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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Educação e Humanidades


Instituto de Psicologia

Marcia Ferreira Amendola

Vidas Impressas:
as práticas psicológicas de avaliação e o agir ético

Rio de Janeiro
2012
Marcia Ferreira Amendola

Vidas Impressas:
as práticas psicológicas de avaliação e o agir ético

Tese de Doutoramento apresentada ao Programa


de Pós-Graduação Psicologia Social da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro como
requisito parcial para obtenção do Título de
Doutor em Psicologia Social.

Orientador: Profª. Drª. Leila Maria Torraca De Brito

Rio de Janeiro
2012
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CEH/A

A511 Amendola, Marcia Ferreira.


Vidas Impressas: as práticas psicológicas de avaliação e o agir ético/ Marcia
Ferreira Amendola. – 2012.
446 f.

Orientadora: Leila Maria Torraca de Brito.


Tese (Doutorado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Instituto de Psicologia.

1. Psicologia – Teses. 2. Ética – Teses. 3. Crime sexual contra as crianças –


Investigação – Teses. I. Brito, Leila Maria Torraca de. II. Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Psicologia. IV. Título.

es CDU 159.9:174

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
Tese.

___________________________________ _______________
Assinatura Data
Marcia Ferreira Amendola

Vidas Impressas:
as práticas psicológicas de avaliação e o agir ético

Tese de Doutoramento apresentada ao Programa


de Pós-Graduação Psicologia Social da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro como
requisito parcial para obtenção do Título de
Doutor em Psicologia Social.

Aprovada em 6 de julho de 2012

Banca Examinadora:

______________________________________
Profª Drª Leila Maria Torraca de Brito
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

______________________________________
Profª Drª Ariane Patrícia Ewald
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

______________________________________
Profª Drª Hebe Signorini Gonçalves
Universidade Federal do Rio de Janeiro

______________________________________
Prof. Dr. Pedro Paulo Gastalho Bicalho
Universidade Federal do Rio de Janeiro

______________________________________
Drª Lygia Santa Maria Ayres
Universidade Federal Fluminense - Conselho Regional de Psicologia/RJ

Rio de Janeiro
2012
DEDICATÓRIA

Às gerações presentes e futuras.


Aos meus meninos.
AGRADECIMENTOS

São muitas as pessoas a quem devo meus sinceros agradecimentos. Sem a ajuda desses
familiares, amigos, professores, conhecidos e desconhecidos, talvez, essa etapa da minha
jornada não tivesse se concluído.
À Leila Maria Torraca de Brito, por ser mais que uma orientadora e apostar, até o fim,
com muita dedicação, na realização desse sonho-desafio. E aos amigos do grupo
parentalidade, pelo incentivo, em especial, à Analícia de Sousa, amiga de pesquisa que se
tornou comadre, parceira e instigadora.
Aos professores Ariane Ewald, Jorge Coelho, Heliana Conde, Marisa Rocha, Anna
Uziel, Ana Jacó-Vilela, Lygia Ayres, pelas contribuições e incentivo.
Aos professores Pedro Paulo Bicalho, Hebe Gonçalves, Ariane Ewald, Lygia Ayres,
Jorge Coelho e Andréia Cardoso, por aceitarem o convite para integraram a banca de
avaliação. É uma verdadeira honra poder compartilhar esse trabalho e receber as contribuições
que, certamente, enriquecem e estimulam o pensamento.
Aos amigos conquistados no espaço de trabalho do CRP-RJ/COE, que foram muitos,
que não só autorizaram a pesquisa, mas confiaram na minha capacidade para tratar de um
assunto tão delicado como os processos éticos com o respeito e a seriedade que merece.
Ao CRP de São Paulo e ao Conselho Federal de Psicologia, por atenderem às minhas
solicitações com prontidão e gentileza.
Ao Eduardo Marinho, pelos nossos preciosos encontros.
Às queridas amigas do HUPE, Catarine, Fernanda, Elaine, Simone, Flávia, Daisy e
Marília, pelas alegrias e parceria.
À minha amada família, André, Vitor e ao pequeno Guigui.
Aos meus pais, Clarice e Cesar, que doaram parte de suas vidas para que eu pudesse
simplesmente viver e aos meus sogros e família ampliada, pelo apoio e palavras de conforto
nas horas difíceis.
Aos meus alunos dos cursos de psicodiagnóstico da Escola Preparatória, de
especialização em Terapia de Família do Instituto de Gestalt Terapia, de extensão em
Psicologia Jurídica e do curso livre de escrita psicológica, sem saber, suas dúvidas e
comentários se transformaram em reflexão e matéria-prima para minhas análises.
Aos alunos e futuros colegas de profissão do curso de graduação da UERJ, por
ouvirem atentamente minhas ideias e me darem a dica que eu estava indo em um caminho
possível.
Agradeço aos pais, mães, filhos, avós e as psicólogas que, de certo modo, contribuíram
com suas vidas impressas; espero que este trabalho seja uma contribuição para outros modos
de ser e viver.
Os Estatutos do Homem
(Ato Institucional Permanente)
A Carlos Heitor Cony

Artigo III
Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV
Fica decretado que o homem não precisará nunca mais duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar, como o ar confia no campo azul do céu.

Artigo V
Fica decretado que os homens estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.

Artigo IX
Fica permitido que o pão de cada dia tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que, sobretudo tenha sempre o quente sabor da ternura.

Artigo XIII
Fica decretado que o dinheiro não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo, o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar e a festa do dia que chegou.

Artigo Final.
A partir deste instante a liberdade será algo vivo e transparente como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre o coração do homem.

Thiago de Mello
Santiago do Chile, abril de 1964
RESUMO

AMENDOLA, Marcia Ferreira. Vidas Impressas: as práticas psicológicas de avaliação e o


agir ético. 2012. 446f. Tese (Doutorado em Psicologia Social) – Instituto de Psicologia,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.

A tese originou-se da constatação, na pesquisa de Mestrado intitulada Psicólogos no


Labirinto das Acusações, de que alguns pais acusados de cometerem abuso sexual contra seus
filhos e que haviam sido excluídos do processo de avaliação psicológica, estavam
denunciando os profissionais em seus Conselhos de Classe em função de documentos
psicológicos elaborados com fins jurídicos. No período, o Conselho Federal de Psicologia
(CFP) juntamente com alguns Conselhos Regionais observaram um aumento no número de
denúncias contra psicólogos em razão dessa mesma prática. No ano de 2011, o CFP instituiu
o Ano Temático da Avaliação Psicológica, marcando a necessidade de discutir a questão,
especialmente devido ao crescimento da demanda pela avaliação psicológica nos mais
variados contextos. Mediante este panorama, esta tese se constitui no resultado da análise do
discurso de seis Processos Disciplinares Éticos (PDE) instaurados pelo Conselho Regional de
Psicologia do Rio de Janeiro no período compreendido entre 1999 e 2004, cujo objeto de
denúncia foi o documento psicológico decorrente de avaliação em casos de alegação de abuso
sexual contra criança. Pelo viés da Análise do Discurso (AD) de origem francesa, objetivou-se
analisar as diversas materialidades discursivas e seus efeitos de sentido produzidos em
determinadas condições sócio-históricas e ideológicas. Optou-se por organizar os discursos
em quatro grandes tipos, adotando, por critério: (1) o discurso impresso nos documentos
psicológicos, (2) o discurso do denunciante, (3) o da defesa, (4) e o da instituição CRP/COE.
O trabalho foi ancorado na abordagem sócio-histórica e apropriou-se das discussões de muitos
autores para fundamentar as análises propostas, a começar, pela avaliação psicológica no
percurso da Psicologia no Brasil até os dias de hoje para pensar na formação profissional.
Seguiu-se às discussões, a problematização da temática ética e ética aplicada à Psicologia,
para se falar do funcionamento da Comissão de Orientação e Ética do CRP-RJ,
contextualizando suas práticas em relação a determinados acontecimentos, como a origem dos
Códigos de Ética Profissional e a intervenção do CFP no CRP-RJ. Conclui-se que os
discursos/práticas psicológicos aqui analisados indicaram uma forma acrítica com que as
psicólogas acolheram a demanda pela avaliação de crianças com suspeita de abuso sexual,
havendo elaborado documentos com fins jurídicos. Igualmente, uma falta de criticidade em
relação ao papel do profissional frente à demanda, produzindo práticas mescladas de
avaliação e psicoterapia, cujos efeitos geraram o afastamento de pais e filhos, bem como
destes de seus parentes próximos, em nome da proteção da criança. Revelou-se o exercício de
um modelo de avaliação psicológica hermético, voltado para a busca de uma pretensa
verdade, revelação e confirmação do abuso, além do estabelecimento da culpabilidade do
suposto agressor, pautado em sintomas, em traços de personalidade e na palavra da criança,
que produziram vítimas e agressores apartados das complexas relações entre os sujeitos e seu
contexto sócio-histórico e cultural.

Palavras-chave: Psicologia. Avaliação Psicológica. Ética. Processo Disciplinar Ético.


Formação profissional.
ABSTRACT

The thesis came out from the results presented on the master degree research called
Psychologists in the Accusations Labyrinth, where some fathers accused of committing sexual
abuse against their children and excluded of the psychological evaluation process were
speaking out the professionals on the Brazilian Regional Councils about the documents‘
development. During this time, the Brazilian Psychology Federal Council (CFP) along with
some Regional Councils have noticed an increase in the amount of complaints against
psychologists because of this same practice. In 2011, the CFP established the Psychological
Evaluation Year, where the discussion of this issue was settled. This thesis is the speech
analysis result of six Ethics Disciplinary Process (PDE) established by the Rio de Janeiro
Psychology Regional Council between 1999 and 2004, whose denounce object was the
psychological evaluation document in cases of claimed sexual abuse against children. By the
French Speech Analysis, this research aimed to analyze the discursive materiality and its
effects of meaning produced in certain socio-historical and ideological conditions. It was
decided to organize the speeches in four major types. The work was based on the socio-
historical approach and took the discussions of several authors to support the proposed
analyzes. The performance of a hermetic psychological evaluation model became evident,
focused on the search for a pretentious truth, revelation and confirmation of abuse and
establishing the guilt of the alleged offender, based on symptoms, personality traits and the
child‘s speech, who produced both victims and perpetrators apart of the complex relationships
among individuals and their socio-historical and cultural context.

Keywords: Psychology. Psychological evaluation. Ethics. Ethical Disciplinary Process.


Professional education.
RESUMÉ

La thèse découle de la constatation dans la recherche des psychologues de maîtrise, le


Labyrinthe des accusations, que certains parents accusés d'avoir commis les abus sexuels
contre les enfants et leurs avaient été exclus du processus d'évaluation, ont été pour dénoncer
les professionnels dans leur classe de conseils en fonction de la préparation de documents. Au
cours de la période, le Conseil Fédéral de Psychologie (CFP) avec quelques conseils
régionaux ont observé une augmentation du nombre de plaintes déposées contre des
psychologues à cause de cette même pratique. En 2011, le CFP a créé le thème de l'Année
évaluation psychologique, marquant la nécessité de discuter de la question, surtout avec la
croissance de la demande pour une évaluation psychologique dans des contextes différents.
Sur ce fond, cette thèse est le résultat de l'analyse du discours de six éthique procédures
disciplinaires (PDE) établies par le Conseil régional de psychologie de Rio de Janeiro dans la
période comprise entre 1999 et 2004, dont l'objet était de dénoncer le document en raison
d'une évaluation psychologique dans les cas de violence sexuelle présumée contre les enfants.
Le point de vue de l'analyse du discours (AD) d'origine française, visait à analyser la
matérialité discursive et de ses différents effets de sens produits dans certaines catégories
socio-historique et idéologique. Il a été décidé d'organiser des interventions dans quatre
grands types. Le travail a été ancrée dans l'approche socio-historique et d'appropriation des
discussions de nombreux auteurs à l'appui de la proposition de l'analyse. La performance d'un
modèle d'évaluation psychologique hermétique est devenu évident, axée sur la recherche
d'une supposée vérité, la révélation et la confirmation de la violence et d'établir la culpabilité
de l'auteur présumé, basé sur les symptômes, traits de personnalité et le mot de l'enfant, qui a
produit les deux victimes et les auteurs en dehors les relations complexes entre les individus
et leur situation socio-historiques et culturels.

Mots-clés: Psychologie. Évaluation psychologique. Ethique. Éthique procédures


disciplinaires. Formation.
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Comparação entre Resoluções CFP Nº 02/1987 e Nº 08/2010 ...... 235


Tabela 2 - Comparação entre as Resoluções CFP Nº 010/2005 e 008/2010 ... 236
Tabela 3 - Comparação entre as Resoluções CFP Nº 010/2005 e 008/2010 ... 237
Tabela 4 - O Trabalho da Comissão de Ética – CRP-SP (2005-2011) ............ 275
Tabela 5 - O Trabalho da Comissão de Ética – CRP-PR (2004-2006) ............ 275
Tabela 6 - Decisão em 1ª instância e recurso ao CFP....................................... 289
Tabela 7 - Atividades com maior concentração de denúncias ......................... 298
Tabela 8 - Distribuição de ocorrência e de percentual das infrações éticas
por conjuntos temáticos .................................................................. 299
Tabela 9 - PDE com documento psicológico ................................................... 316
Tabela 10 - PDE selecionados para análise ....................................................... 318
Tabela 11 - Documentos contidos nos PDE ...................................................... 320
Tabela 12 - Personagens ou autores dos discursos ............................................ 322
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Imagem 1 - Mito de Procusto .............................................................................. 20


Imagem 2 - Cupido e Psyché ............................................................................... 33
Imagem 3 - Panóptico .......................................................................................... 42
Imagem 4 - Curva Simétrica de Distribuição Normal ......................................... 50
Imagem 5 - Pequeno Príncipe .............................................................................. 51
Imagem 6 - Pequeno Príncipe .............................................................................. 51
Imagem 7 - Ato Médico ....................................................................................... 178
Imagem 8 - Conselheiros eleitos (Gestão 2007-2010) ........................................ 271
Imagem 9 Fluxograma - Etapa de Representação ............................................. 278
Imagem 10 - Fluxograma – Fase Processual ......................................................... 286
Imagem 11 - Fluxograma: Etapa de Julgamento ................................................... 288
Gráfico 1 - Recursos ao CFP............................................................................... 292
Gráfico 2 - Decisão de Aplicação de Penalidade pelos CRPs............................. 292
Gráfico 3 - Decisão do Recurso junto ao CFP..................................................... 293
Gráfico 4 - Decisão do CRP mantida pelo CFP................................................... 294
Imagem 12 - Alice e Humpty Dumpty .................................................................. 304
Imagem 13 - Psicojuiz ........................................................................................... 337
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABEP – Associação Brasileira de Ensino de Psicologia


ABP – Associação Brasileira de Psicólogos
ABRAPSO – Associação Brasileira de Psicologia Social
ANPEPP – Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia
ASBRo – Associação Brasileira de Rorschach e Métodos Projetivos
APAF – Assembleia das Políticas, Administração e das Finanças
CBO – Classificação Brasileira de Ocupações
CEPP – Código de Ética do Profissional Psicólogo
CFE – Conselho Federal de Educação
CFP – Conselho Federal de Psicologia
CI – Comissões de Instrução de Processos Disciplinares Éticos
CNH – Carteira Nacional de Habilitação
COE – Comissão de Orientação e Ética
CoE – Comissão de Ética
COF – Comissão de Orientação e Fiscalização
CONTRAN – Conselho Nacional de Trânsito
CPD – Código de Processamento Disciplinar
CREPOP – Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas
CRP – Conselho Regional de Psicologia
CRP-RJ – Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro
CRP-SP – Conselho Regional de Psicologia de São Paulo
GT – Grupo de Trabalho
IBAP – Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica
IBRAPSI – Instituto Brasileiro de Psicanálise, Grupos e Instituições
IES – Instituição de Ensino Superior
ISOP – Instituto de Seleção e Orientação Profissional
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC – Ministério da Educação e Cultura
PDE – Processo Disciplinar Ético
SATEPSI – Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos
SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
SESu/MEC – Secretaria de Ensino Superior do Ministério da Educação
SPSP – Sociedade de Psicologia de São Paulo
SUS – Sistema Único de Saúde
OIT – Organização Internacional do Trabalho
TJRJ – Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
TJSP – Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................... 16
1 AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA NO BRASIL .................................................. 29
1.1 Por que falar em Avaliação Psicológica?........................................................... 29
1.2 Preparando o solo: algumas influências na produção do conhecimento
psicológico no Brasil ............................................................................................ 33
1.3 Medir, Testar, Classificar: aplicando o saber psicológico ............................... 47
1.4 Consolidando a Psicologia no Brasil: algumas considerações e
problematizações ................................................................................................. 61
1.4.1 Rumo à regulamentação ........................................................................................ 61
1.4.2 Formar é preciso: caminhos para a formação profissional .................................... 72
1.4.3 A mercantilização do ensino e a demanda por técnicos e especialistas: avaliação
psicológica em perspectiva .................................................................................... 103
1.5 Avaliação psicológica em foco: noções, ações, implicações .............................. 131
1.5.1 Noções ................................................................................................................... 131
1.5.2 Ações ..................................................................................................................... 145
1.5.3 Implicações ............................................................................................................ 172
2 DISCUSSÕES SOBRE ÉTICA E O CÓDIGO DE ÉTICA ............................ 185
2.1 Discussões sobre Ética ......................................................................................... 185
2.2 Discussões sobre e em torno do Código de Ética .............................................. 207
2.3 Desmembrando para Objetivar - A Força das Resoluções e Referências
Técnicas ................................................................................................................ 233
2.4 O trabalho da Comissão de Ética do CRP-RJ .................................................. 261
2.4.1 Contando uma história .......................................................................................... 261
2.4.2 Os trâmites processuais: a Comissão de Orientação de Ética em ação ................. 273
2.5 Quem é o psicólogo brasileiro denunciado? ...................................................... 295
3 PESQUISA ........................................................................................................... 302
3.1 A escolha do caminho .......................................................................................... 302
3.2 A construção da pesquisa ................................................................................... 308
3.3 A amostra ............................................................................................................. 315
3.4 O método .............................................................................................................. 319
3.5 Apresentação dos personagens ou autores dos discursos por PDE ................ 322
3.6 Vidas Impressas: análise dos discursos nos documentos psicológicos ............ 324
3.7 Denúncia: o consumo de direitos ....................................................................... 339
3.8 Defesa: discurso técnico-científico ..................................................................... 351
3.9 Tribunal Regional de Ética: Discursos Jurídico-Disciplinares ....................... 366
4 ÚLTIMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE AS PRÁTICAS 378
PSICOLÓGICAS DE AVALIAÇÃO E O AGIR ÉTICO ...............................
REFERÊNCIAS .................................................................................................. 387
APÊNDICE A - Ofício à Presidente da Comissão de Ética do CRP-RJ ............ 425
ANEXO A - Código de Ética Profissional do Psicólogo ...................................... 427
ANEXO B - Código de Ética Profissional do Psicólogo ...................................... 431
ANEXO C – Equivalência dos Códigos de Ética Profissional do Psicólogo ....... 435
ANEXO D – Ofício CRP-05 nº 360/2009-COE ................................................... 443
ANEXO E – Ofício nº 1713-09-CT-CFP ............................................................. 446
16

INTRODUÇÃO

Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido.
Eu não: quero é uma verdade inventada.
Clarice Lispector (1980, p.22)

―Vidas Impressas‖, título desta tese de doutorado, nasceu após muito refletir acerca
das considerações e contribuições feitas pela banca de qualificação do projeto de pesquisa 1
composta pelas professoras doutoras Ana Maria Jacó-Vilela e Lygia Santa Maria Ayres. O
título pretende resgatar e manter viva a fala de uma pessoa que foi falsamente acusada de
abusar sexualmente do filho. Em conversa informal durante o período em que concluía a
dissertação de Mestrado em Psicologia Social junto ao Programa de Pós-Graduação da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), esta pessoa interrogou, em tom de
indignação, como um psicólogo poderia acusar alguém de tão grave crime sem ao menos
ouvi-la? Como poderia falar de sua personalidade e de sua vida sem conhecê-la? Por fim, e
entre lágrimas, disse que era a vida de pessoas que estava em jogo; vidas que ficavam
impressas em um papel – referindo-se ao laudo psicológico –, que seria entregue às mãos da
Justiça para que, fundamentados naquele documento, juízes pudessem decidir sobre o destino
de pais, mães e filhos. Investida desses sentimentos, entrou com denúncia junto ao Conselho
Regional de Psicologia, naquela mesma época, contra o profissional que elaborou o referido
laudo, levantando estes e outros questionamentos para que o Conselho tomasse as devidas
providências.
Passados quatro anos sem poder estar com a criança, às voltas com o processo judicial
(em que era ré) e o processo ético (em que era representante), encontrava-se afastada do
trabalho, em tratamento psiquiátrico para depressão, em acompanhamento psicológico, além
de ter vendido a própria casa para pagar o advogado. Oito anos após a acusação (2009), não
obstante tenha sido considerada inocente, não conseguia ―visitar‖ o filho em razão da decisão
judicial em segunda instância exarada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
(TJRJ) em 2007, conforme transcrição abaixo:

1
O título do projeto de pesquisa ―Vidas em Papel‖ foi alterado pois, segundo informação de Ayres durante a
qualificação, existe uma monografia de graduação intitulada ―Vidas de papel‖. Ficou acordado, desta forma, que
seria de bom tom alterar o título na tese.
17

Família. Ação de destituição do pátrio poder movida pelo Ministério Público, na qual se alega
prática de abusos sexuais por parte [...] [do réu] em relação a seu filho menor. [...] A presente
demanda encerra um incontrolável conflito familiar, como sempre desencadeado pelos adultos
a projetar efeitos nos filhos menores e indefesos. A questão relativa à destituição do pátrio
poder ficou definitivamente decidida com improcedência proclamada na sentença recorrida,
sem que houvesse recurso. [...] Lamentavelmente, os processos que envolvem denúncia de
abuso sexual têm sua gênese em laudos elaborados pela FIA, órgão que não se preocupa com
nada mais, a não ser com a versão do denunciante. [...] O estudo social indica que o menor
[...] mantém equilíbrio, sendo que, por outro lado, carrega ele [...] um sentimento de medo [...]
[do réu], já consolidado ao longo desses anos de litígio. Ora, se o pedido foi para destituição
de pátrio poder, não está inibido o julgador de restringir a visitação por ora. Afinal, quem
pode o mais, pode o menos. Todavia, por ora, não nos parece razoável impor-se uma
proibição de visitação [...]. É que mantido que está o menor sob o poder familiar [...] [do réu],
poderá exercer o direito de visitação, só que isso deve ocorrer quando espontaneamente o
filho externar tal desejo. Essa postura será alcançada se conscientizados estiverem os adultos
de que o amadurecimento saudável do menor estará sempre a depender de um esforço comum
no sentido de aceitarem uma assistência psicoterápica rigorosamente específica, técnica e
competente. Apelo parcialmente provido2.

Como é possível ler, a decisão judicial aponta para algumas direções: embora esta
lamente que o laudo emitido pela referida instituição tenha se fundamentado apenas na
acusação e reconheça a existência de um litígio familiar, entende que, como a criança sente
medo do genitor acusado, o direito à visitação só pode ser exercido mediante o desejo
espontâneo da mesma.
Conhecendo este e tantos outros casos de pessoas que foram falsamente acusadas de
abusar sexualmente de seus filhos no contexto da separação litigiosa que realizei a
mencionada pesquisa de Mestrado intitulada Psicólogos no Labirinto das Acusações
(AMENDOLA, 2006), sob orientação da Profª Drª. Leila Maria Torraca de Brito – publicado
posteriormente pela editora Juruá Psicologia, no ano de 2009, com o título de Crianças no
Labirinto das Acusações. Meu objetivo era ―compreender como esses profissionais
[psicólogos], que atuam em instituições de referência na avaliação de casos de suspeita de
abuso sexual contra criança, desempenham suas atividades‖ (AMENDOLA, 2009a, p.154).
Neste trabalho, analisei o conteúdo de questionários enviados por correio eletrônico a
dez pais3 acusados de abusar sexualmente dos filhos. Desse material, coletei informações que
contribuíram na elaboração de um roteiro de entrevista, posteriormente realizada com os
psicólogos. Ao todo, foram entrevistados cinco psicólogos que atuavam em instituições4 de

2
Processo Nº: 0064635-73.2009.8.19.0000 Disponível em <http://tjrj.jus.br>. Acesso em 30 set. 2009. Algumas
partes do texto foram omitidas para preservar a identidade do réu e da criança.
3
Cabe esclarecer que a mãe é o genitor que detém a guarda dos filhos na maior parte dos casos, tornando-se o
principal responsável pela denúncia de abuso sexual contra a criança.
4
Instituições que foram convidadas a participar da pesquisa: Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção
à Infância e Adolescência (ABRAPIA); Centro de Atendimento a Crianças e Adolescentes Vitimados (CACAV);
Clínica da Violência; Conselhos Tutelares; Fundação para a Infância e Adolescência (FIA); Programa Sentinela
(atualmente municipalizado com o nome de SECABEXS – Serviço de Combate ao Abuso e a Exploração Sexual
de Crianças e Adolescentes); Vara de Família da Comarca da Capital.
18

referência para atendimentos em casos de suspeita de abuso sexual contra crianças situadas na
cidade do Rio de Janeiro.
Dentre as informações prestadas, o aspecto de maior relevância à pesquisa estava no
fato de que a maior parte dos profissionais destinava sua atuação exclusivamente à avaliação
psicológica de crianças sem a participação do suposto abusador, embora os laudos fossem
oferecidos à Justiça como uma prova técnica conclusiva sobre a matéria em análise: a
ocorrência ou não do abuso sexual, incluindo a indicação de autoria do mesmo.
A exclusão do acusado nas avaliações desencadeava uma variedade de
desdobramentos, dentre eles: o afastamento de pais acusados de abusar sexualmente de seus
filhos como medida de proteção; o questionamento acerca da fidedignidade dos resultados da
avaliação e, por extensão, da credibilidade dos laudos e das técnicas empregadas, diante da
parcialidade evidente.

Foi possível verificar, assim, congruências nas informações prestadas tanto pelos pais quanto
pelos psicólogos, a começar pelo fato de o pai acusado, muitas vezes, ser excluído do
processo de avaliação psicológica, o que gera uma série de repercussões, desde a parcialidade
do trabalho do profissional, até a contestação desses laudos psicológicos pelos pais acusados.
Nesse caso, estes se veem diante de uma engrenagem que opera a partir de uma lógica de
acusação, sentenciados sem serem ouvidos. De modo que passam a solicitar ao juízo a
realização de novas e repetidas avaliações das crianças, dentre as quais também solicitam a
própria inclusão, o que remete a outro elemento constatado em nossa pesquisa: a
multiplicidade de laudos psicológicos em um mesmo processo de investigação de suspeita de
abuso sexual contra crianças (AMENDOLA, 2009a, p.174).

Essa intensa produção de documentos psicológicos, por vezes contraditórios,


demonstrou a existência e manutenção de um modelo de atendimento psicológico peculiar
que, além de excluir os pais acusados sob a alegação de que a situação poderia trazer risco aos
profissionais, valorizaria a palavra da criança em sua condição de vítima. Neste caso, o
modelo de avaliação psicológica, predominantemente empregado pelos profissionais, operaria
segundo o princípio de uma lógica de acusação, no qual prevalece a busca pela revelação e
confirmação do abuso sexual presumido.

O olhar que busca por indícios de abuso sexual na criança, intrínseco ao funcionamento desse
modelo, tem feito com que os psicólogos apresentem certa dificuldade para perceber a
existência de uma falsa alegação de abuso sexual, até mesmo um ceticismo – a menos que as
próprias crianças sinalizem que foram instruídas pelas mães a mentir –, como admitiram
alguns psicólogos entrevistados (AMENDOLA, 2009a, p.176).

Ao utilizar a palavra modelo, refiro-me a uma construção intelectual que está baseada
―na crença de que existe uma relação de analogia entre o que conhecemos e o que desejamos
19

conhecer‖ (ALVES, 2005b, p.52-53). Desta forma, um modelo teórico de trabalho ou de


atendimento refere-se a um constructo teórico, teorias ou pressupostos que têm por finalidade
guiar a ação do profissional, visando à explicação e fundamentação do processo de trabalho,
bem como a resolução de problemas à luz dessas teorias.
Por conseguinte, teoria e prática se relacionam, conforme propõe Deleuze na entrevista
Os intelectuais e o poder – conversa entre Michel Foucault e Gilles Deleuze (FOUCAULT,
2004a, p.71):

É por isso que a teoria não expressará, não traduzirá, não aplicará uma prática; ela é uma
prática. [...] Uma teoria é como uma caixa de ferramentas. Nada tem a ver com o
significante... É preciso que sirva, é preciso que funcione. E não para si mesma. Se não há
pessoas para utilizá-la, a começar pelo próprio teórico que deixa então de ser teórico, é que
ela não vale nada ou que o momento ainda não chegou. Não se refaz uma teoria, fazem-se
outras; há outras a serem feitas.

Entendendo os modelos teóricos como ferramenta, eles devem servir para o propósito
pelos quais foram criados. Neste caso, quando um profissional realiza uma avaliação
psicológica, está colocando em prática uma caixa de ferramentas específica a qual considera
que irá servir ou funcionar de acordo com o esperado para aquele fim. Ao compreender que
obteve êxito em sua atividade, a partir do emprego de determinada ferramenta teórica e
metodológica, um psicólogo, por exemplo, poderá conferir credibilidade à mesma, julgando-a
verdadeira ou correta. Uma conclusão que, apesar de lógica, limita-se apenas às partes
conhecidas da relação analógica (o que se conhece e o que se deseja conhecer). Mas, resta a
pergunta: e quanto à parte desconhecida?
Se ―conhecer é reduzir o desconhecido ao conhecido‖ (ALVES, 2005b, p.50), no caso
de o profissional psicólogo ficar restrito ao alcance das informações prestadas pela criança e
pelo genitor responsável (a mãe), excluindo o pai acusado do processo, não irá,
necessariamente, restringir a análise aos termos conhecidos: a palavra da criança e a da mãe?
Enquanto a palavra do pai permanecer desconhecida, tal modelo teórico será considerado
exitoso, porém inadequado para os casos de falsas alegações de abuso sexual, pois obterá por
resultado a confirmação do abuso sexual alegado.
20

Nesse rumo, os modelos teóricos são


resguardados ―por seu êxito, não por sua verdade‖
(JAPIASSU, 1996, p.92). Significa dizer que, em
virtude de uma ―vontade de verdade‖ (FOUCAULT, Imagem 1 - Mito de Procusto

2006, p.17), alguns profissionais parecem sustentar Um dos malfeitores chamava-se Procusto
e tinha um leito de ferro, no qual
ações pautadas em certos pressupostos apenas em costumava amarrar todos os viajantes que
lhe caíam nas mãos. Se eram menores que
função dos resultados obtidos (e desejados, o leito, ele lhes pichava as pernas e, se
idealizados), como, por exemplo, indicar a ocorrência fossem maiores, cortava a parte que
sobrava. Teseu castigou-o, fazendo com
de violência sexual contra crianças apenas pela escuta ele o que fazia com os outros.

da vítima. Toda e qualquer refutação à teoria, ao invés Bulfinch (2002, p.184)


de permitir a criação de outras, como propôs Deleuze
é, por vezes, previamente desqualificada pelos profissionais, enquanto novas confirmações
são emitidas, ―interpretando todo elemento novo em seus próprios termos‖ (ALVES, 2005b,
p.101). Assim, os elementos estranhos ao corpo teórico ou são abandonados, considerados
perturbações irrelevantes ou são integrados a este último, passando a ser interpretados e
categorizados, conservando intacta a universalidade da afirmação teórica.
Tal situação lembra o Mito de Procusto5: em nome do funcionamento de determinado
modelo de atuação, os conhecimentos produzidos sobre a vida das pessoas são adaptados às
orientações teóricas (à semelhança do leito de ferro de Procusto), seja excluindo parte das
histórias que destoam desta teoria para não lhe causar descrédito, seja criando análises e
fazendo especulações, a fim de dar ênfase ao foco de interesse do pesquisador/profissional.
Entendendo teoria como sendo ―enunciados acerca do comportamento dos objetos de
interesse do cientista [...] [que] é uma pessoa que sabe usar as redes teóricas para apanhar as
entidades que lhe interessam‖ (ALVES, 2005b, p.99). Muitas teorias e modelos utilizados
pela Psicologia, a despeito de haverem surgido em diferentes conjunturas históricas, a partir
de interesses sociais e políticos específicos, tendem a ser aceitos como lentes universais e
assépticas capazes de enxergar qualquer realidade (MALUF, 1994).

5
Ao longo da tese, haverá palavras marcadas em negrito. Estas fazem referência a uma conversa paralela
disposta em caixas de texto laterais, sob a forma de poesias, contos, músicas, bem como dados históricos,
normativas, que considerei relevante para a diversificação do pensamento.
21

Este o ―grande perigo‖, conforme anuncia Hábito

Feijóo (2001, p.189), pois as teorias têm a pretensão [...] Tem a ver com superar o confortável
espírito de rebanho: formar e sustentar
de oferecer receitas universalmente válidas, criando opiniões próprias. Não com viver
desdenhosamente à margem, mas enfrentar
―hábitos mentais‖ (ALVES, 2005b, p.130). O homem
o risco de algum isolamento. Não vender a
se habitua ao mundo que ele próprio cria alma a qualquer preço por qualquer
companhia, mas selecionar os amados
eleitos, os amigos leais, os mestres e
modelos sensatos. Até mesmo a profissão
e toma-o como verdade, como a própria
mais adequada, a que nos dê mais prazer, se
realidade. O hábito constitui-se num
grande perigo, quando o homem se apega
é que podemos fazer essa escolha: temos de
à segurança e à ordem estabelecida e se pegar qualquer atividade quando se trata de
esquece de meditar, questionar, refletir sobreviver. Falar é fácil... Eu sei. Mudanças
sobre as coisas, pensar sobre si mesmo produzem ansiedade. [...] Sair do
(FEIJÓO, 2001, p.189). estabelecido e habitual, mesmo ruim, é
sempre perturbador. O desejo de ser mais
livre é forte, o medo de sair da situação
O hábito diz respeito a experiências que se conhecida, por pior que ela seja, pode ser
maior ainda. Para nos reorganizarmos
repetem, se acumulam, se implantam e se impõem, precisamos nos desmontar, refazer esse
enigma nosso e descobrir qual é, afinal, o
seja pela educação, seja pela linguagem, criando projeto de cada um de nós.
formas peculiares de contemplar o mundo. Essa
Lya Luft (2006, p.33-34)
tendência à repetição automática geraria no sujeito
uma expectativa pela ocorrência de um determinado evento, sem que provoque qualquer
reflexão. Disso decorre a afirmação de Bauman (2000; 2003) de que os hábitos raramente
permitem que o sujeito reflita sobre os acontecimentos ou suas ações; ―e, quando pressionado
a justificar-se, resiste a fazê-lo‖ (BAUMAN, 2000, p.136).
Sobre o assunto, Matos (1997, p. 139) explica:

À inércia dos hábitos liga-se a crença. O hábito de obedecer aos costumes não provém de sua
racionalidade ou justiça, mas da crença de que são razoáveis e justos. Essa crença na
estabilidade da natureza funda a crença em hábitos constantes e uniformes, de onde
comportamentos homogêneos e espírito conservador encontram-se unidos. Os hábitos
decretam a ociosidade da reflexão especulativa. O que é hábito passa por ser natural: ―o
costume‖, escreve Sérgio Cardoso, ―impede-nos de pensar [...] justamente porque crenças,
ações e opiniões são costumeiras‖. Habituados a certas formas de agir e de ser, legadas da
tradição, os homens a elas se submetem sem reservas e aquele que não as respeita – aquele
que apresenta, do ponto de vista da moral, modos de agir imprevistos e de pensar arbitrários –
é imoral. [...] Nietzsche dirá que liga-se à ―moral de rebanho‖, a normas estereotipadas e a
homens de opiniões constantes.

Para Foucault (2004a), tudo que é banal ou banalizado perde a capacidade de atrair a
atenção e interesse para tornar-se um objeto de repetição. Para que deixe de ser banal, sugere
o autor que o objeto ou o evento deva ascender a uma posição de valor, quer ―moral, estética,
política ou histórica‖ (FOUCAULT, 2004a, p.141). Assim, a persistência na repetição de um
modelo teórico de trabalho faz parte de jogos de poder e saber, sendo uma estratégia de
22

manutenção do poder exercido por meio de uma naturalização e banalização de certa


produção discursiva, que pode retirar do profissional a capacidade de reflexão, da crítica,
própria da ética, enquanto prática reflexiva da liberdade e da autonomia de sua práxis.
Nessa linha de pensamento, resgato a pesquisa de Mestrado anteriormente mencionada
(AMENDOLA, 2009a). Nesta, foi possível observar, pela fala de um dos psicólogos
entrevistados, certa insistência na aplicação de um modelo teórico de atuação conhecido por
Entrevista de Revelação6:

Enquanto não temos certeza de que ocorreu o abuso, se a criança ainda não falou, emitimos
laudos parciais. Podem ser vários laudos parciais. E os conclusivos, quando a criança fala (Psi
04) (AMENDOLA, 2009a, 165).

A partir desse exemplo, entendo que a prática recorrente de insistir para que a criança
verbalize sobre o suposto abuso faz dos profissionais ―autores da permanência‖, conforme
Gonçalves (2004, p.56), para quem ―O hábito vicioso [...] aprisiona a criança na reação
esperada a partir da literatura, cristaliza suas reações e impede a nós, técnicos, de vermos sua
capacidade de reagir às situações particulares‖ (idem, ibidem).
Surpreendentemente, no decorrer das entrevistas realizadas na citada pesquisa, alguns
profissionais se mostraram hesitantes com suas próprias respostas, passando a questionar o
próprio modelo de trabalho a muito naturalizado e, assim, ascendendo, como propôs Foucault
(2004a), a uma posição de valor, no meu entender, ético-político. Indagaram se estariam
prolongando em demasia os atendimentos ou provocando, nas crianças avaliadas, uma reação
para que digam o que, como avaliadores de um suposto abuso, guardariam a expectativa de
ouvir. Mais ainda, se não poderiam atribuir outros sentidos ao silêncio da criança e quais
limites deveriam estabelecer para não prejudicá-la e ao próprio processo de avaliação.

A criança tem o direito de não querer falar. O que você acha disso? Não dá pra ficar forçando
a criança falar. Se ela quer manter pra ela, é um direito dela, não estou certa? Vou massacrar a
criança com perguntas, ela vai se fechar ainda mais ou vai responder aquilo que quero ouvir
(Psi 02) (AMENDOLA, 2009a, p.162-3).

Tal fato me fez perguntar que práticas/discursos são construídos neste lugar de
avaliador, especialmente quando se trata de um tema tão complexo como a violência sexual

6
A Entrevista de Revelação ou Estudo de Revelação descreve uma intervenção realizada por profissionais de
Psicologia e de Serviço Social no trato com crianças supostamente vítimas de abuso sexual. O tema foi por mim
abordado em pesquisa de Mestrado (AMENDOLA, 2009) e foi rediscutido nesta tese conforme os objetivos aqui
traçados.
23

contra crianças. Seria, nestes casos, a avaliação psicológica apenas uma prática endurecida,
cristalizada pela repetição, naturalização e banalização de um modelo teórico de
conhecimento, pautado exclusivamente na revelação; ou haveria outras práticas/discursos
possíveis que escapariam desse modelo ―analítico, causal-dedutivo e [que] visa dar respostas a
todos os problemas‖ (IGNÁCIO; CAVOUR, 2009, p.74)?
Dessas perguntas surgiram outras tantas: o que é um processo de avaliação
psicológica; e nos casos de suspeita de abuso sexual, que práticas/discursos os psicólogos
estão (re)produzindo; que subjetividades7 estão sendo produzidas; que discursos/práticas são
priorizados e o que são desprezados; o que contêm os documentos psicológicos para que
alguns psicólogos estejam sendo denunciados no CRP?.
Tais indagações instigaram um novo projeto de pesquisa, efetivado ao longo do
Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da UERJ. Neste, recuperei a
parte da fala do genitor acusado que mencionei no início dessa tese – que anunciava a
denúncia do psicólogo no Conselho Regional de Psicologia contra o profissional que elaborou
o documento encaminhado à Justiça –, para pensar a articulação entre avaliação psicológica e
ética.
Na pesquisa de Mestrado, foi consenso entre os pais que responderam ao questionário
a intenção de denunciar os psicólogos por infração ao Código de Ética em função da
elaboração de laudos após a avaliação psicológica de seus filhos, não apenas por haverem sido
excluídos do processo, mas porque, embora excluídos, foram acusados de abusar sexualmente
deles:

Meu filho foi encaminhado pra [instituição]. Eu não fui procurado [...]. Compareci
voluntariamente porque eu ‗corri atrás‘ e descobri que meu filho estava lá. Fui muito mal
atendido [...], a psicóloga disse que não tinha obrigação de fazê-lo ‗porque seu foco é a
criança‘. Com relação às denúncias, declarou estar plenamente convencida das alegações da
mãe (Pai 05) (AMENDOLA, 2009a, p.146).

Estou com processo no Conselho Regional de Psicologia contra psicóloga [...]. Os psicólogos,
assim como os Conselhos de Psicologia deveriam fazer um trabalho de conscientização com
os profissionais para que eles sejam mais cuidadosos na emissão dos tais ‗laudos‘. Na minha
opinião, sei que posso encontrar algum psicólogo que fará o laudo que eu quiser com os
termos que eu quiser, como foi feito pela mãe de minha filha. Conheci muitos psicólogos
durante toda a minha caminhada para provar o que não fiz, e estes são profissionais sérios e
que jamais fariam este tipo de coisa (Pai 02) (AMENDOLA, 2009a, p.149).

7
Subjetividade é compreendida como algo produzido e referente às diferentes maneiras de volver e experimentar
a vida, isto é, a maneira como vivemos, sentimos, percebemos, andamos, amamos, etc. (GUATARRI; ROLNIK,
1996).
24

Mediante tais relatos, entendo ser inconcebível pensar uma atuação profissional
divorciada de uma reflexão ética e dos princípios estabelecidos pelo Código de conduta
profissional da categoria. O que parece óbvio tem sido motivo de preocupação para alguns
Conselhos Regionais de Psicologia e para o Conselho Federal de Psicologia em razão do
aumento no número de queixas em desfavor de psicólogos que despontam nas Comissões de
Orientação e Ética.
Concomitantemente à construção da pesquisa de Mestrado, recebi convite da então
conselheira-presidente da Comissão Permanente de Ética ou, simplesmente, Comissão de
Ética (CoE) do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro (CRP-RJ), Fabiana
Valadares, Gestão 2004-2007, para auxiliar, como colaboradora, do trabalho de instrução
(condução) processual de Processos Disciplinares Éticos8. Na ocasião, Valadares (2004,
comunicação pessoal) explicou que houve um aumento considerável de denúncias contra os
psicólogos em razão de documentos escritos – a maior parte decorrente de avaliação
psicológica –, que se tornaram judiciais, ou seja, ―carregam o peso de subsidiar sentenças
judiciais e atuar de modo factual (coercitivo) na vida das pessoas‖ (BARRETO ; SILVA,
2011, p.02). Por este motivo, explicou a então presidente da CoE, necessitava de um
psicólogo com experiência na área de avaliação psicológica e aplicação de testes para compor
uma Comissão de Instrução. Assim, fazendo uso do Art. 21 do Código de Processamento
Disciplinar (RESOLUÇÃO CFP nº 006/20019), passei a integrar a Comissão de Instrução de
Processos Éticos como profissional ligada à área em questão:

Art. 21 - Decidida a instauração de processo, é facultado à Comissão de Ética, por seu


Presidente, constituir Comissão de Instrução, de caráter temporário, para apuração dos fatos.
Parágrafo Único - A Comissão de Instrução procederá em nome da Comissão de Ética e será
composta de, preferencialmente 3 (três) e, no mínimo, 2 (dois) psicólogos, observados os
seguintes critérios:
c) estar preferencialmente ligado à área do caso em questão.

Posteriormente, atuei como membro efetivo para exercício na Gestão 2007-2010,


quando o Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro (CRP-RJ) passou a priorizar seu
trabalho na orientação da categoria quanto às questões éticas implicadas em sua atividade

8
Processo Disciplinar Ético refere-se à categoria que inclui a fase preliminar denominada ―Representação‖ e a
fase processual, quando há instauração de Processo Ético.
9
Com a finalidade de qualificar o cumprimento do dever de ―orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da
profissão de Psicólogo e zelar pela fiel observância dos princípios da ética‖ (Lei nº 5.766/71), a Secretaria de
Orientações e Ética do Conselho Federal de Psicologia promove, periodicamente, reuniões nacionais com os
CRPs para analisar o Código de Processamento Disciplinar (CPD) – que sofreu alterações recentes, sendo
revogado pela Resolução CFP Nº 006/2007.
25

profissional, tendo como ponto alto da discussão a análise das demandas que são endereçadas
aos profissionais e os possíveis efeitos que esta prática provoca na vida das pessoas.
Contudo, essa questão referente às denúncias em desfavor dos psicólogos em função
dos laudos se instaurou de forma contundente em vários Conselhos Regionais de Psicologia,
no início do século XXI. Segundo algumas informações prestadas pelo CRP-01 (DF, AC,
AM, RO, RR), CRP-05 (RJ), CRP-06 (SP), CRP-07 (RS) e CRP-08 (PR), diversos psicólogos
que atendem pela autoria de documentos psicológicos resultantes de avaliação psicológica no
contexto da (suposta) violência sexual contra a criança, têm sido chamados a responder a
críticas e denúncias junto aos seus Conselhos de Classe, quanto à sua competência
profissional, como reza o Art. 1º do Código de Ética Profissional do Psicólogo:

Art. 1º - São deveres fundamentais dos psicólogos:


b) Assumir responsabilidades profissionais somente por atividades para as quais esteja
capacitado pessoal, teórica e tecnicamente.

Diante desse cenário e lançando mão de alguns pressupostos que tiveram ascendência
na dissertação de Mestrado (AMENDOLA, 2006), como o fato de muitos profissionais
estarem sendo denunciados em função de laudos, propus circunscrever e analisar os
discursos/práticas que integram os Processos Disciplinares Éticos contra psicólogos que
realizaram atendimento e produziram documentos em casos de alegações de abuso sexual
contra crianças.
O tema de estudo, por sua vez, é atual e relevante, haja vista a decisão, pelo Conselho
Federal de Psicologia, de decretar o ano de 2011 o Ano Temático da Avaliação Psicológica,
em razão, dentre outros aspectos, do considerável aumento no número de denúncias contra
psicólogos decorrente desta prática. Este fato, porém, vem de longa data, como noticiado no
Jornal do Federal em 1999 – aliás, este foi o ano da primeira denúncia feita no CRP do Rio de
Janeiro sobre essa matéria e que recebeu indicação para instauração de Processo Ético. Em
nota, naquela edição do Jornal, o CFP se mostrava preocupado não somente com o aumento
de denúncias contra os psicólogos, mas o que esse acontecimento implicava: prejuízo e
sofrimento à população que contrata o serviço psicológico, bem como dano à própria imagem
da profissão, como destacaram alguns autores.
De acordo com Noronha (2002), Patto (1997) e Silva (2004), é imperioso colocar em
discussão essa temática tão complexa como a da avaliação psicológica no sentido de rever a
formação profissional, já que, de acordo com a Lei nº 4119/62 que regulamenta a profissão de
26

psicólogo, o uso de testes psicológicos é da competência exclusiva deste profissional. Assim,


os testes se tornaram os grandes representantes da categoria perante a sociedade, centro de sua
identidade profissional, segundo Patto (1997). O emprego inadequado desses instrumentos
pelo profissional gera uma repercussão na comunidade científica e na sociedade, denegrindo a
imagem da profissão (NORONHA, 2002).
Quando um psicólogo é denunciado, não é só o seu saber teórico e técnico que está em
análise, mas o poder que exerce a partir deste saber, ou seja, a atuação na dimensão ético-
política capaz de interferir na construção das trajetórias de vida dos sujeitos atendidos.
Nessa direção, pretendo estar atenta para não cair na armadilha de criar ou apresentar
modelos que determinam o que é certo ou errado, bom ou ruim, verdadeiro ou falso, mas dar
visibilidade aos discursos/práticas expostos nos documentos inseridos nos Processos
Disciplinares Éticos (PDE) e produzir reflexões a partir de uma visão metodológica ancorada
em uma abordagem sócio-histórica.
Desta forma, busquei acompanhar o movimento e a transformação da própria
Psicologia no âmbito da avaliação psicológica ao longo da história, distante das relações de
causa e efeito que ainda insistem em sustentar explicações para a realidade e para os
fenômenos psicológicos. Além disso, procurei trazer à luz uma compreensão, ainda que
sintética, do que muitos psicólogos têm chamado de ética, atualmente, na Psicologia, em
especial, nas práticas de avaliação.
Assim, tomando essa abordagem como ferramenta principal, minha intenção foi criar
possibilidades para o exercício crítico do pensar sobre a realidade na qual o psicólogo
interfere com o seu agir ético, moral, político, técnico, ideológico, etc.
O exercício do pensamento neste viés requereu, de minha parte, um amplo repertório
de leitura, configurando, nesta tese, um grande ―coral polifônico‖ (BARRETO; SILVA, 2011,
p.03), quando convidei vários autores para dialogar, tomando a liberdade de me apropriar de
muitas discussões para fundamentar as análises propostas ao longo do trabalho, em especial,
acerca dos discursos contidos nos Processos Disciplinares Éticos.
De uma forma mais ousada, procurei fazer dessa pesquisa uma oportunidade para que
alunos de graduação se aproximem da construção da Psicologia, pela vertente da avaliação
psicológica, enquanto ciência e profissão embebida na história, na cultura, na política, na
sociedade enquanto um corpo vivo que se transforma, que pulsa, movida por inúmeros
interesses e atravessamentos.
27

Assim, nesse trajeto, elaborei um capítulo dedicado à Avaliação Psicológica no Brasil,


começando por indagar Por que falar em Avaliação Psicológica?, trazendo a relevância das
discussões dessa atividade nos dias de hoje. Posteriormente, iniciei um percurso histórico e
político, apontando para a forte influência dos paradigmas cientificistas advindos de uma
Psicologia Experimental europeia e norte-americana no arcabouço epistemológico da
Psicologia que se edificou no país em: Preparando o solo: algumas influências na produção
do conhecimento psicológico no Brasil. Com a construção desse saber psicológico, tanto a
Medicina quanto a Pedagogia requereram que este saber fosse aplicado, por meio de recursos
psicotécnicos disponíveis, como coadjuvante às práticas higienistas desenvolvidas junto à
sociedade brasileira. Igualmente, este saber foi solicitado para a avaliação objetiva de
habilidades e aptidões para recrutamento, seleção e treinamento dos sujeitos como mão de
obra em um país que queria se industrializar, destacando a figura do psicologista ou
psicotécnico em: Medir, Testar, Classificar: aplicando o saber psicológico. Seguindo Rumo à
regulamentação, tracei algumas considerações e problematizações durante o período em que
a Psicologia se consolidava no Brasil. Problematizei os caminhos para a formação
profissional, destacando a política de ensino superior adotada no país após a regulamentação
da profissão, quando discuti o currículo e, a partir deste, o modelo de educação tecnicista,
voltado para atender um mercado de produção competitivo. Propus, nessa linha, discutir A
mercantilização do ensino e a demanda por técnicos e especialistas, colocando a prática da
avaliação psicológica em perspectiva, com certa atenção para aquelas endereçadas ao campo
jurídico, em especial, nos casos de abuso sexual contra a criança.
Adiante, em um segundo capítulo, dediquei-me às Discussões sobre ética e o Código
de Ética. Iniciei Discussões sobre Ética, buscando me aproximar dessa temática tão complexa
para compreender o que se afirma, nos dias de hoje, quando se fala em ética. Depois, parti
para Discussões sobre e em torno do Código de Ética, trazendo a construção dos Códigos de
Ética Profissional do Psicólogo enquanto um resgate histórico e crítico, tendo em vista o fato
de haver pouca literatura que trata desse assunto, especialmente referente à construção dos
dois primeiros Códigos (1975 e 1979) da categoria, bem como de algumas Resoluções não
mais em vigor. Avançando nestas discussões, analisei A Força das Resoluções e Referências
Técnicas na normatização da profissão, apontando alguns impasses para a prática profissional.
Mais adiante, fui me aproximando dO trabalho da Comissão de Ética do CRP-RJ, quando,
em Contando uma história, apresento um período pouco conhecido, principalmente pelos
psicólogos mais jovens, em que o CRP-RJ sofreu uma intervenção pelo CFP e o quanto
28

repercutiu e ainda repercute nos trabalhos da Comissão de Orientação e Ética atualmente.


Esse trabalho foi detalhado nOs trâmites processuais: a Comissão de Orientação de Ética em
ação, onde busquei explicar como se dá o funcionamento desta, bem como apresentar alguns
dados estatísticos das penalidades aplicadas pelos Conselhos Regionais que tiveram recurso
junto ao Conselho Federal de Psicologia. Para finalizar o capítulo, procurei mostrar Quem é o
psicólogo brasileiro denunciado?
No terceiro capítulo, fiz a apresentação da Pesquisa, especificamente, a Análise do
Discurso, seguida da descrição e detalhamento de como a pesquisa foi construída, até chegar à
análise dos Processos Disciplinares Éticos, que foi realizada a partir de quatro tópicos: Vidas
Impressas: análise dos discursos nos documentos psicológicos; Denúncia: o consumo de
direitos; Defesa: discurso técnico-científico e Tribunal Regional de Ética: Discursos
Jurídico-Disciplinares.
No último capítulo, retomei alguns aspectos discutidos ao logo da pesquisa para fazer
uma constatação-denúncia: 50 anos depois da regulamentação da profissão, a despeito das
muitas vozes que afirmam críticas a certa prática psicológica cientificista de tradição
positivista e que levantam propostas para o exercício de uma Psicologia enquanto uma forma
ético-política, e não apenas técnica, de intervenção no mundo, a categoria se vê diante de um
processo de especialização, tecnização e hierarquização do saber psicológico. O mercado de
trabalho se tornou o maior ditador na contemporaneidade, revelando, com ele, a imagem do
psicólogo sem capacidade para fazer uma análise crítica tanto da demanda quanto do seu
papel na realização de avaliações psicológicas com fins jurídicos. Finalmente, encerrei com
um convite para a Psicologia recuperar suas raízes filosóficas e fazer reviver Psyché para
tornar o psicólogo preparado para o exercício do pensamento crítico, mas também para a
prática do cuidado.
29

1 AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA NO BRASIL

1.1 Por que falar em Avaliação Psicológica?

O que imediatamente vem ao pensamento das O Processo “Mágico” da Avaliação


Psicológica
pessoas quando ouvem falar em Psicologia? Não raro,
Certa vez, dentro do elevador em um prédio
o leigo responderia algo vinculado à prática de comercial, um senhor bem vestido
psicoterapia – que serve para tratar de loucos –, e perguntou-me se eu era médica do hospital
(aquele do outro lado da rua!), pois eu havia
quanto à avaliação psicológica, que a Psicologia serve esquecido meu crachá de identificação
preso na blusa. Disse-lhe que trabalhava lá,
para aplicar testes capazes de extrair da mente humana mas era psicóloga. Imediatamente ele
segurou a porta do elevador e saiu, dizendo
os mais profundos segredos ou de predizer o futuro. que não iria ficar ao meu lado porque
―psicólogos liam mentes‖. Eu tive que rir e,
Essas respostas não são dadas ao acaso. A Psicologia enquanto o elevador subia, fiquei
Clínica, da qual estas atividades fazem parte, foi e imaginando o que ele temia tanto [que fosse
descoberto], afinal essa história de ler
continua sendo predominantemente a área de atuação mentes só existe na fantasia das pessoas que
desconhecem a profissão.
profissional preferida dos psicólogos (BASTOS,
Amendola (2004)
1988).
Exploradas em filmes, desenhos, charges e pela mídia em geral, pranchas com
manchas de tinta (à semelhança do teste de Rorschach), por exemplo, tornam-se também
conhecidas do público enquanto fazem referência a (certa) Psicologia: uma psicologia
avaliativa, que emprega instrumentos para conhecer e desvendar segredos da mente, do
interior, do inconsciente.
Em O Processo „Mágico‟ da Avaliação Psicológica (AMENDOLA, 2004), texto que
redigi, despretensiosamente, na ocasião em que atuava enquanto residente de Psicologia no
Hospital Universitário Pedro Ernesto, relatei um breve encontro que se deu no elevador, onde
um senhor me interrogou se eu era médica. Quando informado que eu era, na verdade,
psicóloga, reagiu com espanto ou medo talvez, anunciando que ―psicólogos liam mentes‖.
Desconfiada e preocupada com a possibilidade de a sociedade ainda vincular
Psicologia ao ilusionismo, à leitura da mente, à premonição, à mágica, interroguei-me de onde
partia tamanha crença senão do próprio psicólogo?! Caso contrário, não haveria sentido ou
necessidade de o Código de Ética Profissional do Psicólogo vetar ao psicólogo fazer previsões
taxativas de resultados, por exemplo. A Psicologia não é prática de adivinhação, tampouco faz
30

uso de bolas de cristal para desvelar verdades e segredos, como já alertaram alguns autores
(MACHADO, 2007; MALUF, 1994; RAUTER, 1989).
Talvez, porque o psicólogo esteja atendendo qualquer demanda que lhe chega sem
criticidade, ―sem rigor e sem compromissos‖ (FIGUEIREDO, 2008, p.19), que a crença de
que a Psicologia ―lança mão de tudo‖ (idem, ibidem) para obter os resultados esperados venha
se perpetuando.
Seguindo essa lógica, se a sociedade mostra um flagrante desconhecimento do
trabalho do psicólogo, que tem levado muitas pessoas a acreditarem que o psicólogo é aquele
que aplica testes, provavelmente, é porque essa tem sido a mensagem que a categoria está
transmitindo. O que me leva ao entendimento de que o próprio psicólogo acredita ser capaz de
exercer esse papel de mago, com poderes para oferecer soluções mágicas para todas as
questões que lhes são apresentadas (TEIXEIRA; BELÉM, 2002).
O poder (supostamente) mágico dos instrumentos parece exercer um fascínio nos
profissionais, ―e nada indica que isso vá mudar‖ (STARLING, 2002, p.84), Os psicólogos
continuarão tal quais os psicometristas do início do século XX no Brasil ou, na melhor das
hipóteses, tornar-se-ão uma nova versão destes aplicadores de testes, não menos aterrorizantes
para uma parcela da população que, por ter que se submeter ao poder mágico do profissional,
sente-se exposta e vulnerável.
Cunha (2000) é da opinião que, ―exatamente porque as pessoas temem tanto enfrentar
seus aspectos doentios, ainda existam atitudes preconceituosas em relação ao
psicodiagnóstico, que ‗magicamente‘ pode revelar ‗seus pontos fracos‘ e ‗possibilidades para
o futuro‘‖ (CUNHA, 2000, p.111-112) é. Decorre dessa visão, o alerta que a autora faz para
que o psicólogo não contribua com essa atitude, devendo, para isso, esclarecer os objetivos do
trabalho profissional.
De qualquer modo, quando o assunto é avaliação psicológica, seja no contexto que for
– na obtenção de um emprego, da carteira de habilitação e/ou do porte de armas de fogo, em
decisões judiciais pela disputa de guarda dos filhos, em denúncias de violência e/ou
diagnóstico de sanidade mental –, uma aura de mistério, dúvida, ansiedade parece pairar sobre
aqueles que serão submetidos ao procedimento. Tal fato é reforçado em função de os testes
psicológicos serem de competência e exclusividade do psicólogo, o que torna o processo
muitas vezes inacessível e incompreensível para as pessoas avaliadas, embora determinante
na vida de cada um, como alerta o próprio Conselho Federal de Psicologia (CFP).
31

Há muitas discussões acerca do que são testes psicológicos. A questão mais importante nesse
debate não é como a definição deve realmente ser feita, mas as repercussões que ela pode ter
para o futuro da sociedade e da Psicologia. Os motivos que levam a essa questão estão ligados
ao uso privativo dos testes psicológicos pelos psicólogos (CFP, 2010, p.31).

Ademais, porque a avaliação psicológica atende a uma variedade de demandas, fato


que promove grande impacto social, não é raro o processo de avaliação tornar-se alvo de
críticas e questionamentos, especialmente acerca do emprego, validade e adequabilidade das
técnicas, assim como da interpretação dos dados e conclusões, por aqueles cujas vidas são
influenciadas ou dependem dessa intervenção profissional. As críticas recaem, portanto, sobre
os instrumentos e, principalmente, sobre o próprio psicólogo, considerado mal formado para
empregar tais recursos e destes extrair informações de algum valor.
Frizzo (2004, p.41-42), em pesquisa realizada sobre Infrações éticas, formação e
exercício profissional em Psicologia, comenta que docentes e pesquisadores brasileiros,
preocupados com o assunto, têm se detido às questões referentes ao processo de avaliação
psicológica,

uma vez que as demandas sociais têm exigido do psicólogo uma competência e habilidade
cada vez maior para a realização eficaz destas tarefas. Novas legislações, que vêm no rastro
da necessidade de organização da vida social de acordo com as mudanças ocorridas, trazem
novos desafios para a profissão, tanto para a condição do ensino quanto para a prática
profissional. A necessidade de laudos e perícias para auxiliar nas decisões do Poder
Judiciário, as avaliações na área do trânsito, as avaliações para porte de arma, as avaliações
em concursos públicos, o uso de testes nos contextos de saúde e trabalho, e outras, são
exigências cotidianas da prática de profissionais que têm-se percebido pouco atualizados e
frequentemente incapacitados para realizar, com a competência esperada, as tarefas exigidas.

A insuficiente qualificação para atuar nesse segmento é um dos motivos que preocupa
também o Conselho Federal de Psicologia (CFP), atento para o aumento no número de
denúncias contra psicólogos por possível infração ética decorrente de avaliação psicológica e
elaboração de laudos. Contudo, não é a única inquietação:

Se, por um lado, os deveres éticos fundamentais do psicólogo preconizavam que este devia
prestar serviços de acordo com os princípios e técnicas reconhecidas pela ciência e que não
poderia fazer declarações sem a devida fundamentação técnico-científica, por outro, havia
uma prática embasada em instrumentos que claramente contradiziam tais princípios. Isso
configurava uma situação de um mal velado à população, difícil de ser descoberto, diante do
qual ela não possuía mecanismos para se defender (CFP, 2010a, p.129).

Nesse contexto, várias medidas foram tomadas ao longo de aproximadamente duas


décadas, que culminaram com a importante decisão do CFP, em reunião da Assembleia das
Políticas, da Administração e das Finanças (APAF) do Sistema Conselhos realizada em
32

dezembro de 2010 na sede do Conselho em Brasília, Deliberações da APAF


Dezembro/2010
de eleger 2011 como o Ano Temático da Avaliação
1) Resolução nº 009/2010: Prorrogada a
Psicológica. suspensão dos efeitos da Resolução nº
009/2010 (Exame Criminológico) até a
Com esta deliberação da APAF, todo o
APAF de maio/2011 para possibilitar a
Sistema Conselhos de Psicologia ficou encarregado de ampliação das discussões sobre a temática.
[...]
desenvolver discussões,
8) Ano Temático: 2011 será o ano da
“Avaliação Psicológica”.
com o intuito de promover reflexão, com
toda a categoria, sobre a Avaliação Eixos:
Psicológica como um processo
complexo, no qual os direitos humanos 1. Qualificação
devem ser garantidos, bem como os
princípios éticos e técnicos da profissão, *Critérios de reconhecimento e validação a
sendo o objetivo final das atividades a partir dos Direitos Humanos
qualificação dessa prática no Brasil
(CFP, *Avaliação enquanto processo
<http://anotematico.cfp.org.br/2011/cont
ato/>, 2011). *Manuais especificando seus contextos de
aplicação e âmbitos de ação;

Tal fato, portanto, só vem reforçar a relevância 2. Relações institucionais (contextos em


que a avaliação se insere);
do estudo dessa temática em evidência neste século,
3. Relação com o contexto de formação;
especialmente em função do aumento na demanda
9) Desmembramento do CRP-01: Aprovado
pela avaliação psicológica em diversos contextos de o desmembramento do CRP-01 e a criação
atuação. do Conselho Regional da 20ª Região,
composto por: Amazonas (sede), Acre,
Assim, para enriquecer a análise dessa prática Rondônia e Roraima (Seções).

tão difundida e debatida entre os psicólogos nos dias CRP-SC


(http://www.crpsc.org.br/?open_pag&pid=1
de hoje, uma leitura de certos momentos da história da 290)
construção da Psicologia no Brasil se faz necessária.
Uma história que é parte integrante da história do próprio país, com seus determinantes
econômicos, sociais, culturais e políticos.
Tavares (2010, p.32), por sua vez, aponta que essa relação entre a história da
construção da Psicologia e da avaliação psicológica não é específica do Brasil, mas uma
característica da constituição da própria Psicologia em sua ânsia por se tornar científica. O
autor fornece maiores detalhes:

A história do surgimento da Psicologia e da avaliação psicológica se confundem, ao final do


século XIX e início do século XX. Francis Galton, na Inglaterra, foi pioneiro no estudo das
diferenças individuais. Alfred Binet e Theophile Simon dedicaram-se à avaliação de crianças
em idade escolar. James McKeen Cattell foi o primeiro psicólogo americano a publicar uma
tese de doutoramento, intitulada Psychometric investigation, enquanto trabalhava em Leipzig,
sob orientação de Wundt. Cattell veio mais tarde a fundar a Psychological Corporation, uma
das mais influentes editoras de testes psicológicos até os dias de hoje. O esforço principal
desses pesquisadores era elevar a Psicologia ao status de ciência, em pé de igualdade com as
33

outras ciências da época. As Cupido e Psyché


contribuições desses autores são
exemplos da relação indissociável entre o
estabelecimento da Psicologia como
ciência e profissão e o desenvolvimento
dos testes, entre outros procedimentos de
avaliação psicológica.

Desta forma, a Psicologia que aportou em


terras brasileiras no final do século XIX trouxe Imagem 2 – Cupido e Psyché
consigo a razão moderno-científica responsável por
A raiz etimológica da palavra Psicologia
conduzir Psyché aos laboratórios brasileiros para ser vem do prefixo grego psyché que significa
alma, e do sufixo grego logos, que significa
dissecada, edificando um conhecimento psicológico estudo, razão.

voltado ao que veio a ser uma prática de avaliar, François Gerard, 1798 Museu do Louvre,
Paris.
medir, testar e classificar que se tornou hegemônica na
Psicologia no Brasil (PASQUALI; ALCHIERI, 2001; TAVARES, 2010).
Parto, portanto, da premissa de que a Psicologia que se edificou no país, enquanto
resultado de uma construção histórica, social e política, atravessada por inúmeras forças,
compactuando ou fazendo resistência, reproduzindo ou criando, alienando ou se
comprometendo com formas diferenciadas de pensar, ganhou contornos particulares (PATTO,
2010).
Mais ainda, considerando que o momento atual carrega consigo uma história que a
precede, esta aproximação e exploração do tema proposto enquanto território em movimento
serve para pensar e buscar compreender como vem senso instituída a avaliação psicológica, a
que ou a quem serve, sua finalidade, seus interesses, enfim, como esta prática psicológica está
sendo conduzida, definida e praticada ultimamente.

1.2 Preparando o solo: algumas influências na produção do conhecimento psicológico no


Brasil

Quando formos contar o que vimos, já estaremos fazendo a história da história a se contar.
Catharino (1999)

A história não descobrirá uma identidade esquecida sempre pronta a renascer, mas um sistema
complexo de elementos múltiplos, distintos e que nenhum poder de síntese domina.
Foucault (2001a)
34

Foi por volta do século XIX, a partir da proclamação do Império, data de 1822, que é
possível identificar um movimento bastante rudimentar da formação do pensamento ou ideias
psicológicas no Brasil, quando um processo de transformações significativas no âmbito
político-administrativo e econômico passou a ganhar força após séculos de colonização
portuguesa.
Sob a vigência de um modelo econômico escravista agro-exportador, a realidade da
população brasileira, que se mantinha analfabeta e pouco qualificada para o mercado de
trabalho, foi aos pouco se modificando, à medida que múltiplas e urgentes demandas por
trabalhadores liberais se fizeram crescentes em um país que queria se industrializar e
modernizar.
Foi nesse contexto que alguns autores explicam que a pequena elite intelectual
brasileira (geralmente composta de religiosos e políticos sustentados financeiramente pelos
grandes latifundiários), interessada na formação e aperfeiçoamento na Europa ou junto a
estrangeiros convidados a ministrar cursos, conferências ou prestar assessoria no Brasil,
passou a investir em escolarização e formação profissional no próprio país. Escolas Normais,
Faculdades de Direito e de Medicina, instituições que ganharam relevância na produção de
ideias referentes aos fenômenos psicológicos, passaram, portanto, a formar esta elite
intelectual, disseminando o modelo de racionalidade em efervescência nos países dito
civilizados (europeu) (CASTILHO ; CABRAL, 2004; PESSOTTI, 1988; PFROMM NETTO,
2004; ROCHA, 2004; SANTOS, 1988; PATTO, 1984; 2010).

A profissionalização do ensino superior que se caracterizou no Império e no primeiro período


republicano, [...] no Brasil, foi de inspiração francesa, neste caso, mais particularmente, das
ideias napoleônicas. Após a expulsão dos jesuítas (1759), as ideias enciclopedistas e a
maçonaria francesa acharam caminho para o Brasil por meio de jovens brasileiros ricos que
iam estudar Direito em Coimbra, Portugal [...]. Ainda de importação da mesma origem, o
positivismo de Comte, que, fora da frança, teve sua mais séria aceitação no Brasil doa anos
imediatamente anteriores e posteriores à proclamação da República. Também à influência
indireta francesa o Brasil deve a vinda em 1808 do rei de Portugal D. João VI [...] [que] criou
academias de Medicina e Cirurgia (no Rio de Janeiro e na Bahia), academias militar e de
Marinha (no Rio) [...], além de outras iniciativas, tais como a criação, no Rio, da Biblioteca
Nacional, Jardim Botânico, e outras (CASTILHO; CABRAL, 2004, p.42-43).

De acordo com Castilho e Cabral (2004) e Patto (2010), as mais prestigiadas correntes
de pensamento científico europeu que chegaram ao Brasil por volta de 1870, trazidas
principalmente por médicos que lá se formaram, foram responsáveis por uma série de novas
ideias, prontamente implementadas (especialmente pela Medicina), em um momento que a
sociedade industrial emergente ansiava por mudanças de ordem econômica, política e cultural.
35

A filosofia positiva trouxe também o elogio da ordem social como condição de progresso,
supostamente em benefício de todos. ―Ordem e progresso‖ era o lema do autor do Curso de
filosofia positiva. No centro, uma concepção hierárquico-coercitiva de Estado. A gestão da
vida social ficava a cargo de cientistas, portadores de verdades definitivas, objetivas e neutras
produzidas pela Ciência (PATTO, 2010, p.26).

Naquele momento, o Positivismo era tido, na Europa, como um sistema geral das
Ciências que operava com fatos e se restringia ao observável, sendo considerado o meio mais
adequado para se alcançar o conhecimento científico. As questões epistemológicas foram
reduzidas à metodologia condicionada ao rigor das medições, do emprego da lógica
matemática para conhecer o universo: ―conhecer significa quantificar‖ (SANTOS, 1988, p.50)
e quantificar significava ―estabelecer relações entre variáveis passíveis de mensuração‖
(MARIGUELA, 1995, p.26). Tudo o mais que não pudesse ser quantificável, ser submetido
ao critério da calculabilidade e da utilidade, ou seja, que não pudesse ser reduzido à
obediência às regras físico-matemáticas, tais como a religião, os valores sociais, os interesses,
a arte e as paixões – próprios da experiência humana – tornava-se irrelevante ou, ―suspeito
para o esclarecimento‖ (ADORNO; HORKHEIMER, 2006, p.19). O número se tornou,
portanto, o cânone da Ciência Moderna.
Essa premissa permitiu que as bases do conhecimento filosófico-teológico migrassem
do exercício do raciocínio especulativo, dogmático e do senso comum para dar lugar à análise
científica por meio da observação, da experimentação e da lógica matemática: o chamado
método empírico ou Empirismo (GAARDER, 1995; MARCONDES, 2002).
Chauí (2000), em sua obra Convite à Filosofia, descreve que a concepção empirista
atesta que a ciência:

[...] é uma interpretação dos fatos baseada em observações e experimentos que permitem
estabelecer induções e que, ao serem completadas, oferecem a definição do objeto, suas
propriedades e suas leis de funcionamento. A teoria científica resulta das observações e dos
experimentos, de modo que a experiência não tem simplesmente o papel de verificar e
confirmar conceitos, mas tem a função de produzi-los. Eis por que, nesta concepção, sempre
houve grande cuidado para estabelecer métodos experimentais rigorosos, pois deles dependia
a formulação da teoria e a definição da objetividade investigada.

Para a autora, a nova ciência – Ciência Moderna – teve por fundação a ideia de
intervir, modificar e explorar a Natureza para conhecê-la e apropriar-se dela para fins de
ampliar a capacidade de trabalho do homem, tornando-se inseparável da tecnologia (CHAUÍ,
2000).
36

O efeito mais imediato dessa determinação foi o cientificismo10, fundado na crença no


poder absoluto da Razão instrumental na explicação da realidade sob a forma de leis naturais
imutáveis a regularem o mundo físico e social sob a jurisdição da verdade científica (CHAIU,
2000; PATTO, 1997).
Decorrente do cientificismo, o Homem passou a ser considerado como ser empírico,
objeto da natureza a ser esquadrinhado, medido e comparado com outro segundo o método
cartesiano, portanto, de acordo com modelos hipotético-indutivos e experimentais de estilo
empirista, cuja intenção era estabelecer leis da causalidade natural para os fenômenos
humanos. Assim, não mais visto como um ser que representa o mundo, dado pela natureza, o
Homem, tematizado como objeto pelas Ciências Naturais, passou a ser tratado como objeto
heterogêneo, a ser treinado para a produção industrial de acordo com suas habilidades
(CHAUÍ, 2000; FEIJÓO, 2001; FONSECA, 2002; JAPIASSU, 1975; JACÓ-VILELA;
KEIDE, 1999; MARIGUELA, 1995; MATOS, 1997; SANTOS, 1988).
A noção de Homem enquanto um indivíduo livre foi dada, portanto, pela
modernidade, com o advento do capitalismo e o desenvolvimento das forças produtivas. A
necessidade de produzir mercadorias foi a responsável pelo processo de mudança na
sociedade que passou a requerer a participação dos homens como força de trabalho e de
consumo (GONÇALVES, 2001).
O liberalismo, ideologia do capitalismo nascida da Revolução Francesa, promoveu
uma ruptura e oposição às ideias do feudalismo, impondo uma nova ordem: a perspectiva do
homem enquanto ser individual, livre, moral, dotado de direitos, tal qual à segurança, à
liberdade e à igualdade.
A experiência de individualidade afirmou o homem como um ser com uma
interioridade, uma subjetividade, permitindo que um sentimento de eu fosse desenvolvido. ―A
possibilidade de uma ciência que estude esse sentimento e esse fenômeno também é resultado
desse processo histórico. A Psicologia se torna necessária‖ (BOCK, 2001b, p.19).
Os primeiros trabalhos de Psicologia no Brasil surgiram decorrentes, sobretudo, do
interesse de médicos e educadores. A Medicina que se estabeleceu como campo que abrigava
conhecimentos científicos e empíricos acerca do homem e de seu comportamento, propôs-se a
si mesma como ―a Ciência do Homem, substituindo a Ética, a Filosofia e a Teologia na tarefa
de orientar indivíduos e sociedades rumo à felicidade‖ (MASSIMI, 2004, p.60).

10
Chaui (2000) define cientificismo como uma atitude que funde ciência e técnica, transmitindo a ideia (ilusão)
da neutralidade.
37

Desta forma, o médico passou a ser reconhecido como aquele que detinha um saber
sobre o sujeito, capaz de promover, ao mesmo tempo, um tratamento para o corpo, bem como
para as enfermidades da alma. Logo, esta analogia entre medicina do corpo e medicina da
alma, empregada pela Filosofia e Teologia, ganhou nova significação com a Ciência Médica
que, a partir de uma visão cientificista, pretendeu-se suficiente para tratar os estados psíquicos
(ou a consciência) ―como epifenômeno11 das modificações orgânicas‖ (MALHEIRO;
NADER, 1987, p.12), ou seja, interessando-se em abarcar e curar os fenômenos da alma a
partir das intervenções no estado físico do organismo – passíveis de observação e mensuração
(FOUCAULT, 2001a; MASSIMI, 1990).
Desta forma, houve, no século XIX, um processo de mudança na episteme, quando as
relações passaram a ser dominadas pelo funcional e pela razão instrumental, cuja concepção
objetiva da realidade fez com que houvesse uma preocupação em aplicar os mesmos
princípios descobertos nas leis da Natureza às leis da sociedade (JACÓ-VILELA; KEIDE,
1999).
Sobre o assunto, sintetiza Figueiredo (1991a, p.12-13):

[...] no século XIX, começaram a se constituir as ciências da sociedade, como a economia


política, a história e a sociologia. Estas ciências também tratavam das ações humanas, em
particular dos comportamentos humanos mais importantes para a sociedade [...]. Nesta
medida, os temas da psicologia estavam dispersos entre especulações filosóficas, ciências
físicas e biológicas e ciências sociais.

Neste enquadre, tanto estudos sociológicos quanto biológicos e fisiológicos ganharam


impulso no Brasil, influenciados pela doutrina evolucionista de Charles Darwin (1809-1882);
pelo materialismo científico de Ludwig Feuerbach (1804-1872); pela Frenologia de Franz-
Joseph Gall (1758-1828); pela Eugenia de Francis Galton (1822-1911); dentre outros.
Costa (1987) e Patto (2010) comentam que a transposição ―indébita‖ (PATTO, 2010,
p.126) da Teoria da Evolução das Espécies de Darwin para se pensar a sociedade, deu origem
a uma antropologia de caráter biológico, quando o comportamento humano passou a ser
explicado pelas leis que regulam o comportamento animal.

Para Darwin, as diversas espécies de seres vivos se transformam continuamente com a


finalidade de se aperfeiçoar e garantir a sobrevivência. Em consequência, os organismos
tendem a se adaptar cada vez melhor ao ambiente, criando formas mais complexas e
avançadas de existência. [...] Tais ideias, transpostas para a análise da sociedade, resultaram

11
Na reflexão de alguns cientistas, certos filósofos materialistas ou positivistas e psicólogos behavioristas, a
consciência humana é considerada um fenômeno secundário e condicionado por processos fisiológicos, e,
portanto, incapaz de determinar o comportamento dos indivíduos.
38

no darwinismo social, isto é, o princípio de que as sociedades se modificam e se desenvolvem


num mesmo sentido e que tais transformações representariam sempre a passagem de um
estágio inferior para outro superior [...]. Esse tipo de mudança garantiria a sobrevivência dos
organismos – sociedades e indivíduos – mais fortes e mais evoluídos. [...] [justificando] uma
ação política e econômica que nem sequer avaliava efetivamente aquilo que representaria o
―mais forte‖ ou mais evoluído (COSTA, 1987, p.45-46).

Os pensadores ou ―teóricos do poligenismo‖ como descreve Schwarcz (1997, p.34),


também conhecidos como darwinistas sociais, compreendiam que as desigualdades sociais e
políticas eram provocadas por diferenças biológicas e naturais em termos de adaptação ao
meio: ―a superioridade da raça branca estaria comprovada por sua supremacia política, mas
referida à sua ‗evidente‘ capacidade física e moral‖ (SCHWARCZ, 1997, p.34). Estavam,
assim, justificadas, na ocasião, as práticas de exclusão e de estratificação social.
Jacó-Vilela (2001) acentua que os processos desenvolvidos e aplicados para os estudos
biológicos também deveriam servir para os estudos psicológicos e sociais, desta forma, o
homem passou a ser examinado como um organismo e ―a alma, progressivamente objetivada
em corpo‖ (JACÓ-VILELA, 2001, p.182), tornou-se objeto da ciência, sobretudo, por meio
da fisiologia do cérebro.
Desse projeto de controle da sociedade pautado no determinismo biológico surgiram
as bases para se pensar e edificar uma teoria de grande repercussão: a Frenologia, a
Craniometria e a Antropologia Criminal de Lombroso e a Eugenia de Galton.
A Antropologia Criminal fundada pelo médico psiquiatra, professor universitário e
criminalista italiano Cesare Lombroso (1835-1909) defendia a hipótese de que anomalias
hereditárias desempenhavam papel preponderante na formação da personalidade, formulando
a teoria do criminoso nato. Segundo alguns autores, Lombroso acreditava que o delito seria
resultado de um defeito atávico, imanente à natureza de algumas pessoas, o que as levaria,
fatalmente, ao crime. De tal modo que seria possível identificar um indivíduo criminoso pelas
suas características físicas e raciais (sinais antropológicos), e assim poder se antecipar ao
crime (NERI, 2009; PATTO, 2010; SERAFIM, 2007; THOMPSON, 1983).
Tal foi a base para a Teoria de Estigmas proposta pela Antropologia Criminal, a qual
buscava combater a criminalidade antes que o criminoso cometesse o delito, ou seja, em razão
de suas virtualidades e não de suas ações (FOUCAULT, 1996). Uma medida que estava
vinculada à domesticação das ―massas perigosas‖ (SCHWARCZ, 1997, p.35) a partir da
verdade que a ciência se propunha a produzir e a garantir por meio de seus métodos.
Essa teoria não teve outro mérito que dar cunho científico ou ―selo do saber científico‖
(THOMPSON, 1983, p.51), a um sentimento compartilhado pelo senso comum. Mais ainda,
39

para o autor, interessava ao grupo dominante impor determinados conceitos como verdadeiros
e assim manter o status quo social:

Anexar o atributo de científico à ideologia importa em reforçá-la sobremaneira, inclusive


promovendo-a de um escudo que a torna indene aos ataques de todos os desmerecedores do
título de ―cientista‖ – a quem se defere a qualidade de único possuidor dos elementos de
conhecimento científico [...] e que os colhe, manipula, experimenta e deles tira conclusões de
uma posição de absoluta isenção e imparcialidade (THOMPSON, 1983, p.43).

Galton – que cunhou o termo Eugenia –, partia do princípio que ―a inteligência podia
ser medida com base na capacidade sensorial individual e que, quanto mais inteligente, mais
alto o nível de funcionamento sensorial do indivíduo‖ (SCHULTZ; SCHULTZ, 2005, p.140).
Um dado curioso, mas relevante, que Patto (2010) expõe é que Galton procurou –
baseado em suas premissas fortemente influenciadas pelo evolucionismo darwiniano –,
proibir os casamentos entre pessoas portadoras de deficiências físicas e mentais para
incentivar a união dos ―mais aptos‖ (PATTO, 2010, p.127). Expressão esta que deu origem,
mais tarde, ao conceito de ―aptidões naturais‖ (PATTO, 2010, p.128) aplicada pela Psicologia
científica.
Para identificar os mais aptos, Galton instalou um laboratório de Psicometria, visando
construir instrumentos que pudessem medir as faculdades mentais. Eis que surgiram,
conforme expõem alguns autores, os primeiros testes12 de inteligência, consolidando a
importação de conceitos biológicos de adaptação para o universo da Psicologia (ANASTASI,
1977; HOGAN, 2006; PASQUALI, 2001).
Patto (1984, p.92) chama a atenção para o fato de que:

[...] [a] importação do modelo das ciências biológicas não é casual ou inconsequente; antes,
instaura no miolo teórico-conceitual da psicologia uma analogia entre meio natural e meio
social e abre caminho para o primado da ideologia adaptacionista como concepção que
norteia a ação do psicólogo, colocando-o pari passu com a ideologia política dominante num
mundo industrial oligárquico. A consideração do meio social como algo ―natural‖, ―dado‖, a
que os indivíduos devem ajustar-se em nome de seu bom funcionamento, constitui um
artifício reiterador de grande eficácia mistificadora da realidade de uma sociedade de classes,
na medida em que faz com que ela apareça como algo objetivo, externo e independente dos
homens.

