimentos
do Psicólogo
Representação
vai para CI
S
Entrevista de Entrevista
Esclarecimento esclarecimento?
Elaboração de
parecer
Parecer segue
para Plenária
Plenária: leitura e
votação do Parecer
Plenári
N
Aprovado?
Instaura
Volta CI para pedido
1 processo?
de reconsideração
S
Plenári
N
2
279
S
Há pedido
Elaboração de
de reconsid.
parecer
?
Parecer segue
N
para Plenária
Plenária: leitura e
votação do Parecer
Plenári
N S Instaura N
Aprovado? processo?
2
S
Instauração de Arquivam. da
processo representação
Plenári
N N
Há recurso Há recurso
no CFP ? no CFP ?
S S
N N
CFP mantém CFP mantém
decisão CRP decisão CRP
S
S
Instauração de Arquivam. da
processo representação
Plenári
Arquivam. da Instauração de
representação processo
Plenári
280
Para que haja um PDE, é necessário que seja Resolução CFP nº 006/2007
Ementa: Institui o Código de
protocolada denúncia acerca da atuação/conduta Processamento Disciplinar.
CAPÍTULO I
profissional de psicólogos. Isso implica que, para Dos Atos Preliminares
haver denúncia, o Conselho Regional de Psicologia Art. 19 - A representação, como disposto
no Artigo 2º deste Código, deverá ser
precisa ser legitimamente provocado. À semelhança apresentada diretamente ao Presidente do
respectivo Conselho, mediante documento
dos processos judiciais, a COE só pode agir sobre escrito e assinado pelo representante,
contendo:
fatos acontecidos. É, portanto, sua função resgatar os a) nome e qualificação do representante;
b) nome e qualificação do representado;
acontecimentos passados como se estivessem c) descrição circunstanciada do fato;
acontecendo no momento presente com o objetivo de d) toda prova documental que possa servir à
apuração do fato e de sua autoria; e
julgá-los. Para tanto, requer que seja analisada a e) indicação dos meios de prova de que
pretende o representante se valer para
materialidade do ilícito e se há indício de autoria, sem provar o alegado.
Parágrafo Único - A falta dos elementos
conduzir ou suprimir elementos que possibilitem o descritos das alíneas "d" e "e" não é
impeditiva ao recebimento da
adequado julgamento. representação.
Por sua vez, a denúncia deve ser protocolada Art. 20 - Recebida a representação, o
Presidente do Conselho Regional de
no CRP da região em que o psicólogo denunciado Psicologia a remeterá à Comissão de Ética,
que procederá a apuração, de acordo com o
esteja atuando, respeitando o critério de disposto neste Código.
Art. 21 - Com base nos elementos que
territorialidade. Segundo esse critério, o profissional constam da representação, a Comissão de
Ética poderá:
deve ser denunciado e julgado pelo CRP da região em a) propor a exclusão liminar da
que (possivelmente) cometeu infração aos preceitos representação;
b) notificar o representado para prestar
do Código de Ética, mesmo que não tenha sua esclarecimentos por escrito no prazo de 15
(quinze) dias, a contar da data da ciência da
inscrição naquele Regional. Por carta precatória, no representação que consta no AR, ou na
cópia do documento, caso seja entregue em
entanto, o CRP de origem pode assumir e realizar mãos;
c) na hipótese dos esclarecimentos por
alguns atos processuais, tal como a oitiva de escrito serem insuficientes à formação de
testemunhas. convicção, poder-se-á convocar uma ou as
duas partes para comparecer ao Conselho
De acordo com a Resolução CFP nº006/2007, Regional e prestar outras informações que
entender indispensáveis.
a denúncia protocolada ganhou o nome oficial de Parágrafo Único - Na análise da
representação é facultado à Comissão de
―Representação‖. Esse termo abrange toda a fase Ética, a qualquer momento, determinar
diligências para obter mais informações
preliminar ou de sindicância do PDE em que a
acerca do teor da representação.
Comissão de Orientação e Ética (COE) – entidade
responsável pela instrução processual com base no Código de Ética (e demais Resoluções) –
verifica aspectos como a pertinência e materialidade da denúncia.
281
Diferentemente do que expôs Frizzo (2004)126, não está estabelecido em norma que as
denúncias anônimas devam ser assumidas pela presidência da COE, embora este
procedimento seja o mais corriqueiro, tampouco ficou instituído que o critério para que a
COE assuma de ofício uma Representação seja ―a gravidade da situação que se apresenta‖
(p.61). Não se trata da gravidade, mas da pertinência e se há materialidade para o fato
alegado, considerando que o Conselho Regional não pode perquirir e produzir provas contra o
psicólogo, mas apenas valorar a prova, ou seja, fazer juízo de admissibilidade. Logo, quando a
COE toma conhecimento de fatos que possam indicar uma possível infração ao Código de
Ética, deve assumir a Representação de ofício contra o psicólogo juntamente com os meios de
prova, sejam estes documentais ou testemunhais. Havendo necessidade, pode dispor do
expediente das diligências à COF.
126
Cabe esclarecer que, embora a análise de Frizzo (2004) tenha recaído sobre o CPD anterior (Resolução CFP
nº 006/2001), não houve alteração significativa no conteúdo da matéria posta em análise para a Resolução CFP
nº 006/2007.
282
A apreciação prévia é feita porque há casos de denúncias que são [excluídas liminarmente]
[...]. ―Por exemplo, a briga de uma síndica que também seja psicóloga com moradores do seu
prédio; um caso desses não pode ser analisado por nós. Apesar de envolver um problema
ético, não se enquadra nos fins do Conselho por não se tratar de um problema ligado ao
exercício profissional‖.
127
A CI é sempre composta por número ímpar de participantes, para que possa haver a possibilidade de
desempate caso haja a necessidade de votação.
283
128
É preciso que o documento esteja bem fundamentado para não ser considerada conduta ou decisão arbitrária
da COE/CRP.
129
Art. 31 - Citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao psicólogo representado da instauração do processo
disciplinar ético, bem como lhe concede a oportunidade de se defender no prazo estipulado.
286
técnicas/periciais130. Nesta fase do trabalho, será dada a oportunidade para a(s) parte(s)
produzir(em) todo o material que considerar(em) essencial(is) para fundamentar suas
alegações com vistas a instrumentar a Comissão de Instrução em sua análise.
Plenári
Defesa escrita /
Arrolar Novas provas
testemunhas?
N
Oitiva Contra-razões
testemunhas
Alegações
finais
Processo
instruído
Art. 58 - O relator designado deverá apresentar seu relatório na reunião plenária em que será
submetido a julgamento.
Parágrafo Único - O relatório conterá três partes: uma expositiva, compreendendo o histórico
sucinto dos fatos a serem julgados, a capitulação que foi dada pela Comissão de Ética e as
provas colhidas;
b) uma parte conclusiva, compreendendo a apreciação dos fatos e das provas, bem como a
fundamentação do voto do Conselheiro Relator; e
c) o voto.
Parágrafo Único - O relator pode tirar elementos da tipificação feita, mas não pode
acrescentar novas infrações identificadas.
130
Lembrando que não é da competência da COE produzir, conduzir, nem suprimir provas e testemunhas.
287
131
Princípio constitucional: refere-se à proporção ou correspondência entre a responsabilização da conduta e a
sanção, ou seja, a sanção deve corresponder às características do fato ou delito.
132
Esse é o sentido do ad referendum expresso no art.21 do CEPP.
288
Processo
instruído
Plenário
Nomeação
relator
Reunião Plenária de
julgamento
Plenári
Acórdão
N
Recurso?
Julgamento
CFP
S
Arquivamento Absolvição?
pelo CRP
Aplicação de
pena pelo CRP
133
O Jornal do CFP passou a divulgar os dados de Processos Disciplinares Éticos após julgamento de recurso, a
partir da edição de número 82. Os números 88 e 89 não apresentam dados sobre julgamento de Processos Éticos.
Encerrei a pesquisa com a edição de número 100 de dezembro de 2011.
289
Dentre os dados disponíveis, é possível observar que todos os CRP134 instauram PDE
em algum momento do período analisado, encaminhando recurso da decisão do Plenário para
julgamento em 2ª instância no CFP.
134
CRP-01 Distrito Federal, Acre, Amazonas, Roraima e Rondônia; CRP-02 Pernambuco e Fernando de
Noronha; CRP-03 Bahia e Sergipe; CRP-04 Minas Gerais; CRP-05 Rio de Janeiro; CRP-06 São Paulo; CRP-07
Rio Grande do Sul; CRP-08 Paraná; CRP-09 Goiás e Tocantins; CRP-10 Pará e Amapá; CRP-11 Ceará, Piauí e
Maranhão; CRP-12 Santa Catarina; CRP-13 Paraíba e Rio Grande do Norte; CRP-14 Mato Grosso e Mato
Grosso do Sul; CRP-15 Alagoas; CRP-16 Espírito Santo.
292
Os valores apontam para o CRP de São Paulo (CRP-06; n=53) como sendo o Regional
que mais encaminhou, na ocasião, recursos para julgamento em segunda instância, seguido do
Paraná (CRP-08; n=15) e do Rio de Janeiro (CRP-05; n=14).
Quanto às decisões emitidas nos CRPs de origem (1ª instância), é possível perceber,
pelo gráfico, que tanto o arquivamento quanto a advertência (28% + 2%) empataram com
30% das decisões tomadas em julgamentos de Processos Disciplinares Éticos, seguidas da
Censura Pública (23%).
da denúncia ou por se tratar de matéria que não diz respeito ao exercício profissional, quando
se decide pela exclusão liminar da Representação, conforme discutido anteriormente. Pode
ocorrer, ainda, que o Plenário vote pelo arquivamento da Representação em função da
ausência de materialidade ou mesmo porque os esclarecimentos do psicólogo foram
suficientemente bem fundamentados, levando ao entendimento da Comissão de Instrução pela
falta de indícios de infração. O mesmo pode ocorrer na fase processual, quando o psicólogo
poderá ser absolvido e o PDE arquivado em função da fragilidade ou ausência das provas e/ou
dos testemunhos apresentados, bom como da fundamentação da defesa.
Quando a decisão em primeira instância gera desagrado a uma ou ambas as partes, seja
porque o voto foi pela absolvição ou a pena escolhida para ser aplicada foi considerada branda
pelo representante; seja porque o psicólogo representado foi penalizado, existe a possibilidade
de interpor recurso ao CFP para decisão em segunda instância.
Após a análise de recursos no período analisado, os dados indicam que houve uma
tendência do CFP em manter a decisão do CRP de origem em mais de 60% dos PDE
encaminhados para novo julgamento. A reforma da decisão do CRP de origem ocorreu em
29% dos recursos, indicando uma tendência do CFP em reduzir a penalidade votada em
primeira instância (advertência em 12% dos casos), seguida da decisão pelo arquivamento do
PDE em 9%. No período, houve uma anulação de PDE. Desta forma, ficou configurada a
tendência do CFP de manter as decisões em primeira instância.
294
135
―O psicólogo contribuirá para promover a universalização do acesso da população às informações, ao
conhecimento da ciência psicológica, aos serviços e aos padrões éticos da profissão‖.
136
Não quero dizer que outros CRPs não desenvolveram pesquisas, apenas que, na pesquisa, não encontrei
dados.
297
137
Os autores não divulgam os dados referentes ao aumento no número de psicólogos inscritos.
298
Tabela 8 – Distribuição de ocorrência e de percentual das infrações éticas por conjuntos temáticos
Não obstante o CRP-RJ ainda não possua valores precisos para serem levados a
público, a Comissão de Orientação e Ética identificou, em seus trabalhos, que os casos de
grande relevo e que ensejam a abertura de Processo Disciplinar Ético (PDE) têm por objeto de
denúncia os documentos psicológicos emitidos para fundamentar decisões judiciais. Essa
constatação motivou a realização do I Fórum de Ética sobre o tema em 2008, intitulado Os
lugares do psicólogo e da psicologia – Laudos: ferramenta de intervenção?, sediado na
Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ).
Nesse sentido, a COE amparou sua atuação e promoção de eventos nos ditames do
Código de Ética, quando estabelece que é função do CRP ―abrir espaço para a discussão, pelo
psicólogo, dos limites e interseções relativos aos direitos individuais e coletivos‖; assim como
―estimular reflexões que considerem a profissão como um todo e não em suas práticas
particulares, uma vez que os principais dilemas éticos não se restringem a práticas específicas
e surgem em quaisquer contextos de atuação‖ (RESOLUÇÃO CFP nº010/05).
O fato é que esse panorama não está restrito às COEs do CRP do Rio de Janeiro nem
da de São Paulo. Outros Conselhos Regionais também contam com uma elevação no número
de denúncias relacionadas à elaboração de documentos psicológicos resultantes de avaliação
psicológica, tal qual o CRP-01(DF, AC, AM, RO, RR), CRP-07 (RS) e CRP-08 (PR).
Em todos os casos, a preocupação se voltou para temas como o sigilo profissional e a
atuação dos psicólogos na área de Psicologia Jurídica, considerada ―fonte expressiva de
denúncias‖ junto aos seus Conselhos de Classe no que se refere à competência profissional,
como reza o Art. 1º do Código de Ética Profissional do Psicólogo. Dentre estes, estavam as
denúncias que envolviam a atuação do psicólogo na avaliação psicológica e elaboração de
laudos em casos de alegação de abuso sexual contra crianças (JORNAL PSI, jul/ago 2007).
300
Uma constatação identificada pela Comissão de Ética acionou a luz vermelha do Conselho
Regional de Psicologia de São Paulo. Ao realizarem avaliações psicológicas, diagnósticos, e
ao produzirem documentos escritos, seja para apresentar a um juiz num processo de guarda,
seja para oferecer à escola a pedido dos pais de uma criança, os profissionais têm esbarrado na
redação de declarações, relatórios, pareceres e laudos. O que pode parecer inofensivo esconde
um sério problema. Em razão de textos mal redigidos e confusos, sem a devida
fundamentação, cresce o número de denúncias que acabam por resultar em processos éticos, a
maioria referente a situações de natureza de disputa judicial (JORNAL PSI, set/out. 2003,
s/p).
Os Conselheiros do Conselho Regional de Psicologia não têm que ter formação jurídica para
julgar os psicólogos jurídicos; se assim fosse, teríamos que ter formação clínica para julgar os
psicólogos clínicos, formação em Psicologia Organizacional e do Trabalho para julgar os
psicólogos desta área, em Psicologia do Esporte para julgar os psicólogos que aí atuam, etc.
Nosso julgamento não é técnico: é ético. Estas considerações se fundamentam em uma visão
crítica dos especialismos em Psicologia, que tendem a isolar grupos de psicólogos em nichos
de suas especialidades, torres de marfim que os protegem de considerações críticas, etc. que
venham de fora da especialidade.
3 PESQUISA
O labor científico, em qualquer área de conhecimento, caminha sempre em duas direções: em uma, elabora suas
teorias, seus métodos, seus princípios e estabelece seus resultados; na outra, inventa, ratifica seu caminho,
abandona certas vias e encontra outras. Sendo assim, há sempre um caráter de historicidade no conhecimento
que também é construído e aproximado.
Minayo (2000, p.903).
este viés de análise, compreendo que, para investigar os fenômenos, o pesquisador desenvolve
uma percepção peculiar para com o seu objeto de estudo, criando um campo de investigação
de seu interesse. Tal fato não invalida o rigor científico, mas remete à necessidade de perceber
o objeto de estudo enquanto objetividade relativa, ideológica e interpretativa, postura esta que
irá habilitar o pesquisador a encontrar uma resposta para sua dúvida ou uma visão de mundo
passível de ser compartilhada com outras pessoas. (MARTINS; BICUDO, 1989; MINAYO,
1993; PAULILO, 1999).
Desta forma, entendo ser preciso reconhecer a atividade científica como um produto
vinculado à realidade sociopolítica e histórico-cultural que, ao superar os reducionismos das
concepções empiristas e idealistas, não tem a pretensão de abranger todas as questões da
existência, tampouco encontrar uma verdade absoluta e universal. Configura-se, assim, um
processo de construção permanente quando, de possíveis soluções provisórias, advém novos
questionamentos (DEMO, 1986; FREITAS, 2002).
De acordo com Minayo (1998), é a partir de questionamentos que se dispara um
processo de investigação ―em espiral‖, ou seja, ―que começa com um problema ou uma
pergunta e termina com um produto provisório capaz de dar origem a novas interrogações‖
(MINAYO, 1998, p.26). Para aqueles que se propõem a ―trilhar a carreira de pesquisador‖
(idem, ibidem, p.19), a autora sugere que será preciso dedicar-se à leitura de diferentes
pesquisadores que estudam o tema do qual compartilham interesse, inclusive os que trazem
proposições ideologicamente discordantes.
O presente estudo teve enfoque qualitativo, cujo campo de interesse da investigação
diz respeito à análise dos discursos dispostos nos documentos que compõem Processos
Disciplinares Éticos (PDE) em função de denúncia protocolada no Conselho Regional de
Psicologia do Rio de Janeiro (CRP-RJ) em desfavor de psicólogos que elaboraram
documentos a partir de atendimentos realizados em casos de alegação de abuso sexual contra
crianças.
Paulilo (1999) expõe que a abordagem qualitativa não tem a pretensão de
representatividade quanto ao aspecto distributivo do fenômeno; se houver generalização, a
partir da análise realizada, ela dever ser compreendida como parte de um universo de
possibilidades. Com efeito, a pesquisa qualitativa não se interessa pelas generalizações, mas
pelo particular, naquilo que é específico, visando sempre à compreensão e não à explicação a
partir de um olhar inquiridor sobre o fenômeno que se quer investigar (DEMO, 1992;
MARTINS; BICUDO, 1989; MINAYO, 1998).
304
Desta forma, o discurso diz respeito a como os seres humanos utilizam a linguagem
para se expressarem, portanto, o modo de funcionamento do discurso, as maneiras de
significar, o que implica na relação entre discurso, sujeito e ideologia. Em outros termos, a
finalidade da AD é explicar os caminhos do sentido e a relação com a ideologia, ―porque o
texto produz sentido; não os sentidos contidos no texto‖ (FLORÊNCIO et. ali, 2009, p.23).
Nessa perspectiva, o discurso é visto como uma ―prática da linguagem‖ (ORLANDI,
2003, p.15) produzido nas relações sociais em determinado momento sócio-histórico; e
porque ―não há discurso sem sujeito‖ e ―sujeito sem ideologia‖ (ORLANDI, 2003, p.17) que
não há neutralidade, transparência e inocência no discurso. Assim, todo discurso, aqui tomado
como práxis, é produzido por sujeitos a partir de um lugar social, por meio da escolha de
determinadas palavras para expressarem suas posições ideológicas, em determinado momento
sócio-histórico. Logo, o sentido é historicamente produzido e efeito do uso que é dado às
palavras dentro de uma formação discursiva; e o discurso enquanto efeito de sentidos
(BRANDÃO, 2004).
Por este motivo, para encontrar o sentido do discurso, importa produzir conhecimento
e não empregar o texto como ilustração. Para que o analista possa produzir conhecimento a
partir da materialidade discursiva, precisa de um artefato teórico que irá analisar o próprio
gesto de interpretação, não se limitando a este. Não há, portanto, uma verdade a ser desvelada
ou uma mensagem a ser decodificada pela interpretação do texto; o que há ―são efeitos de
sentido que são produzidos em condições determinadas e que estão de alguma forma
presentes no modo como se diz‖ (ORLANDI, 2003, p.30). Isto significa que, para
compreender os sentidos é preciso colocar o discurso em relação com as suas condições de
produção, que incluem o contexto sócio-histórico e ideológico – este último, uma das duas
grandes vertentes a influenciar a AD francesa.
Falar em ideologia, por sua vez, é adentrar em outro campo complexo. O termo, em si,
polissêmico, remete a várias perspectivas em razão de sua filiação filosófica e teórica, do qual
foge ao escopo desse trabalho. Cabe salientar que o termo, ora empregado, vem das ideias de
Althusser e que influenciou Pêcheux em seus trabalhos. Assim posto, ideologia,
simplificadamente, está ligada à concepção de que as ideias dos sujeitos existem em seus atos,
ou então, que outras ideias são a eles emprestadas para corresponder aos atos que realiza. Diz
respeito, portanto, a um modo de ser no mundo veiculado por essas ideias, o que decorre que
todos os discursos são ideológicos, por serem inerentes ao modo como o sujeito se constitui
(BRANDÃO, 2004).
306
A segunda influência que Pêcheux recebeu em suas atividades analíticas foi a ideia de
Foucault disposta, principalmente, em Arqueologia do saber, quando o autor discorreu sobre
formação discursiva, compreendida como um conjunto de regras que originam a existência de
conceitos, enunciados, estratégias. Para Foucault (2004b), os discursos são dispersos, formado
por elementos que não estão ligados por qualquer princípio de unidade, sendo preciso de
regras para administrar a formação do discurso. Assim, sempre que fosse possível descrever
um sistema de dispersão e definir regularidades, correlações, funcionamentos entre os tipos de
enunciação, conceitos, Foucault falava em passagem da dispersão para a formação discursiva,
inclusive em termos da relação saber-poder.
A partir dessas influências, Pêcheux promoveu adaptações no conceito de formação
discursiva, em especial à concepção de discurso enquanto prática, desenvolvendo a noção de
processo discursivo-ideológico que constitui a fonte de produção dos efeitos de sentido no
discurso (BRANDÃO, 2004).
A formação discursiva estabelece, ―a partir de uma posição numa conjuntura dada,
determinada pela luta de classes‖, portanto, de um lugar social e historicamente determinado,
―o que pode ser e deve ser dito‖ (PÊCHEUX, 1995, p.160). A despeito de haver possibilidade
de descrevê-la em função de suas regras, por suas regularidades, isso não significa que haja
uma unicidade ou homogeneidade do dizer, ou seja, uma única linguagem comum a todos. A
formação discursiva permite a presença de outros sentidos em razão de enunciados que se
entrecruzam, contrapõem, dialogam etc.; esse outro enunciado no interior da formação
discursiva é o interdiscurso, também relacionado à memória discursiva e ao intradiscurso,
possibilitando novos efeitos de sentido no discurso.
A relação entre o já-dito e o que se diz, melhor dizendo, entre sentidos anteriormente
instituídos e uma formulação atual é o que a AD vai denominar de Interdiscurso e
Intradiscurso, respectivamente. O primeiro, discursos já constituídos que entram na produção
discursiva ressignificando o já-dito antes, noutro lugar, como espaço de confrontos
ideológicos das relações de dominação/subordinação. Dessa forma, está introduzida na AD a
noção de interdiscurso, como o que é falado antes, em outro lugar e como o que possibilita
dizeres outros, convocados na história, ideologicamente marcados, que vão afetar os discursos
produzidos pelo sujeito, em dada condição de produção. O segundo [...], é compreendido
como o que está sendo dito em situação e momentos dados, como fio do discurso, como
funcionamento discursivo, atravessado pelo interdiscurso, por isso indissociados
(FLORÊNCIO et. ali, 2009, p.76).
outras formações, definindo-se a partir de um interdiscurso. Decorre disso que todo discurso
está relacionado com outros, de modo que tudo que é dito já foi, em algum outro momento,
enunciado por outra pessoa em circunstâncias sócio-histórica e ideológicas distintas, não
havendo um discurso puro, transparente, tampouco único (BRANDÃO, 2004; ORLANDI,
2003).