Entendimento este defendido por Malheiro e Nader (1987), quando, igualmente,


afirmam que a inclusão do modelo da Biologia pela Psicologia não se deu de forma acidental:
―ao fazer a analogia entre meio natural e meio social, ao qual o homem nada pode fazer, além

12
Testes de acuidade sensorial, de discriminação, de tempo de reação, além das medidas físicas, como altura e
peso.
40

de ajustar-se, a psicologia incorpora e ajuda a consolidar a ideologia capitalista dominante‖


(MALHEIRO; NADER, 1987, p.12).
Foi neste cenário que a Medicina brasileira do fim do século XIX e das primeiras
décadas do século XX, fortemente influenciada pela filosofia antropológica positivista, pelas
teorias eugenistas alemãs e pela emergência do capitalismo, ganhou legitimidade em
diferentes segmentos da sociedade (família, escola, quartel, etc.), edificando-se como
instância de controle social. Ao pretender prevenir os males individuais, a clínica médica
passou a adaptar à sociedade brasileira as explicações e os discursos higiênicos como
justificativa científica para empregar tratamentos moralizantes ou reformatórios e
discriminatórios, estabelecendo uma correspondência entre higiene física e higiene moral.
Com efeito, tornou-se responsável por instaurar uma nova ordem social e política: a
prevenção e a saúde enquanto prática médica.
Nesse contexto, a ação do ―médico político‖ (BAPTISTA, 1999, p.86) visava impedir
o surgimento da doença, voltando-se para o saneamento do país e a organização da sociedade
pelo viés da orientação e educação de modos adequados, saudáveis tanto quanto morais de
comportamento e de vida. Os corpos passaram a ser alvo de controle via regramento dos
hábitos das famílias brasileiras com suas explicações de caráter eugenista (DONZELOT,
2001).
Esta imposição de medidas higiênicas à sociedade – pautadas em critérios como a
hereditariedade, o caráter ou a constituição biotipológica –, revelou-se, por sua vez, uma
forma de encaminhar as questões sociais no Brasil, especialmente àquelas referentes à raça 13 e
à loucura14. Criou-se uma cultura de identificação, quantificação e classificação social das
deformidades, estabelecendo uma conexão entre loucura individual e degeneração racial,
considerada uma ―categoria médico-moral por excelência‖ (JACÓ-VILELA, 2002, p.14). Tais
medidas visavam à prevenção do crime, da pobreza e da degeneração, por meio do ensino de
―hábitos físicos, morais e mentais‖ (JACÓ-VILELA, ESPÍRITO SANTO; PEREIRA, 2005,
p.25).
Conforme explica Jacó-Vilela (2002, p.13):

[...] decorre da primazia do conhecimento biológico no século XIX [...] [o conceito] de ―raça‖
que, embora denote a herança de características físicas pertencentes aos diferentes grupos
humanos, no contexto de reação ao ideário iluminista aproxima-se muito do conceito de

13
Buscava-se justificar a hierarquia racial, afirmando pela superioridade da raça branca (ANTUNES, 2004).
14
Decorria a Teoria da Degenerescência, que considerava a propensão à degenerescência física e mental das
raças inferiores (ANTUNES, 2004, p.119).
41

―povo‖; acrescentando-se o conceito darwinista de seleção natural, forma-se um caldo


propício não só à afirmação da diferença – biologicamente determinada – como à
hierarquização das diferentes raças, justificativa para o domínio ocidental, do homem branco,
sobre os ―povos primitivos‖.

Assim, a afirmação e qualificação da diferença, feita a partir de critérios de


determinação biológica, permitiram que a hierarquização racial passasse a ser objeto de
ciência, justificando o domínio do homem branco (classe dominante) sobre os ditos povos
primitivos ou ―supérfluos à lógica do capital‖ (PATTO, 2010, p. 98).

Num momento da história brasileira caracterizado pelo enfraquecimento do modo de


produção escravocrata, por uma cisão no seio da elite econômica e pelo desejo de realização
de outro modelo econômico e político, as teses raciais vieram a calhar. Era um ideário que
permitia enfrentar os problemas sociais trazidos pela abolição da escravatura e pela política
imigrantista. Para conservar a rígida hierarquia social, era preciso justificá-la com a
competência inquestionável das teses científicas (PATTO, 2010, p.130).

Patto (2010) acrescenta, ainda, que a dominação da classe subalterna não se deu sem
repressão e controle por meio da imposição de uma visão de mundo própria da classe
dominante, difundida como científica.
A Teoria da degenerescência15 atribuiu à Medicina e à Higiene papel fundamental na
ingerência dos processos biológicos e orgânicos. Apresentando-se como ―uma técnica política
de intervenção, com efeitos de poder próprios‖ (FOUCAULT, 2000, p.301-302), a Medicina,
se tornou responsável pelo advento da sociedade disciplinar (FOUCAULT, 2005) ou
sociedade de normalização. Foucault (2005) demonstrou, portanto, nesse tipo de formação
social, uma relação entre o exercício do poder e a produção de um conjunto de novos saberes
no interior da sociedade disciplinar: um saber normalizador, ou seja, caracterizado pela
norma, voltado para a disciplina e regulamentação dos corpos e do comportamento da
população a serviço do capitalismo de produção, cuja potência estaria no homem convertido
em força de trabalho.

A ―disciplina‖ não pode se identificar com uma instituição nem com um aparelho; ela é um
tipo de poder, uma modalidade para exercê-lo, que comporta todo um conjunto de
instrumentos, de técnicas, de procedimentos, de níveis de aplicação, de alvos; ela é uma
―física‖ ou uma ―anatomia‖ do poder, uma tecnologia (FOUCAULT, 2005, p.177).

15
Proposta por Morel (1857), a ideia de degenerescência repousa sobre a concepção de que a herança que se
transmite através das gerações não se restringe ao plano biológico, mas inclui dimensões morais e de
comportamentos – virtuosos ou viciados. Algumas causas para a degenerescência incluem o abuso do álcool,
alimentação deficiente, meio social miserável, imoralidade dos costumes, conduta sexual desregrada, doenças da
infância e a própria herança de uma carga de degenerescência. Nessa perspectiva, a influência concreta da
família sobre a criança desempenharia um papel central na instalação da degeneração no indivíduo. (PEREIRA,
2008, p. 492-493).
42

Enquanto instrumento de intervenção, a


Medicina, proclamando-se e sendo reconhecida como
uma ciência (enunciadora de verdades essenciais),
exerceu o poder e o controle da sociedade por meio da
biologia na administração, na disciplina, no
Imagem 3: Panóptico
adestramento e docilização dos corpos como máquina
Jeremy Bentham (1748-1832), filósofo
úteis e dóceis pra assegurar o desenvolvimento do utilitarista inglês idealizador do sistema de
prisão circular conhecido por Panóptico: ―é
capitalismo (FOUCAULT, 2004a; 2001a). A serviço uma composição arquitetônica de cunho
do Estado na intervenção e modificação do meio coercitivo e disciplinatório: possui o
formato de um anel onde fica a construção à
físico e da vida, tais como o controle dos nascimentos periferia, dividida em celas tendo ao centro
uma torre com duas vastas janelas que se
e da mortalidade, da saúde, da duração da vida, da abrem ao seu interior e outra única para o
exterior permitindo que a luz atravesse a
longevidade, etc., a Medicina estava autorizada a cela de lado‖ (FOUCAULT, 2000; 2005,
p.177), de modo que os prisioneiros
exercer o biopoder, ou seja, o poder sobre a vida, ficavam expostos à observação do diretor
possuindo o ―direito de intervir para fazer viver, e na que poderia ver a todos sem ser visto. A
incerteza de serem vistos os manteria sobre
maneira de viver, e no como viver‖ (FOUCAULT, controle, confirmando a eficiência do
mecanismo. Este mecanismo, entendido
2000, p.295). Para tanto, a ciência médica empregava como um dispositivo ou máquina óptica de
vigilância cotidiana (ou máquina de
biotecnologias ou afirmava biopolíticas a fim de disciplina), era destinado ao exercício do
poder a partir do controle do
garantir a função de normalizar e adaptar a população comportamento dos indivíduos observados
aos processos econômicos. (detento, aluno, militar, doente ou louco).
Foucault (1996; 2000; 2005)

O controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera simplesmente pela consciência ou


pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Foi no biológico, no somático, no
corporal que, antes de tudo, investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma realidade
biopolítica (FOUCAULT, 2004a, p.80).

Por sua vez, se o objetivo das biopolíticas era a vigilância, a organização e o controle
da vida – protegê-la multiplicá-la, regulá-la – para encaixá-la no formato preestabelecido e
definido como normal, eram necessários os conhecimentos científicos para fins de ―intervir
racionalmente no substrato biológico das populações‖ (SIBILIA, 2003, p.161). Essa
intervenção se daria por meio de regramentos e da instituição de leis sanitárias, planejamentos
reprodutivos, mudança de hábitos e costumes ligados à higiene e à prevenção de doenças
(BARONI, VARGAS ; CAPONI, 2010; SAMPAIO, 1994).
A produção de saberes sobre os indivíduos, conforme explica Foucault (1996; 2005),
partiu da tecnologia disciplinar denominada Panóptico – promotora da vigilância escalonada,
43

da observação –, e do exame (medir, avaliar, classificar, hierarquizar) das condutas dos


sujeitos.
Um saber sobre os indivíduos que nasce da observação dos indivíduos, da sua classificação,
do registro e da análise dos seus comportamentos, da sua comparação, etc. Vemos assim,
nascer, ao lado desse saber tecnológico, próprio a todas as instituições de seqüestro, um saber
de observação, um saber de certa forma clínico, do tipo da psiquiatria, da psicologia, da psico-
sociologia, da criminologia, etc. (FOUCAULT, 1996, p.121).

Segundo Foucault (1996; 2005), os estabelecimentos penais, escolares, médico-


hospitalares e industriais – instituições totais ou de sequestro (ou, ainda, de confinamento) do
tempo, do corpo e do saber ou episteme dos confinados, foram organizados enquanto
laboratórios de poder epistemológico – ―aparelhos de examinar‖ contínuos, ensejando a
extração e o desenvolvimento de saberes psicológicos (FOUCAULT, 2005, p.154).
Como afirma Batista (2005, p.25),

Os sintomas no corpo devem ser observados por longo tempo para serem descritos
detalhadamente para uma intervenção moral e curativa. [...] Esse processo produz as
preocupações com a higiene pública, com a centralização das informações, sua normatização
e coordenação, com as pedagogias da higiene e com a medicalização. Produz também a
preocupação com os incapazes, [...] portadores de anomalias.

Este conhecimento psicológico adquirido por meio de técnicas de observação e exame,


e empregado para dar suporte a áreas ligadas à prática médico-patológica, à educação, à
organização do trabalho e à clínica, operaria de modo eficaz na composição de diagnósticos e
classificações nosográficas. Estes, por sua vez, seriam empregados com vistas à normalização
da sociedade a partir da produção de corpos dóceis, adaptados, treinados ao trabalho,
disciplinados e corretos. Afinal, é sendo dócil que o corpo ―pode ser submetido, que pode ser
utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado‖ (FOUCAULT, 2005, p. 118) à ordem
estabelecida, ao capital.
Barros e Josephson (2007, p.441) explicam que o indivíduo seria, portanto:

[...] alvo e efeito das intervenções e investimentos da sociedade burguesa. Resultante do


embate e confluência do exercício de um poder que se exerce como incitação a um modo de
viver que individualiza a experiência subjetiva da e na modernidade instaura as condições de
constituição de um modo-padrão de experimentar as relações no mundo. [...] Cria-se uma
estrutura de vigilância contínua e anônima, fixando e regulando os movimentos e ações de
cada um [...]. [São] práticas disciplinares em curso que tratavam de examinar, classificar,
regular e distribuir, no espaço social, os indivíduos.
44

Partindo do pressuposto de que os vícios e a Formação de hábitos sadios nas crianças

decadência moral da sociedade brasileira eram frutos Hoje escovei os dentes


Hoje tomei banho
da ignorância da população, as palavras de ordem Hoje fui à latrina e depois lavei as mãos
com sabão
naquele início do século XX no Brasil eram
Hontem me deitei cedo e dormi com
prevenção, profilaxia, higiene física e mental. janellas abertas
De hontem e para hoje já bebi mais de 4
Dirigindo um ―olhar fiscalizador‖ (PATTO, 2010, copos d‘agua
Hontem comi ervas ou frutas, e bebi leite
p.129) para as crianças, especialmente as provenientes Hontem mastiguei devagar tudo quanto
comi
de famílias pobres que necessitavam ser disciplinadas Hontem e hoje andei sempre limpo
Hontem e hoje não tive medo
– tal como é possível ler nos preceitos do Pelotão da
Hontem e hoje não menti.
Saúde propostos pelo médico Carlos Sá (1929) para a Sá (1929, p. 815-816).

formação de hábitos sadios nas crianças –, a


Medicina se institucionalizou, mais precisamente, o ―olhar médico‖ (FOUCAULT, 2004a,
p.209) se inscreve no espaço social por meio de medidas tanto sanitárias quanto políticas,
dando suporte normalizador ao governo moderno (BATISTA, 2005).
Valendo-se de certa competência na área psicológica em expansão no país, não só
pelos recursos psicotécnicos disponíveis, mas pelo expediente da ―psychoterapia‖ (PATTO,
2010, p.133), compreendida como tratamento para ―correção de hábitos e vícios morais‖
(BATISTA, 2005, p.25), que tais tecnologias passaram a ser empregadas ou solicitadas por
―médicos, educadores, sanitaristas, higienistas, engenheiros, religiosos‖ (PYKOSZ, 2007,
p.17), que centravam esforços em difundir seus saberes para o interior das escolas, hospícios e
prisões.
O ambiente escolar era considerado o lugar privilegiado para expandir os princípios
eugênicos e higienistas e a prática do exame, com o uso de testes mentais, de modo que a
Psicologia ―normalizadora e mensuradora‖ despontava nestes espaços ―em harmonia com a
concepção de escola como instituição higiênica a serviço do projeto político de constituição
de sociedades ordeiras e progressistas‖ (PATTO, 2010, p.129).
Neste caso, professores do ensino primário16 foram treinados para aplicar testes
psicológicos ou exames mentais para fins de diagnosticar, cientificamente, a natureza da
criança e, assim, poder selecionar os alunos por aptidão (ALVES, 2009b; BOARINI, 2004;
PATTO, 2010).

16
O Projeto de Lei nº 3.675/04 transformava o ensino primário em ensino fundamental, quando a Classe de
Alfabetização foi incorporada ao ciclo obrigatório. Posteriormente, a Lei 11.114/05 estendeu o prazo para até o
ano de 2010 para que Estados e Municípios pudessem se adaptar às novas medidas.
45

Essa necessidade de desenvolver métodos Liga Brasileira de Higiene Mental


Os objetivos da Liga Brasileira de
eficientes para racionalizar a escolarização, para Higiene Mental (LBHM), de acordo com os
seus estatutos, se delinearam no sentido de
avaliar e classificar os alunos de acordo com suas alcançar:
capacidades psíquicas permitiu que muitos [...] a) prevenção das doenças nervosas
e mentais pela observância dos princípios
laboratórios no país fossem criados segundo o modelo da higiene geral e especial do sistema
nervoso; b) proteção e amparo no meio
da Pedagogia Experimental de Alfred Binet (1857- social aos egressos dos manicômios e aos
deficientes mentais passíveis de internação;
1911). A aplicação em Psiquiatria, por sua vez, seguiu c) melhoria progressiva nos meios de
assistir e tratar os doentes nervosos e
o exemplo de Emil Kraepelin (1856-1926), a partir de mentais em asilos públicos, particulares ou
experimentos com pacientes em laboratórios fora deles; d) realização de um programa de
Higiene Mental e de Eugenética no
instalados em hospitais (PASQUALI; ALCHIERI, domínio das atividades individual, escolar,
profissional e social (BRASIL, 1925, p.
2001; PATTO, 1984). 223).

BRASIL. Decreto-lei n. 4.778.


[...] a psicologia desenvolve-se, então,
em laboratórios, anexos a escolas ou a instituições paraescolares, voltada para a
experimentação à maneira europeia, praticada por membros da burguesia local, quase sempre
formada na Europa, ou por pesquisadores europeus importados. Na verdade, o ensino e a
população escolar infantil, real ou potencial, não são atingidos por esta prática fechada e
acadêmica (PATTO, 1984, p.75-76).

Um dos mais importantes laboratórios de Psicologia, talvez o primeiro laboratório de


Psicologia do Brasil foi o de Psicologia Experimental instalado em 1906 no Pedagogium –
centro propulsor das reformas e melhoramentos de saber e fomento para realizações
educacionais idealizado por Rui Barbosa (1849-1923) –, por iniciativa de José Joaquim de
Campos da Costa Medeiros e Albuquerque (1867-1934) e sob a direção do médico Manoel
Bonfim (1868-1932) (ANTUNES, 2004; PATTO, 1984; PENNA, 1992; PFROMM NETTO,
2004).
Na esteira do movimento higienista, foi fundada em 1923, pelo psiquiatra Gustavo
Riedel (1887-1934), a Liga Brasileira de Higiene Mental (1923-1947), que, ao assumir o
projeto eugênico, criou um laboratório de Psicologia com a intenção de proporcionar
assistência a doentes mentais. Posteriormente, dedicou-se a divulgar estudos na área que
permitissem uma intervenção profilática nos meios escolar, profissional e social.
Por outro lado, alguns dos laboratórios instalados em hospícios, tal como o
Laboratório de Psicologia da Colônia de Psicopatas do Engenho de Dentro (Rio de Janeiro),
fundado por W. Radecki (1887-1953), tiveram por finalidade a produção de conhecimentos
psicológicos direcionados a temáticas variadas, desde estudos experimentais sobre seleção e
orientação profissional, consequência da fadiga em trabalhadores menores de idade, atenção
46

ao trabalho, seleção de aviadores, psicometria, e outros (ANTUNES, 2004; LISBOA;


BARBOSA, 2009; SASS, 1988).
Para efeitos de produção de conhecimentos psicológicos, esse laboratório foi
responsável pelo primeiro projeto de curso de Psicologia, datado de 1933. Contudo, o projeto
logo se frustrou. Alguns autores especulam que tenha sido em razão de problemas
orçamentários e forte influência de setores da Medicina, incomodados com a possibilidade de
profissionalização da Psicologia no Brasil (BERNARDES, 2004; MANCEBO, 1999;
PENNA, 1992).

Com o intuito de formar profissionais em Psicologia, o curso possuía uma configuração


básica orientada para a Psicologia Aplicada, com séries iniciais sustentadas, por um lado,
pelas Ciências Naturais (com maior peso) e, por outro, pelas Ciências Humanas, concluindo
com os trabalhos de aplicação. [...], não era muito diferente dos que encontramos hoje nas
faculdades de Psicologia espalhadas pelo País (BERNARDES, 2004, p.84).

De modo geral, a importância desses laboratórios estava no fato de serem centros de


produção de conhecimentos e técnicas de cunho psicológico muitas vezes empregados pela
Medicina e pela Pedagogia como ferramenta de normalização e controle dos ―espíritos e dos
corpos, projeto esse que constitui a imagem do homem moderno‖ (SATHLER, 2008, p.7).
Assim, tanto as pesquisas em laboratórios quanto as teses de doutoramento elaboradas
nas Faculdades de Medicina – permeadas pelo modelo de ciência centrado no Positivismo do
século XIX –, constituíram-se bons exemplos de produções intelectuais que propiciaram a
formação das bases para a emergência da Psicologia no país como campo de saber, ainda que
subsidiária da Medicina.

As primeiras contribuições para o estudo da Psicologia, no Brasil, são oferecidas por


Médicos. Em suas teses de doutoramento (assim eram denominados os trabalhos de conclusão
de curso, nas Faculdades de Medicina), nas teses de provimento de cátedra e nas teses de
verificação de títulos, incursionavam, estudantes e profissionais, sobretudo no Rio de Janeiro
e Bahia, nas searas da Psicologia, (evidentemente, racional ou filosófica), trazendo à lume
achados e conclusões de interesse não só para o filósofo e historiador, como para o homem de
cultura (CFP, 1979, p.12).

As faculdades de Medicina na Bahia e no Rio de Janeiro ficaram conhecidas como


dois grandes centros de estudos, muitos voltados para temas de interesse psicológico,
diferenciando-se pelas linhas de indagação: na Bahia, os estudos eram dirigidos à
Criminologia, Psiquiatria Forense, Higiene Mental e Psicologia Social; já no Rio de Janeiro,
os temas relativos à Neuropsiquiatria, Psicofisiologia e Neurologia eram mais veementes. O
ensino da Medicina Legal foi contemplado nas escolas médicas de ambos os estados, mas foi
47

a cidade do Rio de Janeiro que recebeu o título de ―Meca intelectual‖ (PESSOTTI, 1988,
p.22) do país, lugar de grandes empreendimentos científicos, o que favoreceu o florescimento
da vida acadêmica.
Embora Castilho e Cabral (1950/2004) afirmem que as obras psicológicas na Medicina
tiveram mais prestígio que as na Pedagogia, ambas estavam interessadas no emprego de
técnicas e metodologia oriundas da Psicologia, tais como os testes psicológicos. Embora
fossem instrumentos estrangeiros traduzidos de forma rudimentar e improvisada, os testes
psicológicos despontaram como um recurso bastante útil no início do século XX na intenção
de identificar ―marginais‖ (PATTO, 1984, p.99) e, com efeito, promover medidas visando à
reintegração ou segregação, dependendo o interesse do sistema.
Jacó-Vilela (2002) explica que, com a acumulação do saber, tornou-se possível aos
profissionais saírem do espaço restrito do laboratório, sem, contudo, abdicar das regras de seu
funcionamento.

Os testes indicam o prescindir dos instrumentos de que se achavam dotados os laboratórios


(mecânicos, elétricos), transformando-se em ―testes de lápis e papel‖, cuja facilidade de
aplicação – tanto em termos de local quanto em relação à quantidade possível de pessoas
testadas ao mesmo tempo – faz com que se tornem a técnica privilegiada de produção dos
saberes e práticas psicológicas (JACÓ-VILELA, 2002, p.16).

Com essa medida, os testes e sua ―quantificação quase mágica‖ (PATTO, 1984, p.98)
ficaram disponíveis para concretizar a aspiração da sociedade industrial capitalista, ao se
pautar em critérios numéricos e objetivos, de poder classificar seus membros.

1.3 Medir, Testar, Classificar: aplicando o saber psicológico

A importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças ou barômetros. A
importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós.
Malito e Aguiar (2010, p.53)

Naquele momento, final do século XIX e início do século XX, a influência norte-
americana se fez sentir no Brasil, mais especificamente pela Psicologia Funcional ou
Aplicada, oriunda dos países de língua inglesa – cujo afã era de medir, classificar, visando à
adaptação do organismo ao ambiente.
48

Irrompendo um movimento em favor dos testes psicológicos de inteligência, de


aptidão e, mais tarde, de personalidade, em grande parte importados da Europa e dos Estados
Unidos para o Brasil, que um campo de atuação da Psicologia no país começou a se formar
por meio da atuação dos chamados ―psicologistas‖ ou ―psicotécnicos‖ (JACÓ-VILELA et al.,
2005, p.27). Esses eram técnicos ou especialistas no campo da Educação, da Medicina e do
Direito, responsáveis pela realização de exames com vistas a fornecer elementos concretos,
mensuráveis, objetiváveis, com vistas a escapar ou diferenciar da prática do senso comum de
emitir juízo de realidade (afirmar que algo existe) e de valor (e lhe atribuir uma qualidade) a
qualquer fenômeno que caracterize o fazer humano. Generalização
- Você é um menino. Você não precisa
Portanto, foi com o propósito de conferir um foro ter pressa. Eu tenho pressa.
- De quê?
científico ao exame que este se apoiou em recursos - De várias coisas. Aliás, todo mundo
estatísticos de medição, quantificação, generalização, tem pressa.
- Todo mundo? Não. Todo mundo é
regularidade e normalidade, enfim da Psicometria, demais. A generalização é um caminho
para a injustiça: ―Todo mundo‖,
desprezando quaisquer outras avaliações efetuadas fora ―ninguém‖, ―o tempo todo‖, ―nunca‖.
desse parâmetro. Chalita (2011, p.27)

A medida em ciências do comportamento, notadamente na Psicologia, deveria ser chamada


puramente de psicometria, similarmente ao que ocorre em ciências afins a ela, onde se fala de
sociometria, econometria, politicometria, etc. Psicometria, contudo, tem sido abusivamente
utilizada dentro de um contexto muito restrito, referindo-se a testes psicológicos e escalas
psicométricas. De qualquer forma, a psicometria ou medida em Psicologia se insere dentro da
teoria da medida em geral que, por sua vez, desenvolve uma discussão epistemológica em
torno da utilização do símbolo matemático (o número) no estudo científico dos fenômenos
naturais. Trata-se, portanto, de uma sobreposição, ou melhor, de uma interface entre sistemas
teóricos de saber diferentes, tendo a teoria da medida a função de justificar e explicar o
sentido que tal interface possui (PASQUALI, 1996).

Conforme explicação de Braga e Cruz (2006) e Pasquali (1996; 1997), a Psicometria,


considerada um campo de estudo da Estatística, emprega a Teoria da Medida, portanto,
modelos matemáticos por meio do qual propõe estudar e atribuir valores numéricos aos
fenômenos psicológicos para fins de descrição e compreensão da personalidade, da
inteligência e de ações e aptidões individuais, capazes de induzir a conclusões diagnósticas e
prognósticas.
Subjacente ao modelo psicométrico está, segundo Trinca (1984), a compreensão de
que o comportamento humano possui características genéricas, consideradas imutáveis ou
naturais, tais como as características genéticas e constitucionais. Os testes psicológicos, desta
forma, seriam os instrumentos de precisão mais confiáveis do que a percepção pessoal, que
visariam à identificação, à medição e à classificação dos fenômenos subjetivos – a
49

personalidade, as manifestações do comportamento, a inteligência e o afeto –, a partir de uma


definição pré-estabelecida do que seria típico ou natural, contribuindo para ―o
desenvolvimento de uma linguagem padronizada que pudesse ser aceita pelas disciplinas
científicas‖ (MITO, 2002, p.39).
Nestas condições, o saber psicológico em ascensão, oriundo dos testes, passou a ser
requisitado pela Medicina, compartilhando com ela o ―sonho de ordem e limpeza da
Modernidade‖ (HÜNING; GUARESCHI, 2005, p.117).
Portanto, foi com base no emprego de exames e observações, assim como de aparatos
capazes de extrair confissões e confidências que a Medicina Psiquiátrica despontou no Brasil,
no final do século XIX, amparada principalmente na Teoria da Degenerescência e nos
princípios das Ciências Naturais oriundos dos países europeus. Estabeleceu-se enquanto
disciplina específica a partir da suposição de uma determinação orgânica ou biológica da
loucura.

[...] a psiquiatria tem tornado equivalentes processos psíquicos e processos cerebrais


decorrentes do modelo de homem proposto pela psiquiatria – o homem biológico –, centrando
seu olhar na doença; o que resulta no estreitamento de possibilidades de intervenção nessas
manifestações de sofrimento. Decorrentes desse modelo de homem biológico, variações
orgânicas passam a ser interpretadas como doenças e legitimadas por esse saber biomédico
(BARONI; VARGAS; CAPONI, 2010, p.72).

Pelo fato de o saber psicológico coadunar o modelo de saúde com o de homem


biológico, que este passou a ser requisitado por psiquiatras forenses para enunciar o
diagnóstico preciso das condições psicológicas ou psicopatológicas dos sujeitos periciados –
apartadas de fatores socioeconômicos, culturais, emocionais –, levando a cabo o projeto de
controle e ―reforma moral‖ dos indivíduos (NERI, 2009, p.115).
O exame, enquanto técnica disciplinar de extração de saberes e verdades, captura os
indivíduos e os transforma em um caso, inserindo-os em um mecanismo de objetivação, com
vistas à medição, à comparação, à descrição, à classificação, ao diagnóstico e à diferenciação
de comportamentos, seja das normalidades ou dos desvios, para fins de controle social,
adaptação e treinamento (BENELLI, 2004; FOUCAULT, 1996, 2005).
O saber médico, advindo do exame, trouxe a definição de normal, anormal ou
patológico, tendo por base a norma, isto é, uma regra geral ou um sistema de pontuações que
visaria organizar os sujeitos examinados a partir da unificação da diferença, portanto, da
generalização, para assim indicar se seriam portadores de alguma anormalidade ou patologia.
Contudo, o anormal não foi concebido como oposto ao normal, tendo em vista que a patologia
50

não é o estado da ausência de normas, mas a presença


de normas outras. Normal seria, nessa perspectiva,
aquilo ―que se encontra na maior parte dos casos‖, ou
Imagem 4 - Curva Simétrica de
se constitui a média estatística ou, ainda, o ―módulo
Distribuição Normal
de uma característica mensurável‖ (CANGUILHEM, A curva normal, também conhecida
como a curva em forma de sino, tem uma
1978, p.92; MACHADO, 1994). história bastante longa e está ligada à
história da descoberta das probabilidades
Portanto, como explica Foucault (1996, p.88), em matemática, no século XVII, que
surgiram para resolver inicialmente
questões de apostas de jogos de azar (veja
[...] se um indivíduo se conduz ou não Bernstein, 1997). O responsável mais direto
como deve, conforme ou não à regra, se da curva normal foi Abraham de Moivre,
progride ou não etc. Esse novo saber não matemático francês exilado na Inglaterra,
se organiza mais em torno das questões que a definiu em 1730, dando sequencia aos
―isso foi feito? quem o fez?‖; não se trabalhos de Jacob Bernoulli (teorema ou lei
ordena em termos de presença ou
dos grandes números) e de seu sobrinho
ausência, de existência ou não existência.
Ele se ordena em torno da norma, em
Nicolaus Bernoulli, matemáticos suíços.
termos do que é normal ou não, correto Publicou seus trabalhos em 1733 na obra
ou não, do que se deve ou não fazer. The doctrine of chances. A descoberta teve
logo grande sucesso e grandes nomes estão
ligados à curva normal, tais como, Laplace
Em uma curva simétrica de distribuição que em 1783 a utilizou para descrever a
distribuição dos erros, e Gauss que em 1809
normal, tudo que se afasta do centro, da média, é a empregou para analisar dados
astronômicos. Inclusive, a curva normal é
considerado desviante ou anormal. chamada de distribuição de Gauss. Hoje em
dia, a curva normal é um ganho
Tal conceito, por sua vez, é sustentado fundamental em ciência, porque (1) a
normalidade ocorre naturalmente em
ideologicamente por grupos dominantes que
muitas, senão todas as medidas de situações
impuseram um padrão de comportamento que parece físicas, biológicas e sociais e (2) é
fundamental para a inferência estatística.
normal ou natural, como uma solução para lidar com [...] Moivre chamou essa curva de normal,
porque a média dela representa a norma,
aqueles que lhes escapam, tais como os loucos, isto é, as coisas todas deviam ser como a
média; de sorte que tudo que se desvia
mendigos, prostitutas, pobres. Enfim, a norma cairá dessa média é considerado erro, donde a
equivalência entre desvio e erro. Moivre
sobre todos aqueles que poderiam vir a questionar a
defendeu essa ideia sob o conceito do
rede econômica, social e política da qual a burguesia homem médio ou mediano, ideia que
provocou brigas homéricas na história da
ascende, ―sem que esses possam percebê-la como lei, curva normal. Esta ideia do homem médio
insinua, por exemplo, que todos os homens
dificultando um olhar diferenciado e problematizador‖ deveriam ter a mesma altura, o mesmo
peso, a mesma inteligência etc., isto é, todos
(COIMBRA; AYRES; NASCIMENTO, 2009, p.36; eles deveriam ser medianos; os desvios
dessa norma podem ser considerados
MAIA, 2002).
―aberrações‖ da natureza! Se você não
Logo, o exame teria por regra, a emissão de introduzir concepções filosóficas, esse
modo de pensar de Moivre é muito útil e
resultados diferentes em função da classe social a que prático para entender o que seja e para que
serve a curva normal.
o sujeito avaliado pertença: em se tratando de pessoas Pasquali (s/a)
51

advindas da classe burguesa, os procedimentos diagnósticos tenderiam a indicar um


comportamento mais próximo da curva normal. No caso de pessoas oriundas de classes
subalternas, os registros tenderiam a apontar para a presença de deficiências ou transtornos,
fundamentados cientificamente por meio de explicações que ignorariam totalmente a
dimensão social e política a que estariam inseridos, esgotando-se no plano das diferenças
individuais (PATTO, 1997).
Para Coimbra, Ayres e Nascimento (2009, p.21),

A naturalização tem sido uma forma de exercer o poder, um mecanismo de dominação, pois
tudo aquilo que coloca em risco a funcionalidade das relações dominantes, consideradas
naturais, passa a ser encarado como anormal, doentio, patológico que necessita ser
diagnosticado.

Por conta desse processo estatístico, os sujeitos passariam a ser identificados,


individualizados e inseridos em um ―sistema de registros intenso e de acumulação
documentária‖ (FOUCAULT, 2005, p.157), no qual relatórios, prontuários, fichas, arquivos
passaram a ser criados e alimentados com informações provindas do exame da
individualidade desses sujeitos. O exame, deste modo, comportou o desenvolvimento de ―uma
rede de anotações escritas‖ (idem, ibidem) que serviriam para justificar uma ação de
vigilância, de coerção e controle, por exemplo, encaminhando esses indivíduos a instituições
encarregadas de ―endireitar‖ o que estivesse ―torto‖ (CANGUILHEM, 1978, p.92).

Esse encaminhamento configura-se como a exclusão legitimada da qual alguns jamais


retornam. Contudo, esse encaminhamento ainda é resultado de exame disciplinar e, portanto,
legitimador da responsabilidade individualizada. O sujeito é esquadrinhado como indivíduo,
unidade autônoma, e não tomado como resultado de uma construção das tecnologias de
subjetivação ou dos agenciamentos maquínicos institucionais do Estado (SATHLER, 2008,
p.167).

Em decorrência dessa busca pela normalização do modo de vida da população, alguns


autores relatam que a Psiquiatria brasileira passou a explicar e a prevenir a incidência das
doenças mentais e tantos outros problemas, erigindo como uma ciência dos anormais e
suporte para o estudo das moléstias mentais, como também contribuiu para legitimar as
desigualdades raciais no país – já que os ditos loucos eram, em sua maioria, negros –,
produzindo seus efeitos de poder (BARONI; VARGAS; CAPONI, 2010; JACÓ-VILELA et.
ali, 2005; OLIVEIRA, 2009; SILVA JR; FERRAZ, 2001).
A patologia mental, nestes termos, seria caracterizada como uma ―doença virtual,
impossível de ser detectada pelo leigo‖ (BAPTISTA, 1999, p.118), necessitando do olhar
52

técnico do especialista, ―capaz de saber ver, analisar, estabelecer identidades e diferenças,


classificar o normal e apontar o desvio‖ (MONTEIRO; JACÓ-VILELA, 2007, p.145). Trata-
se do exercício disciplinar por meio do controle das ―virtualidades‖, como define Foucault
(1996, p.85), quando o comportamento dos indivíduos passaria a ser analisado, julgado e
corrigido de forma antecipatória, ou seja, antes que cometessem algum delito. Para Baptista
(1999), foi quando nasceu a periculosidade e, a partir dela, pensou-se a prevenção.
Esse processo, além de ter provocado a inserção e a articulação da Medicina
psiquiátrica no âmbito do Direito, a chamada Psiquiatria Forense, ainda destacou o trabalho
dos psicologistas ou psicotécnicos, ―para além da antropometria17‖ (JACÓ-VILELA et. ali,
2005, p. 27-28), na determinação da periculosidade e inimputabilidade de réus e condenados.
Conforme expõe Gomes (2004, p.60):

As bases para a implantação da psicologia como prática profissional autônoma no Brasil


foram claramente estabelecidas entre os anos 1920 e 1962. Profissionais das mais diferentes
áreas buscavam na psicologia elementos básicos para o incremento de suas práticas. Os
médicos recorriam à psicologia para fundamentar programas preventivos de saúde mental, e
de recursos técnicos para a definição de diagnóstico. Os educadores buscavam na psicologia
os fundamentos teóricos para uma prática pedagógica científica. Os advogados procuravam na
psicologia elementos para a compreensão, elucidação e intervenção em problemas de
delinquência e criminalidade. Os engenheiros recebiam o instrumental psicológico como uma
contribuição científica valiosa à análise das condições organizacionais do trabalho, ao
ajustamento do trabalhador às especificidades ocupacionais, e ao melhoramento da eficiência
produtiva. Com efeito, a psicologia expandia-se no Brasil como uma novidade técnica
avançada, solidamente fundamentada em princípios científicos, passando a constar nos
currículos das faculdades de filosofia, instituídas a partir da década de 1930.

Amparada, portanto, no modelo médico e na Psicometria, a Psicologia emergente no


Brasil se constituiu enquanto um ―saber epistemológico e tecnológico, e, de certa forma, um
saber clínico‖ (PEREZ; MEZA; ROSSOTTI; BICALHO, 2010, p.181), capaz de estabelecer
parâmetros de normalidade e anormalidade. Para tanto, técnicas e aparatos considerados
científicos e, portanto, neutros, objetivos e de caráter universal, eram empregados com vistas
à descrição, classificação do comportamento e ordenação dos corpos em diagnósticos ou
―conceitos identitários‖ (MANCEBO, 2004, p.43) para alocá-los em campos partilhados entre
normal e patológico.
Oliveira (2009) comenta que desta ciência em processo de constituição procederam
estudos sobre o psiquismo humano que atraíram a atenção do Direito, na medida em que

17
Na prática da antropometria, o profissional deveria ―medir a caixa craniana, estudar a ossatura facial e
inspecionar a anatomia, na busca de possíveis sinais de degenerescência‖ (FOUCAULT, 2001, p.32-33).
53

poderiam auxiliar o juiz no compreensão do comportamento desviante e posterior


determinação da pena a ser cumprida.

É, portanto, a faceta experimental dos estudos de processos psicológicos que fará a


aproximação entre psicologia e direito. São os testes psicológicos, entendidos como técnica
por excelência da ciência psicológica, que vão possibilitar a entrada da psicologia nos
tribunais. Para a instância jurídica, a parceria com a psicologia significava a chance de
transitar além das provas físicas do crime: a possibilidade de investigar a mente criminosa
(OLIVEIRA, 2009, p.31).

Assim, constituídos com base no exame, nos diagnósticos, nas previsões, os saberes
psiquiátrico, psicológico, etc., surgiam como um sofisticado mecanismo de poder e controle
disciplinar paralelo ao judiciário (FOUCAULT, 1999; 2006). Exercendo esse biopoder, os
―técnicos da continuidade ideológica‖ (AGUIAR, 1984, p. 34) realizavam uma ortopedia
social ou uma ―ortopedia das subjetividades‖ (PEREZ; MEZA; ROSSOTTI; BICALHO,
2010, p.181), produzindo verdades, rituais, realidades e sujeitos.
Logo, conforme discutem alguns autores, o tratamento àquele julgado doente visava à
prevenção do indesejado, à cura do anormal e à correção do inadequado ou do desviante para
fins de formação de ―bons costumes e bons sujeitos‖ (HÜNING; GUARESCHI, 2005, p.117)
e recondução à normalidade, conforme padrões moralizantes exigidos pela sociedade. Com
efeito, a Psicologia emergente serviu como dispositivo de desqualificação dos modos de ser e
viver daqueles que não se enquadravam à norma (FERREIRA; GUTMAN, 2007; NERI,
2009; OLIVEIRA, 2009; SEMINÉRIO, 1980a; TORRANO, 2006/2007).
Nestes termos, os testes psicológicos tornaram-se o dispositivo considerado mais
adequado não só para indicar anomalias e desvios, a partir de uma visão cientificista e
organicista, como também para determinar as características de personalidade, com vistas a
proteger a sociedade ―das ações intempestivas daqueles que visam sua destruição‖ (JACÓ-
VILELA et. ali, 2005, p.23-24).
Acima de tudo, estes instrumentos serviram também para colocar a Psicologia como
uma aliada ao projeto do Governo de modernização do país (CASTRO; CASTRO,
JOSEPHSON; JACÓ-VILELA, 2007, p.283; MARIGUELA, 1995; OLIVEIRA, 2009,
SENNE, 2005).

A característica da produção do conhecimento científico, nesse período, é clara: o tecnicismo


imperante para o atendimento às demandas de crescimento do mercado industrial. Sob a égide
dos preceitos das Ciências Naturais do século XIX, fortemente influenciada pela lógica
positivista, a Psicologia entrega-se à sedução do desejo de expansão e crescimento, atendendo
aos apelos do Estado, clamoroso para o desenvolvimento do mercado. O espírito da época
54

influenciava a discussão sobre a Revolução de 1930


formação em Psicologia. A
Síntese: O movimento político-militar que
industrialização crescente promoveu
rápido crescimento de cursos determinou o fim da Primeira República
profissionalizantes na área tecnológica (1889-1930) originou-se da união entre os
(BERNARDES, 2004, p.89). políticos e tenentes que foram derrotados
nas eleições de 1930 e decidiram por fim ao
sistema oligárquico através das armas. Após
Naquele período, início dos anos de 1930, o dois meses de articulações políticas nas
principais capitais do país e de preparativos
Brasil atravessava um momento de grandes militares, o movimento eclodiu
simultaneamente no Rio Grande do Sul e
transformações econômicas e sociais definidas pela Minas Gerais, na tarde do dia 3 de outubro.
Em menos de um mês a revolução já era
expansão do processo de industrialização, período vitoriosa em quase todo o país, restando
dominado pela ideologia nacional-desenvolvimentista, apenas São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e
Pará ainda sob controle do governo federal.
conforme explica Patto (1984, p.55). Finalmente, um grupo de militares exigiu a
renúncia do presidente Washington Luís e
pouco depois entregou o poder a Getúlio
Vargas.
O ano de 1930, data da queda da
República oligárquica, é tido como um Foi a vitória do candidato governista
marco na história econômica e política Júlio Prestes nas eleições de março de 1930,
do Brasil; através de uma acentuada derrotando a candidatura de Getúlio Vargas,
tendência à industrialização, de uma que era apoiada pela Aliança Liberal, que
preocupação maior e inovadora com o deu início a uma nova rearticulação de
desenvolvimento econômico, de uma forças de oposição que culminou na
reorientação na política comercial e da Revolução de 1930. Os revolucionários de
disseminação da ideologia democrática 30 tinham como objetivo comum impedir a
no país, dá-se a passagem gradual de
posse de Júlio Prestes e derrubar o governo
uma sociedade agrária oligárquica para
uma sociedade urbano-industrial de Washington Luís, mas entre eles havia
capitalista. posições distintas quanto ao que isso
representava e quais seriam as
conseqüências futuras.
O movimento revolucionário de 1930, que Dentre os jovens políticos que se uniram
em torno do levante, destacavam-se Getúlio
conduziu Getúlio Vargas à Presidência da República, Vargas, Oswaldo Aranha, Flores da Cunha,
Lindolfo Collor, João Batista Luzardo, João
apresentava, entre suas bandeiras, o saneamento do Neves da Fontoura, Virgílio de Melo
Franco, Maurício Cardoso e Francisco
aparelho governamental, a reforma dos serviços Campos. Além de derrubar o governo, esses
públicos e a preocupação com a infância e com o líderes pretendiam reformular o sistema
político vigente. Dos tenentes que haviam
trabalho entre as principais medidas de salvação participado do movimento tenentista, os
nomes de maior destaque eram Juarez
nacional. A partir dos anos 30 até a década de 1980, Távora, João Alberto e Miguel Costa. A
meta particular desse grupo era a introdução
houve a consolidação do mercado de trabalho urbano de reformas sociais e a centralização do
poder. Havia ainda uma ala dissidente da
nacional, com a migração de milhões de trabalhadores velha oligarquia, que via no movimento
do setor agro-pastoril para as cidades, na busca por revolucionário um meio de aumentar seu
poder pessoal. Era o caso de Artur
empregos formais e modernos nas indústrias Bernardes, Venceslau Brás, Afrânio de
Melo Franco, Antônio Carlos Ribeiro de
(BAPTISTA, 2010; BERNARDES, 2004; CASTRO Andrada e João Pessoa, entre outros.

et al., 2007; SEGNINI, 2004). Centro de Pesquisa e Documentação de


História Contemporânea do Brasil
Segundo Patto (1984, p.96),
55

As novas condições de trabalho geradas pela sociedade industrial capitalista, na passagem da


economia do tipo liberal para a centralização da produção nas empresas, requerem novos tipos
de recrutamento de mão de obra e um certo número de aptidões e de traços de personalidade
que serão a condição de sua eficiência. Como vimos, a psicologia nasce com a marca de uma
demanda: a de prover conceitos e instrumentos ―científicos‖ de medida que garantam a
adaptação dos indivíduos à nova ordem social.

Conforme explica Mancebo (1999), a avaliação objetiva de habilidades e aptidões era


considerada um método capaz de promover, além do aperfeiçoamento técnico, a alocação e
adaptação dos sujeitos no trabalho de forma ―harmoniosa e produtiva‖ (MANCEBO, 1999,
p.96). Coube, portanto, aos psicólogos a responsabilidade não só de recrutar e selecionar os
indivíduos mais adaptados a determinados cargos e funções, mas realizar a reforma, a
correção e o treinamento da mão de obra, enfim, a qualificação como corpo adaptado ―aos
novos meios sociotécnicos modernos‖ (FERREIRA; GUTMAN, 2007, p.137), tais como as
linhas de montagem fabris (ANTUNES, 2004).
Conforme afirma Bernardes (2004, p.82-83), esse foi o momento em que começaram
um dos primeiros trabalhos de Psicotécnica,

período considerado fundamental para o desenvolvimento industrial do país. Em função da


necessidade de selecionar, orientar e treinar o contingente de trabalhadores que buscam as
indústrias crescentes, além da ampliação dos serviços públicos, surge um novo profissional:
especializado na escolha e seleção da força de trabalho ideal para o lugar ideal. Avaliam-se as
aptidões e caráter dos candidatos, assim como suas condutas e ações por meio dos
treinamentos.

Neste contexto, alguns autores explicam que a Psicologia recebeu grande investimento
da comunidade científica com vistas a operar, pela via do exame e do estudo do
comportamento humano, como um ―engenheiro social da utilidade‖ (MONTEIRO; JACÓ-
VILELA, 2007, p.137), cuja intenção era adequar o homem a modelos morais e socialmente
determinados, assim como adaptá-los ao trabalho, sem maiores considerações sobre a
realidade social e cotidiana (BERNARDES, 2004; MELLO, 1989; MORAES, 2003a;
SEMINÉRIO, 1980b).
56

Logo, técnicas destinadas à seleção Modelo taylorista-fordista


Com relação ao modelo taylorista-
profissional, à motivação para o trabalho e à fordista e suas implicações no
funcionamento psíquico dos trabalhadores,
determinação de atitudes, enfim, à socialização do o próprio Henry Ford (s/d) manifestava
corpo enquanto força de trabalho, foram aperfeiçoadas preocupação com problemas decorrentes
das rotinas de trabalho demandadas pelos
em um momento em que a sociedade acreditava que processos de trabalho. A identificação das
linhas de montagem fordistas como fontes
se solucionaria o problema da produção, seguindo o de sofrimento psíquico dos operários é
também tema do primeiro número do
tema taylorista de escolher o ―homem certo para o Journal of Mental Higyene, de 1917.
A implantação do modelo taylorista-
lugar certo‖ (BOCK, 2001b, p.27). Nestes termos, a fordista em larga escala contribuiu para dar
Psicologia do início do século XX não interrogava visibilidade aos efeitos do trabalho sobre o
psiquismo dos trabalhadores. No entanto, há
―para quê ou para quem‖ (TEIXEIRA, 2008a, p.40) registros anteriores que expressam
preocupações semelhantes: Ramazzini, em
estaria operando, tendo como alicerce a ideia da 1700, apontou o sofrimento mental dos
escriturários e tipógrafos como uma das
utilidade18 (CASTILHO; CABRAL, 1950/2004; explicações para a ocorrência de lesões
osteomusculares nessas categorias
MALHEIRO; NADER, 1987; MARTINS, 1999; profissionais (Ramazzini, 2000); Marx e
MELLO, 1983). Engels (1989), em meados do século XIX,
alertaram sobre as possíveis conseqüências
Transformada e reconhecida enquanto do trabalho no ―sistema nervoso‖ dos
trabalhadores.
aparelho de poder na modificação, adaptação e No âmbito da psicologia, o modelo
taylorista-fordista representou a
ajustamento social, pelo uso das biotecnologias, aproximação definitiva da psicologia com o
mundo do trabalho, buscando a aplicação
alguns autores esclarecem que a Psicologia dita dos conhecimentos e das técnicas
científica – que busca a aproximação com as Ciências psicológicas às relações de trabalho. Tal
aproximação se fez a partir de estudos a
Naturais – apresentava-se como um conjunto de respeito da fadiga sob o enfoque do
aumento da produtividade. A publicação,
técnicas, ou ainda, como uma teoria geral da conduta, em 1913, do livro de Hugo Münsterberg,
marca formalmente a criação da chamada
destituída de preocupações relativas às circunstâncias psicologia industrial.
Nos espaços laborais a psicologia se
históricas, ao meio social e às perspectivas filosóficas consolida com o objetivo de medir as
dos fatos humanos (ARANTES, 2005; ARANTES; diferenças individuais na busca do ‗homem
certo para o lugar certo‘ com o propósito de
LOBO; FONSECA, 2004; JACÓ-VILELA, 1999; aumentar o rendimento dos trabalhadores.
Desenvolve métodos e técnicas psicológicas
MANCEBO, 2004; MASSIMI, 1990). de seleção de pessoal aplicadas,
posteriormente, à avaliação de desempenho
Enquanto técnica, essa Psicologia assumiu e ao treinamento.
uma postura pragmática, na qual o valor de um Jacques (2007, p.113-114)

conhecimento estaria fundamentada nos seus efeitos


práticos.

18
Utilitarismo: investimento na organização racional da sociedade, de modo que caberia ao Estado intervir na
regulação da vida social para fins de aumentar a ―utilidade social e reduzir [...] o seu potencial político‖
(MANCEBO, 2004, p.39).
57

A adaptação psicológica visa, então, Quociente de inteligência e aquisição de


ajustar a sociedade a si própria, através leitura: um estudo correlacional
do manejo dos indivíduos, especialmente
os desadaptados. A utilidade-função [...] O primeiro teste de inteligência foi
é antes de tudo regulada pelas normas criado por Alfred Binet, então diretor do
sociais. O psicólogo entra nesse contexto laboratório de psicologia da Sorbonne, por
como um engenheiro social da utilidade, solicitação do Ministério da Educação da
buscando promover, à moda França. Ele elaborou um instrumento que
UTILITARISTA, o maior bem possível consistia de um conjunto de tarefas breves,
(FERREIRA; GUTMAN, 2007, p.137). relacionadas aos problemas da vida
quotidiana, que, supostamente, implicavam
certos procedimentos racionais básicos,
Essa ideia de homem mensurável e para identificar crianças que necessitariam
de educação diferenciada (Carraher, 1989;
transformado em ―coisa útil‖ (TEIXEIRA, 2008a, Gould, 1991). Binet, no entanto, defendia
p.41) também perpassa aqueles que demandam que a inteligência era por demais complexa
para ser expressa por um único número (QI)
diagnósticos nos vários campos em que o profissional e negou-se não apenas a qualificar o QI
como inteligência inata, como também a
oferece seus serviços. O psicólogo opera na adaptação considerá-lo um recurso geral para a
hierarquização de alunos, segundo seu valor
a um meio sociotécnico, conferindo a seu trabalho intelectual, chegando mesmo a prever a
possibilidade do mau uso de suas escalas de
uma ―significação de expertise‖ (idem, p.42). inteligência. Essa profecia se concretizou
Pautada nesta abordagem biológico-utilitarista, após a sua morte, em 1911, quando suas
instruções foram distorcidas pelos
numerosas pesquisas com testes psicológicos foram hereditaristas americanos, que logo
transformaram sua escala em um formulário
realizadas, dentre elas a de José Joaquim de Campos aplicado de forma rotineira a todas as
crianças, para classificá-las segundo seu QI
da Costa Medeiros e Albuquerque, grande divulgador inato (Gould, 1991).
da avaliação psicológica no Brasil, responsável pela
Maia e Fonseca (2002, p.261)
19
primeira publicação sobre testes .
Publicado em 1924, o livro intitulado ―Tests‖ dedicava-se ao estudo da Psicologia
enquanto ciência autônoma interessada na avaliação dos processos mentais, dando destaque
aos exames e medidas de inteligência.
Foi responsável pela revisão da escala médica Binet-Simon-Terman, mais conhecida
por escala de inteligência Stanford-Binet, considerada o primeiro instrumento útil e confiável
para a mensuração da capacidade cognitiva geral, conhecida como Quociente de Inteligência,
ou QI. (GOMES, 2004, p.67; 2009). O livro de Medeiros e Albuquerque também defendia o
uso da escala de inteligência na orientação profissional e seleção de pessoal (ALVES, 2009b).
Sobre o teste de Quociente de Inteligência ou Q.I., Schwarcz (1997, s/p) comenta:

[...] o famoso teste de Q.I. voltou a prometer (assim como ainda promete) milagres, na medida
em que pretendia mensurar a inteligência de forma insofismável. Respaldados nas mesmas
certezas da natureza, que tanto animaram os cientistas de finais do XIX, nossos pesquisadores

19
O livro versava sobre alguns testes: Quociente de Inteligência ou QI; Ensaio de Padronagem do Teste
Colúmbia; Estudo Psicotécnico de Alguns Testes de Aptidão; Teste Alfa e Teste de Desenho de Goodnough
(PASQUALI; ALCHIERI, 2001).
58

previram nesse expediente a possibilidade de driblar a irregularidade da cultura e a própria


diversidade, que tanto caracteriza a humanidade. Inteligência surgia como um elemento
absoluto e autônomo, quase natural e biológico, como se nada tivesse a ver com a educação e
com a própria experiência social.

Canguilhem (1973) entende que o psicólogo, nestas circunstâncias, passou a ser ―um
prático profissional‖ (CANGUILHEM, 1973, p.121) voltado à pesquisa de leis da adaptação a
um meio sócio-técnico, fato que conferia às operações de medição e exame um alcance de
perícia. Visão compartilhada por Japiassú (1979) e Augras (1980) quando afirmam que a
demanda crescente por uma produção técnico-científica reduzia a Psicologia emergente no
país a uma técnica de adaptação voltada para o controle dos indivíduos e grupos com vistas a
manter o funcionamento adequado da sociedade em um mundo capitalista-industrial, a partir
da previsão e ―planificação‖ dos comportamentos (JAPIASSU, 1979, p.88). Este autor critica,
portanto, a conversão do psicólogo em um ―psicotecnicista‖, cuja função seria a de ―analista
dos empregos e das profissões, ou de policial especializado em manter a ordem psíquica ou
em reprimir e controlar a ‗desordem‘ de toda uma gama de comportamentos e costumes‖
(JAPIASSU, 1979, p.88-89).
Para oferecer esse serviço de seleção e orientação profissional a Psicologia
Educacional estabeleceu uma parceria com a organização empresarial,

[...] que já utilizava os egressos dos cursos de Pedagogia nas tarefas desempenhadas pela
Psicologia na nova sistemática de administração empresarial. Passou a atuar preventivamente
nas escolas para encontrar, por meio de processos de testes, indivíduos que tivessem
interesses e aptidões para um bom desempenho nas atividades de trabalho (BAPTISTA, 2004,
p.160).

Com a criação do Instituto de Seleção e Orientação Profissional20 (ISOP), sob a


direção de Emilio Mira y López (1896-1964), houve a consolidação da pesquisa e formação
em Psicologia Aplicada com expressiva repercussão nas áreas de organização do trabalho e da
educação.

20
O ISOP foi criado pela Fundação Getúlio Vargas, na cidade do Rio de Janeiro, em 1947.
59

Cabe destacar que Mira y López também foi o Arquivos Brasileiros de Psicotécnica
Entre as múltiplas atividades que a
fundador da Associação Brasileira de Psicotécnica e Fundação Getúlio Vargas se propõe
desenvolver, ocupa lugar de destaque a
redator-chefe dos Arquivos Brasileiros de melhoria das condições do rendimento
Psicotécnica, tendo promovido enormes avanços nos humano, mediante a aplicação dos
conhecimentos científicos ao campo do
estudos e na formação de profissionais voltados à trabalho.
Criou, então, em 1947, o Instituto de
seleção e orientação ocupacional e à divulgação da Seleção e Orientação Profissional
(I.S.O.P.), visando realizar investigações no
Psicologia como campo de saber (ANTUNES, 2004; campo da psicotécnica, promover a
formação de pessoal especializado e prestar
BAPTISTA, 2004; LOURENÇO FILHO, 2004). serviços a instituições e ao público em
Dentre os objetivos do ISOP, constavam: geral.
Para organizar e dirigir, do ponto de
vista técnico, o I.S.O.P., a Fundação
Getúlio Vargas contratou os serviços de um
(1) a realização de pesquisas de caráter especialista de renome internacional, o
psicotécnico, objetivando o ajustamento
Professor Emilio Mira y Lopez, e recorreu à
entre o trabalhador e o trabalho; (2) o
estudo, a execução e a difusão dos reconhecida capacidade de um ilustre
métodos científicos de informação, administrador brasileiro – o Engenheiro
seleção profissional, concursos e João Carlos Vital – um dos pioneiros da
classificação de pessoal, assistência aplicação da psicotécnica no Brasil, para a
psicológica no trabalho, orientação vital direção suprema do Instituto.
e orientação profissional; (3) o Sob a direção desses dois autênticos
reajustamento e readaptação profissional expoentes, o corpo de técnicos do I.S.O.P.,
dos incapacitados do trabalho, constituídos de um grupo seleto e
possibilitando seu retorno a atividades
entusiasta, já realizou uma série de
profissionais adequadas; (4) o estudo do
mercado nacional do trabalho para o fim trabalhos dignos de atenção, que nos
de colocação racional do trabalhador, animaram a criar estes Arquivos, com a
com vistas a seu maior rendimento nas finalidade de dar aos interessados uma
melhores condições técnicas; (5) a visão honesta do que estamos realizando e
promoção de reuniões e seminários de de instituir uma tribuna ao alcance dos
Psicotécnica e (6) a organização e estudiosos brasileiros e estrangeiros, onde
administração de cursos de formação, serão livremente debatidos todos os
extensão e aperfeiçoamento de assuntos ligados à psicotécnica. [...]
psicotécnicos e orientadores profissionais
A publicação destes Arquivos visa
(MANCEBO, 1999, p.57).
conclamar os que estudam o assunto do
ponto de vista científico, os profissionais da
Em 1951, o ISOP iniciou o exame de psicotécnica, os nossos administradores,
empregadores, nas atividades públicas ou
candidatos para obtenção da Carteira Nacional de privadas, ―consumidores‖ do fator humano,
que tanto necessitam de mão de obra
Habilitação (CNH) por meio de entrevistas, provas de adequada, a encetarmos, juntos, uma forte
campanha de aumento da produção
aptidão e personalidade e, em 1962, o Conselho nacional, de maior rendimento, de maior
felicidade no trabalho, através da Seleção e
Nacional de Trânsito (CONTRAM) estendeu o exame da Orientação Profissional [...].
psicotécnico a todos os aspirantes à obtenção da CNH. Os Arquivos Brasileiros de
Psicotécnica, que pretendemos publicar
com regularidade, exprimem os ideais
científicos e humanitários, o ardente desejo
Como consequência, nas décadas de de servir, que norteiam as atividades da
1940 e 1950, as autoridades buscaram Fundação Getúlio Vargas.
desenvolver e implementar medidas
preventivas, dentre elas, a seleção
médica e psicotécnica. Esta, por sua vez, Lopes (1949, p.196)
tinha a finalidade de restringir o acesso
60

ao volante das pessoas consideradas De onde viemos? As raízes da


propensas a se envolver em acidentes de psicologia do trânsito e os primeiros
trânsito. A concessão do documento de
estudos sobre avaliação psicológica de
habilitação passou a ser considerada
pelas autoridades um privilégio, em que condutores no Brasil
o candidato provaria sua capacidade de No início do século XX, os primeiros
conduzir com segurança, por meio de automóveis e caminhões começaram a
uma bateria de testes e exames (SILVA; circular no Brasil. Era o início de um
GÜNTHER, 2009, p.164) projeto coletivo em que o transporte
rodoviário assumiria um papel
fundamental nos deslocamentos. A
O setor de transportes foi o primeiro setor do locomoção em massa por bondes e trens
foi sendo lentamente substituída pelo uso
trabalho em que se deu a aplicação da Psicologia, do automóvel, fruto de opções de políticas
dando origem, mais tarde, ao campo de atuação da urbanas na esfera federal e estadual, e da
pressão das elites da época que apoiavam
Psicologia do Trânsito (ALCHIERI; CRUZ, 2006; a indústria automobilística do país
(Lagonegro, 2008). Embora a produção e
SILVA; GÜNTHER, 2009). o uso em massa do automóvel tenham
contribuído sobremaneira no
De acordo com Pasquali e Alchieri (2001), a desenvolvimento econômico do país,
engendrou sérios problemas de segurança
instrumentação utilizada pelos pesquisadores da época e saúde pública, em decorrência dos
estava amparada nos testes psicológicos de acidentes de trânsito que começaram a se
intensificar na década de 1940 (Antipoff,
inteligência, aptidão, inventário de personalidade e 1956).
Como consequência, nas décadas de
projetivos. No entanto, foram as avaliações de 1940 e 1950, as autoridades buscaram
desenvolver e implementar medidas
inteligência e de personalidade as maiores preventivas, dentre elas, a seleção médica
e psicotécnica. Esta, por sua vez, tinha a
responsáveis pelo aumento de publicações de artigos finalidade de restringir o acesso ao
em periódicos científicos referentes à avaliação volante das pessoas consideradas
propensas a se envolver em acidentes de
psicológica no período. Para os autores, este foi o trânsito. A concessão do documento de
habilitação passou a ser considerada pelas
início de um período áureo no Brasil em relação aos autoridades um privilégio, em que o
candidato provaria sua capacidade de
testes psicológicos, havendo grande entusiasmo e conduzir com segurança, por meio de uma
bateria de testes e exames.
crença exagerada nos instrumentos.
Assim, essa versão aplicada da Psicologia do Silva e Günther (2009, p.164)

século XX, reprodutora da Psicologia científica hegemônica nos Estados Unidos, era calcada
em testes objetivos utilizados principalmente nas indústrias e nas escolas pelos psicotécnicos
ou psicologistas.
Ao tornar-se uma escola de formação de psicotécnicos e um centro de pesquisas para
implantação e difusão da Psicologia, segundo alguns autores, o ISOP passou a ser
reconhecido como uma das maiores organizações já criadas no Brasil à época, aberta ao
público para a formação de especialistas direcionados à realização de exames de orientação
profissional, contribuindo com a consolidação da Psicologia no Rio de Janeiro. Mais ainda,
segundo Mancebo (1999), para a regulamentação da profissão de psicólogo (ANACHE;
61

REPPOLD, 2010; BERNARDES, 2004; ROSAS, ROSAS; XAVIER, 1988; LOURENÇO


FILHO, 2004).

1.4 Consolidando a Psicologia no Brasil: algumas considerações e problematizações

1.4.1 Rumo à regulamentação

O período entre os anos de 1930 e 1962, que antecedeu a legislação que regulamentou
o exercício profissional da Psicologia, foi fundamental para o desenvolvimento da Psicologia
enquanto ciência e profissão no país. Esse fato se deveu à relevante produção nas áreas de
ensino, aplicação, pesquisas e publicações, assim como na realização de eventos e
organização de associações profissionais.
Na ausência de uma legislação que disciplinasse a Psicologia enquanto ciência e
profissão, muitos cursos e estágios foram oferecidos a profissionais graduados em Filosofia e
Pedagogia com a finalidade de treinar especialistas para a prática psicológica, conforme
especifica Baptista (2010, p.174).

No final da década de 40 e início da década de 50, começaram a funcionar alguns cursos de


especialização na área de Psicologia. Em São Paulo, o primeiro foi o de Psicologia
Educacional, organizado pela cátedra de Psicologia Educacional da USP no ano de 1947. Em
1953, foi organizado, na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras Sedes Sapientiae, o de
Psicologia Clínica, e na USP, o de Psicologia Clínica teve início em 1954.

Segundo depoimento de Antônio Marcos Chaves, no artigo 30 anos de


regulamentação, ―A psicologia [...] só se tornou presente em todas as licenciaturas quando a
Universidade de São Paulo21 criou uma cadeira específica para a matéria‖ (CFP, 1992, p.4).
Esta mesma universidade foi responsável pela regulamentação do primeiro curso de
Psicologia no Brasil, pela Lei Estadual nº 3.862 de 28/05/57, no ano de 1958 (LISBOA;
BARBOSA, 2009; ROSAS; ROSAS; XAVIER, 1988; ROMARO, 2008).

Na década de 1930, finalmente ocorre a efetiva inserção da Psicologia no ensino superior.


Com a criação da primeira universidade do País, a Universidade de São Paulo (USP), em

21
A Universidade de São Paulo foi a primeira universidade brasileira, fundada em 1934 (PATTO, 1984).
62

1934, o Instituto de Educação Caetano de Decreto-lei nº 9.092,


Campos (antiga Escola Normal de São de 26 de março de 1946
Paulo) é transformado na Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras da USP. "amplia o regime didático das Faculdades
Com isso, o Laboratório de Psicologia de Filosofia e dá outras providências",
Educacional do Instituto de Educação é refere-se pela vez primeira, embora de
incorporado à cátedra de Psicologia forma incipiente, à Psicologia quando
educacional. Também a partir de 1934, afirma, em seu artigo 4º, parágrafo 1º: "Para
na USP, a Psicologia torna-se disciplina obter o diploma de licenciado, os alunos do
obrigatória durante os três anos dos quarto ano receberão formação didática,
cursos de Filosofia, Ciências Sociais e teórica e prática, no Ginásio de Aplicação, e
Pedagogia, além de estar inserida na
serão obrigados a um curso de Psicologia
grade curricular de todos os cursos de
licenciatura (LISBOA; BARBOSA, Aplicada à Educação".
2009, p. 721). Senhor Ministro de Educação e Saúde,
Ernesto de Souza Campos, expede, a 13 de
abril de 1946, a Portaria nº 272 que "aprova
Como exposto acima, inicialmente, houve a as instruções reguladoras da execução do
disposto nos artigos 5º e 6º do Decreto-lei
inserção das disciplinas de Psicologia Geral e nº 9.092, de 26 de março de 1946". Diz a
Portaria, em seu artigo 1º: "Os diplomas de
Experimental como obrigatórias nos cursos superiores especialização, a que se refere o art. 5º do
Decreto-lei de que trata esta Portaria, serão
de Filosofia e de Ciências Sociais; Psicologia os seguintes: 1) Psicólogo; 2) Físico; [...] E
Educacional no curso de Pedagogia; e opcional nos o Parágrafo Único: "Os candidatos que
pretenderem o diploma de especialização
cursos de Psiquiatria a partir de 1934. deverão satisfazer às seguintes condições:
1) Psicólogo: Aprovado nos três
Embora considerada relevante à formação de primeiros anos do curso de Filosofia, bem
como em cursos de Biologia, Fisiologia,
diversos profissionais, a Psicologia não dispunha de Antropologia, Estatística, e em cursos
especializados de Psicologia. Finalmente,
autonomia no meio acadêmico para oferecer um curso estágio em serviços psicológicos, a juízo
superior independente. Situação que foi se dos professores da seção". [...]
A 13 de maio de 1946, através de
transformando a partir de 1946, com a Portaria nº Portaria nº 328, o Senhor Ministro de
Educação e Saúde "Resolve expedir anexas
272, referente ao Decreto-Lei nº 9.092, que instruções, modificando e ampliando as
expedidas pela Portaria nº 272, de 13 de
institucionalizou a formação do psicólogo no país abril do corrente ano". No art. 1º desta
Portaria, amplia-se a concessão de diplomas
(LISBOA; BARBOSA, 2009; PEREIRA; PEREIRA de especialização e se inclui, entre esses
NETO, 2003). diplomas, o de Psicologia Educacional, para
cuja consecução eram necessárias (nº 1 do §
Também houve a fundação da Sociedade de único): aprovação nos 3 primeiros anos do
curso de Pedagogia, aprovação em curso de
Psicologia de São Paulo em 1945, e – a denominada à Psicologia da criança e do adolescente,
aprovação em Psicologia do Anormal,
época – Associação Brasileira de Psicólogos (ABP), aprovação em curso de Psicologia da
Personalidade, estágio em serviços de
que tiveram, segundo os autores, um papel decisivo no Psicologia Aplicada e frequência a
processo que culminou com o aperfeiçoamento e o seminário de métodos e pesquisas
psicológicas".
reconhecimento da Psicologia enquanto ciência e o
continua...
seu desenvolvimento enquanto profissão (ANTUNES,
2004; PESSOTTI, 1988).
63

A Associação Brasileira de Psicólogos Decreto-lei nº 9.092,


de 26 de março de 1946
promoveu reuniões científicas, conferências, cursos de O Senhor Ministro da Guerra, Canrobert
Pereira da Costa, a 25 de outubro de 1949,
extensão e seminários, bem como participou da faz publicar a Portaria nº 171 com
organização de congressos no Brasil e fora deste. "instruções para o funcionamento do Curso
de Classificação de Pessoal", com a
Ademais, publicou ―a sua importante revista, Boletim inclusão do item: "Noções de Psicologia
Normal e Patológica", com um repertório
de Psicologia‖ (CRP-06, 1994, p.16). de assuntos de vasta área, partindo de
objetivo e métodos de Psicologia,
Assim, a prática da Psicologia no Brasil, incursionando pela memória, raciocínio,
imaginação, volição até Psicologia dos
naquele período, ficou a cargo dos profissionais chefes militares".
egressos dos cursos de Filosofia, Pedagogia e Este Diploma legal assume
extraordinária importância porque, em
Medicina, porém ainda como informação virtude de disposição legal ulterior, a que
nos referiremos, outorga o DIPLOMA DE
complementar. Inúmeros campos ligados à Psicologia PSICÓLOGO. (p.24-26)
Aplicada foram criados em várias localidades do CFP, A Psicologia no Brasil (1979)
Brasil sem qualquer tipo de controle da qualificação
dos profissionais responsáveis (ROSAS; ROSAS; XAVIER, 1988). Tal fato fez com que
fossem adotadas medidas para viabilizar o controle das práticas psicológicas, seja em defesa
da sociedade, seja para proteger a imagem da profissão que, na opinião de Oswaldo Barros
Santos, era exercida ―por muitos charlatões‖ (CFP, 1992, p.7).
Os debates em torno da regulamentação da Psicologia enquanto profissão fizeram com
que, no ano de 1954, os Arquivos Brasileiros de Psicotécnica publicassem o primeiro
anteprojeto de lei sobre a formação e regulamentação da ―profissão de ‗psicologista‘‖ (CRP-
06, 1994, p.17). A partir de cursos de bacharelado e licenciatura era possível se especializar
no que veio a tornar as três grandes áreas de atuação psicológica: Psicologia Educacional ou
Escolar, Clínica e do Trabalho ou Industrial (PESSOTTI, 1988).
Baptista (2010) explica que, em relação ao anteprojeto, este estabelecia que a
formação do psicologista – técnica de cunho teórico-prático –, se daria em dois níveis:

curso de bacharel (três anos) e licenciado (dois anos). [...] O curso de bacharel em Psicologia,
a ser realizado em faculdades de Filosofia [...] daria direito ao exercício da profissão de
auxiliar-psicologista em serviços de Psicologia aplicada. O profissional já formado nesse
nível não poderia, em qualquer circunstância, ser diretor desses serviços. O curso de
licenciado formaria o psicotécnico da educação e do trabalho e do ajustamento clínico,
permitindo ainda o exercício da direção (BAPTISTA, 2010, p.176).
64

Quanto à prática,

Os profissionais exerceriam as atividades de orientadores educacionais, psicologistas


escolares, professores para anormais e desajustados, selecionadores de pessoal, conselheiros
de formação profissionais, técnicos em psicodiagnóstico e em ajustamento psicológico
(BAPTISTA, 2010, p.175).

Mais tarde, o Projeto de Lei nº 3.825-A, de 1958, primeiro a ser formulado com vistas
ao reconhecimento da Psicologia enquanto ciência e profissão, foi reprovado por não
apresentar ―uma fórmula que satisfizesse o governo e ao mesmo tempo às diversas correntes
de pensamento dentro da psicologia‖ (ROSAS; ROSAS; XAVIER, 1988, p. 33). Ademais, o
projeto referente à formação de psicologistas desagradava vários setores da área médica que
não concordavam com a regulamentação da Psicologia como profissão. Tal fato promoveu
debates em torno da questão, gerando um substitutivo elaborado pela ABP juntamente com o
Sindicato dos Psicólogos de São Paulo e enviado ao Ministério de Educação e Cultura (MEC)
(BAPTISTA, 2010; CFP, 1992; CRP-06, 1994).
Alguns autores salientam que este foi um momento de muitas lutas, principalmente
diante da resistência e oposição dos médicos que reivindicavam exclusividade do exercício da
psicoterapia aos profissionais com formação em Medicina, insistindo que a Psicologia Clínica
ficasse como auxiliar e sob a sua tutela22 (ANTUNES, 2004; BAPTISTA, 2010;
BERNARDES, 2004; JACÓ-VILELA; ESCH, 2001).

[...] as disputas corporativas, nesse período, são intensas. Como exemplo, a disputa com a
Medicina, que no Art. 11, inciso III, do projeto de lei n° 3.825, de 1958, ao falar das funções
do psicologista, diz o seguinte: Não poderão os licenciados de uma ou outra modalidade
(Psicologia) responder pela organização e direção de serviços de psicologia clínica, os quais
requerem a direção de médico devidamente capacitado; poderão, entretanto, nesses serviços
exercer funções de assistentes técnicos (BERNARDES, 2004, p.90).

22
Movimentos semelhantes despontaram em 1973, com o Parecer Alcântara-Cabernite, que propõe aos
psicólogos não atuarem como psicoterapeutas. Já em 1980, a questão voltou à tona com o chamado Projeto
Julianelli, quando o médico e Deputado do Partido Democrático Social (PDS), Salvador Julianelli, apresentou
um projeto o qual propunha que todos os profissionais de saúde ficassem subordinados ao médico, exercendo
atividades auxiliares à Medicina (BERNARDES, 2004; SILVA, 2007). Tal projeto ficou conhecido como
―Projeto Julianelli‖. Guardadas as devidas proporções, há um projeto em curso no Senado Federal, conhecido
por Lei do Ato Médico (PL nº 268/2002; substitutivo PL nº 7.703/2006), que dispõe sobre o exercício da
Medicina. Este PL afeta diretamente as profissões ligadas à área de saúde, tais como a Biologia, Biomedicina,
Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia, Óptica e Optometria, Psicologia e
Serviço Social, especialmente no que se refere ao Art. 4º, que pretende tornar atividade privativa do médico a
―formulação do diagnóstico nosológico e a respectiva transcrição terapêutica‖. Tal fato subtrai o direito de outras
categorias profissionais na área da saúde de exercerem livremente suas atividades em suas respectivas áreas de
conhecimento científico, já regulamentadas em leis anteriores (http://blog.crprs.org.br/?p=97).
65

Ainda naquele ano de 1958, novo substitutivo DECRETO Nº 53.464,


de 21 de Janeiro de 1964
ao projeto original foi elaborado e enviado ao Regulamenta a Lei nº 4.119, de 27 de
agôsto de 1962, que dispõe sôbre a
Congresso Nacional. Neste, o aluno que concluísse o profissão de psicólogo.
currículo do curso em sua íntegra poderia receber o O PRESIDENTE DA REPÚBLICA,
usando das atribuições que lhe confere o
título de psicólogo, tendo por atribuições privativas a art. 87, item I da Constituição,
DECRETA:
possibilidade de dirigir e atuar em serviços de TÍTULO I
Do Exercício Profissional
diagnóstico psicológico, aplicação, avaliação e Art. 1º É livre em todo o território nacional
o exercício da profissão de psicólogo,
interpretação de testes psicológicos, realizar observadas as exigências previstas na
aconselhamento psicológico e ainda utilizar técnicas legislação em vigor e no presente Decreto.
Parágrafo único. A designação profissional
no tratamento de distúrbios emocionais. de psicólogo é privativa dos habilitados na
forma da legislação vigente.
De acordo com Oswaldo Santos, em seu Art. 2º Poderão exercer a profissão de
psicólogo:
depoimento para o artigo 30 anos de regulamentação, 1) Os possuidores de diploma de psicólogo
expedido no Brasil por Faculdade de
o projeto foi aprovado ―tal qual queríamos [...] graças Filosofia oficial ou reconhecida nos têrmos
também ao deputado Clóvis Stenzel, líder do governo da Lei número 4.119, de 27 de agôsto de
1962.[...]
na Câmara. Ele apresentou o projeto e o defendeu de Art. 4º São funções do psicólogo:
1) Utilizar métodos e técnicas psicológicas
todas as formas possíveis contra todos os tipos de com o objetivo de:
a) diagnóstico psicológico;
resistência‖ (CFP, 1992, p.7). b) orientação e seleção profissional;
c) orientação psicopedagógica;
Mediante as discussões acerca dos materiais d) solução de problemas de ajustamento.
apresentados e o empenho de Associações de 2) Dirigir serviços de psicologia em órgãos
e estabelecimentos públicos, autárquicos,
Psicologia, a Lei n° 4.119 de 27 de agosto23 de 1962 paraestatais, de economia mista e
particulares.
foi, enfim, sancionada pelo Presidente da República, 3) Ensinar as cadeiras ou disciplinas de
psicologia nos vários níveis de ensino,
João Belchior Goulart, oficializando o exercício da observadas as demais exigências da
legislação em vigor.
Psicologia no Brasil. 4) Supervisionar profissionais e alunos em
Contudo, era preciso que a lei fosse trabalhos teóricos e práticos de psicologia.
5) Assessorar, tecnicamente, órgãos e
regulamentada, o que só ocorreu em 1964, com a estabelecimentos públicos, autárquicos,
paraestatais, de economia mista e
publicação do Decreto nº 53.464, afinal, ―a lei por si particulares.
6) Realizar perícias e emitir pareceres sôbre
só, tinha pouca eficácia, se não acompanhada de a matéria de psicologia.
instrumentos capazes de fiscalizar e de controlar o
exercício da profissão‖ (CRP-06, 1994, p.22). Este foi, segundo Weil (1967), um dos
primeiros passos para a elaboração de um Código de Ética e para a fiscalização e controle do
exercício da profissão.

23
A data do reconhecimento da Psicologia enquanto ciência e profissão, dia 27 de agosto: quando se comemora
o Dia Nacional do Psicólogo.
66

Dessas necessidades [da elaboração de um Código de Ética] tomaram consciência os


psicólogos, tão logo os primeiros registros foram expedidos pela Diretoria do Ensino Superior
do Ministério de Educação e Cultura, através de um trabalho rigorosamente feito por uma
comissão de professores universitários de Psicologia (WEIL, 1967, p. 258).

O registro profissional de psicólogo foi oferecido a todos aqueles que,


comprovadamente exerceram por mais de cinco anos a profissão e/ou que requereram junto ao
MEC, cujos direitos estavam assegurados conforme estabelecia o Art. 19 da Lei 4.119/62:

Art.19 - Os atuais portadores de diploma ou certificado de especialista em Psicologia


Educacional, Psicologia Clínica ou Psicologia Aplicada ao Trabalho expedidos por
estabelecimento de ensino superior oficial ou reconhecido, após estudos em cursos regulares
de formação de Psicólogos, com duração mínima de quatro anos ou estudos regulares em
cursos de pós-graduação com duração mínima de dois anos, terão direito ao registro daqueles
títulos, como Psicólogos, e ao exercício profissional.
§ 1º- O registro deverá ser requerido dentro de 180 dias, a contar da publicação desta lei.
§ 2º- Aos alunos matriculados em cursos de especialização a que se refere este artigo,
anteriormente à publicação desta lei, serão conferidos após a conclusão dos cursos, idênticos
direitos desde que requeiram o registro profissional no prazo de 180 dias.

De acordo com Rosas et. al. (1988), não foram feitas restrições quanto à natureza ou
competência das instituições formadoras, assim como foram beneficiados, com direitos iguais,
profissionais com título de doutor em Psicologia Educacional, Filosofia e Pedagogia, cujo
tema da tese fosse próprio da Psicologia. Militares diplomados em Psicologia pelo Ministério
da Guerra e, posteriormente, portadores de diploma de pós-graduação em Psicologia e
Psicologia Educacional, também se beneficiaram da medida. Tais aditamentos fizeram com
que o prazo estipulado por lei de 180 dias fosse renovado sucessivas vezes.
Sobre este ponto, Coimbra (1995/1996) teceu alguns comentários:

De um modo geral, os psicólogos que faziam parte do Centro de Estudos de Pessoal do


Exército, eram - em muitos casos - militares que, nos anos 50, haviam feito nas Forças
Armadas o chamado ―Curso de Classificação de Pessoal‖ que, a partir de disposição legal
posterior, outorgou a todos o diploma de psicólogo. Após a criação do cargo de psicólogo e a
regulamentação da profissão, em 1962, todos os militares que fizeram este curso - que, na
maioria dos casos, não chegava a um ano de duração - foram reconhecidos oficialmente como
psicólogos.

Passados nove anos da promulgação da Lei 4.119/62, em pleno momento histórico-


político da ditadura militar24, houve a criação do Sistema Conselhos de Psicologia: Conselho
Federal de Psicologia (CFP), com jurisdição em todo o território nacional e Conselhos
Regionais de Psicologia (CRP).

24
Período que durou de 1964 a 1985.
67

Nessa perspectiva, a legislação da Psicologia LEI Nº 5.766,


de 20 de dezembro de 1971
(e todas aquelas que regulamentaram profissões na Cria o Conselho Federal e os Conselhos
Regionais de Psicologia e dá outras
época da ditadura, como o Serviço Social, por providências.
exemplo) auferiu ―uma conotação de vigilância e Regulamento
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, Faço
punição sobre a prática profissional‖ (NÓRTE; saber que o CONGRESSO NACIONAL
decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
CAETANO; MELLER, 2010, p.25). CAPÍTULO I
Dos Fins
A Lei 5.766 de 197125, sancionada pelo então Art. 1º Ficam criados o Conselho Federal e
os Conselhos Regionais de Psicologia,
presidente General Emílio Garrastazu Médici, é dotados de personalidade jurídica de direito
eminentemente direcionada para o desempenho da público, autonomia administrativa e
financeira, constituindo, em seu conjunto,
função institucional e jurídica de orientar, disciplinar e uma autarquia, destinados a orientar,
disciplinar e fiscalizar o exercício da
fiscalizar o exercício da profissão de psicólogo, bem profissão de Psicólogo e zelar pela fiel
observância dos princípios de ética e
como zelar pela fiel observância dos princípios de disciplina da classe.
CAPÍTULO II
ética. Do Conselho Federal
Assim, o Sistema Conselhos, composto pelo Art. 2º O Conselho Federal de Psicologia é
o órgão supremo dos Conselhos Regionais,
Conselho Federal de Psicologia (CFP) e Conselhos com jurisdição em todo o território nacional
e sede no Distrito Federal.
Regionais de Psicologia (CRP), ficou definido por Lei Art. 3º O Conselho Federal será constituído
de 9 (nove) membros efetivos e 9 (nove)
como uma autarquia vinculada ao Ministério do suplentes, brasileiros, eleitos por maioria de
votos, em escrutínio secreto, na Assembleia
Trabalho, tendo por função fornecer ao psicólogo sua dos Delegados Regionais.
identidade a partir da implementação de um aparato Parágrafo único. O mandato dos membros
do Conselho Federal será de 3 (três) anos,
administrativo trabalhista que visaria dar permitida a reeleição uma vez.
Art. 4º O Conselho Federal deverá reunir-
reconhecimento à Psicologia enquanto ciência e se, pelo menos, uma vez mensalmente, só
podendo deliberar com a presença da
profissão (ALBUQUERQUE, 1980). maioria absoluta de seus membros.
§ 1º As deliberações sôbre as matérias de
Quanto ao Conselho Federal de Psicologia que tratam as alíneas j, m do artigo 6º só
(CFP), este dispunha de meios legais e regimentais terão valor quando aprovadas por 2/3 (dois
terços) dos membros do Conselho Federal.
para deliberar, sancionar ou vetar matérias relativas ao § 2º O Conselheiro que faltar, durante o ano
sem licença prévia do Conselho, a 5 (cinco)
exercício da profissão. reuniões, perderá o mandato.
§ 3º A substituição de qualquer membro,
em suas faltas e impedimentos, se fará pelo
Do que foi exposto, podemos concluir respectivo suplente.
que o CFP é órgão público e juntamente
com os conselhos regionais formam uma

25
No ano de 2008, o Sistema Conselhos de Psicologia propôs mudanças na Lei 5.766/71 por meio de uma
campanha de democratização no próprio Sistema. Nesse intento, o Grupo de Trabalho da Lei 5.766/71 sugeriu a
elaboração de textos referência, culminando com o lançamento de uma cartilha com orientações e propostas para
alteração da Lei. Além dos textos, a cartilha traz também anexos contendo a Lei 5.766/71, Decreto 79.822/77,
minuta do Projeto de Lei para alteração da Lei 5.766 e minuta de Resolução que dispõe sobre a estrutura e
funcionamento dos Conselhos Federal e Regionais de Psicologia, entre outros.
68

autarquia a qual é atribuída uma função de Estado, que é a de garantir o melhor desempenho
profissional possível no atendimento ao usuário. Para tanto, é responsável pela fiscalização e
pelos processos éticos no caso de infrações ao nosso Código de Ética. É também o órgão que,
em nome do Estado, diz o que é e o que não é a Psicologia, para este fim, ou seja, para os fins
de controle da qualidade do serviço prestado e para a definição do que é o desempenho
profissional do psicólogo e de quem não pode utilizar métodos e técnicas privativas dessa
profissão (FURTADO, 2006, p.264).

Segundo Coimbra (2008) e Leite (2008), tanto a profissão quanto o Sistema Conselhos
foram regulamentados mantendo uma proximidade entre os proponentes da Lei e o aparelho
do Estado. Aliança que se materializou, segundo o depoimento de José Tozoni-Reis,
conselheiro suplente da Gestão do CRP-06 (1980-1983), com a concessão de ―diploma de
psicólogo honorário para o [General Emílio Garrastazu] Médici26 e para o [General Ernesto]
Geisel27 e os respectivos ministros do Trabalho‖ (CRP-06, 1994, p.24).
Conforme afirmam Scocuglia (2010) e Yamamoto (2007), a interferência no sistema
educacional pela ditadura era evidente.

O país inicia um período de vinte anos de regime autocrático-burguês, com desenho


semelhante aos das demais nações do cone sul. O país contava com um sistema universitário
já bem estruturado que, embora recente, já se tornava anacrônico, transformando-se em alvo
de contestação estudantil. Quanto à Psicologia, havia já uma tradição de produção de
conhecimento e, mesmo, de aplicação em alguns de seus campos (ver Antunes, 1999). É nesse
cenário que a profissão é regulamentada, pela Lei Federal n° 4.119/62 (YAMAMOTO, 2007,
p.31).

A expansão da Psicologia, com a estruturação do Sistema Conselhos, incluindo seus


documentos legais, ocorreu em meio à ―institucionalização da ideologia da segurança
nacional‖ (YAMAMOTO, 2007, p.31), a partir de um ―espírito ditatorial, centralizador,
autoritário e antidemocrático‖ (COIMBRA, 2008, p.16) próprio das ações no Brasil da
ditadura militar.
Com efeito, eram demandadas à recém-oficializada profissão dos psicólogos
atividades de diagnóstico e ajustamento social. Era esperado que os psicólogos empregassem
ferramentas técnico-científicas no projeto de adaptação, controle e aumento da eficiência dos
indivíduos e do sistema da sociedade.
Alguns autores lembram que, naquele momento específico da vigência do Governo
Militar, muitos psicólogos, que atenderam às exigências do poder na fiscalização (a procura
de pessoas desviadas) e no exame, com vistas à classificação, seleção, reeducação social,
contribuíram com o sistema, reproduzindo as relações instituídas, seja como instrumento

26
Presidente do país entre os anos de 1969 a 1974.
27
Presidente entre os anos de 1974 a 1979.
69

normativo e normalizador de manipulação das massas, seja na desqualificação dos possíveis


movimentos de resistência (CFP, 1992; COIMBRA, 1995/96; 1999; 2001; 2008; HÜNING;
GUARESCHI, 2005; VEIGA-NETO, 2008).
Alguns psicólogos operaram como ―legitimador da desumanização do homem‖, como
alertou Castelo Branco (1998, p.30), justificando ações de tortura.
Coimbra (2008, p.15-16) explica que:

[...] houve profissionais ―psi‖ que apoiaram e respaldaram a patologização dos que lutavam
contra a ditadura, classificando-os como ―carentes‖, ―desestruturados‖, ou seja, ―doentes‖, por
meio de uma pesquisa, ―O Perfil Psicológico do Terrorista Brasileiro‖, que usou uma série de
testes psicológicos aplicados a presos políticos. Alguns desses profissionais forneceram
laudos psiquiátricos e psicológicos de militantes presos, entre 1964 e 1978, também
patologizando-os. Uma prática mais indigna ainda foi a dos profissionais que davam suporte
às torturas, orientando os torturadores acerca dos limites dos presos, para continuarem sendo
torturados ou não [...]. Muitos profissionais [...] colaboraram para que a tortura e o terrorismo
de Estado funcionassem de forma eficiente e produtiva; ainda hoje, continuam respaldando
processos de exclusão e estigmatização com os seus saberes e suas práticas.

Os profissionais especialistas convertiam-se em poderosa arma de dominação, controle


ideológico da população e de manutenção do status quo social, como também pontuam
Hüning e Guareschi (2005, p.118):

Os especialistas, ―gerentes da ordem‖ orgulham-se de serem os diagnosticadores e


interventores sobre a desordem, mas não se implicam com a própria instauração, constituição
dessa ordem/desordem. Atribuem assim um caráter de essência a uma realidade dada, que
cabe à ação racional ordenar, tornar mais funcional: essa seria sua função imprescindível. O
exercício do poder em tais circunstâncias manifesta-se de forma sutil, até dissimulada, já que
a bandeira ostentada é a da neutralidade científica.

Leite (2008) e Yamamoto (2006) esclarecem que a repressão política teve o efeito de
silenciar a categoria, que evitava se reunir para debater questões relativas à organização da
profissão, sob o risco de ser acusada de conspiração. Além disso, havia o interesse de outras
categorias, especialmente a Medicina, de que a profissão de psicólogo se mantivesse
desorganizada e sem força política, na intenção de impedi-la de ter aprovado o direito de atuar
no campo da psicoterapia, assim como de obter a exclusividade na aplicação de testes
psicológicos.
Foi, portanto, nesse cenário, sob a influência da ditadura militar, que o CFP –
efetivamente instalado em 1973 –, organizou sua estrutura hierarquizada e federativa,
constituída por conselheiros indicados pelos Conselhos Regionais. À semelhança das eleições
para presidência da República no país, a eleição para compor o primeiro Plenário do CFP
também foi pelo voto indireto, sem a participação da categoria. Seus eleitores: vinte
70

associações de Psicologia credenciadas junto ao A Constituição Federal


O documento é um conjunto de regras
Ministério do Trabalho após convocação para fins de de governo que rege o ordenamento
jurídico de um País. A versão em vigor
eleição: nove conselheiros efetivos e nove suplentes, atualmente -- a sétima na história do
com mandato de três anos e possibilidade de reeleição Brasil-- foi promulgada em 5 de outubro
de 1988. O texto marcou o processo de
(CFP, 2004; CRP-06, 1994, p.24; BOCK, 2001a). redemocratização após período de regime
militar (1964 a 1985).
Cabe salientar que este panorama só veio a se [...] No Brasil, a Constituição de 1988
foi elaborada pelo Congresso
alterar no final da década de 1980, a partir de um Constituinte, composto por deputados e
senadores eleitos democraticamente em
projeto de eleições diretas para a composição do CFP, 1986 e empossados em fevereiro de 1987.
momento em que o Brasil também vivia a experiência [...] As normas previstas no texto
consideradas irrevogáveis são chamadas
de redemocratização, cujo marco foi a Constituição cláusulas pétreas (não podem ser alteradas
por emendas constitucionais). Entre elas
Federal de 1988: a Constituição Cidadã (BOCK, estão o sistema federativo do Estado; o
voto direto, secreto, universal e periódico;
2008a; CFP, 2004). a separação dos Poderes; e os direitos e as
garantias individuais. Mudanças pontuais
Já em 27 de agosto de 1974, foram instalados no texto da Constituição estão previstas e
os primeiros (sete) Conselhos Regionais de Psicologia podem ser feitas através de emenda
constitucional. [...] A Constituição deve
(CRPs): CRP-01 (DF – sede; AC; AM; GO; PA; AP; regular e pacificar os conflitos e interesses
de grupos que integram uma sociedade.
RO; RR), CRP-02 (PE – sede; AL; CE; MA; PB; PI; Para isso, estabelece regras que tratam
desde os direitos fundamentais do
RN), CRP-03 (BA – sede; SE), CRP-04 (MG – sede; cidadão, até a organização dos Poderes;
defesa do Estado e da Democracia; ordem
ES), CRP-05 (RJ – sede; Estado da Guanabara), CRP- econômica e social.
06 (SP – sede; MT) e CRP-07 (RS – sede; PR; SC). Brasil (s/d)

Com a criação e instalação dos Conselhos Regionais pelo Decreto nº 79.822, o


registro profissional passou a ser da responsabilidade DECRETO nº 79.822
de 17 de junho de 1977
das sedes regionais, absorvendo os dados já contidos SEÇÃO III Dos Conselhos Regionais
no MEC (ROSAS et.al., 1988). Art. 10 - Os Conselhos Regionais de
Psicologia têm por finalidade orientar,
De posse do registro profissional, após disciplinar e fiscalizar o exercício da
profissão de Psicólogo e zelar pela fiel
completar graduação em Psicologia, o psicólogo observância dos princípios de ética e
disciplina da classe.
passou a adquirir o direito de exercer a profissão, Art. 11 - Os Conselhos Regionais terão
sede e foro na capital do Estado, ou de um
assim como o dever de conhecer e fazer cumprir o
dos Estados ou Territórios, a critério do
estatuto e a regulamentação da profissão da qual Conselho Federal.
Art. 12 - Os Conselhos Regionais serão
voluntária e formalmente ingressara. Esse processo, compostos de membros efetivos e
suplentes, em número fixado pelo Conselho
que integra o processo de normatização da categoria, Federal.
Parágrafo único - O mandato dos membros
permitiu dar credibilidade à prática antes exercida sem dos Conselhos Regionais será de 3 (três)
anos, permitida a reeleição uma só vez.
quaisquer normas ou fiscalização. Ademais, a
Brasil (1977)
71

regulamentação da prática psicológica também visava à desvinculação da tutela das políticas


corporativas dos setores ligados à Medicina, suprimindo do domínio médico a exclusividade
da atividade clínica. Outro aspecto da regulamentação é que permitia distinguir as atuações
sacerdotais e pedagógicas das psicológicas, dando condições de a sociedade e o Estado
reconhecerem a profissão, portanto, conferindo-lhe uma identidade (MONTEIRO, 1980;
PESSOTTI, 1988; JACÓ-VILELA; ESCH, 2001; PEREIRA; PEREIRA NETO, 2003).
A despeito dos movimentos contrários, a legislação que regulamenta a profissão de
psicólogo entrou em vigor, não só reconhecendo a profissão de psicólogo emancipada da
Medicina, da Filosofia e da Educação, mas, sobretudo, garantindo a concessão, ao portador de
diploma de psicólogo, a exclusividade no uso de métodos e técnicas psicológicas. Ratificando
essa marca histórica de uma Psicologia Aplicada, a Lei estabeleceu, no Capítulo III, Art.13, a
exclusividade do uso de testes psicológicos para fins de: diagnóstico psicológico; orientação
e seleção profissional; orientação psicopedagógica e solução de problemas de ajustamento.
Posteriormente, o Decreto nº 53.464 de 1964 corroborou, no Art. 4º, o já estabelecido acerca
das funções privativas do psicólogo. ―Embora na época tenha sido reivindicada também a
função de psicoterapeuta, esta não foi aprovada como privativa do psicólogo‖ (ALVES,
2009b, p.219).
De acordo com Senne (2005, p.21):

A lei que criou a formação em psicologia, fixando que os profissionais deveriam ser
diplomados, teria sido necessária, segundo os pareceres que a acompanharam, por ter
aumentado muito a importação, desde a década de 1920, de técnicas psicológicas ―enquanto
técnicas‖, isto é, com vistas à aplicação imediata, faltando muitas vezes com uma tradução
adequada, com a padronização nacional dos resultados, com um conhecimento consistente de
suas possibilidades e limites, enfim, muitas das práticas instrumentais careceriam de um
―estatuto de cientificidade‖ que a formação e a pesquisa universitária visariam, justamente,
fornecer. Como arrogado, a ―base científica‖ provida pela formação universitária haveria de
ser a garantia da ―não banalização‖ da profissão dos psicólogos.

À medida que ganhava maior autonomia e se diversificava teórica e


metodologicamente em campos especializados do conhecimento, a Psicologia recém-
regulamentada no Brasil passou a dar maior ênfase para o estudo do comportamento humano
por serem os modelos comportamentais mais condizentes com os testes psicológicos (já que
estes poderiam ser medidos, calculados, planejados, diagnosticados, previstos, dentro de uma
visão classificadora ou taxonômica).
Assim, auferindo grande valor científico, a Psicologia, em seu processo de autonomia
e regulamentação, firmava-se no Brasil enquanto ciência e profissão, oferecendo uma
72

formação que valorizava as técnicas28 psicológicas de pesquisa experimental de inspiração


norte-americana e europeia, voltadas para os processos diagnósticos, nosológicos e
avaliativos.

1.4.2 Formar é preciso: caminhos para a formação profissional

A educação não vira política por causa da decisão deste ou daquele educador.
Ela é política.
Paulo Freire (2007, p.110)

Quando queremos formar nossos cidadãos, investimos em assujeitamento.


Fuganti (2009)

O ensino de testes psicológicos oportunizou a discussão acerca dos currículos


acadêmicos nos muitos cursos de graduação em Psicologia no Brasil. Noronha e Alchieri
(2004, p.44) comentam que, desde a vigência da Lei nº 4.119 – que estabeleceu a criação dos
cursos de Psicologia –, o currículo passou a oferecer disciplinas denominadas ―Técnicas de
Exame Psicológico‖, conhecidas por ―TEPs‖, ou ainda, ―Técnicas de Exame e
Aconselhamento Psicológico‖ (ALVES, 2009b, p.219), no sentido de profissionalizar o curso.
De caráter obrigatório, as disciplinas eram administradas ao longo dos cursos, contudo, a
escolha dos instrumentos (testes) ficava a cargo dos professores encarregados de ministrar as
aulas, ou da direção do curso, responsável por contratar docentes que soubessem testes
psicológicos.
Para Alchieri e Bandeira (2002), a cultura dos testes era perpetuada mecanicamente no
currículo universitário, consolidando a prática psicológica em termos de atividades aplicadas
(também denominadas profissionalizantes). Isso significa dizer que a preocupação com a

28
A confiança no diagnóstico alcançado pelos testes era tamanha na ocasião que a Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP) promovia uma avaliação psicológica dos candidatos como um dos critérios de
seleção para ingresso à Faculdade de Psicologia. Embora fosse considerada uma determinação rigorosa, a
medida foi implementada por diversas faculdades no país em razão do entendimento de que seria possível
selecionar os candidatos com reais condições para se tornarem psicólogos. Essa prática foi, no entanto, criticada
por muitos candidatos ao curso de Psicologia que alegavam poder prestar exame em outras instituições
formadoras de psicólogos sem terem que se submeter a essa exigência. Uma dessas críticas partiu de um grupo
de alunos e professores reunidos em um dos primeiros encontros de avaliação psicológica realizado em Porto
Alegre promovido pelo CRP da região. Dentre os argumentos utilizados era a falta de amparo legal para essa
medida. Em pouco tempo, todas as instituições que ainda a utilizavam da avaliação psicológica dos candidatos
para ingresso na faculdade foram abandonadas (CUSTÓDIO, 2007).
73

formação profissional estava centralizada na obtenção de resultados e não no processo de


avaliação psicológica, situação esta que tendia a formar técnicos em Psicologia pouco
reflexivos ao invés de psicólogos (SILVA, 2004).
Alguns autores entendem que tal circunstância seria um desdobramento do processo
de industrialização no país e da demanda social por profissionais que selecionassem,
classificassem operários, egressos da zona rural, por meio do emprego de técnicas
psicológicas, para trabalharem nas fábricas, conforme discutido anteriormente (BENAVIDES;
ANTÓN, 1987; DANTAS, 2010).
Anache e Reppold (2010, p.63) relembram o momento:

A Psicologia havia estabelecido nesse período um compromisso com um modelo de sociedade


asséptica no Brasil, em que prevalecia um modelo de homem perfeito, produtivo, que
respondesse às exigências de uma sociedade em franco processo de modernização. Esse
processo, atrelado a uma ótica liberal, resultou em profissionais que tiveram uma formação
baseada em uma concepção tecnicista e fragmentada.

Nestes termos, a Psicologia consolidada no Brasil sobre um projeto epistemológico


positivista, com seus pressupostos de cientificidade, neutralidade, objetividade e
impessoalidade lógico-científica das Ciências Naturais, apresentou um plano curricular: o
Currículo Mínimo obrigatório. Esse currículo foi aprovado pelo Conselho Federal de
Educação (CFE) como Parecer 403/6229.
De acordo com Baptista (2010), Mello (1983; 1989), Penna (1980b) e Seminério
(1980a), este primeiro Currículo Mínimo aprovado buscava estabelecer parâmetros que
oferecesse certo nível de conhecimento metodológico e, em paralelo, alguma habilidade
técnica com vistas à intervenção. Para tanto, continha uma pequena seleção de disciplinas
consideradas básicas para a formação do psicólogo: sete disciplinas para o Bacharelado e mais
cinco, totalizando 12, para a formação de psicólogo. Foram mantidas as disciplinas que o
Conselho Federal de Educação denominou de instrumentais (Biologia, Fisiologia, Estatística),
acrescentando-se outras na intenção de formar um ―profissional polivalente‖ (MELLO, 1983,
p.28).

29
O Parecer do CFE Nº 403/62 fixava o Currículo Mínimo e a duração do curso de Psicologia.
74

Na opinião de alguns autores, o Currículo DECRETO-LEI No 477/69


Define infrações disciplinares praticadas
Mínimo, também denominado por ―dispositivo da por professores, alunos, funcionários ou
empregados de estabelecimentos de ensino
disciplinaridade‖ (VEIGA-NETO, 2008, p.145) ou público ou particulares, e dá outras
―máquina disciplinar‖ (p.146), era bastante providências. O Presidente da República,
usando das atribuições que lhe confere o
―tecnicizado‖ (JACÓ-VILELA; ESCH, 2001, p.21), parágrafo 1º do Art. 2º do Ato Institucional
nº 5, de 13 de dezembro de 1968, decreta:
ou seja, a ênfase na formação se revelava quase que Art 1o Comete infração disciplinar o
professor, aluno, funcionário ou empregado
exclusivamente técnica, refletindo o interesse da de estabelecimento de ensino público ou
particular que:
época por uma Psicologia Aplicada de caráter I - Alicie ou incite a deflagração de
intervencionista (CARVALHO, 2007; COIMBRA, movimento que tenha por finalidade a
paralização de atividade escolar ou participe
1995; MELLO, 1983; 1989). nesse movimento;
II - Atente contra pessoas ou bens, tanto em
Não obstante as críticas ao Currículo Mínimo prédio ou instalações, de qualquer natureza,
dentro de estabelecimentos de ensino, como
de 1962, este se manteve praticamente inalterado por fora dele;
III - Pratique atos destinados à organização
muitos anos, mesmo quando o governo militar de movimentos subversivos, passeatas,
equacionou uma política de incentivo à privatização desfiles ou comícios não autorizados, ou
dele participe;
da educação brasileira. IV - Conduza ou realiza, confeccione,
imprima, tenha em depósito, distribua
À sombra do Ato Institucional nº 5 (AI-5) e do material subversivo de qualquer natureza;
V - Sequestre ou mantenha em cárcere
Decreto nº 477/69 – responsável por impor punições privado diretor, membro do corpo docente,
funcionário ou empregado de
a professores, estudantes, funcionários ou empregados estabelecimento de ensino, agente de
de estabelecimentos de ensino que praticassem atos autoridade ou aluno;
VI - Use dependência ou recinto escolar
considerados contrários ao regime – o governo para fins de subversão ou para praticar ato
contrário à moral ou à ordem pública.
instaurou um processo de reestruturação universitária, Brasil (1969)
que culminou na Lei nº 5.540/68, conhecida por Lei
Reforma Universitária
da Reforma Universitária (CHAUÍ, 2001; O projeto de reformulação da Organização
FAVERO, 2006; MARTINS, 2009). e Funcionamento do Ensino Superior, [...]
incorpora algumas das propostas do plano
Atcon (documento resultante do estudo
realizado em 1965, pelo consultor
O ensino superior privado que surgiu americano Rudolph Atcon, atendendo à
após a Reforma de 1968 tende a ser solicitação da Diretoria do Ensino Superior
qualitativamente distinto, em termos de
natureza e objetivos, do que existia no
do MEC) [...], como: defesa dos princípios
período precedente. Trata-se de outro de autonomia e autoridade; dimensão
sistema, estruturado nos moldes de técnica e administrativa do processo de
empresas educacionais voltadas para a reestruturação do ensino superior; ênfase
obtenção de lucro econômico e para o nos princípios de eficiência e
rápido atendimento de demandas do produtividade; necessidade de
mercado educacional. Esse novo padrão, reformulação do regime de trabalho
enquanto tendência, subverteu a docente; criação de centro de estudos
concepção de ensino superior ancorada básicos; criação de um conselho de reitores
na busca da articulação entre ensino e
pesquisa, na preservação da autonomia
das universidades brasileiras.
acadêmica do docente, no compromisso Fávero (2006, p.31)
75

com o interesse público, convertendo sua Recrudescimento da repressão


clientela em consumidores educacionais
Após a saída de Castelo Branco do
(MARTINS, 2009, p.17).
governo, em março de 1967, o aumento dos
protestos contra o regime militar abriu
Supostamente acolhendo algumas exigências caminho para que os militares da chamada
―linha dura‖ guiasse a vida política do país
do corpo estudantil pela democratização do acesso à com o objetivo de desarticular as oposições.
Dessa maneira, a candidatura de Arthur
universidade, pela unificação dos vestibulares, pela Costa e Silva [...] ganhou força para que as
liberdades democráticas fossem aniquiladas
aprovação do sistema de créditos e da matrícula por e o regime finalmente consolidado.
[...] No cenário político da época
disciplinas, bem como pela expansão da pós- observamos uma interessante
graduação; a Reforma Universitária, de fato, visava à movimentação onde apoiadores do regime
passaram a se voltar contra o mesmo. [...] O
contenção de gastos e ao aumento da produtividade do fechamento das vias oficiais de atuação
política acabou transferindo um importante
corpo docente, à fiscalização das atividades políticas papel de oposição aos estudantes, que
passaram a criticar a repressão e o
de professores e alunos, enfim, a ―educação superior desmando dos militares. [...]
O endurecimento do regime também
deveria ter objetivos práticos e adaptar seus conteúdos motivou os grupos políticos a adotarem a
às metas do desenvolvimento nacional‖ (CHAUÍ, luta armada como via de combate aos
militares. Inspirados pela Teoria do Foco
2001; MARTINS, 2009, p.19). Guerrilheiro, que garantiu a vitória da
Revolução Cubana, esses oponentes
Assim, decretada em um segundo momento da pegaram em armas esperando empreender a
derrubada do regime militar [...].
ditadura, período que houve o recrudescimento da Em contrapartida, o próprio governo e
determinados grupos civis organizaram
repressão (1968), alguns autores comentam que esta ações para desestabilizar a ação dos grupos
política de orientação privatista foi responsável pelo de esquerda no país. [...] No final do ano de
1968, o presidente Costa e Silva anunciou a
acelerado e desordenado aumento no número de vagas instalação do Ato Institucional nº 5. Mais
conhecido como AI-5, o decreto federal
oferecidas pelas faculdades particulares no país30 dava fim a todos os direitos civis, permitia a
cassação dos mandatos parlamentares e o
(CHAUÍ, 2001; CFP, 1992; MELLO, 1983; 1989; fechamento do Congresso Nacional, das
Assembleias Legislativas e Câmaras
YAMAMOTO, 2006; 2007). Municipais sob a ordem direta do
Essa multiplicação de vagas para os cursos de presidente. Ao mesmo tempo, limitava os
poderes do Judiciário ao suspender o direito
graduação em Psicologia pelo setor privado foi de habeas corpus em crimes que iam contra
a ―segurança nacional‖. Com tal medida, a
constatada por Mello (1983; 1989) em seus estudos. A perseguição política entrava em seus ―anos
de chumbo‖, marcados pelas torturas,
autora explica que a procura pela formação em mortes e prisões que comporiam os
sombrios ―porões da ditadura‖. [...].
Psicologia era estimulada pelas possibilidades de lideranças militares que dirigiam o regime e
trabalho que surgiram após a regulamentação da indicaram o ex-chefe do Serviço Nacional
de Informações, Emilio Garrastazu Médici,
profissão. como novo presidente do Brasil. [...] e deu
início a um dos períodos mais radicais da
ditadura militar.
Souza (s/d)
30
Segundo Bernardes (2004), não há dados oficiais confiáveis sobre o número de cursos de Psicologia
existentes. Estima-se que, nos dias de hoje, tenha ultrapassado 400 de acordo com levantamento preliminar da
Associação Brasileira de Ensino em Psicologia (ABEP).
76

[...] a criação de novos Cursos de Resolução CFP Nº 04/74


Psicologia podem representar uma
Art. 1° Fica adotada, como caracterização
expansão do mercado de trabalho para o
psicólogo no Ensino Superior [...], note- básica, para definir as atribuições
se, [...] que enquanto a Universidade de profissionais do psicólogo no Brasil, a
São Paulo e a Pontifícia Universidade descrição aprovada pela Organização
Católica de São Paulo ofereceram, em Internacional do Trabalho publicada desde
conjunto, 280 vagas para os seus cursos 1968 e aqui reproduzida:
de Psicologia, em 1972, um curso 1-92.30: Psicólogo: estuda o
apenas, recentemente criado na Capital, comportamento e mecanismo mental dos
ofereceu 360 vagas para os três períodos seres humanos, realiza pesquisas sobre os
do seu curso de Psicologia. A tendência
problemas psicológicos que se colocam no
é, evidentemente, para um aumento da
oferta de profissionais no mercado de terreno da medicina, da educação e da
trabalho, e [...], a procura de indústria e recomenda o tratamento
profissionais será, em pouco tempo, adequado:
muito inferior à oferta (MELLO, 1983,  projeta e realiza experimentos e estudos
p.31). em seres humanos para determinar suas
características mentais e físicas;
 analisa a influência de fatores
Para Bernardes (2004) e Mello (1983; 1989), hereditários, ambientais e outros mais na
configuração mental e comportamento dos
os alunos buscavam uma formação profissional indivíduos;
técnica, voltada para a atuação psicológica na área  faz diagnóstico, tratamento e prevenção
de transtornos emocionais e da
clínica, com vistas à realização de estudo de caso, personalidade, assim como dos problemas
de inadaptação ao meio social e de
diagnóstico e psicoterapia em consultórios trabalho;
 cria a aplica testes psicológicos para
particulares. determinar a inteligência, faculdade,
aptidões, atitudes e outras características
Concomitantemente, houve, naquele período
pessoais, interpreta os dados obtidos e faz
(início da década de 1970), um esforço do Conselho as recomendações pertinentes.
Pode-se especializar-se numa das
Federal de Psicologia (CFP) para caracterizar a aplicações particulares da psicologia, como
o diagnóstico e tratamento de doenças
Psicologia enquanto ciência e profissão, coadunando mentais, dos problemas psicológicos que se
manifestam nas crianças durante o período
conhecimentos ministrados em cursos de graduação de sua educação e desenvolvimento social,
dos problemas psicológicos de caráter
em vários países do mundo. Tal fato resultou na
profissional, como os referentes à seleção,
Resolução CFP nº 04, de 1º de julho de 1974, que formação e orientação dos trabalhadores.
(Oficina Internacional del Trabajo,
adotou a definição de psicólogo estabelecida, em Clasificación uniforme de ocupaciones, ed.
Ver. 1968. Ginebra, OIT, 1970. p. 102)
1968, pela Organização Internacional do Trabalho Art. 2° A presente resolução entrará em
vigor na data de sua publicação no Diário
(OIT) para caracterizar a profissão (GOMIDE, 1988; Oficial da União.
SEMINÉRIO, 1980a).
Assim, ficou definida nesta Resolução que seria atribuição do psicólogo estudar o
comportamento e mecanismo mental dos seres humanos, promover pesquisas sobre os
problemas psicológicos que se revelam nas áreas médicas, escolar e da indústria, traçar
diagnósticos para, por fim, propor tratamento.
Definida deste modo, as atribuições do psicólogo em nada diferiam da intenção do
Currículo Mínimo de capacitar o profissional para tratar de problemas de ajustamento, para a
77

aplicação de testes, em sua maioria, importados, e para a clínica, caracterizada pelo


atendimento psicoterapêutico individual e fundamentada em modelos teórico-técnicos
estranhos à realidade nacional (FERREIRA NETO, 2002; FRANCISCO; BASTOS, 1992).
Dentre esses modelos teóricos e práticas psi exercidas, certa leitura neutra e apolítica
da Psicanálise tornava-se hegemônica. Influenciada pela noção de ciência da modernidade, o
conhecimento psicanalítico foi construído sob critérios que advinham das Ciências Naturais,
importando-se apenas com a realidade interna, com os ―aspectos intrapsíquicos dos pacientes‖
descolados das complexas relações entre os indivíduos e seu contexto sociocultural (DIAS,
2001, p.39; RODRIGUES, 2000).
A Psicanálise constitui-se, assim, em uma teoria a dar reconhecimento científico a um
modo de produção de subjetividade com fins adaptativos e normativos; ―para um sujeito
movido por forças que desconhece, um especialista detentor do saber‖ (LINS, 2009;
RODRIGUES, 2000, p.70).

Esse modo de pensar a psicanálise produz práticas que trazem como efeito não somente a
reprodução como o fortalecimento dessas subjetividades dominantes. Produzem-se e
naturalizam-se, com isso, demandas ligadas às instituições do familiarismo, intimismo,
especialismo, neutralismo e cientificismo (RODRIGUES, 2000, p.70).

Esta leitura da Psicanálise passou a ser ensinada, na década de 1970, na maioria das
Faculdades de Psicologia no país, a despeito da existência de outras práticas psicoterápicas.
Logo, tornou-se área de conhecimento e modelo de atendimento psicológico demandados
pelos estudantes, que passaram a priorizar a atuação clínica, privatista, individualizante e de
cunho liberal, em detrimento do trabalho em outros enquadres. Yamamoto (2007) declara que
essa forma de tratamento se refere ao elitismo da Psicologia:

a notável preferência dos psicólogos pela chamada pela atividade clínica associada ao modelo
subjacente de profissional liberal, [...], estaria produzindo, ou contribuindo de forma decisiva,
para o desenho do perfil da profissão (YAMAMOTO, 2007, p.30).

Este movimento contribuiu para o declínio do uso dos testes na área clínica, em razão
da preferência dos profissionais pela interpretação intuitiva ou por instrumentos com clara
associação à perspectiva teórica psicanalítica (CUNHA, 2000; CUSTÓDIO, 2007;
NORONHA, 2002).
Era o boom psicanalítico, momento em que a Psicanálise entrou em moda, oferecendo
explicações a todas as circunstâncias da vida, reorganizando os valores e crenças das classes
78

média e alta. ―Falava-se ‗psicanalês‘, o mundo das relações pessoais era interpretado em
termos psicanalíticos‖ (RUSSO, 1999, s/p).
Com esta ―psicologização da vida social e política‖ (COIMBRA, 1995, p.118), todos
os acontecimentos da vida viravam pretexto para uma intervenção terapêutica, cabendo aos
psicólogos a tarefa ou missão de aconselhar, esclarecer e tratar mulheres e homens e propor
modelos socialmente aceitos de criança, família, casamento, etc. O Brasil foi se tornando,
assim, o terceiro mercado mundial da Psicanálise, só ficando atrás dos Estados Unidos e da
França.
Já a partir da segunda metade da década de 1970, ocasião em que a Psicanálise e
outras práticas psicoterapêuticas se popularizaram, críticas quanto ao uso dos testes
psicológicos, assim como à deficiência do controle na publicação de material psicológico31
aumentaram progressivamente. Pasquali e Alchieri (2001) salientam que nem o Conselho
Federal nem os Conselhos Regionais de Psicologia tiveram cuidado ou preocupação com esta
prática, deixando ao encargo do mercado editorial brasileiro traduzir, adaptar e comercializar
os instrumentos de uso exclusivo do psicólogo. Para os autores, os próprios ―psicólogos que
faziam uso de tais testes não tinham maiores críticas ou escrúpulos em utilizá-los, uma vez
que eles próprios não foram instruídos o suficiente para perceber a carência técnica e
metodológica em que as universidades estavam mergulhadas‖ (PASQUALI; ALCHIERI,
2001, p.210).
Tal fato promoveu, segundo a análise de alguns autores, um desinteresse generalizado
pelo ensino e aprendizagem de medidas psicológicas, assim como um descrédito e
banalização no uso dos instrumentos psicométricos (em especial, os testes objetivos),
provocando um engessamento na construção, atualização e aplicação de testes psicológicos
(ALCHIERI; CRUZ, 2006; CUSTÓDIO, 2007; PEREIRA; CARELLOS, 1995; CRP-06,
1994; PASQUALI; ALCHIERI, 2001).

Essas questões, somadas à importação de testes europeus e americanos totalmente


inadaptados à realidade brasileira, produziram ao longo dos anos um quadro em que a grande
maioria dos testes apresentava desatualização e ausência de padronização referente à
população brasileira, inaceitável não-validação e deficiente formação de profissionais que
valorizassem a aplicação mecânica das técnicas. Mesmo após o reconhecimento da profissão,

31
Pesquisa promovida por Noronha, Primi e Alchieri (2004) revelou que dos 146 instrumentos comercializados
no Brasil pelas editoras Casa do Psicólogo, CEPA e Vetor: 41,1% eram de inteligência e/ou aptidões e 36,3% de
personalidade, somente 28,8% desses instrumentos apresentaram informação acerca de estudos de precisão,
validade e padronização (condições mínimas para se considerar um instrumento como cientificamente
fundamentado).
79

em 1962, a prática profissional ainda O “Milagre” Brasileiro


carecia de regulamentação específica que Crescimento acelerado, integração
norteasse o uso dos testes psicológicos
internacional e distribuição de renda
(CASTRO et. ali 2007, p.287).
1967-1973
A expressão ―Milagre Econômico‖ foi
Alguns autores explicam que, dada a usada pela primeira vez em relação à
Alemanha Ocidental. A rapidez da
precariedade dos testes psicológicos utilizados no recuperação desse país na década de 1950
foi tão inesperada que muitos analistas
país, o uso de instrumentos estrangeiros sem a devida passaram a chamar o fenômeno de ―Milagre
Alemão‖. A expressão foi posteriormente
adequação à população brasileira, o baixo repetida para o crescimento japonês na
década de 1960. Finalmente, na década de
investimento em pesquisas na área, bem como a má 1970, a expressão ―Milagre Brasileiro‖
ou insuficiente formação/qualificação profissional, passou a ser usado como sinônimo do boom
econômico observado desde 1968 - e
aqueles que ainda se mantinham nesta prática eram, também como instrumento de propaganda
do governo.
pejorativamente, chamados de ―testólogos‖ (ALVES, O novo presidente da República, o
General Artur da Costa e Silva, assumiu o
2009b, p.221; NORONHA, SARTORI, FREITAS; governo em março de 1967, nomeando
Delfim Neto para Ministro da Fazenda e
OTTATI, 2001; NORONHA, 2002, NORONHA; Hélio Beltrão para Ministro do
PRIMI; ALCHIERI, 2004; PASQUALI; ALCHIERI, Planejamento. O novo ministério assumiu
em um quadro recessivo, fruto da política
2001; SILVA, 2004). anti-inflacionária do governo anterior, e
suas primeiras medidas pareciam ser uma
continuidade das políticas anteriores, onde a
redução do papel do setor público e o
[...] os testes foram jogados no lixo, onde
de fato merece estar a maioria dos aumento da participação do setor privado
atualmente utilizados neste país. A maior eram aspectos considerados prioritários [...].
parte dos testes aqui empregada é mera A principal marca do Milagre foi,
tradução de instrumentos estrangeiros obviamente, o caráter inesperado das
colocados no mercado por empresas cuja elevadas taxas de crescimento. De início
preocupação fundamental é comercial e a amplos setores da intelectualidade e da
preocupação científica com a qualidade opinião pública receberam com
dos instrumentos psicológicos é algo desconfiança os anúncios do crescimento
secundário (PASQUALI; ALCHIERI,
proclamados pelas autoridades do regime
2001, p. 197).
militar ao mesmo tempo em que o
movimento estudantil ganhava as ruas e o
Esses acontecimentos tinham relação a um movimento operário ameaçava iniciar sua
reorganização.
período, meados dos anos de 1970, em que intensas [...] Durante o governo Médici a busca
de legitimidade deslocou-se definitivamente
transformações na sociedade e no modo de produção do plano político para o plano econômico.
A ideia de que estava em processo a
capitalista eram vividas no Brasil com a construção de um ―Brasil Potência‖ passou
a constituir-se a base da propaganda do
internacionalização do mercado. Era o chamado governo. [...] O aumento da concentração
milagre econômico, com a ascensão da classe média de renda permitiu a expansão do mercado
pelo crescimento e diversificação do
e a instauração do neoliberalismo adaptado às consumo de classes médias e altas urbanas.
Sá Earp e Prado (2003, p.11)
conjunturas nacionais.
As alterações no modo de produção capitalista logo se fizeram sentir em relação à
educação nacional, especialmente após a Reforma Universitária e a privatização do ensino
80

superior. Guiados por critérios de produtividade e parametrizados nas relações de custo-


benefício, os cursos universitários, incluindo os de Psicologia, ―ganharam uma
unidimensionalidade compacta‖ (MELLO, 1989, p.60), quando tempo e quantidade de
conhecimento técnico-instrumental passaram a ser conciliados.
Bernardes (2004, p.28) explica que:

Com a redução da carga horária dos cursos e consequente redução de custos (visando baratear
o ensino para massificá-lo), a lógica neoliberal reduz a formação do sujeito a uma formação
profissional, técnica, pontual, fragmentada. A formação, portanto, se transforma em
treinamento de um conjunto de técnicas desvinculadas da realidade social.

Criaram-se, destarte, as bases para a serialização e massificação do ensino superior,


com o aumento do número de alunos e redução do Critérios frequentemente utilizados para
definir o “tradicional” ou o “clássico” em
nível de qualidade dos cursos. Outro agravante a ser termos de Psicologia Clínica:
considerado, segundo Alves (2009b), foi a ampliação  Atividades de psicodiagnóstico e/ou
terapia individual ou grupal;
do número de cursos de Psicologia que, visando à  Atividade exercida em consultórios
particulares, restrita a uma clientela
redução nos custos, começaram a dispensar os proveniente de segmentos sociais mais
abastados; atividade exercida de forma
professores mais qualificados e experientes ou com autônoma, como profissional liberal,
alguma titulação, como mestrado e doutorado, para não inserida no contexto dos serviços de
saúde;
contratar recém-formados, ocasionando considerável  Trabalho que se apoia em um enfoque
intra-individual, com ênfase nos
queda na qualidade do ensino. processos psicológicos e
psicopatológicos e centrado em um
Este viés mercadológico das instituições indivíduo abstrato e a-histórico;
 Hegemonia do modelo médico
formadoras trouxe algumas repercussões, além do já

citado aumento na oferta de cursos, decorrente do Lo Bianco, Bastos, Nunes e Silva (1994,
p.9)
crescimento na demanda por formação acadêmica: a
reprodução do modelo hegemônico voltado ao diagnóstico e tratamento psicológico nas
principais áreas de atuação, hoje nomeadas tradicionais ou clássicas: clínica, escolar e
industrial/do trabalho. A carência de docentes qualificados (especialmente na área de exame
psicológico) foi outro resultado.
Transformada em mercadoria oferecida, muitas vezes, por instituições descritas pelos
próprios profissionais que delas egressaram como ―‗de segunda linha‘‖ (ZANELLI, 1994,
p.141), a formação profissional se converteu em uma espécie de adestramento em técnicas e
práticas terapêuticas padronizadas a fornecer interpretações e descrições dos fenômenos
humanos desimplicadas com os interesses da população, bem como com a compreensão do
81

mundo social e histórico (GOMIDE, 1988; MELLO, Tropicália


Sobre a cabeça os aviões;
1983; 1989; MOURA, 1999; PESSOTTI, 1988; Sob os meus pés os caminhões
Aponta contra os chapadões; Meu nariz
SASS, 1988; SENNE, 2005; YAMAMOTO, 2006). Eu organizo o movimento; Eu oriento o
Não foi inadvertidamente que Seminério carnaval; Eu inauguro o monumento;
No planalto central do país
(1980b, p.15) alertou para o fato de que a formação Viva a Bossa, sa, sa; Viva a Palhoça, ça, ça,
Viva a Bossa, sa, sa; Viva a Palhoça, ça, ça,
profissional estaria diretamente ligada ao interesse de O monumento; É de papel crepom e prata
Os olhos verdes da mulata; A cabeleira
determinada sociedade que se encarregaria de: esconde;
Atrás da verde mata; O luar do sertão
[...] moldar pessoas segundo um O monumento não tem porta;
conjunto de princípios e regras que a A entrada é uma rua antiga; Estreita e torta;
sociedade considera válidas; mas essa E no joelho uma criança
validade decorre dos valores e da Sorridente, feia e morta; Estende a mão
ideologia dominante. Cada sociedade, no Viva a mata, ta, ta; Viva a mulata, ta, ta, ta,
passado ou no presente, forma os homens Viva a mata, ta, ta; Viva a mulata, ta, ta, ta,
segundo tais princípios. Logo, as
No pátio interno há uma piscina;
diferenças existentes entre os diversos
modelos educacionais decorrem das Com água azul de Amaralina
diferenças existentes entre as plataformas Coqueiro, brisa e fala nordestina; E faróis
valorativas das distintas culturas. Na mão direita tem uma roseira;
Autenticando eterna primavera;
Com efeito, um contingente profissional pouco E no jardim os urubus passeiam;
A tarde inteira entre os girassóis
qualificado passou a ingressar no mercado de Viva Maria, ia, ia; Viva a Bahia, ia, ia, ia,...
Viva Maria, ia, ia; Viva a Bahia, ia, ia, ia,...
trabalho, ofertando seus serviços àqueles que No pulso esquerdo o bang-bang;
Em suas veias corre muito pouco sangue;
apresentavam sentimento de mal-estar ou sofrimento Mas seu coração balança um samba de
psíquico oriundos das classes alta e média urbanas – tamborim; Emite acordes dissonantes
Pelos cinco mil alto-falantes;
―ávidas consumidoras das práticas psi em curso‖ Senhoras e senhores
Ele põe os olhos grandes; Sobre mim
(RODRIGUES, 2000, p.69; VASCONCELOS, 1980). Viva Iracema, ma, ma; Viva Ipanema, ma...
Viva Iracema, ma, ma; Viva Ipanema, ma...
Simultaneamente, outros acontecimentos Domingo é o fino-da-bossa; Segunda-feira
está na fossa; Terça-feira vai à roça;
tomavam forma entre as décadas de 70 e 80 com Porém... O monumento é bem moderno;
intensas repercussões no meio universitário, dentre Não disse nada do modelo do meu terno;
Que tudo mais vá pro inferno meu bem;
eles: o fortalecimento dos movimentos sociais de Que tudo mais vá pro inferno meu bem
Viva a banda, da, da; Carmem Miranda, da,
oposição ao regime ditatorial, com destaque para o Viva a banda, da, da; Carmem Miranda, da,
Caetano Veloso (1968)
movimento contracultural brasileiro e a vinda às terras
brasileiras de refugiados da repressão política na Argentina, antes e por ocasião do golpe
militar de 1976 (AGUIAR NETTO, 1988; BASTOS; GOMIDE, 1989; CHALOUB, 1980;
COIMBRA, 1999; JACÓ-VILELA, 2004). Responsável pelo movimento contracultural
brasileiro, como a Tropicália ou Movimento Tropicalista32 (1967-69), a Geração de 68

32
A Tropicália foi um dos movimentos artísticos mais importantes dos anos 60, de grande repercussão cultural
na música popular brasileira, onde se destacaram os cantores e compositores Caetano Veloso e Gilberto Gil,
82

ficou conhecida não só pela música popular brasileira, mas por outras produções da época,
quando os ―antigos modos de vestir, de falar, de morar, de comer‖ (COIMBRA, 1995, p.11)
foram abandonados e quando os sincretismos e as misturas eram a ordem do dia.
De um modo geral, Rolnik (2007, p.114) vai informar que:

O movimento contracultural no Brasil foi especialmente radical e amplo, tendo sido o


Tropicalismo uma das principais expressões de sua singularidade. A juventude ativa da época
se dividia entre a contracultura e a militância, que sofreram igual violência por parte da
ditadura: prisão, tortura assassinato, exílio, além de muitos que sucumbiram à loucura.

Além desse, a influência dos movimentos culturais e políticos das juventudes europeia
e norte-americana, tais como os hippies, os Beatles; as revoluções fundamentalistas islâmicas,
os movimentos de libertação pedagógica, as lutas antimanicomiais, dentre outros, também se
fizeram sentir no país, especialmente no meio acadêmico (COIMBRA, 1995; SATHLER,
2008).
Alguns cursos de graduação, no âmbito da Psicologia, passaram a adotar uma postura
associada ao movimento cultural emergente de reação à concepção de rigor científico
fundamentada na rigidez das análises quantitativas. O principal centro de ataque era à
Psicologia positivista, tida como ciência neutra, objetiva e apolítica, embasada em princípios e
conceitos advindos de uma psicologia experimental norte-americana e suas manifestações
técnicas, dentre as quais, o uso de instrumentos de testagem, conforme discuti anteriormente.
Por sua vez, a chegada dos exilados argentinos ao Brasil, muitos deles psicanalistas,
recrudesceu as críticas à postura cientificista defendida naquele momento. Chamada de
―segunda geração de argentinos‖ (RODRIGUES, 2000, p.91), estes psicanalistas estavam
ligados ao Grupo Plataforma, fortemente influenciado pelas ideias difundidas na França, na
década de 1960, por Georges Lapassade, criador do paradigma Análise Institucional, René
Lourau (Socioanálise de tradição dialética), Gilles Deleuze e Félix Guattari (Esquizoanálise),
fato que contribuiu para a constituição no Brasil, de um campo de intervenção em Análise
Institucional (COIMBRA, 1995; CUNHA; DORNA; RODRIGUES, 2006; RODRIGUES,
2000).
Cunha, Dorna, Rodrigues (2006) e Rodrigues (2000) afirmam que a Análise
Institucional no Brasil, marcada historicamente pelo hibridismo e pela polifonia, consiste em
uma rede de conceitos, práticas e agentes que combina uma multiplicidade de elementos

dentre outros. ―Tropicália‖, de Caetano Veloso, se tornou a canção símbolo deste movimento cultural, que
aponta os diferentes níveis em que se dá a combinação entre o arcaico e o moderno.
83

conjunturais e idiomas em sua abordagem no trabalho institucional no país, tais como a


influência da Análise Institucional Socioanalítica francesa no Setor de Psicologia Social da
Universidade Federal de Minas Gerais durante a Ditadura Militar; dos psicanalistas
argentinos, com sua participação no Instituto Brasileiro de Psicanálise, Grupos e Instituições
(IBRAPSI) quando da redemocratização do Brasil; e da Psiquiatria Democrática de Basaglia
(reforma psiquiátrica italiana), de caráter desinstitucionalizante, na década de 1980.
Por conta das influências francesas e, em particular, da Psicanálise difundida na
Argentina, a Análise Institucional, em geral, tende a estar associada às investigações
psicanalíticas. Estas, por sua vez, passaram a ganhar maior visibilidade e prestígio entre os
psicólogos brasileiros, que viram na emergência e aprimoramento técnico de outros modelos
teóricos e metodológicos, dentre os quais, o modelo especializado na perspectiva clínica, uma
oportunidade frente à escassez de emprego no mercado de trabalho.

Principalmente entre os psicólogos, há uma grande curiosidade em relação às técnicas trazidas


pelos argentinos. Desenvolvem-se as terapias de casal, terapias breves, intervenções em crise,
atendimentos pré-cirúrgicos, acompanhamento a gestantes, orientação vocacional [...] e
outros. Tais técnicas [...] respondem muito bem à demanda produzida nos anos 70 no Brasil
(COIMBRA, 1995, p.142).

No mesmo período, final da década de 1970 e início de 1980, uma proposta alternativa
e crítica ao paradigma positivista na Psicologia ganhava força, oriunda da Psicologia Social, a
Psicologia Sócio-Histórica. Proveniente das formulações teóricas do materialismo histórico e
dialético propostas por Vigotsky, Luria e Leontiev (MANCEBO, 2004; OZELLA;
SANCHENZ, 2001). Embora a adesão dos alunos de graduação não fosse expressiva na
ocasião, o movimento marcou alguns avanços a partir de 1980, como a criação da Associação
Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO).
A Psicologia Sócio-Histórica representou a possibilidade de apreender o sujeito e a
subjetividade como produções históricas, ―na relação dialética com a realidade objetiva‖
(GONÇALVES, 2001, p.50). Essa perspectiva propõe que os fenômenos psicológicos passem
a ser estudados como decorrentes de um processo de constituição do sujeito enquanto ser
social que se desenvolve ao longo do tempo, negando a naturalidade do desenvolvimento
humano. Deste modo, o homem se insere no mundo por meio de suas relações e experiências
e, enquanto atua, interferindo no mundo, é por ele afetado.

Assim, a Psicologia Sócio-Histórica produzirá conhecimentos com outros pressuposto,


abandonando a pretensa neutralidade do positivismo, a enganosa objetividade do cientista, a
84

positividade dos fenômenos e o idealismo, colocando sua produção à materialidade do mundo


e criando a possibilidade de uma ciência crítica à ideologia até então produzida e uma
profissão posicionada a favor das melhores condições de vida, necessárias à saúde psicológica
dos homens de nossa sociedade (BOCK, 2001b, p.35).

Com efeito, na década de 1980, houve um desinteresse generalizado pelo ensino e


aprendizagem de medidas psicológicas por serem estas consideradas uma prática
classificatória e reguladora. Os testes psicométricos que não tiveram seu uso abandonado
foram, segundo Pasquali e Alchieri (2001), usados sem atualização de suas normas.
Para reverter esse panorama, coube ao Conselho Federal de Psicologia uma posição
frente aos problemas enfrentados neste âmbito no sentido de investir na qualidade da
avaliação psicológica. Esta reação veio com a criação da Comissão Nacional de Avaliação
Psicológica em 1980. A referida Comissão teve por objetivos analisar a situação e os
principais problemas com os quais os psicólogos se deparavam na prática da avaliação
psicológica (PASQUALI; ALCHIERI, 2001).
Concomitantemente, um grupo de pesquisadores, professores e profissionais ligados
ou não a algumas associações propôs uma revisão do conteúdo curricular da formação dos
psicólogos no campo da avaliação. O intuito do grupo era incluir nos currículos disciplinas
sobre ―teoria da medida e psicometria, avaliação da inteligência e da personalidade; e prática
de planejamento, execução e redação de resultados‖ (NORONHA, 2009, p.83).
Aos poucos o cenário foi se modificando com novas propostas para pensar e praticar a
avaliação psicológica. Eventos foram organizados por alguns Conselhos Regionais, em
especial os Encontros sobre Testes Psicológicos promovidos pelo CRP do Rio Grande do Sul
em 1986, com vistas ao aprimoramento da classe ―quanto ao uso e investigação dos testes
psicológicos‖ (PASQUALI; ALCHIERI, 2001, p.211).

Um dos primeiros eventos, e que ainda se mantém, foi o Encontro Sobre Testes Psicológicos,
CRP-07 do RS, que desde sua primeira edição em 1983 com a presença de 150 participantes,
em 1999 contou com mais de 600 profissionais, ocasião em que foi transformado em
Congresso Nacional de Avaliação Psicológica. A temática, amparada inicialmente sobre
questões de utilização e ensino de testes, vem assumindo progressivamente um caráter voltado
para a preocupação com a qualidade científica desses instrumentos e sua constante atualização
em investigações científicas (PASQUALI; ALCHIERI, 2001, p.216).

A este, seguiram-se outros eventos que marcaram a Psicologia no país e deram


impulso às discussões sobre a matéria, especialmente em relação à qualidade científica, ao
ensino e ao uso de testes psicológicos.
85

Não obstante o panorama da Psicologia no Brasil tivesse se modificado


consideravelmente naquele período, com o enfraquecimento progressivo da tradição
academicista da Psicologia Experimental e de suas concepções tecnicistas em oposição à
valorização e expansão das ―terapias da palavra‖ (SENNE, 2005, p.25-26), o Currículo
Mínimo obrigatório (Parecer nº 403 de 1962) permaneceu inalterado (MELLO, 1989;
PENNA, 1980b).
Esse fato ensejou, após 17 anos de Currículo Mínimo, a elaboração de um anteprojeto
para fundamentar um Currículo Pleno, com disciplinas para complementar e aprimorar a
formação. No entanto, o mesmo foi impugnado por ter sido considerado pior que o primeiro,
o que justificou a manutenção do primeiro Currículo Mínimo por muitos anos. Segundo
Penna (1980b), o documento tendia a converter psicólogos em ―agentes de controle‖ a serviço
de um sistema, de tal modo que questões éticas ficavam, em seu entendimento, ―seriamente
atingidas‖ (PENNA, 1980b, p.547).
O fato de o Currículo Mínimo não ter sofrido alteração não impediu que algumas
Universidades modificassem suas grades curriculares para acrescentar outras abordagens
clínicas, além da Psicanálise, como forma de atrair os alunos com olhares voltados para as
oportunidades de trabalho oferecidas por um mercado em expansão.

Ao mesmo tempo que a psicanálise, outras abordagens clínicas, ditas ―humanistas‖, em parte
por corresponder aos anseios de uma contracultura em voga (a busca do ―desenvolvimento
pessoal‖), em parte por dispor de alguma bibliografia acadêmica a respeito, e em parte por
encontrar uso prático e mercado em expansão, também entraram na formação em psicologia, a
exemplo do psicodrama, ou das terapias de Rogers e de Reich (SENNE, 2005, p.26).
Ao longo dos anos 80, em 10 cursos não ocorreram mudanças curriculares, sendo que, via de
regra são cursos novos [...]. Nos demais cursos (71,43%) ocorreram mudanças. [...] As
mudanças foram desde a implantação de uma nova proposta curricular até a ampliação da
duração do curso, passando por mudanças de carga-horária e de semestre em que a disciplina
foi oferecida. [...] Sempre fica patente que a reformulação consistiu em um esforço para busca
de melhoria na formação oferecida e de adequação à realidade em que a escola se insere, ou
seja, à demanda da sociedade. [...] Algumas disciplinas cederam espaço ou tempo para outras,
mas não há evolução marcante acompanhando os progressos internacionais. Há sim um
esforço de acomodação ou de busca de um equilíbrio curricular, reduzindo antigas
hegemonias (WITTER; BASTOS; BOMFIM; GUEDES, 1992, p.185-187).

Todavia, o cenário brasileiro não se configurava dos melhores. Ainda que houvesse a
reconquista da democracia parlamentar e a promulgação da nova Constituição em 1988,
inserindo o país em um movimento de construção de uma sociedade interessada na afirmação
dos direitos dos cidadãos, o panorama instalado era de recessão econômica, aumento da
inflação, desemprego.
86

Houve corte nos gastos pelo desmonte dos Desmonte do Serviço Público
Seja para opor-se seja para defender
serviços públicos, desigualdade e vulnerabilidades essas ideias, o campo da discussão está
predeterminado e predefinido pela ideologia
sociais, equacionado à ideia de um Estado mínimo neoliberal e pela alienação que ela acarreta.
(redução do papel do Estado) e ao amplo programa de Essa temática indica uma estranha amnésia
social e política. De fato, parece que nos
privatizações. Este era o retrato de um processo de esquecemos de que, durante a ditadura, a
classe dominante, sob o pretexto de
crise socioeconômica e política que se armou no país combate à subversão, mas, realmente, para
servir aos interesses de uma de suas
se contrapondo aos anos precedentes do milagre parcelas (os proprietários das escolas
privadas), praticamente destruiu a escola
(crescimento) econômico e que culminou com a pública de primeiro e segundo graus. Por
hegemonia do ideário e agenda neoliberais (BASTOS, que pôde fazê-lo? Porque neste país,
educação é considerada privilégio e não um
1992; YAMAMOTO, 2007). direito dos cidadãos. Como o fez? Cassando
seus melhores professores, abolindo a
Em linhas gerais, o neoliberalismo, enquanto Escola Normal na formação dos professores
do primeiro grau, inventando a Licenciatura
uma nova ordem mundial, começou a dar os ares de Curta, alterando as grades curriculares,
inventando os cursos profissionalizantes
sua graça no país, irreais, estabelecendo uma política do livro
baseada na descartável e nos testes de
[...] com seus corolários de globalização,
Estado mínimo, livre mercado, livre múltipla escolha e, evidentemente, retirando
comércio, privatizações, marketing, recursos para manutenção e ampliação das
rotação rápida, capitalismo financeiro, escolas e, sobretudo, aviltando de maneira
isolamento tecnocrático, cultura-
escandalosa os salários dos professores.
mercado, dentre outros, produzindo o
Que pretendia a classe dominante ao
que ficou conhecido como ―paradigma
da insegurança‖ (Pegoraro, 1996:75-87). desmontar um patrimônio público de alta
As ameaças de desestabilização da qualidade? Que a escola de primeiro e
economia e de catástrofe social têm sidosegunda graus ficasse reduzida à tarefa de
conjuradas pelas elites que governam alfabetizar e treinar mão de obra barata para
nosso país com discursos sobre o mercado de trabalho. Isso que o editorial
eficiência, leis do da Folha de S. Paulo chama de ―avanço
mercado,
competitividade, necessidade de
social‖ das crianças pobres
privatizações e livre comércio. Esse
modelo neo-liberal tem produzido
Chauí (2001, p.36).
insegurança e medo para as classes médias e trabalhadores em geral e mais desemprego,
pobreza e miséria. (COIMBRA, 2000, p.144).

Com o aumento no número de profissionais formados que buscavam ingressar no


mercado de trabalho, associada à baixa qualificação profissional, à falta de absorção desta
mão de obra em razão da limitada oferta de emprego, e ainda, da redução da clientela nos
consultórios particulares, houve uma saturação na oferta de serviços terapêuticos, cujo
resultado mais imediato foi o desemprego e o subemprego com baixa remuneração salarial.
Como explicam alguns autores, a conjunção desses fatores, notadamente o impacto da
agenda neoliberal no plano social e a consequente colapso do modelo de profissional liberal,
forçou o psicólogo a se transferir do consultório para outro segmento da população ligado ao
terceiro setor para atuar em equipes com comunidades, com organizações em rede,
organizações não governamentais e outras atividades vinculadas a órgãos públicos (AGUIAR
87

NETTO, 1988; BERNARDES, 2004; CRP-06, 1994; WITTER, BASTOS, BOMFIM,


GUEDES, 1992; MELLO, 1989; MOURA, 1999; PEREIRA; PEREIRA NETO, 2003;
SENNE, 2005; YAMAMOTO, 2007).
De acordo com Castelo Branco (1998, p.30), naquele momento pós-ditadura militar,
embora predominasse a demanda profissional em áreas tradicionais como a clínica, a escolar,
e a organizacional/trabalho, estava em curso

um processo novo de discussão sobre os modelos de atuação psicológica, realizado por


algumas gestões do Conselho Federal de Psicologia e Conselhos Regionais, Associações e
Sindicatos da categoria em vários pontos do país e o Movimento Nacional de Saúde Mental.
A luta antimanicomial, a participação dos psicólogos nas unidades de saúde, nos trabalhos
sociais e comunitários e a assessoria a grupos populares, demonstram que novas
possibilidades de atuação têm sido criadas, buscando responder a outros tipos de demandas
anteriormente negadas.

Dirigindo sua atenção para as classes subalternas, o psicólogo precisou reconstruir sua
prática profissional. Desta forma, teve a oportunidade de diversificar e ampliar seus modos de
intervenção, privilegiando atividades de cunho mais preventivo, educacional e social.
Contudo, o modo como os cursos de Psicologia estavam estruturados, formando profissionais
liberais, não permitia o preparo dos futuros psicólogos para esta mudança de foco, segundo
Bock et. ali (1984) e Witter, Bastos, Bomfim e Guedes (1992).
Gomide (1988) comenta que o modelo de ensino em Psicologia praticado até então
criava um profissional que não atendia às necessidades da maior parte da população.

[...] os psicólogos são profissionais com uma formação técnica; preocupados muito mais com
a doença do que com a saúde; que enfatizam e investem no indivíduo que está sofrendo e não
nas condições ou variáveis que determinam o seu sofrimento; cuja atuação é
fundamentalmente determinada por técnicas, procedimentos e conhecimentos e não pelos
problemas ou necessidades da população; e que a sua formação partiu de informações
existentes e conhecidas não das necessidades reais e mais urgentes da população, para depois
se produzir ou escolher o conhecimento necessário e adequado para uma atuação útil e
comprometida socialmente (GOMIDE, 1988, p.74).

Tal panorama resultou na oferta de uma mão de obra profissional desqualificada, que
não correspondia às necessidades do mercado, tampouco da população. O atendimento
psicológico ficou caracterizado pela segmentação, com oferta de serviços de qualidade
individualizada segundo a capacidade de pagamento do usuário, sendo identificado como:
―(a) estatal-gratuito-precário; (b) privado-mercantil-boa qualidade e (c) filantrópico-
voluntário-qualidade questionável (e virtual ausência de controles)‖ (YAMAMOTO, 2007,
p.33).
88

Pela perspectiva do projeto neoliberal, a lógica que passou a regulamentar os serviços


públicos pressupõe que estes sejam considerados ineficientes em comparação aos serviços
particulares. Quando voltada às classes populares, a Psicologia apresentava-se, na opinião de
alguns autores, camuflada como ajuda humanitária, porém, na prática, segregava aqueles que
pertencessem às classes menos favorecidas economicamente, restando-lhes o atendimento
psiquiátrico, como ―corretivo‖ para o que se considerava um ―comportamento ‗anormal‘‖
(CASTELO BRANCO, 1998, p.30).
O mesmo se deu com o Psicodiagnóstico, uma forma de avaliação psicológica feita
com propósitos clínicos. A palavra ―psico-diagnóstico‖, segundo Silva Jr. e Ferraz (2001,
p.183), transmite a ideia da existência velada de uma doença da psique, uma psicopatologia
que, para revelá-la, exigiria um estudo psicológico daquela pessoa considerada paciente. Os
testes e outros procedimentos seriam os instrumentos responsáveis pela fonte de dados a ser
analisada por meio de interpretações padronizadas alinhadas, em geral, a recursos teóricos
preferencialmente psicanalíticos (ANCONA-LOPEZ, 1984; ARAÚJO, 2007; CUNHA, 2000;
GUIRADO, 2005; TRINCA, 1984).
Para Guirado (2005 p.12), a marca desse tipo de dispositivo é:

[...] a suposição de que alguém se expõe a (e precisa de) uma análise e outro alguém,
especializado no assunto, se dispõe (e pode) analisá-lo. Toda a cena diagnóstica se constrói,
portanto, em função da crença de que duas pessoas mediadas por um recurso técnico podem
chegar à verdade a respeito de o que provoca o distúrbio e/ou o sofrimento de uma delas.
Alguém conhece (porque pode fazê-lo) outro alguém (que não dispõe de recurso
especializado para se conhecer), com o recurso de uma técnica, numa relação de justaposição
de partes: um alguém, o outro alguém e o recurso técnico.

Embora o psicodiagnóstico fosse uma prática prevalecente em muitas áreas de atuação


psicológica, ela foi, aos poucos, cedendo espaço ou sendo reformulada para se adequar às
demandas desses novos campos de trabalho. Para Witter et. ali (1992), surgia e se
consolidava, naquele momento, em substituição ao conceito de psicodiagnóstico, o
entendimento de avaliação psicológica enquanto processo mais amplo e adequado para
atender as demandas de trabalho bastante heterogêneas, preferencialmente, sem o uso de
testes psicológicos.
Evidenciavam-se, assim, no decorrer da década de 1980, um processo de ampliação do
campo de trabalho profissional nos serviços públicos decorrente, em parte, do aumento no
número de profissionais formados, da crise econômica que afetava o país, restringindo o
mercado de atendimento psicológico privado e, por outro, do investimento em políticas
89

governamentais em saúde pública, educação e de movimentos sociais que passaram a


demandar profissionais qualificados para atividades em campos cada vez mais diversificados
(BOMFIM; FREITAS; CAMPOS, 1992; CARVALHO; YAMAMOTO, 2002; WITTER, et.
ali, 1992).

Os hospitais, os ambulatórios e os centros de saúde foram os lugares mais utilizados para a


construção de novos espaços de atuação em busca de inserção social mais significativa por
parte do psicólogo. O impacto dessas novas propostas na formação do psicólogo, contudo, foi
insuficiente para mudar o perfil tradicional do psicólogo brasileiro, identificado com um
modelo de intervenção clínica construído em países industrializados para uma clientela de
poder aquisitivo mais elevado (CARVALHO; YAMAMOTO, 2002, p.4).

Essa diversidade de práticas psicológicas já havia sido anunciada por Garcia-Roza em


seu artigo publicado em 1977, quando identificou a Psicologia do século XX enquanto um
espaço de dispersão do saber, dispersão esta teórica e prática.
Para alguns autores, a pluralidade de versões da Psicologia pela heterogeneidade de
matrizes33 ou campos epistemológicos é considerada um fator positivo, uma vez que acarreta
um aumento das possibilidades de articulação do saber psicológico e dos modos diferentes de
se pensar e de produzir sujeitos e seus testemunhos. Por ser esta diversidade tão marcante que
muitos autores preferem falar em Psicologias34 (ARANTES, 2005; CARVALHO, 2000;
DRAWIN, 1985, 1988; 2009; FERREIRA, 2006a, 2006b, 2007; FIGUEIREDO, 1993; 2008;
FURTADO, 2006; HOLANDA, 2007; JAPIASSÚ, 1975; 1979; MALUF, 1994; MORAES,
2004; MOURA, 1999; PRESTRELO; JACÓ-VILELA; EWALD; MANCEBO, 2002;
SOUSA, 2001; VIDAL, 2007; ZAMORA; CARNERO; PFEIL; RAMALHO, 2010).

[...] a Psicologia – por sua própria natureza epistêmica e não por alguma deficiência que seja
histórica ou metodologicamente sanável – se constitui como um universo plural e
fragmentado que não pode e nem deve ser homogeneizável (DRAWIN, 1988, p.236-251) [...]
Antes de qualquer outra consideração, é preciso reconhecer que, independente de qualquer
juízo de valor, essa é uma situação, de fato, da Psicologia (DRAWIN, 2009, p.49).

Por sua vez, a ideia de conviver com o plural, com a diversidade nos modos de ser, o
ecletismo de tendências e estilos abrigados sob o nome de Psicologia, implica, ao mesmo
tempo, em lidar com a mobilidade, com a fluidez, com o volátil, o incerto, o efêmero. Um
movimento compatível com os fenômenos que caracterizam a contemporaneidade ou a era

33
O termo ―matrizes do conhecimento psicológico‖ proposto por Figueiredo (1993) refere-se aos ―grandes
conjuntos de valores, normas, crenças metafísicas, concepções epistemológicas e metodológicas que subjazem às
teorias e às práticas profissionais dos psicólogos‖ (FIGUEIREDO, 2008, p. 23).
34
A questão da cientificidade da Psicologia é tema de críticas e discussões ainda não superadas (e talvez o
consenso não seja possível).
90

pós-moderna, ou ainda, hipermodernidade, conforme preferência de alguns autores


(BAUMAN, 2003; LYOTARD, 1998).
Lyotard (1998), por exemplo, vai descrever uma série de modificações que vão
discernir a cultura pós-moderna, dentre elas, a descrença nas metanarrativas ou nas grandes
explicações universais acerca da realidade, mediante a fragmentação e pluralidade de visões
de mundo, de homem e de seus comportamentos e valores, e com ela, a impossibilidade de se
constituir um saber único e verdadeiro; bem como a dissipação das fronteiras clássicas entre
as disciplinas e campos científicos, fazendo que ocorra um entrecruzamento desses saberes,
surgindo novos conhecimentos.
Por meio deste entrecruzamento ou hibridismo de disciplinas houve a possibilidade de
compor uma multiplicidade de práticas, distintas em relação ao modelo clássico e
hegemônico, então denominadas emergentes. Dentre essas práticas alguns autores citam a
Psicologia Hospitalar ou Médica, Psicologia Ambiental, Psicologia Forense ou Jurídica e a
Psicologia do trânsito, para listar algumas (ACHCAR, 1994; BOMFIM et. ali, 1992;
WITTER et. ali., 1992).
Porém, como será que os estudantes de Psicologia, que nutriam na faculdade o sonho
de certa clínica, com seus consultórios particulares, reagiram com a migração da prática
clínica para as ―instituições públicas, com grupos, com pessoas cujo sofrimento psicológico
passa por necessidades sociais fundamentais‖? Será que essa prática atende ―à ‗relação de
ajuda‘ que a tornava tão atraente aos jovens psicólogos?‖, perguntam Guedes e Ginsberg
(1992, p.20-21).
Conforme constatação da pesquisa desenvolvida por Yamamoto, Câmara, Silva e
Danta (2001), essa transposição não foi algo fácil de realizar, pelo contrário. De acordo com
Carvalho e Sampaio (1997) e Castelo Branco (1998), os profissionais revestiam com novos
rótulos velhas formas de atuar, reforçando práticas dogmáticas.
Assim, embora houvesse uma expansão do campo profissional com a inserção do
psicólogo em novos espaços profissionais, tais como Delegacias de Defesa da Mulher, Varas
da Infância e da Juventude, Serviço de Vigilância Sanitária e Centro de Atenção ao Idoso, ao
invés de inovar, estabelecendo novas práticas, Yamamoto, Câmara, Silva e Danta (2001, p.67)
perceberam que a atividade realizada em alguns desses considerados novos espaços de
trabalho pode ser enquadrada dentro da classificação tripartite clássica: Psicologia
Educacional, Psicologia Clínica e Psicologia Aplicada ao Trabalho.
91

Afirmam os autores que os psicólogos estão reiterando as práticas consagradas nesses


locais.

Ou seja, o confronto com novas realidades não parece estar expondo [...] insuficiências dos
modelos teóricos tradicionais da Psicologia em dar conta das novas realidades, promovendo o
desenvolvimento de práticas inovadoras, mas uma reiteração, eventualmente sem a necessária
consideração das circunstâncias e das questões envolvidas, de práticas tradicionais nesses
novos contextos de atuação (YAMAMOTO et. ali, 2001, p.71).

Nesse sentido, vale o alerta de Hoff (1999) sobre esses novos campos de atuação: as
novidades não podem ficar reduzidas aos espaços. Elas devem representar a necessidade de
construção de formas de atuação que atendam às novas demandas, bem como de edificação de
indicadores voltados à formação na graduação.
Em relação à prática em áreas denominadas de emergentes, Starling (2002) chegou a
constatação semelhante, entendendo que, de fato, a atuação profissional nestes diferentes
contextos, o psicólogo faz uso de teorias e técnicas conhecidas, em geral, pertencentes à
Psicologia Clínica, nada produzindo de específico ou inovador. Porém, diferentemente, para o
autor, não existe estabelecido, de caráter inequívoco, que determinado ―locus gerador de
fenômenos psicológicos únicos‖ demande ―conjuntos declarativos ou técnicos igualmente
únicos, embora seja certo que os fenômenos psicológicos lá se manifestem sob as
contingências específicas daquele ambiente‖ (STARLING, 2002, p.86).
Diante de tais considerações, cabe indagar: o psicólogo não inova nestes novos
campos de trabalho por que o modelo tradicional realmente é considerado suficiente para
atender as demandas de um mercado de trabalho neoliberal, restrito e competitivo? Ou ainda,
por que, embora os novos campos convoquem o profissional a inovar, a qualificação recebida
pelo psicólogo nos cursos de graduação não lhe confere uma base sólida para esta mudança de
foco? Seria esta uma circunstância que levaria o profissional atuante nestes novos campos de
trabalho a impor uma leitura da realidade aderida aos modelos teóricos ligados às atividades
consideradas tradicionais ou mais conservadoras às demandas dos novos espaços de atuação?
Diante dessa perspectiva, Santos (2002), em tom de indignação, questionou quantos
psicólogos efetivamente criam algo em sua prática. Para o autor, repetir o que já foi pensado,
teorizado e está consagrado é mais simples e cômodo, além de seguro, pois não se corre
riscos. O temor ao desconhecido frente aos novos acontecimentos que possam gerar dúvidas e
rupturas aos modos instituídos paralisam. Porém, de acordo com Mattos (2006), sair desse
lugar de conforto é tarefa pela qual ninguém passa incólume, e do qual Figueiredo (2010)
corajosamente defende quando afirma que prefere
92

os riscos de pensar a partir da experiência, com tudo que isso contém de surpresas e
complexidade, ao enclausuramento defensivo; prefiro o risco de continuar pensando,
pesquisando, em vez de me encerrar em minhas próprias convicções. E procuro, venho
procurando, por diferentes meios e vias, transmitir essas posições a meus alunos e leitores
(FIGUEIREDO, 2010, p.146).

No entanto, na constatação de Noronha, Beraldo e Oliveira (2003), o psicólogo tende a


resistir ao novo, passando a reproduzir o conhecido e dominado. Porém, ao repetir modelos, o
profissional tem anulada qualquer possibilidade de estranhamento diante dos novos discursos,
o pensamento criador não opera e ―saberes e ações [...] se reservam inquestionáveis e como
verdades únicas‖ (PEREZ; MEZA; ROSSOTTI; BICALHO, 2010, p.182), gerando uma
desqualificação dos modos de ser da própria população atendida.
Segundo a percepção de alguns autores, há muitos psicólogos insatisfeitos em
referência à qualidade da formação universitária. Alguns a consideram insuficiente para
atender as demandas do mercado de trabalho por não oferecer conhecimento e instrumental
necessários para atuar profissionalmente, até mesmo porque insistem em manter a formação
fragmentada, pautada no modelo clínico tradicional, elitista, de cunho liberal, que visa
preparar para o trabalho em consultório (BERNARDES, 2004; BOARINI, 1996; BOCK et.
ali, 1984; CATHARINO, 1999; RIBEIRO; LUZIO, 2008; TREVIZAN, 2010; WITTER;
WITTER; YUKIMITSU; GONÇALVES, 1992).
É certo que as instituições universitárias têm sua parcela de responsabilidade no
preparo do aluno para a vida profissional, pois, formar deveria ser ―muito mais do que
puramente treinar o educando no desempenho de destrezas‖ (FREIRE, 1996, p. 6).

É exatamente neste sentido que ensinar não se esgota no ―tratamento‖ do objeto ou do


conteúdo, superficialmente feito, mas se alonga à produção das condições em que aprender
criticamente é possível. E essas condições implicam ou exigem a presença de educadores e de
educandos criadores, instigadores, inquietos, rigorosamente curiosos, humildes e persistentes.
Faz parte das condições em que aprender criticamente é possível e pressuposição por parte
dos educandos de que o educador já teve ou continua tendo experiência da produção de certos
saberes e que estes não podem a eles, os educandos, ser simplesmente transferidos. Pelo
contrário, nas condições de verdadeira aprendizagem os educandos vão se transformando em
reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber ensinando, ao lado do educador,
igualmente sujeito do processo (FREIRE, 1996, p.14).

Nesta linha, o futuro psicólogo é partícipe do processo de construção e reconstrução


do saber, medida que serve para potencializar a própria formação. O processo criador está
exatamente na ―insatisfação‖ (MALITO; AGUIAR, 2010, p.47) com o que já é conhecido, na
disponibilidade para o profissional se expor à novidade.
93

Apesar disso, estar disponível para o novo não O Carvalho e o Caniço


Um carvalho, [...], uma vez que
significa que o modelo tradicional deva ser acreditava na superioridade da aparência
[...], olhando a fragilidade do caniço e dele
desprezado, que teorias devam ser abandonadas, pelo se compadecendo, assim falou: - A natureza
contrário. As experiências anteriores devem servir foi injusta com você. Frágil como é, um
passarinho é uma carga pesada para suas
para apurar a prática, bem como dar um aporte para forças. E o mais fraco dos ventos o abriga a
inclinar-se e vergar a fronte. Ainda se
elaborações teóricas (BOCK, 1997). tivesse nascido à sombra de minha
ramagem e fosse mais alto, eu poderia
Igualmente, as teorias devem ser apropriadas servir de escudo para você e protegê-lo das
tempestades que o ameaçam. Devo
pelo psicólogo de forma crítica e provisória, na acrescentar que o admiro pela maneira
intenção de transformá-las, implicando-as em sua como aceita, sem reclamar, a sua pequenez
e a sua debilidade.
prática. Não se trata da defesa de um relativismo, O caniço agradeceu [...] e replicou: -
Não se preocupe com a minha suposta
tampouco de uma rigidez. É preciso flexibilidade – fragilidade. [...]. Por trás dessa aparência
delicada existe [...] uma força [...]. Eu sou
como descrita na da fábula do carvalho e do caniço –, flexível. Eu me curvo, se preciso for, mas
não quebro. [...]. Mal terminou de proferir
mas com rigor, que se traduz em um cuidado ou rigor essas palavras, no final do horizonte forma-
ético com esse ―vir a ser psicólogo‖ (MALITO; se um terrível vendaval que, [...], fustiga
tudo que lhe aparece pela frente. E o
AGUIAR, 2010, p.53). carvalho e o caniço são alvos de seus
açoites. A árvore enfrenta o vento forte e
Para Figueiredo (2008, p.151-152): tenta a todo custo manter-se em pé; a cana
dobra, inclina a fronte. O forte, que se
julgava [...] capaz de suportar os violentos
Ser-psicólogo é, por exemplo, saber lidar temporais, não resiste. E o vento fica mais
com a multiplicidade sem recorrer às violento e arranca aquele cuja cabeça era
mais fáceis respostas à angústia que vizinha do céu e cujos pés tocavam o
sempre nos acomete quando nos império dos mortos.
defrontamos com o indeterminado: o
dogmatismo e o ecletismo. Ser-psicólogo
é, também, saber dialogar com áreas
afins [...]. Mas ser-psicólogo é também
Espírito Santo Neto (2007, p. 174-175)
ocupar espaços e estar preparado para
lidar com outras posições, para lidar com alteridades, o que nos remete à dimensão ética e
política de nossa profissão.

No auge dessas questões, o CFP aprovou, em 1986, a Consolidação das Resoluções do


Conselho Federal de Psicologia35 (Resolução CFP nº 004/86). Nesta, o Conselho
regulamentava os seguintes dispositivos:
 Da Caracterização da Profissão;
 Dos Conselhos Regionais de Psicologia;
 Das Inscrições e dos Registros nos Conselhos Regionais;
 Do Exercício Profissional;

35
Atualmente, encontra-se em vigor a Resolução nº 003/2007. Revogadas as disposições em contrário,
especialmente as Resoluções CFP nº 004/86, nº001/88, nº004/88, nº 003/87, nº 004/87, nº 014/92, nº 03/93,
nº019/95, nº010/96, nº07/97, nº02/98, nº018/00, nº04/01, nº04/02, nº 03/03, nº 09/03 e nº 02/05.
94

 Da Arrecadação; Atribuições Profissionais do Psicólogo


Procede ao estudo e à análise dos
 Das Disposições Especiais, e processos intra e interpessoais e nos
mecanismos do comportamento humano,
 Da Inadimplência. elaborando e ampliando técnicas
psicológicas, como teste para determinação
No item da Caracterização da Profissão, o de características afetivas, intelectuais,
CFP estabelece, em seu Art. 1°, que as Atribuições sensoriais ou motoras, técnicas
psicoterápicas e outros métodos de
Profissionais dos Psicólogos no Brasil são aquelas verificação, para possibilitar a orientação,
seleção e treinamento no campo
aprovadas em Plenário, cujas informações foram profissional, no diagnóstico, na
identificação e interferência nos fatores
enviadas (em 1992) ao Ministério do Trabalho e determinantes na ação do indivíduo, em sua
história pessoal, familiar, educacional e
Emprego para integrar o Catálogo Brasileiro de social; [...] analisa a influência dos fatores
Ocupações36 (CBO). hereditários, ambientais e psicossociais e de
outras espécies que atuam sobre o
Neste documento, assim como no Currículo indivíduo, entrevistando o paciente,
consultando a sua ficha de atendimento,
Mínimo aprovado pela Lei 4.119/62, falava-se de aplicando testes, elaborando
psicodiagnóstico e outros métodos de
adaptação e características de personalidade, verificação, para orientar se no diagnóstico
e tratamento psicológico de certos
comportamentos e mecanismos mentais, assim como distúrbios comportamentais e de
da interação do homem com o meio externo, como personalidades; [...]; elabora e aplica
técnicas de exame psicológico, utilizando
eixo do trabalho da Psicologia. seu conhecimento e prática metodológica
específicos, para determinar os traços e as
Apesar da realidade sócio-histórica que exigia condições de desenvolvimento da
personalidade dos processos intrapsíquicos
mudanças à inserção do profissional em campos e interpessoais, nível de inteligência,
habilidades, aptidões, e possíveis
emergentes, a Psicologia continuava a ser tratada em desajustamentos ao meio social ou de
seus aspectos intervencionistas, voltados à adaptação e trabalho, outros problemas de ordem
psíquica e recomendar a terapia adequada;
ao ajustamento do indivíduo, a partir das práticas de [...]; efetua o recrutamento, seleção e
treinamento, acompanhamento e avaliação
elaboração e aplicação de técnicas de exame de desempenho de pessoal e a orientação
profissional, promovendo entrevistas,
psicológico, seleção e orientação profissional, elaborando e aplicando testes, provas e
outras verificações, a fim de fornecer dados
diagnóstico e tratamento. a serem utilizados nos serviços de emprego,
A mobilização por parte dos profissionais por administração de pessoal e orientação
individual [...]; reúne informações a
uma adequação a este novo cenário fez com que, na respeito do paciente, transcrevendo os
dados psicopatológicos obtidos em testes e
década de 1990, o Sistema Conselhos indicasse exames, para elaborar subsídios
indispensáveis ao diagnóstico e tratamento
das respectivas enfermidades;...

36
O Brasil e a Organização das Nações Unidas (ONU) desenvolveram uma ferramenta para análise das
ocupações, com interesse em realizar um planejamento das atividades de trabalho por meio de estatísticas de
emprego-desemprego, elaboração de currículos, dentre outros aspectos. Tal instrumento foi denominado de
Catálogo Brasileiro de Ocupações (CBO) que, em parceria com o Ministério do Trabalho, era (e ainda é) o
responsável pela descrição, em âmbito nacional, das ocupações oriundas de diversos setores econômicos. A
primeira versão foi disponibilizada em 1977 (CARVALHO, 1988; SEGNINI, 2004). A atual, aprovada pela
Portaria Ministerial nº. 397, de 09 de outubro de 2002.
95

medidas no sentido de efetivar mudanças na formação profissional.

Logo em 1992, é organizado o I Encontro de Coordenadores de Curso de Formação de


Psicólogos, que culminou com a Carta de Serra Negra, importante documento sobre a
formação profissional do psicólogo brasileiro (Bernardes, 2004). Nesse mesmo ano e em
1994, são publicados, respectivamente, os importantes livros Psicólogo Brasileiro:
Construção de Novos Espaços (Conselho Federal de Psicologia [CFP], 2005) e Psicólogo
Brasileiro: Práticas Emergentes e Desafios para a Formação (ACHCAR, 1994).