A memória discursiva, por sua vez, é o lugar do já-dito, não enquanto repetição, mas
ressignificação, já que, ao acionar a memória, esta sofreria alterações, e entre lembranças e
esquecimentos, propiciaria a produção de novos sentidos (FLORÊNCIO et. ali, 2009).
Assim, a Análise do Discurso foi escolhida como principal ferramenta de investigação
nesta pesquisa, por permitir:
desta vontade de saber a verdade sobre o sujeito que o psicólogo produz seu discurso
impresso nos laudos, pareceres, etc.; que, por sua vez, ―não são documentos que ilustram
ideias pré-concebidas, mas monumentos nos quais se inscrevem as múltiplas possibilidades
de leituras‖ (ORLANDI, 2003, p. 64).
Por fim, diante de inúmeras materialidades discursivas disponíveis para o estudo em
questão, indaguei: o que pesquisar; o que eleger para analisar e assim desvelar o
funcionamento do discurso?
Uma pesquisa é sempre, de alguma forma, um relato de longa viagem empreendida por um sujeito cujo olhar
vasculha lugares muitas vezes já visitados. Nada de absolutamente original, portanto, mas um modo diferente de
olhar e pensar determinada realidade a partir de uma experiência e de uma apropriação do conhecimento que
são, aí sim, bastante pessoais.
Duarte (2002, p.140)
[...] a psicóloga [...] me acusou taxativamente de ter abusado de minha própria filha sem
nunca ter me visto na vida, pois nunca fui por ela atendido (Pai 06).
Foi feito um laudo psicológico (em 2 sessões) onde a psicóloga afirmava que eu tinha uma
conduta desviante. Nunca falei com esta psicóloga, ela nunca entrou em contato comigo
para comunicar que iria fazer alguma avaliação ou acompanhamento psicológico com a
minha filha (Pai 02).
[...] a promotora está tentando [...] colocar uma equipe de psicólogas que estiveram
acompanhando o meu filho e afirmaram que eu sou culpado sem nunca haverem conversado
comigo. Essa equipe emitiu um laudo e a partir de então abrimos uma Representação no
CRP (Pai 03) (AMENDOLA, 2009a, p.146-150).
Shine (2007), em seu projeto de Doutorado, intitulado O que deve conter um laudo
psicológico em perícia judicial da Vara de Família?, propôs analisar laudos psicológicos que
foram alvo de questionamentos técnicos e éticos pela Comissão de Ética do CRP-SP. Para
surpresa daquele pesquisador, ―a questão que mais sobressai é que nove de dez psicólogos
Representados na amostra são questionados por emitir laudos sobre pessoas que não
avaliaram!‖ (SHINE, 2007, p.57). Tal afirmação só vem corroborar o que declarei
anteriormente, assim como mostra que o problema não está restrito ao CRP do Rio de Janeiro.
Em sua tese de doutoramento, renomeada para Andando no fio da navalha: riscos e
armadilhas na confecção de laudos psicológicos para a justiça, defendida em 2009, Shine
promoveu um estudo de 14 Representações e 17 Processos Éticos contra psicólogos que
elaboraram laudos utilizados como prova judicial nas Varas de Família de São Paulo, e que
foram instruídos pelo CRP de São Paulo no período compreendido entre os anos de 1998 a
2005138. Desse total, o autor informou que 20 Representações e Processos Éticos foram
arquivados ou terminaram em absolvição; 08 Processos Éticos foram julgados e os psicólogos
penalizados; e 03 Processos Éticos prescreveram.
A amostra daquele pesquisador foi dividida em ―duas categorias: os laudos ruins e os
bons. Entendendo ‗ruim‘ como falho e por isso julgado e condenado. E ‗bom‘ como
138
Neste período estava em vigência o Código de Ética de 1987, Resolução CFP Nº 002/87, revogada pela atual
Resolução CFP Nº 010/2005; bem como o CPD, Resolução CFP nº005/88 e, revogada, posteriormente, pela
Resolução CFP nº 006/2001.
310
Tanto a pesquisa de Shine (2009) – que estudou os PDE que continham laudos
psicológicos alvos de questionamentos técnicos e éticos, e que foram oferecidos como prova
pericial às Varas de Família de São Paulo independentemente da temática abordada 139 –
quanto a de Frizzo (2004) – que promoveu o levantamento quantitativo de todos os PDE na
COE/CRP-SC – são estudos que tiveram por matéria-prima os documentos contidos nos PDE.
Embora a proposta de pesquisa nesta tese compartilhe de materialidade semelhante
(Processos Disciplinares Éticos), difere metodologicamente das demais, pois os autores não
fizeram análise dos discursos contidos nos documentos por eles pesquisados.
Para esta pesquisa, optei por desenvolver a análise dos discursos presentes nos
Processos Disciplinares Éticos (PDE) instaurados no CRP-RJ, cujo mote refere-se à
elaboração de documento – oferecido como objeto de denúncia – decorrente de atendimento
psicológico destinado a crianças em casos de suspeita de abuso sexual.
Parti, portanto, da compreensão de que os discursos impressos na forma de laudos,
relatórios, pareceres, atestados, etc., exprimem uma prática psicológica que não só produzem
saber acerca de um sujeito, mas também definem a própria atuação profissional, criam uma
identidade, porquanto revelam as preferências teóricas, bem como o instrumental técnico, as
ideologias e os dispositivos de poder-saber que enunciam o sujeito.
A partir da investigação dos documentos psicológicos procurei, dentre outros
aspectos: qualificar140 os denunciantes e identificar a queixa contida na denúncia protocolada
no CRP-RJ; qualificar o psicólogo denunciado, indicar em qual contexto o documento foi
elaborado, qual a metodologia empregada, qual a demanda era por ele atendida e o destino
desse material; analisar a produção discursiva nos documentos elaborados pelos psicólogos
(laudos, pareceres, declarações, etc.) e que se tornaram objeto de denúncia no CRP-RJ; as
possíveis repercussões na vida das pessoas envolvidas direta ou indiretamente no
atendimento psicológico; e as questões éticas implicadas.
Ademais, analisei, a partir do que se encontra exposto nos pareceres elaborados pelas
Comissões de Instrução, como a Comissão de Orientação e Ética do CRP-RJ compreende e
julga tais práticas psicológicas à luz do CEPP, indicando os artigos capitulados. Além disso,
busquei circunscrever o(s) argumento(s) contido(s) no Relatório de julgamento para
139
Os temas que versam os laudos estudados pelo autor vão desde solicitação de visitas (maioria dos processos),
reversão de guarda dos filhos, acusação de maus tratos e abuso sexual, ao reconhecimento de paternidade.
140
Preferi utilizar o termo ―qualificar‖, à semelhança do que é empregado pelo CRP, como forma de identificar
os autores dos discursos sem, contudo, deixar de preservar o sigilo dessa identificação conforme os Art. 16 do
CEPP e Art. 29 do CPD. Assim, o termo qualificar soou mais compatível com a proposta.
312
Art. 29 - O conteúdo do processo ético terá caráter sigiloso, sendo permitida vista dos autos
apenas às partes e aos seus procuradores, fornecendo-se cópias das peças requeridas.
§ 1º - O dever de segredo estende-se à Comissão de Ética, às Comissões de Instrução e aos
Conselheiros, como também aos servidores do Conselho que dele tomarem conhecimento por
dever de ofício.
§ 2º - Todos os procedimentos durante a instrução processual correrão em sigilo, o que deverá
ser informado, por escrito, às partes pela Comissão, sendo de responsabilidade das partes
preservá-lo, sob pena de incorrerem em responsabilidade civil e penal no caso de divulgação
do seu conteúdo.
§ 3º - A informação a respeito da existência do processo e das partes envolvidas, sem
referência ao conteúdo, não se constitui desobediência ao disposto neste artigo.
psicólogos que atuam na instrução processual por dois motivos principais: primeiro, porque
os discursos/práticas das Comissões de Instrução estariam contemplados na análise dos PDE,
por meio de seus pareceres, em segundo, porque, pela minha experiência de trabalho na COE
durante as Gestões 2004-2007 e 2007-2010, o modo de funcionamento desta Comissão varia,
de tempos em tempos (em virtude da mudança das pessoas/gestão pelo processo eleitoral),
em razão de seu momento socio-histórico e político. Ademais, o trabalho iria se tornar
extenso, com o risco de o foco da pesquisa se desviar da análise dos discursos contidos nos
PDE, voltados para os documentos psicológicos, para se ater aos trâmites processuais e
funcionamento da própria COE. Assim, fica a sugestão para uma próxima pesquisa.
Com a mudança de Gestão do CRP-RJ (2007-2010), a psicólogo-conselheira Lygia
Santa Maria Ayres assumiu a presidência da COE, de tal modo que foi estabelecido novo
contato e proposta para estudo dos Processos Disciplinares Éticos, que não foi somente
aceita, mas incentivada pela conselheira Lygia, tendo em vista seu interesse em pesquisas e
discussões acerca da atuação profissional e questões éticas implicadas.
Visando formalizar o pedido de análise das Representações e Processos Éticos que
versam sobre elaboração de documentos resultantes de atendimento psicológico de crianças
supostamente vítimas de abuso sexual, encaminhei solicitação por escrito à COE141. O
documento foi apresentado em Reunião Plenária, quando foi aprovado por unanimidade,
oportunidade em que foram definidos alguns critérios para execução da pesquisa a fim de
garantir o sigilo. Dentre estes, ficou determinado, em ata da reunião, que em toda e qualquer
pesquisa com documentos sigilosos da COE, estes poderão ser consultados pelo pesquisador
em espaço do próprio Conselho, a ser determinado pela Comissão, que também estabelecerá
o melhor horário para a coleta de dados, visando a não comprometer a rotina do serviço. O
Plenário também decidiu que a COE iria encaminhar solicitação ao Conselho Federal de
Psicologia para aprovação da pesquisa142.
Posteriormente, a conselheira Lygia Ayres, em reunião periódica de capacitação da
COE, de novembro de 2009, abriu espaço para que eu expusesse os objetivos da pesquisa a
toda equipe presente, não só para que tomassem conhecimento, mas, e principalmente, para
que todos tivessem a oportunidade de contribuir com sugestões quanto aos procedimentos
para efetivação da mesma.
141
Apêndice.
142
Em anexo D e E
315
Por ser a primeira pesquisa autorizada pelo CRP-RJ para analisar documentos
sigilosos da Comissão de Orientação e Ética, a equipe da COE salientou que tal fato abre um
precedente para que outras pesquisas possam ser realizadas com material do Conselho.
Assim, apenas algumas medidas mínimas para garantir o sigilo do material iriam ser
definidas pela COE, deixando que a própria experiência de pesquisa, em seu pioneirismo,
desbravasse e construísse um possível caminho, ou seja, à medida que a pesquisa fosse
desenvolvida, entre possíveis erros e acertos, alguns critérios poderiam ser estabelecidos e
colocados como regra para as propostas vindouras.
Para maior segurança do CRP-RJ, assim como do pesquisador, e garantia do sigilo
das partes envolvidas nos Processos Disciplinares Éticos (PDE), ficou determinado, nesta
reunião de capacitação da COE, que a solicitação para análise de material do CRP-RJ/COE
deveria conter a assinatura do pesquisador e de seu orientador; além do que não seria
permitida a retirada do material da COE, devendo o mesmo ser estudado no próprio
Conselho, conforme já decidido em Reunião Plenária.
Em 2010, o Conselho Federal de Psicologia, em atenção ao pedido de análise dos
PDE, respondeu ao Plenário do CRP-RJ que este possui autonomia para decidir sobre
assuntos relativos à concessão de licença para pesquisar material de caráter sigiloso
pertencente à COE, sendo esta responsável pelo uso que o pesquisador fizer deste material. É
preciso lembrar que o psicólogo pesquisador também é passível de responsabilização, de
acordo com o Art.16 supracitado.
Após o exame de qualificação do projeto de pesquisa de doutorado, ficou estabelecido
em comum acordo com as sugestões oferecidas pela banca que, para a efetivação da análise
dos PDE, seria preciso que eu adotasse alguns outros critérios para fins de definir a amostra
desta pesquisa e a configuração do objeto de análise.
3.3 A amostra
andamento143 que tinham por objeto de denúncia o documento psicológico (laudo, parecer)
decorrente de atendimento psicológico. Em seguida, selecionei aqueles, cujo conteúdo dos
documentos psicológicos versava sobre alegação de abuso sexual contra criança. Com isso,
foram selecionados, ao todo, 26 PDE arquivados e 16 em andamento, conforme disposto na
tabela 9. Nesta, em função da preservação do sigilo, optei por dispor os PDE em ordem
numérica, mantendo o ano de origem (em que a denúncia foi protocolada no CRP-RJ).
143
Não estão incluídas as Representações que aguardam instrução.
317
003/08 Andamento
004/08 Andamento
002/09 Andamento
003/09 Andamento
004/09 Andamento
001/10 Andamento
002/10 Andamento
003/10 Andamento
001/11 Andamento
002/11 Andamento
Fonte: tabela organizada pela autora
Lembrando que o CRP-RJ ficou sem instruir e julgar Processos Disciplinares Éticos
durante um período que culminou com a intervenção do CFP, conforme relatei no capítulo 2,
o número de PDE poderia ser inferior ao número planejado (10), como de fato o foi. Por conta
desse contexto, além de analisar os PDE que foram transitados em julgado e arquivados, optei
por incluir as Representações que possuíam indicação de instauração de processo, mas que
foram arquivadas em razão da prescrição.
Por fim, foram selecionadas para análise nesta pesquisa:
as Representações que, após receberem indicação de abertura de Processo Ético em
Parecer da Comissão de Instrução (CI) aprovado pelo Plenário, foram arquivadas em
razão da prescrição;
e os Processos que foram a julgamento e arquivados logo após.
318
Mediante o respeito aos critérios adotados, o corpus dessa pesquisa foi composto por
seis PDE. Cinco deles foram as primeiras denúncias recebidas pelo CRP-RJ sobre a temática
proposta nesta tese – avaliação psicológica em casos
Resolução CFP nº 006/2001
de alegação de abuso sexual contra criança –, que CAPÍTULO III - Dos Impedimentos
prescreveram na mesma época em que ingressei no Art. 101 - Não poderão atuar no feito
aqueles que a lei declarar impedidos, bem
CRP-RJ para trabalhar como colaboradora na como os absoluta ou relativamente
incapazes de exercer pessoalmente os atos
instrução processual. da vida civil.
Art. 102 - Estão absolutamente impedidos
Digno de nota, também, é o fato de que muitos de exercer a função de Relator, em qualquer
instância, bem como de participar do
PDE foram arquivados ainda na fase de processo, os parentes até terceiro grau;
Representação, porém, em função do objetivo dessa aqueles que de qualquer forma tenham se
envolvido com o fato objeto da
pesquisa se restringir à análise dos PDE arquivados representação; que tenham, publicamente,
sobre este emitido juízo de valor; e que
após instauração de Processo Ético, o motivo que tenham ou tenham tido relação de vínculo
profissional com o psicólogo processado ou
levou ao arquivamento das Representações não foi o denunciante.
Parágrafo Único - O impedimento será
aqui ponderado. declarado de ofício, podendo a parte
Quanto à declaração de impedimento, também suscitá-lo a qualquer tempo, e,
qualquer que seja a fase processual, desde
considero fundamental traçar alguns comentários. O que faça na primeira oportunidade em que,
após ter tomado conhecimento do fato, tiver
critério de impedimento estabelecido no Código de de falar no processo.
Processamento Disciplinar (CPD) é objetivo e visa à
imparcialidade e à isenção no trato da matéria.
Como não há diferença expressiva sobre a matéria entre a Resolução CFP nº 006/2001
que instituía o CDP e a Resolução CFP nº 006/2007 que a sucedeu e está atualmente em
vigor, logo, o que estava estabelecido para o período em que atuei sob a vigência do CDP de
2001, continua válido para o período atual.
319
3.4 O método
Como a análise dos discursos contidos nos PDE ocorre pelo viés da pesquisa
qualitativa, mais do que a quantidade de processos, era essencial que este trabalho contivesse
denúncias que culminaram com a instauração de Processos Éticos. A observação e análise
desse percurso, com suas histórias, argumentos, enfim, toda uma dinâmica de informações, de
144
Art. 93 - Estão absolutamente impedidos de exercer a função de relator, em qualquer instância, bem como de
participar do processo, os parentes até terceiro grau, aqueles que de qualquer forma tenham-se envolvido com o
fato objeto da representação, ou que tenham, publicamente, emitido juízo de valor sobre o mesmo, tenham ou
tenham tido relação de vínculo profissional com o denunciado.
145
O Art.102, Resolução CFP nº 006/2007, foi o único em que sofreu alguma alteração com o acréscimo da parte
que diz respeito ao vínculo profissional com o denunciante.
320
Para selecionar nestes documentos (PDE) os discursos que seriam objetos de análise,
optei por considerar alguns elementos. Primeiramente, ter o tema desse estudo sempre em
perspectiva na intenção de identificar e analisar as diversas materialidades discursivas e seus
efeitos de sentido produzidos em determinadas condições como, por exemplo, no atendimento
psicológico em circunstâncias em que houve uma alegação de abuso sexual. Também
verificar para posterior análise que subjetividades foram produzidas por estes discursos e
como os denunciantes e os psicólogos denunciados fizeram referências à conduta profissional
e à ética, dentre outros, observando ―as palavras escolhidas à confecção, os fatos
privilegiados, os entrevistados a serem chamados ou não, a impressão do psicólogo em cada
caso‖ (CARVALHO; AYRES; FARIAS, 2009, p.83).
Adjacente a isso, selecionei alguns fragmentos dos textos nos PDE para serem
analisados em resposta à minha afetação, segundo aquilo que suscitou em mim uma reflexão e
discussão, porquanto, todo pesquisador é um sujeito que produz sua análise a partir de um
321
admitem terem cometido algum erro alegado pelo denunciante), cabendo à CI/COE o
exercício da leitura e análise dos fatos com correção, lisura e imparcialidade, cumprindo com
seu papel de Tribunal Regional de Ética.
Oponíveis ou não, os discursos tanto do denunciante quanto do psicólogo denunciado
e do próprio CRP/COE só existem porque há uma relação intrínseca entre eles, uma relação
dialógica, bastante tensionada. Os discursos, portanto, dialogam entre si, seja repetindo,
dissentindo, contestando, formando um emaranhado de discursividade, como define Orlandi
(2003). São respostas a outros discursos produzidos em determinado momento sócio-
histórico. Tampouco são discursos neutros ou inocentes, uma vez que são produzidos a partir
de uma perspectiva social e histórico-ideológica de cada anunciante, transmitindo valores,
crenças, interesses, pontos de vista, etc. (FLORÊNCIO et. ali, 2009; ORLANDI, 2003).
Embora todos os textos sejam polissêmicos e, necessariamente, dialógicos, nesta
pesquisa os discursos foram organizados didaticamente em quatro grandes tipos, adotando,
por critério: (1) o discurso impresso nos documentos psicológicos que, a princípio, deu
origem ao (2) discurso do denunciante, e este, por sua vez, deu origem ao discurso (3) da
defesa, que juntos, originaram (4) o discurso da instituição CRP/COE.
Finalmente, e também para fins didáticos, dispus, primeiramente, a apresentação dos
personagens e, na sequência, a análise discursiva de fragmentos dos discursos, orientada pelas
tipologias.
João é residente na cidade do Rio de Janeiro, possui ensino superior com pós-
graduação. Foi casado com Maria e tiveram uma filha por nome Gisele. Após a separação
conjugal, a menina foi morar com a mãe. A denúncia de abuso sexual implicando João partiu
de Maria, após a separação do casal, quando a criança contava com 05 anos de idade.
Emília é parente de João e de Gisele. É psicóloga formada e inscrita no CRP-RJ.
Ana é psicóloga inscrita no CRP-RJ, pós-graduada, residente na cidade do Rio de
Janeiro e trabalha em uma clínica psicológica que presta serviços a crianças com suspeita de
abuso sexual.
Cristina é psicóloga inscrita no CRP-RJ e atua enquanto funcionária concursada, em
uma Vara de Família do Tribunal de Justiça de um município do Estado do Rio de Janeiro.
Ricardo é brasileiro, residente na cidade do Rio de Janeiro, possui nível superior e está
aposentado. Após separar-se da esposa, com quem teve uma filha, Clara, foi acusado por ela
de abusar sexualmente da criança que estava com 03 anos de idade na ocasião.
Sandro é filho de Beatriz e pai de Mateus de 03 anos de idade. Beatriz, psicóloga de
formação, foi acusada por Ângela, ex-mulher de Sandro, de abusar sexualmente do neto
Mateus.
Carol é psicóloga inscrita no CRP-RJ, residente na cidade do Rio de Janeiro e trabalha
em seu consultório particular.
Pelos personagens, já é possível perceber, inicialmente, que João e Emília são parentes
e que ambos denunciaram, em ocasiões diferentes, a mesma psicóloga, Ana, por haver
elaborado documento psicológico após atender Gisele, de cinco anos, com suspeita de ter sido
abusada sexualmente pelo pai, João. Os PDE foram apensados pela COE por se tratar de
assuntos idênticos, embora com visões particulares oferecidas pelos denunciantes sobre a
atuação da profissional denunciada.
Posteriormente, João e Emília protocolaram denúncia contra Cristina, após a mesma
emitir documento resultante de avaliação psicológica realizada em Vara de Família, em que
apontou indícios da ocorrência de abuso sexual da criança supostamente cometida por João.
Os PDE também foram apensados por versarem sobre mesma matéria.
Ana voltou a ser denunciada no CRP-RJ, desta vez, por Ricardo, também por haver
elaborado documento psicológico, após denúncia de abuso sexual contra a criança Clara de
três anos.
Sandro e Beatriz protocolaram em conjunto denúncia contra Carol por a mesma haver
elaborado documento em que indicava Beatriz como autora de abuso sexual do neto Mateus.
324
Assim, como consta na defesa da psicóloga Ana (PDE nº 04/00), o documento por ela
elaborado, intitulado ―Declaração‖, em seu entendimento, não seria equivalente a um ―parecer
conclusivo‖, assemelhando-se a um ―relato escrito‖. Qual a diferença entre eles? Quais os
critérios que os definem? Certamente, a falta de normativas criava margem para confusões e
jogos de palavras que em nada esclareciam. Todavia, sem o Manual, não havia um nome
―certo‖, ―adequado‖ para indicar como o documento deveria ou não ser estruturado. A
tentativa de atribuir um nome e dele extrair-lhe significado desviava o foco do que realmente
lhe dava sentido, o conteúdo. Era este, e não o título, que definia o documento psicológico
que, por sua vez, era elaborado com qual finalidade, a partir de qual demanda?
Em geral, os documentos psicológicos apresentaram indicação da finalidade para o
qual foram elaborados: a realização de avaliação psicológica da criança que, conforme discuti
326
Declaração
Comunicamos, [...], que [Gisele], 5 anos, encontra-se em processo de avaliação diagnóstica
e tratamento. (Ana, PDE nº 01/99)
Laudo Psicológico
[...]. A investigação psicanalítica [...] encontra-se em fase final de avaliação diagnóstica e
tratamento psicanalítico semanal [...], tendo por objetivo principal: Esclarecer a suspeita de
abuso sexual sofrido e revelado pela criança; Avaliar a sintomatologia clínica; As cenas de
sedução descritas [pela criança] [...]; As suspeitas destas brincadeiras eróticas. (Ana, PDE nº
01/99)
------------------------------------------
PARECER PSICOLÓGICO
I ENTREVISTAS REALIZADAS
II AVALIAÇÕES PSICOLOGICAS
A avaliação de Gisele envolveu a realização de uma Hora de jogo e de aplicação de testes
psicológicos: Teste da Casa, da Árvore, da Figura Humana e da Família. (Cristina, PDE nº
01/00)
------------------------------------------
Declaração
Criança, 03 anos, encontra-se em processo de avaliação diagnóstica e início de tratamento
psicanalítico, apresentando quadro compatível com abuso sexual incestuoso na primeira
infância. [...] Após avaliação diagnóstica será realizado Laudo Psicológico. (Ana, PDE nº
04/00)
------------------------------------------
RELATORIO PSICOLÓGICO
ASSUNTO: Avaliação/acompanhamento psicológico do [Mateus] para fins judiciais
(revisão de regulamentação de vistas).
RELATORIO PSICOLÓGICO Complemento
Avaliação/acompanhamento psicológico do [Mateus] para fins judiciais (revisão de
regulamentação de vistas) A criança apresentou agravamento dos sintomas.
RELATORIO PSICOLÓGICO
Em complemento aos relatórios emitidos em [nov/2003 e dez/2003], informo, para fins
judiciais, que [Mateus] , 4 anos, continua [...] sob meus cuidados profissionais. (Carol, PDE
nº 01/04)
Não fica explícito, porém, quem solicitou a avaliação e em quais circunstâncias essa
demanda foi feita, à exceção do ―Relatório Psicológico‖ elaborado pela psicóloga Carol (PDE
nº 01/04), que o fez na vigência do Manual de Elaboração de Documentos (Resolução CFP nº
007/2003).
RELATORIO PSICOLÓGICO
ASSUNTO: Avaliação/acompanhamento psicológico [de Mateus] para fins judiciais
(revisão de regulamentação de vistas)
Com exceção de Cristina, que atua na Vara de Família, é interessante notar que as
demais psicólogas (Ana e Carol) não se limitaram a um, mas elaboraram vários documentos
psicológicos a respeito do caso em que avaliavam, todos com fins judiciais, cujo objetivo era
avaliar a suposta ocorrência de abuso sexual contra a criança.
Pelas expressões ―avaliação diagnóstica e tratamento psicanalítico semanal‖, ―estudo
psicoterapêutico‖ (Ana, PDE, nº 01/99) e ―Avaliação/acompanhamento psicológico‖ (Carol,
PDE nº 01/04), o vínculo estabelecido entre essas duas profissionais com as crianças por elas
avaliadas parece ser duplo: de psicoterapeuta e avaliadora. Diferentemente da psicóloga da
Vara de Família, cuja função foi estritamente de realizar uma avaliação psicológica, quando
fez uso de alguns instrumentos (testes), as demais psicólogas atuavam em clínicas ou
consultórios particulares, espaços privilegiados da terapia. A avaliação psicológica para fins
jurídicos e o atendimento psicoterapêutico, todavia, não ocorreram em momentos separados,
mas concomitantemente. Esse entrelaçamento de atividades, que tratei ao longo do capítulo 1,
chama a atenção, pois diz respeito ao tipo de demanda que vem sendo produzida e endereçada
aos psicólogos em espaços exclusivos da psicoterapia e do sigilo.
Essa questão do sigilo nas relações de trabalho entre o psicólogo e seu cliente já foi
objeto de análise nesta tese, bem como na dissertação de mestrado, ocasião em que também
percebi a grande produção de documentos psicológicos emitidos para o Judiciário pelos
mesmos profissionais. Segundo dados daquela pesquisa, é comum a emissão de vários
documentos parciais para o judiciário, até o encerramento dos atendimentos psicológicos,
quando um último documento dito ―conclusivo‖ é elaborado, em geral, com indicação para o
abuso sexual da criança. A conclusão do documento, nestes termos, era entendida como sendo
a resposta a ser emitida à demanda de avaliação de um caso de suspeita de abuso sexual
contra a criança, ou seja, seria o mesmo que concluir pela ocorrência do abuso sexual e
indicar o autor do crime (AMENDOLA, 2006; 2009a).
De modo semelhante observei que os vários documentos emitidos pelas profissionais
tendem a ser complementares, isto é, com o andamento da psicoterapia, que também era uma
avaliação (ou vice-versa), muitas informações prestadas no primeiro documento foram
repetidas e/ou enfatizadas, enquanto outras foram acrescidas para atestar ou confirmar a
veracidade das informações.
DECLARAÇÃO
[a criança apresenta] sintomatologia compatível com quadro de violência sexual incestuosa
paterna. [...] As suspeitas destas brincadeiras eróticas [...] são confirmadas pela criança
328
LAUDO
As cenas de sedução descritas por Gisele revelam que está exposta à intensa angústia sob a
forma de jogos e brincadeiras eróticas descritas com profundo sofrimento psíquico e
ambivalência afetiva. As suspeitas destas brincadeiras eróticas [...] são confirmadas pela
criança através das entrevistas diagnósticas que indicam um comportamento
hipersexualizado. Há comprometimento e alteração dá imagem corporal, sugerindo quadro
de angústia sexual hipertrófica confirmando intensa exposição da sexualidade da criança à
estimulação, sedução e aos carinhos eróticos paternos, desencadeando na psique infantil
medos e fobias características do incesto. (Ana, PDE nº 01/99)
------------------------------------------
DECLARAÇÃO
[a criança apresenta] quadro compatível com abuso sexual incestuoso na primeira infância.
[...] O quadro clínico apresentado pela [criança] é de extrema gravidade. (Ana, PDE nº
04/00)
------------------------------------------
AVALIAÇÃO PSICOLOGICA DE GISELE
[...] A partir da avaliação dos seus testes gráficos e da Hora de Jogo Diagnostica, podemos
dizer que no momento atual, Gisele mostra-se ansiosa, insegura e com baixa auto-estima,
apresentando sentimentos de menos valia e dificuldade em controlar seus impulsos sexuais e
agressivos, com uma tendência à introversão e a depressão. Denota ter ainda uma falta de
confiança na relação interpessoal com o outro, associada à dificuldade de relacionar-se com
seu ambiente social, demonstrando uma tendência a apresentar um comportamento auto
centrado e independente. [...] A figura materna é vista [...] como positiva e geradora de
segurança [...], enquanto a figura paterna é sentida como negativa e geradora de ansiedade
[...]. Gisele vê o genitor como uma pessoa de quem ela não pode mais confiar, pois ele fez
coisas inadequadas com ela, ‗aquelas coisas que não pode‘. [...] coloca que ‗mamãe me
contou que o papai fez isso porque estava doente, que ele precisa se tratar‘. (Cristina, PDE
nº 01/00)
------------------------------------------
RELATÓRIO
[Mateus] apresentava queixas importantes: terror noturno, irritabilidade, comportamento
agressivo e regressivo, agitação psicomotora, entre outros. [...]. No atendimento
psicoterápico [...], Mateus descreveu sua dor dizendo que se havia machucado por que a
[avó] ‗beijava‘ seu ‗pipiu‘ porque ela gostava. [...]. Trouxe outros relatos [...] documentados
e gravados. (Carol, PDE nº 01/04)
RELATÓRIO
Em complemento aos relatórios emitidos em [nov/2003 e dez/2003], informo, para fins
judiciais, que Mateus, 4 anos, continua [...] sob meus cuidados profissionais. O quadro
emocional da criança vem se agravando a cada dia, provavelmente pelas convivências
conflitantes quando de seu contato com a figura paterna, [...] expondo sistematicamente seu
filho ao assunto gerador do pedido de revisão, por suspeita de abuso sexual por parte da avó.
[...] o contexto terapêutico, onde sente-se segura e protegida, [...], seu comportamento tem
sido permeado por medos diversos. [...] Apresenta intenso temor à perda de figura materna,
relatando que o pai lhe disse que não precisava voltar para a casa nem morar com a mamãe
[...]. A criança está vivenciando novos tipos de sofrimento. (Carol, PDE nº 01/04)
tanto do abuso sexual quanto da autoria deste – nada diferente do que salientei na pesquisa de
mestrado (AMENDOLA, 2006; 2009a).
A dificuldade para estabelecer um diagnóstico baseado em evidências físicas tem sido
o principal elemento promotor da intervenção do psicólogo – profissional que ficaria
encarregado de revelar o abuso sexual a partir da produção discursiva, lúdica e gráfica. Por
meio dessas intervenções, uma série de informações sobre sintomas comportamentais e
psicológicos passaria a ser utilizada pelos profissionais na intenção de produzirem um
diagnóstico de abuso sexual, como fizeram as psicólogas em seus documentos encaminhados
à Justiça.
Assim, nos documentos emitidos pelas psicólogas, os segredos e a interioridade dos
sujeitos-criança foram perscrutados, vasculhados, extorquidos, na intenção de estes objetos-
de-estudo revelarem, seja pelo intercurso de entrevistas, desenhos, bonecos, jogos e/ou testes
psicológicos, sinais e respostas que atendessem aos interesses dos profissionais pela revelação
do suposto abuso sexual (MORAES, 2009).
Segundo Foucault (2001a), o exame psicológico, médico, psiquiátrico funcionaria
como mecanismo de poder e de prazer, no sentido de ter um ―prazer em exercer um poder que
questiona, fiscaliza, espreita, espia, investiga, apalpa, revela‖ (FOUCAULT, 2001a, p.45).
Nos documentos psicológicos elaborados pelas profissionais, o prazer em exercer o
poder da revelação aponta para um ativismo nas práticas psicológicas de avaliação, cuja
mobilização de sentimentos apela para a compaixão, escandalização e indignação mediante
situações descritas como fruto de violência sexual.
Deste modo, atrelada a uma postura salvacionista ou protetora, ou ainda, de tutela, a
prática das psicólogas aqui analisadas apresentou-se enquanto uma atividade compulsiva, sem
crítica, tomada pela urgência de respostas precisas e imediatas. A criança, vista por esta
perspectiva, era uma vítima, sem recursos próprios para agir frente a situações trágicas que
pudessem lhe atingir, que precisaria de proteção e de ações assistencialistas-humanitárias em
nome de sua defesa e a de seus direitos, a qual deveria ser provida pelas profissionais.
As intervenções universalizantes, quando não permitem o diálogo com a cultura, com
o contexto sócio-histórico, cumprem com uma função de localizar e banir o que é considerado
conflitante com a norma universal. Assim, em nome da proteção à criança, os sistemas de
valores culturais seriam colocados à margem do processo de identificação da violência,
promovendo intervenções segundo o postulado como patológico ou desviante (AMENDOLA,
2009a; GONÇALVES, 2003).
330
Gisele vê o genitor como uma pessoa de quem ela não pode mais confiar, pois ele fez coisas
inadequadas com ela, ‗aquelas coisas que não pode‘. [...] coloca que ‗mamãe me contou que
o papai fez isso porque estava doente, que ele precisa se tratar‘. (Cristina, PDE nº 01/00)
[...] Mateus descreveu sua dor dizendo que se havia machucado por que a [avó] ‗beijava‘ seu
‗pipiu‘ porque ela gostava. [...]. Trouxe outros relatos [...] documentados e gravados. (Carol,
PDE nº 01/04)
Assim, as psicólogas fizeram uso das palavras e dos sintomas supostamente ligados a
um abuso sexual para afirmarem, de forma descontextualizada, uma verdade sobre o sexo.
Desta forma, é possível supor que o modelo de atendimento psicológico empregado pelas
psicólogas visa à participação de crianças na produção de uma personalidade de vítima de
abuso sexual, não só pela via da palavra, como também de comportamentos irregulares,
desviantes, anormais, traumáticos anunciados pela ou observados na criança. Além disso, a
palavra dessas crianças passou a ser um recurso para garantir a credibilidade de seus próprios
testemunhos. Igualmente, os sintomas descritos, tornaram-se matéria-prima na fabricação de
crianças sofridas, angustiadas ou vítimas.
Desta ―materialidade psíquica‖ (CONTE, 2006, p.5) é que o delito pode ser
configurado e retratado nos documentos psicológicos, a partir da criação de uma montagem
biográfica, de um perfil moral e patológico da criança. É quando ―um novo regime da verdade
[...] saber, técnicas, discursos ‗científicos‘ se formam e se entrelaçam com a prática do poder
de punir‖ (FOUCAULT, 2005, p.23).
As biografias e os dramas familiares, quando traçados pelas psicólogas, não se
articularam com a exposição de supostos sintomas e confissões do abuso, como se esses
dados em nada influenciassem os outros acontecimentos.
[...] a não aceitação (da genitora de Gisele) da sua atual relação afetiva com [outra mulher].
[...] começou a apresentar um comportamento agressivo com ele, [...] passou a dificultar as
suas visitas à sua filha [...], impedindo também a visitação da família paterna. (Cristina, PDE
nº 01/00)
------------------------------------------
Antes do tratamento de Mateus, sua mãe estava sob meus cuidados em tratamento
psicoterápico. [...] O objetivo era tentar um ajustamento [...] que pudessem evitar a
separação [...], a grande dificuldade do casal era em relação à convivência com a avó
paterna de Mateus. [...] A mãe de Mateus e sua sogra já não se relacionavam amistosamente.
(Carol, PDE nº 01/04)
mulher, eram acontecimentos que passavam ao fundo de um palco em que se encenava, para
as profissionais, um abuso sexual entre a criança e o adulto, suposto abusador.
Descontextualizadas, as revelações ou confissões clínicas sobre o sexo (conforme apresentei
no capítulo 1), enquanto ―procedimentos pelos quais se incita o sujeito a produzir sobre sua
sexualidade um discurso de verdade‖ (FOUCAULT, 2004a, p.264), provocaram efeitos, tal
qual a exclusão do adulto, suposto agressor da criança, do processo de avaliação.
A prática mais corrente, como é possível constatar nos discursos das psicólogas, bem
como na pesquisa que desenvolvi no mestrado, foi ouvir a criança e sua mãe, em geral,
guardiã da criança, a partir do entendimento ou crença de que as crianças não mentem (mas os
acusados sim) e de que a revelação foi feita (AMENDOLA, 2006; 2009a). A escuta dos
adultos acusados tem se dado, em boa parte dos casos, no judiciário, como ocorreu com a
psicóloga Cristina (PDE nº 01/00 e 02/00).
Lembrando que ―é na relação que se produz o acontecimento‖, conforme diz Machado
(1994, p.59), o efeito dessa produção foi a sacralização da palavra da criança e a cronificação
desta enquanto vítima de abuso sexual que deveria ser amparada. Nos discursos psicológicos
contidos nos documentos, vidas foram excluídas em nome de outras vidas e, com isso,
direitos foram suspensos em nome de outros direitos.
Diferentemente do psicoterapeuta ou do psicólogo clínico, o psicólogo que atua como
funcionário do judiciário em Varas de Família, ou mesmo o perito de confiança do juiz, seria
encarregado de ouvir as partes envolvidas em litígio, seja em questões que dizem respeito à
disputa de guarda, regulamentação de visitas ou até denúncias de abuso sexual de crianças. O
perito seria o profissional ou especialista de notável saber responsável por descrever e
classificar o comportamento, assim como por traçar diagnósticos e prognósticos.
Embora autores como Brito (2004) e Miranda Jr. (1998) salientem que aquela prática
diagnóstica ou pericial – atribuída aos psicólogos jurídicos em um momento que os trabalhos
na área começam a ser desenvolvidos – atualmente cause ―certos rumores de indignação‖
(BRITO, 2004, p. 234), é ainda comum encontrar quem defenda uma prática fundamentada no
inquérito e diagnósticos. Rovinski (2005), por exemplo, tem denominado por ―Psicologia
investigativa‖ uma espécie de avaliação psicológica específica para o campo jurídico ou
forense, no qual o psicólogo deveria desenvolver uma verdadeira ―postura de investigação‖
(ROVINSKI, 2005, p.95), buscando conhecer os processos de desenvolvimento, da
recuperação de memória e de enfrentamento de estresse para servirem de comparação. Seria,
portanto, uma atividade de avaliação mais focada na técnica e na demanda, que propriamente
332
voltada para analisar as pessoas a partir de questões envolvendo família, filiação, guarda,
separação, etc., que, desta forma, não seriam consideradas ou ficariam restritas ao olhar
psicologizante do profissional, fruto das técnicas de exame.
Essa postura investigativa e descontextualizada está presente nos discursos da
psicóloga Cristina da Vara de Família.
Mostrou-se muito tenso, ansioso e angustiado durante todas as duas entrevistas. [...] afirma
que [a ex-mulher] está acusando-o de ter abusado sexualmente de sua filha [...].
limites ao ex-marido, e afastava a filha deste. Durante o período em que permaneceu casada,
vivenciou uma depressão moderada, tendo tomado medicamentos adequados e apresentando
uma recuperação total. Em função destes fatos, relacionados à sua vida sexual quis separar-
se dele. Passado algum tempo da separação, Gisele passou a voltar das visitas paternas com
um comportamento, muito ansiosa e sexualizada. [...] [foi orientada] a procurar [uma
instituição] para tratamento de casos de abuso sexual. [...] desde então, [mãe e filha] vêm se
submetendo a tratamento.
Logo, as abstrações criadas pelo olhar diagnóstico das psicólogas, tais como
―violência sexual incestuosa paterna‖, ―comportamento hipersexualizado‖, ―angústia sexual
hipertrófica‖, ―quadro clínico de extrema gravidade‖, ―quadro bastante frágil‖,
―emocionalmente bem estruturada‖, ―desorganização na sua personalidade‖, para citar
algumas, instituem discursos estereotipados, herméticos, descontextualizados. Tratado alheio
334
Tem-se a impressão de que o discurso [...] possui uma tal utilidade, de que é tão fortemente
exigido e tornado necessário pelo funcionamento do sistema, que não tem nem mesmo
necessidade de se justificar teoricamente, ou mesmo simplesmente de ter uma coerência ou
uma estrutura. Ele é inteiramente utilitário.
à sua literalidade, como prova cabal‖ da verdade (ALVES; SARAIVA, 2009, p.103), mas
também gerar um impacto ou reação. Nestas circunstâncias, julgar não mais se limitaria à
verdade de um suposto crime, mas às emoções que ele viesse a provocar, independentemente
dos atravessamentos políticos, sociais, históricos na vida das pessoas.
A partir destas produções de subjetividade, os discursos psicológicos demonstraram
que haveria uma intenção das psicólogas de que os documentos pudessem ser empregados,
em âmbito judicial, como meios de garantir a proteção ou bem-estar das crianças.
[...] Existe ainda a possibilidade do cumprimento do afastamento da avó paterna não está
sendo cumprido, pois a criança relata que ‗o papai pediu para não contar pra ninguém
quando a N06/04 estiver perto... [...]. Devemos lembrar a idade do menor: 3 anos e 11
meses. Submetido a esta pressão adicional intensa e sistemática pelo pai, seu bem estar
psicológico está cada dia mais comprometido [...]. Além da possível violência sexual, [...]
percebemos aqui um assedio moral à criança, levando a um estado depressivo importante
com sequelas físicas. Conclusão: [...] insisto em sugerir visita supervisionada do pai à
criança, até que este seja orientado e conscientizado sobre seu papel na adequada relação
com seu filho. (Carol, PDE nº 01/04)
[...] ao afastar para proteger, vive-se uma dicotomia: a garantia e a violação de direitos
coexistem na medida de proteção, que também se torna em medida de punição. Não é possível
escapar dessa dicotomia enquanto outras opções não forem criadas e adotadas, de modo que
nos resta pensar as tensões geradas por essa medida na relação de pais e filhos. O
afastamento, na versão de proteção, visa garantir a segurança da criança durante o período em
que se investiga a alegação de abuso sexual, enquanto na versão de punição, pais e filhos têm
violados os direitos de convivência e punidos com a separação compulsória de prazo
indeterminado. Uma medida de fácil deliberação e aplicação que, ao visar proteger, impondo
o afastamento prolongado, independentemente da condição de culpa ou inocência desses pais,
provoca um prejuízo ao desenvolvimento da criança e um sofrimento aos pais (AMENDOLA,
2009a, p.174).
337
Psicojuiz
Ao longo do processo penal, e da execução da pena, prolifera toda uma série de instâncias
anexas. Pequenas justiças e juízes paralelos se multiplicam em torno do julgamento principal:
peritos psiquiátricos e psicólogos, magistrados da aplicação da pena, educadores, funcionários
da administração penitenciária fracionam o poder legal de punir.
uma possível ação lesiva cometida pelo psicólogo no campo do exercício profissional
(FIGUEIRA, 2007).
Por este entendimento, o discurso do denunciante está atrelado ao discurso do
psicólogo contido nos documentos, assim como ao discurso da defesa – em uma rede
dialógica que produz sentidos diversos – e depende destes para sustentar os argumentos
contidos na própria denúncia. Neste campo de disputas que se estabelece entre os
denunciantes e as psicólogas denunciadas, em que cada um atribui sentidos para suas
experiências, a denúncia se organiza como um ―discurso estratégico‖, com objetivos bem
definidos, conforme explica Figueira (2007, p.43): para que a lei seja aplicada com a
pretensão punitiva.
A denúncia é, por princípio, um direito, garantido por lei, de qualquer cidadão que se
sentir prejudicado ou insatisfeito por ocasião de uma atuação profissional que considere
equivocada, reclamando por punição e/ou retratação.
Na ―era dos direitos‖ (COIMBRA, 2009, p.68), as denúncias não deixam de ser um
reflexo da expansão dos ideais de justiça nas diversas esferas da vida. Na atual condição da
sociedade, em que o consumidor de bens e serviços passou a ser protegido pelo Código de
Defesa do Consumidor (CDC, Lei 8.078/1990), os consumidores de serviços psicológicos
passaram a exigir respeito a seus direitos. Com isso, a população se tornou hipervigilante,
tomando para si o encargo de denunciar quando os serviços não são prestados a contento.