Ao longo daquele período, especialmente a partir da década de 1990, também houve


um grande investimento de profissionais e pesquisadores em defesa da avaliação psicológica e
do emprego de testes por meio da organização de uma série de eventos:
 Encontro de Técnicas do Exame Psicológico em São Paulo pela USP;
 Encontro Nacional quando o Sistema de Avaliação sobre Testes Psicológicos em Porto
Alegre pela UFRGS e PUC-RS;
 Encontro Mineiro de Avaliação Psicológica em Minas Gerais pela UFMG, PUC-MG,
Centro Universitário Newton Paiva e FUMEC;
 Encontro da Sociedade Brasileira de Rorschach e outros métodos projetivos (que passou a
se chamar Associação Brasileira de Rorschach e Métodos Projetivos, ASBRo, em 2004)
em Ribeirão Preto pela USP-RP.
Apesar de novas propostas para a formação e exercício profissional surgirem no
horizonte da Psicologia, especialmente a partir da década de 1990, é possível constatar que
persistiam, ainda na virada do século, como afirmam Pasquali e Alchieri (2001, p.220):

(a) a formação em um número ainda insuficiente de especialistas e pesquisadores nacionais


qualificados, (b) a presença de um currículo universitário deficiente e pobre, em que as
disciplinas como Psicometria, quando existe, não é ministrada como tal, e sim como uma
testologia, (c) a evasão (fuga) dos psicólogos desta disciplina, devido ao despreparo na área
de disciplinas como Estatística e da medida em geral, (d) apoio ainda tímido do Conselho
Federal e dos Conselhos Regionais de Psicologia na área, consequência da formação
deficiente recebida por seus dirigentes nesta área na sua formação universitária e (e) a falta de
uma maior integração efetiva entre os profissionais e pesquisadores nacionais na área, embora
movimentos vigorosos e promissores já apareçam nesse sentido (salientado-se o IBAPP).
96

A indicação para reformulações curriculares Lei de Diretrizes e Bases da Educação


Nacional
das instituições universitárias veio com a Lei de Desde sua promulgação, em 20 de
dezembro de 1996, a Lei de Diretrizes e
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – Bases da Educação Nacional vem
Lei nº 9394/96) – sancionada pelo então Presidente da redesenhando o sistema educacional
brasileiro em todos os níveis: da creche,
República Fernando Henrique Cardoso, em 1996. desde então incorporada aos sistemas de
ensino, às universidades, além de todas as
outras modalidades de ensino, incluindo a
educação especial, profissional, indígena,
Art. 53. No exercício de sua autonomia,
são asseguradas às universidades, sem no campo e ensino a distância. A LDB
prejuízo de outras, as seguintes dispõe sobre todos os aspectos do sistema
atribuições: educacional, dos princípios gerais da
I - criar, organizar e extinguir, em sua educação escolar às finalidades, recursos
sede, cursos e programas de educação financeiros, formação e diretrizes para a
superior previstos nesta Lei, obedecendo carreira dos profissionais do setor. Toda
às normas gerais da União e, quando for legislação pode ser aprimorada. E a LDB
o caso, do respectivo sistema de ensino; tem sido constantemente atualizada.
II - fixar os currículos dos seus cursos e
Exemplo recente é a ampliação do ensino
programas, observadas as diretrizes
gerais pertinentes; fundamental para nove anos com matrícula
obrigatória aos seis anos de idade. A
Câmara dos Deputados vem contribuindo
De acordo com os esclarecimentos de alguns para a construção de uma educação de
qualidade não somente por meio da
autores, as Instituições de Ensino Superior (IES) aprovação de leis, mas também pela
divulgação desses direitos que são
foram convocadas pela Secretaria de Ensino Superior assegurados a todos os brasileiros. Por isso,
a importância desta publicação.
do Ministério da Educação (SESu/MEC), no ano Temer (2010)
seguinte, por meio do Edital nº 04/9737, para
apresentarem propostas para a elaboração das novas Diretrizes Curriculares dos cursos
superiores, substituindo os antigos currículos mínimos fixos e pré-determinados, que
estabeleciam os conteúdos/disciplinas, por um modelo mais aberto (CIRINO; KNUPP;
LEMOS; DOMINGUES, 2007; HOFF, 1999; LISBOA; BARBOSA, 2009; MARASCHIN;
PALOMBINI, 2007; PRIMI, LANDEIRA-FERNANDEZ, ZIVIANI, 2003; YAMAMOTO,
2000). As propostas deveriam ser sistematizadas por Comissões de Especialistas de Ensino de
cada área.
Pelo Edital nº 04/97,

As Diretrizes Curriculares têm por objetivo servir de referência para as IES [Instituições de
Ensino Superior] na organização de seus programas de formação, permitindo uma
flexibilidade na construção dos currículos plenos e privilegiando a indicação de áreas do
conhecimento a serem consideradas, ao invés de estabelecer disciplinas e cargas horárias
definidas. As Diretrizes Curriculares devem contemplar ainda a denominação de diferentes
formações e habilitações para cada área do conhecimento, explicitando os objetivos e
demandas existentes na sociedade.

37
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/e04.pdf>
97

Em 1999, a Comissão de Especialistas em RESOLUÇÃO CNE/CES Nº 8,


de 7 de maio de 2004
Ensino de Psicologia, instituída pela SESu/MEC Art. 12. Os domínios mais consolidados de
atuação profissional do psicólogo no país
apresentou a Minuta de Resolução com as Diretrizes podem constituir ponto de partida para a
Curriculares para o curso de Psicologia definição de ênfases curriculares, sem
prejuízo para que no projeto de curso as
(YAMAMOTO, 2000). instituições formadoras concebam recortes
inovadores de competências que venham a
O documento buscou apresentar as discussões instituir novos arranjos de práticas no
campo.
promovidas entre instituições acadêmicas e § 1º O subconjunto de competências
definido como escopo de cada ênfase
profissionais sobre a definição de habilidades e deverá ser suficientemente abrangente para
competências para a formação em Psicologia e sobre a não configurar uma especialização em uma
prática, procedimento ou local de atuação
divergência entre formação generalista e plural. O do psicólogo. São possibilidades de ênfases,
entre outras, para o curso de Psicologia:
material produzido visava também proporcionar aos a) Psicologia e processos de investigação
científica que consiste na concentração em
alunos os fundamentos para que pudessem atuar em conhecimentos, habilidades e competências
de pesquisa já definidas no núcleo comum
diversas frentes, além de formação mais técnica e da formação, capacitando o formando para
especializada, quando poderiam concentrar seus analisar criticamente diferentes estratégias
de pesquisa, conceber, conduzir e relatar
estudos em campo de atuação. investigações científicas de distintas
naturezas;
Após algumas alterações38, a Resolução b) Psicologia e processos educativos que
compreende a concentração nas
CNE/CES nº 8, em 2004, que institui as Diretrizes competências para diagnosticar
necessidades, planejar condições e realizar
Curriculares Nacionais para os cursos de graduação procedimentos que envolvam o processo de
em Psicologia, foi enfim aprovada, com a promessa de educação e de ensino-apredizagem através
do desenvolvimento de conhecimentos,
dirimir essas questões. Posteriormente, a Resolução habilidades, atitudes e valores de indivíduos
e grupos em distintos contextos
foi revogada pela Resolução CNE/CES nº 5, de 15 de institucionais em que tais necessidades
sejam detectadas;
março de 2011, estabelecendo normas para o projeto c) Psicologia e processos de gestão que
abarca a concentração em competências
pedagógico complementar para a Formação de definidas no núcleo comum da formação
Professores de Psicologia. para o diagnóstico, planejamento e uso de
procedimentos e técnicas específicas
O objetivo das Diretrizes Curriculares para os voltadas para analisar criticamente e
aprimorar os processos de gestão
cursos de graduação em Psicologia é orientar ―sobre organizacional, em distintas organizações e
instituições;
princípios, fundamentos, condições de oferecimento e continua...
procedimentos para o planejamento, a implementação
e a avaliação deste curso‖ (Art. 2º), bem como ―dotar o profissional dos conhecimentos
requeridos para o exercício das [...] competências e habilidades‖ (Art. 4º) necessárias para

38
Do início da tramitação das propostas para as Diretrizes Curriculares Nacionais de Psicologia até sua
aprovação em 2004, houve a homologação de três pareceres que discorriam sobre o tema (CIRINO et. al. 2007).
No portal do MEC <http://portal.mec.gov.br> é possível ler todos os Pareceres, bem como as Diretrizes
Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Psicologia.
98

melhorar a qualidade e fortalecer a profissionalização, RESOLUÇÃO CNE/CES Nº 8,


de 7 de maio de 2004
dentre outros aspectos (PRIMI, LANDEIRA- d) Psicologia e processos de prevenção e
promoção da saúde que consiste na
FERNANDEZ, ZIVIANI, 2003). concentração em competências que
Também em seus princípios gerais, as garantam ações de caráter preventivo, em
nível individual e coletivo, voltadas a
Diretrizes Curriculares explicitam que o curso de capacitação de indivíduos, grupos,
instituições e comunidades para protegerem
Psicologia ―tem como meta central a formação do e promoverem a saúde e qualidade de vida,
em diferentes contextos em que tais ações
Psicólogo, voltado para a atuação profissional, para a possam ser demandadas;
e) Psicologia e processos clínicos que
pesquisa e para o ensino de Psicologia‖ (Art.3º). envolve a concentração em competências
Ainda no Art.3º, o ensino em Psicologia deve para atuar, de forma ética e coerente com
referenciais teóricos, valendo-se de
assegurar uma formação pautada nos princípios e processos psicodiagnósticos, de
aconselhamento, psicoterapia e outras
compromissos de: estratégias clínicas, frente a questões e
demandas de ordem psicológica
[...] b) Compreensão dos múltiplos apresentadas por indivíduos ou grupos em
referenciais que buscam apreender a distintos contextos;
amplitude do fenômeno psicológico em f) Psicologia e processos de avaliação
suas interfaces com os fenômenos diagnóstica que implica na concentração em
biológicos e sociais. c) Reconhecimento competências referentes ao uso e ao
da diversidade de perspectivas desenvolvimento de diferentes recursos,
necessárias para compreensão do ser estratégias e instrumentos de observação e
humano e incentivo à interlocução com avaliação úteis para a compreensão
campos de conhecimento que permitam a
diagnóstica em diversos domínios e níveis
apreensão da complexidade e
multideterminação do fenômeno de ação profissional.
psicológico. d) Compreensão crítica dos
fenômenos sociais, econômicos, culturais e políticos do país, fundamentais ao exercício da
cidadania e da profissão.

Ribeiro e Luzio (2008) entendem que a formação básica ficaria, dessa maneira,
definida em dois perfis: de psicólogo e de bacharel em Psicologia, mais ainda, que o perfil do
profissional deveria ser construído a partir de um núcleo comum, compreendido como
conjunto de competências, habilidades e conhecimentos, bem como de eixos estruturantes,
definindo quais as competências e habilidades deveriam ser desenvolvidas ao longo do curso
e a obrigatoriedade de estágio básico e específico.
Para tanto, serviram de referência na definição dos currículos plenos,

em termos de conteúdos básicos e conteúdos profissionais essenciais para o desenvolvimento


de competências e habilidades requeridas para os egressos da área/curso. Estes conteúdos
devem ser definidos nas Diretrizes Curriculares a partir das necessidades de formação de
recursos humanos de cada área de conhecimento, de acordo com a especificidade de cada IES,
e justificando-se a importância de tais conteúdos em relação aos objetivos definidos na
formação de diplomados em cada área. A presença de conteúdos essenciais garante uma
uniformidade básica para os cursos oferecidos, porém, as Diretrizes Curriculares devem
garantir que as IES tenham liberdade para definir livremente pelo menos metade da carga
horária mínima necessária para a obtenção do diploma, de acordo com suas especificidades de
oferta de cursos (EDITAL SESu/MEC nº4/97).
99

As Instituições de Ensino Superior (IES), orientadas nesse sentido, visariam a uma


formação básica, ampla, que pudesse preparar o aluno para atuar em diversas áreas, mas que
pudesse, ao considerar as especificidades de cada região do país, as demandas da sociedade,
as características do mercado de trabalho, oferecer disciplinas que preparassem o futuro
profissional para atender ou corresponder ao solicitado.
Inviável, portanto, a elaboração de um único currículo ou de um currículo ideal que
ofereça, conforme diz Figueiredo (2008) uma formação comum a todos, em virtude da
pluralidade prática, teórica, metodológica, epistemológica vigente no campo da Psicologia.

O currículo ideal, nesta medida, não existe; o que há são resultados provisórios do conflito
entre perspectivas mais ou menos díspares. Concretamente, os currículos são soluções de
compromisso que acabam refletindo o resultado de um jogo político que envolve as direções
das faculdades, os membros do corpo docente e, às vezes, partes do corpo discente. [...]
Enfim, não há uma solução meramente acadêmica ou técnica para a definição de um currículo
(FIGUEIREDO, 2008, p.147-149).

Dias (2001) já havia manifestado opinião equivalente, destacando que os currículos


dos cursos superiores mais se assemelham a colcha de retalhos, em função da influência e
força política que desfrutam os docentes, administradores, etc., colocando em segundo plano,
a preocupação com uma política institucional voltada ao meio sociocultural. Mais ainda, as
inovações curriculares são ―sintomas‖ da ―agudização contemporânea‖ (VEIGA-NETO,
2008, p.141), ou seja, de uma mudança de paradigma, onde o que se valoriza é a liquidez da
pós-modernidade e a correlativa flexibilidade com que o currículo é tratado.
Essa concepção de flexibilidade curricular pode, facilmente, justificar a criação das
ênfases curriculares na formação em Psicologia. Entendidas como ―um conjunto delimitado e
articulado de competências e habilidades que configuram oportunidades de concentração de
estudos e estágios em algum domínio da Psicologia‖, as ênfases são uma proposta de
formação considerando a diversidade de orientações teórico-metodológicas, práticas e
contextos de inserção profissional (Resolução CNE/CES Nº 8/2004, Art. 10).
De acordo com as Diretrizes, as IES, ao organizar o curso de Psicologia, devem
explicitar e detalhar as ênfases curriculares, descrevendo-as detalhadamente em sua
concepção e estrutura. As ênfases devem ser, no mínimo, duas, para que os alunos escolham
por uma delas após a formação básica (Art.11). O documento ressalta, ainda, que ―o
subconjunto de competências definido como escopo de cada ênfase deverá ser
suficientemente abrangente para não configurar uma especialização em uma prática‖ (Art.12
§1º).
100

No entendimento de Hoff (1999), as Diretrizes Associação Brasileira de Ensino de


Psicologia
Curriculares, embora não afirmem categoricamente, A ABEP - Associação Brasileira de Ensino
de Psicologia, como espaço de discussão
fazem uma escolha: ―a formação do especialista em sobre políticas e práticas do ensino superior
Psicologia, já na graduação e em dois níveis‖ (HOFF, voltadas para a formação em Psicologia,
com seus 11 anos de existência, vem
1999, p.30). No primeiro nível, a formação – dividida cumprindo seu objetivo em se consolidar
como uma instância de interlocução e
em três habilitações em Psicologia: serviços aplicados, articulação no cenário nacional e
internacional. Neste ano, o objetivo do VIII
pesquisa e ensino –, forçaria o estudante a uma Encontro Nacional é dar continuidade as
reflexões sobre os destinos da Psicologia
primeira opção: um psicólogo prático, um pesquisador frente às exigências das políticas
ou um docente. No segundo nível de ―preparação de educacionais para o ensino superior no
Brasil. Convidamos todos os associados,
especialidades‖, explica Hoff (1999, p.30), haveria a estudantes, profissionais, coordenadores de
cursos, professores, pesquisadores,
formação do aluno para atuar em um campo instituições de ensino, órgãos
governamentais e interessados na
específico dentre aqueles que, no conjunto, qualificação do ensino de Psicologia a
participar dos eventos programados, pois
configuram cada habilitação ou ênfase. sua colaboração é muito importante para as
Nesta perspectiva, a autora entende que as discussões sobre o destino da psicologia em
nosso país. Apresentaremos atividades
propostas das Diretrizes Curriculares, ao fazer ―a científicas e culturais para o aprimoramento
dos profissionais e estudantes que atuam na
opção pela formação do especialista‖ (HOFF, 1999, formação em Psicologia no Brasil e na
América Latina. Entre as atividades
p.31), não contemplam as expectativas de um programadas teremos a Mesa Redonda,
Como eu faço, Conferência, Sessão de
segmento da categoria. Comunicação, Pôsteres, apresentação de
Conforme preconiza, igualmente, a Trabalhos; Para os professores de
Psicologia promoveremos uma atividade
Associação Brasileira de Ensino de Psicologia especial, lançaremos as Oficinas de Ensino
onde grupos de docentes apoiados por
(ABEP), parte expressiva da categoria tem defendido especialistas da área socializarão temas que
são abordados na formação em Psicologia
uma formação que seja generalista, com capacidade como o ensino da avaliação psicológica, da
ética, do desenvolvimento humano entre
para formar psicólogos habilitados para responder as
outros.
mais variadas demandas da sociedade brasileira. Ao
final, a autora conclui que a proposta das Diretrizes não pode ser vista como uma ―plataforma
para avanços da formação em Psicologia no Brasil‖ (HOFF, 1999, p.31).
O fato é que há um antagonismo (talvez inconciliável) inerente às Diretrizes: enquanto
defendem uma reforma curricular a partir de uma compreensão de que o psicólogo deve ter
uma formação ampla, generalista, pautada em um núcleo comum, também propõem que essa
formação seja direcionada por uma ou mais ênfases, a critério do aluno, ganhando, com isso,
um caráter profissionalizante, vinculado a conteúdos instrumentais, individualizantes.
Afinal, as Diretrizes Curriculares pretendem formar que tipo de psicólogo? A verdade
é que os efeitos dessas medidas só poderão ser dimensionados daqui a alguns anos, quando as
101

Universidades, já com a implementação desse Currículo Pleno, formarem os novos


psicólogos.
No entanto, alguns efeitos mais imediatos dessa medida já podem ser divisados. Na
intenção de tornar comercialmente mais atraente o curso aos alunos interessados em atender
as demandas de um mercado neoliberal – o qual exige competitividade, conhecimento
técnico, rapidez e eficiência – muitas Universidades têm oferecido, por meio da elaboração ou
revisão do currículo pleno, um número cada vez maior de disciplinas, cuja abordagem
contribui para a produção de um saber técnico-instrumental considerado neutro, objetivo e
universalizante, responsável por induzir à psicologização e à individualização das práticas.
Esta espécie de ―tecnificação‖ do ensino superior (BERNARDES, 2004, p.29) tem se
mostrado efeito da estratégia das universidades de submeter e regular a educação e o currículo
acadêmico aos critérios que fundamentam as relações de mercado. Desta forma, o aluno
rapidamente ingressaria no mercado de trabalho neoliberal, que exige eficiência técnica,
munido de um conhecimento técnico-instrumental bastante fragmentado em Psicologia
Jurídica, Psicologia Hospitalar, do Esporte, do Trânsito, etc., além das já consagradas
Psicologia Clínica, Escolar, Organizacional e Social (CATHARINO, 1999; CIRINO;
KNUPP; LEMOS; DOMINGUES, 2007; HOLANDA, 1997; RIBEIRO; LUZIO, 2008).
Para Chauí (2001, p.46), esse é um sinal dos tempos.

Creio que a universidade tem hoje um papel [...] que é determinante para a existência da
própria universidade: criar incompetentes sociais e políticos, realizar com a cultura o que a
empresa realiza com o trabalho, isto é, parcelar, fragmentar, limitar o conhecimento e impedir
o pensamento, de modo a bloquear toda tentativa concreta de decisão, controle e participação,
tanto no plano da produção material quanto no da produção intelectual. Se a universidade
brasileira está em crise é simplesmente porque a reforma do ensino inverteu seu sentido e
finalidade – em lugar de criar elites dirigentes, está destinada a adestrar mão de obra dócil
para um mercado sempre incerto.

Sem desmerecer alguns avanços, essa lógica não está muito distante da Reforma
Universitária de 1968, conforme explicita Castelo Branco (1998). De acordo com o autor, a
Reforma visava direcionar a educação rumo à tecnocracia,

para satisfazer a necessidade de implementar uma modernização que respondesse aos


interesses do capital internacional. Importou-se ―modos de fazer, viver e pensar modernos‖
que conviveram com estruturas de poder arcaicas e riqueza concentrada, determinando
aumento da miséria da maioria dos brasileiros. A Universidade e instituições de pesquisa
tiveram que oferecer suporte para esta modernização conservadora e ―dolorosa‖, como foi
chamada por Silva (1982). Ainda hoje, o neoliberalismo dá continuidade aos mesmos planos,
embora em nova conjuntura política. O modelo de Universidade traçado visa à formação de
tecnocratas bem preparados para as exigências de um mercado de trabalho escasso e
competitivo. Quaisquer ações que tentem romper com essa perspectiva sofrem inúmeras
dificuldades, tanto do ponto de vista dos recursos materiais, como administrativos
(CASTELO BRANCO, 1998, p.32).
102

Um contraponto nessa discussão acerca da produção de currículos acadêmicos que


formam psicólogos técnicos segundo a lógica neoliberal tem sido pensar a Psicologia e seu
campo de conhecimento enquanto prática sócio-histórica, responsável pela produção de
subjetividades. Mais ainda, pensar a formação em Psicologia como uma práxis comprometida
com o social e não simplesmente como uma ciência aplicada (DANTAS, 2010).
Mediante essas considerações, entendo ser possível pensar o currículo acadêmico e,
por extensão, a formação enquanto um dispositivo político e ideológico que não se limita à
transmissão de técnicas e conhecimentos objetivos, ―mas também constrói significados e
valores sociais e culturais‖ (NÓRTE; MACIEIRA; RODRIGUES, 2010, p.64). Outrossim,
pela via histórica, o currículo deve ser visto como uma faceta da formação que precisa ser
contextualizada, social, política e culturalmente.
Enquanto tal, a formação acadêmica em Psicologia deve ser analisada em suas
relações de poder, escapando à perspectiva utilitarista focada no exercício técnico-
instrumental. Para tanto, deve contemplar o desenvolvimento intelectual dos alunos,
preparando-os para atuar frente aos desafios e dilemas com que vão se deparar no cotidiano de
suas práticas, como enfatizam Mello e Patto (2008, p.594):

Um profissional [...] não pode, em momento algum de seu trabalho, deixar de ter presentes
diante de si os dilemas maiores da profissão. Trabalhar [...] exige uma formação teórico-
prática coerente com os desafios que o psicólogo vai enfrentar, mas exige mais: reflexão,
sensibilidade ética e atenção redobrada aos personagens e aos caminhos que se abrem diante
dele. Sem o entendimento rigoroso e bem fundamentado do que se passa na subjetividade e
nas relações intersubjetivas numa sociedade concreta, e sem a consciência da imensa
responsabilidade dessas práticas, esses profissionais podem lesar direitos fundamentais das
pessoas e, no limite, colaborar para a negação de seu direito à vida. Um psicólogo que não
adquirir a capacidade de pensar o próprio pensamento da ciência que pratica – ou seja, de
refletir sobre a dimensão epistemológica e ética do conhecimento que ela produz – certamente
somará, insciente, com o preconceito delirante, a opressão, o genocídio e a tortura.

Segundo Holanda (1997), é preciso considerar a inserção ética do profissional. Para


isso, propõe que os Conselhos devam se comprometer com um acompanhamento da formação
do futuro psicólogo – entendendo que formação e exercício profissional não são categorias
estanques –, atuando no ―sentido de uma profilaxia de dificuldades e não no âmbito do
‗conserto‘ ou de um papel ‗policialesco‘‖ (HOLANDA, 1997, p.7).

Além disto tudo, os Conselhos não podem ficar à parte das lutas sociais da classe [...], bem
como empenho no sentido de haver uma melhor remuneração do profissional de ensino e de
geração de melhores condições de trabalho para a formação profissional (HOLANDA, 1997,
p.12).
103

Ainda que os responsáveis pela formação profissional devam se preocupar em


preparar o aluno para as relações do mercado de trabalho e, simultaneamente, garantir
atendimento de qualidade à população, cabe ao profissional se recusar à ditadura imposta pela
agenda neoliberal fundada na ética do lucro e da competitividade, bem como às concepções
neoliberais de empregabilidade, que o induz a práticas ―imediatistas e tecnicistas‖, para
valorizar uma ética a serviço da humanidade (CAMARGO, 2001, p.42).
No entanto, fazer resistência à injunção do mercado parece uma tarefa, ao mesmo
tempo, um convite (quase) utópico, daqueles poucos profissionais que pensam em uma
educação voltada para a transformação político-social, de uma educação para a vida.
Enquanto houver um mercado competitivo que seduza os profissionais, recém-
formados ou não, com promessas de gratificações materiais provenientes dos atendimentos
especializados39, haverá quem se obrigue a uma busca por aprimoramento e qualificação
técnico-instrumental para atender as demandas que lhes são endereçadas. Se os cursos de
graduação não forem suficientes, haverá quem recorra aos cursos de especialização, de
capacitação, de aperfeiçoamento, enfim, aos cursos complementares de pós-graduação. Os
saberes, advindos desses cursos, passam a ser objeto de consumo efêmero, instantâneo,
descartável, por profissionais atentos para as tendências da atuação (BARROS, 2002;
CAMARGO, 2001; CHAUÍ, 1992; DIAS, 2001; EWALD; MOURA; GOULARD, 2008;
JAPIASSÚ, 1996).

1.4.3 A mercantilização do ensino e a demanda por técnicos e especialistas: avaliação


psicológica em perspectiva

O saber, na hipótese de Lyotard (1998), mudou de estatuto nas sociedades pós-


industriais e na cultura pós-moderna. Ao invés de se privilegiar o entendimento de aquisição
de saber enquanto um preparo para o pensamento, para a reflexão, portanto, para a “formação
do espírito” (LYOTARD, 1998, p.4), o que se estabelece, na atualidade, é uma relação:

39
Importante salientar que as expressões ―saber especializado‖, ―atendimentos especializado‖ são empregadas
nessa pesquisa como equivalentes a saber/atendimento específico do campo da Psicologia (que se diferencia de
outros saberes) e não, necessariamente, um saber atrelado à realização de curso de especialização ou à obtenção
de título de especialista. Quanto ao termo ―especialista‖, embora possa gerar certa confusão em função do uso
corrente ou do senso comum, empreguei para indicar o psicólogo que possui especialização.
104

[...] entre fornecedores e usuários do conhecimento e o próprio conhecimento tende e tenderá


a assumir a forma que os produtores e os consumidores de mercadorias têm com estas
últimas, ou seja, a forma de valor. O saber é e será produzido para ser vendido, e ele é e será
consumido para ser valorizado numa nova produção: nos dois casos, para ser trocado
(LYOTARD, 1998, p.5).

Com isso, o saber sofreu uma transformação, não mais sendo concebido enquanto
constitutivo do sujeito, mas ―sob a forma de mercadoria informacional‖ apartado do sujeito
cognoscente (LYOTARD, 1998, p.5). Desta forma, o autor entende que houve uma
mercantilização generalizada do saber, ou seja, transformado em mercadoria, o saber
valorizou o capital, promovendo a qualificação da mão de obra, a formação de competências,
a melhoria das performances ou desempenho, para o processo produtivo.
Diz Lyotard (1998, p.82):

É mais o desejo de enriquecimento que o de saber que impõe de inicio aos técnicos o
imperativo da melhoria das performances e de realização dos produtos. A conjunção
―orgânica‖ da técnica com o lucro precede a sua junção com a ciência. As técnicas não
assumem importância no saber contemporâneo senão pela mediação do espírito de
desempenho generalizado.

O saber, desta forma, passa a ser traduzido em quantidade de informações e


confundido com o ―saber-fazer‖, ou o ―saber-viver‖ (LYOTARD, 1998, p.36), referindo-se a
uma competência que ultrapassa a determinação do critério de verdade, para se estender às
aplicações dos critérios de eficiência, de justiça e/ou felicidade. Em outras palavras, o saber,
ao ficar atrelado ao conceito de performance, passa a remeter a uma relação entre certo e
errado. Com isso, seria da alçada dos experts o acesso às informações, dando condições,
devido à qualificação técnica adquirida, de virem a se tornar uma classe dirigente.
As universidades, nessa conjuntura, tornam-se uma espécie de empresa capitalista
voltada a formar competências operacionais que permitam a otimização da performance no
campo profissional. Deste modo, estas instituições passam a dar importância às competências
a serem desenvolvidas de modo que o aluno, ao ingressar no mercado neoliberal, possa
atender-lhes as demandas, operando na manutenção e na lucratividade do sistema produtivo
(CHAUÍ, 2001).
Sobre a questão, ―a transmissão dos saberes não aparece mais como destinada a formar
uma elite capaz de guiar a nação em sua emancipação. Ela fornece ao sistema os jogadores
capazes de assegurar convenientemente seu papel junto aos postos pragmáticos de que
necessitam as instituições‖ (LYOTARD, 1998, p.89):
105

Todavia, no que tange à realidade brasileira, há um consenso, entre os autores


estudados, de que a formação universitária em Psicologia é insuficiente para garantir uma
prática profissional competente e competitiva. Um indicativo de que a formação acadêmica
apresenta falhas importantes seria o baixo desempenho dos recém-formados no Provão de
Psicologia no ano de 2000, bem como a má qualidade de serviços prestados pelos psicólogos.
A partir dessas considerações, muitos pesquisadores e professores defendem a necessidade de
o aluno investir em formação continuada e/ou especializada para fins de garantir algum nível
de aprimoramento e experiência no campo de atuação (BANDEIRA, 2011; BERNARDES,
2004; BOARINI, 1996; BOCK et. ali, 1984; BOCK, 1997; CALAIS; PACHECO, 2001;
CATHARINO, 1999; CHAUÍ, 2001; CIRINO et. ali, 2007; HOLANDA, 1997; NORONHA,
2009; NORONHA; BERALDO; OLIVEIRA, 2003; NORONHA; BALDO; BARBIN;
FREITAS, 2003; PAULA; PEREIRA; NASCIMENTO, 2007; PRIMI, 2011; PRIMI;
LANDEIRA-FERNANDEZ; ZIVIANI, 2003; REPPOLD, 2011; RIBEIRO; LUZIO, 2008;
STARLING, 2002; TEIXEIRA, 2008a; TREVIZAN, 2010; WITTER; WITTER;
YUKIMITSU; GONÇALVES, 1992).
Há, ainda, quem diga, como Chauí (2001), que é de interesse das Universidades
formar mão de obra dócil, criando incompetentes para o exercício do pensamento, da reflexão
crítica e da liberdade.
Igualmente, alguns pesquisadores apontam para o fato de os próprios alunos
constatarem a precariedade e insuficiência da formação universitária no que se refere ao
preparo para atender às exigências do mercado de trabalho por uma prática qualificada, às
solicitações de profissionais hierarquicamente superiores, enfim, para acolher as demandas
com fins diversos (BANDEIRA, 2011; BARDAGI, BIZARRO, ANDRADE, 2008;
BERNARDES, 2004; BOARINI, 1996; BOCK et. ali, 1984; CATHARINO, 1999; CHAUÍ,
2001; FONSECA, 2011; NORONHA, 2009; NORONHA, BERALDO; OLIVEIRA, 2003;
RIBEIRO; LUZIO, 2008; TREVIZAN, 2010; WITTER; WITTER; YUKIMITSU;
GONÇALVES, 1992).

Se indagarmos se há alguém satisfeito com a universidade na sociedade contemporânea e,


particularmente no Brasil, a resposta será um sonoro ―não‖. Todavia, as insatisfações não são
as mesmas para todos. As grandes empresas se queixam da formação universitária que não
habilita os jovens universitários ao desempenho imediatamente satisfatório de suas funções,
precisando receber instrução suplementar para exercê-las a contento. A classe média queixa-
se do pouco prestígio dos diplomas e de carreiras que lançam os jovens diplomados ao
desemprego e à competição desbragada. Os trabalhadores manuais e dos escritórios, bancos e
comércio queixam-se do elitismo das universidades, que jamais se abrem o suficiente para
recebê-los e formá-los [...]. Os estudantes se queixam da inutilidade dos cursos, da rotina
106

imbecilizadora, das incertezas do mercado de trabalho, da pouca relação entre a universidade


e os problemas mais prementes da sociedade. Os professores estão insatisfeitos com as
condições de trabalho, de salário, de ensino e pesquisa, com a estupidez das máquinas
burocráticas que cretinizam as atividades universitárias, submetendo-as a rituais desprovidos
de sentido e de fundamento, com o autoritarismo das direções, a heteronomia dos currículos e
as lutas mesquinhas pelo poder e pelo prestígio (CHAUÍ, 1989; 2001, p.73-74).

Como há, na atualidade, um amplo mercado de ―competências operacionais‖


(LYOTARD, 1998, p.93) sendo ofertado ao psicólogo ao ingressar, oferecendo seus serviços,
o faz por conta e risco próprios. Em outras palavras, a conta é paga pelo profissional em dois
sentidos: ou ele investe financeiramente em formação continuada, pagando por cursos de pós-
graduação, ou corre o risco de pagar por eventuais erros que venha a cometer, respondendo a
processos por infração ao Código de Ética, por exemplo.
Para Starling (2002), o profissional recém-formado não deveria ser penalizado ―por ser
jovem e inexperiente‖, devendo ―essa conta‖ (STARLING, 2002, p.89) ser levada à
responsabilidade dos professores e da própria universidade. Ademais, o autor critica o fato de
estas instituições formadoras darem permissão aos psicólogos recém-graduados,

para que intervenham na vida de outros seres humanos [...] sem a exigência de uma residência
ou especialização, [...] acompanhadas e avaliadas por profissionais e entidades para tanto
qualificados. [...] Penso que esse estado do nosso exercício profissional [...] coloca mais em
risco a população (STARLING, 2002, p.88).

Contudo, não é isso o que ocorre. Lamentavelmente, onde impera a lógica que
transforma ensino em mercadoria – lógica esta fundante da sociedade capitalista com seus
interesses consumistas (BAUMAN, 2011) –, a responsabilidade pelas práticas decorrentes de
escolhas por determinados ensino-mercadorias não recai sobre as instituições formadoras, mas
sobre os próprios psicólogo-consumidores individualmente.
Outrossim, a decisão por estender a formação por meio da realização de cursos de
aperfeiçoamento ou de especialização também dependerá da necessidade, interesse e/ou
recursos financeiros de cada um. Com isso, Noronha, Beraldo e Oliveira (2003) constataram
que apenas uma pequena parcela da categoria profissional procura se atualizar por meio de
estudos regulares, enquanto a maioria se satisfaz com os conhecimentos aprendidos na
graduação, por exemplo, realizando avaliação psicológica com a metodologia ensinada no
curso de formação universitária.
Na perspectiva de alguns autores, a falta de aprimoramento do psicólogo que possui
apenas uma formação básica e generalista (considerada precária), não só o desqualificaria
para o exercício de sua profissão, como também o tornaria pouco atraente e competitivo para
107

o mercado. Na opinião desses autores, um currículo profissional extenso seria um sinal de que
o psicólogo busca se manter atualizado técnica e cientificamente e, nesse caso, quanto mais
especializado estiver o profissional, melhor! Os argumentos para incentivar e reforçar a
necessidade de aquisição de competências vão desde o refinamento da prática pelo
aperfeiçoamento no uso do instrumental teórico e técnico-científico, passando pelo título de
especialista, até chegar à ética (ALVES, 2009b; ANACHE; REPPOLD, 2010; FONSECA,
2011; NORONHA, 2002; 2009; NORONHA; BERALDO; OLIVEIRA, 2003; NUNES;
PRIMI, 2010; PRIMI; NUNES, 2010; PRIMI, 2011; REPPOLD, 2011; RIBEIRO; LUZIO,
2008; STARLING, 2002; TEIXEIRA, 2008b; TREVIZAN, 2011).

A formação contínua e especializada deve ser encorajada de forma diferenciada da formação


académica, embora articulada com ela, com conteúdos centrados na optimização das
competências profissionais, no desenvolvimento de novas competências, no desenvolvimento
pessoal e social dos formandos e na melhoria da qualidade das intervenções profissionais
relacionadas com diferentes contextos: sistema de saúde, sistema educativo, justiça,
organizações e empresas, desporto e comunidade, entre outros (TEIXEIRA, 2008b, p. 161).
O que se deseja [...] é um psicólogo crítico, bem formado, atualizado, com habilidades e
competências suficientes para exercer com dignidade a psicologia e defendê-la como ciência
que pode vir a contribuir para que o Homem se conheça e se modifique. [...] A crítica, a ética
e a prática consistente deverão fazer parte das atuações de futuros psicólogos. É o que se
espera (NORONHA, 2009, p.85-86).

Starling (2002), por exemplo, se coloca a favor da especialização do psicólogo – aqui


compreendida como a aquisição do título de especialista – em algumas das subdivisões da
Psicologia (clínica, escolar, social, organizacional e da saúde), entendendo que estas áreas
seriam suficientes para torná-lo competente para atuar em todos os campos em que é
requisitado na atualidade.
Por sua vez, outros autores defendem a ideia de transformar determinadas práticas em
atividades especializadas por meio da criação de novas especialidades, tal como vem
ocorrendo com o processo de avaliação psicológica, tema do qual irei abordar mais
detidamente em momento oportuno (ALVES, 2009b; NORONHA, 2002; 2009; NORONHA,
BERALDO; OLIVEIRA, 2003; PRIMI; NUNES, 2010; PRIMI, 2011; REPPOLD, 2011;
TREVIZAN, 2011).
Esse discurso em defesa da especialização faz sentido na contemporaneidade. Como
propôs Chauí (2001), a graduação ficou reduzida a um curso de ensino médio (antigo segundo
grau) do tipo avançado, tendo ficado para os cursos de pós-graduação a verdadeira formação
universitária, responsável pela transmissão da competência técnica transformada em
mercadoria vendável. Não por acaso que, na mira das instituições que exploram este mercado
108

de formação especializada ou complementar está um número considerável de psicólogos


recém-formados ―bombardeado por sugestões indutoras do que ele vai querer consumir
porque de fato, nesta lógica capitalística40, a cultura, as pessoas, tudo (!) subsiste na qualidade
de mercadoria consumível‖ (SOUTO; BARTALINI; MAGALHÃES, 2009, p.68).
Assim, submetidos à lógica do mercado de bens e de serviços e, ainda, entregues às
suas próprias escolhas, muitos psicólogo-consumidores, recém-formados ou não, seduzidos
pelas vantagens, promessas, interesse ou esperança por qualificarem sua prática, têm investido
(geralmente por iniciativa própria) em capacitação ou treinamento por meio de cursos de pós-
graduação ou de extensão universitária para adquirir instrumental técnico-científico para fins
de atender as demandas do mercado (AMENDOLA, 2009a; COIMBRA; AYRES;
NASCIMENTO, 2009; FLORÊNCIO, MAGALHÃES, SILVA SOBRINHO;
CAVALCANTE, 2009; GOMIDE, 1988; HOFF, 1999; PESSOTTI, 1988; RIBEIRO; LUZIO,
2008).
Dentre estes cursos, também são visados os de Mestrado e Doutorado, como
informaram Zanella e Sais (2008, p.679):

A produção brasileira de conhecimentos em Psicologia vem sendo incrementada nos últimos


tempos, o que se relaciona diretamente com a expansão dos Programas de Pós-Graduação no
país. É expressão desse aumento o número de titulados entre 1996 e 2003 nos Programas de
Pós-Graduação: o documento de área (Triênio 2001-2003) da CAPES registra 298 mestres e
61 doutores em Psicologia titulados no ano de 1996, número que no ano 2003 passa a ser de
810 mestres e 218 doutores em psicologia titulados. No Brasil, após a graduação é possível
realizar cursos de pós-graduação lato sensu, denominados especializações e voltados para a
atualização profissional, ou cursos de pós-graduação strictu sensu. Estes são oferecidos por
Programas de Pós-Graduação vinculados a Instituições de Ensino Superior ou Institutos de
Pesquisa. Há duas modalidades: mestrado, com duração média de 30 meses, e doutorado, com
tempo previsto de conclusão de 48 meses.

Sejam cursos reconhecidamente de pós-graduação lato sensu ou strictu sensu


oferecidos pelas universidades, sejam estes oferecidos por outras instituições formadoras,
todos estes contam com uma enormidade de orientações e metodologias voltadas à
particularização do seu objeto de estudo. Todavia, o que garante que os cursos oferecidos
cumpram a promessa de transformar o aluno recém (e mau) formado em um profissional com
competências e habilidades para atuar no mercado de trabalho?
Essa situação traz preocupação e um alerta na visão de alguns autores. Enquanto
alguns cursos apresentam uma articulação teórico-prática capaz de dar ao aluno uma solidez

40
Ver GUATTARI, F.; ROLNIK, S., Micropolítica: cartografias do desejo. Rio de Janeiro, Vozes, 1988, p.15-
40.
109

epistemológica, outros, que se autodenominam de especialização, divulgam técnicas, cuja


cientificidade ainda está por ser estabelecida ou reconhecida pela comunidade profissional,
não obstante a aplicabilidade esteja assegurada pelas exigências do mercado (AGUIAR
NETTO, 1988; BASTOS, 1988; BOCK, 1999; CARVALHO; SAMPAIO, 1997;
GOLDEBERG, 1980; LANGENBACH; NEGREIROS, 1988; PATTO, 1984; SENNE, 2005;
STARLING, 2002; TEIXEIRA, 2008b; YAMAMOTO; CÂMARA; SILVA; DANTA, 2001).
Alguns desses cursos destinados à qualificação profissional poderiam ser considerados
―modismos ou aproveitamento de oportunidades de mercado: rendem dinheiro, e bom
dinheiro‖ aos seus propositores (STARLING, 2002, p.81). Por que não dizer, aos próprios
psicólogos? Interessados em obter apenas ou mais um título que lhes permitam alugar seus
serviços para o mercado de trabalho, recorrem às muitas instituições formadoras, agora
transformadas em empresas, onde o ensino é tratado como um investimento para ambos, sem
grandes preocupações com a qualidade.
Como aponta Teixeira (2008b, p.162),

Bastará navegar na Internet [...] para constatar que qualquer ―centro de psicologia‖, ―centro
educativo‖ ―gabinete de psicologia‖ ou ―instituto de psicologia‖ faz ofertas de formação
denominadas mais ou menos aleatoriamente por ―curso de formação‖, ―curso de
especialização‖ ou, até, ―pós-graduação‖ sem que possamos saber quais são as qualificações
efectivas dos promotores, se porventura os formadores serão mesmo psicólogos e qual a
credibilidade científica e pedagógica dos conteúdos, entre outros aspectos. No limite, até
podem não ser o que dizem ser.

Seguindo a sugestão de Teixeira (2008b), descobri, em pesquisa na internet, um portal


de cursos online, cuja proposta é disponibilizar ensino à distância no Brasil. O site dá
oportunidade para qualquer pessoa comprar ou vender seus cursos, por meio do seguinte
lema: ―além de se aprimorar através dos cursos disponíveis você também pode publicar os
seus próprios cursos online e lucrar bastante com isso! Agora é com você: vai ensinar ou
aprender?‖ (http://www.buzzero.com/cursos-online).
Assim, sem sair de casa e por preços módicos, o psicólogo tem a opção de fazer um ou
vários cursos, como os oferecidos por uma psicóloga (cujo número do registro profissional
não foi divulgado, descumprindo a Resolução do CFP nº 003/2007 que regula assuntos de
publicidade41), tais como:

41
Resolução do CFP nº 003/2007 institui a Consolidação das Resoluções do Conselho Federal de Psicologia. No
Capítulo II, da Publicidade Profissional, determina o Artigo 53 - Toda publicidade veiculada por psicólogo
conterá obrigatoriamente o nome completo do profissional, a palavra psicólogo, a sigla do Conselho Regional de
Psicologia onde tenha sua inscrição e o número desta inscrição.
110

 Curso Online de Revelação do Abuso Sexual pela Criança: Dicas Práticas para
Profissionais com certificado (10h/30 reais);
 Curso Online de Elaboração de Relatórios em Situação de Vitimização Sexual de Crianças
e Adolescentes com certificado (4h/25 reais);
 Curso Online de Conduzindo Entrevistas de Revelação Com Crianças Vítimas de Abuso
Sexual com certificado (7h/30 reais);
 Curso Online de Identificando a Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes com
certificado (8h/40 reais);
 Curso Online de ―CAUSAS DO ABUSO SEXUAL‖ com certificado (14h/35 reais);
 Curso Online de Síndrome De Alienação Parental - Falsas Memórias De Abuso Sexual
com certificado (7h/25 reais) dentre outros (http://www.buzzero.com).
Portanto, está à venda uma enormidade de cursos que não primam pela qualidade,
posta de lado em nome do retorno financeiro; e se há lucro é porque há psicólogos
consumindo, priorizando, por sua vez, a praticidade, a rapidez a baixos custos, bem ao estilo
dos valores nutridos na pós-modernidade: a fugacidade dos modismos, o imediatismo, o
descartável e os ganhos de curto prazo.
Fica notória, deste modo, além da supremacia do consumo e da mobilidade do capital
nas sociedades pós-modernas, a circulação dos saberes na condição de ―descartáveis‖
(SOUZA, 2001, p.284), indicando para a velocidade com que o profissional tem sua mão de
obra qualificada e desqualificada, necessitando de constante requalificação (DUFOUR, 2005).
Associada essa circunstância à difusão de práticas emergentes – na proporção do
aumento da demanda por especialistas –, que os psicólogos passaram a atuar em várias frentes

[...] e em campos os mais diferentes, respondendo às mais variadas questões ao mesmo


tempo. Sempre se estaria, portanto, precisando de um aprimoramento técnico, de uma
atualização. Os chamados cursos de capacitação, os treinamentos conteriam toda a verdade
que os profissionais precisariam para a solução dos problemas que lhes chegam. Este
profissional estaria sempre na falta; seria necessário treiná-lo para que se tornasse capaz
(COIMBRA; NASCIMENTO, 2007, p.31).
111

Decorre dessa situação a defesa por uma Algumas Resoluções que regulam a
atuação profissional
formação com enfoque mais técnico e especializado,
Resolução nº 012 / 2011
gerando uma pressão por parte da categoria pelo Regulamenta a atuação da(o) psicóloga(a)
reconhecimento do Conselho Federal de Psicologia de no âmbito do sistema prisional.
Resolução CFP nº 008 / 2010
certas áreas de conhecimento específico para a Dispõe sobre a atuação do psicólogo como
perito e assistente técnico no Poder
atuação do profissional. Judiciário
Resolução nº 010 / 2010
Ao considerar esse panorama, o CFP tem Institui a regulamentação da Escuta
Psicológica de Crianças e Adolescentes
ponderado em duas direções: por um lado, aponta para envolvidos em situação de violência, na
a Psicologia plural, rica em conceitos, visões de Rede de Proteção
Resolução CFP 001 / 2009
mundo e de homem; por outro, assinala para uma Dispõe sobre a obrigatoriedade do registro
documental decorrente da prestação de
grave atomização da Psicologia em saberes, formando serviços psicológicos
Resolução CFP nº 018 / 2008
claustros teóricos arduamente defendidos por muito de Dispõe acerca do trabalho do psicólogo na
avaliação psicológica para concessão de
seus integrantes (CFP, 1986). registro e/ou porte de arma de fogo.
Não obstante supusesse a possibilidade de a RESOLUÇÃO CFP Nº 012 / 2005
Regulamenta o atendimento
Psicologia transformar-se em profissão fragmentada, psicoterapêutico e outros serviços
psicológicos mediados por computador
dogmática, com zonas teóricas impermeáveis a Resolução CFP nº 7 / 2003
Institui o Manual de Elaboração de
quaisquer outros referenciais – com risco de promover Documentos Escritos produzidos pelo
psicólogo, decorrentes de avaliação
uma rarefação crítico-teórica dos profissionais que psicológica
permanecerem encastelados em suas especialidades –, Resolução CFP nº 18 / 2002
Estabelece normas de atuação para os
o CFP aprovou, no ano 2000, a Resolução CFP psicólogos em relação a preconceito e
discriminação racial
nº014/0042 que instituiu ―o título profissional de Resolução CFP nº 16 / 2002
Dispõe acerca do trabalho do psicólogo na
Especialista em Psicologia e dispõe sobre normas e avaliação psicológica de candidatos à
Carteira Nacional de Habilitação e
procedimentos para seu registro‖. condutores de veículos automotores
Com a Resolução, ficou aprovada a concessão Resolução CFP nº 5 / 2002
Dispõe sobre a prática da acupuntura pelo
de título de especialista pelo Sistema Conselhos de psicólogo
Resolução CFP nº 13 / 2000
Psicologia para as especialidades: Psicologia Escolar e Aprova e Regulamenta o uso da Hipnose
como Recurso Auxiliar de Trabalho do
Educacional; Psicologia Organizacional e do Psicólogo;
Resolução CFP nº 1 / 1999
Trabalho; Psicologia do Trânsito; Psicologia Jurídica; Estabelece normas de atuação para os
do Esporte; Hospitalar; Clínica; Psicopedagogia; e psicólogos em relação à questão da
orientação sexual
Psicomotricidade. A Resolução deixava em aberto a Resolução CFP nº 02 / 1995
Dispõe sobre prestação de serviços
possibilidade de regulamentar novas especialidades psicológicos por telefone.

42
Atualmente, regulando a concessão de títulos para especialista, vigora a Resolução CFP nº 013/2007.
112

desde que a produção teórica, técnica e Credenciamento de cursos de


especialização
institucionalização social assim as justificassem; o que No ano 2000, o Conselho Federal de
Psicologia – CFP instituiu, a partir da
aconteceu com a Psicologia Social (Resolução CFP nº Resolução CFP nº 014/00, alterada e
05/03) e a Neuropsicologia (Resolução CFP nº complementada posteriormente pela
Resolução CFP nº 002/01, o Título de
002/2004) anos depois. Especialista em Psicologia e as formas
pelas quais os profissionais psicólogos
Para operacionalizar a concessão do título de podem obtê-lo, uma das quais, por
conclusão de curso de especialização
especialista, o CFP aprovou, no ano seguinte à credenciado pelo CFP.
Sobre este assunto, o Conselho editou
instituição da Resolução CFP 014/00, o manual de ainda as Resoluções CFP nº 007/01 e nº
credenciamento de cursos de especialização. Com 008/01, aprovando o Manual para
Credenciamento de Cursos com finalidade
ele, os cursos também passariam por uma análise e, se de Concessão do Título de Especialista e
respectivo registro e instituindo a taxa de
aprovados, poderiam emitir o certificado de conclusão administração e custeio do processo de
Cadastramento de Cursos com vistas ao
juntamente com a concessão do Título de Especialista. Credenciamento junto ao CFP para
aceitação de certificados e concessão de
Essa medida permitiu que o CFP alegasse Título de Especialista e respectivo registro,
exercer um controle sobre os cursos de especialização respectivamente.
Para efetivar o credenciamento,
profissional no sentido de oferecer uma garantia não conforme previsto em Resolução, o
Conselho Federal de Psicologia firmou
somente da qualidade do curso, mas também, da convênio com a ABEP - Associação
Brasileira de Ensino de Psicologia
qualificação dos psicólogos. (www.abepsi.org.br), a qual está
responsável pela análise das solicitações das
A emissão de Título de Especialista e o instituições que queiram credenciar seus
credenciamento dos cursos têm sido usados pelo CFP cursos. Este processo teve seu início no
final de 2001.
enquanto política de reconhecimento e valorização da POL (2008)

prática profissional, bem como indicador de desenvolvimento da Psicologia em campos de


atuação. O maior sinal de reconhecimento, para o CFP, é o número de concessão de registros,
16.000 desde a implantação do título, além de mais de 50 cursos credenciados até o ano de
2007, quando o CFP (2007) divulgou resultado de uma pesquisa iniciada no ano de 2003,
sobre o impacto do título de especialista para os psicólogos.
Nesta pesquisa, foram três os pontos principais destacados: 1) apesar de as resoluções
serem conhecidas pelos psicólogos, há ainda um grande nível de desinformação sobre elas; 2)
o impacto do título de especialista na prática profissional é bastante reduzido; e 3) há interesse
pelo título entre a maioria dos psicólogos.
Vale destacar que a análise dos dados fez com que o CFP entendesse ser necessário
adotar medidas de divulgação e esclarecimento para a categoria sobre a importância de
possuir um título de especialista; elaborar um plano de valorização do título por empresas que
realizam concursos (incluir prova de títulos, por exemplo), convênios da área da saúde e pelo
113

mercado de trabalho de uma forma geral; divulgar O que é o CREPOP?


O Centro de Referência Técnica em
para a sociedade a existência do título de especialista Psicologia e Políticas Públicas - CREPOP -
é uma conquista de todos os psicólogos.
como uma referência de qualidade profissional; e, Todas as ações do Centro caminham na
finalmente, divulgar o credenciamento de cursos de direção da referenciação da prática
profissional, definindo diretrizes para os
especialização pelo CFP. psicólogos do Brasil.
O CREPOP propõe que a Psicologia
Incentivando a obtenção do Título de tenha um novo olhar em relação aos
compromissos com os Direitos Humanos e
Especialista, o CFP estaria, na opinião de Sathler com as Políticas Públicas. É tarefa também
do CREPOP possibilitar um acesso maior
(2008, p.125), garantindo a da população à Psicologia.
No desenvolvimento dos seus objetivos,
o CREPOP está implementando algumas
[...] a qualidade da profissão e que os ações, como a identificação de
clientes teriam maior garantia de oportunidades para a atuação de psicólogos
qualidade de serviço e o direito de saber em novas áreas do espaço público; pesquisa
quem eram os especialistas; em outras
com psicólogos para identificar as áreas de
palavras, quem eram os melhores
profissionais, a saber, os aprovados nas maior interesse; parcerias entre esferas
provas dos conselhos regionais ou que governamentais; disponibilização de banco
comprovassem cursos de especialização de dados sobre políticas públicas no Brasil,
credenciados. dentre outras.
O CREPOP hoje já está presente em 20
estados da Federação – organizado nos
Outra política de incentivo às práticas Conselhos Regionais de Psicologia - e isso
possibilita um diálogo ainda mais intenso
especializadas promovida pelo CFP foi a criação do com os psicólogos.
Possivelmente, o psicólogo já tenha
Centro de Referência Técnica em Psicologia e recebido um comunicado do CFP, dizendo:
Políticas Públicas – CREPOP – em 2006. Por meio Psicólogo, o seu fazer nos interessa! O
CREPOP quer, com esse chamado,
desse dispositivo, o CFP publica diretrizes para a conhecer a prática profissional do psicólogo
nos programas de governo, convidando-o a
categoria em áreas de atuação especializada. responder uma pesquisa via formulário
online e a participar das reuniões
Como pontua Moura (1999, p.12): específicas convocadas pelo seu Conselho
Regional. O objetivo é construir
coletivamente as referências técnicas para
A divisão da Psicologia em ―campos de uma competente atuação profissional nas
atuação especializados‖ acentuou a políticas públicas brasileiras!
fragmentação do conhecimento CREPOP
psicológico e, por conseguinte, do seu
objeto de estudo, porque motivou o
desenvolvimento de um arcabouço teórico e técnico cada vez mais específico e delimitado.
Não obstante, mesmo separados, distanciados e fixados nos ―campos de atuação específicos‖
os psicólogos continuaram a desenvolver uma prática adaptacionista e a-crítica por causa da
matriz individualizante que está subjacente a qualquer um destes campos.

Assim, o CFP vem se posicionando, ao longo de suas Gestões, como promotor da


atomização do saber, por meio da produção de especialidades e, por conseguinte, da ascensão
de especialistas, experts ou peritos. Essa prática, todavia, não é recente, mas remanescente do
primado da racionalidade técnico-científica, quando os detentores do saber-poder, da
competência técnica requisitada na intervenção ―nos vários domínios da vida social‖
114

(JAPIASSÚ, 1996, p. 130) eram os especialistas – representantes do conhecimento dito


científico e técnico (COIMBRA, 1995; COIMBRA; AYRES; NASCIMENTO, 2009).

A procura por competência técnica não é privilegio das áreas de psicologia [...], mas uma
produção histórica trazida pelo pensamento liberal que tem, como um de seus frutos diletos, a
abordagem positivista com seus corolários cientificistas: objetividade, neutralidade,
previsibilidade (COIMBRA; AYRES; NASCIMENTO, 2009, p.21).

Segundo Coimbra (1995), o fortalecimento do especialismo forja a qualificação de


certas práticas em detrimento de outras. Esse saber psicológico, agora especializado, ao ser
legitimado pela sociedade como superior, passa a produzir verdades com o predicado de
científicas, concebe os objetos e sujeitos de análise como sendo naturais, contendo uma
essência a ser desvelada por uma prática (dita) neutra, objetiva e a-política, embora com
―efeitos poderosíssimos‖ (COIMBRA, 2002, p.10).
O Título de Especialista surge, assim, como instância a concretizar ou chancelar essa
referência de qualidade e competência profissional, (supostamente) tornando o especialista
naquele com qualificação para afirmar verdades absolutas e universais.
Ao recuperar a história da consolidação da Psicologia no Brasil é possível entender,
hoje, a formação de especialistas por meio da instituição do Título de Especialista enquanto
expressão da lógica pós-moderna neoliberal, produto da demanda social das elites dirigentes
interessadas em uma prática psicológica que funcione na manutenção e fortalecimento desse
lugar de poder. Outrossim, a concessão de Título de Especialista se mostra atrelada à reserva
de mercado, sendo mais um componente a transformar ensino em mercadoria.

Como um saber-poder da ciência, as práticas psicológicas por vezes são positivistas, a-éticas e
(re)ativadoras de matérias-prima do Capital, conduzem a vida do outro e adequam
singularidades ao estabelecido, ao status quo. Assim como a Vida tem sido reduzida à sua
dimensão biológica, algumas práticas em Psicologia ficam reduzidas às suas dimensões
técnicas. Há aí um matiz variado de colorações: desde uma psicologia de conexão atualizada
historicizada, problematizadora e contextualizada com a complexidade contemporânea até a
alienação focada, intimista, descontextualizada, a-histórica, especializada e ―resolvedora de
problemas‖ (ANDRADE, 2009, p.26-27).

Mediante tais considerações, é possível entender que há uma função social e


normativa no papel do especialista, pois terá ele, a partir do seu saber e competência técnico-
científicos, o reconhecimento, a legitimação da sociedade como sendo aquele que sabe e diz o
que é certo ou errado, sadio ou doente, enfim, a ―verdade ‗dos‘ e ‗para‘ os homens‖
(RODRIGUES; TEDESCO, 2009, p.74).
Sobre o assunto, Ayres (2008a) comenta:
115

[...] a emergência e a expansão do especialismo, constituem-se, hoje, pela via de seu saber-
poder, um forte e importante veículo de aprisionamento do homem aos valores instituídos.
[...] Os especialistas [...], e suas formas disciplinadoras encontram-se, hoje, diluídas em quase
todos os espaços do cotidiano do homem, ―regulando‖ seus corpos, seus desejos, seus
sentimentos, suas escolhas e suas trajetórias (AYRES, 2008a, p.107).

Legitimado, esse ―saber hermético dos doutores‖ (ALENCAR, 1993, p.82) é


raramente questionado. Ungido pelo poder da verdade científica, o saber especializado produz
um discurso qualificado para ser verdadeiro – pela pretensa exatidão e neutralidade da técnica
–, a ser oferecido a uma parte seleta do mercado de trabalho a partir do uso de técnicas em
investigações empíricas. Como resultado, o saber psicológico especializado, atomizado, passa
a autorizar medidas de intervenção na sociedade, a despeito de se configurar, por vezes, em
―uma prática repressora sofisticada‖ (idem, ibidem). Sofisticada, porque nem sempre é
percebida enquanto prática de controle, normalização e de moralização.
Talvez, por este motivo, o saber especializado torna-se tão atraente ao psicólogo.
Sendo capaz de colocar-se no lugar da competência, daquele que sabe, e de depositar o sujeito
cognoscente no lugar daquele que deve ser observado, classificado, mensurado, domesticado,
portanto, refinadamente conhecido e controlado a partir de certo olhar, de certo modelo
teórico, de instrumentos de medida, de modificação, de terapia, o especialista, na opinião de
alguns autores, produz um discurso/prática onde o poder é exercitado muitas vezes de forma
inexorável (BICALHO, 2005; COIMBRA, 1995, p.192; COIMBRA; NASCIMENTO, 2001;
FOUCAULT, 2006; SATHLER, 2008).

Os discursos que circulam e fazem circular as verdades que eles mesmos constroem são
discursos carregados de um saber e, por isso mesmo, de um poder específico. Esse poder-
saber ou essa vontade de saber-poder, visto que os discursos mudam incessantemente,
mantendo os dispositivos de verdade, estão disseminados pelos vários segmentos sociais.
Estes não são células separadas e distintas umas das outras, mas são inter-atuantes, inter-
influenciadas e inter-dependentes. A vontade de saber liga-se, hoje, à psicologia, visto que é,
através do discurso psicológico, que o sujeito pode saber-se. Ou melhor, é através da escuta
psicológica que o sujeito é dito ou se diz (SATHLER, 2008, p.23-24).

Seduzidos e fascinados pelos ―jogos de saber-poder e suas imbricações com os


regimes de verdade‖ (ANDRADE, 2009, p.96), muitos psicólogos têm entrado na corrida pela
qualificação técnica com vistas às demandas do mercado de trabalho que, regulado pelo
sistema de oferta e ―consumo ampliado de bens, serviços e direitos‖ (PASSETTI, 2007, p.63),
tem se mostrado interessado nos serviços de avaliação psicológica.
116

Por conta dessa regulagem do mercado de produção capitalístico43, houve um processo


de ―revalorização‖ (ALVES, 2009b, p.236) da prática de avaliação psicológica em diversos
campos de atuação para atender a finalidades também diversas, a partir da compreensão de
que,
Em seu trabalho profissional, o psicólogo se vê, muitas vezes, diante de situações socialmente
delicadas, que envolvem importantes decisões sobre as pessoas, as quais têm potencial de
impedir a obtenção de bens que estas desejam. Como exemplo, podemos citar os processos
seletivos públicos, nos quais o psicólogo participa da decisão sobre quem será aprovado para
exercer uma função pública; no exame psicotécnico, no qual ele pode decidir sobre a cessão
do direito de dirigir; em processos jurídicos, nos quais o psicólogo opina sobre temas que
interferirão nas relações entre pais e filhos. [...] Nessas situações, frequentemente o
profissional realiza avaliações psicológicas com o auxílio de instrumentos e técnicas cujo
objetivo principal é compreender e descrever o funcionamento psicológico das pessoas,
confirmar ou refutar impressões que tenham sido formadas em outras situações, identificar
necessidades de intervenções, monitorar acompanhamentos e progressos, realizar e
aprofundar uma compreensão diagnóstica, gerenciar riscos para minimizar potenciais
problemas, bem como tentar predizer comportamentos futuros (PRIMI, 2011, p.53-54).

De acordo com Batista (2005), o mercado de trabalho da Psicologia expandiu na


direção do sistema judicial, interessado em uma espécie de Psicologia dos resultados,
decorrente da aplicação de técnicas de exame psicológico, da realização de perícias e da
composição de laudos ou pareceres técnicos, concentrando o profissional em atividades
investigativas, classificatórias e de ajustamento especificamente, na averiguação da
fidedignidade dos testemunhos, periculosidade e normatização dos indivíduos.
Assim, a inserção do psicólogo no âmbito judiciário, bastante discutida por autores
como Altoé (2001), Arantes (2005), Bernardi (2002; 2005), Brito (1993; 2002; 2004; 2005;
2009; 2011a; 2011b), Jacó-Vilela (2002) e Jacó-Vilela et. ali (2005), Kolker (2005); Miranda
Jr. (1998; 2005), Zarzuela, Matunga e Thomaz (2000) e muitos outros, ocorreu em função da
atenção de muitos psicólogos às demandas judiciais, que passaram a operar como
diagnosticadores, ou ―perito em subjetividades‖ (ALVES, 2009a, p.101) ou de interiores
(BAPTISTA, 2000) na categorização das pessoas segundo o grau de periculosidade, de
patologia, oferecendo aos juízes um saber de corte positivista que atribuía lastro de
cientificidade às tomadas de decisão, fosse na área da família, infância ou penal.
No início das atividades junto ao Direito, como os psicólogos careciam de parâmetros
para atuar nesta área específica, recorreram ao modelo da Medicina Legal, bem como se
deixaram capturar cada vez mais pela lógica e discurso jurídicos, tornando-se uma

43
Movimento de demanda por serviços psicológicos que leva alguns psicólogos à procura por cursos que os
qualifiquem que, por sua vez, gera uma oferta de cursos para atender o interesse do profissional. Esse
movimento circular se mantém enquanto houver demanda e esta gerar retorno financeiro.
117

engrenagem precisa, segundo Brito (2001), para diagnosticar os fenômenos psíquicos ou


ainda prever comportamentos para uma aplicação efetiva da lei.
Ainda, conforme as explicações da autora:

A indeterminação sobre a atuação profissional dos psicólogos junto ao aparelho judiciário


conduz alguns profissionais ao entendimento de que o psicólogo jurídico deve ser ―os olhos e
ouvidos do juiz‖, ou ainda de que, na justiça, o psicólogo ―atua algumas vezes como clínico,
outras como detetive‖, visando à obtenção de dados que devem ser repassados ao juiz
(BRITO, 2004, p.225).

Seduzidos pela oportunidade de um mercado de trabalho em expansão e premidos pela


demanda do Direito, os psicólogos que se aproximavam desse campo, atuando no ou para o
sistema judiciário, fossem peritos, funcionários concursados do Tribunal, de clínicas ou de
consultórios particulares, todos acabavam por centralizar suas ações no diagnóstico. Desta
forma, ao desenvolver uma prática em consonância aos preceitos jurídicos, comprometida
com o processo de aferição da verdade e, por conseguinte, da produção de provas demandadas
pelo judiciário, os profissionais estabeleceram um percurso de ação, contribuindo para um
aumento na procura por qualificação e instrumentalização técnica por alguns profissionais
interessados em atuar neste campo e, assim, atender um mercado consumidor de laudos,
pareceres, etc., fruto de avaliação psicológica (BARRETO; SILVA, 2011; BATISTA, 2009;
BRITO, 2001; 2011a, 2011b).
Nesta área, o interesse maior tem recaído sobre os cursos de Pós-Graduação em
Psicologia Jurídica e sobre outros cursos que promovem (ou prometem) a capacitação para
atuar neste campo por meio da avaliação psicológica, mais especificamente, nos casos em que
há suspeita de violência ou abuso sexual contra crianças e adolescentes, e da elaboração de
laudos e outros documentos com fins judiciais, como44 (para citar alguns): Curso de
Especialização em Psicologia Jurídica; de Especialização em Violência Doméstica contra
crianças e adolescentes; de Extensão em Psicologia Jurídica; de Extensão em Elaboração de

44
Em 2011, fui convidada a ministrar um curso de escrita psicológica em parceria com uma instituição
formadora no Rio de Janeiro a partir das discussões que integraram o Ano Temático da Avaliação Psicológica no
CRP-05. Divisando a demanda por cursos que abordassem a escrita, em razão do crescente aumento no número
de denúncias contra psicólogos pela elaboração de documentos, esta instituição promoveu uma palestra gratuita
(como divulgação para o curso ―Escrita Psicológica: aspectos técnicos e éticos‖), a qual ministrei para uma
plateia com mais de 30 pessoas (limite máximo da sala) bastante interessada na discussão da escrita para o
campo jurídico e escolar por psicólogos que atuam em consultórios particulares. Conforme aponta a literatura, o
curso foi administrado para uma turma em que 75% dos alunos eram de psicólogos recém-formados, ávidos por
uma formação que complementasse o conteúdo administrado durante a graduação. Todos apontaram para uma
―falta‖ nos cursos, principalmente das discussões éticas que envolvem desde a demanda e finalidade da avaliação
até a conclusão e encaminhamento do trabalho que afetará a vida das pessoas envolvidas; discussões estas em
destaque no curso.
118

Laudos em Elaboração de Laudos Psicológicos; de Curso de Perfil


A guerra no Rio de Janeiro está
Aperfeiçoamento no estudo da Violência contra a declarada (referindo-se à ―guerra‖ contra o
tráfico na cidade do Rio de Janeiro que
Criança; de Aperfeiçoamento em Escrita Psicológica: ocorreu em final de novembro de 2010,
aspectos técnicos e éticos; Telecurso de cujo ápice foi a entrada da polícia no
Complexo do Alemão), precisamos estar
especialização de Violência doméstica contra habilitados a lidar com os diversos perfis
dos criminosos. O Curso de Perfil oferece o
crianças e adolescentes oferecido pelo Laboratório de preparo necessário.
Estão abertas as inscrições para o Curso
Estudos da Criança (Lacri/USP); Avaliação de Perícia Psicológica Policial e Criminal
no Rio de Janeiro. [...]
psicológica em situação de abuso sexual infantil e O curso tem o objetivo de Capacitar
judiciário; Curso de Laudos psicológicos nas varas de profissionais para atuação nas atividades
psicológicas e criminais; entender dos
família; Curso de Perfil, etc. aspectos sociais, culturais e psicológicos do
ato criminoso; compreender as necessidades
Uma oportunidade para a realização de cursos de intervenção psicossocial na prática
policial e criminal. Veja como se inscrever.
ligeiros ou mesmo para reciclar informações, também As vagas são limitadas.
PÚBLICO ALVO: Psicólogos,
tem sido a participação de estudantes e psicólogos Estudantes de Psicologia e Direito, Oficiais
formados em eventos, como congressos, simpósios. da Polícia Militar, Polícia Civil e Federal,
Ministério Público, Profissionais da Área de
Além de ser um espaço tradicional para apresentação Saúde Mental e Assistência Social,
Filosofia, Profissionais do Fórum, Publico
de trabalhos e/ou de pesquisas, tais eventos ainda em geral.
Conteúdo Programático
permitem um intercâmbio com outros profissionais, Unidade 1 – Psicologia da Personalidade
criminal
abrindo caminho para a problematização de questões 1.1Estudo da personalidade com potencial
advindas do exercício profissional. criminógeno.
1.2 Aspectos gerais e psicológicos.
Segundo Bandeira (2011), essa busca se dá em 1.3 Psicologia investigativa
1.4 Avaliação Forense da Personalidade
função da necessidade de os psicólogos se depararem criminal.
1.5 Deficiência na dinâmica psico-afetiva
com a prática profissional. familiar.
1.6 Condutopia
1.7 Sociopatia, Personalidade anti-sociais,
Prova disso é a quantidade de psicólogos Assassinos Seriais e Abusadores de
que se inscrevem em cursos de Crianças e Adolescentes.
Avaliação Psicológica oferecidos nos 1.8 Loucura e crime
congressos realizados na área. É 1.9 Simuladores de loucura
crescente a procura por esses cursos e a Unidade 2 Criminologia e Direito Penal
sua oferta. Por exemplo, no congresso do
Unidade 3 Autópsia Psicológica e avaliação
IBAP [Instituto Brasileiro de Avaliação
Psicológica] que estamos organizando da Personalidade em casos de suicídios
agora em 2011, estão sendo oferecidos Unidade 4 Perícia material criminal
36 cursos (BANDEIRA, 2011, p.130). Divulgação via correio eletrônico

Nesse rumo, posso enumerar, a título de exemplo, alguns dos inúmeros eventos que
ocorrem a cada ano – Congresso de Psicologia; Congresso Brasileiro de Avaliação
Psicológica; Congreso Nacional de Psicología Jurídica y Forense; Congresso Nacional de
Psicologia Jurídica; Congresso Brasileiro e Simpósio Sul-Brasileiro de Psicologia Jurídica -,
119

dentre os quais participei, no ano de 2009, do I Simpósio Sul-Brasileiro de Psicologia


Jurídica, que ocorreu em Porto Alegre. O evento revelou um interesse crescente de parte da
categoria para questões relativas à avaliação psicológica ou às técnicas voltadas à dirimência
de contendas judiciais.
Outro exemplo tem sido a busca por cursos preparatórios para concurso público para o
cargo de psicólogo45 com vistas a integrar a equipe técnica do Judiciário46. Nesta função,
especificamente para o exercício do cargo em Varas de Infância e Juventude, Coimbra
(2004b, p.4) comenta que é requisitado ao profissional proporcionar

[...] um acompanhamento efetivo dos diversos problemas que envolvem as crianças carentes e
os adolescentes infratores, já que os psicólogos [...] comporão a equipe interdisciplinar, tão
importante no assessoramento dos Juízes da Infância e da Juventude, que buscam em seus
laudos os subsídios de ordem técnica para embasar os julgamentos que proferem diariamente.

Afinal, o que muitos psicólogos buscam nesses cursos? A técnica, o instrumental, o


método, o operacional. Enfim, atentos às oportunidades de trabalho e ―imbuídos de uma
perspectiva utilitarista do mundo‖ (SOUTO; BARTALINI; MAGALHAES, 2009, p.71), os
psicólogos têm se mostrado mais interessados em adquirir competências que lhes tragam
vantagens, um “como-fazer-universal” (SANTOS; CAETANO, 2010, p.89), ―ignorando o
para que fazer‖ (COIMBRA, 2000; COIMBRA; NOVAES, 2006, p.9).
Como denunciou Senne (2005, p.28), são práticas que, ao serem vinculadas ao título
de psicólogo, pretendem-se científicas:

O título ―psicologia‖ engrossa, sem cessar, o caudal de autores que aparentemente encontram
todo o sentido que precisam no próprio fazer, justificando seus atos em um mesmo nível em
que são situadas as proposições e os modos de proceder, instalando-se no como as coisas
funcionam, dispensando qualquer questionamento externo ou aprofundado.

O que importa ao aluno profissionalizante, ao Estado ou à instituição de ensino, não é


o conhecimento verdadeiro, mas a sua utilidade. No contexto da mercantilização do saber,
questionar para que serve um saber é, de fato, o mesmo que perguntar se o saber é mercadoria
vendável; ―no contexto do aumento do poder‖ (LYOTARD, 1998, p.93-94), se este saber é
eficaz. Um dos efeitos dessa medida tem sido a produção de um sujeito útil, subsumido à
lógica da rentabilidade e da busca de melhor desempenho do sistema produtivo.

45
Desde 2004, integro a equipe de docentes da Escola Preparatória, instituição que oferece cursos preparatórios
para concursos públicos, sendo responsável pela disciplina de psicodiagnóstico.
46
O ano de 2012 foi inaugurado com o anúncio da abertura de concurso público para o TJRJ, oferecendo 30
vagas para psicólogos.
120

No que se refere às práticas de avaliação psicológica, em especial, para o Judiciário, a


utilidade muitas vezes está atrelada à tradução do discurso psicológico em termos inteligíveis
ao discurso jurídico. Na percepção de Shine (2009), por exemplo, a utilidade do laudo
psicológico é vista, muitas vezes, como a de ―pasteurizar o discurso familiar‖ para o julgador,
dispondo os ―conflitos e as demandas em termos ‗cientificamente‘ racionais e objetiváveis47‖
(SHINE, 2009, p.206).
A perspectiva utilitarista requer, portanto, que o profissional seja guiado por modelos
teóricos que anunciam o que profissional deve fazer, focando-o no exercício pleno da técnica
que, por sua vez, forja discursos/práticas competentes, cientificamente atestadas, alheia às
questões políticas, portanto neutras e verdadeiras.
Tais modelos, em meu entendimento, são dispositivos fabricados que implicam modos
dogmáticos de ver e experimentar o mundo. Essa visão dogmática transforma a prática
psicológica em profissão de fé, com zonas teóricas incontestáveis, cujo resultado é, ou a
exclusão sistemática dos eventos e declarações que a contesta ou que não possa explicar; ou
ainda, a distorção desses mesmos eventos para se ajustarem à fôrma teórica48. Quando se
transformam em enquadramentos fixos, em um modo bom, adequado, certo de ver o mundo,
os modelos dogmáticos impossibilitam o profissional pensar os acontecimentos enquanto
experiências singulares. Desta forma, tais modelos oferecidos para e consumidos pelos
psicólogos que querem se assentar em garantias, seja de conseguir atender as demandas do
trabalho, seja de oferecer explicações ou resultados verdadeiros e válidos, são, conforme a
explicação de alguns autores, processos redutores e moralizadores de classificação e ajuste
que produzem efeitos sobre os sujeitos em nome da saúde, da proteção, da garantia de
direitos, da felicidade, etc. (BICALHO, 2005; MACHADO, 1994; SANTOS; CAETANO,
2010; SOUTO; BARTALINI; MAGALHÃES, 2009).

[...] os psicólogos são formados/subjetivados de modo a compor as estratégias hegemônicas


de controle e subjetivação, submetendo a potência do corpo às estratégias de expropriação do
capital. Normalizados, encapsulados em um especialismo identitário, inseridos no mercado de
consumo de bens imateriais – bem-estar, autoconhecimento, autoestima –, os psicólogos
flexíveis serializam acolhendo as diferenças, classificam transtornos móveis, reabilitam a
subjetividade capitalística, tudo em nome da saúde (SANTOS; CAETANO, 2010, p.86-87).

47
Na tese de Shine (2009), não pude entender se o autor faz uma crítica ou se defende a concepção de utilidade
descrita.
48
Uma concepção que remete ao Mito de Procusto, mencionado anteriormente, quando, em nome de uma teoria
preferida, os fenômenos são ―esticados‖ ou ―cortados‖ para ―caber‖ na teoria e não lhe causar descrédito.
121

Decorre dessa condição que o enquadramento teórico e técnico-científico transforma-


se em um instrumento de poder do qual o psicólogo não abdica, ao mesmo tempo em que cria
nele a ilusão de desobrigá-lo a pensar o seu fazer para além da reprodução desses modelos
instituídos e naturalizados. Em outros termos, a especialização em determinando campo do
saber, a instrumentalização do profissional que (supostamente) o tornaria competente
tecnicamente para atender as demandas do mercado, todo esse processo parece liberá-lo de
fazer: (1) uma análise da própria prática e dos efeitos decorrentes desta; e (2) uma análise das
demandas que lhes são endereçadas.
Todavia, o tornar-se especialista é mais que uma ação interessada no conhecimento ou
uma preocupação com a formação técnico-científica: é uma forma ética e política de
intervenção no mundo, ―já que é a um sujeito que o psicólogo endereça a sua prática [e não a
um objeto!]‖ (GONDAR, 2004, p.32), a que se seguem ―efeitos esperados, pouco esperados
ou inesperados‖ de poder (FREIRE, 2007, p.106).
Reforçando essa concepção, Santos e Caetano (2010, p.93) enfatizam que:

Os ensinamentos, nessa perspectiva, não passam estreitamente pela aquisição de


competências/habilidades, mas pela conquista de certo ethos, uma atitude em relação a si a as
práticas nas quais se está inserido, que possibilita inventar novos modos de ser psicólogo,
novos mundos.

No entanto, para alguns psicólogos, basta que a técnica ou ferramenta técnico-


científica possa ser aplicada dentro de determinados padrões prescritivos ou que sua prática
esteja enquadrada em certos modelos para que acreditem estar agindo de forma boa, justa,
dentro dos limites da ciência, da ética e (por que não?), nos Direitos Humanos, como destaca
Reppold (2011).

[...], a Psicologia brasileira, como ciência e profissão [...], busca, sistematicamente, incorporar
à sua prática novos compromissos que atendam aos princípios éticos idealizados para a
profissão e ao respeito aos Direitos Humanos. (p.21) [...] Neste sentido, é primordial que o
ensino da avaliação psicológica, exercício restrito aos psicólogos, priorize, além de
competências técnicas, a vivência de situações práticas que envolvam dilemas relacionados à
ética, ao respeito à dignidade e aos Direitos Humanos, à preocupação com o bem-estar do
outro e à responsabilidade social (Noronha; Reppold, 2010). [...] Com isso, o SATEPSI eleva
a qualidade dos instrumentos de avaliação psicológica utilizados pelos profissionais da área e
prima pela atenção aos Direitos Humanos, uma vez que baseia os critérios de avaliação da
qualidade dos testes em estudos que comprovem seus fundamentos científicos (isto é, que
sejam baseados em evidências empíricas e normas atualizadas). A manutenção deste sistema
é, sem dúvida, um incremento à qualificação da área, pois a administração de instrumentos
antes não regulamentados pelo SATEPSI poderia ferir os direitos das pessoas avaliadas, caso
estes fossem utilizados para uma finalidade não própria (p.24-25). [...] À luz dessa discussão,
pode-se concluir que a prática de avaliação psicológica, quando realizada de forma
responsável e coerente com o contexto social do indivíduo e quando substanciada com
instrumentos validados e normatizados para a população da qual o indivíduo faz parte, busca
garantir atenção aos Direitos Humanos (REPPOLD, 2011, p.27).
122

Para José Novaes, conselheiro-presidente do CRP-RJ na Gestão 2007-2010, a crença


na técnica como condição suficiente para que haja respeito à ética e aos Direitos Humanos é
um equívoco do qual buscou desfazer durante o I Fórum de Ética do CRP-RJ que transcorreu
no ano de 2008: ―o psicólogo deve considerar os aspectos éticos e sociais em que a situação
está inserida‖ (CRP-RJ, 2008, s/p). Acrescentou que é porque boa parte das avaliações
psicológicas – principalmente as que utilizam testes psicológicos –, ser feita com tecnicismo,
que muitos psicólogos encontram-se ―em má situação‖ (CRP-RJ, 2008, s/p), referindo ao fato
de estarem respondendo a Processos Disciplinares por possível infração ao Código de Ética.
O mesmo autor destacou, por ocasião das discussões no Ano Temático da Avaliação
Psicológica, que os critérios éticos e de defesa dos Direitos Humanos não devem ser nivelados
aos aspectos técnicos, ou postos para além deles, pois estes aspectos não são decorrentes da
técnica e de seu manejo, mas anteriores a qualquer referência a esta.
Em suas palavras:

Não se trata de uma justaposição, em que os diversos critérios sejam considerados


isoladamente; os aspectos éticos e de Direitos Humanos devem ser centrais no processo da
avaliação psicológica, e devem subordinar todos os outros utilizados, inclusive – e
principalmente – os técnicos. Enfatiza-se tal assertiva, pois ela apresenta uma situação que, ao
longo deste ano temático, será motivo de discussão: os aspectos técnicos da avaliação
psicológica, especialmente os requisitos psicométricos necessários dos instrumentos de
avaliação psicológica: sua validade, precisão, padronização – que têm dominado, e mesmo
absolutizado, em certos contextos, o processo de avaliação psicológica (NOVAES, 2011,
p.37).

A postura pseudo-técnica-científica, porque pressupõe uma questão de eficiência, de


performance, o fazer melhor, pode colaborar para legitimar uma posição de natureza moral e
desmembrada da ética. Enquanto lugar que impera a lógica da performance, não há
possibilidade para a autonomia profissional, para liberdade, para independência de
pensamento, para a criação, tampouco para a oposição, para rupturas, porquanto não há lugar
para o homem da ética; apenas para a obediência, visando ao funcionamento dos aparelhos
prescritivos. Logo, o profissional, ao se tornar um agente de reprodução de modelos teóricos e
técnicos, pode se submeter a um processo de alienação, ou seja, de perda de sua racionalidade
crítica. Com isso, permite que entre em funcionamento um padrão de pensamento e
comportamento unidimensionais, no qual as ideias, as aspirações e os objetivos são
redefinidos pela racionalidade do sistema, eliminando qualquer axioma que se lhe oponha.
Em outras palavras, os psicólogos, por meio de uma postura dogmática, quase clerical, fixam-
se em um saber especializado em determinado campo de aplicação, obstaculizando a
123

mudança, o exercício do pensamento e do desenvolvimento de novas formas de fazer


Psicologia, em nome da operacionalização, da utilidade, dos resultados.
De acordo com Coimbra e Nascimento (2007), a demanda por respostas rápidas e
tecnicamente competentes tem afirmado uma “produção de urgências” (COIMBRA;
NASCIMENTO, 2007, p.28) generalizada que atende a lógica capitalista neoliberal, onde o
tempo se comprime e acelera, e o modo de ser se naturaliza.

A urgência invadiu nossas vidas e nos são exigidas ações imediatas e instantâneas. Esse
“reinado do tempo curto” tem seus efeitos. Produz-se um novo tipo de sujeito, flexível,
apressado, colado às exigências do instante, no qual o culto à velocidade liga-se à
performance, à rentabilidade, à competência (COIMBRA; NASCIMENTO, 2007, p.32).