Na opinião de Passetti (2011), isso ocorreria dada a concessão da sociedade
contemporânea por uma ampla participação do indivíduo nos eventos sociais, onde cada um
visa defender seus direitos. A judicialização tornou-se um importante acontecimento em curso
no mundo pós-moderno quando os sujeitos de direitos, para resolverem seus conflitos,
passaram a recorrer à autoridade com vistas à denúncia e à punição daqueles que, em alguma
circunstância, tenham gerado algum prejuízo tanto de ordem emocional como financeira.
Uma época de crença em mais e mais punições, por meio da vingança jurídica contra os que
escapam ou burlam os controles normativos e legais, em nome da boa vida em sociedade,
constituindo uma vida de novas produções institucionais que restauram as antigas instituições;
era dos espaços controlados e de condutas monitoradas continuamente (PASSETTI, 2011).
os profissionais que cometem erros crassos com consequências tão graves são punidos [...],
para que não causem enormes danos às pessoas sensatas e saudáveis, como o Requerente e
sua filha. [...] o único abuso que a filha do suplicante vem sofrendo é desta psicóloga que a
está tratando, a partir de um diagnóstico errado e absurdo. (João, PDE nº 01/99)
------------------------------------------
[a psicóloga] faz afirmações e diagnósticos absurdos. [...] afirma também que uso a negação
como mecanismo de defesa, como que se negar uma acusação signifique usar mecanismo
defensivo de negação. [...] os laudos [...] da psicóloga, [...] terá grande repercussão tanto na
vara de família como na criminal, espero que este conselho consiga perceber a extensão dos
danos causados por esta profissional e que lhe aplique as punições devidas. Certo que não
hesitarei em acionar todos os meios jurídicos [...] ou todas as formas de expressar [...] minha
indignação para exigir a punição de profissionais que por imperícia possam estar me
causando graves prejuízos ou a sociedade em que convivo. (João, PDE nº01/00)
------------------------------------------
[...] sob alegação de abuso sexual perpetrado contra sua filha, baseando-se fortemente,
como pode ser constatado [...], na declaração da psicóloga Ana. De imediato e sumariamente
foi suspenso, pelo Excelentíssimo Juiz de Direito Titular da [...] Vara de Família, o direito
de visitação paterna à menina. Sem dúvida, a declaração da psicóloga Ana influenciou,
decisivamente, no despacho do Excelentíssimo Juiz. [...] que interesses teria Ana em
diagnosticar, de forma relâmpago e fulminante, fato de natureza gravíssima, firmando
declaração [...]. Ao declarar as barbaridades [...], atendia Ana interesses da genitora no
sentido de não permitir, a qualquer preço, a Regulamentação de Visitas? [...] A mim, tudo
me faz crer que a declaração [...] foi, graciosamente, oferecida, sabe-se lá satisfazendo a que
interesses da psicóloga Ana, baseada única e exclusivamente no relato da mãe, o que, se de
fato ocorreu, colocaria a psicóloga Ana no rol de pessoas desprovidas de seriedade e
indignas de ter a Psicologia como profissão. (Ricardo, PDE nº04/00)
------------------------------------------
A referida psicóloga, então já terapeuta de minha ex-mulher, atendeu como paciente a meu
filho, excluindo-me quase que totalmente do processo. [...] O sofrimento a que nos
encontramos expostos [...] são consequência de equívocos técnicos e éticos praticados pela
referida profissional, uma vez que a Psicóloga já era Psicoterapeuta [...] da mãe de Mateus. e
minha ex-mulher. a Psicóloga [...] apontou a possibilidade da avó paterna, pessoa que ela
nunca conheceu, haver manipulado a genitália de Mateus, insinuando abuso sexual. [...]
Preocupa-nos principalmente o modo como Mateus foi envolvido em uma atmosfera de
medo após o surgimento dessa questão, sendo orientado a ‗gritar e sair correndo‘, conforme
aponta o próprio relatório da Psicóloga. Que consequências este tipo de procedimento
poderá causar à sua formação? Diante do exposto, consideramos que a psicóloga [...] tenha
cometido equívocos, utilizando-se de minha condição de alguém que esteja utilizando um
serviço especializado, não sabedor das especificidades da profissão em referência. [...]
Pedimos ao Conselho que venha a avaliar a conduta da psicóloga [...]. Questionamos ainda
se a referida psicóloga teria se posicionado corretamente quanto ao lugar de psicoterapeuta,
uma vez que chegou a gravar as sessões no intuito de produzir provas judiciais. (Sandro,
PDE nº01/04)
------------------------------------------
Consideramos que afirmações tendenciosas são feitas sem sustentação em fatos [...]. Mateus
tem se comportado normalmente durante as visitas ao lar paterno, [...] e sem apresentar os
sintomas comportamentais apontados pela psicóloga como sendo quadro depressivo. [...] a
psicóloga [...] fez-se presente no aniversario de quatro anos de Mateus, [...]. Apreendemos
que tal fato seja no mínimo questionável, uma vez que indica um vinculo para além do
terapêutico, sobretudo num momento tão conturbado da vida familiar de seus pacientes.
(Beatriz, PDE nº01/04)
342
No caso de Emília (PDE nº 02/00), embora não fosse pessoa diretamente abordada no
documento psicológico, alegou que procurou o CRP-RJ para fins de:
notificar e exigir providências [...] quanto aos procedimentos técnicos e éticos [...] que lesam
profundamente a moral desta família.
Em nome da família, da qual faz parte, justificou que a denúncia decorria frente ao
dano provocado pelas ações tanto da psicóloga Ana quanto de Cristina, que teriam julgado e
sentenciado toda a família paterna.
[...] afirma de forma precisa que a menor [...] está sofrendo Abuso Sexual Paterno, sem que
o pai em questão nem mesmo fosse visto, avaliado ou testado. [...] A desestruturação não
fica só na esfera do réu. Vi, convivi, sofri como toda a família o caos que se expressou por
sofrimentos físicos [...], emocionais [...], na dificuldade para se manter apto para atividade
laborativa, isto tudo para não falar na marginalização em que se é atirado. (Emília, PDE nº
02/99)
------------------------------------------
[...] nem excluindo nem mesmo as sete crianças integrantes desta família como perigosa e
danosa ao convívio da criança [...], recomendando o afastamento desta como medida de
proteção à menor [...]. diagnóstico [imputado] a todos ‗a distância‘, e penalizá-los com a
‗reclusão ou exílio‘ de uma convivência fraterna com um de seus membros, através de uma
avaliação que desconhecemos o seu valor técnico-científico. [...] tomando seu diagnóstico
como verdade absoluta e extrapolando [...] sua [...] condição [...], usou de meios físicos e
violência para impedir a avó paterna, de 68 anos de idade, e uma tia de abraçarem a criança
que há muito não viam. (Emília, PDE nº 02/00)
quando a psicóloga Carol (PDE nº 01/04) orientou a criança a gritar e fugir ao ver a avó
paterna.
A queixa dos denunciantes, portanto, apontou para repercussões que extrapolaram o
círculo pai-mãe-filho ou pai-mãe-filho-avó, alcançando outras gerações de parentes que se
viram impedidos de ter contato com a criança considerada vítima. Com isso, o lado terrível do
sofrimento imputado aos pais e familiares das crianças foi realçado no discurso da denúncia,
colocando-os no lugar de vítimas da má conduta das profissionais.
Os discursos da compaixão, da escandalização e da indignação também foram
empregados. Enquanto vítimas, medidas graves de punição foram justificadas por parte dos
denunciantes, como uma ―resposta justa‖ aos danos e ofensas cometidas pelas profissionais
por meio de atos considerados absurdos, parciais, tendenciosos, ou ainda, ―como defesa
contra males potencialmente perpetráveis‖ (BAUMAN, 2011, p.76).
Assim, os denunciantes convocaram o CRP-RJ, via a denúncia, para avaliar a conduta
das profissionais e, mediante a constatação dos erros, que a instituição viesse a puni-las
exemplarmente em nome de um ideal de justiça. A sanção disciplinar não se limitaria ao ato,
neste caso, mas também agiria sobre os riscos, cuja premissa seria, ao exercer uma função
corretiva, adequar o profissional à norma, evitando que o profissional venha a cometer outros
erros.
De acordo com Tavares (2010, p.46), é pela possibilidade de imputar responsabilidade
a um profissional, fazendo-o ―responder ética e legalmente por quaisquer questionamentos,
éticos ou técnicos‖ referentes ao seu trabalho que seria possível regulamentar sua atividade a
padrões considerados ―aceitáveis‖, entendendo aceitável como uma ―conduta na direção da
ética e da competência‖.
O julgamento do erro, porém, não ficou limitado ou definido apenas em termos de
inobservância ou transgressão (voluntária) pelo profissional ao regulamento ou aos deveres
derivados da função ou do cargo. O erro passou a se referir ao que causa sofrimento, apelando
mais para uma dimensão emocional que pela regra propriamente dita. Por meio dessa
premissa que se justificaria a aplicação de penas de maior gravidade, como requereu Ricardo
(PDE nº 04/00). Declarando-se inconformado com a desproporcionalidade da pena imposta
pelo CRP-RJ (na etapa de julgamento) em comparação com a gravidade dos atos perpetrados
contra ele e sua filha, pela psicóloga denunciada, o denunciante requereu a exclusão da
psicóloga da vida profissional por meio da cassação do seu registro. Portanto, foram as
descrições dos fatos subjetivos, das repercussões ou dos efeitos decorrentes dos discursos
344
[...] em que se baseou a psicóloga para afirmar, de forma tão contundente, ser o genitor de
Paula seu agressor, uma vez que sequer o conhecia? [...] Além de não conhecer o genitor,
note-se que a Ana, no dia xx de maio de 2000, poderia conhecer Paula havia no máximo
uma semana (desde xx abril de 2000). (Ricardo, PDE nº 04/00)
------------------------------------------
[...] o compromisso assumido pela referida psicóloga era o de manter ambos os pais do
menor Mateus igualmente informados sobre as sessões [...] que deveriam [...] constituir uma
avaliação, não um acompanhamento prolongado. A avaliação, no entanto, converteu-se em
acompanhamento psicológico, durante o qual o pai foi chamado a participar apenas em duas
oportunidades [...] enquanto [a mãe] mantinha-se informada quinzenalmente. (Sandro, PDE
nº 01/04)
Interessante observar que os denunciantes que não são psicólogos se detiveram aos
aspectos subjetivos, mencionando mais enfaticamente, os efeitos decorrentes das ações das
psicólogas que elaboraram os documentos com fins jurídicos. Por sua vez, para firmar um
diálogo com o CRP-RJ, estes mesmos denunciantes contrataram advogados para os
representarem, inserindo-os em uma discursiva jurídica, de cunho adversarial.
O discurso oferecido pelo advogado tem caráter técnico, mas por não ser do campo da
Psicologia, os argumentos, na fundamentação das alegações em geral, ficam presos às
normativas que regulam a profissão do psicólogo.
A existência de um Código de Ética Profissional permite que um conjunto de regras de
conduta seja utilizado como referência para a prática profissional, ou seja, para a tomada de
decisões no exercício da profissão. Igualmente, tal normativa permite que o exercício
profissional seja avaliado e julgado tanto pelos usuários dos serviços quanto pela corporação.
[...] especificamente, no que tange aos artigos 17; 18; 19; 20 e 23, parágrafo 1º, ao preparar
uma declaração repleta de vocabulários pretensamente técnico para impressionar leigos, e
aos anseios conturbados de sua ex-mulher, que, imediatamente, distribuiu Ação de
Suspensão de Pátrio Poder, fulcrado, exclusivamente nesse documento, que causa
indignação aos profissionais sérios. (João, PDE nº 01/99)
------------------------------------------
Diante do exposto, consideramos que a psicóloga [...] tenha cometido equívocos, utilizando-
se de minha condição de alguém que esteja utilizando um serviço especializado, não sabedor
das especificidades da profissão em referência. Somado a estas ‗irregularidades‘ há o fato
que confronta com o que preconiza o Código de Ética Profissional do Psicólogo – das
relações com a Justiça, Art. 20 - É vedado ao psicólogo: a) Ser perito de pessoa por ele
345
Quanto à denunciante Emília, que também é psicóloga, esta não se fez representar por
advogado, havendo seu discurso se aproximado dos questionamentos técnicos, metodológicos
e teóricos, além da conduta das profissionais.
Digo perplexidade, porque após verificar artigos, consultar literatura internacional, [...]
colegas com experiência no assunto, constatei que os parâmetros técnicos necessários foram
desrespeitados pela Sra. Ana. [...] que criou [...] um documento impreciso com linguagem
hermética que é um laudo (?), um parecer (?), um diagnóstico (?), uma acusação policialesca
(?) [...], que afirma de forma precisa que a menor [...] está sofrendo Abuso Sexual Paterno,
sem que o pai em questão nem mesmo fosse visto, avaliado ou testado. [...] Por que a
referida psicóloga mantém a mãe e a criança [...] sob seu tratamento? [...] Será que se o seu
diagnóstico fosse outro esta psicóloga teria mais estas duas pacientes em seu consultório?
(Emília, PDE nº02/99)
se baseou apenas em uma entrevista e nos teste TAT/HTP. [...] mesmo com a minha
insistente solicitação, se negou a me submeter a outras entrevistas, outros testes ou a ter
contato com outros psicólogos que haviam me avaliado no passado e no presente. (João,
PDE nº 01/00).
[...] com o intuito de buscar embasamento técnico e subsídios que pudessem auxiliar minha
defesa em tribunal e talvez auxílio profissional para o tratamento psicológico que certamente
minha filha ou quiçá eu mesmo, pois, sem nenhuma dúvida, vou recuperar em juízo o direito
de tê-la em minha companhia. (Ricardo, PDE nº 04/00)
Causou-me estranheza os termos usados na declaração, [...], pois expressões como ‗quadro
clínico de extrema gravidade‘ ou ‗quadro bastante frágil‘, nada definem, sendo impróprios
em documentos que tem a pretensão de serem levados a sério, pelo menos, na comunidade
científica, mas parecendo terem sido, intencionalmente, ali colocados para impressionar e
sugestionar profissionais da área jurídica. [...] a criança não comia? Recusava-se a andar?
Não falava? Defecava espontaneamente? Chorava copiosamente [...]? Batia queixo e
tremia? Tinha os olhos arregalados, as pupilas dilatadas e um olhar fixo em algum ponto
distante? [...] o fato de alguém ter experiência no tratamento de possíveis sequelas
psicológicas oriundas de um abuso sexual, não o torna, automaticamente, possuidor de
conhecimentos técnicos e/ou científicos necessários à perícia criminal (Ricardo, PDE nº
04/00)
[...] [avaliação em casos de abuso sexual] só pode ser feita por equipe multidisciplinar,
composta por assistente social, pediatra, serviço de proteção à infância, psicólogo,
psiquiatra, investigador de polícia e perito de juiz. [...] que não existe, hoje, técnica
psicológica capaz de, sozinha, dizer se alguém cometeu ou foi vítima de um crime (sexual
ou não) [...] A totalidade da literatura aponta para a complexidade de uma avaliação
psicológica daquele tipo de abuso e o consequente tempo demandado. Entrevistar o maior
número de pessoas capazes de fornecer informações sobre o funcionamento psicológico da
criança em tempo imediatamente anterior à acusação e observar o comportamento entre o
acusado e a possível vítima tornam-se primordiais para uma avaliação responsável. [...] que
as entrevistas com a criança sejam gravadas, nem que seja somente em áudio, com a
finalidade de: preservar as declarações iniciais da criança, permitir que a equipe
multidisciplinar avalie a situação, protegendo a criança contra um excesso de entrevistas
que, sabidamente, são potencialmente capazes de sugestioná-la e podendo servir, também,
como prova em um eventual procedimento judicial. (Ricardo, PDE nº 04/00)
Para uma profissional que atua em psicologia, parece [...] temerário apresentar, como
justificativa para sua interpretação e seus procedimentos [...] uma única linha de pensamento
[...]. Outros autores abordam o assunto sob uma ótica bastante diversa. [...] perceberam ao
longo de sua experiência profissional a grande incidência de adultos que, em caso de litígio,
se utilizam da fala de um filho, manipulando-o contra o ex-cônjuge [...] por rancor,
revanchismo ou mesmo para obter êxitos na esfera judicial. Quem sustenta que o discurso
infantil é sempre descrição pura e simples de fatos ocorridos não deve (mas deveria) ter
ouvido falar em SAP – Síndrome de Alienação (ou Afastamento) Parental. Ou não saberá
também a representada que é cada vez mais comum a utilização da fala dos filhos como
instrumento de poder, nos litígios familiares? [...] as reais ocorrências de abuso sexual
devem ser rechaçadas e punidas com rigor pela sociedade. Mas profissionais [...] têm de
estar sempre bem preparados para poder distinguir as falsas das verdadeiras denúncias.
(Sandro, PDE nº 01/04)
As críticas contidas nos discursos dos denunciantes passaram a ficar mais refinadas
com o decorrer dos processos ao longo de alguns anos. À medida que os denunciantes foram
se familiarizando com os estudos sobre a prática da revelação em casos de denúncia de abuso
sexual contra crianças, passaram a incorporá-los aos argumentos contidos em seus
documentos de denúncia.
O momento em que os eventos transcorreram é revelador. Por volta da década de
1990, houve, no Brasil, um aumento da produção acadêmica que vislumbrava o fenômeno da
348
violência sexual. A mídia nacional também despontava como uma forte aliada à informação
sobre o tema, buscando incentivar a notificação por meio de campanhas, convocando a
população a denunciar para proteger as crianças, situação que se mantém nos dias de hoje.
No mesmo período, pesquisadores nos Estados Unidos se dedicavam à observação e
compreensão do aumento no número de notificação de alegações de abuso sexual envolvendo
pais e filhos no contexto da separação conjugal por mães-guardiãs. Uma crescente publicação
de pesquisas norte-americanas passou a indicar que muitos desses pais acusados eram, na
verdade, inocentes, acusados pelas ex-companheiras e guardiãs dos filhos na intenção de
obstruírem o convívio paterno-filial.
Boa parte dessas publicações chegou ao Brasil trazida pelas mãos de pais acusados
que se viram em igual situação. Muitos destes eram participantes de fóruns de discussão em
sites de Organizações Não-Governamentais (ONG) e Associação de Pais ligadas a questões
relativas à parentalidade e guarda de filhos, onde encontraram espaço para receberem auxílio
técnico e teórico nas matérias de Direito e Psicologia.
Ainda na primeira metade da década de 2000, estudos sobre falsa denúncia de abuso
sexual começaram a surgir no cenário brasileiro como matéria de apreciação por alguns
profissionais, embora de forma tímida. Quando iniciei a pesquisa de mestrado sobre o tema
das falsas acusações, em 2004, à exceção de algumas publicações que vislumbravam o
assunto, como as de Amazarray e Koller (1998), Calvaggioni, Neri e Calçada (2001), Flores e
Caminha (1994), Gonçalves (2003), Njaine, Souza, Minayo e Assis (1997), a maioria da
literatura nacional em nada tratava do assunto.
Assim, foi a partir da apropriação dessa materialidade discursiva, em especial da
literatura internacional sobre falsas denúncias, que aos poucos os denunciantes foram
construindo e fortalecendo os discursos de contestação aos documentos psicológicos.
No entanto, ao se apropriarem desses discursos, deixaram-se submeter à mesma lógica
pragmática e imediatista que fundamentava as práticas psicológicas de avaliação, passando a
definir quais técnicas, recursos e metodologias de investigação deveriam os profissionais
utilizar. Assim, falaram em gravações, na aplicação de testes psicológicos, em aumentar o
número de entrevistas com a ampliação da participação de outros familiares, inclusive com a
realização de entrevistas pessoais dos acusados como exigência ao cumprimento do direito ao
contraditório (do qual alegaram cerceamento).
Alguns anos mais tarde, as discussões sobre falsas denúncias de abuso sexual
ganharam vulto, sobretudo a partir do reconhecimento legal da guarda compartilhada em 2008
349
(Lei nº 11.698), isso porque essa modalidade de guarda foi concebida para ser um dispositivo
para ―afirmar a igualdade de direitos e deveres de pais separados e a manutenção da
convivência familiar dos filhos‖ (SOUSA; AMENDOLA, 2012, p.88). A contrapartida à
implementação da referida Lei da guarda compartilhada foi o acirramento das reações
contrárias por muitas mães que desfrutavam da guarda unilateral na condição de guardiães dos
filhos, resistindo a fazer qualquer concessão para ampliar a convivência paterna. As falsas
denúncias por má-fé se intensificaram nesse contexto, conforme pude perceber naquele
período, como forma de impedir que os pais tivessem contato com seus filhos e como meio de
garantir a exclusividade da guarda materna.
Com isso, os debates sobre o exercício da parentalidade e a aplicação desse modelo de
guarda pelo judiciário foram aos poucos cedendo lugar para as discussões promovidas por
profissionais de diversas áreas e por membros de associações de pais separados sobre as falsas
denúncias de abuso sexual e a ocorrência da chamada Síndrome de Alienação Parental (SAP).
A ―SAP‖, como ficou usualmente conhecida, passou a ser apresentada como ideia
sinônima ou interligada à ocorrência de falsas denúncias de abuso sexual, principalmente por
pais que enfrentam dificuldades acerca da convivência com os filhos após o rompimento
conjugal.
Assim, a SAP ganhou terreno, sendo amplamente divulgada como um distúrbio
psicológico que as ex-mulheres dos acusados seriam portadoras. Motivadas por sentimentos
de vingança e raiva, as falsas denúncias seriam o resultado do comportamento doentio de
algumas mães guardiãs que, na intenção de separar os ex-maridos dos filhos, fariam as tais
acusações. Aliado a isso, essas genitoras também seriam responsáveis pela indução dos filhos
a condutas que desencadeariam a denominada Síndrome da Alienação Parental (SAP).
Foi por essa perspectiva, a partir da articulação desses assuntos, que a SAP passou a
estar presente tanto no campo de disputas judiciais quando no âmbito do CRP-RJ nos
discursos dos denunciantes. Tal discurso, semelhante ao olhar diagnóstico que criou
abstrações como ―violência‖, o qual os denunciantes criticaram, por sua vez, produziu a
abstração ―síndrome de alienação parental‖.
Trata-se do mesmo mecanismo que naturaliza questões relativas à separação conjugal
e que ainda contribui para acirrar o litígio entre as partes. Igualmente, a SAP criou a
necessidade de os profissionais psicólogos intervirem sobre as crianças, com suas técnicas de
escuta e de revelação, desta vez, para desvendar uma suposta verdade sobre o abuso sexual
350
[...] a articulação entre falsas denúncias de abuso sexual e SAP pode ser meio de se isentar o
Estado e a sociedade de sua responsabilidade sobre o direito de crianças e jovens à
convivência familiar. Percebe-se que, no Brasil, a articulação dos temas analisados tem, de
certa forma, contribuído para o esmaecimento de discussões sobre a necessidade de políticas
públicas voltadas à manutenção do convívio familiar após a separação do casal; mais ainda,
têm sido relegadas a segundo plano estratégias no campo social que deem sustentação e
valorizem o exercício dos papéis exercidos por pais e mães (SOUSA; AMENDOLA, 2012, p.
111-112).
ações disciplinares contra as psicólogas, tendo seus efeitos de poder, deixando impressões,
marcas na vida das profissionais. Conforme pude constatar durante minha passagem na
Comissão de Orientação e Ética do CRP-RJ, o profissional,
[...] ao ser convocado a prestar esclarecimentos acerca de uma denúncia feita em seu desfavor,
recebe o fato, [...] como uma medida punitiva e proibitiva antecipatoriamente (antes de abrir
processo ético). Neste caso, o psicólogo parece reagir, buscando eliminar a fonte do problema
que teria originado a denúncia, sem, contudo, questionar a prática posta em questão. Assim,
vemos que alguns profissionais deixam de atender crianças e/ou de elaborar documentos [...].
Decisões precipitadas que não provocam mudanças efetivas em benefícios à sociedade e ao
profissional (AMENDOLA, 2009b, s/p).
Para empregar termo utilizado por Baptista (2000, p.40), instaura-se a ―peste‖. Diz o
autor, ―que para desespero de alguns e esperança de outros‖, a peste gera rupturas ao
equilíbrio instituído. Eis a denúncia. Como uma peste, seu movimento vem evidenciar
―antagonismo e rebeldias‖, vem impor a transformação.
[...] Mestre em Psicologia Clínica, [...] autora de livros, [...], detentora de títulos nacionais e
internacionais, [...] possui sobejamente qualificação técnica. (Ana, PDE nº 01/99)
------------------------------------------
A ora representada possui um curriculum que demonstra o seu trabalho [...] e a sua
experiência profissional [...] através de tratamento e atendimento individual direto à criança
e ao adolescente que lhes são encaminhados [...]. Seus estudos e pesquisas psicanalíticas
estão voltados para as técnicas de investigação [...] com crianças muito pequenas, exposta à
violência sexual na primeira infância. Seu trabalho [...] se baseia em sua larga experiência,
[...] já tendo atendido a mais de 3 mil casos de crianças expostas à violência sexual, familiar
e institucional na cidade do Rio de Janeiro. (Ana, PDE nº 04/00)
------------------------------------------
[...] profissional que tem habilitação reconhecida por órgão fiscalizador da respectiva
profissão regulamentada em lei. [...] os peritos são auxiliares da Justiça. (Cristina, PDE nº
01/00)
------------------------------------------
A Terapeuta, Especialista em Psicologia Clinica, há xx anos na pratica clínica, com vários
cursos e atualizações [...] vem desenvolvendo seu trabalho com dignidade e
profissionalismo, procurando orientar-se conforme os preceitos e normas de sua profissão.
(Carol, PDE nº 01/04)
No entanto, o que não é admissível é o ataque aos métodos utilizados pela representada sem
o prévio exame do paciente e o seu prontuário [...]. A representada realizou 6 entrevistas
diagnósticas através das quais, além de ser estabelecido um vínculo de confiança entre a
terapeuta e a menor [...], permitindo [...] uma abordagem mais detalhada a partir da suspeita
da mãe da ocorrência de abuso sexual. (Ana, PDE nº 04/00)
------------------------------------------
Em suas argumentações ao longo do processo, o representante interpreta o comportamento e
atuação profissional da representada segundo sua ótica leiga e limitada, tentando desviar [...]
354
a atenção do que a representada entende como principal, o bem estar da criança (seu filho) e
sua integridade. (Carol, PDE nº 01/04)
------------------------------------------
Tal fundamentação, [...], não merece prosperar: a uma porque em se tratando de uma mera
Declaração, não tem que apresentar fundamentação, nem teóricas, nem técnica, à justificá-
la. (Ana, PDE nº 04/00)
No caso do dogmatismo, [...] quem se agarra aos sistemas como tábua de salvação não só não
pode ouvir as interpelações que viriam de outras vozes (que ficam de antemão
desqualificadas), mas também não se permite ouvir o que a sua prática tem a dizer, salvo na
medida em que se encaixe no esquema do que o psicólogo pensa que sabe (FIGUEIREDO,
2008, p.18).
Quanto à escuta surda, na concepção de Heckert (2007, p.7), essa diz respeito às
práticas que ―ouvem sem escutar‖.
O que isto significa? Uma escuta surda se constitui quando no lugar de indagar as evidências
que nos constituem como sujeitos, nos deixamos conduzir por estas, reificando-as. Produz-se
aí uma medicina das evidências, uma psicologia das evidências, [...] que, tendo seus
procedimentos dirigidos por naturalizações, pouco consegue captar as singularidades que
permeiam o humano, a variabilidade e imprevisibilidade que constitui o vivo. Neste sentido, a
escuta acaba sendo reduzida a um ato protocolar, a uma técnica de coleta de evidências, de
sinais, ou ainda, a um jogo interpretativo. A escuta surda produz como efeito a tutela e a
culpabilização dos sujeitos, uma vez que fala por, fala de, em nome de, no lugar de falar com
o outro (HECKERT, 2007, p.7).
[...] não reconhecendo a legitimidade desta perante a categoria no que tange à competência
para instruir e julgar processos éticos. Não raro, argumentam que os conselheiros não
poderiam analisar as denúncias por não serem especialistas no tema tratado, especialmente
aqueles referentes à área jurídica, tais como: violência sexual, separação e guarda de filhos,
entre outros. Neste caso, o contato com o CRP tende a ocorrer pelo viés do ―ensino da
técnica‖, anexando aos processos material explicativo (AMENDOLA, 2009b, s/p).
O mesmo ocorreu na defesa das psicólogas denunciadas nos PDE aqui analisados.
Além de anexarem uma série de documentos de caráter elucidativo sobre assuntos referentes
ao abuso sexual infantil, as psicólogas denunciadas empregaram tais materialidades
discursivas para provar em que teorias e métodos suas práticas estariam fundamentadas.
No caso de Cristina (PDE nº 01/00 e 02/00), no início de sua defesa prévia, a
psicóloga procurou definir o que entende ser um estudo pericial, mencionando duas obras:
Avaliação psicológica e sua interlocução com o Judiciário, elaborado pela Escola Judicial
Des. Edésio Fernandes e o Conselho Regional de Psicologia 4ª Região; e SE-PA-RAN-DO de
356
Leila Maria Torraca de Brito. Posteriormente, mencionou a obra Abuso Sexual da Criança:
Uma Abordagem Multidisciplinar de Tilman Furniss para falar sobre abuso sexual contra a
criança.
Há, segundo Tilman, o próprio abuso causa um dano primário na própria criança. Mas existe
também o dano secundário. [...] Ressalta que no abuso sexual da criança, ‗qualquer
intervenção profissional deve consequentemente, ter como objetivo principal evitar o dano
secundário‘. (Cristina, PDE nº 02/00)
------------------------------------------
É notório que o abuso sexual, ao contrário da pedofilia, não é doença classificável, embora
possa causar danos irreparáveis, [...] devendo ser diagnosticado, tratado e combatido. [...].
Ademais, cabe ao profissional [...] a responsabilidade pela definição dos instrumentos e
técnicas necessários à avaliação, compreensão e elucidação do caso concreto. A técnica da
psicanálise infantil se apresenta como uma tentativa de rever os principais aspectos da teoria
e da técnica da psicanálise de crianças, derivada do pensamento de Freud [...]. (Ana, PDE nº
04/00)
obtidos nas avaliações psicológicas, também as psicólogas, cujos discursos foram aqui
analisados, referiram-se a esta como referencial teórico de seus trabalhos. No entanto, o
discurso das psicólogas, limitado ao anúncio deste referencial teórico, pareceu ser
autoexplicativo, ou melhor, autossuficiente, como se o fato de terem empregado essa
abordagem justificasse ou fundamentasse todas as medidas por elas adotadas, não cabendo
contestação.
Ademais, qualquer outra produção discursiva que apontasse críticas ou viesse a
contestar a exclusividade na produção de uma verdade sobre o abuso foi repelida, a começar
pelos denunciantes, dentre eles os que não eram conhecidos das psicólogas denunciadas ou
que não foram por elas abordados nos documentos psicológicos. Estes também tiveram seus
discursos desqualificados, por ―faltar legitimidade às pessoas signatárias [...] para formular
qualquer denuncia‖ (Cristina, PDE nº 02/00).
[...] tal Declaração enviada à Promotora de Justiça [...], que encaminhou a menor à
Representada [a psicóloga] para que fosse realizado estudo psicoterapêutico por suspeita de
possível prática de abuso sexual por parte do pai, não havendo de se falar em
incompatibilidade com o arcabouço da Psicologia, mesmo porque tratava-se de um caso sob
acompanhamento do Judiciário. [...] sua análise, claro está que nenhuma violação ocorreu.
[...] outra coisa não fez a Representada senão atender às solicitações da Justiça. (Ana, PDE
nº 01/99)
------------------------------------------
[...][o perito] tem por função fazer o Estudo Psicológico de um processo quando é solicitado
pelo Juiz a quem é hierarquicamente subordinado. (Cristina, PDE nº 01/00)
Frise-se que, durante os atendimentos, [...] ao psicólogo são revelados fatos típicos
importantes: ansiedade, medos, traumas e muitos outros tormentosos sentimentos,
indicativos de sérias patologias e que se traduzem tanto através dos relatos transmitidos
oralmente pelos pacientes como por suas manifestações corporais [...] transmitidas através
de desenhos, de jogos, de situações, inclusive, lúdicas e ainda por expressões corporais que
espelham importantes estados da psique infantil. (Ana, PDE nº 04/00)
------------------------------------------
359
Atuei como Perita Técnica no processo [...], tendo realizado Parecer Psicológico sobre o
mesmo [...]. [...] chegou-se a conclusão de que ‗há indícios de que João abusou sexualmente
de sua filha Gisele, tendo este obtido seu consentimento através de indução e de sedução.
(Cristina, PDE nº 02/00)
------------------------------------------
Devemos levar em consideração a gravidade do quadro apresentado pela
criança/vítima/paciente e, [...] como é sabido ‗as crianças raramente inventam história‘ [...].
É consenso entre os pesquisadores que a criança dificilmente elabora uma falsa história de
abuso sexual. Assim todo relato espontâneo da criança merece ‗a priori, credibilidade‘.
(Carol PDE nº 01/04)
que a revelação da verdade fosse feita para que desta as psicólogas pudessem construir
objetivamente uma identidade.
Essa vontade de verdade que bem fala Foucault (1996) revelou-se na defesa das
psicólogas, por meio da produção de discursos que, por sua vez, tiveram efeitos também de
verdade, ou seja, que foram admitidos como provas no campo jurídico.
A identidade-diagnóstico de ―criança/vítima/paciente‖ foi, deste modo, produzida
pelas psicólogas denunciadas, a dizer, a partir de uma escuta especializada, que se mostrou
surda para outros valores e projetos de vida; e se mostrou moralizante, enquanto indicadora de
modos de viver instituídos.
A prática especializada aflui, portanto, para a abolição do pensamento, da criação, para
se manter aderida a um trabalho técnico à repetição mecânica de modelos teóricos e
metodológicos, qual uma fábrica que ―se consome numa pura técnica de agir circunscrita ao
campo do provável e do previsível‖ (CHAUÍ, 2001, p.65).
De acordo com Bezerra Jr. (1992), muitos profissionais orientam suas práticas desta
forma, zelosos do seu lugar, da sua teoria. ―Acreditam que esta lhes dê a chave para desvendar
a essência, ou a verdadeira natureza dos fenômenos que se põem a examinar‖ (BEZERRA
JR., 1992, p.10). Todavia, contrapõe o autor, afirmando que todo saber, teoria, enfim, ―toda
pretensão epistêmica é uma tomada de posição ética‖, pois é uma construção advinda de
práticas sociais e ideológicas localizadas em determinado momento histórico-cultural e que
aplica determinado discurso dito científico na explicação dos fenômenos, visando a algum fim
(BEZERRA JR., 1992, p.09).
―Seja qual for sua inocência ou boa vontade‖ Guattari e Rolnik (1986, p.29) vão
lembrar que as teorias, bem como as técnicas, ocupam um lugar de justificativa e reforço dos
sistemas de produção de subjetividades, de modo que não haveria objetividade tampouco
neutralidade científica possível no campo de ação da Psicologia.
Igualmente, o saber produzido pelas práticas psicológicas de avaliação, porque nasce
de um trabalho interpretativo, de uma atividade ―de ficção, de representação, de construção de
máscaras, permite dar [...] uma presença, uma aparência ao mundo e aos seres‖
(ALBUQUERQUE JR., 2004, p.87), sendo este uma leitura possível a certos acontecimentos
postos em análise e que a eles atribui uma inteligibilidade. Desde modo, se certa prática
psicológica objetiva a criança como vítima, em outras práticas paralelas, a mesma criança
pode receber objetivações diversas. De qualquer modo, o psicólogo estará implicado nos
discursos, no saber que fabrica um dado acontecimento.
361
Todo conhecimento, seja ele cientifico ou ideológico, só pode existir a partir de condições
políticas que são as condições para que se formem tanto o sujeito quanto os domínios do
saber. A investigação do saber não deve remeter a um sujeito de conhecimento que seria sua
origem, mas a relações de poder que lhe constituem. Não há saber neutro. Todo saber é
político. [...] todo saber tem sua gênese em relações de poder (MACHADO, 1981, p. 198-
199).
A declaração em tela baseou-se nos estritos princípios éticos fundamentais que norteiam a
atividade profissional do psicólogo, bem como nos dispositivos relativos à avaliação
psicológica contidos no Código de Ética [...] e, ainda, no Estatuto da Criança e do
Adolescente [...], cujo artigo 1º impõe a proteção integral da criança e do adolescente. (Ana,
PDE nº 04/00)
------------------------------------------
[...] sempre a ética e o respeito às partes e atuei de uma forma criteriosa e imparcial,
vidando o bem-estar biopsicossocial das crianças e adolescentes envolvidos nos processos.
(Cristina, PDE nº 01/00)
------------------------------------------
Atuei como Perita Técnica no processo [...], tendo realizado Parecer Psicológico sobre o
mesmo [...]. chegou-se a conclusão de que ‗há indícios de que [João PDE nº 01/00] abusou
sexualmente de sua filha Gisele [...]. Para efetuar o referido Parecer Psicológico, foram
feitas entrevistas com diversas pessoas da família paterna [...], sendo que ‗todos foram
unânimes em negar e achar absurda e injusta a denuncia‘. Neste sentido, para evitar que
Gisele sofresse qualquer dano secundário, foi sugerido na conclusão [...] que a criança
ficasse sem ter contato com o pai e com a família paterna. Tal sugestão consistiu em uma
medida de proteção da criança. [...] Para proteger Gisele e evitar que ela fosse abordada de
forma inadequada pela avó materna e pelos demais parentes da família paterna, os quais
poderiam inadvertidamente causar-lhe um choque emocional na forma de um dano
secundário, afastei educada e firmemente Gisele da presença destes. (Cristina, PDE nº
02/00)
------------------------------------------
[...] a sugestão apresentada pela Denunciada em seu relatório teve como objetivo principal o
bem estar e a proteção de seu paciente. (Carol PDE nº 01/04)
quando há a indicação que o suposto agressor possa ser o pai, é imposto o dever de se
preservar o espaço de tratamento da criança. [...] é reservado o direito de não chamá-lo para
as entrevistas [...] e/ou aos atendimentos psicológicos. Através da técnica analítica verbal e
do desenho utilizados, [...] a menor expressou-se [...], permitindo à representada a
compreensão do significado [...] da extensão e da gravidade da violência por ela apresentada
[...]. São desenhos impressionantes [...] com o relato das lembranças dos lugares e das
situações em que sentia dor física [...] descritas [...] com riqueza de detalhes. (Ana, PDE nº
04/00)
------------------------------------------
O [...] representante foi chamado nas vezes que a Representada entendeu necessário [...].
Não foi excluído do tratamento, apenas deixou de ser chamado [...] quando se tornou hostil,
agressivo [...], tornando-se ameaçador. (Carol, PDE nº 01/04)
Ressalta-se, ainda, que a criança de 03 anos de idade não é capaz de avaliar seu problema e
de per si buscar os meios para solucioná-lo. Essa incapacidade é a justa causa que legitima a
declaração fornecida, face ao dever de proteger terceiros. (Ana, PDE nº 04/00)
------------------------------------------
Diversos profissionais [...] principalmente psicólogos, tem se negado a atender crianças e
quando o fazem, a simples escuta de um possível abuso sexual, desistem de atendê-las,
temendo as consequências da impunidade e, principalmente, os processos nos conselhos que
se acumulam e penalizam aqueles que ousam se pronunciar, beneficiando possíveis
criminosos que provavelmente nos ironizam a tarefa e utilizam as possíveis condenações
para se beneficiarem diante da Justiça. Quantos adultos temos ouvido em nossos divãs
relatando os abusos sofridos – e calados – em sua infância. [...] Em minha prática [...],
infelizmente, esta escuta é comum. Preferi, ao estar ao lado destas crianças que denunciam
seus algozes, não me omitir, mas carrego o ônus da minha onipotência, ingenuamente
acreditando que a verdade as protegerá. (Carol, PDE nº 01/04)
No entanto, não pode ser esquecida a conduta do representante, que além de ameaçar a
integridade da representada, perorou não somente contra ela mas também contra outros
profissionais que também atenderam a menor (Ana, PDE nº 04/00)
------------------------------------------
[...] o simples fato de existir discordância do denunciante não configura transgressão de
caráter ético, sequer imperícia [...]. Assim, o que resulta de denúncia não passe de vã
364
tentativa de produzir [...] outra prova técnica aqui disfarçada em apuração de erro ético.
(Cristina, PDE nº 01/00).
------------------------------------------
[...] normalmente, os agressores reagem com alarde diante da revelação. Há de se ressaltar
que é ‗comum‘ a transferência de culpa, o que foi direcionado para a Denunciada; os
representantes culpam a denunciada por todos os seus problemas e, procuram uma forma de
puni-la. [...] Assim, ‗usam‘ esse E. Conselho, que foi induzido a erro. [...] a intenção [...]
alertar para o objetivo da Representação, o que, não foi, ainda, questionado por nenhum dos
seus membros [...] desta r. Comissão [...], não percebem que o objetivo desta é única e
exclusivamente, levarem ao Judiciário, o resultado, e dele, se utilizarem para desqualificar a
Profissional, ora Denunciada, e obter êxito nas demandas Judiciais. [...] Daí a
Representação, pergunta-se: se, os Representantes fossem os vencedores da demanda
judicial, o comportamento da psicóloga os incomodaria?[...] A melhor defesa é o ataque [...]
e culpou-a [psicóloga denunciada] pela [...] omissão [do genitor]. [...] se o suspeito de abuso
do seu filho Mateus não fosse a sua mãe [avó paterna], o representante fecharia também os
olhos? (Carol, PDE nº 01/04)
[...] sob pena de se estar julgando a Representada em duplicidade pelo mesmo ato [...], deve
a presente Representação, ou manifesto, ser arquivada [...], outra razão para o arquivamento
[...]: a absoluta ilegitimidade da Representante. (Ana, PDE nº 02/99)
------------------------------------------
[...] os referidos processos sejam revistos por profissionais de um Conselho Regional de
Psicologia de uma localidade diferente do Rio de Janeiro [...], considerando a gravidade da
imperícia cometida pela Comissão de Ética, [...] as consequências que podem advir desta
imperícia para a minha vida profissional [...] vou remeter cópia deste para o Conselho
Federal de Psicologia. [...] Caso minha solicitação não seja atendida, me utilizarei das vias
legais. (Cristina, PDE nº 01/00)
------------------------------------------
Por todo o exposto, em face da carência de embasamento legal e após os pertinentes trâmites
procedimentos, requer a Representada a este Egrégio Conselho que se digne declarar
365
[...] os termos de defesa prévia não são suficientes para excluir liminarmente a denúncia,
como também, comprovar a denúncia, havendo necessidade de regular instrução processual
para que, através da prova, que possa ser acolhida durante esta, possa-se melhor apreciar a
questão. [...] esta Comissão de Instrução de Processos Éticos entende que é necessário o
aprofundamento do estudo destas denúncias e sugere, portanto, a abertura de processo ético.
(PDE nº 01/99)
367
[...] na medida em que a psicóloga representada fornece uma declaração com resultados
conclusivos, contudo, sem tomar os devidos cuidados com as pessoas envolvidas ela fere
este artigo, pois não promove nem aprofunda o entendimento entre Psicologia e Justiça.
(PDE nº 01/99)
------------------------------------------
Art. 17 - O Psicólogo colocará o seu conhecimento à disposição da Justiça, no sentido de
promover e aprofundar uma maior compreensão entre a lei e o agir humano, entre a
liberdade e as instituições judiciais. (PDE nº 01/00)
------------------------------------------
Ao emitir a referida declaração dentro do contexto dos indícios anteriores e de uma forma
tão contundente quanto à suposta agressão do pai à criança, a psicóloga não coloca ‗seu
conhecimento à disposição da Justiça, no sentido de promover e aprofundar uma maior
compreensão entre a lei e o agir humano, entre a liberdade e as instituições judiciais‘. (PDE
nº 04/00)
------------------------------------------
A mesma produziu documentos que serviram como argumentação em processo de litígio dos
pais de Mateus. O julgamento que hoje acontece, não tem a ver com o fato de ter acontecido
ou não o abuso ou a violência sexual cometidos contra a criança, [...], não podemos afirmar
nem pra sim nem pra não. Não é isso que está sendo julgado. (PDE nº 01/04)
Retomando, brevemente, o que discuti ao longo da tese, o psicólogo tem sido cada vez
mais convocado a atender as demandas no âmbito do Poder Judiciário, ao ponto de o TJRJ ter
realizado, no ano de 2012, novo concurso público para contratação de psicólogos.
Acompanhando esse interesse pelo trabalho psicológico no campo do Direito, houve também
um aumento no número de questionamentos em relação à atuação profissional. Muitas
denúncias foram encaminhadas à Comissão de Ética do CRP-RJ. Essas denúncias, em geral,
envolvem a contestação das técnicas utilizadas, a condução do profissional, a fundamentação
da prática, a produção de documentos psicológicos a partir da escuta de uma das partes, dentre
outras queixas.
368
Ocorre que a COE irá se deparar com demandas as quais não possui mérito para
analisar, como as acusações de abuso sexual, evidenciando o entrançamento entre questões
jurídicas e psicológicas.
O modo como a COE irá operar na mediação dessas relações entre psicólogos e a
sociedade será pela via da instauração de um Processo Disciplinar Ético (PDE), quando terá a
função de orientar as partes e disciplinar o exercício da profissão, a partir da compreensão de
que a ética não se impõe por força própria (SILVEIRA; HÜNING, 2010).