Com efeito, o profissional que pretende atuar em um mercado de trabalho neoliberal


que se mostra flexível, acelerado, fugaz, mutante e “agorista” (BAUMAN, 2011, p.177), por
isso, limitado e incerto, pautado na urgência do momento, do que está em evidência, na moda,
deixa-se, desta forma, capturar pelas demandas que lhes são endereçadas, sem interrogar a
multiplicidade de vetores (interesses, jogos de poder, efeitos) que as produzem ou as
atravessam, portanto, sem fazer uma análise do que está sendo pedido.
Somente transcendendo a dimensão técnica, do como-fazer, que o profissional torna-se
capaz de questionar sobre o que faz, com que finalidade e para quem dirige a sua prática,
incluindo as relações de saber-poder que ele próprio estabelece no lugar que ocupa. Assim,
interrogando-se sobre o para-que-fazer, o psicólogo conseguirá realizar uma análise crítica de
sua prática e das implicações decorrentes dessa, não só estando atento ao que produz, mas
como esta lhe afeta e constitui (COIMBRA, 2003; COIMBRA; NASCIMENTO, 2007).
Gondar (2004) enfatiza que o lugar do psicólogo é fundamentalmente ético e não
técnico, de modo que ele deve se posicionar frente às demandas, questionando suas ações para
que não transforme o exercício de sua profissão em uma prática opressiva, adestradora ou de
normalização.
Entretanto, se a formação universitária e, ainda mais, a formação continuada –
enquanto maquinarias ou conjunto de prescrições que afirmam práticas e discursos que visam
enformar ou colocar em uma fôrma – não estimulam o pensamento divergente, a
inventividade, a criticidade, a potencialidade, como adquirir novas formas de subjetividade?
Como transformar alunos em “indivíduos intelectual e humanamente [...], capazes de aceitar
desafios, construir e reconstruir teorias, discutir hipóteses, confrontá-las com o real‖
(MORAES, 1997, p.20)?
124

É tratar a formação enquanto deformação, tendo em vista que muitos alunos chegam
às universidades e aos cursos de pós-graduação já formados, ou seja, fechados em seus
valores, crenças, em seus objetivos e certezas. O desafio de deformar é o de criar brechas na
fôrma do pensamento e de perfurar blindagens, criando novas e constantes alternativas
(ALBUQUERQUE JR., 2010; HENZ, 2009).

Por isso venho aqui propor que precisamos de um professor que deforme e não que forme, um
professor que ponha em questão, primeiro em sua própria vida, em sua práticas e discursos os
códigos sociais em que foi formado. Professor que pense o ensinar como uma atividade de
auto-transformação, como uma atividade diária de mutação do que considera ser sua
subjetividade, sua identidade, seu Eu. O ensinar como a abertura para se deixar afetar pelas
forças e matérias sociais que o convocam a se elaborar permanentemente, a escreverem a si
mesmo, a cuidarem de si mesmo, numa atividade ética que pressupõe abrir-se para o outro,
para o diferente, para o estranho, para o estrangeiro, para o não-sabido, o não-pensado, o não-
valorado. Ensinar não como uma atividade centrada na transmissão de verdades, do que é a
certeza, o aceito, o já pensado, o consensual, o que se dá como inquestionável. Ensinar como
o ato de se abrir para questionar as certezas, as verdades, o aceito, o consenso, o que não se
questiona. Ensinar pensado não como uma atividade que supõe uma hierarquia, uma
desigualdade de saber entre professor e aluno, mas como uma atividade relacional, em que
alunos e professor têm o que aprender um com o outro. [...] O ensino que deforma é aquele
que investe na desmontagem dos sujeitos, dos modelos de subjetividades. [...] É aquele que
questiona, descontinua os valores que formam a sociedade circundante. [...] O ensino que
desvaloriza os valores, que tenta pensá-los como produtos de dados interesses, que estes têm
uma história. Um ensino que desarruma o arrumado, que gera a indisciplina no pensar e no
agir (ALBUQUERQUE JR., 2010, s/p).

Nesta mesma linha, outros autores também afirmam ser necessário intervir na
formação para que o psicólogo possa criar estratégias, linhas de fuga, enfim, possa utilizar o
enquadramento teórico e técnico como ferramenta a ser empregada para gerar rupturas nos
modos instituídos de pensar, de agir, de sentir, enfim, de viver (ALVARENGA FILHO, 2010;
BICALHO, 2005; RODRIGUES, 2000).
Esta postura crítica, reflexiva, criativa, e principalmente, ético-política a ser exercida
já durante a formação, é requerida ao profissional no acolhimento às demandas a ele
endereçadas, conforme explicitada na Resolução CFP Nº 007/2003 que institui o Manual de
Elaboração de Documentos Escritos. Neste documento, o CFP orienta que o profissional
promova uma avaliação da demanda:

Sempre que o trabalho exigir, sugere-se uma intervenção sobre a própria demanda e a
construção de um projeto de trabalho que aponte para a reformulação dos condicionantes que
provoquem o sofrimento psíquico, a violação dos Direitos Humanos e a manutenção de
estruturas de poder que sustentam condições de dominação e segregação [...]. Desta forma, a
demanda, tal como é formulada, deve ser compreendida como efeito de uma situação de
grande complexidade (RESOLUÇÃO CFP nº 007/2003).
125

Deste modo, colocar a prática em análise é, portanto, um dever ético que requer muita
coragem e resistência (!); já que todo psicólogo está implicado, de alguma maneira, em sua
práxis.
No entanto, consegue o psicólogo vislumbrar o papel ético-político que exerce na
atuação profissional? Centrando-se na discussão técnico-científica, não estaria o psicólogo
isentando-se de pensar a demanda e os efeitos de suas práticas/discursos e, com isso,
neutralizando a dimensão ético-política de suas ações? Estas são algumas das questões que
Coimbra, Ayres e Nascimento (2009) levantaram e que recupero, de modo adaptado, na
intenção de refletir como certos psicólogos, a partir da valorização do saber especializado,
têm se comportado diante do convite para romper com a racionalidade que biologiza, que
interioriza e individualiza as questões humanas, a subjetividade, enfim, para romper com as
velhas ideias (que vigoravam nos séculos XIX e XX) e que persistem nos dias de hoje nas
respostas às demandas que lhes chegam.
Na percepção de Souto, Bartalini e Magalhães (2009), quando é oferecida aos
psicólogos uma visão crítica que os convida a escapar de um enquadramento que desconsidera
a criatividade, muitos tendem a evadir dos cursos de graduação, o mesmo ocorrendo com
cursos de formação continuada. Uma das razões para essa evasão está na opção feita por estes
alunos/profissionais por uma formação técnica e especializada que os transformem em
especialistas capazes de aplicar determinados modelos técnico-científicos que correspondam
às demandas circulantes no mercado de trabalho conforme elas são estabelecidas.
Muitos, inclusive, acreditam no poder das técnicas, das teorias, enfim, acreditam que
estas ferramentas que dão aporte às práticas psicológicas são capazes de explicar e emitir
respostas, soluções para os problemas (que originaram as demandas) de modo eficiente e
preciso. Assim, quando o profissional, a partir do emprego dessas ferramentas, produz o efeito
desejado, ou seja, oferece uma solução satisfatória ao problema lhe apresentado, o processo se
retroalimenta, e novas demandas passarão a ser atendidas com o uso desses mesmos
instrumentos. São, portanto, práticas que ―se legitimam enquanto se repetem‖ (GUIRADO,
1986, p.39) e, enquanto se repetem, criam hábitos, convenções ou modelos dogmáticos que
cristalizam o pensamento e tornam mecânicas as ações, sem que haja lugar para a
inventividade, ou mesmo, para adaptação às circunstâncias novas e singulares.
Como explicam Perez, Meza, Rossotti e Bicalho (2010), toda vez que o psicólogo
aceita uma demanda, está também a produzindo. As repetições indicam o declínio do
pensamento pela fixação em modelos instituídos, e toda atividade pensante que for requerida
126

se resumirá em atividades meramente classificatórias ou de reprodução dos modelos


instituídos.
Eis o sujeito contemporâneo: um sujeito acrítico, como nos diz Dufour (2005) ou sem
a qualidade do diálogo consigo mesmo, conforme define Arendt (2004) a capacidade de julgar
racionalmente. Sem essa capacidade de pensar, Baptista (2000) declara que as técnicas ficam
sem teorias, vagando com destino vicioso e hipnótico. Sobreposta a técnica sobre a
humanidade, os psicólogos perdem a aventura de pensar e com ela, os sentidos, tornando-se
surdos para as diferentes histórias e insensíveis para outros afetos, ambos classificados como
ruídos a poluir o trabalho de esculpir um resultado conforme encomendado. Para Baptista
(2000, p. 31), a formação do psicólogo pode ser equiparada a uma aula de escultura:

Com o rosto tenso e brilho no olhar, a estagiária me diz que a supervisão de psicoterapia lhe
parecia uma aula de escultura. No final do estágio, sentiu o corpo modelado em gesso, imóvel,
tendo os mesmos gestos, cor e estatura de seu supervisor. O sangue transformou-se em pedra.
Os pedaços foram lapidados em cada encontro, quando aprendia, quando aprendia a
interpretar, compreender e respeitar o paciente. Vivia uma intensa aula de humanismo
plástico. As intervenções que lhe pareciam sair do território clínico eram jogadas fora como
excesso de massa. Na sala de supervisão, só a Psicologia podia entrar. Outros convidados
eram barrados naquele recinto acadêmico. Suas dúvidas eram transformadas em
desagradáveis poeiras de ateliê (BAPTISTA, 2000, p.23).

Fazendo uma leitura desse movimento, muitos psicólogos podem entender o aumento
da demanda dirigida à categoria, e a eles próprios, como um sinal de prosperidade profissional
e financeira, ou seja, de um reconhecimento e valorização da profissão. No entanto, quais
critérios podem ser empregados para determinar a excelência do exercício profissional? Será
o mercado, representado pelos juízes, advogados, diretores de escolas, professores, médicos,
pais, etc., satisfeitos com os serviços prestados? Será a aplicação de técnicas conforme
prescrevem os manuais? Será pensar e falar em uníssono ou monocordicamente com autores
de livros ou professores?
Que ninguém se iluda, a prática psicológica, bem como o próprio psicólogo, no
capitalismo neoliberal, ficaram reduzidos à condição de mercadoria e o Mercado é seu grande
regulador, o “novo mecenas” (CHAUÍ, 2001, p.167). Em decorrência da transformação do
saber em mercadoria, o mercado passou a financiar serviços em vista dos resultados que
deseja obter para manutenção do sistema. A prática psicológica, nesse viés, torna-se
especializada para atender aos mais diversos e particulares serviços encomendados aos
psicólogos, cujos objetivos, prazos e finalidades são definidos pelo próprio mecenas e não
mais pelos profissionais.
127

Esse acontecimento tem um efeito de reforçar, ainda mais, no profissional, uma visão
dogmática e tecnicista, arraigada aos critérios neutro-positivistas que sustentam a postura e
exercício dos especialistas. Ademais, parece retirar de cena a consciência ética e política, que
implica em uma atuação com responsabilidade social voltada à valorização da subjetividade,
criatividade e singularidade, para, em seu lugar, apreciar os aspectos de ordem econômico-
financeira.
Nesse sentido, promover uma análise das práticas e da demanda mercadológica, no
sentido de contrapor a expectativa que se guarda da prática do profissional em corresponder
ao interesse do solicitante e o que efetivamente o psicólogo pode fazer, é entrar em
contradição com o capitalismo contemporâneo, de modo que não está na ordem do dia
questioná-las (COIMBRA, 2004a; SARAIVA, 2006).
Contudo,

Se há forças antagônicas, eu tenho que estar consciente daquilo que [...] [se] espera do meu
trabalho, exatamente para que eu possa intervir nisso, para que eu possa atuar numa
perspectiva de intervenção. Ou seja, aceitando essa demanda ou não aceitando essa demanda;
aceitando essa demanda ou questionando essa demanda. Ou transformando essa demanda.
Então, de tudo o que estou falando, eu só posso entender que a minha prática necessariamente
está norteada por uma reflexão muito mais do que puramente técnica ou clínica; para além,
tem um componente político muito forte. Ético e ético-político, no sentido da compreensão e
de poder refletir a respeito desse jogo de forças e daquilo que está sendo esperado de mim
como profissional (SARAIVA, 2006, s/p).

Assim, é da responsabilidade do profissional, em todas as circunstâncias em que for


solicitada sua atuação, proceder a uma escuta crítica dessa demanda, a fim de saber o que
apresentar, naquele momento, ao mecenas que tudo solicita conforme seus interesses. É retirar
das mãos do demandante dos serviços psicológicos e colocar nas mãos do psicólogo o
controle do exercício profissional, enquanto conhecedor de sua profissão e dos princípios que
a regulam. Sendo assim, o psicólogo deve ser capaz de criar um campo de indagações sobre
as forças que atravessam e constituem a produção de demandas, capaz de interpretar,
reformular, ressignificar para que novas formas de intervenção possam ser pensadas e
propostas (CFP, 2011). É neste ponto “onde se coloca o desafio de não responder a demanda
nos termos como é formulada, mas em subvertê-la, redefini-la, dizer NÃO, ali onde o pedido
supera as nossas possibilidades”, afirma Barros (2002, p. 26; 2011).
Logo, os limites da atuação profissional não devem ser definidos a priori, ditados pela
urgência do mercado. Tampouco devem se justificar no próprio fazer, no agir sobre o outro, o
que muitas vezes leva a uma postura acrítica e desvinculada dos compromissos ético-político
128

e social. Conforme orienta Arantes (2005), os psicólogos devem refletir ―sobre o papel
estratégico que desempenham nestes processos de objetivação/subjetivação, a
problematizarem as demandas que lhes são feitas e a colocarem em análise a sua condição de
especialista‖ (ARANTES, 2005, p.28).
Este cenário, que remete à formação eminentemente técnica do psicólogo brasileiro,
voltada à satisfação dos mecenas, não pode ser classificada como formação, mas como
―pseudoformação‖ (PATTO, 2010, p. 84). Voltada ao favorecimento de privilégios outros que
não o compromisso social, esta formação vem, já de algum tempo, e por este motivo,
suscitando questionamentos e inquietações tanto pela sociedade quanto pelos próprios
psicólogos.
Será que realmente a sociedade precisa e/ou quer psicólogos técnicos e especializados,
simultaneamente qualificados e limitados? Será que o psicólogo precisa se tornar um
―profissional a serviço da demanda‖ (SOUSA, 2010, p.193)?
Nestes termos, a Psicologia precisa reconhecer a necessidade de revisar seu lugar
enquanto uma ciência que tem por objeto de ocupação o Homem, para não ser conduzida por
uma lógica de mercado extremamente frágil e volátil. Lógica esta que exige soluções
imediatistas e definitivas e que, por este motivo, (re)cria ou reforça uma Psicologia da
exclusividade da técnica, do diagnóstico, do objetivo, do quantitativo, na busca por
identificar, classificar para extrair a verdade. Enfim, uma velha Psicologia que vem se
mantendo atual por força de interesses pela avaliação psicológica utilitarista, especialmente
no campo jurídico, seja na verificação da periculosidade, da sanidade, seja em assuntos
ligados ao direito de família e à proteção infanto-juvenil, por exemplo (BARROS-BRISSET,
2011).
Por sua vez, a superação de modelos arcaicos para implementar outros considerados
novos e revolucionários pode levar à armadilha que captura aqueles fascinados com os
modismos e práticas movidas por equipamentos indefensáveis, descompromissadas com as
questões ético-políticas e sociais, como os atuais recursos tecnológicos de extração ou
revelação da verdade, por meio da palavra da criança, nos casos de denúncia de abuso sexual.
Com vistas a atender às demandas do âmbito judicial, práticas psicológicas
contemporâneas criaram modelos de atendimento a crianças consideradas vítimas de abuso
sexual que pouco destoam do controle exercido pelas biopolíticas do século XIX.
129

Dispositivos como a Entrevista de Revelação e o Depoimento sem Dano (DSD)49


foram criados para que a criança pudesse falar de sexo de forma gerenciada e adequada para
que os psicólogos pudessem, em contrapartida, ―escutar, registrar, transcrever e redistribuir o
que dele se diz‖ (FOUCAULT, 2001a, p.35).
Tais dispositivos biopolíticos de revelação ou extorsão de testemunho, a meu ver,
podem ser equiparados ao discurso da confissão, compreendida, atualmente, como uma forma
de expressão peculiar por se apresentar como um recurso ou estratégia, ou ainda, uma técnica
de escuta empregada em consultas e tratamentos psicológicos que se reveste ou traduz em
sinônimo de ajuda.

Entendemos que a fala inicial de ajudar as pessoas advém, em geral, como desdobramento de
uma concepção de Psicologia reduzida à esfera da clínica e a uma máxima de que o psicólogo
serve para resolver problemas. Entre um discurso humanista bem-intencionado e pouco
argumentativo de que se deve fazer o bem ao próximo – herança de uma tradição cristã –, e o
entendimento do psicólogo como sujeito autorizado a cuidar das mentes humanas – herança
positivista –, constrói-se o discurso da ajuda (MALITO; AGUIAR, 2010, p.42).

Dessa forma, para que o paciente, a família, a criança, etc., possam receber algum tipo
de cuidado, atenção especial, conselhos ou privilégios, precisam confessar para os psicólogos
suas emoções, seus pensamentos, seus delitos e traumas, sujeitando-se.

Essa obrigação à confissão, por estar tão profundamente incorporada à lógica que fundamenta
a entrevista de revelação, não permite que a percebamos como efeito de um poder repressor.
A entrevista de revelação, portanto, nada mais seria que um dos procedimentos pelo qual essa
vontade de saber relativa à ocorrência de abuso sexual faz funcionar o ritual de confissão, sob
a égide de uma pretensa regularidade científica (AMENDOLA, 2009a, p.90).

Porém, não interessa ao psicólogo qualquer revelação, mas aquela que possa produzir
uma verdade sobre o sexo, que passa a ser objetivado juntamente com a própria criança, por
meio de um discurso racional, técnico-científico, que a coloca como protagonista da revelação
do abuso sexual que teria sofrido, ou seja, em que foi testemunha.
Foucault (2001a) explica que, na Idade Média, houve uma explosão do discurso sobre
o sexo, quando tudo a este respeito deveria ser dito, confessado nos mais íntimos detalhes. Já
na Idade Moderna, operava-se ―uma espécie de ortopedia discursiva‖ (FOUCAULT, 2001a,
p.31). O falar de sexo não era apenas por meio de um discurso moral, mas também racional-

49
Para saber mais sobre Depoimento sem Dano indico a leitura do Projeto de Lei (PL nº 4.126/2004 e PLC
35/2007), bem como da publicação ―Falando sério sobre a escuta de crianças e adolescentes envolvidos em
situação de violência e a rede de proteção‖ pelo CFP (2009), além do livro recém-lançado pela EdUERJ,
organizado por Leila Maria T. Brito (2012), intitulado Escuta de crianças e de adolescentes: reflexões, sentidos
e práticas.
130

pedagógico-analítico: não caberia mais o julgamento e a condenação, apenas sua gerência. No


século XVIII, o sexo se constituiu uma questão de polícia. Havia, portanto, uma ―polícia do
sexo‖ (ibidem, p.28), cuja função era regular o sexo e não proibi-lo. Para isso, a conduta
sexual passou a ser objeto de análise e intervenção por médicos, educadores, que cuidavam de
fazer, por meio de suas práticas higienistas, recomendações, entendendo ser possível
apresentar às crianças um discurso que fosse ―razoável, limitado, canônico e verdadeiro sobre
o sexo‖ (ibidem, p.31).
Colocada sob vigilância e controle disciplinar, a sexualidade da criança passou a ser
valorizada enquanto espaço de afeto e cuidado pela família que, em contrapartida, passou a
ser alvo de regulação enquanto portadora potencial do perigo do incesto (FOUCAULT, 2000).
Assim, ao lado da Medicina e das instituições pedagógicas, a sexualidade tornou-se
foco de ocupação da justiça penal.

[...] que por muito tempo se ocupou da sexualidade, sobretudo sob a forma de crimes
―crapulosos‖ e antinaturais, mas que na metade do século XIX se abriu à jurisdição miúda dos
pequenos atentados, dos ultrajes de pouca monta, das perversões sem importância, enfim,
todos esses controles sociais que se desenvolveram no final do século passado e filtram a
sexualidade dos casais, dos pais e dos filhos, dos adolescentes perigosos e em perigo –
tratando de proteger, separar e prevenir, assinalando perigos em toda parte, despertando as
atenções, solicitando diagnósticos, acumulando relatórios, organizando terapêuticas; em torno
do sexo eles irradiaram os discursos, intensificando a consciência de um perigo incessante que
constitui, por sua vez, a incitação a se falar dele (FOUCAULT, 2001a, p.32-33).

Nesta mesma linha de argumentação, Senne (2005, p.174) afirma que as técnicas de
confissão passaram a ser reconhecidas como atividades científicas, ―dando impressão de que
são verdadeiras quando são apenas eficazes‖. Em sua função de medir, controlar e tornar os
indivíduos dóceis e úteis, a Psicologia preparou-os para ―exercícios da obediência, da
confissão‖ (ibidem, p.173). Tal confissão anuncia as relações de poder, onde há um que
confessa, enquanto há outro que, ao ouvir, julga, condena e redime. Acima de tudo, o ritual da
confissão quer a verdade. O psicólogo quer, pela palavra da criança, a verdade sobre o sexo,
pois desta não se requer a contextualização, tampouco a fundamentação dos fatos, apenas uma
metodologia de extração que atribuirá a ela valor científico e alienará o psicológico da
responsabilidade ética pela produção discursiva.
Neste caso, o alerta de Freire revela-se bastante pertinente. Para o autor, a capacitação
em torno de saberes instrumentais não pode prescindir de uma formação ética: ―a radicalidade
desta exigência é tal que não deveríamos necessitar sequer de insistir na formação ética do ser
131

ao falar de sua preparação técnica e científica‖ (FREIRE, 2007, p.56). Esta – a formação ética
–, antecede qualquer formação profissional.
Desta forma, entendo ser dever ético interrogar, antes de tudo, que demandas são
endereçadas aos profissionais de Psicologia e, decorrente destas, que práticas estão sendo
produzidas em respostas a tais demandas, já que ―os grandes temas precisam ser vistos e
tratados de maneira nova‖ (BAUMAN, 2003, p.8), porém, não menos crítica e implicada com
as questões éticas e sociais.

1.5 Avaliação psicológica em foco: noções, ações, implicações

Sonhei que estava em uma fazenda, conversando com os animais. [...]


E conversavam entre si, falando sobre mim. Eu apenas ouvia. Eles me olhavam e comentavam coisas
estranhíssimas. Eu apenas observava, porque tinha a nítida impressão de que eles não percebiam que eu
entendia sua linguagem. Falavam de mim como se qualquer coisa que eu fizesse fosse um absurdo. Comentavam
da minha insatisfação, das angústias, dos ferimentos de minha alma.
[...] Falavam a meu respeito como se me conhecessem melhor do que eu. [...]
Era como se estivessem participando de uma pesquisa minuciosa a meu respeito. E os comentários não eram
muito elogiosos. Acusavam-me de inconstante, volúvel, preocupado demais com a aparência, com o que as
pessoas pensam de mim. “Coitado” era uma palavra diversas vezes proferida. Eu não tinha reação alguma.
Entendia a linguagem deles, mas não dizia nada.
[...] Eu tinha a certeza de que estavam errados a meu respeito.
Chalita (2011, p.19-20; p.25-26)

1.5.1 Noções

De acordo com Cronbach (1996), é preciso que o profissional parta de uma definição
de avaliação psicológica para nortear seu trabalho na produção de um diagnóstico com vista a
uma intervenção. Esse cuidado, segundo o autor, evitaria, de pronto, que o psicólogo se
pautasse em concepções equivocadas, comprometendo seu trabalho. Nesta fala, porém, o
autor já produziu um sentido para avaliação psicológica: um trabalho que visa à produção de
um diagnóstico para fins de intervenção. Talvez o autor quisesse chamar a atenção do
profissional para uma definição que desse um norte ao seu trabalho, um como fazer, portanto
uma definição direcionada aos aspectos técnicos da avaliação, não interrogando, de fato, o
que é avaliar e para que avaliar, definindo os pressupostos político-filosóficos (CARRARA;
RAPHAEL, 2002).
132

Afinal, o que vem a ser avaliação? O que é fazer uma avaliação psicológica? Machado
(2011), após pesquisar a definição da palavra ―avaliar‖ no dicionário Houaiss, trouxe algumas
sugestões, dentre elas, pensar a expressão avaliar enquanto ―estabelecer a valia‖ ou o valor de
algo, ―apreciar o mérito‖ ou, ainda, ―ter ideia de‖ (MACHADO, 2011, p.71). Mediante esses
conceitos, a autora indagou sobre o que ou a quem o psicólogo atribui valores, ou aprecia o
mérito, senão sobre os aspectos ou fenômenos psicológicos de uma pessoa. O que levaria a
outra indagação: o que seriam esses fenômenos?
Quanto a este ponto, Hoff (1999, p.21) explica que não há uma conceituação direta
para o que seja fenômeno psicológico, mas sugestões implícitas, por exemplo, nas Diretrizes
Curriculares nacionais para os cursos de graduação em Psicologia. Questiona, porém se é
possível considerar a natureza e a especificidade do fenômeno psicológico, subentendendo-o a
uma concepção única? A autora também indaga se o fenômeno psicológico existe per si ou se
interage com fenômenos biológicos, sociais e culturais. Para a autora, não há uma só resposta
possível a estas questões, dada a diversidade teórico-conceitual que caracteriza a Psicologia.
Esse fator causa um problema para que o psicólogo possa compreender as também diversas
definições propostas para avaliação psicológica.
Parafraseando Bicalho (2011), a avaliação psicológica será o que for feita dela por
aqueles que dela se apoderam, ou seja, pela ―força e presença de uma certa perspectiva
epistemológica‖ (BICALHO, 2005; 2011, p.89). Logo, não faz sentido falar em avaliação
psicológica sem antes colocar em evidência os pressupostos epistemológicos adotados pelo
avaliador, portanto, a visão de ciência, as teorias e as concepções de Homem as quais o
profissional defende. Se a avaliação psicológica estiver condizente com esses pressupostos,
facilmente o aluno de Psicologia, como o próprio profissional, poderá perceber que não há um
conceito específico, tampouco um consenso entre os psicólogos sobre o que seja e como deve
operar uma avaliação psicológica.
Historicamente, conforme discutido, o território da avaliação psicológica, instituído
por um sistema de postulados estrangeiros de marcada tradição filosófica positivista,
concentrou-se na testagem dos indivíduos, a partir do emprego de instrumentos de medida do
comportamento, cujos resultados eram postos a serviço da sociedade capitalista na
normatização dos indivíduos. A Psicologia, aliada a esse processo disciplinar e apoiada na
ilusão criada de que teria poderes para ―decifrar o mundo psíquico‖ (BARROS, 2009, p.172),
utilizou-se da mensuração de fenômenos de cunho psicológico para fins de diagnóstico e
prescrição de tratamento clínico especializado aos considerados portadores de desvio. A
133

avaliação psicológica, nestes termos, era tratada como equivalente à testagem, cujo resultado
dos testes era a própria avaliação, de tal modo que até hoje esta é socialmente conhecida pelos
instrumentos de mensuração e investigação de traços psíquicos.

A Avaliação Psicológica realizada por meio de testes é a atividade do psicólogo mais


conhecida pela população. Pode-se afirmar que quase todos os sujeitos adultos, especialmente
das regiões urbanas, tiveram a experiência de responder a Testes Psicológicos para diversos
propósitos. Para a maioria dessas pessoas, essa atividade se constitui na única referência da
profissão. Esse fato, por si só, reveste os testes de importância significativa, considerando que
os méritos e deméritos dessa atividade afetam, na mesma direção, a imagem da profissão
junto a essa mesma população (TOURINHO e SILVA; MACEDO; MORETZSOHN;
VASCONCELOS; SOUSA, 2004, p.9).

Alguns autores, todavia, vêm buscando desfazer, nos últimos vinte anos, essa
associação entre medir e avaliar. Argumentam que essa ligação adviria do uso indiscriminado
que os psicólogos fizeram dos testes desde os idos dos anos de 1960/1970 em razão do
desconhecimento destes profissionais sobre o modo de realizar uma avaliação psicológica
(ANACHE, 2011; MACHADO, 1996; MALUF, 1994; NORONHA, 2002; NORONHA et.
ali, 2002, PASQUALI, 2001; PRIMI, 2010; PRIMI, NASCIMENTO; SOUZA, 2004;
REPPOLD, 2011; SILVA, 2004; URBINA, 2007; WERLANG; VILLEMOR-AMARAL;
NASCIMENTO, 2010).
Mais precisamente, na opinião de Silva (2004, p.25), avaliar não é o mesmo que testar,
embora esta atividade apresente uma ligação com a aplicação de instrumentos de medida. A
razão, na opinião do autor, para essa confusão seria a formação acadêmica dos profissionais
que irão utilizar as técnicas de avaliação. Por esse motivo, profissionais estariam aplicando e
corrigindo testes psicológicos sem saber por que aplicam determinados instrumentos, para que
servem e o que fazer com os resultados dos testes. ―Sabem usar testes ou instrumentos para
medir, mas não sabem avaliar‖, favorecendo o surgimento das críticas em relação à avaliação
psicológica (SILVA, 2004, p.25-26).
Medir, conforme explicam Pasquali (2001) e Silva (2004), significa descrever um
processo, atribuindo magnitudes, números ou valores, por intermédio de sistema numérico
(estatística) que estabelece uma comparação entre a propriedade de um objeto a ser medida e
uma regra preestabelecida, que poderá ser verificada empiricamente. Medir, portanto, é uma
atividade da avaliação psicológica por meio da qual o psicólogo obtém dados quantitativos
que podem ser usados na avaliação de fenômenos e processos psicológicos.
A testagem psicológica, na definição de alguns autores, constituiu uma etapa do
processo de avaliação psicológica, que insere o sujeito em uma situação artificializada ou
134

sistematizada na qual ele deve executar algumas tarefas, previamente definidas, de tal modo
que suas respostas poderão ser observadas, descritas e julgadas (valoradas), enfim,
classificadas, em regra, por meio de números. Assim, os testes psicológicos são os
instrumentos empregados pelos psicólogos para obterem uma medida objetiva e padronizada
de uma amostra do comportamento, portanto limitados ou de alcance reduzido (ANACHE;
REPPOLD, 2010; ANASTASI, 1977; CRONBACH, 1996; HOGAN, 2006; LIEBESNY,
PROENÇA; SOUZA; SENNE, 2005; LÖHR, 2011; MAIA; FONSECA, 2002; NORONHA
et. ali, 2001; NORONHA, 2002, 2009; PASQUALI, 2001; PRIMI, 2010; PRIMI,
NASCIMENTO; SOUZA, 2004; SILVA, 2004; URBINA, 2007).

Ao se tratar do termo amplo, avaliação psicológica, deve-se, em primeiro lugar, distingui-lo


dos instrumentos de avaliação. A avaliação psicológica é uma atividade mais complexa e
constitui-se na busca sistemática de conhecimento a respeito do funcionamento psicológico
das pessoas, de tal forma a poder orientar ações e decisões futuras. Esse conhecimento é
sempre gerado em situações que envolvem questões e problemas específicos. Já os
instrumentos de avaliação constituem-se em procedimentos sistemáticos de coleta de
informações úteis e confiáveis que possam servir de base ao processo mais amplo e complexo
da avaliação psicológica. Portanto, os instrumentos estão contidos no processo mais amplo da
avaliação psicológica (PRIMI, 2010, p.26).

Nas circunstâncias em que o profissional aplica um único teste, Piovezan (2011)


salienta que este não estaria fazendo uma avaliação psicológica, mas uma testagem. Guzzo e
Pasquali (2001) explicam que um único instrumento utilizado na avaliação não é suficiente
para responder às questões referentes ao problema que se pretende analisar e defendem que,
os testes têm a função de ser uma fonte possível de informação, mas não a única. Nesse
sentido, para ser considerada uma avaliação psicológica, o processo não deve se restringir a
esta prática ou ao resultado de um teste.
Assim, na visão que alguns autores (ALVES, 2005a; ANACHE, 2011; MAIA, 2002;
NORONHA, 2002; NORONHA et. ali, 2002; NORONHA; REPPOLD, 2010; PASQUALI,
2001; PAULA, PEREIRA; NASCIMENTO, 2007; PRIMI, 2011; REPPOLD, 2011; SILVA,
2004), a avaliação psicológica deve ser pensada enquanto um processo que integra técnicas
adequadas para que o psicólogo possa chegar a um julgamento, e ―este julgamento ocorre por
intermédio de comportamentos como ‗perceber‘, ‗categorizar‘, ‗comparar‘, ‗relacionar‘‖
(SILVA, 2004, p.8).
Essa associação entre avaliar e testar está contida, nem sempre de forma evidente, nos
135

múltiplos conceitos propalados na literatura consultada50, dentre esta, as Resoluções e outros


dispositivos instituídos pelo Conselho Federal de Psicologia (ALCHIERI; BANDEIRA, 2002;
ANASTASI, 1977; ARAÚJO, 2007; ARZENO, 2003; CAPITÃO; SCORTEGAGNA;
BAPTISTA, 2005; CFP, 2010; CRONBACH, 1996; CRUZ; ALCHIERI; SARDÁ JR, 2002;
CUNHA, 2000; GUZZO; PASQUALI, 2001; HOGAN, 2006; HUTZ, 2009; NORONHA,
2002; NORONHA et. ali, 2001; NORONHA et. ali, 2002; NORONHA; ALCHIERI, 2004;
OCAMPO et. ali, 2005; PASQUALI, 2001; PASQUALI; ALCHIERI, 2001; PRIMI;
MUNIZ; NUNES, 2009; RESOLUÇÃO CFP Nº 012/2000; RESOLUÇÃO CFP Nº 007/2003;
TRINCA, 1984; URBINA, 2007).
Com maior frequência, é possível encontrar na literatura referenciada à avaliação
psicológica como um exame, procedimento ou processo técnico-científico de busca e coleta
de dados. Para tanto, os psicólogos dispõem de um conjunto de procedimentos ou de
diferentes instrumentos de medição estandardizados, métodos e técnicas na observação do
comportamento, da personalidade e de funções cognitivas dos indivíduos, enfim, dos
fenômenos e processos psicológicos, tais como: entrevista e observações clínicas, testes
psicológicos, técnicas projetivas.
É um processo limitado no tempo que, em geral, tem por função testar e analisar
hipóteses para oferecer uma descrição e compreensão da personalidade do indivíduo,
cientificamente fundamentada; ou ainda, oferecer respostas, conclusões diagnósticas e
prognósticas à luz dos conhecimentos psicológicos a questões específicas quanto ao
funcionamento psíquico adaptado ou não de uma pessoa, com vistas a uma intervenção.
Quanto à avaliação psicológica no âmbito clínico, conhecida por Psicodiagnóstico, as
autoras Arzeno (2003), Cunha (2000) e OCampo et. ali (2005) explicam ser esperado o
emprego de testes e outras estratégias e instrumentos como os jogos, desenhos, histórias,
brincadeiras, etc., além das entrevistas, com objetivos clínicos, educacionais, jurídicos, entre
outros, em vistas ao diagnóstico, à indicação de tratamento e/ou à prevenção.
Assim, a avaliação visa à produção de um conhecimento acerca dos aspectos
psicológicos do sujeito avaliado com o objetivo de enquadrá-lo em alguma tipologia, ou seja,
de diagnosticá-lo. Por sua vez, o diagnóstico permite que o demandante51 obtenha
informações tais que possa chegar a conclusões sobre estes mesmos sujeitos avaliados, capaz

50
Cabe destacar que alguns livros disponíveis e bastante utilizados no Brasil são traduções de obras estrangeiras.
Somente a partir da década de 1990, foi possível observar um aumento na publicação nacional dado o
investimento em pesquisa na área.
51
Seja este psicólogo, juiz, médico, professor, Ministério Público, Defensoria Pública, escola, etc..
136

de instrumentalizá-lo (produzir e dirigir ações) com vistas a uma tomada de decisão


(intervenção) sobre a pessoa avaliada em algum contexto específico (PASQUALI, 2001;
PASQUALI; ALCHIERI, 2001).
Não obstante algumas definições tenham sido desenvolvidas mais recentemente e
outras há décadas, tais conceituações são fortalecidas e atualizadas nas práticas psicológicas
que, por sua vez, tornam-se legitimadas a partir de interesses sociais específicos e igualmente
sobre princípios higienistas e mecanismos disciplinares de intervenção, fundados sobre um
arcabouço teórico e metodológico positivista.
A premissa básica da epistemologia positivista e naturalista, conforme discuti
anteriormente, entende que o homem pode ser estudado, em termos de suas funções, enquanto
fenômeno da natureza, sendo tomado como um corpo objetivado, observável e mensurável,
enfim, um objeto analisável, eliminando a subjetividade e a afetividade do seu campo de
investigação. Fundamenta-se, sobretudo, na crença da neutralidade do método como garantia
de resultados mais precisos. Defende, portanto, o conhecimento que aspira tornar científicos
(logo, verdadeiros), os fenômenos investigados.
Logo, foi a partir dessa visão epistemológica que a Psicologia, aspirando ser tornar
uma ciência e assim constituir-se um modo legítimo e verdadeiro de dar sentido para as
experiências humanas, ganhou prestígio na comunidade científica do século XX. Ao
transplantar os pressupostos cientificistas de neutralidade, objetividade, oriundos do
paradigma positivista das Ciências Naturais, tornou-se uma Psicologia experimental, aplicada,
normativa, autorizada socialmente a enunciar verdades sobre o sujeito (ARANTES, 2005;
PATTO, 1997).
Para este fim, a Psicologia recorreu aos modelos de diagnóstico da clínica médica,
fazendo uma transposição destes para o modelo psicológico, e à Estatística, enquanto base da
formação teórica e ideológica dos testes psicológicos, para obter os instrumentos necessários
na determinação das características psíquicas dos sujeitos avaliados.
O foco da avaliação, ancorada no modelo clínico-biológico, passou a ser o indivíduo e
seu comportamento ou conduta centrado na patologia ou no desvio, apartada da realidade
histórica, social e política nas quais se constituiu. Conforme explicam alguns autores, o
homem, concebido como um ―ser-em-si, ahistórico e destituído de conexões sociais e
políticas que o constituem‖ (COIMBRA; AYRES; NASCIMENTO, 2009, p.26), assim como,
dotado de potencialidades naturais ou inatas, tornou-se semelhante a outros semelhantes para
ser, por fim, objetivado, calculado, serializado, regulado e ajustado conforme padrões de
137

normalidade social (BARONI; VARGAS; CAPONI, 2010; MOYSÉS; COLLARES, 1997;


GUATTARI; ROLNIK, 1986).
Assim, alguns autores destacam que a avaliação psicológica, pela perspectiva
positivista, concebia o homem como passível de ser avaliado e conhecido pela ótica
individualizante e centrada na calculabilidade das metodologias das Ciências da Natureza,
responsável pela descrição, medição e classificação de comportamentos que se apresentassem
irregulares, patológicos, desviantes, reduzindo o sujeito ao seu diagnóstico. Com o
diagnóstico, este homem poderia ser encaminhado para práticas disciplinares ou de correção,
onde o psicólogo realinharia o que nele escapasse das normas, padronizando condutas. O
contexto ou a construção histórica desse homem, atravessado pelos discursos e dispositivos de
saber-poder, passariam ao largo de qualquer avaliação. Haveria uma naturalização dos atos da
vida, dos comportamentos, das queixas que funcionariam normalizando, ou seja, tornando
algumas vivências normais e outras não, de acordo com o que ficasse estabelecido como
natural ou da natureza das coisas (AFFONSO, 2005; BAPTISTA, 1999; MACHADO, 1994;
MAIA; FONSECA, 2002; OLIVEIRA, 2009; PATTO, 1997; SATHLER, 2008).

[...] a Psicologia enquanto disciplina de aplicação da norma, com seus processos de escrita de
classificação e administração de corpos, vai criando também subjetividades; dentro de saberes
legitimados cientificamente que distribuem os indivíduos, uns em relação aos outros, dentro
de uma política de administração das subjetividades um sujeito que será tanto melhor quanto
mais adequado for às estatísticas da Psicologia. Essas estatísticas têm como ponto referencial
a curva normal e, a partir do dispositivo da disciplinaridade, o sujeito passa a compreender-se,
enunciar-se e existir sob essa perspectiva: o sujeito normal dentro das médias e desvios, que a
psicologia vai enunciar a normalidade, o desvio, e até a patologização de cada indivíduo
(SATHLER, 2008, p.23).

Os testes psicológicos seriam considerados os instrumentos confiáveis, fidedignos e,


portanto, mais apropriados para revelar o mundo interior dos sujeitos avaliados, apreender
uma realidade oculta e estabelecer os critérios de normalidade a serem aplicados ao indivíduo,
objeto (e não sujeito) da avaliação. Sob os auspícios da ciência positivista, teriam o poder de
neutralizar a interferência do psicólogo, tornando-o asséptico, despojado dos afetos, sem
valores e obstinado com a verdade, mantendo-se o mais distante possível dos sujeitos em
avaliação (ANCONA-LOPEZ, 2002; PEROTTI; SIQUEIRA, 2009). A qual distância?
Aquela suficiente para ouvir o sujeito enquanto fornecedor de dados, ou que distingue entre
ver e ser visto, ―que desenvolve a ‗prática silenciosa‘ de um olhar objetivante e examinador‖
(SENNE, 2005, p.50-51).
138

A neutralidade tornou-se a base do processo de Diferente

avaliação psicológica do tipo ou natureza operante ou - Que lugar estranho era aquele?
- Estranho?
instrumental, fundamentada em pressupostos técnico- - Sim. Todo mundo igual.
científicos, que visaria à objetividade, precisão e - E por que isso é estranho?
- Porque não é assim que é. As pessoas são
veracidade das informações obtidas por meio de uma diferentes.
- Primeiro, é preciso saber que há muitas
atuação objetiva, asséptica, apolítica. coisas além daquelas que a gente conhece e,
depois, que lamentavelmente as diferenças
Nessas circunstâncias, o psicólogo atuaria incomodam.
- Incomodam a quem?
como um técnico ou como um ortopedista da - A uma boa parte das pessoas.
subjetividade (FOUCAULT, 2005), ou ainda, como - Eu não me incomodo.
- Você se incomoda, sim. É que você não se
um guardião da ordem, para citar a publicação de lembra.
Chalita (p.24-25)
Coimbra (1995), munido de instrumentos de precisão,
a procura de explicações que se limitam no plano das diferenças individuais, ignorando a
dimensão política, histórica e social que as produzem. Assim, por regra, o psicólogo deveria
ser um executor neutro das técnicas sedimentadas na Estatística e em suas leis de
probabilidade. Para tanto, deveria estar devidamente capacitado para afastar qualquer indício
de subjetividade – eliminando os dilemas, alegrias, sofrimentos, expectativas, frustrações,
ideologias e experiências que poderiam invalidar a análise – e manter uma postura que não
viesse a interferir na extração dos dados numéricos e posterior análise e conversão destes em
fenômenos psicológicos.

Pois é próprio da avaliação gerar uma demissão do pensamento, a considerar que o avaliador
se encontra normalmente dispensado de interrogar a natureza mesma daquilo que ele avalia.
Cabe a ele somente encontrar o equivalente numérico que lhe possa dar a medida do que ele
se propõe avaliar, pouco lhe importando a razão de ser ou a finalidade do que está sendo
avaliado. O que está em questão, na transformação reificante dos homens em instrumento ou
coisa útil, é justamente deles fazer algo de comportamento previsível e funcionamento
calculável (TEIXEIRA, 2008a, p.41).

Neste processo, a avaliação psicológica finalizaria com a criação de uma entidade, de


um saber metódico sobre o sujeito, ou seja, de um diagnóstico.
Assim, com o diagnóstico, haveria a nomeação e classificação dos indivíduos a partir
da descrição de certo percentual de componentes de comportamento que se repetem, capazes
de tornar previsível uma conduta, excluindo o que o sujeito tem de diferente, de singular.
Tais traços de personalidade ou de comportamento seriam classificados enquanto
deficiências para fins de os sujeitos serem conduzidos para receberem medidas de
139

intervenção, tais como a psicoterapia (COIMBRA et. ali., 2009; GUIRADO, 2005; PATTO,
1997; SENNE, 2005).

Desta forma, a prática psicológica decorrente dessas concepções tem sua ênfase na doença, na
falta, nas dificuldades, nos desequilíbrios e nos desajustes. Portanto, será definida como uma
intervenção sempre ortopédica, dita terapêutica, na direção de uma possível e desejável
―cura‖, que é, em última análise, uma intervenção que busca contribuir para que o que há de
―verdadeiro‖ no homem se manifeste, para que as potencialidades humanas possam ter
expressão e para que conheçamos essa essência que nos constitui e que, todavia, nos é
desconhecida (COIMBRA et. ali., 2009, p.28).

Críticas a essa vertente epistemológica de interpretação, adaptação e controle dos


sujeitos ganharam força entre a década de 1970 e 1980. As produções de modos de vida, de
subjetividade, como a avaliação psicológica, passaram a ser questionadas enquanto prática
política que deveria estar atenta para seus efeitos de poder.
Logo, as críticas que começaram a recair sobre o processo de avaliação psicológica
iriam no sentido de contestar, não somente os postulados cientificistas, mas a própria
incorporação da epistemologia positivista à Psicologia. Estudiosos fundamentados na
perspectiva sócio-histórica e amparados nas discussões de Foucault iriam argumentar que
haveria um erro epistemológico contido nas avaliações realizadas por psicólogos,
desenraizadas ou desvinculadas do contexto histórico, social, cultural e político em que o
sujeito não só estaria inserido, mas é constituído (PEREZ et. ali, 2010; MATSUMOTO et. ali,
2011; COIMBRA; NASCIMENTO, 2001).

É nesse sentido que Foucault nos ensina que o homem não possui uma interioridade, pois é
formado como resultante de forças que o atravessam. Forças que se configuram enquanto
práticas históricas que o objetivam, que o subjetivam e que provocam um exercício ético. São
produções que dizem respeito a um solo histórico, com arranjos políticos, com jogos de saber,
de poder e de técnicas de si. O homem é, portanto, efeito de uma constituição que se dá na
imanência histórica, sem essências, sem naturalizações, sem um caráter de a priori ou de
transcendência (PEREZ et.al., 2010, p.184).

O equívoco da Psicologia estaria, portanto, na assimilação dos métodos das ciências


duras para estudar o sujeito como objeto de um conhecimento objetivo, com precisão quase
matemática, sob o risco de extrair da Psicologia aquilo que seria essencial no humano para ser
compreendido: ―sua liberdade e autonomia‖ (SENNE, 2005, p.24).
Com o esgotamento dessa lógica, novas perspectivas passaram a participar da cena,
propondo uma ruptura ou desconstrução das crenças positivistas, com seus binarismos e
verdades absolutas, para pensar outros paradigmas de ciência que viessem a problematizar e a
admitir a complexidade do fenômeno psicológico (ROLNIK, 1995).
140

A perspectiva sócio-histórica enfatiza que todo Homem


Na ideia de condição humana, nada no
conhecimento produzido pelo fazer avaliativo em homem está aprioristicamente concebido.
Não há nada em termos de habilidade,
Psicologia deve ser entendido como sendo faculdade, valores, aptidões ou tendências
―dispositivos políticos articulados com as diferentes que nasçam com o ser humano. As
condições biológicas hereditárias do
formações sociais‖ (COIMBRA; NASCIMENTO, homem são a sustentação de um
desenvolvimento sócio-histórico, que lhe
2001, p.246), sendo passível de questionamento e imprimirá possibilidades, habilidades,
valores, aptidões e tendências
problematização. Nesse sentido, todo conhecimento historicamente conquistadas pela
humanidade e que se encontram
produzido está associado a determinadas condições desenvolvidas pelos homens em sociedade.
históricas e sociais, éticas, políticas e ideológicas, não 3. O homem é um ser ativo, social e
histórico: O homem produz sua
possuindo valores absolutos ou uma essência sobrevivência com os outros homens. A
relação do homem com a natureza, através
universal a ser conhecida, tampouco uma Psicologia de suas atividades, e a relação com os
outros homens constituem o ser humano.
que dê conta de responder à complexidade da vida Como essa atividade sobre o mundo é um
processo histórico, pois os homens vão
humana (MALHEIRO; NADER, 1987). construindo novas formas de satisfação de
Assim, não haveria mais sentido a concepção suas necessidades e vão também
construindo novas necessidades, há um
de homem reduzido a uma identidade a ser desvelada, permanente movimento e um permanente
processar do homem.
a produção de saberes neutros, objetivos, apolíticos e, 4. O homem é criado pelo homem: Não
há natureza humana pronta. Não há
portanto, verdadeiros. aptidões. A única aptidão do homem é
poder desenvolver várias aptidões.
Caberia, sim, compreender a edificação do
Bock (1997, p.37-38)
conhecimento como partindo de um lugar de saber
ocupado pelo psicólogo em determinado momento histórico, social, cultural, econômico,
ideológico e político.
Nesse contexto, Machado (1981, p.198-199) comenta que:

Todo conhecimento, seja ele cientifico ou ideológico, só pode existir a partir de condições
políticas que são as condições para que se formem tanto o sujeito quanto os domínios do
saber. A investigação do saber não deve remeter a um sujeito de conhecimento que seria sua
origem, mas a relações de poder que lhe constituem. Não há saber neutro. Todo saber é
político. [...] todo saber tem sua gênese em relações de poder.

O mesmo se deu com os testes. Tais dispositivos e técnicas de diagnóstico psicológico


deixariam de ser vistos como instrumentos neutros – efeito da supressão da subjetividade do
psicólogo-pesquisador na construção de seu instrumento – para serem reconhecidos como
construções humanas que nascem a partir de uma concepção de ciência, de homem e
sociedade em determinada conjuntura histórica, social, política e econômica. Vinculados à
intencionalidade do psicólogo, tanto na construção quanto na aplicação, os testes atenderiam a
141

interesses específicos, a forças que deles se Testes Psicológicos


- quer dizer que tua mãe te levou à
apoderariam, de natureza ideológica, na promoção de psicóloga. Você me contou outro dia que
você tinha idade mental de quatro anos?
uma intervenção no comportamento do sujeito [...]. E por isso você tinha ido para a classe
avaliado no sentido de ajustá-lo ao contexto social que especial?
- É.
está inserido (COIMBRA et. ali, 2009; JAPIASSU, - E você concorda com isso?
- Concordo.
1975; MACHADO, 2011; MALHEIRO; NADER, - Eu não concordo. Você acha que você tem
idade mental de quatro anos? Você já viu
1987; PATTO, 1997, 2010; ROCHA; DEUSDARÁ, uma criança de quatro anos?
- Já.
2005; VORCARO, 2002). - E você é igual?
Desta forma, alguns autores passaram a - Eu não sei... impossível... eu te contei que
tinha segredo nisso. Minha mãe é que sabe.
argumentar que os testes psicológicos, ao invés de - Qual o segredo?
- Que minha mãe já levou na psicóloga.
serem instrumentos neutros, estavam mais para Que a psicóloga disse que eu tinha idade
mental. Você não é psicóloga também?
mecanismos de rotulação e classificação ou, de - Eu sou.
- [...] É. Você é psicóloga, você sabe das
―etiquetagem‖ (CASTEL, 1987, p.108),dos coisas. Minha mãe também já me levou
indivíduos, que passariam a ter sobre si a construção para psicóloga, mas eu vou ter que ficar
esse ano todo na classe especial.
de um discurso dito científico. Marcados pela via do - Bom, [...] Mas a questão é a seguinte,
Andreza. Você é ou não é uma criança
diagnóstico e prognóstico, as (re)ações dos sujeitos especial?
- Sou.
avaliados poderiam ser previstas em um contexto - Por quê? [...] O que você tem de especial?
- Não sei.
linear de causa e efeito, como se houvesse uma - Então, não dá pra dizer que você é.
origem, sem qualquer consideração ao contexto em - Eu não sei, mas minha mãe sabe.
- Sua mãe sabe, mas alguma opinião você
que estariam inseridos, ou seja, sem sopesar o tem. Tua mãe nunca te contou?
- Eu escuto na psicóloga, mas eu tenho
―indivíduo na sua historicidade‖ (LIEBESNY, medo de contar... que minha mãe
descubra...
PROENÇA, SOUZA; SENNE, 2005, p.42). - Descubra o quê? [...]
- Que eu sou idade mental.
Quando isso ocorre, diz Silva (2004, p.12), - Bom, Andreza, o que eu acho que está
acontecendo e o seguinte: um dia você foi
para uma psicóloga, que aplicou um teste e
surgem os rótulos e as classificações, descobriu, naquele teste deu, que você tinha
[...], pois a noção de continuidade ou de idade mental de quatro anos. Eu te digo que
processo desaparece, o que pode esses testes funcionam de jeitos diferentes.
inclusive proporcionar a crença de que ―a
Um dia, você está bem; faz o teste e vai
verdade‖ sobre algo ou alguém foi
encontrada, muitas vezes estabelecendo bem, outro dia, você não está com vontade
um raciocínio mais próximo de um de fazer o teste, ta com sono, não vai bem.
argumento de autoridade (com Assim como um dia faz sol, outro chove,
afirmações do tipo: o resultado do teste outro venta. Então como é....
foi esse), do que uma demonstração - [...] Se você descobrir que eu... eu não sei
científica. se eu tenho idade mental. Você acha que eu
não tenho, você não acha?
- Eu acho que você não parece uma criança
Como várias técnicas de exame eram de quatro anos.
Machado (1994, p.42-44)
empregadas para localizar problemas e individualizá-
142

los sob a forma de diagnósticos e prognósticos, que a Ensaio sobre a cegueira


[...] talvez tenha pensado justamente que
interpretação de seus resultados passou a justificar uma vez que os cegos não poderiam ver as
imagens, também as imagens deveriam
ações de cunho moralizante e curativa. Assim, deixar de ver os cegos, As imagens não
redefinindo os sujeitos em uma dimensão biológica, veem, Engano teu, as imagens veem com os
olhos que as veem, só agora a cegueira é
individual, o psicólogo patologizaria e psicologizaria52 para todos, Tu continuas a ver, Cada vez
irei vendo menos, mesmo que não perca a
os comportamentos, ou seja, transformaria a vida vista tornar-me-ei mais e mais cega cada dia
porque não terei quem me veja.
deles em ―fato psicológico que mereça ser tratado José Saramago (1995, p. 302)
através de técnicas psicoterápicas‖ (CHALOUB,
1980, p.30). Tal medida, segundo alguns autores, isentaria de responsabilidades tanto o
próprio psicólogo quanto o contexto social, histórico, cultural, político, econômico no qual os
sujeitos avaliados estariam inseridos (FOUCAULT, 1999; MACHADO, 1994; RIBEIRO;
LUZIO 2008; SALAZAR, 1996; SATHLER, 2008).

[...] todas as classificações humanas são construções sociais que afetam o próprio indivíduo
classificado de forma direta. As classificações tratam de descrever as características humanas
e, uma vez medidas, as qualidades são transformadas em quantidades. O mesmo acontece
com os princípios ligados à biologização que procuram uma explicação de ordem biológica
aos comportamentos ou aos problemas humanos (SATHLER, 2008, p.93).

Isento de responsabilidade, porque neutro ou anulado no processo de avaliação, o


psicólogo não seria ético, tampouco antiético, mas aético, na análise de alguns autores.
Enquanto emitente de uma ação orientada por outras motivações que não a ética do cuidado
com a vida, que não voltada ao outro, toda a ação passou a estar fundamentada na moralidade
(ALTMAN; MARTINS, 2009; RIOS, 1993; SATHLER, 2008).
Logo, o psicólogo só poderia empreender qualquer investigação se incluído no
processo, admitindo que o conhecimento psicológico produzido resulte de uma realidade
intersubjetiva: o psicólogo só pode existir enquanto tal na relação com o outro que o
reconhece; e a ética só poderia existir neste encontro. O psicólogo deixaria de ser um
observador neutro e cego – pois se assim o fosse haveria ―o sacrifício do sujeito de
conhecimento‖ (FOUCAULT, 2004a, p.35) –, para se tornar responsável pela intervenção que
fizesse sobre o outro (BLEGER, 1984; PLACER, 2001; RAFHAEL 2002).
O conhecimento produzido pela avaliação, a partir dessa perspectiva, seria
historicamente situado e, ainda que fosse considerado objetivo, não seria de modo algum

52
A psicologização da vida social, do cotidiano é quando há uma infiltração de ideias do âmbito psicológico-
existencial na determinação e análise de eventos sociais e ―categorias políticas são transformadas em categorias
psicológicas‖, ou seja, descontextualizados das circunstancias históricas (RODRIGUES, 2000, p.69).
143

neutro, pelo contrário (RIOS, 1993). Na opinião de Japiassú (1996), estaria atravessado pelo
que denominou de ―ideologia profissional‖, capaz de normalizar as práticas e, sobretudo, ―de
impor uma ortodoxia, adaptadas aos dados [...] e aos interesses da corporação científica‖
(JAPIASSÚ, 1996, p.92).
Todo conhecimento produzido pelas práticas psicológicas ficaria impresso no formato
de documentos psicológicos – espaço privilegiado de comunicação do conhecimento
produzido pelo psicólogo decorrente da avaliação tanto quanto da atuação do profissional, que
levem à tomada de decisão.
Tratar-se-ia, portanto, de documento com dupla função: enquanto o psicólogo falaria
sobre o sujeito e pelo sujeito, também se revelaria enquanto profissional. O laudo, como ficou
popularmente conhecido, colocaria, portanto, o psicólogo no lugar daquele que, a partir das
descrições, interpretações, diagnósticos, conclusões e prescrições, tornaria público um saber
produzido sobre o sujeito avaliado.
Assim, a partir da emissão do laudo psicológico, concebido como ―uma população de
acontecimentos no espaço do discurso em geral‖ (FOUCAULT, 2004b, p.30), o trabalho do
psicólogo poderia ser também avaliado e sua pretensa neutralidade contestada, porquanto sua
atuação revelaria as preferências teóricas, técnicas, as ideologias e os dispositivos de saber-
poder que enunciariam o sujeito.
Para Carvalho, Ayres e Farias (2009, p.77), o laudo é como:

Um dizer de um profissional, a partir daquilo que ele, com sua história de vida, seus
referenciais teóricos e suas crenças, pôde entender da história, contata para ele, naquelas
poucas entrevistas, e não como um retrato que diz sobre a verdade do sujeito, esquadrinhado e
analisado, verdade apreendida nas entrevistas por um perito, neutro, cuja habilidade detém.

Igualmente, o laudo não só produziria um saber ou uma suposta verdade aplicada ao


campo da subjetividade, mas construiria, na opinião de alguns autores, formas de viver,
fabricaria interioridades que também definiriam o curso de suas vidas, muitas vezes,
prescrevendo ações que gerariam seus efeitos, a bem dizer, a normalização e a manutenção do
poder (ALVES, 2009a; AYRES, 2008a; COIMBRA; NASCIMENTO, 2001; FOUCAULT,
2005; MAIA, 2002; ROLNIK, 1995).
Essa produção de ―modos de ser e de compreender e explicar‖ (HÜNING;
GUARESCHI, 2005, p.112) os sujeitos avaliados, impressos nos laudos, passaria a ser alvo de
crítica, muito em razão da apresentação de um discurso moralizante, do senso comum, em
geral, faltosos tanto com a fundamentação teórica quanto com o bom-senso.
144

De conteúdo segregacionista e racista, tal qual Avaliação Psicológica


Classes especiais para quem, afinal?
o texto sobre avaliação psicológica em classes A escola solicita a opinião do
profissional da psicologia sempre que não
especiais divulgado no Jornal PSI (1996), os laudos sabe o que fazer com um aluno. Enquanto
refletiriam uma postura preconceituosa e com grande isso, as classes especiais vão se tornando
verdadeiros depósitos de crianças, numa
carga de juízos de valor, apresentando-se produção massiva de marginalizados e
excluídos.
desvinculados de uma análise crítica das condições de Não foi por acaso que a avaliação
psicológica foi escolhida como um dos
vida das pessoas avaliadas, conforme alertam alguns temas a serem discutidos nos Congressos da
Psicologia que se realizam neste ano. O
autores (BATISTA, 1997; RAUTER, 1989; assunto vem dando muito o que falar e,
SALAZAR, 1996; SASS, 1994). desde que o Conselho organizou em
conjunto com outras entidades e
Com isso, as práticas de diagnóstico impressas profissionais, o Projeto Educação e Saúde
para discutir a questão das classes especiais,
no papel, com seu julgamento soberano, também essa vem se confirmando como uma das
áreas mais espinhosas da atuação do
seriam responsáveis por imprimirem estigmas ou psicólogo. Um primeiro motivo de espanto
foi a alta incidência de crianças colocadas
marcas sociais, reduzindo os sujeitos avaliados a em classes especiais para deficientes
portadores de ―defeitos de funcionamento em algum mentais.
Para se ter uma ideia, segundo
componente da máquina psíquica‖ (PATTO, 1997, informações do psicólogo Júlio Bissoli
Neto, coordenador do 1º grau na Cenp, em
s/p), pouco ou em nada contribuindo para a evento realizado em outubro do ano
passado, o governo do Estado de São Paulo
compreensão da dimensão psicológica do indivíduo, tem hoje 1.975 classes especiais em
funcionamento para crianças com
de sua realidade e ações, na opinião de certos autores problemas auditivos, visuais, físicos e
(MAIA, 1997, 2002; MATSUMOTO et. ali, 2011; mentais. Desse total, 1.432 classes são de
deficientes mentais. Ou seja, 80% das
SALAZAR, 1996; SATHLER, 2008). crianças colocadas em classes especiais nas
escolas do Estado estão frequentando as
Para Machado (2011, p. 73), salas para deficientes mentais.
Considerando-se que cada classe especial
de deficientes mentais pode ter até 15
se está claro que o processo de alunos, o Estado de São Paulo teria hoje,
subjetivação, de constituição de formas em média, 15.356 alunos que sofrem de tais
de viver, tem relação, como dissemos, distúrbios.
com o campo de relações de forças (no São números, no mínimo, curiosos, que
caso o cotidiano escolar, as histórias não deixam outra saída aos profissionais
familiares, a história escolar, as práticas das chamadas ciências sociais e humanas a
diagnósticas), torna-se responsabilidade não ser formular questões sobre a realidade
de um trabalho de avaliação psicológica
em que estão atuando. De saída não há
considerá-las, do contrário,
imprimiremos nos sujeitos encaminhados como deixar de perguntar se todas essas
a ideia de que eles seriam causas de crianças estão colocadas corretamente nas
problemas em uma história na qual são classes especiais. Caso a resposta fosse
efeitos. afirmativa, abriria um primeiro caminho de
investigação para cientistas e pesquisadores,
cuja primeira pergunta, óbvia, seria que
Ao tecer diagnósticos e propor intervenções, os fenômeno estaria acontecendo para tantas
crianças começarem a apresentar distúrbios
laudos psicológicos se tornariam dispositivo de poder, mentais.
Jornal PSI (1996)
de moralidade, de controle social e de normalização,
145

definindo os rumos da vida das pessoas envolvidas no processo de avaliação. Por este motivo,
muitos psicólogos, também se tornariam partícipes, ou seja, seriam responsáveis pelos
desdobramentos e repercussões gerados pelo uso que fosse dado aos laudos, pois os
documentos psicológicos seriam elaborados para atenderem a algum propósito. Assim, seria
possível julgar a moralidade dos psicólogos e as implicações ético-políticas de suas ações
(MACHADO, 1994; MAIA, 2002; RAUTER, 1989; SALAZAR, 1996).
Analisando a situação, Sass (1994, p.16) comentou, em artigo publicado no Jornal do
CRP/06 que os laudos psicológicos suscitam entendimentos paradoxais,

[...] tanto entre os próprios psicólogos quanto em outros segmentos sociais. A par da cega
aceitação do laudo psicológico, há uma rejeição igualmente cega à elaboração de documento
técnico sobre a intimidade do sujeito. Psicólogos recusam os instrumentos historicamente
construídos, sob variados pretextos, enquanto leigos reivindicam a utilização de tais
instrumentos para justificar a condição subjetiva da pessoa.

Andriola (1996), Noronha (2002) e Silva (2004) entendem ser esperado e até mesmo
imprescindível que a avaliação psicológica seja questionada, para que não se mantenha
enquanto uma prática rígida à semelhança do que ocorreu entre as décadas de 1970 e 1980,
quando o psicólogo confundia o resultado dos testes como sendo a própria avaliação. As
críticas serviriam, portanto, como uma fonte de revisão e contribuição para a prática à medida
que estimulariam reflexões e destas, melhoramentos.

1.5.2 Ações

Como parte de um movimento de revalorização do processo de avaliação psicológica


várias ações foram tomadas a partir da década de 1990. Inúmeras pesquisas implementadas
por psicólogos, pesquisadores e, em particular, pelo Conselho Federal de Psicologia, via seus
Conselhos Regionais surgiram no horizonte da Psicologia. Com essa medida, uma revisão
dessas mesmas definições foi proposta, dentre outras atividades, como a organização de
debates, congressos e publicações na área da avaliação psicológica, além de ações de
fiscalização realizadas pelos Conselhos Regionais de Psicologia em relação ao uso adequado
dos testes tanto em respeito às suas normas quanto à sua comercialização. Tais medidas
tinham em vista tornar o uso desses instrumentos mais confiável, bem como dar uma
146

satisfação à sociedade quanto aos resultados de Câmara Setorial Interinstitucional


dos Instrumentos de Avaliação
avaliações psicológicas, motivo de numerosas Psicológica
O Conselho Federal de Psicologia,
contestações e processos judiciais (FRIZZO, 2004; através da sua Comissão Consultiva em
PASQUALI; ALCHIERI, 2001). Avaliação Psicológica, continua
trabalhando com afinco na tarefa de
Um desses processos judiciais, por exemplo, apreciar a qualidade dos testes psicológicos
que estão em uso no território nacional. [...]
decorreu do veto Presidencial, em 1998, que Na década de 80 este assunto já estava
na pauta de discussão dos psicólogos que
intencionava extinguir o exame psicotécnico para atuavam junto ao Conselho Federal, por
meio da Comissão de Métodos e Técnicas.
obtenção da Carteira Nacional de Habilitação Além disso, em 1997, o CFP produziu e fez
(RUEDA, 2011). circular o documento Notas para Orientar a
Intervenção do CFP na Questão dos
Este fato acarretou na criação da Câmara Instrumentos de Avaliação Psicológica,
onde propunha aos diversos segmentos
Setorial Interinstitucional dos Instrumentos de envolvidos na questão a constituição de
uma câmara nacional, denominada Câmara
Avaliação Psicológica, uma comissão composta por Setorial Interinstitucional dos Instrumentos
de Avaliação Psicológica. A proposta foi
pesquisadores, docentes e psicólogos, com o apoio do aceita e a Câmara se constituiu pela adesão
CFP. Essa Câmara se propôs analisar, segundo voluntária da representação de vários
segmentos, tais como: laboratórios
Pasquali e Alchieri (2001, p.215) questões sobre a universitários de pesquisa, editoras, grandes
usuários no setor público/privado, entidades
avaliação psicológica no país, objetivando: da profissão, docentes responsáveis por
projetos de ensino da matéria, entre outros.
 a melhoria da qualidade da formação universitária A proposta era a construção de uma política
nacional para os instrumentos de avaliação
dos profissionais na área da avaliação psicológica, psicológica que fosse capaz de combinar os
em nível de graduação; interesses presentes nesse campo,
negociando as parcerias que contemplassem
 a formação de recursos humanos especializados em o benefício coletivo e que pudesse enfrentar
os vários problemas existentes em relação à
avaliação psicológica, em nível de pós-graduação; pesquisa, criação, validação, produção
comercial, comercialização, ensino, uso e
 a produção de pesquisas para criação e validação defesa social da utilização. A Câmara
funcionou dois anos mas, por problemas da
de instrumentos psicológicos para o país; ordem de funcionamento, a proposta não se
materializou e o CFP, então, se retirou
 a constituição de normas para a qualidade e uso dos desse espaço, o que gerou a dissolução da
instrumentos psicológicos; mesma. Outra ação, nessa área, foi o l
Fórum Nacional de Avaliação Psicológica,
 a fiscalização e atuação junto às editoras de testes e realizado em dezembro de 2000, promovido
pelo Conselho Federal e Conselhos
usuários para divulgação e uso de instrumentos Regionais de Psicologia.
Como as várias demandas sociais, quase
validados para o país; sempre vinculadas ao Estado, direcionadas
à Psicologia continuam ressaltando
 a resolução de questões levantadas por usuários e expectativas em relação aos instrumentos de
avaliação psicológica, o CFP, ciente das
outros referentes à instrumentação psicológica e suas responsabilidades para com a
legitimidade do seu uso para diferentes população, baixou a Resolução nº 025/2001
que resgata a sua preocupação, já
finalidades. manifestada no documento de 1997.
Jornal Federal (2002)
147

No mesmo ano, foi criado o Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (IBAP), uma
instituição voltada para a pesquisa na área da avaliação psicológica, em especial, sobre a
instrumentação psicológica, com a criação e validação de técnicas de exame psicológico53.
Em 2000, o CFP, em resposta às circunstâncias desencadeadas pelo veto presidencial,
instituiu o Manual para Avaliação Psicológica de Candidatos à Carteira Nacional de
Habilitação e condutores de veículos automotores, por meio da Resolução CFP nº 12/2000,
que dispunha sobre:
I. Conceito de Avaliação Psicológica
II. Perfil do Candidato à CNH e dos Condutores de Veículos Automotores
III. Instrumentos de Avaliação Psicológica
IV. Condições do Aplicador
V. Condições da Aplicação dos Instrumentos de Avaliação Psicológica
VI. Material Utilizado
VII. Mensuração e Avaliação
VIII. Laudo Psicológico
O entendimento de rever os conceitos e de aprimorar os instrumentos e procedimentos
técnicos dos psicólogos, com o intuito de garantir serviços com qualidade técnica e ética à
população usuária desses serviços, também se fez presente nas discussões promovidas pelo
Sistema Conselhos de Psicologia.

É importante lembrar que nesse período os testes psicológicos, um dos principais


instrumentos utilizados pela categoria, foram alvo de severas críticas, especialmente pelo fato
de que muitos deles eram apenas traduções de testes construídos em outros países e vários
deles não apresentavam evidências de validade para a população brasileira. Com isso, o
princípio fundamental do Código de Ética (vigente à época) era continuamente violado, pois
ele assegurava que o profissional deveria oferecer serviços de qualidade, de modo a garantir a
dignidade das pessoas. Se não trabalhávamos com medidas adaptadas ou especificamente
desenvolvidas para o nosso contexto, esse princípio não era respeitado (SANTOS, 2011, p.13-
14).

Ao lado da condução de estudos e pesquisas por psicólogos voltados ao ensino e à


prática da avaliação psicológica, o CFP demonstrou interesse em investir na área e modificar
a imagem – no entendimento de alguns autores – preconceituosa, de que a avaliação seria uma
prática segregacionista e promotora de injustiças. Com essas medidas, o CFP entendeu que:

a verdadeira possibilidade de modificação do atual panorama da Avaliação Psicológica no


país passa por uma política básica de reconstrução de sua imagem, conceito e importância,

53
Para saber mais, ver <http://www.ibapnet.org.br/>.
148

bem como, da análise histórica, social e crítica dos seus determinantes e de suas
consequências. [...] Tal reconstrução conduzirá a uma conscientização da importância: (1) da
reestruturação curricular sobre a relevância dessa prática; (2) da busca pelo aprimoramento
técnico e teórico de nossos profissionais; (3) da crítica a qualquer prática classificatória e
discriminatória que possa reforçar a exclusão social; (4) do respaldo social sobre o exercício
da Psicologia (TOURINHO e SILVA; MORETZSOHN; SÁTIRO; LARA, JÚNIA; COSTA;
LINS, 2000, s/p).

Destas discussões o CFP deu origem, naquele ano, ao I Fórum Nacional de Avaliação
Psicológica e, em 2001, às Resoluções CFP nº 25/2001 e CFP nº 30/2001. Enquanto a
primeira definia teste psicológico como método de avaliação privativo do psicólogo e
regulamentava sua elaboração, comercialização e uso, a segunda instituía o Manual de
Elaboração de Documentos, produzidos pelo psicólogo, decorrentes de avaliação
psicológica.
A este respeito, comentou Frizzo (2004, p.42).

A publicação, pelo CFP, das resoluções que tentam dar conta de normatizar os diversos
contextos em que se têm realizado avaliação psicológica são um exemplo das necessidades e
da organização dos psicólogos, apontados em Congressos e eventos das diferentes áreas, (em
especial pelo I Fórum Nacional sobre Avaliação Psicológica, realizado em Brasília, em
dezembro de 2000).

A primeira versão da Resolução (CFP nº 25/2001), que definia teste psicológico e


regulamentava sua elaboração, comercialização e uso, foi revogada dois anos mais tarde pela
Resolução CFP nº 002/2003 - atualmente alterada pela Resolução CFP nº05/201254. Esta
Resolução definia teste psicológico como sendo:

Art. 1º - Os Testes Psicológicos são instrumentos de avaliação ou mensuração de


características psicológicas, constituindo-se um método ou uma técnica de uso privativo do
psicólogo, em decorrência do que dispõe o § 1º do Art. 13 da Lei nº 4.119/62.
Parágrafo único. Para efeito do disposto no caput deste artigo, os testes psicológicos são
procedimentos sistemáticos de observação e registro de amostras de comportamentos e
respostas de indivíduos com o objetivo de descrever e/ou mensurar características e processos
psicológicos, compreendidos tradicionalmente nas áreas emoção/afeto, cognição/inteligência,
motivação, personalidade, psicomotricidade, atenção, memória, percepção, dentre outras, nas
suas mais diversas formas de expressão, segundo padrões definidos pela construção dos
instrumentos.

54
A Resolução CFP nº 002/2003 sofreu algumas alterações. A mais recente foi por meio da Resolução CFP nº
005/2012 que alterou a redação do Art. 1º, que define testes psicológicos. Comentarei mais a frente sobre o
assunto.
149

Após a promulgação da Resolução CFP nº Testes psicológicos: vitória para o CFP


A Ação Civil Pública, movida pelo
002/2003, o Ministério Público entrou com uma ação Ministério Público Federal, em desfavor
do Conselho Federal de Psicologia, em
liminar para impedir a comercialização e o uso de especial contra a edição da Resolução CFP
qualquer teste psicológico no território nacional, nº 002, publicada no DOU de 26 de março
de 2003, objetivando disciplinar o uso, a
entendendo ser dever da União regularizar os testes elaboração e a comercialização de testes
psicológicos, foi julgada improcedente.
psicológicos no país. A ação foi julgada pela Justiça Com esta demanda, o MPF buscava tutela
jurisdicional para exigir a abstenção de atos
Federal como improcedente, reiterando ser da do CFP, por considerar
que estes extrapolavam sua competência
competência do CFP regulamentar o emprego dos legal. Na ação, o Ministério Público pediu,
testes psicológicos em território nacional, sendo esta liminarmente, que fosse proibida a
comercialização e também a suspensão do
decisão celebrada pelo CFP, anos mais tarde, em uso de todo e qualquer teste psicológico no
território nacional, com a apreensão dos
2007, como sendo uma vitória frente às inúmeras produtos hoje disponíveis no mercado, até
que a União " cumprisse a sua obrigação",
batalhas judiciais e críticas da sociedade, a bem dizer, qual seja, "de criar e implementar
procedimentos para regularização dos
da própria categoria. testes psicológicos no Brasil ",
De acordo com Tróccoli e Pasquali (2011, considerando o Conselho incompetente
para tais ações.
p.65), A sentença de Ação Improcedente,
julgada pela Justiça Federal (PROCESSO:
2004.34.00.042456-3 / CLASSE: 7100 –
6ª VARA FEDERAL) confirma o
O uso dos testes psicológicos, na
avaliação psicológica ou nas pesquisas, Conselho Federal de Psicologia como
constitui um serviço técnico instância máxima de avaliação dos testes
especializado prestado à sociedade e, psicológicos no país. O Conselho Federal
consequentemente, deve estar sob a de Psicologia reitera que a matéria em
vigilância dos órgãos oficiais de controle questão - testes psicológicos - caracteriza
de prestação de serviços, no sentido que uma técnica de uso privativo do psicólogo
tais serviços devem responder aos e, conforme a Lei Federal nº 4119 e a Lei
quesitos de qualidade exigida por esses Federal no. 5.766/71, compete ao CFP
órgãos.
regulamentar as exigências necessárias
para a aceitação dos testes como
psicológicos ou não, pois sua aplicação
Neste ínterim, psicólogos, pesquisadores e as caracteriza exercício da profissão de
diretorias do IBAP e da SBRo se reuniram em psicólogo. A elaboração de testes
psicológicos bem como a utilização de
Lindóia/SP em agosto de 2002, durante o Simpósio da determinada técnica ou método, também
por força de lei, sujeitam-se aos
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em regramentos ditados pelo Conselho.
CFP (2007).
Psicologia (ANPEPP), para discutirem a situação da
avaliação psicológica no país. Posteriormente, elaboraram um documento intitulado Em
defesa da Avaliação Psicológica onde buscaram responder a uma série de críticas e problemas
apontados que envolvem a prática da avaliação psicológica (NORONHA; ZIVIANI; HUTZ;
BANDEIRA; CUSTÓDIO; ALVES; ALCHIERI; BORGES; PASQUALI; PRIMI;
DOMINGUES; 2002).
Uma das posições críticas destacadas no referido documento remete à precariedade
150

dos instrumentos de avaliação, bem como à concepção de que estes confeririam foro
científico a processos de marginalização e exclusão social, restringindo os problemas à
dimensão individual, com isso, desconsiderando os aspectos sócio-históricos e culturais
envolvidos. Alegam que as críticas apoiam o fim dos testes psicológicos, propondo que a
avaliação psicológica possa ser realizada com métodos não padronizados, tais como a
observação e entrevistas, dentre outros. Decorreria dessa postura, a incursão de movimentos
que buscariam restringir a formação profissional do psicólogo no que se refere ao ensino dos
instrumentos de avaliação psicológica, considerando, inclusive, que muitos desses problemas
procederiam, portanto, de deficiências na formação profissional.
Os autores replicaram, anunciando que esses posicionamentos negam os avanços
científicos que a área de avaliação psicológica já vinha recebendo, tomando a avaliação
psicológica ainda enquanto prática exercida nos idos de 1970. Também destacam que ―a visão
de mundo, na qual os testes se legitimam, particularmente a teoria da medida em ciências, não
somente representa um conhecimento legítimo, mas também constitui um critério de avanço
do saber embasado cientificamente‖ (NORONHA et. ali, 2002, p.173).
Embora admitissem que os testes viessem a apresentar problemas de validação,
padronização, entre outros, faltando com qualidade científica, o maior problema em
avaliações consideradas ineficientes decorreria da má utilização desses instrumentos pelos
psicólogos, responsáveis pela seleção, aplicação, avaliação e interpretação dos dados obtidos
(NORONHA et. ali, 2002).
De modo que, atribuir poder de decisão aos testes psicológicos seria confundir, de
acordo com Moretzosohn (2005) e Noronha (2009), o instrumento com o uso que os
psicólogos fazem dele. O problema estaria, segundo Arzeno (1995, p.15) em o psicólogo não
―renunciar à onipotência de poder entender tudo‖.
Para Tavares (2010, p.48) os testes confeririam poderes ao profissional que utilizaria
os resultados na tomada de decisões que influenciaria no destino dos sujeitos.

Na avaliação psicológica não existe equilíbrio de poder. O sujeito não sabe nem como a
avaliação irá produzir informações, nem que informações serão produzidas. A avaliação
psicológica gera informações privilegiadas que dão poder a quem as detém. Esse poder é
utilizado sobre os sujeitos, fora do campo de controle ou sem consentimento consciente deles,
para que terceiros tomem decisões a respeito de sua vida, de seu futuro.

Decorreria que, nestas estritas condições, os resultados da avaliação psicológica


poderiam se transformar, segundo alguns autores, em (re)produções de estereótipos e
151

preconceitos, equiparando-a à processos de O Pequeno Príncipe


Certa vez, quando tinha seis anos, vi
etiquetagem ou rotulagem, gerando um impacto na num livro sobre a Floresta Virgem,
―Histórias Vividas‖, uma imponente
vida das pessoas envolvidas (ANACHE; REPPOLD, gravura. Representava ela uma jiboia que
2010; MARIUZA; MADEIRA, ROCHA; engolia uma fera. Eis a cópia do desenho.
Dizia o livro: ―As jiboias engolem, sem
SIMINOVICH; CHARDOSIM, 2006; NORONHA mastigar, a presa inteira. Em seguida, não
podem mover-se e dormem os seis meses da
2002; NORONHA et al. 2002; NORONHA; digestão‖. Refleti muito então sobre as
aventuras da selva, e fiz, com lápis de cor, o
BERALDO; OLIVEIRA, 2003; NORONHA; meu primeiro desenho. Meu desenho
número 1 era assim:
ALCHIERI 2004; PADILHA; NORONHA; FAGAN,
2007; SANTOS, 2011; TAVARES, 2010;
TOURINHO E SILVA; MACEDO, 2004).
Imagem 5: Pequeno Príncipe
Para Noronha (2009), trata-se de uma visão
criminosa, que representaria ―a psicologia da pior Mostrei minha obra-prima às pessoas
grandes e perguntei se o meu desenho lhes
forma possível‖ (NORONHA, 2009, p.76). Segundo a fazia medo. Responderam-me: ―Por que é
que um chapéu faria medo?‖ Meu desenho
autora, os testes não são passíveis de promover não representava um chapéu. Representava
uma jiboia digerindo um elefante. Desenhei
rotulações e/ou transformar e reduzir as pessoas então o interior da jiboia, a fim de que as
pessoas grandes pudessem compreender.
avaliadas em meros objetos; se assim o fazem é pelo
Elas têm sempre necessidade de
―uso indevido do instrumento‖ (NORONHA, 2009, explicações. Meu desenho número 2 era
assim:
p.78), o que faz lembrar a história do história do
Pequeno Príncipe.
A rotulagem ou mesmo a exclusão social dos
Imagem 6: Pequeno Príncipe
envolvidos na avaliação ocorreria, assim, por falha
As pessoas grandes aconselharam-me
grave na realização da atividade profissional, deixar de lado os desenhos [...].
Saint-Exupéry (1987, p.9-10)
provavelmente por falta de qualidade na formação,
mas, certamente, não por má fé ou desleixo, na opinião de Machado (1996). Os profissionais
teriam, no entendimento deles, uma visão equivocada da própria atuação, não conseguindo
perceber os erros cometidos e, assim, ―acreditando que realizam um bom trabalho, pois
apenas repetem o que aprenderam durante sua formação‖ (SILVA, 2004, p.117).
Fundamentalmente, para Noronha (2002), seria preciso considerar o fator humano,
pois o psicólogo, nas suas palavras, ―tem em sua pessoa o seu instrumento de trabalho‖. Se
devidamente capacitado para fazer uma avaliação, estará também preparado para
compreender ―os fenômenos psicológicos representados pelos dados numéricos‖
(NORONHA, 2002, p.141).
152

Há quem pondere com maior cuidado e afirme pela existência de uma série de
problemas com os testes no início da atividade profissional. Além de apresentarem
deficiências quanto à tradução e adequação à realidade brasileira, não serem instrumentos
infalíveis, ainda geravam informações descontextualizadas, contribuindo para a produção de
estereótipos. Porque privilegiavam atividades classificatórias, pautadas no modelo biológico-
psicopatológico na verificação do ajustamento do indivíduo a modelos sociais estabelecidos,
os psicólogos que permaneciam se amparando em testes, afirmavam práticas de exclusão
social (ANCONA-LOPEZ, 2002; REPPOLD, 2011; WERLANG, VILLEMOR-AMARAL;
NASCIMENTO, 2010).
Como a qualidade dos testes psicológicos não é a única variável a ser considerada no
processo de avaliação, devendo ser igualmente levados em consideração o conhecimento e a
prática do profissional com esses instrumentos, fica evidente que entre os pontos de maior
preocupação e alvo de constantes queixas e discordância estão os testes psicológicos e o uso
que fazem destes.
A este respeito, o documento Em defesa da Avaliação Psicológica ainda evidenciava:

[...] o uso inadequado dos instrumentos, produzindo preconceitos e discriminação social; a


existência de instrumentos comercializados desatualizados e sem embasamento científico; a
produção de laudos inadequados e o uso exclusivamente técnico de instrumentos sem uma
atitude crítico-reflexiva fundamentada teórica e cientificamente (NORONHA et. ali, 2002,
p.173).