A orientação oferecida no espaço da COE tem, por princípio, o objetivo de esclarecer
eventuais dúvidas que denunciantes e psicólogos denunciados venham a apresentar ao longo
da instrução processual. Porém, tornou-se parte da estratégia político-ideológica da referida
Comissão em determinado momento da história do CRP-RJ, também conforme relatei no
capítulo 2, dar enfoque à orientação enquanto uma atividade preventiva, convidando a
categoria para uma participação democrática, abrindo algumas brechas nesse espaço
institucional, ainda bastante hermético. Nesta perspectiva, a COE se tornou uma instituição
mista – disciplinar e de controle, – em consonância à visão de pós-modernidade aqui
defendida de que não houve uma superação da modernidade, mas abriu-se uma possibilidade
para tal a partir da inauguração de outra relação com o capital.
Entretanto, continua não sendo papel da COE exercer a orientação em caráter
remediativo, ou seja, feita a denúncia contra o psicólogo, não pode o CRP/COE escusar-se a
instruí-la e vir a punir o profissional. Neste espírito, a COE, uma instituição disciplinar que
resiste no contemporâneo, não visa o apaziguamento, mas a disciplina, a ordem, e, por fim, a
punição.
Tanto a sociedade disciplinar quanto a sociedade de controle requerem obediência,
segundo informou Passetti (2007): enquanto a disciplinar estabeleceu as sanções, visando
anular as resistências, a de controle vem promovendo capturas dessas resistências, que passam
a ser incluídas em uma denominada participação democrática.
Novamente relembrando as discussões do capítulo 2, as Quart‘éticas e os Fóruns de
Ética organizados pela COE/CRP-RJ são exemplos desses processos de participação da
369
categoria com vistas à orientação. A orientação, se transformada como meio de tutela, não
deixa de ser uma forma de controle social, de controle do exercício profissional.
No entanto, a COE ainda é reconhecida por sua forte atuação disciplinar-punitiva. Para
disciplinar, Aguiar (1984) alerta para a necessidade da instância de autoridade elaborar ritos,
parâmetros, regulamentos, códigos, que permitam um máximo de homogeneização, e, com
isso, a possibilidade de estabelecer a pertinência e não-pertinência. Logo, para se estabelecer
uma identidade profissional, uma pertinência, é preciso que haja uma homogeneização e, na
Psicologia, isso será possível com alguns dispositivos como as Resoluções e diretrizes, mais
especificamente, o Código de Ética Profissional do Psicólogo146 (CEPP), onde todos os
psicólogos são considerados iguais perante essa lei.
Assim, ao julgar o cumprimento da norma pela categoria profissional e punir os
psicólogos que cometerem alguma infração, a COE parte do princípio que determinadas
condutas são aprováveis e outras não, adequadas ou não. Desta forma, a topologia disciplinar
visaria organizar as atividades, muitas vezes, pelo cerceamento e sanção: ―ao psicólogo é
vedado‖. Decorre que a ética, neste espaço da COE, tornou-se institucionalizada, uma ética
das normas, e a própria COE, consolidou-se em instância administrativa, sendo tanto mais
enrijecida e autoritária quanto mais austera for na aplicação do Código de Ética.
Em relação a esta aplicação, nos PDE analisados, houve o entendimento de que as
psicólogas denunciadas (possivelmente) infringiram os artigos do CEPP, Resolução CFP nº
02/1987, vigente à época em que as denúncias foram protocoladas no CRP-RJ.
Art. 2º - Ao Psicólogo é vedado: alínea ‗b‘ – apresentar, publicamente, através dos meios de
comunicação, resultados de psicodiagnóstico de indivíduos ou grupos, bem como interpretar
ou diagnosticar situações problemáticas, oferecendo soluções conclusivas alínea ‗m‘ –
adulterar resultados, fazer declarações falsas e dar atestado sem a devida fundamentação
técnico-científica;
Art. 08 - O Psicólogo, quando solicitado por outro, deverá colaborar com este, salvo
impossibilidade decorrente de motivo relevante.
Art.13 - O Psicólogo, perante os outros profissionais e em seu relacionamento com eles, se
empenhará por manter os conceitos e os padrões de sua profissão;
Art. 17 - O Psicólogo colocará o seu conhecimento à disposição da Justiça, no sentido de
promover e aprofundar uma maior compreensão entre a lei e o agir humano, entre a
liberdade e as instituições judiciais;
Art. 23 - Se o atendimento for realizado por Psicólogo vinculado a trabalho
multiprofissional numa clínica, empresa ou instituição ou a pedido de outrem, só poderão
ser dadas informações a quem as solicitou, a critério do profissional, dentro dos limites do
estritamente necessário aos fins a que se destinou o exame.
Art. 38 - É vedado ao Psicólogo: c) Fazer previsão taxativa de resultados; (PDE nº 01/99)
------------------------------------------
146
Mencionei, anteriormente, que o Código de Ética Profissional do Psicólogo (CEPP) talvez seja o único
instrumento capaz de agrupar as Psicologias, independentemente de suas abordagens teóricas, em uma só
entidade, criando a identidade ―psicólogo‖.
370
Contudo, há quem defenda, como Novaes (2011), que a atuação da COE não é
somente apontar burocrática e tecnicamente que condutas ferem quais artigos do CEPP. Para
o ex-presidente do CRP-RJ, o trabalho da Comissão é mais complexo e exige consideração ao
contexto e as condições de atuação dos profissionais denunciados.
Mas o que é a COE senão os psicólogos que a compõem e que ficarão encarregados de
apreciar as materialidades discursivas que duelam nesta arena institucional? Estes psicólogos
formam uma equipe que constrói e reconstrói a COE a partir das práticas cotidianas de
manutenção das engrenagens desse maquinário, dentre eles: conselheiros eleitos,
colaboradores e funcionários. Cada um com seu cabedal de conhecimento, interesses
múltiplos, funções diversas, etc., a compor grupos chamados de Comissão de Instrução (CI),
bastante peculiares, porquanto são distintos entre si. Logo, nenhuma Comissão, nenhuma
engrenagem funciona exatamente igual a outra.
371
[...] é dever da Comissão de Instrução agir com imparcialidade [...] não há o que se
questionar a este respeito. [...] Sobre o caráter sigiloso da Plenária, [...] não há pertinência no
questionamento. [...] o foco da análise em questão é o relatório emitido pela psicóloga [...].
É importante entender que a Comissão de Orientação e Ética visa à instrução de denúncias
[...], que as Comissões de Instrução são constituídas por profissionais psicólogos,
devidamente habilitados e credenciados para emissão de declarações. (PDE nº 01/04)
O poder da COE está, assim, em seus operadores que não falam em nome próprio, mas
enunciam discursos institucionais, jurídico-disciplinares. Como explica Figueira (2007), são
atores investidos pela instituição de poder para representá-la junto à categoria e à sociedade.
Desta forma, os operadores da COE, enquanto psicólogos, também devem obediência
aos mesmos preceitos legais, no caso, o Código de Ética e demais Resoluções do CFP, de
modo que suas ações não podem ser arbitrárias; enquanto conselheiros, devem exercer uma
tarefa normativa, ficando obrigados a cumprir com o que determina a norma conhecida por
Código de Processamento Disciplinar (CPD).
Esta normativa, por estar fundamentada nos ritos legais, inscreve os operadores da
COE no âmbito da legalidade, guardando certa similaridade à lógica jurídica. Segundo Arendt
372
(2004, p.84), embora as questões morais e legais não sejam idênticas, possuem uma afinidade
―porque ambas pressupõem o poder de julgamento‖.
Todavia, diferentemente do que ocorre no Direito, quando os futuros profissionais são
socializados nos saberes teóricos e práticos do campo jurídico ao longo da faculdade
(FIGUEIRA, 2007), os psicólogos (e tantos outros profissionais que não pertencem ao
Direito) não recebem esse tipo de conhecimento. Para darem fundamento às práticas de
instrução processual, os psicólogos, ao ingressarem na instituição, acabam sendo treinados a
produzir uma discursiva eminentemente jurídico-disciplinar e a se organizarem enquanto
maquinário judicial, aplicando um saber normativo em cumprimento ao CPD.
Assim, expressões como: processo, trâmites, representação, instrução, provas,
materialidade, ilícito, citação, notificação, defesa, reconsideração, contra-razões, oitiva,
testemunhas, depoimento, alegações finais, dentre outros (sendo estas as mais empregadas),
ao integrarem o maquinário COE, passam a ser capturadas, internalizadas e naturalizadas
pelos seus operadores.
Por sua vez, o psicólogo que desempenha esse papel de disciplinador pode ―desfigurar
o teor normativo original, ultrapassando os parâmetros estabelecidos. Essa ultrapassagem
pode-se dar ou no sentido da radicalização do teor normativo ou no sentido da libertação do
conteúdo legal‖ (AGUIAR, 1984, p.31). Esse movimento é, para o autor, um ato político,
implicado no exercício do poder, tendo em vista que o psicólogo-conselheiro, com o poder
para disciplinar, está autorizado, pela função que ocupa, a alargar os parâmetros legais (e
neste caso, aplicar rigidamente a norma) ou a se tornar um instrumento de transformação.
Essa a diferença entre atuar no âmbito da legalidade, da moral e atuar no âmbito da ética.
Nos PDE analisados, durante a instrução processual, as diferentes Comissões de
Instrução colocaram, lado a lado, os artigos do CEPP que as psicólogas teriam infringido e a
interpretação dada aos mesmos para fundamentar suas decisões, buscando contextualizá-la a
partir dos documentos contidos entregues pelas partes. Os discursos da CI/COE nos Pareceres
apontaram, portanto, os juízos de valor que os operadores da CI fizeram da produção
discursiva das partes, formando e emitindo livremente a opinião sobre os fatos alegados que
implicavam as psicólogas.
[...] esta Comissão entende que o que está em evidência neste princípio é a questão da
responsabilidade profissional. [...] esta Comissão entende que apesar de toda a experiência
profissional e técnica que a Representada demonstrou através de documentação [...] não
esteve a serviço de sua responsabilidade profissional. (PDE nº 04/00)
373
[...] embora a mãe fosse detentora legal da guarda da criança e fosse um dos responsáveis
[...], o artigo em questão faz referência a ‗seus responsáveis‘ [...]. Neste caso, acima de tudo,
onde a gravidade das informações contidas no documento, envolviam o pai da criança,
consideramos que a participação do pai no processo de avaliação psicológica seria
imprescindível. (PDE nº 04/00)
------------------------------------------
Nos relatórios psicológicos emitidos [pela psicóloga denunciada], observamos que a mesma
aborda a história da separação do casal, parecendo parte integrante da família, ou seja, sem
imparcialidade. Acreditamos que o seu discurso tenha sido baseado na fala de uma das
partes, [a mãe da criança]. [...] Esta Comissão de Instrução ressalta ainda que a psicóloga
representada, com base no Código de Ética, teria o dever de informar aos pais
sistematicamente o trabalho que estava sendo realizado com a criança. O pai alega por
varias vezes solicitou informações e não obteve resposta, fato este confirmado pela
psicóloga [...] em sua entrevista de esclarecimento. (PDE nº 01/04)
como rigor na análise do material psicológico e do contexto em questão, que nem de longe
estão presentes nos referidos documentos. (PDE nº 01/04)
------------------------------------------
[...] depreende-se que a profissional elabora conclusões e formula orientações tomando
imediatamente como factuais aspectos narrados, sem a devida análise psicológica do
material e posicionando-se claramente, a partir disso, como aliada a uma das partes do litígio
familiar. (PDE nº 01/04)
Logo, no juízo das CI/COE, a realização de uma entrevista com pessoas de uma
mesma família não foi considerada suficiente para dar a fundamentação necessária para uma
recomendação de afastamento do genitor acusado, tampouco a experiência profissional foi
entendida como garantia de uma conduta ética livre de erros técnicos. O fato de algumas
psicólogas não ouvirem o genitor acusado e, ainda assim, emitirem diagnóstico conclusivo
com indicação do afastamento de suposto agressor apenas sustentado na palavra da criança
sem maior criticidade, também foi analisado como sendo um descumprimento do artigo 2º.
Apenas no PDE nº 04/00, a Comissão de Instrução encarregada de analisar as
materialidades discursivas mencionou, ainda que de forma sucinta, que, para ser considerado
um documento psicológico com fundamentação, seria preciso que a psicóloga expusesse
alguns requisitos.
Ora, não se pretende nem é necessário ter acesso ao material produzido e arquivado pela
psicóloga no atendimento à criança; bastaria que a Representada descrevesse os passos de
seu atendimento, de modo detalhado e com exposição das técnicas e das bases teóricas e
científicas que sustentaram as conclusões da declaração [...]. Isto não ocorreu. (PDE nº
04/00)
É certo que leis e ordenamentos precisam existir, bem como ter quem as aplique no
constrangimento da liberdade do indivíduo, sob o risco de haver o caos, como discuti no
capítulo sobre ética. O mesmo se dando para o psicólogo, ao vislumbrar a possibilidade de
haver uma infração cometida por este ao Código de Ética.
Nesta lógica, a CI/COE, àquela época, a favor de certa estratégia de intervenção
política-ideológica no social a partir de uma visão crítica de mundo, julgaram que houve
indicação para instauração de processo por infração ao CEPP, visando, ao final da instrução
processual, o julgamento e possível sanção das psicólogas aqui analisadas.
375
A sanção, quando aplicada, indicará que determinada conduta, após avaliada e julgada,
foi considerada reprovável em relação à norma. Nos PDE, a expressão dessa relação de poder
apareceu na referência à ―irresponsabilidade‖ das profissionais.
[...] é evidente a infração ao disposto no Código de Ética, caracterizando conduta grave, uma
vez que as conclusões apresentadas pela profissional em relação a suspeita de abuso sexual
por parte da avó paterna, assim como as repetidas indicações relativas à revisão da
regulamentação das visitas paternas requerem fundamentação teórica e metodológica, assim
como rigor na análise do material psicológico e do contexto em questão, que nem de longe
estão presentes nos referidos documentos. [...]. Considerando a gravidade das suspeitas
caracterizadas e a complexidade dos encaminhamentos sugeridos do ponto de vista das suas
decorrências para a vida familiar da criança, em conflito na situação, tal análise é
indispensável para fundamentar as conclusões dos relatórios em questão. [...] Quanto à
dosimetria da pena, deve incidir na hipótese o disposto no parágrafo único do art. 28 da Lei
5.766/71, o qual determina que são consideradas especialmente graves as faltas relacionadas
diretamente ao exercício profissional. (PDE nº 01/04)
Cabe relembrar que a época em que o CRP-RJ sofreu intervenção pelo Conselho
Federal corresponde ao mesmo período em que os PDE tramitaram na CI/COE. Desta forma,
muitos processos prescreveram ainda na fase de representação, pelos motivos que narrei ao
longo do capítulo 2, dentre eles, os PDE nº 01/99, 02/99, 01/00 e 02/00. Embora todos estes
tivessem indicação para abertura de processo ético, a decisão final foi pela extinção e
arquivamento por prescrição.
A representação que se iniciou em 1999 vigia a resolução 5/88 que preceituava o prazo
prescricional de 5 anos sem prever possibilidade de interrupção, o que significa dizer que
todo o processo ético, desde a denuncia (comunicação do fato ao CRP) até a manifestação
final em última instância deverá perdurar 5 anos. Logo, na data de 2005, a prescrição é
inequívoca. Cabe salientar que a prescrição não precisa ser arguida pelas partes devendo o
corpo julgador reconhecê-la de ofício e a qualquer tempo. As hipóteses de interrupção da
prescrição prevista na Resolução CFP 06/2001 não podem ser aplicadas no caso em tela,
376
haja vista que a norma não pode retroagir sua eficácia para prejudicar o acusado. Neste caso,
cabe ao CRP extinguir o processo sem análise do mérito. (PDE nº 01/99)
No que se refere ao PDE nº 04/00, esse foi julgado pelo CRP-RJ no ano de 2005.
Naquele ano em particular, entrou em vigor a Resolução CFP nº 010/2005 que instituiu o
atual CEPP, requerendo que houvesse uma equivalência dos Códigos por parte das Comissões
de Instrução ou, em último caso, no Relatório de Julgamento.
Neste feito, a alteração do Código de Ética não traz grandes alterações, posto que em ambos
os ordenamentos [...] há tipificação para as possíveis faltas em apuração nesse processo,
apenas altera-se a capitulação, sendo que a Psicóloga Representada responde a este feito por
possíveis violações ao artigo 2º, alíneas ‗b‘, ‗l‘, ‗m‘, ‗n‘ e artigo 3º, alínea ‗a‘ todos do
Código de Ética anterior (Resolução CFP nº 002/87, de 15 de agosto de 1987). Com a
edição do novo Código de Ética estas capitulações passaram para os atuais artigos 2º, alíneas
‗g‘, ‗h‘, ‗j‘, ‗q‘ e artigo 1º, alínea ‗f‘ da Resolução CFP nº 010/05. (PDE nº 01/04)
Acórdão: Plenário decidiu julgar procedente a imputação ética à psicóloga pela infração aos
artigos, imputando-lhe a pena de Censura Pública nos termos do Relatório e voto da
Relatoria. (PDE nº 04/00)
Pelo exposto, voto por conhecer e dar provimento ao recurso interposto pelo denunciante
para reformar a decisão do Conselho Regional de Psicologia da 5ª Região no sentido de
agravar a pena para censura pública por infração aos artigos 1°, f; e 2°, g, h, j. (PDE nº
01/04)
Somos profissionais da liberdade, não da ordem. Este é o discurso que tentam nos fazer acreditar.
Baptista (2000, p.16)
Já se passaram mais de cinco anos desde que essa tese começou a ser construída na
ideia e na letra.
Na ocasião, havendo concluído a dissertação de mestrado, soube que muitos pais
estavam denunciando alguns psicólogos junto aos Conselhos Regionais de Psicologia, por
estes haverem elaborado documentos decorrentes de avaliação psicológica realizada com seus
filhos em circunstâncias de denúncia de abuso sexual. Nestes documentos psicológicos, estes
pais foram acusados de serem autores de um suposto abuso sexual cometido contra seus filhos
após o desenlace conjugal, sem que ao menos fossem ouvidos pelos profissionais.
Estando investida da condição de psicólogo-conselheira no período de 2007-2010, mas
atuando desde 2005 enquanto colaboradora na Comissão de Orientação e Ética (COE) na
instrução processual, tive a oportunidade de me aproximar de alguns desses documentos
psicológicos oferecidos ao CRP-RJ como prova de uma possível infração ao CEPP. Pensando
em mais que analisar a conduta profissional à luz do CEPP, acreditei ser preciso discutir, dar
visibilidade às práticas de avaliação psicológica naquele contexto específico, a começar
indagando: o que poderia haver naqueles documentos psicológicos capaz de levar a referida
instituição a decidir pela instauração de processo contra o profissional por infração ao Código
de Ética?
Foi quando percebi que os Processos Disciplinares Éticos (PDE) são uma fonte
inesgotável e bastante rica para promover a análise desses discursos/práticas psicológicos.
Mais ainda, notei que seria possível analisar outros discursos que ali, nos PDE, ganhavam
vida e dialogavam entre si, seja pela oposição, pelo confronto, seja pelo desabafo e pela
indignação.
Eis que da ideia fui para a letra. Minha intenção era analisar os discursos contidos nos
PDE, cujo objeto de denúncia era os documentos psicológicos decorrentes da avaliação em
379
particular, as que fazem interface com o Direito, bem como a especialização do profissional,
conforme analisei ao longo do trabalho.
Estranhamente, ou intencionalmente, pouco se fala na formação profissional no nível
da graduação. Estranhamente, porque qualquer discussão sobre a prática do profissional, dos
destinos da própria profissão, não pode prescindir, a meu ver, de um olhar cuidadoso sobre o
ensino universitário. Todavia, a preocupação parece recair no aperfeiçoamento da técnica e do
instrumental, ensinando aos psicólogos como melhor fazer a avaliação psicológica e atender
com qualidade as demandas que lhes chegam. Assim, a categoria exploraria esse crescente
filão do mercado de trabalho por documentos decorrentes de avaliação psicológica, e ainda
ficaria protegido ou blindados dos ―ataques‖ – como se referiu Shine (2009) às denúncias
junto às Comissões de Orientação e Ética. Ocorre, porém, que somos nós psicólogos que
temos a arma, o instrumento nas mãos para produzir um saber capaz de ―matar‖, disciplinar
ou ―fazer viver‖, dependendo da escolha ético-política que fizermos!
Não quero dizer que me oponho à formação complementar e/ou especializada, pois
isso seria um contrassenso, ademais, porque há sempre muito que aprender, sendo esta uma
tarefa para toda a vida. A questão é atribuir a este tipo de formação importância maior que a
formação profissional de base, refiro-me aqui da graduação em Psicologia, como se os cursos
de pós-graduação fossem capazes de sanar todos os problemas da graduação, não requerendo
desta uma revisão ou investimentos.
Conforme discuti ao longo da tese, há um consenso entre muitos autores que a
formação profissional vem perdendo qualidade desde que se iniciou um processo de
privatização do ensino no país, e que muitos alunos se queixam da formação que recebem,
sentindo-se despreparados para atuar no mercado de trabalho. O que fazer com isso?
Constatar e naturalizar, banalizar a queixa? Muitos psicólogos (na condição de professores ou
de alunos) viram nessa situação uma oportunidade para investirem em cursos de capacitação,
aperfeiçoamento, especialização, etc., seja para ensinar, seja para aprender a manejar técnicas
para melhor instrumentalizar a prática profissional. Se os cursos da graduação, ao invés de
formarem, passarem a ―deformar‖ o aluno, instigando-o ao exercício da reflexão, da criação,
do estranhamento, da liberdade e da ética, não haveria, talvez, tantos psicólogo-consumidores
ávidos por preencherem as lacunas de sua má formação com qualquer promessa de
aprimoramento técnico que viesse a transformá-los em profissionais atraentes e competitivos
para o mercado.
383
Contudo, não foi isso que percebi nos discursos analisados. No momento em que a
Psicologia completa 50 anos da regulamentação da profissão no Brasil, vem se intensificando
o discurso da capacitação técnico-científica, da competência profissional, da precisão e
validade técnicas nas práticas de avaliação psicológica, enfim, da cientificidade da Psicologia.
Assim, se por um lado havia os discursos do denunciante e da Comissão de Instrução que
indicavam a falta e, por isso, exigiam a fundamentação técnico-científica e competência
profissional das psicólogas, por outro, havia o discurso da defesa que afirmava pela
cientificidade dos enunciados contidos nos documentos psicológicos com fins jurídicos. Tais
discursos, por sua vez, apontavam para o fortalecimento de certa ―política da certeza‖, ou
seja, de práticas que legitimam procedimentos disciplinares que afirmam verdades, certezas,
modos de pensar, de fazer e de viver (FIGUEIREDO, 2008, p.137).
Porém, será que a formação técnica-especializada garante qualidade e competência?
Conforme tratei na tese, essa é a ilusão que se vende junto com os cursos de especialização.
Se a especialização ou o título de especialista fosse garantia de uma prática isenta de erros,
não haveria sentido essa discussão, bastaria que todos garantissem desde já o seu selo de
qualidade impresso nas carteiras profissionais do CRP. Àqueles sem condições para comprar
o selo, desde já não poderiam exercer a profissão sob o risco de serem processados.
Constatado o absurdo do discurso técnico-científico que visa eliminar o erro, subtraindo o
humano em cada psicólogo, percebi, nos discursos contidos nos PDE aqui analisados, que não
há garantias possíveis, por mais extenso que seja o currículo profissional, por mais
especializado que esteja o profissional.
[...] esta Comissão entende que apesar de toda a experiência profissional e técnica que a
Representada demonstrou através de documentação [...] não esteve a serviço de sua
responsabilidade profissional. (PDE nº04/00)
147
Entendida como a ―capacidade de avaliar e refletir criticamente sobre o seu trabalho, questionar as bases
sobre as quais ele se assenta, colocar sob exame os seus pressupostos e confrontá-los com a sua experiência‖
(LO BIANCO, BASTOS, NUNES; SILVA, 1994, p.59).
384
―Ao dever se articulam, além do saber, o querer‖, afirma Rios (1993, p.9-10), o que
determina a intencionalidade da intervenção, e o poder. Portanto, importa para a ética, assim
como para os CRP, saber se o profissional, que intervém sobre o outro de forma intencional,
consciente e livre, estabelece com ele uma relação de poder, impondo-lhe suas verdades, seus
valores, sua técnica; ou se estabelece uma relação de responsabilidade, a partir da
problematização dessas mesmas verdades, valores e técnicas que fundamentam sua prática
psicológica.
A partir dessas considerações, para ser um profissional competente, é esperado que o
psicólogo consiga articular as dimensões técnica, ética e política de tal forma que sua conduta
profissional seja ―técnico-ético-política‖, como propôs Rios (1993, p.67).
Continua a autora:
A ética é mediação, mas também síntese da técnica e política dos conteúdos, dos métodos, do
sistema de avaliação, etc., ou ela tem de desvendá-los. [...] Técnica, ética, política não são
apenas referências de caráter conceitual – podemos descobri-los em nossa vivência concreta
real, em nossa prática (RIOS, 1993, p.67).
Deste modo, a ética se expressa na escolha da técnica que o profissional irá empregar
em sua relação com o outro, cujas formas de contratualidade permitem a liberdade, ou seja,
quando o profissional reconhece o outro, a si mesmo e as implicações de suas ações na vida
das pessoas envolvidas.
Seguindo essas reflexões, entendo que falar de competência, responsabilidade,
compromisso remete a uma dimensão técnico-ético-política que está para além do modelo
prescritivo de um Código de conduta. Diz respeito, como bem colocou Rios (1993), à utopia,
entendida aqui como o componente da esperança depositado no projeto de ação do
profissional psicólogo. Em outros termos, o projeto de ação do psicólogo é um ideal a ser
alcançado e que deve ser construído dia após dia em sua relação com o outro, considerando as
relações de poder que o atravessam.
Daí minha constatação-denúncia: estes 50 anos de profissão regulamentada não foram
suficientes para transformar os discursos da ordem técnica, da razão instrumental, de cunho
eminentemente científico-positivista, que vêm se mantendo hegemônicos ao longo dessas
várias décadas. A perspectiva crítica, reflexiva, trazida pela abordagem sócio-histórica, por
exemplo, parece cair em uma espécie de escuta surda em nome dessa ordem que transforma
os psicólogos em tecnocratas.
Lembrando as observações de Patto (2010, p.93):
385
São muitos os que se dedicam à [...] Psicologia ainda aderidos acriticamente a teorias cujos
pressupostos desconhecem e acham irrelevante conhecer, pois acreditam piamente na
neutralidade da ciência. Por isso, não se indagam sobre as concepções de homem e de
sociedade implícitas nas teorias e nas técnicas que defendem; não atentam para a dimensão
filosófica de suas doutrinas; naturalizam a vida dos homens, ao tomarem o que é como o que
deve ser. Em nome de especificidade da Psicologia, desqualificam essas questões, como se a
dimensão psíquica nada devesse à realidade social em que se constitui e como se as teorias e
técnicas da Psicologia nada devessem às relações de poder.
Nas discussões feitas ao longo deste trabalho, foi possível perceber que, aqueles que
defendem a instituição do Título de Especialista em Avaliação Psicológica, transformando as
práticas psicológicas de avaliação em área especializada e não mais como uma atividade a
qual perpassa toda a profissão, não explicitam os parâmetros metodológicos, as matrizes
conceituais, o solo teórico que a sustentaria. Ao mesmo tempo em que houve um abandono do
―projeto fundacionista‖ (FIGUEIREDO, 2008, p.22) na contemporaneidade, também houve
uma exacerbação do processo de captura e aniquilamento dos discursos contrários e
reacionistas, como discuti acerca da instituição do Ano Temático da Avaliação Psicológica
em 2011.
No encerramento das discussões do Ano Temático, as propostas levantadas
reacenderam antigas questões, não somente sobre o legado do positivismo na Psicologia e a
obediência à ordem ou racionalidade técnico-instrumental, mas também sobre a
especialização do saber.
Como mencionei nesta pesquisa, velhas práticas vêm se mantendo atuais por força de
interesses por uma avaliação psicológica pragmática e utilitarista. Muitos psicólogos
esquecem ou não percebem, porém, que estão produzindo um discurso/prática ideológico,
reduzindo as determinações históricas e sociais a evidências empíricas para uma
categorização da vida, como fizeram as psicólogas em seus documentos psicológicos:
Ao que tudo indica, ―mudar o rumo da psicologia‖, como sugeriu Brito (2004, p.234),
é tarefa árdua, e requer de cada psicólogo, aluno e professor de Psicologia estranhar o que lhe
foi ou vem sendo dito, dado como certo, preciso, verdadeiro, natural e definitivo. Essa
transformação só será possível se o psicólogo estiver disposto a problematizar, a indagar
sobre o que aprende, ensina e pratica, podendo começar pela historicidade da Psicologia, de
sua profissão, nas mais variadas versões como as que apresentei nesta tese, com suas
implicações políticas, ideológicas e sociais.
Se a construção do conhecimento histórico é ponto de partida para a escolha teórica,
metodológica e técnicas, logo, o é para o exercício da ética, lembrando que toda escolha
técnica é uma escolha ética, pois remete ao modo como o psicólogo se coloca em relação ao
sujeito, seja este quem for: o usuário ou aquele que demanda o serviço psicológico.
Este é, portanto, o drama e a angústia presente na Psicologia contemporânea: a
constituição da identidade profissional, a qual impõe a necessidade de o psicólogo fazer a sua
escolha. Arriscar-se a explorar um mundo repleto de oportunidades, visando à produção uma
nova abordagem da realidade, ou a viver voltado à já consagrada e tradicional intervenção
psicológica fundamentada nas ideologias das ciências naturais.
Sendo assim, para encerrar essa trajetória, parafraseando Chauí (2000), faço um
convite à Psicologia: que esta possa resgatar as raízes filosóficas para estimular o exercício da
reflexão crítica, e, ainda, fazer ressurgir Psyché, para tornar fértil o solo árido que se
transformou o pensamento psicológico técnico e utilitário. Quanto à fantástica aventura de
ser-psicólogo, que este possa colocar em análise o seu fazer, permitindo-se sair dos claustros
teóricos que aprisionam crianças, pais, avós e famílias inteiras a uma determinada visão de
mundo, imprimindo marcas, identidade-diagnósticos, cujos efeitos perduram a vida toda, sem
qualquer exagero. A aventura requer coragem e afetividade para se colocar mais disponível e
permeável ao outro, sua história, sua realidade, bem como para conviver com a incerteza, com
a falta de respostas, mas com a genuína liberdade para pensar e criar, ampliando as fronteiras
da prática de cuidado, da ética.
387
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425
Eu, MARCIA FERREIRA AMENDOLA, psicóloga, CRP 05/24729, funcionária do quadro técnico-
administrativo da UERJ, conselheira efetiva do CRP-05 do XII Plenário, mestre e doutoranda em Psicologia
Social pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
sob orientação da Profª Drª Leila Maria Torraca de Brito, venho, mui respeitosamente, solicitar:
ACESSO, PARA FINS DE PESQUISA, AOS PROCESSOS ÉTICOS JULGADOS PELO CRP-05,
REFERENTES A DENÚNCIAS CONTRA PSICÓLOGOS EM RAZÃO DA ELABORAÇÃO DE
LAUDOS PSICOLÓGICOS COM FINS JURÍDICOS E QUE VERSAM SOBRE AVALIAÇÃO
PSICOLÓGICA DE CRIANÇAS SUPOSTAMENTE VÍTIMAS DE ABUSO SEXUAL.
A pesquisa, a ser desenvolvida no curso de doutorado, tem por objetivo analisar 20 (vinte) Processos
Disciplinares Éticos cujo objeto de denúncia são documentos elaborados por psicólogos (laudos ou
relatórios) com fins jurídicos. Os documentos a serem analisados devem ter sido produzidos em casos em
que houve avaliação psicológica por suspeita de abuso sexual contra crianças. Deste montante, interessa-me
analisar 10 (dez) Processos Éticos que foram julgados e que o psicólogo representado tenha recebido algum
tipo de penalidade; e outras 10 (dez) Representações que tenham sido arquivadas.
O corpus dessa pesquisa será constituído por Processos Disciplinares Éticos e não apenas o
documento do psicólogo, objeto da denúncia no CRP-05. Desta forma, buscarei qualificar a queixa referente
ao psicólogo e o denunciante, assim como fazer análise dos discursos impressos, tanto dos documentos
elaborados pelos psicólogos quanto dos pareceres das Comissões de Ética pelo viés da análise do discurso,
por entender que discurso é prática; é uma produção de saber; uma produção histórica e política mergulhada
em relações de poder.
Igualmente, pretendo problematizar o tema, salientar as dificuldades encontradas na interface da
Psicologia com o Direito que têm culminado com a abertura de Processos Éticos, contrapor o ―agir-técnico‖
com ―agir-ético‖, assim como, trazer, à apreciação dos psicólogos, a perspectiva das Comissões de Ética na
instrução processual.
Comprometemo-nos, eu e a orientadora desta pesquisa, a manter o sigilo, resguardando as
informações que garantam o anonimato das pessoas envolvidas, conforme o Art. 16 do Código de Ética
Profissional do Psicólogo. Lembrando, ainda, que na condição de conselheira, estou compromissada com o
dever do segredo, conforme estabelece o Art. 29 §1º do Código de Processamento Disciplinar.
JUSTIFICATIVA
Verifica-se que a inserção dos psicólogos na seara jurídica não está restrita aos profissionais
especialistas em Psicologia Jurídica (RESOLUÇÃO CFP Nº 14/2000), tampouco aos concursados para atuar
na instituição judicial. Como um lugar de prática, novas e tradicionais modalidades de atuação profissional
passaram a integrar o mercado de trabalho, expandindo a oferta de serviços de avaliação psicológica com
fins jurídicos, via instituições públicas, organizações não-governamentais, perícia e/ou assistência técnica,
contratadas pelas partes ou solicitadas pelo juízo.
Embora essas práticas psicológicas possam ser adjetivadas jurídicas, por darem aporte ao Direito,
profissionais e pesquisadores da área, atentos a esta realidade, entendem que tal especialização não deve se
restringir à demanda judicial de perícias para averiguação da periculosidade ou sanidade mental dos sujeitos
em litígio.
426
Contudo, é possível verificar que ainda predominam as atividades de elaboração de documentos ―no
pressuposto de que cabe à Psicologia, neste contexto, uma atividade predominantemente avaliativa e de
subsídio aos magistrados‖148.
Portanto, é com interesse em desenvolver um estudo deste discurso/prática que, ora se submete ao
Direito – na intenção de produzir, senão, um discurso à sua semelhança, de revelação da verdade – ora se
coloca marcada pela inquietação e pela dúvida – que a impulsiona a repensar suas responsabilidades e seu
agir ético – que proponho esta pesquisa, tomando por base, questões e histórias levantadas em minha
dissertação de Mestrado em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro149.
Dentre os resultados apontados na minha pesquisa de mestrado, laudos ―psi‖ têm sido oferecidos à
Justiça como principal prova técnica da ocorrência do abuso sexual contra crianças sem que os pais acusados
participem, de algum modo, da avaliação psicológica. Um dos efeitos, nesses casos, tem sido a denúncia
desses pais junto ao Conselho Regional de Psicologia contra os psicólogos.
Tal fato parece não se restringir à realidade do estado do Rio de Janeiro, pois, de acordo com Bárbara
Conte150, presidente da Comissão de Orientação e Ética do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande
do Sul (CRP-RS), tem havido um aumento no número de queixas acerca de laudos emitidos para processos
judiciais que versam sobre a indicação de abuso sexual de adulto contra crianças.
Assim, a atuação dos psicólogos nas esferas jurídicas merece destaque. Isto é, um olhar criterioso das
instituições de Ensino Superior, das Entidades Formadoras, do Sistema Conselhos de Psicologia, visando a
construção de um saber psi melhor implicado com as questões que atravessam as subjetividades humanas.
Antecipadamente, agradeço e coloco-me à disposição para esclarecimentos e demais considerações que
forem necessárias.
148
ARANTES, Esther Maria M. Pensando a Psicologia aplicada à Justiça. In: GONÇALVES, H.S.; BRANDÃO,
E.P. (Org.) Psicologia Jurídica no Brasil. Rio de Janeiro: Nau, 2ª edição, 2005, p.15-49.
149
AMENDOLA, Marcia F. Psicólogos no Labirinto das Acusações: um estudo sobre a falsa denúncia de abuso
sexual de pai contra filho no contexto da separação conjugal. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-
Graduação em Psicologia Social, UERJ, 2006.
150
CONTE, Bárbara. A ética na prática da avaliação psicológica. CRP 07 Revista Entrelinhas, nº 34, maio/jun
2006, p.5.
427
Art. 3º - Define-se como cliente a pessoa, entidade ou organização a quem o Psicólogo presta serviços
profissionais.
Art. 4º - São deveres do Psicólogo nas suas relações com os clientes:
a) Dar ao cliente ou, no caso de seu impedimento, a quem de direito, informações concernentes ao
trabalho a ser realizado, definindo bem seus compromissos e responsabilidades profissionais, a fim de que
o cliente possa decidir-se pela aceitação ou não, da assistência prevista;
b) Limitar o número de seus clientes às responsabilidades concretas de trabalho eficiente;
c) Atender seus clientes sem estabelecer discriminações ou prioridades decorrentes de condições de raça,
prestígio, autoridade, credo ou situação econômica;
d) Oferecer ao cliente serviços de outros colegas sempre que se impuser a necessidade de continuidade de
tratamento e este, por motivos ponderáveis, não puder ser continuado por ele próprio;
e) Entrar em entendimento com seu substituto, comunicando-lhe as informações necessárias à boa
evolução do caso, sempre que tenha ocorrido a sua substituição;
428
f) Esclarecer o cliente sobre os prejuízos de uma possível interrupção da assistência que vem recebendo,
ficando isento de qualquer responsabilidade caso o paciente se mantenha em seus propósitos;
g) Exercer somente dentro de situações estritamente profissionais suas atividades de orientação,
aconselhamento, psicodiagnóstico e todas as demais técnicas psicológicas;
h) Utilizar de interrogatório sob a ação hipnótica, ou de processos similares, só quando tais procedimentos
se justifiquem dentro de uma técnica terapêutica bem estabelecida e sempre em benefício do cliente;
i) Manter com o cliente relacionamento estritamente profissional.
Art. 5º - Ao Psicólogo, em suas relações com o cliente, é vedado:
a) Induzir indevidamente qualquer pessoa a recorrer a seus serviços;
b) Prolongar desnecessariamente o atendimento previsto;
c) Influenciar as convicções políticas, filosóficas ou religiosas de seus clientes.
Art. 6º - O Psicólogo funcionário de uma organização deve sujeitar-se aos padrões gerais da instituição, o que
interdita a assinar contrato de trabalho quando o regulamento ou costumes ali vigentes contrariem sua
consciência profissional e os princípios e normas deste Código.
Art. 7º - Não deve o Psicólogo aceitar emprego deixado por colega que tenha sido exonerado sem justa causa ou
que haja pedido demissão para preservar a dignidade ou os interesses da profissão e os princípios e normas do
presente Código.
DAS RELAÇÕES COM OUTROS PSICÓLOGOS
Art. 8º - O Psicólogo deve ter para com seus colegas a consideração, o apreço e a solidariedade que refletem a
harmonia da classe e lhe aumentem o conceito público.
Art. 9º - O Psicólogo, quando solicitado, deverá colaborar com seus colegas e prestar-lhes serviços profissionais,
salvo impossibilidade decorrente de motivo relevante.
Art. 10 - O espírito de solidariedade não pode induzir o psicólogo a ser conivente com o erro ou a contravenção
penal praticado por colega, devendo a crítica respectiva ser feita em associações de classe e na presença do
criticado.
Art. 11 - O Psicólogo não atenderá o cliente que esteja sendo assistido por algum colega, salvo nas seguintes
situações:
a) A pedido desse colega;
b) Em casos de urgência, nos quais dará imediata ciência ao colega;
c) No próprio consultório quando ali procurado espontaneamente pelo cliente, quando dará a esse colega
ciência do fato.
DAS RELAÇÕES COM OUTROS PROFISSIONAIS
Art. 12 - O Psicólogo procurará manter e desenvolver boas relações com os componentes de outras categorias
profissionais, observado, para esse fim, o seguinte:
a) Trabalhar nos estritos limites das atividades que lhe são reservadas por lei e da tradição da psicologia;
b) Reconhecer os casos pertencentes aos demais campos de especialização profissional, encaminhando-os às
pessoas habilitadas e qualificadas para a sua solução.
Art. 13 - O Psicólogo, nas relações com outros profissionais, manterá elevado o conceito e padrões de sua pró-
pria profissão.
Art. 14 - O Psicólogo procurará filiar-se às associações profissionais e científicas que tenham como finalidade a
defesa da dignidade e direitos profissionais, a difusão e o aprimoramento da Psicologia como ciência e a
harmonia e cooperação de sua classe.
Art. 15 - O Psicólogo deverá apoiar as iniciativas e os movimentos de defesa dos interesses morais e materiais
da classe, através dos seus órgãos representativos.
Art. 16 - Qualquer Psicólogo, no exercício legal de sua profissão, pode ser nomeado perito para esclarecer a jus-
tiça em assuntos de sua competência.
429
Parágrafo Único - O Psicólogo pode excusar-se de funcionar em perícia cujo assunto escape à sua competência,
ou por motivo de força maior, devendo sempre dar a devida consideração à autoridade que o nomeou,
solicitando-lhe dispensa do encargo antes de qualquer compromissamento.
Art. 17 - O Psicólogo porá de parte o espírito de classe ou de camaradagem, procurando apenas servir à Justiça
imparcialmente, sempre que um colega for interessado na questão.
Art. 18 - O Psicólogo perito deverá agir com absoluta isenção, limitando-se à exposição do que tiver
conhecimento através de exames e observações e não ultrapassará, nos laudos, a esfera de suas atribuições e
competência.
Art. 19 - O Psicólogo deverá levar ao conhecimento da autoridade que o nomeou a impossibilidade de formular
o laudo à recusa do indivíduo que devia ser por ele examinado.
Art. 20 - É vedado ao Psicólogo:
a) Ser perito de cliente seu;
b) Funcionar em perícia em que seja parte, pessoa de sua família, amigo íntimo ou inimigo;
c) Valer-se do cargo que exerce, ou dos laços de parentesco ou amizade com autoridades administrativas ou
judiciárias para pleitear ser nomeado perito.
DO SIGILO PROFISSIONAL
Art. 21 - O sigilo, imperativo da ética profissional, protege o examinando em tudo aquilo que o Psicólogo ouve,
vê ou tem conhecimento como decorrência do exercício de sua atividade profissional.
Art. 22 - Somente o próprio cliente poderá ser informado dos resultados dos exames realizados pelo psicólogo,
quando tais exames tenham sido solicitados por ele.
Art. 23 - Quando uma pessoa é examinada a pedido de terceiros, os resultados podem ser dados a quem
solicitou, desde que o examinando ou, no seu impedimento, quem de direito, concorde com essa medida, e que
não seja levado nada além do estritamente necessário.
Art. 24 - É admissível a quebra do sigilo profissional nos seguintes casos:
a) Quando o cliente for menor, tiver sido encaminhado por seus pais, tutores ou responsáveis, aos quais
unicamente cabe prestar as informações;
b) Quando se tratar de fato delituoso, previsto em lei, e a gravidade de suas consequências sobre terceiros crie
para o Psicólogo o imperativo de consciência de denunciá-lo à autoridade competente.
Art. 25 - A mais ampla liberdade de pesquisa deve ser assegurada ao Psicólogo, não sendo, porém, admissíveis:
a) Promover experimentos com risco físico ou moral de seres humanos;
b) Subordinar as investigações a ideologias que possam viciar o curso da pesquisa ou os seus resultados.
Art. 26 - O Psicólogo deverá divulgar os resultados científicos de suas investigações, sempre que estes
resultados tenham significação positiva para o desenvolvimento da Psicologia como ciência ou representar
aprimoramento técnico dentro da profissão.
Art. 27 - Na publicação de qualquer trabalho, o Psicólogo deve citar integralmente as fontes de tudo o que bus-
cou em outros.
Art. 28 - Na publicação dos resultados de suas investigações o Psicólogo deve divulgar somente os dados real-
mente obtidos e todas as conclusões que julgue justificadas pela pesquisa feita.
Art. 29 - Nas publicações não estritamente técnicas, com caráter de divulgação científica, o Psicólogo
apresentará os assuntos com a necessária prudência, considerando sempre as características do público a que se
dirige.
Art. 30 - Caberá ao Psicólogo resguardar o padrão e nível de sua ciência e profissão em todo e qualquer tipo de
publicação ou apresentação em órgãos de divulgação.
Art. 31 - É vedado ao Psicólogo ceder, dar, emprestar ou vender técnicas a leigos ou a pessoas que não sejam
credenciadas como psicólogos, ou de qualquer modo divulgar tais técnicas entre pessoas estranhas à profissão e
à ciência psicológica.
DA PUBLICIDADE PROFISSIONAL
Art. 32 - O Psicólogo, ao promover publicamente a divulgação de seus serviços, somente deverá fazê-lo com
exatidão e dignidade.
Art. 33 - É vedado ao Psicólogo anunciar a prestação de serviços gratuitos ou a preços vis em consultórios parti-
culares.
DOS HONORÁRIOS PROFISSIONAIS
430
Art. 34 - Os honorários devem ser fixados com todo o cuidado a fim de que representem justa retribuição pelos
serviços prestados, sejam acessíveis ao cliente e tornem a profissão reconhecida pela confiança e aprovação do
público.