Os autores admitem que os testes psicológicos, embora tenham suas limitações


inerentes à sua condição de técnica e estarem sujeitos à condução do profissional, são
ferramentas úteis no processo de avaliação psicológica com vistas a auxiliar, complementar
ou dar respaldo às tomadas de decisão, não deixando a avaliação refém do ―subjetivismo
pericial do profissional‖ (NORONHA et. ali, 2002, p.173).
Deste modo, para superar as limitações dos instrumentos e permitir uma compreensão
ampla e contextualizada dos resultados da avaliação, a reforma tanto nos testes quanto na
formação universitária passou a ser o argumento de vários autores para um investimento na
qualificação do processo de avaliação como um todo. A ideia era apostar no aprimoramento
do profissional, colocando-o em condições técnicas e éticas para realizar processos avaliativos
adequados nos mais diversos campos de atuação (ALCHIERI; BANDEIRA, 2002; ALVES,
2009b; ALVES; ALCHIERI; MARQUES, 2002; BASTOS; GOMIDE, 1989; CRUZ;
ALCHIERI; SARDÁ JR, 2002; NORONHA, 2002, 2009; NORONHA et. ali, 2002;
153

NORONHA; ALCHIERI, 2002, 2004; NORONHA; REPPOLD, 2010; PASQUALI, 2001;


PRIMI; NUNES, 2010; OTTATI; NORONHA, 2003; SILVA, 2004; SILVA JR; FERRAZ,
2001).
Andriola (1996, p.105), por sua vez, entende ser necessária a revisão dos conteúdos
contidos nas grades curriculares dos cursos de formação acadêmica.

Tais conteúdos estão aquém da real necessidade da avaliação psicológica, além de estarem
sendo ministrados de forma dissociada da realidade! Essas mudanças irão refletir o atual
momento histórico pelo qual passa a Psicologia no Brasil, na qual a área de avaliação
psicológica está a necessitar de um outro tipo de enfoque teórico e de um outro tipo de
psicólogo!

Por isso, a insistência no aprimoramento da formação do psicólogo com atenção


especial para:

1) teoria da medida e psicometria; 2) avaliação da inteligência; 3) avaliação da personalidade,


incluindo técnicas projetivas e os inventários de personalidade; 4) práticas integrativas de
planejamento, execução e redação dos resultados da avaliação psicológica (elaboração de
laudos) nos mais variados contextos, incluindo conhecimentos das mais diversas áreas da
Psicologia (NORONHA et. ali, 2002, p.174).

Enquanto uns defendem, Noronha et. ali, (2002) ressaltaram que os críticos ao
emprego de testes no processo de avaliação psicológica viram no argumento da má formação
uma razão suficiente para eliminar o ensino de testes da grade curricular e, assim, não mais
haver a prática de avaliação com uso destes instrumentos.
No estudo que empreendi, embora houvesse, e ainda haja, muitas críticas quanto ao
uso de testes no processo de avaliação, nenhuma explicitamente se opunha radicalmente ao
ensino e uso desses instrumentos, pelo contrário. Como salientou Patto (1997, s/p), por ser o
uso de testes psicológicos da competência exclusiva do psicólogo, conforme estabelece a Lei
nº 4119/62, estes acabam por representar a categoria perante a sociedade, tornando-se ―centro
de sua identidade profissional‖. O mau uso desses instrumentos pelo profissional repercute na
comunidade científica e na sociedade, denegrindo a imagem da profissão.
Logo, o ensino sobre o que constitui um processo de avaliação psicológica seria tão
relevante quanto o de aplicação de testes para fins psicodiagnósticos. No entanto, o que gerou
preocupação na autora foi a ênfase dada na defesa por uma formação eminentemente técnica,
sendo imperioso, para ela, colocar esta temática tão complexa em discussão.
154

O empenho na defesa da avaliação tomou Comissões Consultivas em Avaliação


Psicológica
grande vulto, levando vários psicólogos e Gestão (2002-2004); (2005-2007) e atual
gestão (2008-2010).
pesquisadores à frente da Comissão Consultiva em 2002 − Álvaro José Lelé, Audrey S. de
Avaliação Psicológica do Conselho Federal de Souza, Jose Carlos Tourinho e Silva,
Regina Sônia G.F. do Nascimento, Ricardo
Psicologia no período de 2002 a 2004. Esta Comissão Primi. Conselheiros: Gislene Maia Macedo
e Ricardo Moretzon.
Consultiva juntamente com o Instituto Brasileiro de 2005 − Blanca Susana G. Werlang, Carlos
Henrique S. da Silva Nunes, Maria Cristina
Avaliação Psicológica (IBAP), norteadas por Ferreira, Regina Sônia G. F. Nascimento,
Ricardo Primi. Conselheiras: Acácia Ângeli
determinada concepção epistemológica que define a dos Santos, Adriana de Alencar e Alexandra
avaliação, tornaram-se responsáveis pela revisão da A. Anache.
2008 − Blanca Susana G. Werlang, Maria
Resolução CFP nº 25/2001 e consequente Abigail de Souza, Maria Cristina Ferreira,
Marcelo Tavares, Ricardo Primi.
promulgação da Resolução CFP nº 002/2003. Conselheiras: Acácia Ângeli dos Santos e
Alexandra A. Anache.
A partir da interpretação do Art. 8 º dessa 2009 − Blanca Susana G. Werlang; Carlos
Henrique S. S. Nunes; Marcelo Tavares;
Resolução, a Comissão organizou um Sistema de Maria Cristina Ferreira; Ricardo Primi.
Avaliação dos Testes Psicológicos (SATEPSI) como Conselheiras: Acácia Santos e Alexandra A.
Anache.
medida permanente de qualificação dos métodos e 2010 − Anna Elisa de Villemor Amaral,
Blanca Susana G. Werlang, Carlos
técnicas psicológicas empregados no processo de Henrique S. S. Nunes, Caroline Tozzi
Reppold, Marcelo Tavares, Maria Cristina
avaliação com o escopo de divulgar informações sobre Ferreira, Ricardo Primi. Conselheiras:
Acácia Ângeli dos Santos e Alexandra A.
a análise e a relação de testes aprovados. Para isso, o Anache.
CFP disponibilizou um site O tema Avaliação Psicológica
definitivamente ocupou grande espaço na
(http://www2.pol.org.br/satepsi/) para consulta política do Sistema Conselhos de
Psicologia, [...]. Note-se que a manutenção
pública. da referida comissão é imprescindível, uma
vez que ela tem um caráter científico e é
constituída por profissionais qualificados e
Art. 8° O CFP manterá uma Comissão comprometidos com a formação de um
Consultiva em Avaliação Psicológica profissional ético, qual seja aquele que
integrada por psicólogos convidados, de conhece os limites e as possibilidades de
reconhecido saber em testes seus instrumentos.
psicológicos, com o objetivo de analisar Anache e Corrêa (2010, p.20; 29)
e emitir parecer sobre os testes
psicológicos encaminhados ao CFP, com
base nos parâmetros definidos nesta Resolução, bem como apresentar sugestões para o
aprimoramento dos procedimentos e critérios envolvidos nessa tarefa, subsidiando as decisões
do Plenário a respeito da matéria.
§ 1° – A Comissão de que trata o caput deste artigo, nomeada Comissão Consultiva em
Avaliação Psicológica, será composta por, no mínimo, 4 (quatro) membros, podendo valer-se
da colaboração de pareceristas Ad hoc.
§ 2° – Os pareceristas Ad hoc serão psicólogos convidados pelo CFP, escolhidos por notório
saber na área.
§ 3º – O trabalho da Comissão e dos pareceristas Ad hoc não será remunerado, e não
representará vínculo empregatício com o CFP.

Assim, o SATEPSI foi criado para apontar os rumos da avaliação psicológica no país a
155

partir da construção de diretrizes com vistas à regularização da qualidade dos instrumentos,


bem como de sua certificação e comercialização para uso profissional. Para Bandeira,
Trentini, Winck e Lieberknecht (2006, p.126), a criação desse sistema viabilizou a ―avaliação
da própria avaliação psicológica‖.
Se o SATEPSI avalia e qualifica os instrumentos em ―apto e inapto para uso‖ (PRIMI;
NUNES, 2010, p.129), conforme os requisitos técnicos mínimos definidos (fundamentação
teórica, precisão, validade e normatização), logo, a proposta de avaliar a avaliação remeteria à
concepção de avaliação enquanto um processo vinculado ao uso de testes.
Constava na definição vigente naquele momento (Resolução CFP nº30/2001, CFP nº
017/2002), e na atual que avaliação psicológica é um ―processo científico de coleta de dados,
estudos e interpretação de informações a respeito das dimensões psicológicas dos indivíduos e
grupos através de estratégias psicológicas – métodos, técnicas e instrumentos‖
(RESOLUÇÃO CFP nº 007/2003). Assim, o conceito permite definir avaliação psicológica
como um processo ―que vai além da aplicação de testes, podendo-se, inclusive, fazer
avaliações sem o uso de instrumentos caracterizados como testes psicológicos‖ (WERLANG;
VILLEMOR-AMARAL; NASCIMENTO, 2010, p.95). Portanto, admite que o psicólogo
empregue instrumentos não padronizados, tais como as entrevistas, desenhos e atividades
lúdicas, ou ainda, faça uso ―apenas do exame clínico – sem o emprego de testes psicológicos‖
na realização do processo avaliativo (LEITE, 2011, p.35).

Enquadram-se nessa categoria também alguns métodos que envolvem desenhos, contar
histórias, montar cenas com bonecos ou dramatizações que não se propõem a apresentar
estudos normativos ou indicadores sistemáticos de interpretação. A credibilidade dos
resultados e conclusões apresentados pelo profissional está condicionada a um referencial
teórico válido, que sustente as interpretações segundo o pressuposto do determinismo
psíquico. A experiência do profissional, o fato de os dados interpretados terem se originado
num contexto clínico, acompanhado de outros métodos de observação e análise, são
condições imprescindíveis para garantir a confiabilidade dos resultados que se integrarão de
modo coerente a um corpo teórico consistente (WERLANG et. ali, 2010, p.93).

A partir dessas considerações, entendo que, se a intenção é desvincular ou diferenciar


avaliação psicológica de testagem, não seria adequado entender que o SATEPSI promove
uma avaliação da avaliação, mas dos testes, inclusive, determinando se estes seriam ou não
psicológicos. Igualmente, não seria apropriado denominar Comissão Consultiva em Avaliação
Psicológica, mas, talvez, Comissão Consultiva em Testes Psicológicos.
Com isso, a avaliação psicológica pode ser pensada enquanto processo amplo e
inserido em todo fazer psicológico que faz interface com diversos campos de atuação, no qual
156

o psicólogo poderá optar ou não pelo uso de testes psicológicos.


Não obstante, emergem discursos que enfatizam a necessidade de que o processo de
avaliação não poderia prescindir da aplicação de testes cientificamente comprovados e
validados para ser considerado científico e emitir diagnósticos seguros, confiáveis ou
empiricamente demonstrados. Ainda mais, para que a avaliação psicológica possa ser
considerada completa, voltada para resolução de problemas e com capacidade preditiva
(ANACHE, 2011; ARGIMON; OLIVEIRA, 2009; NORONHA, 2002; NORONHA;
REPPOLD, 2010; PEROTTI; SIQUEIRA, 2009; PRIMI, 2010; 2011; REPPOLD, 2011;
RIBEIRA, 2007; TOURINHO E SILVA; MACEDO, 2004; WERLANG; VILLEMOR-
AMARAL; NASCIMENTO, 2010).

Isso quer dizer que, numa Avaliação Psicológica em que o profissional opta pelo uso de
Testes Psicológicos, tais instrumentos precisam atender, no mínimo, aos critérios de
condições de uso, caso contrário, os resultados poderiam não refletir a situação dos sujeitos
em avaliação. Nesse sentido, a escolha adequada dos instrumentos, aliada ao preparo do
profissional, resulta em maior credibilidade na prestação dos serviços à população
(TOURINHO E SILVA; MACEDO, 2004, p.56).

Foi essa a visão que norteou os trabalhos dos ―especialistas‖ (REPPOLD, 2011, p.24;
SANTOS, 2011, p.14) da Comissão Consultiva que criou o SATEPSI: tornar os testes
psicológicos confiáveis, qualificados, em perfeitas condições para o psicólogo prestar serviços
à população. Para tanto,

[...] devem ser padronizados e atender a requisitos de fidedignidade e validade. A


padronização refere-se à necessária existência de uniformidade tanto para a aplicação do
instrumento, como nos critérios para interpretação dos resultados obtidos. A fidedignidade diz
respeito à coerência sistemática, precisão e estabilidade do teste, e a validade reflete se o teste
mede realmente o que pretende medir (WERLANG et. ali, 2010, p.92).

A ideia que perpassa é a de que o trabalho de avaliação dos testes psicológicos


representou um ―avanço concreto‖ (TOURINHO E SILVA; MACEDO, 2004, p.55) ou uma
evolução da técnica, porém, a meu ver, não uma mudança de paradigma. Com isso, a prática
da avaliação psicológica, nesta perspectiva evolucionista e utilitarista, estaria focada no
exercício pleno de recursos técnicos psicometricamente calibrados para alcançar os resultados
precisos e válidos.
Alguns autores afirmam, por sua vez, a possibilidade de haver diferentes tipos de
avaliação psicológica por conta de seus objetivos, estratégias, objeto de estudo,
―independentemente‖ do campo de atuação ou abordagem teórica (SIQUEIRA; OLIVEIRA,
157

2011, p.48). Outros autores, porém, entendem ser preciso diferenciar, em diversos aspectos, as
avaliações que são realizadas em campos de atuação também distintos. Com essa medida,
haveria, por exemplo, uma avaliação psicológica clínica restrita aos psicólogos clínicos, uma
―avaliação forense‖ (ROVINSKI, 2011, p.96) reservada aos psicólogos que atuam no sistema
judiciário, evitando conflito de papéis (MACHADO; MORONA, 2007; PRIMI;
NASCIMENTO; SOUZA, 2004; ROVINSKI, 2011; TRENTINI; BANDEIRA; ROVINSKI,
2006).

A Avaliação Psicológica constitui-se na busca sistemática de conhecimento a respeito do


funcionamento psicológico das pessoas, de forma a poder orientar ações e decisões futuras.
Esse conhecimento é sempre gerado em situações específicas, envolvendo questões e
problemas também específicos. Na clínica, por exemplo, o profissional pode fazer uma
Avaliação Psicológica para entender melhor os problemas vivenciados por uma pessoa e
pensar quais são as melhores formas de ajudá-la a superar tais problemas, ou, na escola, pode
procurar entender porque uma criança tem dificuldades para aprender ou como estimular seu
desenvolvimento, ou, na área forense, em que é necessário entender quais razões levaram uma
pessoa a cometer um crime ou se ela pode ser considerada responsável pelos seus atos, ou,
ainda, no trabalho, em que o profissional procura identificar qual pessoa poderia ser
selecionada para um determinado cargo. Está implícito na Avaliação Psicológica que o
objetivo último, ainda que idealmente, sempre será beneficiar as pessoas envolvidas (PRIMI;
NASCIMENTO; SOUZA, 2004, p.21).

Por sua vez, Brito (2011a) afirma ser uma ―falsa ideia‖ (BRITO, 2011a, p.87) pensar
que haveria modelos especializados de avaliação, exclusivos aos especialistas dos diferentes
campos de atuação. Segundo a autora, o importante seria o psicólogo que pretende realizar
uma avaliação psicológica, entender, conhecer as singularidades que fazem parte do campo
que irá atuar, por exemplo, conhecer as questões que permeiam o campo da Psicologia
Jurídica, como separação, guarda de filhos, recasamento, adoções, violência sexual contra
criança, para citar alguns. Nestes termos, para fazer uma avaliação psicológica, o profissional
não deveria se limitar à técnica, à investigação per si, mas, acima de tudo, interrogar os
objetivos do trabalho que estariam lhe demandando e, após, analisar se poderia/deveria ou não
executá-lo, dada a pertinência da demanda no campo da Psicologia, o conhecimento ou
competência profissional no assunto requisitado, bem como os efeitos decorrentes dessa
prática.
Concordando com a autora, entendo que não faz sentido fragmentar a avaliação
psicológica em pequenos compartimentos ou nichos, a não ser que esta seja uma forma de
justificar uma manobra de reserva de mercado. Aliás, penso que, se para a avaliação
psicológica ser considerada fundamentada cientificamente, o psicólogo precisaria fazê-la em
base epistemológica de corte positivista, na verdade, não haveria diferentes tipos de avaliação,
158

mas uma única forma de fazer avaliação: aquela que adotasse métodos padronizados, cujo
objetivo seria emitir uma resposta acerca da (in)adequação, (a)normalidade, (in)sanidade,
periculosidade dos sujeitos, pouco importando o contexto.
Portanto, entendo ser essa a condição que requereu a Comissão Consultiva em
Avaliação Psicológica ao garantir que os métodos e técnicas psicológicas mantivessem
parâmetros científicos: que a avaliação psicológica fosse definida enquanto prática vinculada,
necessariamente, à aplicação destes instrumentos e que estes permitissem ao psicólogo
atender aos princípios previstos pelo Código de Ética Profissional do Psicólogo.
Além do trabalho de avaliação dos testes, o SATEPSI foi planejado, segundo
explicações de Anache e Corrêa (2010), para oferecer à categoria, assim como às instituições
públicas e privadas, orientações sobre a prática da avaliação psicológica, incluindo o emprego
dos testes nos diferentes contextos e finalidades. Desta forma, o CFP buscou assegurar que os
serviços prestados pelos profissionais atendessem às necessidades dos usuários.
De acordo com Bandeira et. ali, (2006, p.129),

[...] o CFP disponibilizou aos psicólogos e ao público em geral a primeira tabela com
resultados preliminares do processo de avaliação, em que o grande número de testes que
obtiveram parecer desfavorável surpreendeu muitos psicólogos desavisados e até mesmo
outros que, mesmo informados e mobilizados acerca da pauta, não esperavam tamanho rigor
por parte do Conselho.

A revisão dos testes psicológicos rapidamente se tornou notícia na mídia, que colocava
os testes em termos de ―artefatos misteriosos‖ (BANDEIRA et. ali, 2006, p. 130) até para o
CFP, abrindo a discussão não somente em relação à confiabilidade dos resultados, mas quanto
à legitimidade do CFP para regular esses instrumentos. Assim, tais medidas adotadas pelo
CFP, dentre elas a criação e organização do SATEPSI, tinham em vista, não só oferecer uma
resposta satisfatória às críticas que recaiam sobre o uso de testes psicológicos sem o devido
lastro de cientificidade, mas também afirmar ou ratificar a competência do próprio CFP como
órgão gestor da categoria para regular esses instrumentos.
Primi e Nunes (2010) acreditam que foi por meio da criação e implementação do
SATEPSI que foram evitadas medidas proibitivas em relação ao uso da avaliação psicológica
em setores sociais, como os concursos públicos. Ademais, os autores entendem que o
SATEPSI ainda serviu de estímulo para o desenvolvimento de pesquisas pelas editoras, que
tiveram que se adaptar às exigências técnicas antes de dispor no mercado o material referente
à testagem psicológica para uso profissional.
159

Outrossim, a instituição da Resolução CFP nº Nota de esclarecimento acerca da ação


civil pública sobre os testes
02/2003 obrigou o psicólogo a conhecer quais testes Conforme vem sendo noticiado por
alguns veículos de imprensa, o Ministério
tiveram seus manuais aprovados, consequentemente, Público Federal, na pessoa do procurador
liberados para uso e aqueles proibidos, sob o risco de Carlos Henrique Martins Lima, entrou com
ação civil pública na Justiça Federal
cometerem infração ao CEPP. Tal fato provocou mal- pedindo a suspensão da comercialização e
do uso dos testes psicológicos em todo o
estar entre os profissionais, que confundiam a país.
O Conselho Federal de Psicologia
liberação dos testes para fins de diagnóstico e outros reitera que a matéria em questão - testes
psicológicos - caracteriza uma técnica de
para fins de ensino e pesquisa. uso privativo do psicólogo e, conforme a
Para dirimir várias questões pertinentes ao Lei Federal nº 4119 e a Lei Federal no.
5.766/71, compete ao CFP regulamentar as
tema, o então presidente do CFP, Ricardo exigências necessárias para a aceitação dos
testes como psicológicos ou não, pois sua
Moretzsohn, fez um pronunciamento, no ano de 2004, aplicação caracteriza exercício da profissão
de psicólogo. A elaboração de testes
conforme nota de esclarecimento acerca da ação psicológicos bem como a utilização de
determinada técnica ou método, também
civil pública sobre os testes. por força de lei, sujeitam-se aos
Não obstante algumas significativas mudanças regramentos ditados pelo Conselho.
Na certeza de que o Conselho Federal
fossem divisadas nos últimos 10 anos, alguns de Psicologia pode e deve avaliar os testes
psicológicos como instrumento de trabalho
pesquisadores e defensores da avaliação psicológica privativo do psicólogo, exatamente na
defesa da sociedade que usufrui de tais
perceberam que o processo de recuperação do serviços, e na condição de autarquia
responsável por lei pela fiscalização,
prestígio e credibilidade demandaria tempo e esforços disciplina e orientação profissional, é que o
conjuntos para reverter o quadro de descrédito e CFP empreenderá todas as ações recursais
necessárias à ação impetrada, assim que
abandono que persistiu por muitos anos (NORONHA, ocorrer a sua citação judicial. Por estarmos
acompanhando atentamente os passos desta
2002; PASQUALI; ALCHIERI, 2001). ação, sabemos já ter havido despacho
judicial para citação do Conselho, mas, até
Ademais, o credenciamento dos testes, embora o presente momento, formalmente ainda
não recebemos qualquer citação acerca
fosse considerada medida necessária, não era desta ação.
suficiente para garantir uma prática responsável. Não Por fim, cabe destacar que o CFP tem
plena confiança de que as medidas que
por acaso as discussões sobre testes e avaliação estão sendo tomadas relativamente à análise
dos testes psicológicos, baseadas em
psicológica seguiam atreladas ao modo como os critérios científicos adotados
internacionalmente, garantem o uso dos
resultados eram apresentados ou comunicados. Assim, testes já avaliados, e que o Conselho não
tem dúvidas sobre a sua competência,
outra discussão estava em curso no mesmo período: a autoridade e legitimidade, legal, ética e
que se referia à elaboração de documentos decorrentes política, em fiscalizar a qualidade e o uso
dos testes psicológicos brasileiros, assim
de avaliação psicológica. Até aquele momento, a como a quaisquer outros procedimentos
afetos ao exercício profissional do
Psicologia dispunha do Código de Ética Profissional psicólogo.
Moretzsohn (2004).
do Psicólogo (CEPP, Resolução CFP nº 002/1987) e
outras duas Resoluções, uma que regulamentava a concessão de atestados psicológicos para
160

efeito de licença saúde (Resolução CFP nº 007/94), e outra para tratamento de saúde por
problemas psicológicos (Resolução CFP nº 015/96). Para Sathler (2008), essa era uma prova
do valor social atribuído aos documentos psicológicos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
No CEPP, havia a referência a ―atestado‖ e ―laudo‖ ou ―informe‖.

Art. 2º - Ao Psicólogo é vedado:


m) adulterar resultados, fazer declarações falsas e dar atestado sem a devida fundamentação
técnico-científica;
Art.19 – Nas perícias o psicólogo agirá com absoluta isenção, limitando-se à exposição do
que tiver conhecimento através de seu trabalho e não ultrapassando, nos laudos, o limite das
informações necessárias à tomada de decisão.
Art. 29 – Na remessa de laudos ou informes a outros profissionais, o Psicólogo assinalará o
caráter confidencial do documento e a responsabilidade de quem o receber de preservar o
sigilo.

Excetuando as normativas que regulamentavam a concessão de atestados psicológicos,


ainda não havia uma regra mais específica que padronizasse a elaboração dos diversos
documentos psicológicos e cada psicólogo os confeccionava conforme seu entendimento.
Além da confusão entre as expressões parecer, laudo, atestado, declaração, informe, relatório,
etc., também era comum redigir documentos sem qualquer referência ao título.
Com a crescente produção de documentos ou divulgação de resultados decorrentes da
avaliação psicológica houve um considerável aumento de denúncias contra psicólogos,
colocando em xeque a competência do profissional tanto quanto a qualidade dos instrumentos
utilizados nessa prática.
Essa situação, segundo Sathler (2008), constrangia os Conselhos Regionais a processar
os psicólogos por possível infração ao Código de Ética em razão de erros contidos nos
documentos, o que, na opinião do autor, denunciava

a má qualidade da formação profissional, a qualidade duvidosa dos demais trabalhos


exercidos pelos profissionais nas clínicas, escolas, etc., enfim, apontam que a profissão está
prestando serviços, no mínimo, pouco precisos, e que o CFP precisa tomar providências para
corrigir o problema da qualidade (SATHLER, 2008, p.110).

Com a constatação pelo CFP do crescente número de denúncias contra os psicólogos


decorrente da elaboração de documentos escritos (JORNAL DO FEDERAL, 1999), houve
uma urgência em regular essa prática por meio da ―criação de um guia prático de escrita,
construído para ser [...] um instrumento que responda [...] as dúvidas mais comuns‖ e evite os
erros mais amiudados (SATHLER, 2008, p.107).
161

Após o I Fórum Nacional de Avaliação Psicológica em 2000, que tratou dos


problemas derivados da escrita profissional, o CFP elaborou a primeira Resolução a tratar
sobre o assunto especificamente. A Resolução CFP nº 030/2001 instituiu o Manual de
Elaboração de Documentos produzidos pelos psicólogos decorrentes de avaliações
psicológicas, criando ―referências para subsidiar o psicólogo na produção qualificada de
documentos escritos decorrentes de Avaliação Psicológica‖. Admitia a necessidade dessa
normativa para padronizar a confecção de documentos escritos por psicólogos em razão da
―frequência com que representações éticas são desencadeadas a partir de queixas que colocam
em questão a qualidade dos documentos escritos‖, bem como ―as implicações sociais
decorrentes da finalidade do uso dos documentos escritos pelos psicólogos a partir de
avaliações psicológicas‖ (RESOLUÇÃO CFP Nº 030/2001).
Um ano após a instituição do Manual, uma nova versão revisada foi aprovada
(Resolução CFP nº 17/2002). Finalmente, em 2003, a Resolução CFP nº 17/2002 foi revogada
e substituída pela Resolução CFP nº 007/2003, atualmente em vigor.
Na opinião de Furtado (2006), com o referido Manual, o CFP estaria cumprindo com
seu papel de orientar e garantir que os psicólogos tenham uma atuação de qualidade via o
cumprimento de um conjunto consistente de normas. Já para Sathler (2008), a consolidação
do Manual permitiu que o CFP não só orientasse o profissional na elaboração de documentos
escritor, mas que também tivesse argumentos normativos para disciplinar o lugar político
ocupado pelo psicólogo, via a padronização da escrita, com efeito, poderia punir os
profissionais que não o cumprissem, obrigando-os a se qualificarem.

Esse manual seria um antídoto contra a baixa qualidade dos escritos psicológicos e também
um guia para excluir casos de representações ou notificações éticas. Até aqui, o poder, as
questões éticas e as relativas à responsabilidade social, por exemplo, não foram tocadas
diretamente, dando a impressão de que o mais importante é a forma ou o caráter formal do
texto, em sua semântica e sua construção gramatical que revelam uma concepção de
linguagem (SATHLER, 2008, p.114).

Tal fato, de certo modo, deu oportunidade para o mercado explorar esse campo por
meio da criação de cursos complementares de elaboração de documentos, conforme discuti
anteriormente. Em geral, esses cursos atribuem importância à forma em detrimento do
conteúdo, possivelmente em razão de a própria Resolução dar destaque aos cuidados com a
linguagem escrita, deixando a parte mais complexa – o conteúdo – por conta do psicólogo,
exigindo deste a apresentação de fundamentação técnico-científica (SATHLER, 2008).
162

Como resultado dessas opções observadas, temos no Manual, mais especificamente no


subcapítulo Princípios Técnicos da Linguagem Escrita, concepções de linguagem, de texto, de
sujeito e de ciência apontando para as abordagens positivistas. A técnica é apresentada como
preocupação central, o que revela uma tendência pragmática (SATHLER, 2008, p.131).

Evidentemente, o alarmante aumento no número de denúncias contra os profissionais


psicólogos em razão da elaboração de documentos aponta mais para essa carência de
fundamentação55 do que propriamente para uma redação com problemas gramaticais. No
entanto, o que é afirmar por uma fundamentação técnico-científica e ainda julgar se o
profissional cumpre ou não com tal norma mediante a diversidade teórico-metodológica da
Psicologia? Certamente, o Manual permite a expressão das distintas orientações teóricas,
desde que possam ser reconhecidas como expressões do saber científico. Não seria essa uma
forma de impor certa orientação política e ideológica que estaria subjacente à organização do
próprio Sistema Conselhos naquele momento e da qual vigora até os dias de hoje?
Afinal, quem tem o poder para estabelecer as normas a serem obedecidas para os
psicólogos senão aqueles que ocupam o lugar de gestores do Conselho Federal de Psicologia,
instituição normatizadora da categoria profissional?
Um exemplo da ação desse poder está, a meu ver, na definição das modalidades de
documentos escritos por psicólogos estipuladas pelo CFP por sugestão do I Fórum Nacional
de Avaliação Psicológica, contidas no Manual: atestado, declaração, laudo/relatório e parecer.
Em uma pequena nota, há uma ressalva quanto ao fato de que nem a declaração, nem o
parecer são documentos decorrentes da avaliação psicológica, embora muitas vezes apareçam
desta forma, requerendo, portanto, sua diferenciação.
Eis a definição de Parecer oferecida pela Resolução CFP nº 007/2003:

4.1. Conceito e finalidade do parecer


Parecer é um documento fundamentado e resumido sobre uma questão focal do campo
psicológico cujo resultado pode ser indicativo ou conclusivo.
O parecer tem como finalidade apresentar resposta esclarecedora, no campo do conhecimento
psicológico, através de uma avaliação especializada, de uma ―questão-problema‖, visando a
dirimir dúvidas que estão interferindo na decisão, sendo, portanto, uma resposta a uma
consulta, que exige de quem responde competência no assunto.

De acordo com o texto, o parecer oferece resposta esclarecedora no campo da


Psicologia após a realização de uma ―avaliação especializada‖ de uma ―questão-problema‖.
Sem sombra de dúvidas, a definição determina que o documento Parecer seja elaborado após
a realização de uma ―avaliação‖, ―no campo do conhecimento psicológico‖, logo, o

55
Resolução CFP nº 002/1987: Art. 2º alínea ‗m‘; Resolução CFP nº 010/2005: Art. 2º alínea ‗g‘.
163

documento também decorre de uma avaliação psicológica. Assim, o que faz com que não seja
considerado um documento decorrente de avaliação psicológica?
O entendimento acerca do que seja avaliação psicológica pela Comissão Consultiva
em Avaliação Psicológica e pelo Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (IBAP), ambos
responsáveis pela elaboração do Manual no período de 2002 a 2004, conforme mencionei a
pouco, é o de que:

A avaliação psicológica é entendida como o processo técnico-científico de coleta de dados,


estudos e interpretação de informações a respeito dos fenômenos psicológicos, que são
resultantes da relação do indivíduo com a sociedade, utilizando-se, para tanto, de estratégias
psicológicas – métodos, técnicas e instrumentos. Os resultados das avaliações devem
considerar e analisar os condicionantes históricos e sociais e seus efeitos no psiquismo, com a
finalidade de servirem como instrumentos para atuar não somente sobre o indivíduo, mas na
modificação desses condicionantes que operam desde a formulação da demanda até a
conclusão do processo de avaliação psicológica.

Lima e Werlang (2011) afirmam que o documento Parecer não seria decorrente de
avaliação psicológica, pois seus resultados não adviriam do emprego de estratégias
psicológicas, quando as autoras mencionam, especificamente, os testes psicológicos. Definem
o referido documento como sendo uma forma de o psicólogo apresentar resposta no campo da
Psicologia com o objetivo de esclarecer possíveis dúvidas que venham a interferir em uma
tomada de decisão.
Interessante observar que a mesma autora, em parceria com outros autores
(WERLANG; VILLEMOR-AMARAL; NASCIMENTO, 2010), afirma que a avaliação
psicológica pode ser realizada sem uso de instrumentos padronizados, como os testes. Logo,
não poderia o parecer ser considerado decorrente de avaliação por estar fundamentado, por
exemplo, em estratégias outras como a pesquisa bibliográfica?
Esse posicionamento revela a defesa (ou imposição para a categoria) de uma visão
epistemológica que concebe avaliação psicológica como o processo técnico-científico de
coleta de dados, estudos e interpretação de informações a respeito dos fenômenos
psicológicos, que, necessariamente, requer do psicólogo empregar estratégias psicológicas
identificadas como sendo os testes. O que leva à conclusão de que o uso de testes psicológicos
não está só previsto no processo de avaliação psicológica, como está subentendido à sua
definição, como se deste processo não pudesse prescindir, sob o risco de carecer de
fundamentação técnica e científica.
Quanto à elaboração do laudo psicológico, a Resolução CFP 007/2003 orienta que
esse documento esteja em conformidade com as especificações dos dispositivos do Código de
164

Ética Profissional do Psicólogo. Deposita ênfase para os deveres do psicólogo nas suas
relações com a pessoa atendida, para as questões relativas ao sigilo profissional e à disposição
das informações – identificando riscos e compromissos em relação à utilização dos
documentos, por exemplo, como matéria a ser apreciada em processos judiciais.
Neste caso, o Laudo, pela Resolução CFP nº 007/2003, é definido como sendo:

[...] uma apresentação descritiva acerca de situações e/ou condições psicológicas e suas
determinações históricas, sociais, políticas e culturais, pesquisadas no processo de avaliação
psicológica. Como todo DOCUMENTO, deve ser subsidiado em dados colhidos e analisados,
à luz de um instrumental técnico (entrevistas, dinâmicas, testes psicológicos, observação,
exame psíquico, intervenção verbal), consubstanciado em referencial técnico-filosófico e
científico adotado pelo psicólogo. A finalidade do relatório psicológico será a de apresentar os
procedimentos e conclusões gerados pelo processo da avaliação psicológica, relatando sobre o
encaminhamento, as intervenções, o diagnóstico, o prognóstico e evolução do caso, orientação
e sugestão de projeto terapêutico, bem como, caso necessário, solicitação de acompanhamento
psicológico, limitando-se a fornecer somente as informações necessárias relacionadas à
demanda, solicitação ou petição.

O laudo psicológico é, portanto, documento escrito, produto final da avaliação


psicológica. Neste, o profissional deverá emitir suas impressões, observações, apreciando ―a
natureza dinâmica, não definitiva e não cristalizada do seu objeto de estudo‖. Ao final, deverá
expor as conclusões a que tenha sido capaz de chegar, não devendo fazer afirmações ―sem
sustentação em fatos e/ou teorias‖ (RESOLUÇÃO CFP nº007/2003).
Assim, o laudo consistirá na última etapa da avaliação psicológica, quando o psicólogo
terá a oportunidade de fazer a devolução dos resultados obtidos, seja ao solicitante da
avaliação, seja ao sujeito avaliado ou seu responsável. Ao prestar informações a outros
profissionais, deverá limitar-se ao estritamente necessário ―para a tomada de decisões que
afetem o usuário ou beneficiário‖, conforme estabelece o artigo 1º, alínea ‗g‘, do Código de
Ética Profissional do Psicólogo (RESOLUÇÃO CFP nº 010/2005).
A definição de laudo retorna com a questão da avaliação psicológica, trazendo outros
elementos para consideração do psicólogo, tais como: (1) ―as determinações históricas,
sociais, políticas e culturais, pesquisadas no processo de avaliação psicológica‖; (2)
―instrumental técnico (entrevistas, dinâmicas, testes psicológicos, observação, exame
psíquico, intervenção verbal)‖; (3) ―referencial técnico-filosófico e científico adotado pelo
psicólogo‖; (4) ―apresentar os procedimentos e conclusões‖; (5) ―natureza dinâmica, não
definitiva e não cristalizada do seu objeto de estudo‖.
165

A partir desses elementos, entrou em cena a Óculos


Acho melhor fazermos um experimento.
possibilidade de pensar a avaliação psicológica como Você poderia pegar os óculos que estão
sobre a mesinha? [...] Sofia colocou os
um processo amplo, porquanto o instrumental técnico óculos. Tudo à sua volta ficou vermelho.
requerido para fundamentar o laudo ―entrevistas, [...] — O que você está vendo?
— O mesmo de antes, só que tudo
dinâmicas, testes psicológicos, observação, exame vermelho.
— A explicação para isto é que as lentes
psíquico, intervenção verbal‖ está listado sem o dos óculos determinam o modo como você
percebe a realidade. Tudo o que você vê é
recurso das conjunções ―e‖ ou ―ou‖, mas separados parte do mundo que está fora de você
mesma; mas o modo como você enxerga
por vírgulas. Tal construção frasal permite a tudo isto também é determinado pelas
interpretação de que o psicólogo poderá fazer uso de lentes dos óculos. Você não pode dizer que
o mundo é vermelho, ainda que neste
todos ou apenas alguns dos instrumentos, desde que o momento ele pareça vermelho. [...] Os
óculos são a premissa para o modo como
faça ―consubstanciado em referencial técnico- você enxerga o mundo.
Gaarder (1995, p.348)
filosófico e científico‖ (RESOLUÇÃO CFP
nº007/2003).
A partir dessa perspectiva, haveria maior A escuta clínica escuta?
Um homem negro de uns trinta e poucos
liberdade para o psicólogo fazer a avaliação e elaborar anos vestindo uniforme policial aponta uma
arma para o grupo de comentaristas de TV,
o documento que transforma sujeitos e suas histórias enquanto encosta a outra arma em sua
orelha. Em prantos e desesperado, enquanto
de vida em linguagem psicológica, ―mas, também, em segura nervosamente as armas, acusa as
discurso imbricado com os demais discursos autoridades governamentais pelo- não
cumprimento de aumento salarial. [...].
disciplinares da administração das populações‖ Ameaçando disparar as armas, pede para
falar. [...]. Chorando convulsivamente, o
(SATHLER, 2008, p.159). Caminha junto com a homem fala dos filhos, da mulher e do
salário que não dá para pagar as despesas.
liberdade para elaborar o documento a [...] Sentado frente às câmeras, junto aos
apresentadores de um programa esportivo,
responsabilidade, quando o psicólogo fará escolhas, já mais calmo e sem as armas, ele consegue
recortes, e tal qual um óculos ou uma luneta que, expor suas reivindicações. Mas eis que dois
homens por trás do cenário entram em cena
―quando direcionada para um objeto, ressalta suas e o seguram violentamente. O homem negro
sai de cena diretamente para a prisão.
características e despreza o que não está em seu Aliviados, os comentaristas despedem-se.
[...]. Esta cena, que durou alguns minutos,
campo de visão ou aquilo que seu foco não privilegia‖ fez com que os telespectadores e
participantes do estúdio TV Cultura de
(SATHLER, 2008, p.98). Haverá uma valoração de Santa Catarina, em 1986, assistissem à
determinados discursos e o apagamento de outros invasão de um personagem desesperado que
pedia para falar. No dia seguinte, os jornais
tidos como divergentes, desnecessários, ou noticiaram o seguinte: um policial,
aparentemente bêbado e desequilibrado,
simplesmente ―não merecedores de escuta‖ (FAÉ, invadiu um programa de esportes de TV. A
cena, vista por milhões de telespectadores
2004, p.412). com a respiração presa, foi traduzida em
indivíduo mentalmente enfermo. Após os
Assim, a história não se expressa livremente, comerciais, fabricou-se o indivíduo.
Baptista (1999, p.13-14; 2000, p.73-74)
166

mas de forma contida, recortada, modelada, seja por procedimentos de interdição, tal como o
sigilo, seja por questões ideológicas, disciplinares e/ou por aprisionamento dogmático.
Laudos, portanto, não são apenas registros gráficos impressos em um papel, tampouco
monumentos de um único autor, mas ―ficções psicológicas‖ (BARROS-BRISSET, 2011,
p.37) que pressupõem a presença do outro, sendo uma construção dialógica. São discursos
que não retratam a realidade em si, mas a realidade que o psicólogo é capaz de produzir a
partir do enredamento de experiências e ideologias, pois mesmo quando faz uma descrição, ao
elaborar o documento, o profissional promove uma interpretação (ORLANDI, 2003).
Por este motivo que vidas são produzidas e impressas no papel por meio dos recursos
que o psicólogo dispõe a partir de uma posição teórica, metodológica, ideológica, política,
histórica, social face à interpretação que promove. Logo, toda escrita é um ato ético e político,
cujos meios adotados pelo profissional para alcançar o fim são sempre objeto de escolha,
porquanto são selecionados (dentre tantos meios possíveis) ―em função da sua maior ou
menor aptidão para se atingir o fim‖ (JAPIASSU, 1975, p.42). O que significa dizer que os
meios, que os métodos adotados pelo psicólogo contêm o valor do fim, ou seja, determinam o
resultado, o que será apresentado no documento (GUIRADO, 2005).
O laudo, assim, oferece uma visão e uma interpretação da realidade, produzindo
subjetividades, criando um sujeito psicológico. Contudo, este sujeito psicológico criado pelo
psicólogo não constitui a totalidade do sujeito, mas é a expressão de um dispositivo de poder
disciplinar ou uma face construída pelo exame. A escrita psicológica será, desta forma, um
recorte de uma realidade inatingível em sua totalidade ao mesmo tempo em que uma criação e
transformação dessa realidade.

É a ordem psicológica que dá essa ilusão de centramento subjetivo, de ordenamento


biográfico e de continuidade lógica da vida. É, também, uma espécie de costura, uma tessitura
de aspectos dissociados que se busca para responsabilizar o sujeito pela sua própria vida, seu
sucesso ou fracasso nas áreas da saúde, da educação, da vinculação social etc. (SATHLER,
2008, p.144).

Como os discursos também são práticas, esses escritos considerados técnicos, ao


promoverem uma interpretação, enunciam e definem o lugar do psicólogo perante a categoria
e a sociedade. O laudo, assim, traz as marcas de uma perspectiva epistemológica que participa
na construção da identidade do psicólogo como autor do texto ou enunciado.
Se fundamentada em pressupostos naturalistas, positivistas, o psicólogo tenderá a
justificar as hipóteses com argumentos racionais, empíricos, pautados em elementos da vida
167

biológica ou da natureza. Abrindo mão dessa intenção naturalista, o psicólogo fundamentado


no historicismo não pretende descobrir a essência ou a natureza das coisas, que tornam todos
os sujeitos iguais, mas perceber o que os fazem ser diferentes, singulares, importando os
modos de subjetividade, de ―afirmação de si‖ (COSTA, 1992, p.276).
Com isso, enquanto um busca as regularidades, o outro recorre às singularidades; o
que um valoriza o outro despreza. Desta forma, cada laudo não só produz um determinado
sujeito, como também revela algo sobre o profissional, sua formação, sua profissão, bem
como sobre a sua relação com outros profissionais, com aquele para o qual o laudo será
endereçado e com a sociedade. A escrita imprime, portanto, uma identidade profissional,
manifesta relações de poder/saber, fortalece ideologias e práticas, têm importância política,
determina tensões e produz efeitos.
Por que os laudos têm a finalidade de respaldar uma tomada de decisão com vistas a
dirimir problemas, acarreta, por conseguinte, afetações, transformações na vida das pessoas
envolvidas no processo, de modo que, havendo ou não padronização da escrita psicológica
nos documentos decorrentes de avaliação psicológica, as questões e dilemas éticos
permanecem sempre presentes.
Nesse sentido, a avaliação psicológica, ao construir um discurso técnico sobre o
sujeito, estabilizando ou fixando sua imagem em conceitos nem sempre reconhecidos por ele
próprio, passou a ser alvo de queixas junto ao Conselho de Classe, constrangendo o próprio
órgão de classe a admitir problemas, não só em relação aos testes, mas na formação e
qualificação do seu profissional.
Como informou Patrícia G.Souza, conselheira-presidente da COE do CRP-SP (Gestão
2007-2010), o perfil das denúncias que chegava ao Conselho no período dizia respeito às
atividades ligadas à elaboração de documento psicológico para fins jurídicos, para casos
referentes à seleção de emprego, concurso público e procedimentos cirúrgicos, tais como a de
cirurgia bariátrica (JORNAL PSI, fev/mar. 2009).
Diante do panorama retratado, novos questionamentos erigiram no horizonte da
Psicologia contemporânea, muitos destes, acerca das limitações e alcances do uso deste
dispositivo na determinação da vida das pessoas avaliadas.
168

Em 2007, o Conselho Federal de Psicologia Carta Aberta sobre Testes Psicológicos


Esclarecemos à população que a
emitiu, em resposta às deliberações do V Congresso Avaliação Psicológica consiste em um
processo técnico-científico de coleta de
Nacional da Psicologia, uma carta aberta sobre dados, estudos e interpretação de
testes psicológicos com a intenção de comunicar à informações a respeito dos fenômenos
psicológicos e, para isto, são utilizados
sociedade que o emprego de testes psicológicos é vários métodos, técnicas e instrumentos.
Dentre eles, encontram-se os testes
atividade exclusiva da categoria, garantida por lei, psicológicos, que têm por objetivo
descrever e/ou mensurar características e
cujo papel regulador é da responsabilidade dos processos psicológicos, tais como emoções,
afetos, inteligência, motivação,
Conselhos Regionais. personalidade, psicomotricidade, atenção,
Naquele mesmo ano, o CFP lançou uma memória e percepção.
Com o objetivo de assegurar a precisão
Cartilha sobre a avaliação psicológica elaborada pelo e qualidade das informações oriundas dos
testes psicológicos, o Conselho Federal de
XIII Plenário (CFP, 2007), na qual a avaliação Psicologia- CFP- instituiu uma Comissão de
Especialistas em Avaliação Psicológica, que
psicológica foi definida como ―um processo técnico e analisa e identifica os testes que atendem
aos requisitos mínimos estabelecidos para
científico realizado com pessoas ou grupos de pessoas seu uso, garantindo a qualidade dos serviços
que, de acordo com cada área do conhecimento, prestados à população. Sendo assim, os
testes psicológicos utilizados pelos
requer metodologias específicas‖ (CFP, 2007, p.8). psicólogos são aqueles aprovados pelo CFP
e que possuem plenas condições de uso.
Também, conforme disposto na referida Cartilha, ―o É importante ressaltar, ainda, que a
utilização dos testes psicológicos é
processo de avaliação psicológica é capaz de prover permitida, por lei, somente a psicólogos,
pois requer conhecimentos e habilidades
informações importantes para o desenvolvimento de pertinentes à formação destes profissionais.
hipóteses, por parte dos psicólogos, que levem à Desse modo, o Conselho Federal de
Psicologia alerta a sociedade para os riscos
compreensão das características psicológicas da decorrentes do emprego desses
instrumentos por profissionais que não
pessoa ou de um grupo‖. Adiante, consta na Cartilha estejam habilitados e credenciados para esse
fim. Por outro lado, conclama a população a
que ―o comportamento humano é resultado de uma comunicar aos Conselhos Regionais de
Psicologia quaisquer irregularidades
complexa teia de dimensões inter-relacionadas que ocorridas por ocasião do uso dos testes
interagem para produzi-lo‖, de tal modo que seria psicológicos.
CFP (2007)
―praticamente impossível entender e considerar todas
as nuances e relações a ponto de prevê-lo deterministicamente‖ (CFP, 2007, p.10).
Posteriormente, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) lançou em 2010 o documento
intitulado Avaliação Psicológica: Diretrizes na Regulamentação da Profissão. Uma
publicação que, segundo o próprio CFP, expressa o compromisso assumido com a categoria e
reúne conhecimentos acumulados sobre os instrumentos, com destaque para os testes
psicológicos, decorrente das interlocuções entre membros da Comissão Consultiva em
Avaliação Psicológica e consultores ad hoc com profissionais que realizam avaliação
psicológica em diversos contextos.
169

Estas medidas anunciavam a próxima investida Ano Temático da Avaliação Psicológica


A adoção de anos temáticos tem sido
da Comissão Consultiva do CFP, juntamente com as feita pelo CFP desde 2006, e já foram
abordadas as relações da psicologia com a
entidades profissionais da Psicologia que atuam na saúde e a educação, bem como a prática da
área, como o Instituto Brasileiro de Avaliação psicoterapia. Ao longo do ano temático são
promovidas atividades nas sedes e subsedes
Psicológica (IBAP) e a Associação Brasileira de dos conselhos regionais, bem como no
próprio CFP, buscando refletir sobre
Rorschach e Métodos Projetivos (ASBRo): a questões relativas aos temas. Neste ano, as
atividades presenciais têm ocorrido Brasil a
instituição, pelo CFP, do Ano temático da Avaliação fora desde o mês de agosto, que podem ser
acompanhadas pelo blog
Psicológica para 2011. http://anotematico.cfp.org.br/2011/. No
Com o escopo de discutir com a categoria as mesmo endereço eletrônico, o leitor
também pode baixar o arquivo em PDF do
ações empreendidas ao longo desses 20 anos, o Ano livro Ano da avaliação psicológica: textos
geradores, organizado pelo Grupo de
Temático se apresentaria enquanto uma oportunidade Trabalho do Ano Temático da Avaliação
Psicológica.
para os membros da Comissão Consultiva e dos Ambiel (2011, p.393)
Grupos de Trabalho em Avaliação Psicológica
Normativas em diferentes contextos
formados no CFP de responderem às mais variadas O CFP instituiu normativas para nortear a
realização da avaliação psicológica em
acusações e críticas sobre os testes, o processo diferentes contextos, entre elas:
• Trânsito: a Resolução CFP nº 007/2009
avaliativo e a formação profissional. Por fim, elaborar institui as normas e procedimentos para a
Avaliação Psicológica no contexto do
propostas para efetivar mudanças na área. Trânsito, a Res CFP 003/2007 normatiza a
À semelhança de outros Anos Temáticos Avaliação Psicológica para obtenção da
CNH e a Res CFP 007/2003 institui o
realizados (Saúde, Educação, Psicoterapia), a ação Manual de Elaboração de Documentos
Escritos produzidos pelo psicólogo,
Ano Temático proposta pelo CFP tinha a intenção de decorrentes de avaliação psicológica.
• Concessão do registro de arma de fogo: a
dar visibilidade e prioridade ao tema Avaliação Res CFP nº 018/2008 - cujos artigos 5º e 6º
foram alterados pela Res 002/2009 e o
Psicológica por meio da realização de debates parágrafo único do artigo 1º foi alterado
públicos junto à categoria. Com essa medida, seria pela Res 010/2009 - dispõe acerca do
trabalho do psicólogo na avaliação
possível não só colocar em questão o processo e suas psicológica para concessão de registro e/ou
porte de arma de fogo. Há uma nota técnica
técnicas, mas as demandas específicas de cada área de do CFP, de 31/05/2010, referente à Res
010/2009 que fornece esclarecimentos
atuação psicológica nos seus mais variados contextos sobre o trabalho do psicólogo na avaliação
psicológica para concessão de registro e/ou
(escolar, hospitalar, jurídico, trânsito, organizacional, porte de arma de fogo.
etc.), os encaminhamentos, bem como as implicações • Concurso Público: a Res CFP nº 001/2002
regulamenta a avaliação psicológica em
éticas. Para este feito, os eventos organizados pelo concurso público e processos seletivos da
mesma natureza. Outras normativas
CFP e pelos Conselhos Regionais deveriam abordar a contemplam orientações gerais para a
categoria, em torno da avaliação
temática a partir de três eixos: (REVISTA psicológica, independentemente do
contexto em que é aplicada, como as
CONTATO, 2011, p.16). resoluções 002/2003 e 007/2003.
Revista Contato (2011)
170

EIXO I: Qualificação: no intuito de criar critérios com base em direitos humanos, avaliação
como processo, manuais considerando os contextos de aplicação e âmbitos de utilização dos
instrumentos;
EIXO II: Relações Institucionais: para debater a avaliação nos diversos campos de atuação;
EIXO III: Relação com o contexto de formação.

Previamente aos debates, foi lançada uma publicação intitulada Ano da Avaliação
Psicológica – Textos geradores. Na apresentação da referida publicação, o conselheiro-
presidente do CFP anunciou que, com essa iniciativa, pretendia:

[...] mapear as necessidades para qualificação da área e discutir a adequação das ferramentas
aos parâmetros éticos da profissão e aos contextos de uso. A decisão de realizar este ano
temático foi da Assembleia das Políticas, da Administração e das Finanças (APAF), instância
deliberativa do Sistema Conselhos de Psicologia que reúne todos os Conselhos Regionais e os
Conselhos Federais. A expectativa é envolver a categoria, em todas as regiões do Brasil, em
reflexão sobre a avaliação psicológica como um processo complexo, no qual os Direitos
Humanos devem ser garantidos, bem como os princípios éticos e técnicos da profissão, sendo
o objetivo final das atividades a qualificação dessa prática no Brasil. Os textos geradores que
agora publicamos têm o intuito de contribuir com os debates que estão sendo realizados pelos
Conselhos Regionais (VERONA, 2011, p.11).

Também foi criado um blog (http://anotematico.cfp.org.br), visando fazer circular


informações sobre atividades que seriam organizadas ao longo do ano pelos Conselhos
Regionais, além de possibilitar que a manifestação dos psicólogos via comentários e questões
postadas na página.
A publicação também foi dividida em eixos, onde os artigos foram distribuídos com
ênfase na proposta a ser discutida. Cada eixo de debate resgatou, ao modo de cada autor, a
importância da avaliação psicológica para a Psicologia. Muitos dos textos colocavam os testes
como ferramenta de relevância no processo de avaliação, critério de cientificidade que
atribuiria segurança e validade às informações. Boa parte também destacou as repercussões,
os efeitos que os resultados da avaliação poderiam provocar na vida das pessoas atendidas
pelos serviços psicológicos e a necessidade de estes serem contextualizados.
Entretanto, contextualizar não é o mesmo que circunstanciar, descrever, restituir a
história de vida ou a biografia do sujeito avaliado. Também não é transcrever dados de
anamnese de forma detalhada como um espectador de fora. Os acontecimentos históricos e
sociais não devem ser vistos como relatos precisos e completos do sujeito avaliado, mas
recortes selecionados dentro de um campo de batalha da memória e do interesse pessoal. Do
mesmo modo, estes não são exteriores ao psicólogo avaliador, que precisam ser purificados
para não causar ruídos ou perturbações à análise. Contextualizar é, portanto, trazer para o
171

cenário da avaliação as relações históricas, sociais e culturais (BAUMAN, 2011; CARRARA,


2002; CATHARINO, 1999). Além disso, no processo de construção do conhecimento via
avaliação psicológica, o profissional deve incluir-se neste processo, figurando como
personagem em uma relação dialógica, a partir, segundo Machado (1994, p.57), de uma
―experiência refletida‖.
Todo o conhecimento produzido sobre o sujeito avaliado seria, portanto, um ―ato de
transformação do mundo e do sujeito‖ (FONSECA, 2007, p.51), um ato de criação do
psicólogo implicado em uma posição teórica, ético-política e ligada a interesses históricos.
Esse ato de criação não se prenderia a uma busca pela verdade, ao estado permanente, mas
antes, ao modo como aquele sujeito expressaria suas forças e tendências em determinado
momento.
Assim, para contextualizar seria preciso colocar em questão a perspectiva de corte
positivista para que o psicólogo possa criar uma trama de sentidos e produzir conhecimento
para além dos dados empíricos, da aparência e das regularidades, ou seja, para produzir
subjetividades sempre inacabadas e que não se fecham em si mesmas.
Enfim, muito do que foi dito resgatou antigas queixas e defesas da avaliação
psicológica realizada com o uso de instrumentos padronizados. A novidade nos discursos
ficou a critério da ênfase dada à ética e aos Direitos Humanos nos discursos/práticas
psicológicos no contexto da avaliação. Não quero dizer com isso que as questões éticas e
relativas aos Direitos Humanos sejam novidades no fazer psicológico, porque não são, haja
vista o tratamento dado à questão ética no Manual de Elaboração de Documentos, onde este
afirma que:

Na elaboração de DOCUMENTO, o psicólogo baseará suas informações na observância dos


princípios e dispositivos do Código de Ética Profissional do Psicólogo. Enfatizamos aqui os
cuidados em relação aos deveres do psicólogo nas suas relações com a pessoa atendida, ao
sigilo profissional, às relações com a justiça e ao alcance das informações – identificando
riscos e compromissos em relação à utilização das informações presentes nos documentos em
sua dimensão de relações de poder. Torna-se imperativo a recusa, sob toda e qualquer
condição, do uso dos instrumentos, técnicas psicológicas e da experiência profissional da
Psicologia na sustentação de modelos institucionais e ideológicos de perpetuação da
segregação aos diferentes modos de subjetivação. Sempre que o trabalho exigir, sugere-se
uma intervenção sobre a própria demanda e a construção de um projeto de trabalho que
aponte para a reformulação dos condicionantes que provoquem o sofrimento psíquico, a
violação dos direitos humanos e a manutenção das estruturas de poder que sustentam
condições de dominação e segregação. Deve-se realizar uma prestação de serviço responsável
pela execução de um trabalho de qualidade cujos princípios éticos sustentam o compromisso
social da Psicologia. Dessa forma, a demanda, tal como é formulada, deve ser compreendida
como efeito de uma situação de grande complexidade (RESOLUÇÃO CFP nº 007/2003).
172

Contudo, a novidade para a qual chamo a RESOLUÇÃO CFP nº 005/2012


RESOLVE:
atenção estaria em como esses discursos aparecem ou Art. 1º. Alterar o art. 1º da Resolução CFP
n.º 002/2003 que passa a ter a seguinte
vêm sendo abordados na atual conjuntura da prática redação:
da avaliação psicológica. Art. 1º. Os Testes Psicológicos são
instrumentos de avaliação ou mensuração
A ênfase é significativamente marcante ao de características psicológicas,
constituindo-se um método ou técnica de
ponto de a redação do Art.1º da Resolução CFP nº uso privativo do psicólogo, em decorrência
do que dispõe o § 1° do Art. 13 da Lei n.°
002/2003 – que define testes psicológicos – ter sido 4.119/62. Para que possam ser reconhecidos
como testes psicológicos em condições de
alterada conforme já antecipei. Essa alteração fez uso deverão atender aos requisitos técnicos
instituir a Resolução CFP nº 005/2012 que incluiu e científicos, definidos no anexo da
Resolução CFP n.° 002/2003, e aos
tais expressões no corpo do texto. seguintes requisitos éticos e de defesa dos
direitos humanos:
I) Considerar os princípios e artigos
previstos no Código de Ética Profissional
dos Psicólogos;
II) Considerar a perspectiva da
1.5.3 Implicações integralidade dos fenômenos sociais,
multifatoriais, culturais e historicamente
construídos;
III) Considerar os determinantes
socioeconômicos que interferem nas
Atrelar à definição de testes psicológicos a relações de trabalho e no processo de
exclusão social e desemprego.‖
critérios éticos e de defesa dos Direitos Humanos tem Parágrafo único. Para efeito do disposto
no caput deste artigo, os testes psicológicos
seus efeitos de sentido, necessariamente. A concepção são procedimentos sistemáticos de
que é transmitida parece indicar que o fato de o observação e registro de amostras de
comportamentos e respostas de indivíduos
psicólogo empregar testes empiricamente atestados com o objetivo de descrever e/ou mensurar
características e processos psicológicos,
pelo SATEPSI seria condição suficiente para garantir compreendidos tradicionalmente nas áreas
emoção/afeto, cognição/inteligência,
ou assegurar, automaticamente, que a avaliação motivação, personalidade,
psicomotricidade, atenção, memória,
psicológica, nestas condições, seria ética e em defesa percepção, dentre outras, nas suas mais
dos Direitos Humanos. Será? De que ética, de que diversas formas de expressão, segundo
padrões definidos pela construção dos
direitos e de quais humanos se está falando? instrumentos.

Novamente, é preciso não só indagar, mas


anunciar de que lugar epistemológico o psicólogo ocupa quando afirma, por exemplo, que o
uso de testes padronizados e com qualidade garantiria o respeito dos princípios éticos e
técnicos da profissão, bem como dos Direitos Humanos. A justificativa para isso seria que o
uso de tais instrumentos padronizados partiria de uma preocupação do psicólogo em evitar
ações de discriminação e segregação dos sujeitos avaliados (SANTOS, 2011; VERONA,
2011).
173

Para Primi (2011, p.56),

os critérios são meios de certificar a qualidade dos instrumentais e estão em direta


consonância com o sentido mais amplo dos princípios fundamentais que são tratados na
Declaração dos Direitos Humanos, pois buscam reconhecer instrumentais que atingem
padrões de qualidade mínimos para uma prática cientificamente reconhecida, como forma de
colocar o conhecimento e os instrumentos psicológicos disponíveis à sociedade, de maneira
responsável.

Reppold (2011) foi mais contundente quando afirmou que, por haver o SATEPSI
elevado ―a qualidade dos instrumentos de avaliação psicológica utilizados pelos profissionais
da área‖, foi responsável por primar pelo respeito aos Direitos Humanos, ―uma vez que baseia
os critérios de avaliação da qualidade dos testes em estudos que comprovem seus
fundamentos científicos‖ (REPPOLD, 2011, p.25).
É justo que o psicólogo se preocupe em evitar ações que discriminam e segregam as
pessoas avaliadas, e ainda disponibilize seu conhecimento para a sociedade de forma
responsável, mas seriam os critérios de avaliação da qualidade e credenciamento dos testes
(pelo SATEPSI) o que de fato garantiria que o psicólogo evitasse essas ações de exclusão
social e assim respeitasse a ética e os Direitos Humanos?
Talvez para evitar polêmicas maiores, Primi (2011) e Reppold (2011) relativizaram
seus discursos pautados na exclusividade dos testes padronizados pelo SATEPSI na garantia
da ética e dos Direitos Humanos para situar a competência profissional como requisito para
bem empregar as informações obtidas pelos testes. Isso inclui a necessidade de o psicólogo
contextualizar o conhecimento produzido, considerando as diferenças e necessidades
individuais e/ou da coletividade para agir de forma responsável e coerente. Porém, Reppold
(2011) insistiu, ainda, em afirmar que a prática de avaliação psicológica, quando substanciada
com instrumentos padronizados, ―busca garantir atenção aos Direitos Humanos‖ (REPPOLD,
2011, p.27).
À luz dessa discussão, Bicalho (2011) e Novaes (2011) ponderaram no sentido de
contestar essa visão que apregoa ética e Direitos Humanos enquanto princípios, leis, códigos
ou convenções. Isso seria o mesmo que tomar a ética e os Direitos Humanos por efeito, ou
seja, bastaria ao psicólogo cumprir com determinadas regras ou procedimentos, como utilizar
testes padronizados para a população em que o sujeito avaliado está inserido, para entender
que sua prática respeita a ética e os Direitos Humanos. A visão dos autores caminha no
sentido contrário dessa perspectiva: porque o psicólogo age em respeito à ética e aos Direitos
174

Humanos que tem a possibilidade ou a liberdade para fazer escolhas, tal qual a de fazer ou
não avaliação psicológica com uso de testes.
Portanto, o principal fundamento sobre o qual o psicólogo deve sustentar o seu fazer
são os aspectos éticos e de defesa dos Direitos Humanos, subordinando a estes todos os
demais, inclusive os técnicos e não o oposto. Lembrando Gondar (2004), toda escolha técnica
é, anteriormente, uma escolha ética, sempre política, indissociável de qualquer processo de
produção de conhecimento, de modo que ética e Direitos Humanos devem ser admitidos
como norteadores de nossas práticas e não simples efeitos destas (BICALHO, 2011).
Para Novaes (2011, p.38-40):

A questão dos Direitos Humanos é também polêmica: trata-se, a cada momento, de construir
uma compreensão do que seriam esses direitos, quais categorias, grupos ou coletividades
deveriam ser seus sujeitos, como deveriam eles ser operacionalizados, quais as ações em sua
defesa. É um trabalho constante, tendo em vista as manifestações oportunistas de pessoas,
grupos e instituições diversas, que se utilizam da expressão a favor de seus interesses
políticos, ideológicos, teóricos, religiosos e outros. [...] Como já foi assinalado anteriormente,
[...] a condução ética e de respeito aos Direitos Humanos na orientação, regulamentação e
fiscalização das atividades profissionais em Psicologia no Brasil não deve ser considerada
apenas como aplicação automática, burocrática ou protocolar do CEPP e dos princípios
construídos dos Direitos Humanos.

Muitos autores, em consonância ao discurso corrente da competência profissional,


recuperaram as queixas referentes à má qualificação profissional para endossar outros
discursos que despontavam no horizonte da Psicologia bem antes da publicação pelo CFP do
documento Avaliação Psicológica: Diretrizes na Regulamentação da Profissão em 2010.
Assim, erigia o discurso em defesa pelo aprimoramento do profissional na área da avaliação
psicológica por meio da implementação do Título de Especialista em Avaliação Psicológica
(ANACHE; REPPOLD, 2010; BANDEIRA, 2011; FONSECA, 2011; NORONHA;
REPPOLD, 2010; NUNES; PRIMI, 2010; PRIMI, 2010, 2011; PRIMI; NUNES, 2010;
REPPOLD, 2011; TREVIZAN, 2011).

De uma vez por todas, a avaliação psicológica precisa ser compreendida como competência
imprescindível ao psicólogo – como é disposto nas diretrizes curriculares que regem a
formação profissional – e como área que requer formação específica e atualizada, o que
justifica o título de Especialista (NORONHA; REPPOLD, 2010, p.199).

Bandeira (2011) argumenta que a regulamentação do Título de Especialista pelo CFP


se justifica em razão de os cursos de graduação não mais disporem de tempo suficiente para
aprofundarem o ensino na matéria ligada à avaliação psicológica.
175

Alguns cursos possuem uma ou duas disciplinas de testes, conforme Alves, Alchieri e
Marques (2002), o que certamente não é tempo suficiente para o aprofundamento deste tema.
Os alunos de Minas Gerais já pontuam a insuficiência de conteúdos de AP na sua formação
(Paula, Pereira,; Nascimento, 2007). E com o advento das ênfases, aquele aluno que não opta
por uma ênfase que aborde o tema da avaliação fica com uma formação mais deficitária ainda.
Aliado a isso, a partir da demanda corrente, os cursos tiveram a necessidade de introduzir
novas disciplinas, específicas de determinados contextos, tais como Psicologia hospitalar,
Psicologia do esporte, Psicologia jurídica. Tal fato fez com que o tempo disponível ficasse
mais escasso ainda. Diante desta realidade, parece que somente nos cursos de especialização
voltados para avaliação psicológica os psicólogos conseguem aprofundar seu conhecimento
na área. Esses têm-se disseminado com mais intensidade, muito em função da própria
necessidade dos psicólogos ao se depararem com a prática profissional. Prova disso é a
quantidade de psicólogos que se inscrevem em cursos de AP oferecidos nos congressos
realizados na área. É crescente a procura por esses cursos e a sua oferta. [...] Então pergunto, é
possível, em cursos generalistas como os que temos, aumentar a carga horária para essa área?
Reppold e Serafini (2010) entendem que sim. Mas ainda questiono, é desejável? Com a carga
atual, será que o estudante de Psicologia se forma em condições de trabalhar com avaliação
psicológica, seja com que técnica for? (BANDEIRA, 2011, p.130-131).

A autora ainda sugere que os instrumentos psicológicos sejam classificados por nível
de conhecimento, de tal modo que aos alunos de Psicologia seriam ensinadas – dentro dessa
reduzida carga horária destinada às disciplinas de testes – apenas algumas técnicas (leia-se, as
mais fáceis, como inventários) as quais poderiam ser empregadas com certo nível de
excelência pelo psicólogo recém-formado. Com isso, para aprenderem e aplicarem técnicas
mais complexas seria exigida a especialização dos profissionais.
Em geral, acreditam os autores que, com essa medida, haveria uma valorização da
disciplina de avaliação psicológica, fomentando a criação de cursos de formação continuada,
por conseguinte, o interesse entre os próprios profissionais pela formação especializada e
desenvolvimento de projetos de carreira. Ademais, defendem que outros benefícios adviriam
com a regulamentação do título de especialista na área da avaliação psicológica, dentre eles, a
redução dos processos éticos contra os psicólogos pela qualificação técnica (ANACHE;
REPPOLD, 2010; BANDEIRA, 2011; FONSECA, 2011; NORONHA; REPPOLD, 2010;
NUNES; PRIMI, 2010; PRIMI, 2010, 2011; PRIMI; NUNES, 2010; REPPOLD, 2011;
TREVIZAN, 2011).

Compreende-se que, à medida que essas questões são discutidas como próprias de uma área
específica, menos imperícias no uso de procedimentos avaliativos tendem a ocorrer e mais se
avançará no sentido de que a avaliação psicológica seja socialmente relevante e beneficie as
pessoas, especialmente propiciando-lhes mais qualidade de vida (REPPOLD, 2011, p.27).

Chamo a atenção para o fato de que os autores passaram não mais a tratar a avaliação
psicológica como atividade, mas enquanto área, o que faz uma enorme diferença, pois, nestes
termos, a avaliação se tornaria, de fato, um campo especializado de atividade profissional e
não mais em uma atividade comum a todos os psicólogos.
176

Além disso, não resta dúvida que a regulamentação do referido título irá estimular o
mercado a planejar cursos de especialização, literalmente vendendo a ideia de que, portando o
título, o psicólogo ficaria protegido ou imune a eventuais processos éticos, por estar
qualificado técnica e cientificamente.
O psicólogo não pode ser ingênuo ao ponto de perder de vista que os maiores
beneficiados com a regulamentação do título serão as instituições formadoras, em especial, o
Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (IBAP) e a Associação Brasileira de Rorschach e
Outros Métodos Projetivos (ASBRo), que estão à frente das discussões, juntamente com a
Comissão Consultiva em Avaliação Psicológica e a ANPEPP. O impacto desse discurso pela
regulamentação do título é tão intenso que, não por acaso, tais instituições foram convidadas a
participar do Seminário Nacional de encerramento das atividades do Ano Temático da
Avaliação Psicológica na sede do Conselho Federal de Psicologia em março de 2012.

Primeiro dia (23/03)


Na sexta-feira (23), o seminário terá início às 10h da manhã. A abertura será realizada pelo
presidente do Conselho Federal de Psicologia (CFP) Humberto Verona. Em seguida, será
iniciada mesa redonda “Avaliação Psicológica e Direitos Humanos” por volta de 10h30, sob
coordenação da conselheira Ana Paula Noronha. A mesa será composta pela presidente da
Associação Brasileira de Rorschach e Métodos Projetivos (ASBRo) Deise Amparo, pela
presidente do Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (IBAP), Caroline Reppold, e pelo
coordenador da Comissão de Direitos Humanos do CFP, Pedro Paulo Bicalho
(http://anotematico.cfp.org.br/2011/).

Neste evento, fechado para a categoria, embora os interessados pudessem acompanhar


via internet, as referidas instituições apresentaram para o CFP, também distribuído aos
participantes, um documento não publicado intitulado A Avaliação Psicológica e a Promoção
da Psicologia como Ciência e Profissão (2012).
No documento, as instituições solicitam ao CFP que regulamente o título de
especialista, a despeito de as discussões referentes ao assunto, uma das pautas no evento do
Ano Temático, não revelassem consenso sobre a questão. Pelo contrário, algumas propostas
encaminhadas pelos delegados56 indicavam o entendimento de que: (1) a avaliação
psicológica é considerada um processo complexo e multidimensional e que não envolve
necessariamente a aplicação de testes; (2) a avaliação perpassa a todos os campos de atuação
profissional, o que não justificaria tornar-se uma especialidade; (3) caberia ao profissional
assumir responsabilidades somente por atividades para as quais esteja capacitado pessoal,

56
Representantes da categoria, eleitos nos encontros regionais promovidos pelos Conselhos Regionais de
Psicologia.
177

teórica e tecnicamente; (4) investimento ou revisão curricular da formação acadêmica; (5)


investimento em pesquisas; (6) a formação não deve ser tecnicista; (7) pensar nos efeitos
ético-políticos que decorreriam das propostas para se criar um título de especialista; entre
muitas outras.
Assim, como concluir que a categoria é a favor da regulamentação desse título de
especialista junto ao CFP? Aliás, é no mínimo de se estranhar que um documento que solicita
a regulamentação do título já estivesse elaborado. A leitura dos Textos geradores (CFP, 2011)
deixa bem claro que há divergências entre diversos autores, mesmo entre aqueles que
defendem o título, por vezes, caindo em contradição.
Por exemplo, comentei há pouco que Bandeira (2011) sugere a classificação dos testes
e que somente uma parte seja ensinada na graduação, deixando para o curso de
especialização, os demais (não está claro quem seria responsável pela classificação dos testes,
quais critérios, etc.). No documento entregue ao CFP durante o Seminário Nacional, o
posicionamento é de que tal medida não impedirá os psicólogos não especialistas de fazerem
avaliação e utilizarem as técnicas, pois estão legalmente autorizados a realizar qualquer
procedimento em Psicologia, sendo responsáveis por suas decisões. Alegam que a formação
especializada seria necessária para o psicólogo desenvolver competências específicas, tais
como conhecimento em Estatística e Psicometria para desenvolver instrumentos, redação de
laudos e outras questões raramente contempladas na graduação.
Se, em tese, não haverá restrições, será que na prática as atividades ligadas à avaliação
e aplicação de testes psicológicos não se tornarão de exclusiva competência do especialista,
seja por força do mercado de trabalho que irá exigir que o profissional seja especializado, seja
por força da própria categoria, requerendo exclusividade neste campo de trabalho?
Outrossim, preocupa o fato de a avaliação, feita sem uso de instrumentos como, em
geral, fazem os psicoterapeutas antes de iniciarem o tratamento, ser desqualificada ou
considerada insuficiente para atestar a pertinência do tratamento, decorrendo uma imposição
(talvez, a princípio, de forma tácita), de uma avaliação psicológica com um especialista na
área. Não sendo eles próprios especialistas na área de avaliação, teriam que, antes e para
iniciarem atendimento psicológico, aguardar o diagnóstico e a indicação de tratamento (via
encaminhamento) do especialista.
178

Uma situação que, a meu ver, não difere muito


do chamando ―Ato Médico‖, que há muito a categoria
e o Sistema Conselhos vêm combatendo. Transformar
uma atividade em área de atuação de especialistas não Imagem 7: Ato Médico: Diga Não
Tramita no Senado Federal o PL N°
seria instituir uma espécie de ato? 25/2002 que define o Ato Médico, já
conhecido de todos os psicólogos e
Declarações como a de Noronha (2002) e de categorias ligadas à área de saúde, de
autoria do ex-senador Geraldo Althoff
Siqueira e Oliveira (2011) caminham nessa direção. (PFL-SC). O referido Projeto de Lei foi
As autoras levaram a público a opinião de que era aprovado pela Comissão de Constituição,
Justiça e Cidadania, com sutis alterações
―inconcebível‖ pensar que intervenções psicológicas feitas pelo relator, senador Tião Viana (PT-
AC), que não agradaram às treze categorias
tomassem curso sem que antes houvesse uma profissionais que são contrárias a aprovação
do Projeto de Lei. [...].
avaliação psicológica ou ―um olhar investigativo‖ O PL tem inúmeras inconsistências;
devemos aponta-las em todas as
(SIQUEIRA; OLIVEIRA, 2011, p.48). Esse seria oportunidades com as categorias co-irmãs,
requisito para uma atuação ―adequada‖ (NORONHA, objetivando uma apropriação de seus
conteúdos e fortalecimento de nossa luta
2002, p.140). por sua rejeição.
É um PL de conotação corporativista,
Uma das requisições da categoria no referido com uma percepção fragmentada da questão
SAÚDE, que tenta manter a hegemonia de
evento, que me pareceu bastante pertinente, foi pensar uma profissão sobre as demais.
[...] Em pleno século XXI, vemos a
nos efeitos ético-políticos de tal determinação, pois questão SAÚDE como um espaço em que
encanta a qualquer profissional ―mal formados cabem múltiplas contribuições de inúmeros
profissionais. Temos que reconhecer o
intelectual e profissionalmente‖ (MELLO; PATTO, papel relevante que a medicina assumiu por
ter chegado primeiro porém, desprezar hoje
2008, p.593), o poder que lhe é outorgado para ser o a contribuição de outras profissões dentro
de uma visão sistêmica de saúde, é negar as
único discurso competente para dizer sobre o íntimo grandes conquistas da ciência e o
desenvolvimento de outros saberes. A saúde
das pessoas. Por esta razão ―muitos sentem-se livres tem que ser vista como um
para dizer o que bem entendem, certos da compartilhamento de conhecimentos onde
todos são importantes, representados por
impunidade‖, pois seriam especialistas, capacitados inúmeras profissões, dentre elas, a
Psicologia.
técnica e cientificamente para tais feitos (MELLO; A maior aberração desse PL é defender
exclusividade na prescrição terapêutica para
PATTO, 2008, p.593). uma única profissão. Desconhece que as
outras profissões são regulamentadas,
Isso remete a outro critério acentuado na possuem reconhecimento social e também
defesa pelo título: a redução da incidência de lidam com a saúde, com limites,
conhecimentos profissionais e competências
processos éticos em razão do aprimoramento da específicas.
Recusamo-nos a ser profissionais de
conduta ética decorrente da falta de conhecimento segunda categoria, a ser meros auxiliares de
médico, a ficar passivo diante desse quadro.
técnico e metodológico em avaliação psicológica. Souto (2004)
Como afirmam Mello e Patto (2008), a autorização
179

dada ao psicólogo para atuar com a certeza de que não será processado por infração ao CEPP
é simplesmente inebriante e, acrescento, um chamariz bastante atrativo comercialmente.
No entanto, transformar os psicólogos em especialistas em avaliação psicológica,
aprimorando-os ou treinando-os quanto ao uso de técnicas cada vez mais refinadas, embora
pareça ser a solução para muito dos problemas citados, não os torna isentos de cometer erros.
Aliás, apesar de desejável para alguns, a concessão do título de especialista em Avaliação
Psicológica não é o mesmo que um selo de qualidade profissional. Treinar habilidades e
competências necessárias para o exercício da avaliação psicológica tampouco os neutraliza. O
erro faz parte da condição humana e, embora seja louvável investir no ensino para evitá-lo,
este apenas o minimiza, pois ―não é possível zerar [...] erros‖ (HUTZ, 2009, p.306).
Na opinião de Hutz (2009, p.306),

o ideal, e devemos realmente caminhar nessa direção, seria que o psicólogo que usa avaliação
psicológica para declarar pessoas aptas ou inaptas, passíveis ou não de promoção, ou para
outras finalidades classificatórias, saiba qual o grau de erro envolvido em seus procedimentos
e, com base nessa informação, possa estimar benefícios e prejuízos.

A proposta de conhecer o grau de erro dos procedimentos é um desafio vinculado à


ideologia cientificista, em que vigora uma visão idealista de vida, pois seria transformar as
relações entre psicólogos e os sujeitos avaliados em procedimentos calculáveis
estatisticamente.
Tavares (2003) também admite que há momentos em que o psicólogo incorre em erro,
―sendo o pior deles a arrogância‖ (TAVARES, 2003, p.125) de acreditar que é capaz de tudo
saber acerca do sujeito avaliado. Contudo, suas orientações para ―alcançar uma estratégia
diagnóstica que mantenha um compromisso ético e humanitário‖ (TAVARES, 2000, p.55) se
atém à compreensão das técnicas que o profissional irá utilizar, além do conhecimento dos
procedimentos específicos de avaliação e da capacidade de integração destes, agregando
competência no uso dos procedimentos e na relação com o sujeito. Sua ideia se resume na
frase: ―nada mais ético do que um bom treinamento‖ (TAVARES, 2000, p.55).
Nesta mesma vertente, Bandeira et. ali (2006, p.136) declaram abertamente que o
psicólogo deve se tornar um técnico da subjetividade, cuja relevância da formação continuada
seria de fornecer ―o embasamento teórico-prático amplo e consistente‖ para nortear o
psicólogo no processo de avaliação.
Pensando na formação de especialistas em avaliação psicológica, o que garante que a
―maximização das performances‖ irá impedir que o psicólogo cometa erros (LYOTARD,
180

1998, p.30)? Ademais, aparelhando o psicólogo com uma formação técnica na intenção de
evitar que ele cometa erros, na verdade, não se estaria cerceando-o da ―liberdade de
experimentação‖ (BAUMAN, 2011, p.121)? Por que protegê-lo contra suas próprias escolhas
e repercussões possíveis que dela possam advir? Talvez para melhorar a imagem que a
sociedade tem da Psicologia, em especial, da avaliação psicológica, e com isso, haveria novas
demandas e aberturas de campos de trabalho.

Se algo der errado, seremos nós os responsáveis, e teremos que viver com isso. Não há
abstração ou projeção que possamos fazer que nos liberte da condição de termos que decidir
cotidianamente o que devemos e o que não devemos fazer. Não há conforto que possa nos
livrar de nossa responsabilidade moral diante de nós mesmos. Não há como fugir da ética
porque não há como se eximir de agir (SILVEIRA; HÜNING, 2010, p. 394).

Ora, por mais que se invista na garantia de um trabalho tecnicamente bem executado
por meio da qualificação profissional, bem como no aprimoramento dos instrumentos, é
preciso salientar que a participação do psicólogo não é nem objetiva, nem neutra, assim como
a própria realização da investigação. O psicólogo não pode ser curado de sua humanidade,
não pode abdicar de suas convicções, seus interesses, sua disponibilidade, seus valores,
tampouco das convenções e estereótipos presentes em meio à cultura onde vive, promovendo
uma espécie de apagamento ou ocultação da subjetividade, transformando-se, ele próprio, em
objeto, para garantir a descoberta ou revelação da verdade, da realidade dada a priori
(BURKE, 1992; MOYSÉS; COLLARES, 1997; ZANETTI; GOMES, 2009).
Dito isso, a neutralidade, a impessoalidade e a objetividade deixam de ser uma
possibilidade para se tornarem uma ―maneira cômoda, talvez, hipócrita, de esconder a opção‖
(FREIRE, 2007, p.112) por uma prática científica, por certo olhar, por uma teoria dentre
tantas outras possíveis, sempre comprometida com um modo de pensar e de intervir ético-
político, produtor de subjetividades (MALHEIRO; NADER, 1987; MOLON, 2004).

[...] o que há são cientistas que estão inseridos em uma realidade histórica, pertencentes a uma
classe social, comprometidos politicamente com alguma visão da sociedade e, enquanto
indivíduos, com sua subjetividade; a neutralidade científica não é possível, pois declarar-se
neutro já implica assumir uma visão, ou uma posição dentro do processo de conhecimento
científico (MALHEIRO; NADER, 1987, p.11).

O erro, por sua vez, não deve ser visto como inimigo, mas aliado no trabalho do
psicólogo, enquanto recurso que permite a criação, a ruptura com modelos instituídos, a
revisão e a produção do novo. Cursos e treinamentos podem transformar o psicólogo em um
profissional tecnicamente bem preparado, mas não o tornam perfeito ou infalível. Eis um
181

equívoco: depositar nas tecnologias e nas especializações e aprimoramentos profissionais a


garantia para um agir considerado impecável e ético.
Pelo contrário, treinamentos, modelos, técnicas, ao se tornarem parâmetros rigorosos
de referência conceitual e metodológica com os quais o psicólogo desenvolve um modo
particular, fechado, único e dogmático de olhar seu objeto, podem fragilizar e despotencializar
o profissional para a criação, para lidar com o desconhecido e para o exercício do pensar, já
bastante precário. Aliás, como discuti há pouco, a especialização do psicólogo tem
contribuído para reforçar uma condição que se apresenta na pós-modernidade em que os
profissionais, em geral e lamentavelmente, têm se mostrado cada vez menos críticos e sem
consciência da dimensão social e política de suas atividades, apenas reproduzindo modelos
aprendidos sem questioná-los (BOCK, 1997; COIMBRA; NOVAES, 2006; MOYSÉS;
COLLARES, 1997).
Nesta conjuntura, o psicólogo pode fazer todos os cursos que desejar, passar por
inúmeras supervisões, empregar técnicas as mais precisas, se não souber pensar por si mesmo
(isso mesmo, pensar!) sobre o seu fazer, poderá incorrer em faltas. Exercer o pensamento
crítico não parece fazer parte de nossa subjetivação, dizia Ulpiano (1995).