Art. 35 - Os honorários devem obedecer a uma escala ou plano de serviços prestados e devem ser comunicados
ao cliente antes do início dos trabalhos.
Art. 36 - O Conselho Federal e os Regionais de Psicologia manterão uma Comissão de Ética para assessorá-los
na aplicação deste Código, no zelo de sua observância e na fiscalização do exercício profissional.
Art. 37 - As infrações a este Código de Ética Profissional poderão acarretar penalidades variadas, desde a
simples advertência até o pedido, de cassação de sua inscrição profissional, na forma dos dispositivos legais
e/ou regimentais.
Art. 38 - Cabe ao Psicólogo, legalmente habilitado, denunciar aos seus Conselhos qualquer pessoa que esteja
exercendo a profissão sem a respectiva inscrição.
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 39 - Os estudantes dos cursos de Psicologia ficam obrigados à observância do presente Código de Ética
Profissional.
Art.40 - Cumprir e fazer cumprir este Código é dever de todo psicólogo.
Art. 41 - A presente Resolução, com os princípios e normas contidos no Código de Ética Profissional do
Psicólogo, entrará em vigor na data de sua publicação no Diário Oficial da União.
Art. 3º - Define-se como cliente, a pessoa, entidade ou organização a que o Psicólogo presta serviços
profissionais.
Art. 4º - São deveres do Psicólogo, nas suas relações com os clientes:
a) Dar ao cliente ou - no caso de impedimento deste, - a quem de direito, informações concernentes ao
trabalho a ser realizado, definindo bem seus compromissos e responsabilidades profissionais, a fim de que
o cliente possa decidir-se pela aceitação ou recusa, da assistência prevista;
b) Esclarecer o cliente, no caso de atendimento em equipe, definindo a qualificação profissional dos
demais membros deste, seus papéis e responsabilidades;
c) Limitar o número de seus clientes às condições de trabalho eficiente;
d) Atender seus clientes, sem qualquer discriminação ou prioridade decorrente de raça, prestígio,
autoridade, credo ou situação econômica;
e) Sugerir ao cliente serviços de outras colegas, sempre que se impuser a necessidade de prosseguimento
dos serviços prestados, e estes, por motivos ponderáveis, não puderem ser continuados por quem os
assumiu, inicialmente;
f) Entrar em entendimento com seu substituto, comunicando-lhe as informações necessárias à boa
evolução do caso, quando se caracterizar a situação mencionada no item anterior;
432
g) Esclarecer o cliente quanto aos prejuízos da interrupção inoportuna da assistência que vem recebendo,
ficando o Psicólogo isento de qualquer responsabilidade ética, se o cliente se mantiver no propósito de
abandoná-la;
h) Evitar estabelecer com o cliente relacionamento que não seja estritamente profissional.
Art. 5º - É vedado aos Psicólogos, em suas relações com o cliente:
a) Induzir qualquer pessoa a recorrer a seus serviços;
b) Prolongar, desnecessariamente, o atendimento previsto;
c) Influenciar convicções políticas, filosóficas, morais ou religiosas de cliente;
d) Pleitear do cliente comissões, doações ou vantagens outras, de qualquer espécie, além dos honorários
estabelecidos;
e) Interromper a assistência ao cliente, salvo por motivo relevante e com a devida justificação.
Art. 6º - O Psicólogo, ao ingressar em uma organização, deve considerar a filosofia e os padrões gerais desta,
tornando-se interdito o contrato de trabalho, sempre que normas e costumes ali vigentes contrariem sua
consciência profissional, bem como os princípios e normas deste Código.
Art. 7º - Não deve o Psicólogo, como pessoa física ou como responsável por Instituições prestadoras de serviços
em Psicologia, aceitar emprego ou tarefa, deixado por colega exonerado, ou demitido, em circunstâncias que
atinjam a dignidade da profissão e os princípios e normas do presente Código.
Parágrafo Único. A restrição contida no ―caput‖ deste artigo desaparece, caso se modifiquem as condições que
provocaram o afastamento do colega.
Art. 8º - O Psicólogo deve ter para com seus colegas a consideração e a solidariedade que fortaleçam a harmonia
e o bom conceito da classe.
Art. 9º - O Psicólogo, quando solicitado, deverá colaborar com seus colegas e prestar-lhes serviços, salvo
impossibilidade decorrente de motivo relevante.
Art. 10 – O Psicólogo não deverá, em função de espírito de solidariedade, ser conivente com erro ou
contravenção penal praticado por colega.
Art. 11 – A crítica à colega deverá ser sempre objetiva, construtiva, comprovável e de inteira responsabilidade de
seu autor.
Art. 12 – O Psicólogo não pleiteará para si emprego, cargo ou função que esteja sendo exercido por outro
Psicólogo.
Art. 13 - O Psicólogo não atenderá o cliente que esteja sendo assistido por algum colega, salvo nas seguintes
situações:
a) A pedido desse colega;
b) Em caso de urgência, nos quais dará imediata ciência ao colega;
c) Quando informado seguramente da interrupção definitiva do atendimento prestado pelo colega.
Art. 14 - O Psicólogo procurará manter bom relacionamento com outros profissionais, empenhando-se em:
a) Trabalhar dentro dos limites das atividades que lhe são reservadas pela legislação;
b) Reconhecer os casos pertencentes aos demais campos da especialização profissional, encaminhando-os às
pessoas habilitadas e qualificadas para a sua solução.
Art. 15 - O Psicólogo, perante os outros profissionais, e em seu relacionamento com eles, se empenhará por
manter elevados o conceito e os padrões de sua profissão.
Art. 16 - O Psicólogo deverá prestigiar as associações profissionais e científicas que tenham por finalidades a
defesa da dignidade e dos direitos profissionais, a difusão e o aprimoramento da Psicologia como ciência e
como profissão, a harmonia e coesão de sua categoria profissional.
Art. 17 - O Psicólogo deverá apoiar as iniciativas e os movimentos legítimos de defesa dos interesses morais e
materiais da classe, através dos seus órgãos representativos.
Art. 18 - O Psicólogo, no exercício legal de sua profissão, pode ser nomeado perito para esclarecer a justiça em
matéria de sua competência.
Parágrafo Único - O Psicólogo deve excusar-se de funcionar em perícia que escape à sua competência ou por
motivo de força maior, desde que dê a devida consideração à autoridade que o nomeou.
Art. 19 - O Psicólogo deve procurar servir, imparcialmente, à Justiça, mesmo quando um colega for parte na
questão.
Art. 20 - O Psicólogo perito deverá agir com absoluta isenção, limitando-se à exposição do que tiver
conhecimento através de exames e observações e não ultrapassando, nos laudos, a esfera de suas atribuições.
Art. 21 - O Psicólogo deverá levar ao conhecimento da autoridade que o nomeou a impossibilidade de formular
o laudo, face à recusa da pessoa que deveria ser por ele examinada.
Art. 22 - É vedado ao Psicólogo:
a) Ser perito de cliente seu;
b) Funcionar em perícia em que sejam parte parente seu até segundo grau, ou afim, amigo ou inimigo;
c) Valer-se do cargo que exerce, ou dos laços de parentesco ou amizade com autoridades administrativas ou
judiciárias para pleitear ser nomeado perito.
DO SIGILO PROFISSIONAL
Art. 23 - O sigilo, imperativo da ética profissional, protege o cliente em tudo aquilo que o Psicólogo ouve, vê ou
de que tem conhecimento, como decorrência do exercício da atividade profissional.
Art. 24 - Somente o examinado, e a critério do Psicólogo, poderá ser informado dos resultados dos exames.
Art. 25 – Se o atendimento for realizado a pedido de outrem, só poderão ser dadas informações a quem
solicitou, dentro dos limites do estritamente necessário, e com anuência do examinado.
Parágrafo 1º. É vedado ao Psicólogo remeter informações confidenciais a pessoas ou entidades que não estejam
obrigadas a sigilo por Código de Ética ou que, por qualquer forma, permitam a estranhos o acesso a essas
informações.
Parágrafo 2º. Nos casos de laudo pericial, o Psicólogo deverá tomar todas as precauções a fim de que,
servindo à autoridade que o designou, não venha a expor indevida e desnecessariamente, seu examinado.
Art. 26 – Quando o Psicólogo faz parte de uma equipe, o cliente deverá ser informado de que seus membros
poderão ter acesso a material referente ao caso.
Art. 27 – O Psicólogo evitará atender cliente menor ou impedido, sem o conhecimento de seus responsáveis.
Parágrafo Único. O sigilo profissional é válido também para o menor ou impedido, devendo ser comunicado
aos responsáveis o estritamente essencial para promover medidas em benefício do cliente.
Art. 28 – A quebra do sigilo só é admissível, quando se tratar de fato delituoso, previsto em Lei, e a gravidade
de suas consequências, para o próprio cliente ou para terceiros, possa criar para o Psicólogo o imperativo de
consciência de denunciar o fato.
Art. 29 – Para proteger o sigilo profissional, os arquivos confidenciais do Psicólogo, em caso de seu
falecimento, devem ser incinerados.
Art. 30 – Ao Psicólogo deve ser assegurada a mais ampla liberdade na realização de seus estudos e pesquisas,
bem como no ensino e treinamento, não sendo, porém, admissíveis:
a) Desrespeitar a dignidade e a liberdade de pessoas ou grupos envolvidos em seus trabalhos;
b) Promover atividades que envolvam qualquer espécie de risco ou prejuízo para seres humanos ou sofrimento
desnecessário para animais;
c) Subordinar as investigações a sectarismos que viciam o curso da pesquisa ou os seus resultados.
Art. 31 - Na publicação de trabalhos científicos, o Psicólogo deverá:
a) Citar as fontes consultadas;
b) Ater-se aos dados obtidos e neles basear suas conclusões;
c) Mencionar as contribuições de caráter profissional prestados por assistentes ou colaboradores;
d) Obter autorização expressa do autor e a ele fazer referência, quando utilizar fontes particulares ainda não
publicadas;
e) Impedir que sejam entendidos como seus trabalhos de outros autores.
Art. 32 - Nas publicações, com caráter de divulgação científica, o Psicólogo deve apresentar os assuntos com a
necessária prudência, sem qualquer caráter auto-promocional ou sensacionalista, levando em conta o bem estar
da população.
434
DA PUBLICIDADE PROFISSIONAL
Art. 38 - O Psicólogo só poderá promover, publicamente, a divulgação de seus serviços com exatidão e
dignidade, limitando-se a informar, objetivamente, suas habilitações, qualificações e condições de atendimento.
Art. 39 - É vedado ao Psicólogo:
a) Anunciar a prestação de serviços gratuitos ou a preços vis, em consultório ou serviço particular;
b) Participar como Psicólogo, de quaisquer atividades que visem à auto-promoção, através de meios de
comunicação de massa;
c) Receber ou pagar remuneração ou porcentagem por encaminhamento de clientes.
Art. 40 - Os honorários e salários devem ser fixados com dignidade e com o devido cuidado, a fim de que
representem justa retribuição por serviços prestados pelo Psicólogo, sejam acessíveis ao cliente e tornem a
profissão reconhecida pela confiança e aprovação do público.
Art. 41 - Os honorários devem obedecer a uma escala ou plano de serviços prestados e devem ser comunicados
ao cliente, antes do início do trabalho ser realizado.
Art. 42 - O Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Psicologia manterão uma Comissão de Ética para
assessorá-los na aplicação deste Código e no zelo de sua observância.
Art. 43 - As infrações a este Código de Ética Profissional poderão acarretar penalidades várias, desde a simples
advertência até o pedido de cassação da inscrição profissional, na forma dos dispositivos legais e/ou
regimentais.
Art. 44 - Cabe ao Psicólogo denunciar aos seus Conselhos qualquer pessoa que esteja exercendo a profissão sem
a respectiva inscrição, ou infringindo a legislação sobre a profissão.
Art. 45 – As dúvidas, na observância deste Código, e os casos omissos serão resolvidos pelos Conselhos
Regionais de Psicologia, ad referendum do Conselho Federal.
Art. 46 – Compete ao Conselho Federal de Psicologia firmar jurisprudência quanto aos casos omissos e fazê-
la incorporar a este Código.
Art. 47 – O presente Código poderá ser alterado pelo Conselho Federal de Psicologia, por iniciativa deste ou a
partir de proposta de Conselho Regional.
Art. 48 - Os estudantes dos cursos de Psicologia ficam obrigados à observância deste Código.
Art. 49 – Cabe aos Psicólogos docentes e supervisores, esclarecer, informar e orientar os estudantes quanto ao
cumprimento dos princípios e normas contidos neste Código.
Art. 50 - Cumprir e fazer cumprir este Código é dever de todo psicólogo.
435
acordado.
Art. 5º – O psicólogo, quando participar de Art. 16º – O psicólogo poderá participar de
greves ou paralisações, garantirá que: greves ou paralisações desde que:
a) As atividades de emergência não sejam a) não sejam interrompidos os atendimentos
interrompidas; de urgência:
b) Haja prévia comunicação da paralisação b) haja prévia comunicação da paralisação às
aos usuários ou beneficiários dos serviços pessoas em atendimento.
atingidos pela mesma.
Art. 6º – O psicólogo, no relacionamento Art. 12 – O psicólogo procurará, no
com profissionais não psicólogos: relacionamento com outros profissionais:
a) Encaminhará a profissionais ou b) reconhecer os casos pertinentes aos
entidades habilitados e qualificados demais campos de especialização profissional,
demandas que extrapolem seu campo de encaminhando-os às pessoas habilitadas e
atuação; qualificadas para sua solução.
b) Compartilhará somente informações Art. 14 – O psicólogo, atuando em equipe
relevantes para qualificar o serviço multiprofissional, resguardará o caráter
prestado, resguardando o caráter confidencial de suas comunicações,
confidencial das comunicações, assinalando a responsabilidade, de quem
assinalando a responsabilidade, de quem receber, de preservar o sigilo;
as receber, de preservar o sigilo.
Art. 7º – O psicólogo poderá intervir na Art. 11º – O psicólogo não deverá intervir na
prestação de serviços psicológicos que prestação de serviços psicológicos que
estejam sendo efetuados por outro estejam sendo efetuados por outro
profissional, nas seguintes situações: profissional, salvo nas seguintes situações:
a) A pedido do profissional responsável a) a pedido desse profissional;
pelo serviço;
b) Em caso de emergência ou risco ao b) Em caso de urgência, quando dará imediata
beneficiário ou usuário do serviço, quando ciência ao profissional;
dará imediata ciência ao profissional;
c) Quando informado expressamente, por c) Quando informado, por qualquer uma das
qualquer uma das partes, da interrupção partes, da interrupção voluntária e definitiva
voluntária e definitiva do serviço; do atendimento;
d) Quando se tratar de trabalho Idem
multiprofissional e a intervenção fizer
parte da metodologia adotada.
Art. 8º – Para realizar atendimento não Art. 2 – O psicólogo é vedado:
eventual de criança, adolescente ou i) atender, em caráter não eventual, o menor
interdito, o psicólogo deverá obter impúbere ou interdito, sem conhecimento de
autorização de ao menos um de seus seus responsáveis.
responsáveis, observadas as
determinações da legislação vigente:
§1° – No caso de não se apresentar um
responsável legal, o atendimento deverá
ser efetuado e comunicado às autoridades
competentes;
§2° – O psicólogo responsabilizar-se-á
pelos encaminhamentos que se fizerem
necessários para garantir a proteção
integral do atendido.
Art. 9º – É dever do psicólogo respeitar o
Art 3 c) em seus atendimentos, garantir
sigilo profissional a fim de proteger, por
condições ambientais adequadas à segurança
meio da confidencialidade, a intimidade da(s) pessoa(s) atendida(s), bem como a
das pessoas, grupos ou organizações, a que
privacidade que garanta o sigilo profissional.
tenha acesso no exercício profissional. Art. 21 – O sigilo profissional protegerá o
atendido em tudo aquilo que o psicólogo
ouve, vê ou de que tem conhecimento como
decorrência do exercício da atividade
profissional;
Art. 10 – Nas situações em que se Art. 27 – A quebra de sigilo só será admissível,
configure conflito entre as exigências quando se tratar de fato delituoso e a
decorrentes do disposto no Art. 9º e as gravidade de suas consequências para o
440
afirmações dos princípios fundamentais próprio atendido ou para terceiros puder criar
deste Código, excetuando-se os casos para o psicólogo o imperativo de consciência
previstos em lei, o psicólogo poderá decidir de denunciar o fato.
pela quebra de sigilo, baseando sua
decisão na busca do menor prejuízo.
Parágrafo único – Em caso de quebra do
sigilo previsto no caput deste artigo, o
psicólogo deverá restringir-se a prestar as
informações estritamente necessárias.
Art. 11 – Quando requisitado a depor em
juízo, o psicólogo poderá prestar
informações, considerando o previsto
neste Código.
Art. 12 – Nos documentos que embasam as Art. 23 – Se o atendimento for realizado por
atividades em equipe multiprofissional, o psicólogo vinculado a trabalho
psicólogo registrará apenas as informações multiprofissional numa clínica, empresa ou
necessárias para o cumprimento dos instituição ou a pedido de outrem, só poderão
objetivos do trabalho. ser dadas informações a quem as solicitou, a
critério do profissional, dentro dos limites do
estritamente necessário aos fins para que se
destina o exame.
Art. 13 – No atendimento à criança, ao Art. 26 – O sigilo profissional protegerá o
adolescente ou ao interdito, deve ser menor impúbere ou interdito, devendo ser
comunicado aos responsáveis o comunicado aos responsáveis o estritamente
estritamente essencial para se essencial para se promover medidas em seu
promoverem medidas em seu benefício. benefício.
Art. 14 – A utilização de quaisquer meios
de registro e observação da prática
psicológica obedecerá às normas deste
Código e a legislação profissional vigente,
devendo o usuário ou beneficiário, desde o
início, ser informado.
Art. 15 – Em caso de interrupção do Art. 6 – O psicólogo garantirá o caráter
trabalho do psicólogo, por quaisquer confidencial das informações que vier a
motivos, ele deverá zelar pelo destino dos receber em razão de seu trabalho, bem como
seus arquivos confidenciais. do material psicológico produzido.
§ 1° – Em caso de demissão ou exoneração, § 1° – Em caso de demissão ou exoneração, o
o psicólogo deverá repassar todo o psicólogo deverá repassar todo o material ao
material ao psicólogo que vier a substituí- psicólogo que vier a substituí-lo.
lo, ou lacrá-lo para posterior utilização pelo § 2° - Na impossibilidade de fazê-lo, o material
psicólogo substituto. deverá ser lacrado na presença de um
representante do CRP, para somente vir a ser
utilizado pelo Psicólogo substituto,
quando,então, será rompido o lacre, também
na presença de um representante.
§ 2° – Em caso de extinção do serviço de § 3° – Em caso de extinção do serviço
Psicologia, o psicólogo responsável psicológico, os arquivos serão incinerados
informará ao Conselho Regional de pelo profissional responsável, até aquela data,
Psicologia, que providenciará a destinação por este serviço, na presença de um
dos arquivos confidenciais. representante do CRP.
Art. 16 – O psicólogo, na realização de Art. 30 – Ao psicólogo, na realização de seus
estudos, pesquisas e atividades voltadas estudos e pesquisas, bem como no ensino e
para a produção de conhecimento e treinamento, é vedado:
desenvolvimento de tecnologias:
a) Avaliará os riscos envolvidos, tanto pelos b) promover atividades que envolvam
procedimentos, como pela divulgação dos qualquer espécie de risco ou prejuízo a seres
resultados, com o objetivo de proteger as humanos ou sofrimentos desnecessários para
pessoas, grupos, organizações e animais;
comunidades envolvidas;
b) Garantirá o caráter voluntário da d) conduzir pesquisas que interfiram na vida
participação dos envolvidos, mediante dos sujeitos, sem que estes tenham dado a
441
consentimento livre e esclarecido, salvo seu livre consentimento para delas participar
nas situações previstas em legislação e sem que tenham sido informados de
específica e respeitando os princípios deste possíveis riscos a elas inerentes.
Código;
c) Garantirá o anonimato das pessoas, Art. 32 – Em todas as comunicações científicas
grupos ou organizações, salvo interesse ou divulgação para o público de resultados de
manifesto destes; pesquisa, relatos ou estudos de caso, o
psicólogo omitirá e/ou alterará quaisquer
dados que possam conduzir à identificação da
pessoa ou instituição envolvida, salvo
interesse manifesto destas.
d) Garantirá o acesso das pessoas, grupos Art. 30
ou organizações aos resultados das Parágrafo Único: Fica resguardado às pessoas
pesquisas ou estudos, após seu envolvidas o direito de ter acesso aos
encerramento, sempre que assim o resultados das pesquisas ou estudos, após seu
desejarem. encerramento, sempre que assim o
desejarem.
Art. 17 – Caberá aos psicólogos docentes
ou supervisores esclarecer, informar,
orientar e exigir dos estudantes a
observância dos princípios e normas
contidas neste Código.
Art. 18 – O psicólogo não divulgará, Art. 35 – Idem
ensinará, cederá, emprestará ou venderá a
leigos instrumentos e técnicas psicológicas
que permitam ou facilitem o exercício
ilegal da profissão.
Art. 19 – O psicólogo, ao participar de Art. 36 – O psicólogo utilizará dos meios de
atividade em veículos de comunicação, comunicação, no sentido de tornar
zelará para que as informações prestadas conhecidos do grande público os recursos e
disseminem o conhecimento a respeito das conhecimentos técnico-científicos da
atribuições, da base científica e do papel psicologia.
social da profissão.
Art. 20 – O psicólogo, ao promover
publicamente seus serviços, por quaisquer
meios, individual ou coletivamente:
a) Informará o seu nome completo, o CRP e Art. 37 – O psicólogo, ao promover
seu número de registro; publicamente seus serviços, informará com
exatidão seu número de registro, suas
habilidades e qualificações, limitando-se a
estas.
b) Fará referência apenas a títulos ou Art. 2 – Ao psicólogo é vedado:
qualificações profissionais que possua; a) usar títulos que não possua;
c) Divulgará somente qualificações,
atividades e recursos relativos a técnicas e
práticas que estejam reconhecidas ou
regulamentadas pela profissão;
d) Não utilizará o preço do serviço como Art. 38 – É vedado ao psicólogo:
forma de propaganda; a) utilizar o preço do serviço como forma de
propaganda;
e) Não fará previsão taxativa de resultados; Art. 38 – É vedado ao psicólogo:
c) fazer previsão taxativa de resultados;
f) Não fará autopromoção em detrimento Art. 38 – É vedado ao psicólogo:
de outros profissionais; g) fazer autopromoção em detrimento de
outros profissionais;
g) Não proporá atividades que sejam Art. 38 – É vedado ao psicólogo:
atribuições privativas de outras categorias e) propor atividades não previstas na
profissionais; legislação profissional, como função do
psicólogo;
h) Não fará divulgação sensacionalista das
atividades profissionais.
442