Ou seja, nós não somos constituídos para entender; nós somos constituídos para obedecer! O
que eu estou dizendo é exatamente a composição de nossa existência. Então, a Filosofia, ou a
História do Pensamento, se confronta diretamente com os processos pedagógicos que nos
constituem, que nos ensinam não a entender, mas a obedecer.

Por isso, quando o psicólogo envereda em analisar temas dos quais de nada vale a
obediência, ou seja, quando ser um técnico da subjetividade e aplicar técnicas bem treinadas
não é condição suficiente para produzir conhecimento, resta-lhe a única opção que realmente
importa: praticar o pensamento crítico, a liberdade para escolher, motores do exercício da
ética e, ainda, o bom-senso para regular o exagero.
Prudência e bom-senso, salientados por Freire (2007), aparentemente sem importância
frente a tantos recursos técnicos e metodológicos, são expedientes preciosos na regulação dos
excessos e da insensatez na atuação do profissional, inclusive na arte de avaliar.
Por este motivo a inviabilidade e ilegitimidade da perspectiva positivista que postula a
neutralidade. Esta visão de ciência não só anula o que o profissional tem de humano, como
também cria a impossibilidade do exercício da ética, pois um profissional neutralizado não
pode responder por seus atos, tornando incompatível o discurso que prega por uma ação
profissional técnico-científica (de corte positivista) e ética.
182

Porém, o que faz com que essas discursividades diferentes venham conectadas? A
visão epistemológica. Longe de suprimir a perspectiva positivista, na pós-modernidade,
Lyotard (1998, p. 24) vislumbra a coexistência de duas espécies de saber: um positivista – no
qual a Psicologia assume o papel de verificadora de hipóteses, interessando-se por
categorizar, medir, calcular, classificar e descrever seu objeto de estudo com o intuito de
explicá-lo –, e que se presta a tornar-se uma força produtiva indispensável ao sistema, e uma
espécie crítica e reflexiva, ética e politicamente implicada que resgata a subjetividade e a
função social da ciência.
Afirmar pela competência técnico-científica e ética, na perspectiva positivista, é
entender ética equivalente à legalidade, ao cumprimento da norma. Logo, se é dever do
psicólogo usar um teste validado, preciso, ele estaria, nesta perspectiva, respeitando as normas
de sua profissão, estaria agindo conforme a deontologia... mas estaria sendo ético?
Não pela perspectiva sócio-histórica, crítica e reflexiva. Ética e moral, embora
idênticas na aparência, qual irmãs gêmeas, não são a mesma coisa. Legalidade e
responsabilidade ética, portanto, não devem ser confundidas. A legalidade ou normativa é da
ordem da moral, do certo ou errado, do bom e mau comportamento, boa ou má conduta, do
erro; enquanto a liberdade para fazer escolhas e tomar decisões em diferentes contextos é da
ordem da ética.
Senso assim, como discursos feitos ―por pares de profissão e ímpares de filiação
teórica‖ (GUIRADO, 2005, p.22) soam conciliáveis, por exemplo, nas definições propostas
para avaliação psicológica? Como falar, por exemplo, em considerar e analisar os
condicionantes históricos e sociais e seus efeitos no psiquismo contidos na Resolução CFP nº
007/2003, na perspectiva positivista? Como anunciar que há vários tipos de avaliação
psicológica, vinculadas a diversas correntes epistemológicas, se, ao mesmo tempo, exige-se
do profissional ―domínio de instrumentos e técnicas de exame psicológico‖ (LÖHR, 2011,
p.143)? Para Löhr (2011), a definição epistemológica serviria para auxiliar o profissional na
interpretação dos dados. Portanto, o psicólogo poderia aplicar testes construídos por um viés
epistemológico positivista e somente interpretar a partir de outro viés de sua escolha? Soa
paradoxal.
O discurso, porém, revela uma das características da epistemologia positivista, a
rigorosidade quanto aos critérios científicos, com a negação da diversidade, criando campos
de especialidade. Assim, o profissional poderia estar fundamentado em teorias outras e, ainda
assim, teria que aplicar testes ancorados em bases positivistas.
183

A diversidade de opiniões que apontaria para uma dificuldade de diálogo ou


incomunicabilidade entre essas duas grandes correntes epistemológicas parece não existir,
quando as críticas passam a ser estrategicamente incorporadas pelo discurso hegemônico. A
experiência do Ano Temático mostrou essa assimilação e discursos antes divergentes
passaram a ser unificados.
É função dos discursos unificadores anular diferenças e apaziguar conflitos, por isso
está na base do funcionamento das retóricas e das capturas próprias das sociedades de
controle, com a produção de um pensamento único que elimina ou silencia a oposição. Tais
discursos na sociedade de controle ―pretendem convencer a todos, e de diversas maneiras,
sobre a participação democrática em todas as manifestações da vida‖ (PASSETTI, 2009,
p.157).
Na circunstância atual, quando os discursos unificadores promovidos, por exemplo,
pelos grupos que estão à frente do movimento em defesa da avaliação e da regulamentação do
título de especialista, é possível identificar, mediante a discussão desenvolvida, que há uma
busca por localizar os discursos que se contrapõem e deles se acautelar ou se apropriar, neste
caso, adaptando-os para melhor gerenciar as contradições.
Assim é que muitas críticas são desqualificadas como sendo fruto de preconceitos e
desconhecimento do profissional em matéria de avaliação psicológica (como se o fato de ter
conhecimento implicasse em aprovação); que outras tantas críticas são respondidas como
sendo decorrentes da ignorância do psicólogo frente os avanços científicos atuais (em especial
dos testes) que modificaram uma prática exercida no passado; e outras ainda têm sido
acolhidas para serem capturadas e retransmitidas como se houvesse consenso, tal como ocorre
em relação à formação acadêmica e a defesa pela especialização.
Muito poder foi confiado àqueles considerados especialistas, na expectativa de que
iriam tomar decisões razoáveis para e pela categoria. Contudo, o psicólogo não deve crer que
todas as decisões sejam em seu interesse. A elegância dos discursos unificadores que se
colocam em defesa de determinados valores ideológicos e políticos, ao final, silenciam a
polifonia característica da Psicologia. Com o discurso do zelo, da qualidade, do
aprimoramento, do avanço, da ética e dos Direitos Humanos, buscam convencer a todos de
que é a regulamentação do título de especialização que promoveria a Psicologia à qualidade
de ciência e profissão.
184

Eliminada a polifonia, vive-se a ilusão da unidade, da verdade absoluta, do conhecimento


como cristalização – para usar uma expressão em voga, vive-se a ilusão do ―pensamento
único‖. Sem a multiplicidade dos sentidos, restam as mordaças sonoras que assumem sua
forma mais patética na tagarelice dos textos que identificam pedagogia com amor, inteligência
com frieza, pensamento com competências cognitivas, normalidade psíquica com adaptação
ao existente, e assim por diante (PATTO, 2010, p.105).

No entanto, o discurso unificador depõe contra ele mesmo, requerendo, a todo


instante, uma vigilância, um controle, uma captura para não perder sentido e/ou cair em
contradição. Importa questionar quem lucra com todo esse investimento? A Psicologia? A
categoria? Certamente, as instituições formadoras de especialistas que criam demandas para
psicólogos cada vez mais mal formados e acríticos. Ilusão achar que um título de especialista
resolverá o problema da má formação. Ensinar técnicas e modos de operá-las não é medida
suficiente, pois, como lembram Mello e Patto (2008), não é possível resolver problemas a
partir da mesma racionalidade que lhes deram origem. É preciso pensar estratégias diferentes,
inovadoras. Insisto mais uma vez: é mister deformar e não colocar o psicólogo em uma fôrma,
agora da especialização; torná-lo permeável, flexível, inquieto e inquiridor; enfim, é urgente
instigá-lo a pensar.
Se a avaliação psicológica se tornar área especializada, como promover a criatividade,
como respeitar as escolhas profissionais, tal qual a experiência relatada por Peres (2011) com
o modelo psicodramático, onde a entrevista foi eleita o instrumento de avaliação preferencial
e nem por isso sem fundamentação?
Não faz sentindo, portanto, falar em título de especialização em avaliação psicológica,
talvez sim, discutir a prática da avaliação psicológica nos cursos de especialização já
regulamentados, tais como, na especialização em Psicologia Jurídica, em Psicologia do
Trânsito, em Psicologia Escolar, etc.
Com isso, a avaliação psicológica ficaria livre para ser praticada ou compreendida
como um processo (e não enquanto área) que permeia toda a atividade psicológica, a partir do
momento em que houver a necessidade de o psicólogo analisar uma situação sobre a qual
deva emitir algum juízo, para que deste se possa tomar uma decisão.
Questiono se a Psicologia realmente começa a despertar de seu ―sonho dogmático‖
(PATTO, 2010, 93), mesmo após a crítica da razão instrumental, para se propor reflexiva.
Talvez o caminho seja a reaproximação da Filosofia e da historicidade da Psicologia durante a
graduação, quando debates filosóficos sobre a epistemologia e a ética fariam os alunos e
futuros psicólogos mais críticos, levando-os às raízes do conhecimento para identificarem os
compromissos sociais e históricos que os sedimentam.
185

2 DISCUSSÕES SOBRE ÉTICA E O CÓDIGO DE ÉTICA

2.1 Discussões sobre Ética

Quando o outro entra em cena, nasce a ética.


Umberto Eco

Quando um profissional afirma, no contexto atual, que sua atuação é ética ou ético-
política porque está amparada, fundamentada ou prevista no Código de Ética, há, nesta
declaração, um juízo acerca do que este profissional entende por ética e, por extensão, por
moral.
Alguns autores perceberam que, no cotidiano, que tais expressões se confundem no
linguajar do senso comum sendo tratadas, de forma recorrente, como sinônimas (BADIOU,
1995; BOFF, 2004; CAMARGO, 2004; GONDAR, 2004; ROMANO, 2001; VALLS, 1999;
VAZQUEZ, 1998).
Considerando a dimensão da complexidade que envolve o tema, Guareschi (2000)
provoca o leitor a pensar, interrogando se alguma vez este teria arriscado a dizer o que
entende por ética. Provocação bastante pertinente, a meu ver, tendo em vista que a palavra
ética, ―tomada num sentido difuso‖, prolixo, como fala Gondar (2004, p.30), perdeu seu rigor
e contundência (GUIRADO, 1991).
Nestes termos, parece ser consenso entre os vários autores estudados que muito se fala
de ética, havendo até um uso recursivo dessa palavra, porém, pouco se produz em termos de
entendimento (BENAVIDES; ANTÓN, 1987; BOFF, 2004; CAMARGO, 2004; FORTES,
1998; GONDAR, 2004; GUARESCHI, 2000; PIRES, AZAMBUJA, COUTO, COSTA,
MENDES, 2008; ROLNIK, 1995; ROMANO, 2001; VALLS, 1999; VAZQUEZ, 1998).
Antes de me aproximar do tema, esclareço que não é meu objetivo desenvolver um
tratado filosófico sobre Ética ou mesmo fazer um percurso histórico dos sistemas filosóficos
que abordam a temática, tarefa que demandaria um estudo dirigido exclusivamente ao assunto
e foge ao escopo desse trabalho. Creio, porém, ser necessário trazer, para esta tese, algumas
das principais discussões filosóficas que se deram ao longo dos séculos sobre ética e moral,
para fins de entender como são pensadas nos dias de hoje. Para tanto, recorri a alguns autores,
estudiosos, filósofos e debatedores da temática ética e moral, bem como da ética aplicada à
186

Psicologia, para me auxiliarem, de forma sintética e didática, neste percurso (ARANHA;


MARTINS, 2009; BADIOU, 1995; BAUMAN, 2011; BENAVIDES; ANTÓN, 1987; BOFF,
2004; BORNHEIM, 1992; CAMARGO, 2004; CHÂTELET, 1994; CHAUÍ, 2000; DIAS,
2005; DRAWIN, 1985; FERREIRA, 2002, 2007; FIGUEIREDO, 2007; 2008; FORTES,
1998; FOUCAULT, 1996, 2001b; FUGANTI, 2009; GONDAR, 2004; GUARESCHI, 2000;
HÜHNE, 2005; JAPIASSU, 2005; JUNQUEIRA, 2006; MACHADO, 1999; MARCONDES,
2007; MARIGUELA, 1995; MATOS, 1997; MEDEIROS, 2002; MORENTE, 1970;
NOVAES, 1992; PAIM, 1992; PEGORARO, 2005a, 2005b; PIRES, AZAMBUJA, COUTO,
COSTA; MENDES, 2008; RIOS, 1993; RODRIGUES; TEDESCO, 2009; ROLNIK, 1995;
ROMANO, 2001; ROUANET, 1992; VALLS, 1999; VARELA, 1992; VAZQUEZ, 1998).
O ponto de partida do estudo da ética está na Filosofia grega, onde era considerado
ético o homem racional e virtuoso, que se guiava pelo deus Apolo – deus do equilíbrio, do
saber – reprimindo Dionísio – o deus da paixão. Para exercer esse controle das paixões,
Sócrates (469-399 a.C.) propôs o exercício do imperativo délfico, gnôthi seautón: conhece-te
a ti mesmo. A injunção délfica para conhecer-se a si mesmo é um princípio moral associado
ao cuidado de si (epiméleia heautoû), correspondendo à necessidade de a pessoa vigiar seu
modo de existir e dominar os instintos, desejos e vontades a partir de valores estéticos da
existência, exercendo as regras enquanto prescrições. Pelo cuidado de si, Sócrates teria
interesse em descobrir se havia uma correspondência regulada e harmônica entre o
pensamento e a ação; entre o que era dito sobre si e o que era feito, como apontam as análises
de Aranha e Martins (2009), Foucault (2001b), Penna (1980a) e Rago (2005).
Nas palavras de Machado (1999, p.146):

A virtude é pensada como efeito da áskesis, de uma disciplina dura e severa, do controle
vigilante sobre si. A virtude estaria ligada à temperança, à justa medida e ao justo meio. É
preciso controlar os apetites da carne para dominar-se, vencer-se a si mesmo. [...] A virtude
visa à liberdade, à justiça e à felicidade, que são idéias políticas que expressam a cidadania e a
democracia. Nos séculos V e IV a.C. podemos identificar um deslocamento no pensamento
grego. A filosofia passa a tematizar a ética, a política e as teorias do conhecimento, a cidade e
o cidadão [...]. A ética constitui-se como questão, emergindo enquanto uma problemática
inerente à política, à cidadania e à democracia.

Com efeito, a racionalidade ética surgiu como consequência do exercício do cuidado


de si, do governo de si, que supunha uma relação entre o discurso racional – logos – e o modo
ou arte de viver, segundo as regras de conduta da vida social e pessoal. A ética, na Grécia
antiga seria entendida, deste modo, como uma busca pela sabedoria na conduta, pelo bom
187

modo de agir, sendo a razão o elemento fundamental para o exercício desse controle
(BADIOU, 1995; FOUCAULT, 2004c).
Na concepção platônica, o autocontrole, entendido como sendo a dominação das
tendências perversas, refletia um modo ético de agir em que a razão daria as condições
necessárias para o homem ser capaz de ―decidir com mais acuidade e melhor governar a si
mesmo‖ (FERREIRA, 2002, 2007, p. 33). No entanto, a possibilidade de agir corretamente e
de tomar decisões éticas dependeria de um conhecimento do Bem pela via da dialética, ―pois
ao conhecer o Bem, conhece também a Verdade, a Justiça e a Beleza‖ (MARCONDES, 2007,
p.18).

A ética se relacionara ao Bem num solo cultural que não dispunha da categoria de sujeito,
como era na Antiguidade Clássica. [...], o Bem regia as questões relativas as questões ao
conhecimento, à conduta individual, e à organização sociopolítico: ele era capaz de conduzir
os homens ao conhecimento verdadeiro, à sabedoria no agir e a um dispositivo político mais
perfeito. A ética se entrelaçava então à epistemologia e à atividade política, e o homem não
era considerado em sua dimensão subjetiva: ele não era um sujeito, mas um ser que devia ser
pensado a partir de sua condição de cidadão e de sua posição na ordem do Cosmos. A lei,
neste caso, não possuía valor em si mesma, mas apenas enquanto delegada ou representante
de um princípio mais alto: o Bem (GONDAR, 2004, p.33).

Foi Aristóteles (384-22 a.C.), porém, quem primeiro empregou o termo ética em sua
obra Ética a Nicômaco57. Em se tratando originalmente de um vocábulo grego, muitos autores
recorrem à etimologia da palavra êthos – que significava caráter, índole, temperamento,
modo de ser do homem, modo de estar no mundo, morada humana –; e éthos – que
significava costume, conduta regular, hábitos de uma pessoa –, para afirmar que ética diz
respeito ao estudo dos hábitos e costumes dos homens para fins de discernir entre o certo e o
errado, o Bem e o Mal. (BENAVIDES; ANTÓN, 1987; BOFF, 2004; CAMARGO, 2004;
CHAUÍ, 2000; FIGUEIREDO, 2008; JAPIASSU, 2005; JORNAL PSI, 2000; JUNQUEIRA,
2006; MACHADO, 1999; MEDEIROS, 2002; PAIM, 1992; PIRES et al., 2008; RIOS, 1993).
De modo geral, os filósofos gregos subordinavam a ética às práticas ou técnicas de si,
portanto, à capacidade de o homem racional recorrer à reflexão crítica acerca das ações e
atitudes para estabelecer uma nova relação com as regras e preceitos morais e, assim, definir
como proceder nas relações e organizações sociais (na polis). O que significa que ele deveria

57
O pensamento moral de Aristóteles está exposto em sua obra de referência para o estudo da ética: ―Ética a
Nicômaco‖ (várias edições brasileiras). O nome da obra deve-se ao compilador da obra, seu filho Nicômaco; e é
composta por 10 livros. Para Aristóteles, o homem preocupa-se com o bem e almeja a felicidade, que só poderá
alcançar se for virtuoso e respeitar os valores morais.
188

manter uma postura ascética58, uma relação libertária de si e com o outro enquanto unidade
jurídica59, de quem possui direitos e deveres, e usar sua sabedoria no cumprimento das
verdades propostas, dominando os instintos, as paixões, as forças estéticas, o uso dos
prazeres, enfim, tornando-se um cidadão responsável, laborioso, virtuoso, portanto, ético.
Assim, a ética era considerada parte da política, que tratava de virtudes políticas ou do
cidadão. Conforme aponta Arendt (2004), ―a questão nunca é se um indivíduo é bom, mas se
sua conduta é boa para o mundo em que vive. No centro do interesse está o mundo, e não o
eu‖ (ARENDT, 2004, p.218). Nestas condições, este homem racional, com sua identidade
constituída nos espaços sociais, realizaria o soberano Bem e conquistaria sua liberdade cívica,
ou seja, seria um homem livre, ético, instituindo uma vida bela, uma ―estética da existência‖,
temperante e equilibrada à semelhança de uma ―obra de arte‖ (FOUCAULT, 2001b, p.16).

Deve-se entender, com isso, práticas refletidas e voluntárias através das quais os homens não
somente se fixam regras de conduta, como também procuram se transformar, modificar-se em
seu ser singular e fazer de sua vida uma obra que seja portadora de valores estéticos e
responda a certos critérios de estilo (FOUCAULT, 2001b, p. 15).

Desta ética de valorização do autocontrole, da submissão e da austeridade aproveitou-


se o Cristianismo. Tendo por pano de fundo político e cultural o helenismo60, com a
aproximação da cultura judaica e filosofia grega e, concomitantemente, o declínio do
paganismo e de suas crenças seculares (laicas), eis que a filosofia ética cristã começou a
ganhar seus primeiros contornos, tirando proveito do espírito de sincretismo religioso e
cultural que prosperava no Império Romano. De acordo com essa orientação filosófica, a
natureza seria fruto da determinação de Deus e os fins seriam preestabelecidos, devendo o
homem agir e viver de acordo com a lei divina, ou seja, trata-se de uma ética que exigia
submissão à moral cristã, cuja finalidade não seria mais a felicidade, mas a salvação, a
comunhão com Deus por meio da ascese. Deste modo, alguns autores explicam que a
preocupação com o mundo e os deveres ligados a ele foi deslocada para a preocupação com a
alma e sua salvação. O ideal da virtude, no Cristianismo, ficaria subordinado ao dever, e a
liberdade ficaria limitada ao arbítrio em um mundo predeterminado por critérios estabelecidos
pela visão teológica de mundo em que aquilo que não pode ser apreendido pelo intelecto o

58
Ascese na filosofia grega: conjunto de práticas e disciplinas caracterizadas pela austeridade e autocontrole do
corpo e do espírito, que acompanham e fortalecem a especulação teórica em busca da verdade.
59
A liberdade na Antiguidade dizia respeito ao campo político, à vida enquanto cidadão e não à vida privada.
60
A preocupação moral é fundamental para a filosofia do helenismo de modo geral. As várias religiões que
surgiram durante o helenismo tinham em comum o fato de pretenderem ensinar a seus fiéis como obter salvação
para a morte (GAARDER, 1995, p.146).
189

será pela dádiva divina (ARENDT, 2004; BOFF, Escolástica


Define-se comumente esse sistema
2004; CAMINO, 2000; CHAUÍ, 1992; GUARESCHI, como uma tentativa para harmonizar a
razão com a fé, ou para fazer a filosofia
2000; MACHADO, 1999; PEGORARO, 2005a; servir os interesses da teologia. Mas tal
VANDENBERGHE, 2005). definição não basta para dar uma ideia
precisa do espírito escolástico. Os grandes
Coube à filosofia, portanto, explicar a fé, sem a pensadores da Idade Média não limitaram
seus interesses aos problemas da religião.
pretensão de demonstrar as verdades reveladas, que Pelo contrário, como filósofos de qualquer
outra época, eles sentiam o anseio de
extrapolam o poder da razão humana. Partindo do responder às grandes questões da vida [...].
Talvez a melhor maneira de explicar a
princípio que entre a fé do teólogo e a razão do verdadeira natureza da escolástica seja
filósofo não pode haver discrepância, a filosofia teria defini-la pelos seus característicos. Em
primeiro lugar, era racionalista e não
por atribuição demonstrar a verdade de um artigo de empírica; em outras palavras, baseava-se
antes no primado da lógica do que na
fé, ―abrindo assim campo livre para a vigência ciência ou no da experiência. [...] não
acreditavam que a alta verdade pudesse
indiscutível do dogma‖ (MORENTE, 1970, p.128). advir da percepção sensorial. [...] Em
segundo lugar, a filosofia escolástica era
A pedagogia escolástica, como ficou autoritária. Nem mesmo a razão era
conhecido o ensino do pensamento cristão que considerada instrumento suficiente para a
aquisição de todo o conhecimento, pois as
predominou nos séculos XI a XV, visava justificar a deduções lógicas precisavam ser amparadas
pela autoridade das escrituras, dos Padres
fé pela razão e, assim, recuperar a religiosidade, da Igreja e especialmente de Platão e
Aristóteles. Terceiro: a filosofia escolástica
louvando a Igreja por meio dos argumentos assumia uma posição predominantemente
ética. Seu fim cardeal era descobrir como o
intelectuais (SANDRELLI, 2006). homem poderia melhorar esta vida e
Com a recuperação, pela Europa Ocidental, do assegurar a salvação [...]. Quarto: o
pensamento escolástico [...] não se
controle das rotas comerciais, promovendo uma preocupava com as causas e suas relações
subjacentes; seu objetivo era antes descobrir
expansão do comércio, descoberta de novas terras e os atributos das coisas. [...] bastava explicar
o significado e a finalidade das coisas, sem
povos, por conseguinte, permitido a circulação investigar-lhes a origem e evolução
[teleologia].
monetária, o desenvolvimento de uma economia e de
Burns (1967, p.367)
um sistema bancário, o mundo europeu no final da
Idade Média já se mostrava bastante diferente. Tais acontecimentos permitiram que houvesse
uma valorização do comércio e a capitalização, estruturando uma nova ordem
socioeconômica denominada capitalismo comercial. ―Desta forma, surgiu uma burguesia que
havia conquistado certa independência com referência às necessidades vitais básicas. O que se
precisava para viver comprava-se agora com dinheiro [...]. E tarefas totalmente novas foram
colocadas ao indivíduo‖ (GAARDER, 1995, p.217).
O mercantilismo tornou-se, portanto, um modo racional de ingerência e controle do
Estado sobre a população, assim como proporcionou as condições para a emersão de uma
190

economia capitalista, donde o capital era Homem


Fábula-Mito do Cuidado
indispensável para a organização e instauração de um Certo dia, Cuidado, passeando às margens
do rio, tomou um pedaço de barro e moldou
Estado Moderno. na forma do ser humano. Enquanto
Na esteira das mudanças de ordem econômica, contemplava o que havia feito, apareceu
Júpiter e, a pedido de Cuidado, insuflou-lhe
política e cultural implementadas pela sociedade espírito. Cuidado quis dar-lhe um nome,
mas Júpiter lho proibiu, querendo ele impor
industrial emergente, um novo espírito intelectual o nome. Começou uma discussão entre
ambos.
passou a obstar o discurso da alma, enfraquecendo-o e Nisso, apareceu a Terra, alegando que o
barro era parte de seu corpo e que, por isso,
tornando inaplicável o emprego de recursos tinha o direito de escolher um nome.
hipotético-abstratos. A partir daquele momento, a Originou-se uma discussão generalizada e
sem solução.
concepção filosófico-teológica medieval começou a De comum acordo, todos aceitaram
chamar Saturno, o velho deus ancestral,
ruir e, com ela, a visão ideal de homem, teocêntrica. senhor do tempo, para ser o árbitro. Este
deu a seguinte sentença, considerada justa:
Houve, conforme esclarecem alguns autores, um ―Você, Júpiter, deu-lhe o espírito;
receberá o espírito de volta quando esta
desencantamento do mundo, quando os homens criatura morrer. Você, Terra, deu-lhe o
abandonaram a superstição e o misticismo pelo corpo; receberá o corpo de volta quando
essa criatura morrer. E você, Cuidado, que
esclarecimento. Nesse sentido, a fraternidade em torno foi o primeiro a moldar a criatura,
acompanhá-la-á por todo o tempo em que
de Deus se laicizou no Estado Moderno e a filosofia ela viver. E como vocês não chegaram ao
consenso sobre o nome, decido eu: chamar-
passou a dignificar o Homem, em si mesmo – se-á Homem, que vem de húmus, que
significa terra fértil‖.
marcado pela interioridade e pela individualidade –, e
Boff (2004)
a Natureza, a qual passou a investigar, sobretudo por
meio dos sentidos, da observação e da experimentação, contrapondo-se à convicção pessoal e
à confiança na razão. Eis que surgia o Método Empírico enquanto processo de produção de
conhecimento, adjetivado de científico, como condição de acesso à verdade (ADORNO;
HORKHEIMER, 2006; BENEVIDES; PASSOS, 2005; CHÂTELET, 1994; CHAUÍ, 2000;
FERREIRA, 2007; GAARDER, 1995; JACÓ-VILELA; KEIDE, 1999; JAPIASSU, 1979;
MARCONDES, 2002; MARIGUELA, 1995; MORENTE, 1970; SANTOS, 1988).

Teríamos assim no início da Idade Moderna uma primeira experiência mais universal de
individualização: a constituição do indivíduo no século XVI enquanto um sujeito autônomo,
singular, igual aos demais e dotado de uma interioridade (foro íntimo) que seria a base
contratual dos Estados Modernos e fonte do poder destes (FERREIRA, 2007, p.27).

Assim, nos primeiros momentos da Modernidade (compreendida entre os séculos XVI


e fim do século XVIII), múltiplas doutrinas éticas surgiram estruturadas em uma corrente
racionalista antropocêntrica. Houve um ―re-nascimento‖ (GAARDER, 1995, p.218) do
humanismo, porém, diferentemente da Antiguidade, o humanismo do Renascimento foi
191

marcado por uma nova visão de Homem, o homem natural com direitos naturais: liberdade,
igualdade, fraternidade. Portanto um sujeito racional, jurídico e moral, não mais definido por
suas posições sociais. O cuidado de si moderno, deste modo, convidava o homem a olhar para
sua vida interior, provocando um ―adensamento‖ (FERREIRA, 2007, p.17) da interioridade,
por conseguinte, uma separação entre o público e o privado (JACÓ-VILELA, 2002;
SENNETT, 2002).
Tomando esses pressupostos por base, eis que uma nova atitude científica nasceu com
a obra de Descartes (1569-1650). Reconhecidamente racionalista, Descartes propôs a
construção de um método lógico-matemático apresentado no Discurso do método para bem
conduzir a Razão e buscar a Verdade na Ciência, a partir do qual estabeleceu a Razão61,
independente das influências do mundo exterior, como único guia do espírito para alcançar a
verdade, abolindo os fenômenos de perturbação espiritual: as paixões humanas, a imaginação,
o sonho, o erro e a loucura (BITTENCOURT, 2005; DIAS, 2005; MENEZES, 2007).
A reflexão filosófica cartesiana inaugurou uma era de racionalismo, de
intelectualismo, cujo rigor técnico e metodológico se amparava na dicotomia rex extensa –
rex cogitans, corpo e alma, oposição matéria-substância pensante, a fim de dar maior rigor à
objetividade científica. Nestes alicerces, Descartes concebeu uma moral provisória, pautada
na qualidade inata da razão humana de distinguir entre certo e errado como meio de orientar o
homem a viver em conformidade às leis, sendo resoluto em suas ações ao mesmo tempo em
que deveria ter domínio de si, ou seja, agindo conforme suas possibilidades (DIAS, 2005;
GAARDER, 1995; MARIGUELA, 1995; MENEZES, 2007).
A valorização do pensamento como Razão preparou o terreno para, ao final do século
XVII, emergir a Filosofia das Ciências ou Filosofia das Luzes, ou ainda, Filosofia iluminista
ou Iluminismo, cujo propósito era retirar a sociedade das trevas das superstições e mitos da fé.
Assim, fortemente aderida à razão, às normas e aos valores universais, os iluministas e os
materialistas do século XVII e XVIII destacaram-se pela compreensão de ética como um
elemento inerente à natureza humana, de características universais, inatas, independentes da
cultura e da experiência de vida individual. Esta ética de concepção jusnaturalista (direito
61
O termo – que apresenta duas fontes: uma latina, ratio, e outra grega, logos, – exprime ideias muito próximas:
contar, reunir, juntar, medir, calcular. Ações que remetem a um modo ordenado de agir. Desta forma, Chauí
(2000) explica que logos, ratio ou razão significa pensar e falar ordenadamente, com medida e proporção e de
modo compreensível a outros, do que advém a definição: razão é a capacidade intelectual para pensar e exprimir-
se correta e claramente. A razão é uma maneira de organizar a realidade pela qual esta se torna compreensível.
Contudo, a razão objetiva difere da razão subjetiva ou instrumental. Enquanto a razão objetiva (logos),
característica da época clássica, diz respeito à sabedoria, à filosofia; a razão subjetiva diz respeito à faculdade do
homem pensar, classificar, inferir, sendo neutra, abstrata e lógico-matemática.
192

natural) e essencialista utilizou-se da ideia de uma razão humana natural, universal, laicizada,
para ordenar a natureza e vida social dos povos a qualquer tempo, por meio de sistemas éticos
universais. (CHAUÍ, 1992; FEIJOO, 2001; ROUANET, 1992; SANCHES, 2009; VALLS,
1999; VAZQUEZ, 1998).
De acordo com Foucault (2005), as luzes, as práticas epistêmicas foram responsáveis
pelos dispositivos disciplinares que individualizaram e objetivaram o homem, tais como o exame,
a classificação, a mensuração, a taxonomia natural. As Ciências Humanas se originaram desse
contexto, transformando o homem em objeto cognoscível.
Silva (1997, s/p) esclarecem que:

O que caracteriza o avanço histórico da modernidade é, sobretudo, o desenvolvimento da


ciência e da técnica, tornado possível pelas perspectivas metafísicas e metodológicas
instituídas e fundamentadas no século XVII, pelo trabalho de Galileu, Bacon e Descartes. A
compreensão mais aprofundada do processo, no entanto, exige que se pergunte pelo tipo de
racionalidade que se exerceu neste progresso. [...]. Num primeiro momento, a invenção e a
consolidação dos meios de dominação proporcionados pelo conhecimento é tarefa de uma
racionalidade instrumental; num segundo momento, o estabelecimento das finalidades a que
tais meios deveriam servir para a consecução dos fins constitui o objetivo de uma
racionalidade prática. Vê-se por aí que, num projeto de emancipação autêntico, as duas coisas
são inseparáveis, embora coordenem suas diferenças no próprio processo de expansão
racional. Dominar a natureza é apropriar-se, pelo conhecimento, dos meios que permitam
colocá-la em harmonia com as finalidades humanas. [...] A razão como medida de todas as
coisas não tem a princípio um estatuto apenas lógico, mas também axiológico, que se
expressa no reconhecimento do homem como valor, a partir de sua condição de ente
racional. [...] Mas talvez o ponto que mereça maior destaque esteja precisamente no plano das
consequências éticas da racionalidade instrumental nas ciências do homem: o significado da
objetivação naturalista do sujeito e de suas práticas, a representação da pessoa como coisa.

Immanuel Kant (1724-1804), conhecido por suas obras Crítica da Razão Pura (1781),
Crítica da Razão Prática (1787) e Crítica da Faculdade de Julgar (1790), surgiu, no limiar
da modernidade, como o mais eminente teórico iluminista a pensar uma ética das normas,
inaugurando uma revolução no pensamento da época.
O ponto central da teoria de Kant está no fato de o homem ter uma consciência moral
e, assim, poder desvelar os sentimentos de justiça, por meio da razão 62 instrumental,
obedecendo a uma lógica edificada segundo a noção de ciência da modernidade, de modo que
a ação do sujeito racional possa se tornar uma regra generalizável, válida para todos. A ética
deixaria de ser o caminho para o Bem, para tratar da relação entre as ações do sujeito e a lei

62
Chauí (2000) explica que a Razão, compreendida como uma estrutura vazia, pura, sem conteúdos, é universal,
a mesma para todos os seres humanos, em todos os tempos e lugares. Essa estrutura (a razão), por ser inata e não
depender da experiência para existir, é, do ponto de vista do conhecimento, anterior à experiência. Como definiu
Kant, a estrutura da razão pura é a priori (vem antes da experiência e não depende dela).
193

considerada universal, tal como se configura no imperativo categórico: Aja apenas segundo a
máxima que você gostaria de ver transformada em lei universal.

[...] Kant, apesar de muitas afirmações em contrário, nunca distinguiu completamente entre
legalidade e moralidade, e que ele queria que a moralidade se tornasse, sem intermediários, a
fonte da lei, de modo que o homem, aonde quer que fosse e o quer que fizesse, fosse o seu
próprio legislador, uma pessoa inteiramente autônoma (ARENDT, 2004, p.174).

Kant entendia a autonomia da razão como condição para o que chamou de maturidade
ou maioridade do sujeito, ou seja, condição para a liberdade, sendo mais livre aquele que
pudesse, após uma consciente aceitação da norma, escolher agir em conformidade à lei moral,
ao invés de simplesmente obedecê-la. Com efeito, postulava que a noção de certo e errado não
se limitava a uma questão de sentimento, compreendendo-a, à semelhança dos racionalistas,
como inerente à razão humana (FOUCAULT, 2004c).
Assim, na aurora de um mundo ético secular, com autonomia frente à reflexão
filosófica sobre o humano, a ética transcendental do imperativo categórico permitia a
discussão dos grandes princípios, ―uma abstração do entendimento, sem alcançar à concretude
da ideia‖ (CHAUÍ, 1992, p.352).
Desprovida de qualquer conteúdo, sendo, portanto, equiparada a postulados retóricos,
formais e abstratos, não satisfazia as exigências e questões da prática do dia-a-dia, pois não
oferecia respostas concretas sobre como o homem deveria deliberar e agir nas suas
experiências particulares (BORNHEIM, 1992; SANCHES, 2009).
Nas palavras de Fortes (1998, p.27), a situação vivenciada naquele momento era

[...] distinta dos períodos de hegemonia dos ensinamentos judaicos e cristãos, para quem o
bom equivalia à obediência do Decálogo e às orientações divinas. A sociedade moderna sente
falta de parâmetros e critérios objetivos para definir os significados práticos do ―bom‖, da
―vida boa‖, do ―bem-estar‖, e assim estabelecer os limites e exigências éticas.

Partindo dessas considerações, a ética, de fato, a moral deontológica kantiana passou a


considerar o sujeito (indivíduo ou grupo) em sua dimensão subjetiva, postulando a relação
entre suas ações e uma lei universal. Nestes termos, o homem, enquanto um ser racional,
poderia fazer escolhas como a de se submeter ou não à lei moral. Caberia, portanto, à razão
prática dizer o certo e errado, o bom ou mau, no campo da moral (perguntar o que fazer),
sendo considerado um ser moral aquele capaz de, ao se confrontar com os imperativos da
razão, viver de acordo com a lei ou se autogovernar, conforme apontam alguns autores
(ARENDT, 2004; BAUMAN, 2011; CHÂTELET, 1994; DRAWIN, 1985; DUFOUR, 2005;
194

FIGUEIREDO, 2007; GAARDER, 1995; GONDAR, 2004; HUHNE, 2005; MARCONDES,


2007; MARIGUELA, 1995; PAIM, 1992; PEGORARO, 2005a; PIRES, 2005; SANCHES,
2009; VALLS, 1999; VAZQUEZ, 1998).
Do latim mores – costumes – moral é concebida enquanto ciência normativa que
estabelece regras e valores sociais, normas de ação, sistema ou códigos prescritivos baseados
em concepções de Bem e Mal a proteger a autonomia do indivíduo, bem como a conduzir a
vida humana em suas relações sociais de forma correta, absoluta, categórica ou relativa.
Portanto, moral é o conjunto de deveres que provém da obrigação de garantir o exercício do
Bem na vida social, respeitando as pessoas nos seus direitos e na sua dignidade. Com efeito,
como definem alguns autores, moral designa o lugar do dever-ser, da dimensão da
obrigatoriedade, da restrição de liberdade com vistas à felicidade a partir de normas racionais
de comportamento ou regras de ação materializadas nas diferentes sociedades enquanto
resposta às suas necessidades. Resume-se à questão como devo agir? (AGUIAR, 1984;
BOFF, 2004; CAMARGO, 2004; CAMINO, 2000; CHAUÍ, 2000; COIMBRA, 2009;
FIGUEIREDO, 2008; FORTES, 1998; GONDAR, 2004; HÜHNE, 2005, p.112; JAPIASSU,
2005; MACHADO, 1999; MEDEIROS, 2002; PAIM, 1992; PEGORARO, 2003, 2005a,
2005b; ROUANET, 1992; VALLS, 1999).
Assim, a moral kantiana transformou-se em norma com pretensões ao universal
(válida para todos), estabelecendo princípios, regras e valores regulamentados como certos ou
errados pelos quais os homens – agora considerados sujeitos morais –, para alcançarem a
verdade e serem livres, teriam que obedecer. Porém, o ato só poderia ser considerado moral
após deliberação e aceitação pessoal das normas de coexistência, de modo livre, consciente e
intencional, mas também quando houvesse responsabilidade social, ou seja, a assunção da
autoria e consequência de seus atos e escolhas (BAUMAN, 2003; BORNHEIM, 1992;
FIGUEIREDO, 2008; GONDAR, 1998; 2004; MEDEIROS, 2002; PEGORARO, 2003;
SAWAIA, 1995).
Significa, destarte, que o compromisso moral não só se apresenta regulado pelas
obrigações, mas e principalmente por uma convicção íntima, pela racionalidade, pelas
motivações, enfim, ―por interesse‖, conforme afirma Vazquez (1998, p.162). A ação humana,
nestas circunstâncias, submeter-se-ia à gerência racional, ―aos iluminadores morais‖,
interessada pelas recompensas que o agir moral daria ao sujeito (BAUMAN, 2003, p.35).
Fuganti (2009, s/p) explica que:
195

Bastaria, para isso, apenas seguir o referencial da Lei, com o ideal de igualar-se a sua pura
forma e introjetar seu paradigma universal. Mas ao mesmo tempo em que esta concepção do
senso comum é compartilhada como sendo a que melhor conduz o indivíduo a um modo de
vida responsável e justo, concedendo-lhe o direito a uma espécie de liberdade assistida por
fora e vigiada por dentro (como num panópticum), relativa ao grau de liberdade que a própria
sociedade poderia suportar sem ser ameaçada em sua constituição, instaura-se, na mesma
proporção, a contraparte de um assujeitamento sutil e inaudito que submete e desvia tanto o
desejo quanto mais ele adere, na espera de recompensas ou ganhos, ao modo moralmente útil
de ser.

Com a renovação do projeto iluminista a partir da Revolução Industrial, eis que se


projetou na história do pensamento ocidental moderno o Empirismo lógico ou Positivismo,
cujo maior expoente foi o filósofo Augusto Comte (1798-1857). Tal como postulava o
modelo de racionalidade da ciência moderna, a filosofia antropológica positivista acreditava
que somente os procedimentos científicos de observação e experimentação objetivas,
mensuráveis e neutras poderiam alcançar o objeto real ou o objeto construído como modelo
aproximado do real, derivando um conhecimento científico neutro ou imparcial, livres de
juízos de valor, portanto, verdadeiro.
Deriva do poder absoluto da Razão instrumental na explicação da realidade a visão de
homem, não como um ser que representa o mundo, um ser social com livre-arbítrio, mas um
ser determinado, empírico, ontologicamente reduzido às coisas da natureza (possuindo uma
natureza humana universal). O ideário moderno, segundo alguns autores, colocou o homem
como cidadão do mundo (cosmopolitismo) e autônomo, emancipado pela razão, o que lhe
facultou exercer uma visão crítica da realidade, com possibilidades para olhar, examinar e
fazer julgamentos (CHAUÍ, 2000; COSTA, 1987; JACÓ-VILELA; KEIDE, 1999;
FERREIRA, 2007; JAPIASSU, 1975; MARIGUELA, 1995; MATOS, 1997; SANTOS,
1988).
Progressivamente, dada a diversidade cultural, as transformações históricas, os
avanços técnico-científicos63 no campo da astronomia, da matemática, da física e da medicina,
houve, no século XIX, um processo de mudança na episteme e, com ela, a necessidade de
fornecer uma filosofia às ciências para garantir-lhes a distinção entre o campo epistêmico e as
investigações metafísicas. Nesta linha, alguns autores salientam que certas críticas às
tradições que valorizavam a racionalidade instrumental a qual fundamentava as discussões

63
Ciência e a tecnologia passaram a estar ligadas durante os séculos XVII e XVIII, inicialmente com a invenção
de instrumentos que facilitassem a experimentação; posteriormente, com as descobertas, dentre elas: o relógio de
pêndulo, a máquina a vapor, a bicicleta, a vacina contra a varíola, a calculadora, a eletricidade, a lâmpada
elétrica, dentre outros inventos.
196

abstratas sobre moral, ganharam força, iniciando um processo de ruptura (ARANHA;


MARTINS, 2009; CHAUÍ, 1992; HÜHNE, 2005).
O utilitarismo ou pragmatismo surgiu no contexto da ascendência do capitalismo
industrial na Inglaterra, com suas promessas de progresso tecnológico e riqueza, e enquanto
reação a uma ética abstrata. Deste modo, a ética era pensada como uma forma de beneficiar o
maior número de pessoas e, com isso, promover prazer e bem-estar.
Em contrapartida, outras críticas foram erigidas aos pressupostos racionais.

Coube ao século XIX com Nietzsche, Freud, Marx, fazer severas críticas à repressão e à
opressão sofridas pelo ser humano no processo civilizatório em nome da Razão. [...]
Nietzsche acentua o maléfico poder da ciência que em nome da vontade de saber domina a
vontade de potência criadora da vida, despotencializando o homem. Freud coloca às claras a
cegueira do homem face à própria vida, devido ao seu lado inconsciente, repressivo, tão
preponderante e tão ignorante de si mesmo, quer do ponto de vista ético e estético. Marx
denuncia a falta de liberdade como consequência de uma história econômica opressora que
força uma luta de classes sociais onde a alienação marca a vida ética e elimina ou reduz a vida
estética (HÜHNE, 2005, p.123).

Nietzsche propôs a genealogia ou uma análise histórica da moral proveniente da


religião judaico-cristã, como método de investigação da origem dos valores por um viés
crítico, propondo, ainda, a criação de novos valores. Acusado de ser niilista e, assim, negar os
valores, em verdade, o filósofo defendeu o aniquilamento da moral dos valores tradicionais,
ou a moral de escravos, ou ainda, de rebanho, que subjugam o homem pela razão, em favor da
transvaloração dos valores, preconizando a capacidade de criação, de superação, de potência
(ARANHA; MARTINS, 2009).
Concomitantemente, o trabalho de Sigmund Freud (1856-1939) despontou como uma
das mais ricas e importantes contribuições do início do século XX. Percebendo que a ação
humana não era totalmente dependente do controle racional, mostrou-se sensível ao conflito
de forças psíquicas identificado pela oposição desejo e razão. Nessa vertente, Freud não só
contestou o pensamento cartesiano e seus pressupostos filosóficos (racionalismo moderno),
socioculturais e religiosos da época, mas criou um método próprio denominado Psicanálise,
afirmando a existência do inconsciente e, com isso, transformando o sujeito da razão no
sujeito do desejo.
Derivada da Neurobiologia e da Psiquiatria, áreas de sua formação médica, o
racionalismo da teoria psicanalítica não se afastou por completo da perspectiva de ciência
positivista do século XIX, de base científico-natural; explicativo-causal. Inserida na
intersecção de dois projetos distintos: a psicologia enquanto ciência natural, pautada no
197

modelo explicativo, e enquanto ciência da subjetividade, pautada no modelo interpretativo –


porquanto Freud valorizava o sentido que advinha da história dos sujeitos – a teoria
psicanalítica manteve a subjetividade objetivada e sob os auspícios do determinismo
postulado pela ciência natural. Deste modo, tinha pretensões ao universal – e a expressão
Freud explica retrata bem esse pensamento –, ao remeter à ideia de que tudo na vida do
indivíduo poderia ser explicado pela Psicanálise e seu modelo do inconsciente (DUARTE,
2001; FADIMAN; FRAGER, 1986; FIGUEIREDO, 1993; JAPIASSU, 1977; LOUREIRO,
2007; SCHULTZ; SCHULTZ, 2005; TORRANO, 2006/2007).
Face ao crescente ceticismo ou descrença das metanarrativas, com seus universalismos
disciplinadores e unidimensionalizadores64, ensejou-se uma crise65 da Razão e a descrença
nos princípios morais universais. Os filósofos alemães da Escola de Frankfurt foram um dos
responsáveis por essa atitude crítica em relação à ideologia cientificista fundamentada nas
ideias de progresso técnico e neutralidade. Estes filósofos propunham o resgate da
racionalidade crítica ou filosófica proposta por Kant como uma força liberadora da Razão
técnico-científica – prática e utilitária –, a serviço da exploração (controle sobre a Natureza e
a sociedade) em detrimento do saber, resultando em uma sociedade corrompida (CHAUÍ,
2000).
Como explica Chauí (1992, p.346):

O pós-modernismo privilegiaria a heterogeneidade e a diferença como forças libertadoras da


cultura; teria afirmado o pluralismo contra o fetichismo da totalidade e enfatizado a
fragmentação, a indeterminação, a descontinuidade e a alteridade, recusando tanto as
―metanarrativas‖, isto é, filosofias e ciências com pretensão de oferecer uma interpretação
totalizante do real, quanto os mitos totalizadores, como o mito [...] iluminista da ética racional
e universal.

64
Os grandes discursos da Razão destinados a produzir uma visão integrada e coerente do mundo, assim como a
fornecer sistemas de normas capazes de regular as condutas e comportamentos, dando um sentido ou propondo
uma ―salvação‖ para a vida dos indivíduos.
65
―Crise‖ é uma expressão utilizada por vários autores, cujas ideias são diferenciadas pelos significados da
palavra e pelos sentidos atribuídos às diversas tendências e correntes da psicologia e o grau de reconhecimento e
validação da crise (MOLON, 2004). Contudo, a palavra, de origem grega krísis não tem um sentido negativo,
mas uma tomada de posição capaz de separar o verdadeiro do falso (VEIGA-NETO, 2008). Chauí (2003), em
entrevista à Agência Brasil, explica que seu significado remete a um momento no qual um processo vai
encontrar o seu ponto culminante do qual se exige uma intervenção muito clara e muito eficaz para que o
processo se complete e uma situação nova possa ser estabelecida. Portanto, no sentido latino, passou a significar
ação ou faculdade de distinguir, decisão, por extensão, momento decisivo, que obriga uma tomada de decisão; a
confrontar determinada situação e fazer uma escolha. Um momento de decisão, visando uma mudança no curso
de um acontecimento. Derivam de crise as palavras ―crítica‖ e ―critério‖, que também evocam produtividade. As
crises proporcionam uma oportunidade de reflexão de modo a agir para mudar o rumo dos acontecimentos.
198

Erigia, assim, sob a designação de pós-modernidade ou ―condição pós-moderna‖ –


expressão que dá nome à obra de Lyotard (1998) –, um movimento que fez despertar os ideais
banidos pela modernidade racionalizadora e valorizar a multiplicidade do pensamento, a
pluralidade das visões de mundo, a diversidade dos modos de vida, enfim, a liberdade
(BAUMAN, 2003). Portanto, trata-se de um movimento que defende certa liberdade em
relação às amarras do discurso totalizante da Razão66, contribuindo para a ―afirmação ao
direito às diferenças, às particularidades e às multiplicidades na esfera do saber‖ (SOUZA,
2001, p.284).
Similarmente, a multiplicidade de valores, que abriu caminho para a singularidade e
processos de diferenciação, também promoveu a democratização e a derrubada de hierarquias,
instituindo direitos iguais a todos, com isso, a homogeneização dos seres humanos.

A ambiguidade é parte integrante de nossa compreensão deste fenômeno. Se, por um lado,
busca-se uma homogeneização, conduzida pelo princípio da igualdade, por outro, através do
princípio da liberdade, aprofunda-se o processo de diferenciação e de acentuação das
singularidades, desencadeando uma tendência de personalização sem precedentes na história
da constituição do indivíduo, levando o sujeito ao desfecho da cultura narcísica (SOUZA,
2001, p.282).

Deste modo, a pós-modernidade não deve ser pensada como superação da


modernidade. Para alguns autores, o pós de pós-modernidade não pode denotar, de fato,
ruptura ou esgotamento da modernidade, mas uma crise na modernidade, ou seja, uma
transição ou transformação sem que se elimine o pensamento anterior (CHEVITARESE,
2001; FRANCELIN, 2004; MOLON, 2004; SOUZA, 2001).

Preferimos, então, adotar uma compreensão dialética, assumindo uma abordagem da pós-
modernidade a partir de uma tensão constante entre ruptura e continuidade no âmbito das
práticas culturais, revelando ora tendências continuístas, ora tendências de corte ou ruptura
(SOUZA, 2001, p.279).

Quanto à ética – a julgar pelas modificações no modo de subjetivação predominante


na sociedade moderna –, o termo passou a ser usado na contemporaneidade como slogan para
tratar de questões sociais, ecológicas, médicas, políticas, etc.; desde que sejam abordadas de
forma suave, breve, prazerosa, não coercitiva ou crítica, enfim, de um modo superficial,
tolerante, digestivo e politicamente correto, como observam Rouanet (1992) e Souza (2001).

66
Os grandes discursos da Razão, com seus universalismos disciplinadores e unidimensionalizadores, produtora
de conhecimentos legitimáveis e verdadeiros, são destinados a produzir uma visão integrada e coerente do
mundo, assim como a fornecer sistemas de normas capazes de regular as condutas e comportamentos, dando um
sentido ou propondo uma ―salvação‖ para a vida dos indivíduos.
199

Eis o problema da ética e da moral na contemporaneidade: o ―termo se pulveriza‖,


conforme menciona Gondar (2004, p.30). Com isso, diversos discursos/práticas passam a ser
justificados em nome da ética. Este poderia ser um efeito típico da pós-modernidade, com o
predomínio da diversidade, da flexibilidade, do eclético, do fragmentário, enfim, da
possibilidade de coexistirem, nem sempre de forma pacífica, múltiplas orientações do
pensamento e da conduta, justificada pela possibilidade de o sujeito fazer escolhas livremente.
Contudo, como bem salienta Gondar (2004, p.30),

A hipótese contemporânea de que ética vincula-se a situações concretas e não a categorias


abstratas é transformada, pelo senso comum, na ideia que cada situação deve ter uma ética
própria, até mesmo que cada indivíduo pode ter sua ética particular, o que nos faria mergulhar
num relativismo generalizado: até então referida a um campo de valores, a ética se torna,
paradoxalmente, um terreno onde tudo vale.

A crença em uma liberdade absoluta de escolha e em uma autonomia plena, aguçou os


sentimentos e interesses pessoais imediatistas atrelados ao consumo. A sociedade, assentada
na ideologia neoliberal enquanto um modo ―capitalista de sobre-produção‖ (DELEUZE,
1992, p.223), torna-se individualista, hedonista, egoísta e permissiva, carregando consigo a
ilusão de que a mercadoria traria consigo a felicidade (BAPTISTA, 1999).
Eis a manifestação dos ―diversos particularismos, que negam a existência de verdades
universais ou de uma moralidade universal‖ (ROUANET, 1992, p.153), e a retomada de uma
―ética do hedonismo‖ (JAPIASSÚ, 1996, p.175). Nesta ética hedonista, o prazer estaria
vinculado ao consumo de bens e serviços, onde os valores estariam embasados em projetos
individuais rentáveis de curto prazo. No entanto, porque não gera satisfação perpétua, a
mercadoria é descartada para que uma nova seja reposta em seu lugar, mantendo a ilusão da
felicidade (DUFOUR, 2005).
Por ser também uma época em que toda forma crítica e criativa de pensar ou que se
oponha ao sistema capitalista contemporâneo fica rechaçada ou desestimulada por representar
um perigo para os poderes instituídos, para as subjetividades hegemônicas as quais desejam
um sujeito livre apenas para o consumo. A liberdade, na sociedade neoliberal, é a liberdade
econômica que privilegia o interesse particular em detrimento da ideia de coletividade que
norteou o período moderno; enquanto a felicidade é vista como conquista pessoal (BOFF,
2004; DUFOUR, 2005; LYOTARD, 1998; ROUANET, 1992).
Dufour (2005) também vai afirmar que a narrativa predominante no mundo
contemporâneo globalizado é a consagração da mercadoria e do capital, que circulam, sem
200

entraves. Ampliado, o mercado neoliberal proclama a liberdade para o consumo, de modo que
as atividades humanas devem ser livres ―para perseguir seus interesses egoístas‖ (DUFOUR,
2005, p.81).
O discurso em defesa da liberdade ocorre em uma perspectiva individualista e
hedonista que implica no ―desregramento‖ (BAUMAN, 2003, p.43) ou um arrefecimento
generalizado das normas morais, denominado de crise ética, bem dizendo, uma crise moral,
quando cada indivíduo torna-se governante de suas próprias vontades, tanto quanto de sua
conduta, não se submetendo aos ditames alheios. Na análise de alguns autores, significa que,
em face do capitalismo sumariamente denominado neoliberalismo, esse indivíduo livre deve
confiar e ser leal a si mesmo, enquanto o outro se torna cada vez menos necessário e, ainda,
podendo ser lesado caso venha a ser um obstáculo ou um concorrente na conquista de
interesses pessoais, da felicidade. As transgressões, nesta perspectiva, são justificadas a partir
do entendimento de que o homem, que reconhece a lei como válida, faz uma exceção
temporária a ela em vista do próprio benefício (ARANHA; MARTINS, 2009; BOFF, 2004;
CAMARGO, 2004; CHEVITARESE, 2001; DUFOUR, 2005; FIGUEIREDO, 1991b, 2008;
FUGANTI, 2009; JAPIASSÚ, 1996; ROUANET, 1992; SENNET, 1999).

Bem, esse é o mundo em que vivemos. [...] Em nossa ordem ética, a ação moral não tem
fundamentos, o que nos condena ao decisionismo ou ao niilismo; o direito à auto-realização
não tem uma base sólida, o que nos condena ao hedonismo sem princípios ou ao ascetismo; o
direito ao descentramento é contestado, o que nos condena ao conformismo; e não há clima
para o universalismo, o que nos condena ao relativismo e à imanência das normatividades
particulares. Ora, isso acontece num momento em que todas as certezas se dissolvem no ar.
[...] muitos mergulharam na anomia e no vazio existencial (ROUANET, 1992, p.157).

Valores e ideais antes compartilhados coletivamente, em especial, os de fraternidade,


solidariedade e justiça, cederam lugar para o personalismo, à superficialidade no trato com as
emoções, à mediocridade dos sentidos atribuídos à vida, à frivolidade. Nestas circunstâncias,
a vida privada se transformou em uma busca por realizações pessoais à margem da história,
do social, deixando clara a confusão que se estabeleceu na contemporaneidade entre liberdade
para fazer escolhas e reinventar modos de existência, e dar ―livre curso a todos os caprichos‖
e concretizar todas as vontades (GONDAR, 1998; 2004, p.36).
Entregues a seus próprios estratagemas, a possibilidade da transgressão às normas
instituídas tornou-se uma ameaça aos direitos sociais, às relações de trabalho, à democracia,
enfim, à condição de intersubjetividade, sob o risco de as pessoas criarem a desolação, o caos
201

(ARANTES, LOBO; FONSECA, 2004; BAUMAN, 2003; CAMARGO, 2004;


RODRIGUES; TEDESCO, 2009; SZAPIRO, 2005; VARELA, 1992; VAZQUEZ, 1998).
Com a impossibilidade de confiar que as escolhas feitas pelos sujeitos tivessem efeitos
positivos para a sociedade, o revés dessa liberdade seria a saturação da vida humana com
potentes códigos morais e ―normas jurídicas despersonalizadas amparadas por poderes
coercitivos‖ (BAUMAN, 2003, p.43) e, com ela, a responsabilização dos indivíduos sobre
seus atos, seus sucessos e também pelos seus fracassos.

Não por acaso, esse tipo de pensamento é o sustentáculo do sistema capitalista


contemporâneo, onde ao lado da crença nas essências se afirma também a responsabilidade
individual. Cria-se a falsa noção de sujeito autônomo, do livre arbítrio, e que se dá sempre no
plano individual, respaldado pela crença na democracia representativa. Produz-se a reificação
do indivíduo. Neste modo de ser e de estar no mundo, tudo será responsabilidade e atributo do
sujeito. Entretanto, esta é apenas uma das formas possíveis de subjetividade em nosso mundo.
Ela expressará uma característica cara ao modo de funcionamento capitalista: a meritocracia
onde tudo depende da capacidade e da eficiência individual. Cada um passa a ser responsável
pelo que é e pelo que consegue fazer. Hoje, no neoliberalismo, exige-se que esse homem seja
cada vez mais flexível. O fracasso e o sucesso são, então, considerações individuais
associadas ao Bem e ao Mal (COIMBRA; LEITÃO, 2007, p.169-170).

Desse modo de viver, em que os sujeitos se pretendem livres para concretizar todos
seus desejos, Figueiredo (2008), Souza (2001) e Szapiro (2005) relatam perceber o
aparecimento de sujeitos desestabilizados que perderam suas referências. Nestas condições, o
sujeito poderia apresentar dificuldades na estruturação de modelos de interpretação da
realidade, de engendrar valores duradouros, fazendo ascender um vazio ontológico associado
a uma insegurança quanto à habilidade para decidir com correção (BAPTISTA, 1999; BOFF,
2004; ROUANET, 1992).
Essa vivência de esvaziamento fez ascender um sentimento de angústia no sujeito pós-
moderno para Baptista (1999), Bauman (2003), Chauí (1992), Figueiredo (2008) e Rodrigues
e Tedesco (2009); e fez desenvolver um ―sujeito precário, acrítico e psicotizante‖ no
entendimento de Dufour (2005, p.21).
Bauman (2003) explica que a consciência pós-moderna produz um desconforto, fonte
de angústia, especialmente para todos aqueles que receberam um ―resíduo suficiente de
sentimentos modernos‖ (BAUMAN, 2003, p.43). Logo, muitos daqueles que buscam
soluções para seus dilemas e querem escapar da angústia e do confronto com ambiguidades e
incertezas oriundas da liberdade de escolha, tentam reconstruir uma ética iluminista moderna
assentada em sua matriz original (razão). Por conseguinte, Rouanet (1992) explica que
202

defensores da continuidade do projeto da modernidade falam de um revigoramento da razão


como critério para nortear o agir humano.
Tal seria a ―corrente de pensamento ético deontológico‖ ou a designada ―ética das
intenções‖ (FORTES, 1998, p.33). Esta ―ética‖ entende que, sendo o Homem um ser racional,
suas ações e decisões devam ser balizadas pela razão, portanto, devam obedecer a regras
universais. Assim, para que o homem possa harmonizar seus interesses com os da sociedade,
a liberdade precisaria de autodeterminação, como advertira Kant. A responsabilidade
individual, no entendimento de alguns autores, seria então, transferida para uma autoridade
externa (um código de conduta, uma entidade de classe, uma lei), que possa dizer ao sujeito o
que fazer, modelando ―a ética segundo o padrão da Lei‖ (ARENDT, 2004; BAUMAN, 2003,
p.37; BOFF, 2004; DRAWIN, 1985, 1988; FIGUEIREDO, 2008; MACHADO, 1999;
PEGORARO, 2005a, 2005b; PIRES et. ali, 2008; RODRIGUES; TEDESCO, 2009;
VAZQUEZ, 1998).
Destarte, a norma, as leis, os códigos, operando enquanto instrumento de domínio de
um grupo social sobre outro, viriam exatamente para regular e impor restrições ao exercício
da liberdade do sujeito desregrado/angustiado, se este sujeito entender, nesse tipo de ação, a
tradução de uma vida que vale a pena ser vivida, ou seja, se puder comungar das benesses do
poder (AGUIAR, 1984; FUGANTI, 2009).
Assim, aceitas consensualmente pela sociedade, tais prescrições normativas seriam
―respostas apaziguadoras e verdadeiras‖ (MACHADO, 1999, p.149) que requereriam
obediência. A lei, por exemplo, teria a ―irônica tarefa e o crédito infinito de piedosamente
salvar o Homem‖ de suas ―tendências perversas‖, diz Fuganti (2009, s/p). Decorre, assim que
as leis e os códigos de conduta, prescritos como verdades morais, ensinam, a partir de um
processo de objetivação, o que os indivíduos podem ou devem fazer, cada qual segundo o
grau de submissão que lidam com esta força externa coagente.
Essa relação de assujeitamento, de uma conduta voltada à normalização, incitaria o
processo de subjetivação para constituição do ―sujeito jurídico‖ (RODRIGUES; TEDESCO,
2009, p.78) ou do ―homem da moral67‖ (ROLNIK, 1995, p.154). Seriam, portanto,
considerados sujeitos morais ou imorais aqueles que estiverem agindo de acordo com a

67
A expressão ―homem da moral‖ utilizada por Rolnik (1995, p.154-155) é originalmente empregada por Gilles
Deleuze em ―Sur La différence de l‘Éthique avec une Morale‖ (Minuit, Paris, 1981). Este homem da moral,
segundo a autora, é o vetor de nossa subjetividade que transita no visível: é ele que conhece os códigos, isto é, o
conjunto de valores e regras de ação vigentes na sociedade em que estamos vivendo; ele guia nossas escolhas,
tomando como referência tais códigos.
203

conduta de obediência ou de transgressão à norma instituída. Ser ético, nesta perspectiva,


seria um dever moral, um dever obediência a um conjunto de regras e valores morais
prescritos que passariam a ser interiorizados e incorporados às atitudes de forma livre e
consciente, readimitindo o ―outro como próximo‖ (BAUMAN, 2003, p.99).
Explorando outros caminhos, embora não tão distantes da opção anterior, Rouanet
(1992) aponta para a recolocação dos valores morais sobre base filosófico-teológica, quando a
autoridade exterior estaria representada na divindade e nos dogmas religiosos. Se o modo
ascético de ser demonstrasse insuficiência, receitas ecléticas tornar-se-iam as soluções para
aplacar a angústia:

O cristianismo tradicional está sempre disponível, mas não faltam alternativas pós-moderna,
que vão desde os fundamentalismos, evangélicos ou carismáticos, até o esoterismo. Quando a
tradição religiosa não basta, há receitas ecléticas, um pouco de Jung, algum Herman Hesse,
Reich em pequenas doses, e muita meditação no interior de pirâmides de cristal, entre um
baralho de tarô e um livro de Paulo Coelho (ROUANET, 1992, p.157).

A defesa de uma posição utilitarista, então chamada de ―ética das consequências‖ ou


―ética dos resultados‖, conforme anunciou Fortes (1998, p.32), diz respeito à avaliação do ato
ético por meio dos resultados da ação empreendida. Embora não seja possível calcular todos
os efeitos frutos das ações e decisões tomadas, trata-se do entendimento de que o ato deva ser
útil para o indivíduo e para a sociedade. Disso acarreta a correlação entre ética e
responsabilidade pelas ações praticadas, estas últimas, sempre em direção ao outro.
No entanto,

Para nós, toda essa visão da Lei, do Bem comum e da Obediência a um plano de organização
de direitos e deveres que normatizariam as condutas e levariam a uma pretensa ordem
universal, numa palavra, tudo o que constitui a atitude Moral propriamente dita na relação do
indivíduo com a sociedade, precisa ser claramente distinguida de uma outra atitude, a postura
a que chamamos Ética (FUGANTI, 2009, s/p).

Na intenção de resgatar ou mesmo de edificar um horizonte ético-político, que alguns


autores apontam para a necessidade de se estabelecer uma distinção entre um modo de
expressão do pensamento reduzido às regras, aprisionado na moral, e outro que se alia à
diversidade da vida e constrói uma ética. Desta forma, a ética, na perspectiva pós-moderna,
não implica na adoção de medidas normatizadoras e adaptativas, tampouco se refere à
distinção entre o Bem do Mal, porquanto isso seria torná-la rígida e inadaptável à diversidade
de situações presentes no dia-a-dia dos indivíduos, perdendo sua referência histórica, seu
caráter reflexivo (CHAUÍ, 1992; FOUCAULT, 2004c; FORTES, 1998; FUGANTI, 2009;
204

GONDAR, 2004; GUARESCHI, 2000; GUYOMARD, 2007; MACHADO, 1999; MACIEL,


FRIZZO; CASTRO, 2010; MEDEIROS, 2002; PELLOSO; FERRAZ, 2005; NÉRI, 2009;
PEREIRA, 1991; RIOS, 1993; RODRIGUES; TEDESCO, 2009; VAZQUEZ, 1998).

Note-se que encaminhamos uma concepção de ética que não pode ser definida pela
obediência aos códigos existentes, extraídos de uma verdade universal sobre a natureza do
sujeito, mas definida pelo desafio de interrogá-los, pela decisão de propor novas direções para
as condutas, a partir do que nos parece mais caro discutir: a inauguração de formas inéditas de
relação com os códigos e normas (RODRIGUES; TEDESCO, 2009, p.77).

Ética, diferentemente de Moral, é traduzida enquanto um modo de o sujeito constituir-


se em uma relação de ―transversalização‖ (RODRIGUES; TEDESCO, 2009, p.78) do código
de conduta ou de um conjunto de princípios normativos, construindo as bases necessárias para
a orientação das práticas de cuidado de si e do outro. Os autores sublinham, ainda, que:

os modos de subjetivação emergem de toda e qualquer modalidade de relação ao código, em


vetores que envolvem a obediência, a desobediência, assim como os modos de resistência. É a
partir do modo de experimentar os códigos, formalizados em leis ou costumes, e de agir frente
a eles que passamos a nos reconhecer, a agir de determinada maneira. [...] Afirma-se assim
que é a partir da relação inventiva com os códigos morais que podemos entender o caráter
ético da conduta moral na sua emergência como ascese, ou seja, como técnica de constituição
de novas modalidades de vida (RODRIGUES; TEDESCO, 2009, p. 80-81).

Neste caso, o sujeito não cumpre ou comporta-se conforme uma regra, mas torna-se
sujeito enquanto age, seja de forma submissa e obediente, transgressora ou resistente, ou
ainda, sendo negligente. Portanto, sua ação não está limitada à aplicação de regras de um
código ou de uma Lei, mas livre, autônoma, para afirmar outras lógicas, para refletir acerca de
um desafio que se coloca ao pensamento e que se agencia nos encontros.
Assim, para ser um ―homem da ética‖ ou um ―ser ético‖, Rolnik (1995, p.154-164)
comenta que o homem abre-se para a alteridade, para o encontro com o outro. Enquanto ser
dialógico, relacional, o ser humano se constitui a partir das relações que estabelece com os
outros durante toda a sua vida, sem perder sua singularidade, sendo um ser único. ―A
dimensão ética apoia-se diretamente sobre essa antropologia personalista e dialógica‖
(GUARESCHI, 2000, p.20).
Arendt (2004), por sua vez, lembra em Responsabilidade e Julgamento, ser preciso ter
para com as escolhas e ações, responsabilidade, respondendo e se comprometendo também
pelo desejo, pela paixão, já que estas são endereçadas e produzem efeitos sobre outros
sujeitos. O ato de escolher como o homem deve agir ou se posicionar estaria, portanto, na
base da ―responsabilidade política‖, diz Assy (2004, p.52) na introdução da obra de Arendt
205

(2004), e implicaria ―uma qualidade de reflexão peculiar às atividades mentais, que por sua
vez repousam na responsabilidade pessoal‖ (ASSY, 2004, p.52).
Esses diversos posicionamentos remetem à condição pós-moderna, na qual a dispersão
de várias experiências denominadas ora por ética, ora por moral, vigora concomitantemente.
Importa ter em mente que, enquanto seres sociais, as ações (dos psicólogos, por exemplo)
promovem efeitos sobre outros seres humanos e, por conseguinte, para a sociedade, o que
significa que o sujeito deve manter um constante diálogo entre moral e ética para encontrar as
respostas para os desafios que se impõem à sua vida e fundamentar seus argumentos. Enfim,
saber articular a concretização do ser e o dever.
Enquanto a moral, representada pelo código de conduta, fornece princípios
norteadores das ações de um grupo, instituição ou categoria profissional, a ética remete à
liberdade do sujeito em sua relação com tais princípios na determinação de ações em
situações desafiadoras, sempre na perspectiva de um encontro com o outro. Deste modo, ética
e moral, embora não sejam equivalentes, podem ser compreendidas, conforme propõe
Machado (1999) e Rodrigues e Tedesco (2009), como vetores que se expressam na vida
humana que não se opõem tampouco se confundem, funcionando de forma articulada,
enquanto um campo de forças em relação dialógica.
Desta forma, a regra está sempre presente, porém caberá ao sujeito decidir o modo de
conduzir-se, orientar-se em relação a ela, articulando limites e possibilidades, direitos e
deveres, ―livre de coações internas ou externas‖ (FORTES, 1998, p.37). A autonomia ou
liberdade de pensamento, nesse sentido, diz respeito à possibilidade de transpor as ―próprias
condições da experiência condicionada pelo social ou pelo poder‖ (FUGANTI, 2009), de
colocar normas universais em questão mediante um processo de escolhas e definição de novas
formas de viver (GONDAR, 2004; RIOS, 1993; RODRIGUES; TEDESCO, 2009).

Ou seja, trata-se da forma particular pela qual um indivíduo cumpre as prescrições que se
encontram estabelecidas no código – já que existem diferentes maneiras e motivações para
cumpri-las. Ele pode fazê-lo a partir de certos ―modos de subjetivação‖ e de ―práticas de si‖
que não se encontram na dependência dos códigos morais ou da moralidade dos
comportamentos. [...] há um trabalho ético que o sujeito efetua sobre si, não [...] para tornar o
seu comportamento adequado a uma regra dada, mas, principalmente, para tornar-se ou
constituir-se enquanto sujeito à medida que age (GONDAR, 2004, p.37).

Assim, não é suficiente o conhecimento e cumprimento da norma para a conduta ser


considerada ética; se assim o fosse, bastaria, conforme indica Perez, Meza, Rossotti e Bicalho
(2010), ensinar e cumprir a norma. É preciso que a prática, atravessada que está pelos
206

diversos agenciamentos do sujeito, esteja, além de comprometida com as normas, implicada


com as demandas advindas do campo da produção de subjetividade, ou seja, esteja implicada
no modo como o sujeito age e se relaciona com o mundo a partir de uma escolha ou decisão
que tome em determinada situação.
Com efeito, o sujeito não se limita a reproduzir as regras preestabelecidas, ele as cria:
seu modo de ser e de agir passa a ser guiados por regras facultativas e singulares, portanto,
sempre na condição de serem questionadas e alteradas (MACHADO, 1999; RODRIGUES;
TEDESCO, 2009).
Recorrendo a Rodrigues e Tedesco (2009, p.93-94), os autores explicam que:

Deleuze (2005), em sua leitura sobre Foucault, aponta para o caráter facultativo e singular
dessas regras. São facultativas porque variam conforme a própria dinâmica das relações de
poder e singulares, pois só fazem sentido no contexto local dos sujeitos que constituem a
relação. O exercício ético, portanto, dirige-se à criação de condições para a problematização
que permite aos indivíduos ou coletivos se transformarem. Consequentemente, afirmamos que
toda prática apoiada em verdades absolutas – estruturas psíquicas invariantes, regras
normalizadoras, enfim códigos prescritivos, defensores de identidades ou mesmo referenciais
fixos por mais diminutos que sejam – seguem na direção dos estados de dominação: tendem à
fixação das relações de poder e, portanto, conduzem à estagnação do si em seus movimentos
de mudança.

Assim, a ética na visão de alguns autores, deve ser pensada como propositiva, ao
colocar desafios e exigências ao sujeito que devem ser reavaliados sempre que for necessário,
não se traduzindo em prescrições e proibições expressas em poder ou não poder; e que se
estabelecem nas relações com o outro, quem definirá se alguém é ético ou não. Ética também
remete à capacidade de o indivíduo ponderar vários argumentos à luz de conhecimentos que
possui naquele instante, de forma que possa fazer escolhas autênticas e tomar decisões
potencializadoras de vida sempre de modo provisório, criando novos modos de subjetivação e
práticas de si singulares. Ética, portanto, é criação permanente que sofre as influências de seu
tempo (FOUCAULT, 2001b; FORTES, 1998, GUARESCHI, 2000; GUYOMARD, 2007;
MACIEL; FRIZZO; CASTRO, 2010; MEDEIROS, 2002; PELLOSO; FERRAZ, 2005;
PEREIRA, 1991; RIOS, 1993; RODRIGUES; TEDESCO, 2009; VAZQUEZ, 1998).
Coimbra e Leitão (2007, p.169) propõem ética enquanto

Um pensar sem modelos a repetir, sem verdades a determinar o modus-vivendi. Um pensar,


[...], que exige criação e invenção; um pensar que está no plano dos acontecimentos e
evidencia-se nos movimentos e grupalidades que possibilitam a inauguração de outras formas
de existência, expressando sensações e criações diversas daquelas impostas e reproduzidas.
Por isso, afirmamos ser possível experimentar um mundo sem assujeitamentos, um mundo
auto-regulável apesar das constantes capturas e constantes capturas e constrangimentos a que
estamos sujeitos e expostos a cada momento de nossas vidas.
207

Diante de tais considerações, circulam na contemporaneidade, inúmeras contribuições


de correntes filosóficas nos discursos/práticas cotidianas, especialmente, quando profissionais
argumentam que agiram dentro do rigor da ética... mas afinal, o que estão produzindo, de que
ética estão falando?

2.2 Discussões sobre e em torno do Código de Ética

Um Código de Ética tem por finalidade apresentar os princípios que determinado


grupo de pessoas deverá utilizar como referência para suas ações. Inversamente, estes
mesmos princípios também servirão como recurso para avaliar e julgar as ações desse grupo
em relação à sociedade (se tais ações estão ou não em conformidade com o Código).
Por se tratar de um instrumento que visa dar indicações a uma determinada prática,
existe uma enormidade de Códigos de Ética, dentre os quais, aquele direcionado ao exercício
profissional, conhecido por Código Deontológico ou Código dos deveres (deon) profissionais.
Habitualmente denominado de Código de Ética Profissional, um Código Deontológico se
refere a um código de conduta, cuja função consiste em fornecer elementos para moldar,
regulamentar as relações entre os profissionais e entre estes e a sociedade, com vistas à
harmonia de uma ordem social (BENAVIDES; ANTÓN, 1987; HÜHNE, 2005; MEDEIROS,
2002; PEREIRA; PEREIRA NETO, 2003).
Nesse sentido, o Código de Ética apresenta-se como um coadjuvante na construção da
identidade profissional, de uma concepção de ―pertencimento‖ (BAUMAN, 2011, p.27), ao
mesmo tempo em que dá legitimidade à profissão perante a sociedade.

A ideia de uma comunidade de integração é uma noção herdada da hoje ancestral era do pan-
óptico: ela se refere ao esforço organizado de fortalecer a fronteira que separa o ―interior‖ do
―exterior‖, de manter os internos dentro, enquanto se impede os outsiders de entrarem e os
próprios internos de praticarem desvios, quebrando normas e planejando escapar do pulso da
rotina. Tudo isso diz respeito à execução de um código de conduta uniforme, monotônico,
imputado em termos de espaço e tempo (BAUMAN, 2011, p.27-28).

Esse processo, todavia, não se dá sem embates e contradições próprios das disputas e
interesses político-econômicos e ideológicos na sociedade. Tal fato remete à compreensão de
que todo Código não está isento da ideologia daqueles que representam o sistema do poder,
como lembra Benavides e Antón (1987, p.52),
208

Segundo estes ideólogos [Marx, Nietzsche e Freud], os códigos morais se criam como sendo
reflexos de ―interesses das classes dominantes‖ e ―expressão do poder‖ (Marx); como ―sanção
do vulgo e dos débeis tolhidos para prevalecer sobre os fortes e nobres‖ (Nietzsche); ou como
ideal ―paterno opressor dos instintos‖ (Freud). Em todo caso, são entendidas as normas como
―algo exterior‖ que leva a estabelecer um estado de coisas, que se bem pode ser benéfico com
vistas a criar certa ordem pacífica e rendosa.

Por este motivo, todo Código, que não seja uma Lei no sentido estrito e, portanto,
possa ser mais sensível ao contexto econômico-político e cultural de uma dada sociedade, tem
um aspecto dinâmico, o que permite – à medida que a sociedade e a própria profissão se
movimentam –, a revisão, transformação, renovação e reedição de seus artigos para se
aproximarem aos novos costumes (PEGORARO, 2005b; PEREIRA, 1991).
No caso do Código de Ética Profissional do Psicólogo (CEPP), trata-se de uma norma
jurídica, cuja denominação técnica é Resolução, enquanto tal, possui caráter normativo e
regulador da profissão. A partir desse instrumento jurídico, o Conselho Federal de Psicologia
institui, por escrito, o dever-ser da conduta moral do profissional da Psicologia.
Não obstante a controvérsia que possa suscitar e a lacuna que possa haver, o CEPP é
―uma norma imperativa, oponível a toda categoria dos psicólogos no Brasil e com força
coercitiva e de sanção‖ (PEREIRA, 1991, p.33). Em outras palavras: trata-se de um sistema
de regras que visa à regulação da conduta profissional do psicólogo, apontando
responsabilidades, direitos e deveres, de caráter obrigatório e coercitivo, de tal modo que seu
descumprimento é passível de punição (BENAVIDES; ANTÓN, 1987; FORTES, 1998;
MEDEIROS, 2002).
Bock (2008b, p.101), quando ainda exercia a função de conselheira-presidente do XIII
Plenário do CFP, declarou, em palestra posteriormente transcrita no livro Profissão Psicólogo
(2008)68, que a função do Código de Ética Profissional do Psicólogo é orientar a atividade do
psicólogo, devendo ser encarado

como um acordo de regras de conduta profissional. Esclarece-se que é importante não


absolutizar o Código de Ética, pois pode haver interpretações diversas sobre as regras que
estão postas, aliás, é por este motivo que existe o julgamento, porque, se fosse absolutamente
claro, não haveria a necessidade de se julgar, era só aplicar as regras. É necessária a ideia de
se ter o Código como um orientador para se debaterem questões referentes à ética

68
Edição destinada a apresentar o Código de Processamento Disciplinar comentado – (CPD, RESOLUÇÃO CFP
Nº 006/2007) – legislação que regulamenta os trâmites processuais de Processos Disciplinares Ordinários,
Funcionais e Éticos. O Código de Processamento Disciplinar comentado é uma publicação de iniciativa do CFP
resultante do Encontro das Comissões de Ética dos CRPs com a Comissão de Orientação e Ética do CFP que
aconteceu em Brasília nos dias 26 e 27 de outubro de 2007, cujas falas foram compiladas na publicação
Profissão Psicólogo; que foi editada no ano de 2008 e distribuída aos Conselheiros neste mesmo ano. O texto foi
formulado a partir da ―necessidade de se unificarem as ações das Comissões de Ética dos Conselhos Regionais,
bem como diminuir erros processuais que resultam em nulidades dos processos éticos‖ (CFP, 2008, p.9-10).
209

profissional, à infração ao Código, ao tipo de conduta de infração que tem sido encontrada,
entre outros aspectos.

Inequivocamente, uma categoria profissional, para ter seu campo institucionalizado e


reconhecido pela sociedade, é obrigada a manter um Código de Ética para proteção e defesa
dos direitos dos usuários de seus serviços profissionais, sejam estes seus clientes ou
instituições. De acordo com Bock (2008b), é para a sociedade que o CFP e os CRPs
trabalham, visando à garantia da qualidade do serviço psicológico prestado à população.

Desta forma, este [o Conselho Regional] é um lugar que recebe denúncias de pessoas que são
usuárias dos serviços dos psicólogos, e é a serviço delas que o Conselho trabalha, não ao
contrário. O Conselho não existe para defender os psicólogos das pessoas que vêm apresentar
denúncia, e essa perspectiva faz a diferença no trato com a pessoa que vem apresentar a sua
denúncia, ou na forma como a denúncia é acolhida (BOCK, 2008b, p.100).

Alguns autores salientam que, além de o Código de Ética estar atento para as
demandas da sociedade, ele também tem por função orientar e proteger o próprio profissional.
Esta afirmativa não compromete, em absoluto, a fala da então presidente do CFP (BOCK,
2008b), pois não é função do Conselho de Classe defender o psicólogo, enquanto indivíduo,
quando este é denunciado ou em qualquer circunstância, seja lhe oferecendo assistência
jurídica, seja deixando de receber denúncias, etc.. Sua função é executiva e voltada para a
defesa da integridade da Psicologia enquanto profissão perante a sociedade (BENAVIDES;
ANTÓN, 1987; PEGORARO, 2005b; PEREIRA, 1991; PEREIRA; PEREIRA NETO, 2003).
Todavia, a meu ver, é função do CFP elaborar um Código de Ética que corresponda às
necessidades da categoria e divulgá-lo para que o profissional possa, ao conhecê-lo, usá-lo
como um referencial a ser observado com vistas a tomar suas decisões frente aos desafios da
profissão. Porém, não basta que o Conselho Federal construa um Código e o divulgue para
que a categoria o cumpra. É forçoso que, ao oferecê-lo, também instrumentalize, ou seja, dê
condições para que o profissional consiga articular as normas com sua prática de um modo
coerente e criativo, já que é a ele que o Código de Ética é endereçado e sobre ele que incidem
as denúncias de infração. Portanto, considero muito pertinente a pergunta feita por Arantes
(2008, comunicação pessoal) durante o evento comemorativo do Dia do Psicólogo na sede do
CRP-RJ: ―qual a nossa ética e como podemos fazer dela algo que possa nos proteger
também?‖.
Nesse sentido, para responder às exigências da população envolvendo questões de
ética profissional, assim como ter pontos de referência para a orientação e fiscalização no
210

Brasil, enfim, para controlar o exercício da profissão, os ―interesses cristalizados


ideologicamente‖ deveriam ser instrumentalizados em normas (AGUIAR, 1984, p.69). Foi
quando uma espécie de primórdio do Código de Ética – o designado Código de Ética dos
Psicólogos Brasileiros, foi organizado no biênio 1966-67.
Nestes termos, a Psicologia passou a ter sua deontologia, ou seja, um mecanismo de
defesa contra os que ilegalmente ―invadirem seu espaço‖, bem como ―uma ciência
disciplinadora e disciplinada‖ (AGUIAR, 1984, p.69), capaz de controlar os profissionais por
meio de ―normas, sanções, [...] e, principalmente, [...] se colocar sempre como tutor dos
interesses da coletividade‖ (AGUIAR, 1984, p.72).
Considero importante destacar que, embora o Conselho Federal de Psicologia tenha
sido criado posteriormente, pela Lei nº 5.776 de 1971; e tenha por função, entre outras,
regulamentar a profissão, com a obrigação de exercer função normativa e baixar atos à
execução da legislação reguladora do exercício profissional, dentre esses atos, o de elaborar e
aprovar o Código de Ética, o referido Código de Ética dos Psicólogos Brasileiros tratava-se,
na verdade, de um anteprojeto do Código da Ética Profissional. Elaborado a partir de
discussões promovidas pela Associação Brasileira de Psicólogos (ABP – fundada em 1954 e
presidida por Arrigo Angelini69) e a Sociedade de Psicologia de São Paulo (SPSP) – que
congregavam psicólogos de várias agremiações –, durante os encontros na Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), este Código tinha o propósito de refletir as
necessidades da Psicologia na ocasião.
O documento original foi proposto por Oswaldo de Barros Santos70, associado de
ambas as entidades, e se referia a um conjunto de normas de ética profissional para psicólogos
publicado pela New York State Psychological Association. O texto foi traduzido e adaptado
para o Brasil por Betty Katzenstein71 e Eliezer Schneider72 e posteriormente publicado nos
Arquivos Brasileiros de Psicologia Aplicada.
Weil (1967, p.258-259) dá maiores detalhes:

Cópias do referido anteprojeto foram distribuídas à Sociedade de Psicologia do Rio Grande


do Sul, à Sociedade Mineira de Psicologia e a diversos serviços de aplicação da Psicologia, e
Faculdades de Filosofia. Em seguida, foi o anteprojeto submetido a uma ampla discussão que

69
Consultar: Homenageado. Arrigo Leonardo Angelini. Psicologia Ciência e Profissão, vol.26, n.1, 2006, p.172.
70
Consultar: Homenageado. Oswaldo de Barros Santos. Psicologia Ciência e Profissão, vol.23, nº 3, 2003,
p.101.
71
Não dispõe de texto biográfico para consulta na internet até o momento.
72
Consultar: JACO-VILELA, Ana Maria. Eliezer Schneider: um esboço biográfico. Estud. psicol. (Natal), vol.4,
n.2, 1999, p. 331-350.
211

teve lugar em Ribeirão Preto, em julho de 1964, quando da realização de uma assembleia
geral da ABP, por ocasião da XVI Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência. Em consequência, numerosas sugestões foram feitas, ou enviadas por escrito, e para
estudar a conveniência ou não da inclusão das alterações propostas, foi nomeada uma
comissão integrada pelos profs. Drs. Arrigo L. Angelini, Pedro Parafita de Bessa, Arthur M.
Saldanha, Dante M. Leite, Pé. Antonius Benko, Enzo Azzi e Prof. Osvaldo de Barros Santos.
Por dificuldades diversas, inerentes a uma Comissão, cujos componentes se encontravam em
pontos diferentes do país, não houve oportunidade de um trabalho em conjunto. No entanto,
isoladamente, cada membro dessa Comissão, que havia recebido cópia de todo o material
resultante da Assembleia Geral realizada em Ribeirão Preto, examinou o referido material à
luz do anteprojeto original. Em julho de 1965, na Assembleia Geral de ABP, realizada em
Belo Horizonte, por ocasião da XVII Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso
da Ciência, voltou-se a discutir o novo anteprojeto, cujos pontos principais foram
apresentados e aprovados nessa Assembleia Geral da Associação Brasileira de Psicólogos
pelos relatores da Comissão anteriormente indicada em Ribeirão Preto — Drs. Pedro Parafita
de Bessa e Arthur M. Saldanha que também cuidaram da redação final do novo anteprojeto.
Ampla divulgação desse anteprojeto foi feita pela A. B. P. entre seus associados. Finalmente,
na Assembleia Geral da A. B. P. realizada em Blumenau, por ocasião da XVIII Reunião
Anual da S. B. P. C. aos 12 dias do mês de julho de 1966 o novo anteprojeto foi
unanimemente considerado O CÓDIGO DE ÉTICA DOS PSICÓLOGOS BRASILEIROS e
decidiu-se recomendar a adoção do mesmo por todos quantos se dedicam profissionalmente à
Psicologia em nosso meio.

Conforme Weil (1967, p.258-259) menciona em seu texto, foi por determinação do
Código de Ética dos Psicólogos Brasileiros que a Assembleia Geral da Associação Brasileira
de Psicologia (ABP), realizada em Blumenau no ano de 1966, nomeou os membros do
Conselho de Ética Profissional, entidade que se incumbiria de orientar a aplicação deste
Código de Ética, zelar pela sua observância e fiscalizar o exercício profissional. Para tanto,
seria imprescindível uma normativa na qual os membros desse Conselho de Ética pudessem
se orientar na apuração das faltas disciplinares e infrações ao Código de Ética. Esse
instrumento legal ficou conhecido como o primeiro Código de Processamento Disciplinar
(CPD), Resolução CFP nº 014/1976, um ano após a instituição do primeiro Código de Ética
Profissional do Psicólogo (CEPP), por meio da Resolução CFP Nº 8, de 02 de fevereiro de
197573, publicada no Diário Oficial da União.
O primeiro Código de Ética da categoria era composto por cinco Princípios
Fundamentais e 40 (quarenta) artigos, distribuídos em 13 (treze) capítulos: das
responsabilidades gerais do psicólogo; das responsabilidades para com o cliente; das
responsabilidades e relações com as instituições empregadoras; das relações com outros
psicólogos; das relações com outros profissionais; das relações com associações congêneres
e representativas do psicólogo; das relações com a justiça; do sigilo profissional; das
comunicações científicas e das publicações; da publicidade profissional; dos honorários

73
Anexo A: Código de Ética de 1975.
212

profissionais; da fiscalização do exercício Resolução CFP Nº 029/79


Estabelece Novo Código de Ética
profissional da psicologia e cumprimentos dos Profissional dos Psicólogos e revoga a
Resolução CFP 08/75, de 02.02.1975
princípios éticos; disposições gerais (CFP, 1979; CONSELHO FEDERAL DE
VELLOSO, 1980; ROMARO, 2008). PSICOLOGIA, em suas 58º Reunião
Plenária, usando da atribuição de que lhe
Conforme explica Mello (1983), o CEPP, pelo confere o art. 6º, letra ‗e‘ da Lei 5.766 de 20
de dezembro de 1971.
conteúdo ideológico que apresentava, parecia ter sido CONSIDERANDO a necessidade de
aperfeiçoar o Código de Ética pelo qual os
extraído de códigos médicos. ―As pretensões profissionais de Psicologia possam pautar
suas atividades;
implícitas seriam as de reivindicar para a profissão CONSIDERANDO que um Código de
recém-nascida, as prerrogativas e o prestigio da Ética, pela sua natureza, supõe constante
atualização e frequentes revisões;
profissão médica‖ (MELLO, 1983, p.104). Se a RESOLVE:
Art. 1º - Estabelecer o Código de Ética
Psicologia não é a Medicina, a autora questiona se não Profissional dos Psicólogos.
Art. 2º - Revogar a Resolução CFP 08/75,
seria mais interessante para a profissão definir sua de 02 de fevereiro de 1975.
Art. 3º - Esta Resolução entre em vigor na
própria problemática ética. Entende, ainda, que neste data de sua publicação, revogadas as
instrumento, há o reconhecimento da necessidade de o disposições em contrário.

profissional ―desenvolver o sentido de sua


responsabilidade‖ (MELLO, 1983, p.104), partir do aprimoramento de seus conhecimentos.
Concorre que, na ausência de um consenso em relação aos princípios expostos no Código,
ficaria a critério de cada profissional a interpretação dos mesmos.
Passados quatro anos do Código de Ética de 1975, o número de profissionais
psicólogos no país mais que quadruplicou, atingindo o equivalente a 20 mil profissionais
registrados, a maioria ligada a atividades liberais, privativas, de cunho clínico-
curativo/terapêutica. Essa acelerada expansão, assim como as constantes transformações da
sociedade fizeram-se acompanhar de um desequilíbrio frente a algumas áreas de atuação
profissional, de tal modo que a Gestão do CFP entendeu ser necessário manter as discussões
em torno do Código (JORNAL PSI, 2002; VELLOSO, 1980).
A emergência de novos campos de atividades também contribuiu para o entendimento
do CFP sobre a necessidade de realizar uma revisão do Código – já prevista em seu artigo 1º,
tarefa atribuída à Conselho de Ética do CFP. Os trabalhos tiveram início em 1978,
culminando com a aprovação da nova versão em 30 de agosto de 1979, por ocasião da
comemoração do centenário da Psicologia, sob a forma de Resolução CFP Nº 029/7974 (CFP,
1979; CRP-06, 1994; JORNAL PSI, 2002; ROMARO, 2008).

74
Em anexo B.
213

O Conselho de Ética do CFP também analisou 13 Códigos de Éticas de outras


profissões (Serviço Social, Odontologia, Medicina, etc.) em busca de elementos compatíveis
com o exercício profissional do psicólogo. Com base nesses dados, juntamente com os
demais, o Conselho de Ética elaborou uma minuta do Código de Ética que foi remetida aos
CRPs para nova apreciação.
Velloso (1980) descreve, sucintamente, como se desenvolveu o trabalho de
reformulação do Código: primeiramente, os Conselhos Regionais deveriam realizar críticas ao
Código de 1975 e dar sugestões para sua reformulação, tomando por base os trabalhos
desenvolvidos no campo da fiscalização e da orientação. Posteriormente, os CRPs
encaminharam aos professores de ética dos cursos de Psicologia fornecidos pelo Ministério da
Educação e Cultura mesmo pedido endereçado aos CRPs (críticas e sugestões em relação ao
Código). Foi também realizado um levantamento pela Biblioteca da Universidade de São
Paulo de revistas estrangeiras de verbetes sobre ética profissional do psicólogo, material que
foi encaminhado a todos os conselheiros.
Findo o prazo de 30 dias para essa etapa, a Comissão procedeu a uma nova discussão e
elaboração de uma segunda minuta, que foi apresentada ao Plenário do CFP para
reformulação, votação e aprovação do Código (VELLOSO, 1980).
O CEPP de 1979 entrava em vigor, ainda no período político ditatorial, porém, em um
momento em que os movimentos sociais de resistência se fortaleciam. Apresentando cinco
Princípios Fundamentais e 50 artigos e mais alíneas dispostos em 12 capítulos, é possível
constatar que alguns temas ganharam ênfase, tais como os que versavam sobre sigilo e
relações com a Justiça, enquanto outros foram excluídos, como a alínea ‗h‘ do Art. 4º do
CEPP de 1975, sobre a prática de interrogatório sob ação de hipnose (ROMARO, 2008).
Para Drawin (1985, p.16), o Código de Ética Profissional apresentava-se fortemente
marcado ―pelo ranço corporativista‖. Segundo o autor,

[...] a estrutura de nosso código é simples [...] desenvolvem-se artigos em duas direções
paralelas: a preservação da dignidade do cliente e a preservação da dignidade do próprio
profissional, para concluir na consolidação da imagem social do psicólogo, que deve
assegurar a integralidade do mercado de trabalho. (DRAWIN, 1985, p.16).
214

Com a aprovação do CEPP de 1979 e a Resolução CFP Nº 001/78


CONSIDERANDO a urgência da ativação
Resolução CFP Nº 001/1978 em vigor, a Comissão do processo de fiscalização do exercício
profissional para a defesa dos legítimos
de Ética (CoE) – que antes cumulava a função de zelar direitos do Psicólogo expressos em Leis,
pela ética profissional e fiscalizar o exercício decretos, resoluções e Código de Ética
específicos;
profissional – passou a se dedicar à disciplina, via CONSIDERANDO a especificidade dessa
profissão em meio ao concerto das demais
instauração, instrução (condução) e julgamento de profissões que têm, direta ou indiretamente,
o homem por seu objeto formal de
Processos Disciplinares Éticos (PDE) representados abordagem ou tratamento e para cujo
desempenho se fazem imprescindíveis:
em desfavor dos psicólogos, dentro do rigor da Lei. A preparação científica, respeito aos direitos
fiscalização passaria a ser de responsabilidade da adquiridos e profunda sensibilidade e
responsabilidade ético-profissional;
recém-criada Comissão de Orientação e Fiscalização CONSIDERANDO os problemas que a
meia ciência, a desinformação e os
(COF) (CRP-06, 1994). Desta forma, a Comissão de interesses subjetivos criam, facilitando a
proliferação de exercício ilegal da
Ética – uma das Comissões que funcionam em caráter Profissão, nessa área de especial interação
social;
permanente75 – operaria, dentro dos CRP, como um [...] RESOLVE
Tribunal Regional de Ética com vistas à apuração da Art. 1º - Cada Conselho Regional de
Psicologia manterá, em caráter permanente,
denúncia, enquanto o CFP operaria como um Tribunal uma Comissão de Fiscalização do Exercício
profissional.
Superior de Ética Profissional. Art. 5º - A fiscalização direta e imediata
será feita através de fiscais contratados pelo
Para Moura (1980), a preocupação maior da CRP, que realizarão suas tarefas através de
visitas de inspeção.
COF era orientar, especialmente por entender que Art. 7º - Competirá à Comissão:
havia, por parte da categoria e da população em geral, I – Determinar, coordenar, orientar e
supervisionar, direta e imediatamente, o
um desconhecimento generalizado acerca das funções serviço dos fiscais.
Art. 9º - Para efeito de fiscalização, a
do psicólogo. A orientação tinha por objetivo Comissão considerará qualquer comunicado
ou notícia que chegue ao seu conhecimento,
principal a conservação do espaço do psicólogo no independente das visitas de rotina.
Art. 16 – Nos casos de irregularidades,
mercado de trabalho, sendo, portanto, do interesse da reconhecidas pelo Conselho Regional, este
COF a valorização da categoria na sociedade, adotará os seguintes procedimentos:
I – Notificar o indiciado para que, no prazo
buscando inibir o exercício ilegal da profissão. de 10 (dez) dias úteis, contados da data do
recebimento da notificação, comparecer ao
De cunho preventivo, a COF primava pela CRP a FIM DE APRESENTAR DEFESA
OU REGULARIZAR SUA SITUAÇÃO.
orientação dos psicólogos (especialmente os recém- II – INSTAURAR PROCESSO E/OU
ADOTAR MEDIDAS LEGAIS, QUANDO
formados), com vistas à compreensão de seus direitos COUBEREM.
III – APLICAR PENALIDADES,
QUANDO COUBEREM.
75
Para esclarecimento: são quatro as Comissões permanentes: a Comissão de Ética, a Comissão de Orientação e
Fiscalização, a Comissão de Licitação e a Comissão de Auditoria e Controle Interno, conforme estabelecido pelo
Regimento Interno para todos os CRPs, o que garante a continuidade dos serviços públicos obrigatórios (como
fiscalizar, orientar e disciplinar) após a mudança de gestão. Todavia, cada Gestão de um CRP poder criar outras
Comissões que não as obrigatórias. É na composição de Comissões permanentes e optativas que se caracteriza a
posição política de cada Gestão.
215

e deveres perante a sociedade, representada na figura Abertura Democrática


A redemocratização brasileira foi
do cliente, sociedade à qual era responsabilidade do marcada por uma sucessão de eventos
notáveis. A Lei da Anistia, em 1979,
CFP proteger contra o profissional que não procedeu permitiu o retorno dos exilados políticos,
conforme os ditames do exercício profissional (CRP- beneficiando lideranças como Leonel
Brizola, Miguel Arraes, Luís Carlos Prestes,
06, 1994). À Comissão de Ética cabia, portanto, a entre outros. A reforma partidária, em 1980,
extinguiu o bipartidarismo imposto pelo
instauração e instrução de Processos Disciplinares regime autoritário, estimulando o
surgimento de novos partidos e deu início a
Éticos, atividade de caráter eminentemente punitivo e redefinição das forças políticas. As eleições
para os governos estaduais, em 1982,
disciplinador. começaram a restabelecer o princípio
Para normatizar o trabalho das Comissões de federativo, no qual ganha importância o
processo de descentralização política e
Ética na instrução dos processos disciplinares administrativa. A campanha denominada de
―Diretas Já‖, em defesa da eleição direta
propostos contra o psicólogo em todo o país, foi para presidente da República, em 1984,
despertou a participação social e encheu as
instituído, no ano de 1982, um novo Código de ruas do país. A eleição de Tancredo Neves e
José Sarney pelo PMDB, em 1985, no
Processamento Disciplinar (CPD), Resolução CFP nº Colégio Eleitoral que escolheu o sucessor
015/1982. No ano seguinte, nova Resolução foi do general Figueiredo, marcava a volta dos
militares aos quartéis.
emitida em substituição a esta, entrando em vigor a Ismael (2008).

Resolução CFP nº 009/198376.


Mudanças na conjuntura política e socioeconômica despontavam no horizonte do país
da década de 1980, quando a população sofria com o empobrecimento, crescimento
desordenado e concentração nos centros urbanos, associado ao processo de abertura
democrática e ao movimento para eleições diretas para presidente (1984) – Diretas Já.
Na medida em que a sociedade brasileira se democratizava, criava-se, segundo
Oliveira (2005), uma possibilidade para a expressão da Psicologia. Como instituição de apoio
ao profissional, neste mesmo ano houve um movimento no interior do Sistema Conselhos
para propor revisão do Código de 1979.

76
Infelizmente, há pouca informação disponível acerca da elaboração desses documentos legais.
216

Conforme explana o texto da Exposição de Exposição de Motivos do Código de Ética


Profissional do Psicólogo
Motivos do Código de Ética Profissional do O mundo vive constantes mudanças. [...]
Abre-se, portanto, um desafio à psicologia
Psicólogo, a proposta era desenvolver um instrumento como ciência que estuda e interpreta o
menos corporativo e que efetivamente se preocupasse comportamento humano, sujeito, ele
mesmo, à complexidade de contínuas e
com as transformações sociais, considerando as profundas transformações. Se o homem é
um ser de relação, sujeito a contínuas
necessidades e anseios da categoria, porém, sem mudanças na sua luta por ocupar, a cada
momento, o espaço que lhe compete no
perder de vista os interesses da população. mundo, e se, ao mesmo tempo, ele é o
sujeito e o objeto do estudo da psicologia,
Assim, quando completou 25 anos de segue-se que qualquer sistema ou código só
regulamentação da Psicologia no Brasil, o CFP será real se sujeito, também ele, a esta
transitoriedade que é própria do homem à
aprovou o terceiro Código de Ética Profissional do procura de seu destino e significação.
Dentro desta dimensão, propor um
Psicólogo – Resolução CFP nº 002/87, de 15 de Código de Ética é colocar-se, de um lado,
numa reflexão constante do ser humano
agosto de 1987. No percurso de elaboração deste como sujeito de mudanças, e, do outro lado,
cristalizar com normas propostas de
Código, muitas pesquisas foram realizadas com a comportamento ações, que, por sua natureza
participação de psicólogos de todos os Conselhos são dinâmicas. Assim, um Código de Ética
deve expressar, de um lado, a dinamicidade
Regionais de Psicologia e grupos de profissionais de própria da liberdade, do risco e da criação e,
de outro lado, mostrar um conjunto de
diferentes áreas foram consultados, efeitos do ações ou comportamentos que seja
representativo da realidade e da realidade
contexto histórico de redemocratização em processo do dia a dia, com os quais o homem se põe
diariamente em contato. [...] O Código é a
no país (1987-1988). expressão da identidade profissional
Em documento emitido e encaminhado pelo daqueles que nele vão buscar inspirações,
conselhos, normas de conduta. Ele é, ao
Conselho Federal de Psicologia aos Regionais – mesmo tempo, uma pergunta e uma
resposta. É um apelo-pergunta no sentido de
Ofício s/nº CFP de 20 de julho de 1986 –, há um se ver o ser humano não apenas como uma
Unidade isolada, mas como um subsistema
histórico dos eventos que levaram à elaboração de um de um grande sistema. [...] Este Código
seguiu este caminho.
modelo normativo e reflexivo, o qual transcrevo em
Resolução CFP Nº 002/1987
parte:

Ouvindo as necessidades e dificuldades dos Conselhos Regionais através das Comissões de


Ética, o CFP encampou a iniciativa de reformulação do código de Ética. Formaram-se grupos
de trabalho que vêm se reunindo desde 1984, numa tentativa de operacionalizar a proposta.
Em reuniões junto ao Federal, os Presidentes das Comissões de Ética dos Regionais
concordaram quanto à necessidade de revisar o atual código de Ética. Também ficou vista a
necessidade desta revisão ser baseada numa ampla consulta à classe. As discussões e
reflexões das Comissões em reuniões conjuntas, o contato com a categoria, o contato com
filósofos e profissionais de outras áreas para esta reformulação, fizeram surgir sugestões que
levaram ao aprofundamento da questão Ética. Neste contexto surgem propostas que
pretendem um código de Ética profissional bem geral, bem como aquelas que indicam como
melhor forma a que procura explicitar cada situação profissional possível de acontecer e a
atitude a ser tomada em cada caso. A partir de outubro do mesmo ano houve nova reunião dos
presidentes das Comissões de Ética em Brasília. Nesta oportunidade os Regionais colocaram
como estavam seus trabalhos de consulta aos psicólogos.
217

Na cidade do Rio de Janeiro, o CRP-05 apresentou aos profissionais um questionário


com perguntas sobre o Código de Ética e promoveu debates com jovens estudantes do último
ano do curso de graduação em Psicologia, bem como com professores de Ética em diversas
Universidades. Nas discussões com profissionais, privilegiou a área de Psicologia
Organizacional que vinha firmando convênios com os Serviços de Psicologia Aplicada (SPA),
organizando debates com estudantes em estágio básico.
A participação do CRP-08 se deu pela distribuição de um formulário para a categoria.
Quanto ao CRP-07, este preferiu realizar encontros com os profissionais no modelo de
seminários para discutir o tema. O CRP-04, após inexpressiva participação por meio de
formulários, organizou mesas-redondas e debates com outros profissionais para mobilizar a
categoria. O CRP-03 realizou consulta interna, nas próprias Comissões.
Quanto ao CRP-02, após debates com a categoria, emitiu nota informando que a
maioria dos profissionais desconhecia o seu Código de Ética, entendendo que este
instrumento era pouco empregado para embasar a conduta profissional. Embora admitisse a
necessidade de um código que refletisse a práxis do psicólogo, declarou que a categoria não
demonstrou interesse em participar da mudança do Código.
O CRP-01 também foi outro Regional que desenvolveu atividades junto à categoria,
inovando com a organização de Grupos de Trabalho (GT) para discutir o modelo de Código
de Ética, enviando modelos para que os profissionais tivessem a oportunidade de opinarem.
Em São Paulo, o CRP-06, além de promover reuniões com professores de Ética, o
Regional, tomou a iniciativa de elaborar um questionário, que foi encartado na edição do
Jornal PSI de julho de 1984, para que os psicólogos de São Paulo pudessem, ao responderem,
contribuir para a ampliação do CEPP. Transcrevo, a seguir, as quatro primeiras questões
referentes à primeira página do questionário:

1. Qual deve ser a finalidade de um Código de Ética:


a. Preferencialmente normalizador? Por quê?
b. Preferencialmente reflexivo? Por quê?
c. Preferencialmente ___________? Por quê?
2. A seu ver, o atual Código de Ética cumpre essa finalidade? Por quê?
3. A quem deve servir o Código de Ética?
4. A quem deve servir a Psicologia?

O material analisado foi apresentado em maio de 1985 para o CFP e demais CRPs em
reunião realizada para fins de estabelecer diretrizes básicas que deveriam nortear as propostas
para a feitura do novo Código. Concluiu-se por três diretrizes, que seriam: (1) prioridade para
218

os interesses da comunidade; (2) ascendência da ação orientadora em relação à punitiva; (3)


estabelecer uma definição entre questões éticas e questões técnicas para dirimir essa falsa
dicotomia (CRP-06, 1994).
O Código de 1987, conforme explicita seu texto introdutório, procurou agregar
princípios gerais e básicos com normas mais detalhadas que pudessem fundamentar e
operacionalizar as situações profissionais, sendo, ao mesmo tempo, um convite à
―dinamicidade criadora‖ e uma proposta de caminhos como soluções de problemas
(RESOLUÇÃO CFP Nº 002/87). Também buscou, pela primeira vez, oferecer uma
conceituação do que o CFP entendia por ética:

Éthos, segundo Aristóteles, expressa um modo-de-ser, uma atitude psíquica, aquilo que o
homem traz dentro de si na sua relação consigo, com o outro e com o mundo. Indica as
disposições do ser humano perante a vida. Ser ético é muito mais do que um problema de
costumes, de normas práticas. Supõe a boa conduta das ações, a felicidade pela ação feita e o
prêmio ou a beatitude da alegria da auto-aprovação diante do bem-feito, no dizer de
Aristóteles (RESOLUÇÃO CFP Nº 002/87).

Neste sentido, o Código de 1987 conceituava Ética enquanto Filosofia Moral ou ética
filosófica, que recorre à reflexão e compreensão das singularidades, que permite o exercício
da criatividade, da liberdade e da espontaneidade. Portanto, uma ética capaz de fazer o
psicólogo ver o cliente como um ser de relação no mundo.
Por sua vez, entendendo ética também como Ciência dos Costumes, o Código dizia
respeito aos deveres sociais do homem e de suas obrigações na comunidade, lembrando que o
ser humano não pode viver ao sabor de suas paixões e que a vida não é apenas deixar-se viver.
Ao indivíduo, é requerida uma conduta moral para viver em sociedade ou em grupo,
respeitando certas regras ou leis e tendo por base a disciplina, a adaptação à vida grupal e a
autonomia da vontade. O Código ainda salientava que o agir ético vai além do pensar bem e
honestamente, mas exige do profissional estar consciente de suas ações. Assim, ao mesmo
tempo em que deveria expor normas explícitas, um Código de Ética não poderia oferecer
soluções pré-fabricadas, entendendo que caberia a cada indivíduo agir eticamente. Neste caso,
o psicólogo deveria, antes de cumprir as normas do Código, ser ético. Desta feita, o Código se
propunha a servir como um mapa, assinalando os principais caminhos de onde decorre a vida,
como um convite à reflexão e à descoberta de valores que deveriam guiar a ação/prática
profissional. Igualmente, o Código de Ética deveria também estar sujeito às leis da mudança,
aberto a reflexões que o atualizassem continuamente.
219

Nesta perspectiva, a concepção de ética Resolução CFP Nº 002/95


O CONSELHO FEDERAL DE
proposta pelo Conselho Federal de Psicologia referia- PSICOLOGIA, no uso de suas atribuições
legais e regimentais,
se à ética enquanto prática de si, portanto, uma ética CONSIDERANDO análise efetivada
que não equivale à moral, conforme arrazoei pela Câmara de Orientação e Fiscalização
sobre anúncios publicados em jornais
anteriormente. Trata-se de uma ética que tem relativos a serviços tais como Tele-Ajuda,
Tele-Aconselhamento e similares;
compromisso com a sociedade, com o usuário do CONSIDERANDO que a matéria tem
sido objeto de consultas a este Conselho
serviço de Psicologia e com o próprio psicólogo. Federal;
CONSIDERANDO finalmente que é
Após a extensa Exposições de Motivos, o atribuição do Conselho Federal de
CEPP de 1987 exibia sete Princípios Fundamentais e Psicologia orientar, disciplinar e fiscalizar o
exercício da profissão de psicólogo;
um total de 50 artigos e alíneas dispostos em 10 (dez) RESOLVE:
Art. 1º - Incluir a alínea ‗o‘ no Art. 02 do
capítulos: das responsabilidades gerais do psicólogo; Código de Ética Profissional do Psicólogo,
Resolução CFP 002/87 de 15 de agosto de
das responsabilidades e relações com as instituições 1987 com a seguinte redação:
Art. 2º - Ao Psicólogo é vedado:
empregadoras; das relações com outros profissionais 0) prestar serviços ou mesmo vincular seu
ou psicólogos; das relações com a categoria; das título de Psicólogo a serviços de
atendimento psicológico via telefônica.
relações com a justiça; do sigilo profissional; das
comunicações científicas e da divulgação ao público; da publicidade profissional; dos
honorários profissionais; da observância, aplicação e cumprimento do código de ética.
Apesar de bastante pormenorizado, o CEPP de 1987 recebeu críticas daqueles que
tinham predileção pelo anterior, por o considerarem mais claro e incisivo; enquanto outros
salientavam o caráter corporativista e economicista que ainda persistia no Código que entrara
em vigor. Outros, mais otimistas, ressaltaram que as transformações no Código colocaram o
psicólogo como responsável pelo desenvolvimento de uma análise crítica da realidade política
e social, assim como da própria Psicologia como ciência e profissão compromissada com o
social (CRP-06, 1994; CAMINO, 2000; JORNAL PSI, 2002; VASCONCELOS, MASSON,
MENEZES, VASCONCELOS; FERREIRA, 2004).
Algumas dessas críticas repercutiram diretamente no Código de 1987, que sofreu duas
alterações, anos mais tarde: uma em 1990, com a Resolução CFP Nº 006A/90, que refogava o
Art. 5º e seus parágrafos, e outra em 1995, com a Resolução CFP Nº 002/95, que dispunha
sobre a prestação de serviços psicológicos por telefone, incluindo a alínea ‗o‘ ao Art. 2º, por
conseguinte, vetando esse tipo de atividade.
Como parte desse intenso movimento de transformação no Sistema Conselhos, com a
elaboração e instituição do novo Código de Ética, o Código de Processamento Disciplinar
(CPD) também foi reformulado, passando a vigorar a Resolução CFP nº 005/1988.
220

No período que entrou em vigor o novo CEPP, Congresso Nacional de Psicologia


Eventos preparatórios: são realizados em
ideias e recomendações originais advieram no Sistema diversas localidades e têm a tarefa de
suscitar os debates e levantar questões para
Conselhos, dentre elas a proposta para tornar a eleição a formulação de teses/propostas;
para o Plenário do CFP direta77, a partir da Pré-Congressos: são instâncias que
apreciam e aprovam as teses do Regional e
candidatura de uma chapa de caráter nacional, fato ocorre apenas um por área geográfica.
Elege-se, nesta instância, os delegados ao
que se efetivou em 1989, com o estabelecimento de Congresso Regional;
Congresso Regional: é realizado em cada
um projeto de democratização interna e redução da Conselho Regional e aprecia as teses
nacionais e elege delegados ao Congresso
visão corporativista que atravessava a profissão. Nacional;
Assim, naquele ano, mais de 65.000 psicólogos Congresso Nacional: é a etapa final do
processo de discussão e decisão sobre as
escolheram, pela primeira vez, seus representantes orientações para a atuação dos Conselhos
de Psicologia.
federais por voto direto (CFP, 2004). POL
Também foi em 1989 que ocorreu o Congresso
Nacional Unificado dos Psicólogos, um dispositivo que visava iniciar um diálogo entre CFP,
sindicato e categoria a partir do compromisso assumido pelo próprio Conselho Federal em
buscar meios de diluir a concepção corporativista. Temas deliberados neste Congresso foram
encampados pela Gestão do VII Plenário (1989 a 1992). Este fato foi considerado como um
evento que fortaleceu a democratização no interior do Conselho Federal, dando início a uma
série de movimentos e articulações, como a realização do Encontro Geral de Plenárias, que
ocorreu em 1991, a fim de dar continuidade às discussões iniciadas anteriormente. Uma das
propostas desse evento foi a realização do Congresso Constituinte da Psicologia. Esta
proposta gerou, durante três anos, discussões acerca das aspirações da categoria e
necessidades da sociedade, do exercício e formação profissional, da importância social do
trabalho, proporcionando, no ano de 1994, a efetivação do Processo Constituinte
―Repensando a Psicologia‖. Este foi considerado um marco histórico para a Psicologia,
porque foi a primeira vez, no Brasil, que, ―a partir de proposições próprias, os psicólogos
indicaram o rumo que a Psicologia deveria tomar no país, como ciência e profissão, e a forma
de organização dessa área‖ (CFP, 2004, p.11).
O evento ficou conhecido como o I Congresso Nacional de Psicologia78 (CNP,
Campos do Jordão, 1994). Sua implementação visava transformar o papel, o funcionamento e

77
Os psicólogos elegiam os conselheiros regionais que, por sua vez, eram indicados para comporem o Plenário
Federal. Em 1989, pela primeira vez os psicólogos votaram em uma chapa para compor o VII Plenário do CFP
(CFP, 2004).
78
Os Congressos Nacionais da Psicologia são a instância máxima de deliberação na estrutura dos Conselhos
Regionais e Federal de Psicologia. São atividades políticas da maior relevância para a profissão no Brasil. Os
221

a ação dos Conselhos de Psicologia rumo a uma Resolução CFP nº 06/2001


CAPÍTULO II
sociedade democrática, a partir de um amplo processo Da Prescrição
Art. 89 - As infrações disciplinares
de debates. Criado para ser a instância máxima de ordinárias e funcionais prescrevem em 02
deliberação na estrutura do Sistema Conselhos, o CNP (dois) anos, a contar da data de
conhecimento do fato, o que se
define e aprova as diretrizes básicas para a ação caracterizará quando o fato for de
conhecimento público.
política dos Conselhos de Psicologia a cada três anos, Art. 90 - As infrações éticas praticadas
pelos psicólogos prescrevem em 05 (cinco)
quando ocorre novo encontro. Por ocasião do CNP, anos, a contar do seu cometimento ou,
quando desconhecido, do conhecimento do
espera-se que as chapas que pretendem concorrer às fato.
eleições para a direção do CFP e CRPs sejam Parágrafo único - O processo paralisado há
mais de 3 (três) anos, pendente de despacho
inscritas. ou julgamento, será arquivado de ofício ou
a requerimento da parte interessada.
Em 1997, já era possível identificar um Art. 91 - A prescrição é de ordem pública e
não poderá ser relevada pelos Conselhos de
movimento de intenção para reformular o CEPP – que Psicologia.
§ 1º - A prescrição dos processos
começou com o I Fórum Nacional de Ética realizado disciplinares interrompe-se:
em 1997, em Brasília –, reflexo da necessidade de a I - pelo recebimento da representação pela
Comissão de Ética;
categoria estar em sintonia com o ―contexto II - pela citação do denunciado; ou
III - por qualquer decisão do Plenário do
institucional-legal do país, marcadamente a partir da Conselho Regional.
§ 2º - Interrompida a prescrição, todo o
promulgação da denominada Constituição Cidadã, em prazo prescricional começa a correr,
novamente, do dia da interrupção.
1988‖, com vista a democratizar o acesso da
população a um conhecimento científico bastante
elitizado (RESOLUÇÃO CFP, Nº 010/2005).
Nesse rumo, o IV CNP, realizado em 2001, cujo tema foi Qualidade, Ética e
Cidadania nos Serviços Profissionais: construindo o compromisso social da Psicologia, teve
por objetivo, dentre outros, a discussão e reflexão sobre ética, responsabilidade jurídica e
social do psicólogo-cidadão frente às novas tendências da sociedade, para fins de iniciar um
processo democrático de reformulação do Código de Ética Profissional (JORNAL PSI,
jan/fev. 2004).
Concomitantemente às discussões sobre a reformulação do Código de Ética houve, no
ano de 2001, a revogação do CPD, Resolução CFP nº 005/1988. Em seu lugar foi instituída a
Resolução CFP nº 006/2001 e com ela, a principal alteração estabelecida que trouxe

CNPs não são, portanto, eventos acadêmico-científicos. A construção do CNP se inicia com eventos
preparatórios e com os pré-congressos, nos quais é aberta à participação da categoria, que contribui com ideias e
com a produção de um conjunto de teses qualificadas e representativas do pensamento contemporâneo da
Psicologia, além de eleger os delegados – psicólogos regularmente inscritos e que não estejam respondendo a
processos éticos – que irão aos Congressos Regionais (Coreps) e ao CNP (extraído e adaptado do site
<http://cnp.pol.org.br/sobre>).
222

repercussões importantes na instrução processual: a possibilidade da interrupção do prazo


prescricional para apuração de eventuais infrações ao CEPP.
Conforme preceituava a Resolução CFP nº 005/88, não havia possibilidade de
interrupção do prazo prescricional, o que significa dizer que todo o Processo Disciplinar
Ético, desde a denúncia (comunicação do fato ao CRP) até a manifestação final em última
instância deveria perdurar 05 anos. Com a vigência da Resolução CFP nº 06/2001, a
interrupção da prescrição ficou prevista por ocasião de a Comissão de Ética receber a
Representação, da citação do denunciado ou de decisão do Plenário, conforme estabelece o
§1º do Art. 91. Certamente, com a interrupção da prescrição, o prazo prescricional
recomeçaria a contar, evitando que muitos processos fossem arquivados sem o devido
julgamento do mérito79.
Com o CPD regulamentado, as discussões tomaram o curso para análise de sua
aplicabilidade, assim como para a confecção do novo Código de Ética. Em 2003, por
iniciativa do XII Plenário do Conselho Federal de Psicologia, o Sistema Conselhos promoveu
o II Fórum Nacional de Ética em Brasília. Por meio de uma metodologia considerada
democrática, a categoria profissional poderia participar de Fóruns Regionais de Ética (eventos
preparatórios) para discussão acerca da revisão do Código de Ética Profissional do Psicólogo
e oferecer propostas (teses). Para este II Fórum Nacional, os psicólogos participantes
construíram proposições sobre as condutas profissionais, diretrizes de políticas do Sistema
Conselhos, também voltando a atenção à redação e exatidão dos termos que viriam a ser
utilizados no novo Código de Ética da categoria (JORNAL PSI, set/out. 2003a).
Como resultado dos Fóruns Regionais, 420 teses foram acolhidas e encaminhadas
pelos delegados representantes dos Conselhos Regionais para discussão no II Fórum Nacional
de Ética. Algumas Resoluções do Conselho Federal de Psicologia foram assimiladas neste
Fórum e incorporadas às discussões da revisão do CEPP, dentre as quais as que censuravam a
prática de exclusão, como: a questão relativa ao tratamento da homossexualidade (Resolução
CFP Nº 01/99), a complacência com culturas discriminatórias (Resolução CFP Nº 18/02).
Outras que tratavam da qualidade da produção de documentos escritos, da realização de
pesquisa com seres humanos e do atendimento psicoterapêutico pela Internet também foram
consideradas. A intenção era firmar o compromisso da categoria com movimentos sociais
vinculados à questão da defesa dos direitos da sociedade (JORNAL PSI, 2004).

79
Essa informação é de extrema relevância, tendo em vista que, nos documentos analisados nessa pesquisa, essa
situação foi verificada em alguns processos éticos que foram arquivados sem que houvesse julgamento .
223

Submetido, à época, à Assembleia das Institui o Regimento Interno da


Assembleia das Políticas
Políticas Administrativas e Financeiras (APAF) do Administrativas e Financeiras
Resolução CFP Nº 010/1998
Sistema Conselhos – instância deliberativa do CAPÍTULO I - DA NATUREZA E FINS
Conselho Federal e Regionais de Psicologia estando Art. 1º - A Assembleia das Políticas
Administrativas e Financeiras - APAF,
subordinada às deliberações do Congresso Nacional constituída por deliberação do IIº
Congresso Nacional da Psicologia, é a
da Psicologia –, o relatório final do II Fórum Nacional instância deliberativa dos Conselhos
Federal e Regionais de Psicologia, estando
continha as propostas de ampliação e modernização subordinada às deliberações do Congresso
Nacional da Psicologia.
do Código de Ética. Para este fim, a APAF optou pela CAPÍTULO II - DA COMPETÊNCIA
criação de um Grupo de Trabalho (GT) que se Art. 2º - Compete à Assembleia das
Políticas Administrativas e Financeiras:
encarregou de fazer a minuta do Código de Ética que I - aprovar o Regimento Interno do
Conselho Federal de Psicologia;
deveria ser avaliado e aprovado pelos Plenários do II - aprovar o seu Regimento Interno;
III - propor diretrizes para os orçamentos
Sistema Conselho, retornando, posteriormente, à dos Conselhos Federal e Regionais de
Psicologia;
APAF, quando seria entregue à categoria a versão IV - aprovar o orçamento do Conselho
final. As propostas de ações políticas que não se Federal;
V - apreciar e aprovar a prestação de contas
transformaram em artigos do Código de Ética do Conselho Federal, propondo as
verificações e auditagens que se fizerem
puderam ser aproveitadas sob a forma de Resoluções necessárias;
VI - deliberar sobre questões de interesse da
do CFP (JORNAL PSI, 2004). Entidade no âmbito administrativo e
financeiro;
Assim, o Código de Ética, Resolução CFP Nº VII - fixar parâmetros para a cobrança da
010/2005 foi aprovado, entrando em vigor na data em anuidade;
VIII - aprovar o Regimento Eleitoral;
que se comemorava o dia do Psicólogo daquele IX - deliberar sobre a intervenção nos
Conselhos Regionais;
mesmo ano. O documento consta de sete Princípios X - deliberar sobre a aquisição e alienação
de bens imóveis do Conselho Federal;
Fundamentais e 25 artigos, distribuídos em dois XI - acompanhar a execução das
deliberações políticas do Congresso
capítulos: das responsabilidades do psicólogo e das Nacional da Psicologia;
disposições gerais. XII - acompanhar a execução regional das
políticas aprovadas nos Congressos
Conforme a Resolução CFP nº 010/2005 Nacionais da Psicologia;
XIII - estabelecer critérios e diretrizes para
descreve no texto de Apresentação do documento, o a organização da estrutura administrativa da
Autarquia.
Código ―foi construído a partir de múltiplos espaços § 1º - Todas as deliberações indicarão o
procedimento, o órgão executor, o prazo e a
de discussão sobre a ética da profissão, suas fonte dos recursos.
responsabilidades e compromissos com a promoção § 2º - A Assembleia das Políticas
Administrativas e Financeiras - APAF, em
da cidadania‖. Viabilizando a participação dos suas deliberações, deverá considerar os
objetivos dos Conselhos definidos em lei e
psicólogos e da sociedade, sua intenção era nos estatutos, além das deliberações dos
Congressos Nacionais da Psicologia.
―aproximar-se mais de um instrumento de reflexão do
que de um conjunto de normas a serem seguidas pelo psicólogo‖.
224

A partir dessas considerações, o CFP – Resolução CFP Nº 010/2005


Este Código de Ética Profissional é fruto de
responsável pela construção democrática do Código amplos debates ocorridos entre os anos de
2003 e 2005, envolvendo:
de Ética Profissional do Psicólogo (CEPP) –, - 15 fóruns regionais de Ética, que
manifestou, ao final do texto, sua expectativa de que a culminaram com o II Fórum Nacional de
Ética;
Resolução CFP nº 10/2005 ―seja um instrumento - os trabalhos de uma comissão de
psicólogos e professores convidados;
capaz de delinear para a sociedade as - os trabalhos da Assembleia das Políticas
Administrativas e Financeiras do Sistema
responsabilidades e deveres do psicólogo, oferecer Conselhos de Psicologia, APAF, tudo sob a
responsabilidade do Conselho Federal de
diretrizes para a sua formação e balizar os Psicologia.
julgamentos das suas ações, contribuindo para o Comissão de psicólogos e professores
convidados
fortalecimento e ampliação do significado social da
profissão‖.
Comparado aos demais80, este novo Código (atualmente em vigor) é bastante
reduzido, tendo eliminado alguns artigos e alíneas e, por conseguinte, deixando de tratar
alguns temas de forma mais específica e direta, para se tornar um instrumento com princípios
mais gerais e amplos, com a finalidade de permitir a discussão e reflexão da profissão como
um todo. De modo geral, esta foi a intenção do Código: deixar de ser um instrumento
fundamentalmente prescritivo para ser um Código que permita o exercício do pensamento,
possibilitando a ética se fazer presente, enquanto associada à prática profissional.
Patrícia Garcia81, presidente da Comissão de Ética do CRP-SP (Gestão 2007-2010),
em entrevista para o Jornal PSI do CRP-SP, explicou que a proposta do Código é trazer
diretrizes de práticas passíveis de ocorrer em diversos contextos e não mais em situações
específicas. Para a conselheira, tal estrutura permite que o psicólogo possa exercer uma
reflexão sobre os princípios expostos no Código e articulá-los com sua prática, tornando-o
―um instrumento de diálogo do profissional com suas ações, independentemente do seu
campo de atuação‖ (JORNAL PSI, out/dez. 2005, s/p).
Mais recentemente, e interrogada pelo Jornal PSI (2009) sobre a possibilidade de o
Código de Ética ser suficiente para que o psicólogo possa atuar de forma ética na sua
profissão, outra psicóloga, Patrícia M. G. Cintra Mortara, professora de Ética Profissional no
curso de Psicologia da PUC-SP e integrante da Comissão de Ética do CRP-SP no período,

80
No texto de Apresentação, o CFP cometeu o equívoco de anunciar que o CEPP, Resolução CFP Nº 010/2005
era o terceiro da profissão de psicólogo no Brasil, mas, na verdade, trata-se do quarto código de ética elaborado
para a categoria.
81
A psicóloga conselheira Patrícia Garcia ocupou a função de presidente da Comissão de Orientação e Ética do
CRP de São Paulo na Gestão (2007-2010), havendo também exercido a função na Gestão anterior (2004-2007).
225

respondeu que ―o Código não é um oráculo, com respostas prontas e fechadas para tudo. Se
assim fosse, isto é, se tudo se resumisse a seguir preceitos e normas [...], não se poderia falar
em análise, reflexão [...] em ação ética‖ (JORNAL PSI, abril/maio 2009, s/p). Trata-se de um
instrumento historicamente construído, fruto de uma visão de Psicologia edificada ao longo
de décadas e consubstanciada em um momento específico, que deve servir como parâmetro
para que o psicólogo se posicione diante de situações-problemas de forma reflexiva e crítica,
tendo as normas como referência. Realizando uma análise das implicações de sua ação
juntamente com uma reflexão sobre as normas, o psicólogo terá meios de melhor decidir.
De acordo com a Resolução CFP Nº 010/2005 do Conselho Federal de Psicologia:

Um Código de Ética profissional, ao estabelecer padrões esperados quanto às práticas


referendadas pela respectiva categoria profissional e pela sociedade, procura fomentar a auto-
reflexão exigida de cada indivíduo acerca da sua práxis, de modo a responsabilizá-lo, pessoal
e coletivamente, por ações e suas consequências no exercício profissional. A missão
primordial de um código de ética profissional não é de normatizar a natureza técnica do
trabalho, e, sim, a de assegurar, dentro de valores relevantes para a sociedade e para as
práticas desenvolvidas, um padrão de conduta que fortaleça o reconhecimento social daquela
categoria (RESOLUÇÃO CFP Nº 010/2005).

Opiniões e críticas divergentes foram endereçadas ao Código, especialmente no que se


refere ao caráter generalizante: para uns, é promissor o fato de o Código se tornar ―uma
espécie de guia genérico de conduta profissional que apontará para realidades‖ (JORNAL
PSI, 2004, s/p); para outros, o Código deixou de assegurar ao profissional a sustentação que
precisa em sua atuação. ―Não sei se visando privilegiar a iniciativa do profissional, ou quem
sabe seu livre arbítrio, deixou-se de lado justamente o que se espera de um Código de Ética,
ou seja, um norte, uma orientação‖ (BRITO, 2007, s/p). Neste caso, Brito (2007) também
chamou a atenção para a dificuldade que os profissionais teriam para encontrar no Código de
Ética, quando necessário, os artigos que se referem às situações-problemas ou dilemas
deparados no cotidiano da profissão.
Nesta linha de raciocínio desenvolvida por Brito (2007), André Martins, em entrevista
ao Jornal do CRP-RJ (2007), alertou que, ao tentar formalizar a ética em um Código – cujo
caráter é fundamentalmente moralista –, corre-se o risco de transformá-lo em um instrumento
que deixa de contemplar uma série de questões (ou passa a tratá-las de forma ambígua),
desamparando os profissionais que ficam sem ter como lidar com as situações-problemas não
enquadradas naquele instrumento.
Ao ser entrevistada pelo Jornal PSI (2004), a psicóloga Conselheira-Presidente da
Comissão de Ética do CRP-SP (Gestão 2004-2007) e coordenadora do Grupo de Trabalho
226

organizador do II Fórum Regional de Ética – Elisa Zaneratto Rosa –, emitiu opinião de que os
Códigos anteriores, aprovados na década de 1970, não contemplavam todas as possibilidades
de atuação profissional, pois eram eminentemente voltados à área clínica. O Código atual, na
opinião da conselheira, é mais abrangente, perdendo ―o eco predominantemente clínico‖
(JORNAL PSI, 2004, s/p) para assumir compromissos perante a sociedade, viabilizando a
sanção do profissional, por exemplo, nos casos de práticas de exclusão e discriminação.
Aluízio Brito, responsável pela coordenação dos trabalhos de construção do novo
Código, também em entrevista para o Jornal PSI (2004), comentou que acredita que este
Código esteja em sincronia com as legislações vigentes (Código de Defesa do Consumidor, o
Código Brasileiro de Trânsito, o Estatuto do Idoso e o Estatuto da Criança e do Adolescente),
incorporando vários de seus princípios. Para o referido psicólogo, a atenção voltou-se à
responsabilidade e às relações com a Justiça, entendendo que o novo Código de Ética vem
assegurar uma relação transparente dos psicólogos que trabalham com avaliação psicológica
no campo da Justiça e no Poder Judiciário.
Brito (2007) é de opinião diversa. A autora, em palestra no CRP do Rio de Janeiro,
promoveu uma série de observações e críticas ao novo Código, entendendo que o documento
que entrou em vigor em 1987 fornecia, sob alguns aspectos, mais suporte ao profissional que
atua junto ao poder judiciário. Para ilustrar, a autora citou alguns exemplos: tomando o Artigo
1º do Código de Ética de 2005 como referência, a autora questionou o sentido da expressão ―a
quem de direito‖ disposta nas alíneas ‗f‘, ‗g‘, ‗h‘. Alegou que muitos profissionais têm
dúvidas quanto à definição de quem teria direito às informações dos serviços psicológicos. No
Código de 87, o texto define que se trata da ―pessoa atendida‖ quem tem o direito a tais
informações, prevendo a possibilidade de, apenas na ―incapacidade dessa‖, o psicólogo vir a
prestar informações ―a quem de direito‖. Logo, Brito (2007) constata que, no atual CEPP,
esse entendimento foi generalizado, abrindo margem para interpretações diversas.
Nesse sentido, é possível recordar palestra de um promotor, em evento promovido
pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em 03 de julho de 2009, cujo tema em
debate era o testemunho de crianças como vítima de violência sexual. Em sua fala, o promotor
relatou que a expressão ―a quem de direito‖ refere-se ao juiz, devendo, portanto, o
profissional psicólogo reportar-se ao mesmo para fins de fornecer, informar e orientar acerca
de conteúdo relativo à prestação de serviço psicológico, conforme expresso no CEPP
(Resolução CFP nº 010/2005).
227

Nesses casos, pode ocorrer de o psicólogo que atua no âmbito judiciário se ver, muitas
vezes, compelido a atender à demanda judicial e a prestar as informações sem conseguir
dispor de argumentos para fundamentar opinião ou interpretação contrária.
Brito (2007) ressaltou, em mais uma ilustração de caso, que alguns psicólogos que
atuam no judiciário queixam-se em relação à compreensão do Art. 11: ―quando requisitado a
depor em juízo, o psicólogo poderá prestar informações, considerando o previsto neste
Código‖. Não está claro no CEPP em que condições o psicólogo é requisitado a depor:

Na qualidade de quê? Na qualidade de perito, na qualidade de testemunha [...]? O que vem


acontecendo são situações em que psicólogos do Tribunal que atuaram em determinados
casos, realizaram uma avaliação psicológica, e às vezes, anos, meses depois, são requisitados,
enquanto testemunha, para depor em outros processos correlatos. E aí, eu acho que o código
desampara, em muito, esses profissionais (BRITO, 2007, s/p).

Outro aspecto a se considerar é a expressão ―poderá prestar informações‖. À


semelhança das considerações anteriores, este artigo também não deixa claro em que
circunstâncias o psicólogo poderá ou não prestar informações, tampouco sustenta que tipo de
informação pode ou não ser comunicada. Neste caso, o psicólogo é endereçado ao Código
como um todo, o que, na apreciação da conselheira Patrícia Garcia, trata-se de uma inovação
desta Resolução que o torna ―orgânico; ou seja, considera a prática como um todo, sem
divisões temáticas‖ (JORNAL PSI, out/dez 2005), cujo interesse seria oferecer maior poder
de deliberação ao psicólogo no exercício profissional. Com efeito, a conselheira entende que o
novo Código exige do profissional uma leitura ampla e não fragmentada do instrumento.
Embora seja fundamental que o psicólogo se utilize do Código como um aliado em
suas reflexões, mantendo sua autonomia e poder de deliberação, entendo ser preciso encontrar
neste instrumento, diretrizes operacionais que fundamentem uma tomada de decisão. O fato
de o Código haver se tornado amplo e generalista, a partir de uma proposta ―de aproximar-se
mais de um instrumento de reflexão do que de um conjunto de normas a serem seguidas pelo
psicólogo‖ (RESOLUÇÃO CFP nº 010/2005), tem gerado dúvidas nos profissionais, que
encontram dificuldades para articular os artigos do Código com as demandas que lhes são
endereçadas no cotidiano do seu exercício profissional. O instrumento apresenta-se, portanto,
carente de objetividade em determinados artigos, permitindo a múltiplas interpretações.
A título de exemplo, muitos psicólogos alegam que, por exigência da profissão, devem
responder demandas para elaboração de documentos psicológicos em contextos diversos,
aplicar testes psicológicos, prestar depoimentos, fazer notificações, contestar laudos, dentre
228

outras atividades para as quais não se sentem contemplados e protegidos pelo Código de
Ética. Em geral, são psicólogos que consultam o CEPP na intenção de ter respaldo em seus
argumentos para interpor às exigências (pouco ou nada éticas) das demandas que lhes são
dirigidas no cotidiano das diversas instituições em que atuam. Por conseguinte, manifestam
receio de virem a ser denunciados por possível infração ao CEPP caso realizem as atividades
exigidas ou de perderem o emprego ou serem transferidos, caso recusem executá-las.
Esta situação foi constatada por Lídia Rosalina Folgueira Castro, responsável pelo
Setor de Psicologia das Varas da Família do Fórum Central da Capital de São Paulo, mais
especificamente, em relação à obrigação de emitir laudos conclusivos82 e à realização de
certos tipos de intervenção, nem sempre ligadas à Psicologia (JORNAL PSI, jul/set. 2006).
Esse descompasso entre o que se pede ao profissional e o respeito ao CEPP também é
verificado em relação ao sigilo das informações, um dos temas mais controversos e mais
debatidos em eventos sobre a relação exercício e ética profissional.
Sobre o sigilo, o CEPP dispõe que:

Art. 9º – É dever do psicólogo respeitar o sigilo profissional a fim de proteger, por meio da
confidencialidade, a intimidade das pessoas, grupos ou organizações, a que tenha acesso no
exercício profissional.
Art. 10 – Nas situações em que se configure conflito entre as exigências decorrentes do
disposto no Art. 9º e as afirmações dos princípios fundamentais deste Código, excetuando-se
os casos previstos em lei, o psicólogo poderá decidir pela quebra de sigilo, baseando sua
decisão na busca do menor prejuízo.
Parágrafo único – Em caso de quebra do sigilo previsto no caput deste artigo, o psicólogo
deverá restringir-se a prestar as informações estritamente necessárias.

De acordo com Patrícia Garcia, a questão do sigilo profissional foi bastante discutida
para que seu uso não se tornasse corrompido de modo a ―ferir os direitos humanos individuais
e coletivos‖ (JORNAL PSI, out/dez 2005, s/p). Explica a conselheira que o novo Código
manteve a garantia do sigilo como um fundamento da profissão. A novidade estaria no fato de
o CEPP agora considerar a possibilidade de rompimento deste em situações em que haja
conflito entre a manutenção do sigilo e os demais princípios do Código.

Anteriormente, a quebra de sigilo era somente uma prerrogativa pessoal e de consciência do


psicólogo. Agora, tal decisão deverá ser balizada também pelo contexto no qual o
atendimento se insere, além de serem observadas as previsões legais já formuladas, ou seja, o
fato de o atendimento psicológico prever a garantia do sigilo não desobriga o profissional de

82
A emissão de uma conclusão nos laudos psicológicos tem sido uma questão para muitos psicólogos,
especialmente para o âmbito judicial. Defendo a ideia de que todo laudo deve ser conclusivo, portanto, deve
emitir opinião acerca das observações e análises obtidas no trabalho de avaliação psicológica; todavia, a
conclusão do profissional não deve exceder à sua função, confundindo-se com a sentença judicial.
229

pensar nas amplas repercussões que podem advir da imposição do silêncio (JORNAL PSI,
out/dez 2005, s/p).

A conselheira declara, ainda, que o profissional deva realizar uma análise crítica
acerca do atendimento prestado, levando em consideração os efeitos de sua intervenção não
somente no âmbito individual, mas no que se refere ao coletivo, incluindo, ―no processo de
formação de seu julgamento, as partes que compõem a situação conflitante e as legislações
nas quais toda a sociedade está submetida‖ (JORNAL PSI, out/dez 2005, s/p), tais como o
Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto do Idoso, o Estatuto da Criança e do
Adolescente, entre outras.
Novamente, o que está em questão para o profissional é saber reconhecer as condições
ou critérios em que a quebra do sigilo está autorizada, porquanto não está claro para este o
que significa a expressão ―busca do menor prejuízo83‖ e ―restringir-se a prestar as
informações estritamente necessárias‖ expressas no CEPP. Dada a circunstância, caberia ao
profissional justificar a revelação do segredo enquanto imperativo, ordem ou dever a cumprir
(BENAVIDES; ANTÓN, 1987).
Se para o profissional há uma dificuldade para compreender as condições em que
pode/deve ou não quebrar o sigilo e que tipo de informação pode/deve prestar, o mesmo
ocorre com os psicólogos conselheiros que atuam na Comissão de Orientação e Ética (COE),
cuja função regimental é analisar e interpretar questões relativas à ética profissional à luz do
Código de Ética Profissional do Psicólogo (CEPP) nos casos de denúncia contra seus colegas
de profissão, e apreciar as respectivas infrações.
Com efeito, a exigência por maior objetividade ao Código de Ética é legítima, pois de
nada serve uma norma que não cumpra com seu papel norteador para com as atividades
profissionais, porém é preciso estar atento para o fato de o psicólogo não limitar sua atuação
ao simples cumprimento do Código e com isso acreditar estar suficientemente seguro de estar
certo. A espera por normas firmes e confiáveis a abrigar às práticas profissionais é tarefa ―em
vão‖, embora ―ardentemente desejada‖ na opinião de Bauman (2003, p.28). Contudo, não há
autoridade, não há normas ou códigos poderosos o suficiente para oferecer ao psicólogo o
grau de segurança que busca. Tampouco há respostas prontas, pois não basta um Código de
Ética Profissional para garantir a conduta moral. Como apresenta o autor, ―precisamos

83
A quebra do sigilo das informações implica, por princípio, na ruptura dos laços de confiabilidade, de tal modo
que há o entendimento que a revelação, por si só, cause prejuízo.
230

aprender a viver sem essas garantias e conscientes de que nunca se oferecerão essas garantias‖
(BAUMAN, 2003, p.16).
No entanto, obedecer ao CEPP tem sido, para muitos psicólogos, medida
apaziguadora, de modo que eles têm confundido o cumprimento do Código com agir
eticamente. Além dessa circunstância – em que os profissionais entendem que o exercício da
ética se resume ou se basta no cumprimento do código de conduta –, Patrícia Mortara ainda
alerta para o fato de alunos de Psicologia da PUC de São Paulo interrogarem a necessidade da
reflexão crítica acerca da prática, tendo em vista a obrigatoriedade do cumprimento do CEPP
(JORNAL PSI, abr/mai., 2009).
Neste caso, quando o profissional estabelece uma relação de dependência acrítica com
seu código de conduta, o que ocorre é uma espécie de ética da tutela. A razão para buscar
tutela nos ditames do Código deve-se, a meu ver, ao sentimento de insegurança e angústia que
vem sobrepujando os sujeitos pós-modernos pelo fato de terem que fazer escolhas livremente
(guiados por suas reflexões e incertezas) e serem, por estas, responsáveis.
Em uma sociedade individualizada, como explica Bauman (2011, p.24), os sujeitos
vivem em um ―estado de incerteza aguda‖, de tal forma que as ―escolhas obrigatórias estão
cheias de sonhos de libertação das responsabilidades‖ (BAUMAN, 2011, p.53), com isso,
muitas pessoas estariam dispostas a renunciar formas de liberdade em nome da segurança. Tal
lógica estaria, no mundo contemporâneo, disseminada em todos os âmbitos da vida, incluindo
a profissional, quando o psicólogo, por exemplo, estaria disposto a abrir mão da liberdade de
pensar, de criar, inovar em seu fazer para manter-se atrelado à obediência à técnica, ao
cumprimento estrito do Código.
Seguramente, é mais fácil suportar a responsabilidade dos atos e escolhas praticados se
estes estiverem apoiados em normas, leis, diretrizes, postas por uma autoridade da qual se
deve obediência, à semelhança do Conselho Federal de Psicologia.
Todavia, não há código de comportamento moral que se possa

aprender, memorizar e desenvolver para escapar de situações sem bom resultado e poupar-se
do amargo gosto [...] [da culpa, do pecado] que vêm sem pedir na esteira das decisões
tomadas ou realizadas. A realidade humana é confusa e ambígua, e também as decisões
morais (BAUMAN, 2003, p.41).

O Código tem caráter referencial apenas, de modo que as particularidades de cada


situação exigem reflexão ampla que devem considerar, além do Código de Ética, os valores e
princípios nutridos pelo psicólogo ao longo de sua formação pessoal e profissional.
231

Certamente, tais princípios pessoais devem ser respeitados e não rejeitados em nome de uma
neutralidade infactível. Contudo, respeitar esses valores não é o mesmo que o psicólogo agir
fundamentado apenas sobre eles, o que levaria à banalização e ao senso-comum (REIS;
RODRIGUES; MELO, 2010).
Não por acaso que essa tem sido a razão pela qual alguns Conselhos Regionais de
Psicologia têm se ocupado em promover debates ou palestras sobre ética. Na experiência do
CRP-SP, as medidas voltadas para esclarecimento e orientação ao profissional na Gestão
(2007-2010) apontam para uma redução efetiva no ―número de representações contra
psicólogos levadas a julgamento pela Comissão de Ética. O ponto de maior destaque foi a
redução dos casos envolvendo laudos psicológicos‖ (JORNAL PSI, ago/set. 2010).
De acordo com os dados apresentados pelo Jornal PSI (ago/set. 2010), metade das
denúncias contra os psicólogos em São Paulo são arquivados ainda na fase de Representação.
Mesmo nos casos em que a representação se torne um processo e chegue a julgamento, este
ainda pode ser arquivado, após avaliação do mérito.
Nestes termos, a Comissão de Ética passou a operar no gerenciamento dos riscos, ou
seja, no papel profilático a partir de uma política preventiva que, por sua vez, é requisitada
pela própria categoria. Porque não quer correr riscos, a categoria demanda do Conselho de
Classe respostas para suas dúvidas as quais não encontram respaldo no Código. Neste círculo
de demandas, o próprio Conselho Federal de Psicologia atua no sentido de respondê-las por
meio de Resoluções e manuais, constituindo um campo discursivo, cujas diretrizes se
transformam em tecnologias preventivas voltadas para a previsão e determinação do que deve
ou não fazer o profissional no sentido de evitar a irrupção do risco de incorrer em infração ao
CEPP. Com efeito, o CFP deixa de problematizar as razões pelas quais o psicólogo passou a
ser denunciado nas Comissões de Orientação e Ética (COE), e a se sentir desprotegido pelo
seu Código de Ética e sem argumentos para respaldar suas decisões, atuando como um
mecanismo regulador e de controle. Enquanto isso, para assegurar que o psicólogo não seja
processado, o CFP promove as suas compensações sob o nome de aprimoramento do
exercício profissional.
232

Nesse meandro, o Código de Processamento RESOLUÇÃO CFP N.º 012/07


Altera a Resolução nº 010/98, que Institui
Disciplinar foi novamente reformulado e nova o Regimento Interno da Assembleia das
Políticas Administrativas e Financeiras
Resolução foi aprovada pela Assembleia das O CONSELHO FEDERAL DE
Políticas Administrativas e Financeiras (APAF), PSICOLOGIA, no uso das atribuições
legais que lhe confere o art. 6°, alínea ―L‖
substituindo a Resolução CFP nº 006/2001 então em da Lei 5.766/71;
CONSIDERANDO o deliberado no VI
vigor. Com a publicação da Resolução CFP nº Congresso Nacional da Psicologia,
realizado em Brasília nos dias 14 a 17 de
006/2007, alguns procedimentos sofreram alterações junho de 2007;
CONSIDERANDO decisão deste Plenário
com a finalidade de tornar mais compreensível o texto em sessão realizada no dia 04 de agosto de
legal tanto para os conselheiros quanto para as partes 2007;
RESOLVE:
envolvidas nos processos. Art. 1° - Alterar a Resolução CFP nº
010/98, que institui o Regimento Interno da
Para a reformulação do CPD, foi organizado Assembleia das Políticas Administrativas e
Financeiras – APAF, alterando o nome da
um Grupo de Trabalho (GT) em Brasília com a Assembleia para Assembleia das Políticas,
da Administração e das Finanças,
participação dos CRPs do Rio de Janeiro, de São mantendo-se a sigla APAF.
Paulo, de Minas Gerais, e outros regionais, que Art. 2° - Esta Resolução entra em vigor da
data de sua publicação.
ficaram responsáveis por promoverem discussões Art. 3° - Revogam-se as disposições em
contrário.
sobre quais seriam as mudanças necessárias a serem
empreendidas no Código.
No atual CPD, ficou claramente marcada a divisão entre uma etapa preliminar
denominada fase de ―esclarecimentos‖, ou mesmo fase ou etapa de ―Representação‖, quando
a denúncia protocolada passa a ser oficialmente nomeada enquanto tal. O denunciante passa,
deste modo, a ser chamado de ―representante‖, e o psicólogo denunciado, doravante,
―representado‖. Quanto à outra etapa, esta se configura na de instauração de Processo Ético
propriamente dito e o psicólogo passa a ser referido como processado84.

A mudança, segundo Patrícia, parece pequena, mas é fundamental, porque nesse primeiro
momento o objetivo da Comissão de Ética é justamente procurar esclarecer o fato que gerou a
representação. Assim que é aberta a representação, o psicólogo é comunicado por carta e
convidado a esclarecer os fatos do seu ponto de vista, ou seja, apresentar considerações da
perspectiva da sua condução profissional na situação questionada. ―Antes chamávamos essa
etapa de defesa prévia. Agora, mudamos o nome: o psicólogo é chamado a apresentar seus
esclarecimentos por escrito‖, afirma. ―Muitas vezes o psicólogo se sentia acusado nesse
primeiro momento, sendo que na realidade o procedimento é de apenas um levantamento
preliminar de dados, e os novos nomes aumentam a clareza do procedimento‖, afirma
(JORNAL PSI, maio/jun 2007).

84
Todo o trâmite processual será descrito e explicado mais adiante.
233

Todos esses investimentos feitos pelo Sistema Conselho, desde a confecção e as


sucessivas reformulações das Resoluções que instituem o Código de Ética Profissional,
incluindo as Resoluções destinadas à instrução processual e ao julgamento de infrações do
Código de Ética, como o CPD, são expressões de um tempo, reflexos inspiradores de uma
atitude renovada em relação à Psicologia, construções que apontam para uma trajetória de
reconhecimento da profissão no campo social, bem como da necessidade de firmar um
compromisso ético-político da categoria para com a sociedade da qual é prestadora de
serviços.
Sendo almejado certo nível de excelência profissional (tanto pelo Sistema Conselhos
quanto pela sociedade), é de se esperar que o psicólogo, sob a pressão dessa exigência,
também reivindique ser bem representado pelos Conselhos (Regional e Federal), na intenção
de obter referências mais precisas para subsidiar a atuação profissional em situações
específicas.
Em resposta, o CFP vem procedendo à análise das queixas da categoria frente ao
aumento do número de representações éticas para fins de emitir diretrizes que orientem o
exercício profissional. Com efeito, o CEPP tem sido paulatinamente desmembrado em
normatizações e referências técnicas sobre diversas matérias, em especial referentes ao campo
jurídico, onde recai o maior número de denúncias contra os psicólogos.

2.3 Desmembrando para objetivar - a força das Resoluções e Referências Técnicas

Diante de juízos divergentes quanto ao caráter genérico do Código de Ética


Profissional do Psicólogo (CEPP) – talvez o único instrumento capaz de agrupar todas as
Psicologias em um dispositivo85–, associado à dificuldade de a categoria compreender e
tornar esse dispositivo executável86 decorre a solicitação da categoria por medidas mais
objetivas e orientações acerca do que pode ou não ser feito.

85
O CEPP normatiza a prática profissional de todos os psicólogos, independentemente de suas abordagens
teóricas.
86
Como debati no início do capítulo, compreendendo ética enquanto reflexão filosófica, esta não tem a
proficuidade imediata, ou seja, o código não oferece soluções prontas, apenas ajuda a lançar luz na elucidação de
dilemas éticos, deixando claro o caráter inalienável da responsabilidade do psicólogo perante suas decisões
éticas.
234

Tal reivindicação, no entanto, é anterior ao CEPP de 2005, mas se intensifica a partir


da instituição deste. Procede do movimento da própria Psicologia no contemporâneo, quando
dispersa e fragmenta seu saber, adentrando espaços antes desocupados pela prática psi,
fundando especialidades.
Decorre dessa fragmentação e atomização da Psicologia em especialidades a demanda
de alguns psicólogos – na defesa extrema de suas práticas especializadas –, pela atomização
do próprio Código de Ética. Em outras palavras, muitos psicólogos requerem um Código de
Ética que vislumbre as especificidades de seu campo de atuação, portanto, uma norma que
atenda cada especialidade em particular. Um Código de Ética para cada especialidade
requereria uma Comissão de Ética também específica, faltando pouco para a especialidade
requerer sua autonomia da própria Psicologia.
Para provocar um pouco mais, pergunto: o que essa demanda por normas objetivas e
específicas quer dizer, senão da impossibilidade de o psicólogo promover uma reflexão sobre
sua práxis e da angústia em ter que fazer escolhas, atribuindo a responsabilidade para uma
autoridade que dita o que deve ou não ser feito?
Embora a demanda pela fragmentação e especialização do Código de Ética se
contraponha à intenção de esta norma ser um instrumento genérico a normatizar toda essa
diversidade de práticas psicológicas, de certo modo, é o que vem acontecendo por meio da
instituição de normativas, denominadas Resoluções. Algumas versam sobre a ―atuação‖,
―prática‖, ―trabalho‖ ou ―prestação de serviços‖ psicológicos em campos de ação específicos;
e, por se tratar de normativa, oferecem uma instrução operacional com força de lei, pois visam
disciplinar a prática. Deste modo, a não observância das mesmas constitui falta ético-
disciplinar passível de capitulação no CEPP.
Deste modo, o Código de Ética passou a ser desmembrado, complementado,
objetivado e ajustado no formato das Resoluções e Referências Técnicas para normatizar
áreas de atuação específicas. Um movimento oponível à proposta do próprio Conselho
Federal de manter um dispositivo de reflexão unificador das Psicologias, independentemente
dos lugares e da forma como se dê, e não impor, estigmatizar ou definir comportamentos-
padrão, assim como de evitar privilegiar áreas de atuação.
A título de exemplo, proponho a verificação da recém-aprovada Resolução CFP nº
008/2010 que dispõe sobre a atuação do psicólogo como perito e assistente técnico no Poder
Judiciário. Alguns trechos, subtraídos do corpo do antigo Código de Ética (Resolução CFP nº
235

002/1987), e que diz respeito às relações com a Justiça, foram resgatados, recuperados,
reformulados e atualizados nos seguintes termos:

Tabela 1 – Comparação entre as Resoluções CFP Nº 02/1987 e Nº 08/2010

Resolução CFP nº 002/1987 Resolução CFP nº 008/2010


DAS RELAÇÕES COM A JUSTIÇA CONSIDERANDO que, quando a prova do fato depender de
Art. 17 - O Psicólogo colocará o seu conhecimento à conhecimento técnico ou científico, o juiz será assistido por
disposição da Justiça, no sentido de promover e perito, por ele nomeado;
aprofundar uma maior compreensão entre a lei e o agir
humano, entre a liberdade e as instituições judiciais.
Art. 18 - O Psicólogo se escusará de funcionar em CONSIDERANDO que o psicólogo perito é profissional
perícia que escape à sua competência profissional. designado para assessorar a Justiça no limite de suas
atribuições e, portanto, deve exercer tal função com isenção
Art. 19 - Nas perícias, o Psicólogo agirá com em relação às partes envolvidas e comprometimento ético para
absoluta isenção, limitando-se à exposição do que emitir posicionamento de sua competência teórico-técnica,
tiver conhecimento através do seu trabalho e não a qual subsidiará a decisão judicial;
ultrapassando, nos laudos, o limite das informações
necessárias à tomada de decisão. Art. 7º - Em seu relatório, o psicólogo perito apresentará
indicativos pertinentes à sua investigação que possam
diretamente subsidiar o Juiz na solicitação realizada,
reconhecendo os limites legais de sua atuação profissional,
sem adentrar nas decisões, que são exclusivas às atribuições
dos magistrados.
Art. 20 - É vedado ao Psicólogo: Capítulo IV – o psicólogo que atua como psicoterapeuta das
partes:
a) Ser perito de pessoa por ele atendida ou em Art. 10 – Com intuito de preservar o direito à intimidade e
atendimento; equidade de condições, é vedado ao psicólogo que esteja
b) Funcionar em perícia em que, por motivo de atuando como psicoterapeuta das partes envolvidas em um
impedimento ou suspeição, ele contrarie a legislação litígio:
pertinente; I - Atuar como perito ou assistente técnico de pessoas
atendidas por ele e/ou de terceiros envolvidos na mesma
situação litigiosa;

Quanto ao Código de Ética atual, Resolução CFP 010/2005, o documento foi


desmembrado e deste selecionados, extraídos, dentre os Princípios Fundamentais e artigos,
conteúdo que foi ampliado e convertido nos ―Considerandos87‖ e em alguns artigos da
Resolução CFP nº 008/2010. O texto dá a impressão de que, para peritos e assistentes técnicos
atuarem no âmbito jurídico, bastaria que respeitassem a referida Resolução.

87
Sathler (2008) explica que o termo ―considerando‖ é empregado na intenção de estabelecer uma enumeração,
uma série ou uma sequência de itens a serem considerados e, implicitamente, essas considerações são
emergências técnico-profissionais no momento atual.
236

Tabela 2 – Comparação entre as Resoluções CFP Nº 010/2005 e 008/2010

Resolução CFP 010/2005 Resolução CFP nº 008/2010


III. O psicólogo atuará com responsabilidade social, CONSIDERANDO que o psicólogo atuará com
analisando crítica e historicamente a realidade política, responsabilidade social, analisando crítica e historicamente a
econômica, social e cultural. realidade política, econômica, social e cultural, conforme
disposto no princípio fundamental III, do Código de Ética
Profissional;
VII. O psicólogo considerará as relações de poder nos CONSIDERANDO que o psicólogo considerará as relações de
contextos em que atua e os impactos dessas relações poder nos contextos em que atua e os impactos dessas relações
sobre as suas atividades profissionais, posicionando-se sobre suas atividades profissionais, posicionando-se de forma
de forma crítica e em consonância com os demais crítica e em consonância com os demais princípios do Código
princípios deste Código. de Ética Profissional, conforme disposto no princípio
fundamental VII, do Código de Ética Profissional;
Art. 1º – São deveres fundamentais dos psicólogos: CONSIDERANDO que é dever fundamental do psicólogo ter,
j) Ter, para com o trabalho dos psicólogos e de outros para com o trabalho dos psicólogos e de outros profissionais,
profissionais, respeito, consideração e solidariedade, e, respeito, consideração e solidariedade, colaborando, quando
quando solicitado, colaborar com estes, salvo solicitado por aqueles, salvo impedimento por motivo relevante;
impedimento por motivo relevante;
Art. 2º – Ao psicólogo é vedado: CONSIDERANDO que é vedado ao psicólogo estabelecer com
j) Estabelecer com a pessoa atendida, familiar ou a pessoa atendida, familiar ou terceiro que tenha vínculo com o
terceiro, que tenha vínculo com o atendido, relação que atendido, relação que possa interferir negativamente nos
possa interferir negativamente nos objetivos do serviço objetivos do serviço prestado;
prestado;
Art. 2º – Ao psicólogo é vedado: CONSIDERANDO que é vedado ao psicólogo ser perito,
k) Ser perito, avaliador ou parecerista em situações nas avaliador ou parecerista em situações nas quais seus vínculos
quais seus vínculos pessoais ou profissionais, atuais ou pessoais ou profissionais, atuais ou anteriores, possam afetar a
anteriores, possam afetar a qualidade do trabalho a ser qualidade do trabalho a ser realizado ou a fidelidade aos
realizado ou a fidelidade aos resultados da avaliação; resultados da avaliação;
Art. 7º – O psicólogo poderá intervir na prestação de CONSIDERANDO que o psicólogo poderá intervir na
serviços psicológicos que estejam sendo efetuados por prestação de serviços psicológicos que estejam sendo efetuados
outro profissional, nas seguintes situações: por outro profissional, a pedido deste último;
a) A pedido do profissional responsável pelo serviço;
Art. 6º – O psicólogo, no relacionamento com CONSIDERANDO que o psicólogo, no relacionamento com
profissionais não psicólogos: profissionais não psicólogos compartilhará somente
a) Encaminhará a profissionais ou entidades habilitados informações relevantes para qualificar o serviço prestado,
e qualificados demandas que extrapolem seu campo de resguardando o caráter confidencial das comunicações,
atuação; assinalando a responsabilidade, de quem as receber, de
b) Compartilhará somente informações relevantes para preservar o sigilo;
qualificar o serviço prestado, resguardando o caráter
confidencial das comunicações, assinalando a
responsabilidade, de quem as receber, de preservar o
sigilo.
Art. 7º – O psicólogo poderá intervir na prestação de Art. 1º - O Psicólogo Perito e o psicólogo assistente técnico
serviços psicológicos que estejam sendo efetuados por devem evitar qualquer tipo de interferência durante a avaliação
outro profissional, nas seguintes situações: que possa prejudicar o princípio da autonomia teórico-técnica e
a) A pedido do profissional responsável pelo serviço; ético-profissional, e que possa constranger o periciando durante
b) Em caso de emergência ou risco ao beneficiário ou o atendimento.
usuário do serviço, quando dará imediata ciência ao Art. 2º - O psicólogo assistente técnico não deve estar presente
profissional; durante a realização dos procedimentos metodológicos que
c) Quando informado expressamente, por qualquer uma norteiam o atendimento do psicólogo perito e vice-versa, para
das partes, da interrupção voluntária e definitiva do que não haja interferência na dinâmica e qualidade do serviço
serviço; realizado.
d) Quando se tratar de trabalho multiprofissional e a Parágrafo Único - A relação entre os profissionais deve se
intervenção fizer parte da metodologia adotada. pautar no respeito e colaboração, cada qual exercendo suas
Art. 1º – São deveres fundamentais dos psicólogos: competências, podendo o assistente técnico formular quesitos
j) Ter, para com o trabalho dos psicólogos e de outros ao psicólogo perito.
profissionais, respeito, consideração e solidariedade, e,
quando solicitado, colaborar com estes, salvo
impedimento por motivo relevante;
237

Além disso, o Código de Ética atual, no exemplo a seguir, teve sua escrita ajustada ao
contexto da prática e demanda judiciais, especificamente no caso da elaboração de
documentos decorrente do processo terapêutico.

Tabela 3 – Comparação entre as Resoluções CFP Nº 010/2005 e 008/2010

Resolução CFP 010/2005 Resolução CFP nº 008/2010


Art. 8º – Para realizar atendimento não eventual de Art. 10 - Com intuito de preservar o direito à intimidade e
criança, adolescente ou interdito, o psicólogo deverá equidade de condições, é vedado ao psicólogo que esteja
obter autorização de ao menos um de seus atuando como psicoterapeuta das partes envolvidas em um
responsáveis, observadas as determinações da litígio:
legislação vigente: II – Produzir documentos advindos do processo psicoterápico
com a finalidade de fornecer informações à instância judicial
acerca das pessoas atendidas, sem o consentimento formal
destas últimas, à exceção de Declarações, conforme a
Resolução CFP nº 07/2003.
Parágrafo único – Quando a pessoa atendida for criança,
adolescente ou interdito, o consentimento formal referido no
caput deve ser dado por pelo menos um dos responsáveis
legais

Neste caso, a autorização por um dos responsáveis para atendimento psicoterapêutico


de criança (CEPP) foi ajustada para a possibilidade de o psicoterapeuta emitir documento com
informações do processo terapêutico, consideradas sigilosas, apenas com a autorização de um
dos responsáveis, ou seja, em geral, de um dos pais envolvidos em litígio. O CEPP, desse
modo, complementado pela Resolução, passa a prever a quebra de sigilo nesses casos
específicos, bastando, para isso, que um dos responsáveis pela criança, em geral, parte
litigante e interessada no documento, autorize.
Por se tratar de um dos maiores dilemas éticos em que os psicólogos se deparam no
exercício da profissão, dada a complexidade da temática, abro um parênteses para tecer
algumas considerações que considero pertinentes e graves. Ademais, cabe ressaltar que o
tema sigilo tem relação direta com a proposta de análise dessa pesquisa. Para tanto, dialogo
com Benavides e Antón (1987) e Fortes (1998) que esclarecem que é dever ético do psicólogo
garantir a privacidade e a confidencialidade das informações prestadas pelos usuários do
serviço da Psicologia.
238

O princípio do segredo ou sigilo profissional Juramento de Hipócrates


―Juro por Apolo Médico, por
teve sua origem no Juramento de Hipócrates, que Esculápio, por Higéia, por Panacéia e por
todos os deuses e deusas, tomando-os como
considerava sagrado todo tipo de informação advinda testemunhas, obedecer, de acordo com
do exercício da função, dada a relação de meus conhecimentos e meu critério, este
juramento: Considerar meu mestre nesta
confiabilidade estabelecida entre paciente e arte igual aos meus pais, fazê-lo participar
dos meios de subsistência que dispuser, e,
profissional. quando necessitado com ele dividir os meus
recursos; considerar seus descendentes
Nestes termos, iguais aos meus irmãos; ensinar-lhes esta
arte se desejarem aprender, sem honorários
nem contratos; transmitir preceitos,
[...] o sigilo é imperativo absoluto em instruções orais e todos outros
todo e qualquer relacionamento entre ensinamentos aos meus filhos, aos filhos do
Psicoterapeuta e paciente. Pois, é no meu mestre e aos discípulos que se
valor da confiança que o paciente comprometerem e jurarem obedecer a Lei
deposita em seu terapeuta, e no caráter dos Médicos, porém, a mais ninguém.
deste relacionamento confidente, que ele
Aplicar os tratamentos para ajudar os
poderá confessar sentimentos,
recordações, fantasias, condutas, doentes conforme minha habilidade e minha
atitudes..., que sendo incomuns, isto é, capacidade, e jamais usá-los para causar
estritamente pessoais, significativas, e dano ou malefício. Não dar veneno a
muitas vezes fontes de complexos ninguém, embora solicitado a assim fazer,
problemas de culpa ou de vergonha, ou nem aconselhar tal procedimento. Da
pudor pessoal, não podem ser propalados mesma maneira não aplicar pessário em
quando confiados a um profissional mulher para provocar aborto. Em pureza e
(BENAVIDES; ANTÓN, 1987, p.223). santidade guardar minha vida e minha arte.
Não usar da faca nos doentes com cálculos,
mas ceder o lugar aos nisso habilitados. Nas
A violação do segredo implica desta forma, na casas em que ingressar apenas socorrer o
violação da intimidade do indivíduo, da ruptura dos doente, resguardando-me de fazer qualquer
mal intencional, especialmente ato sexual
laços de confiança, gerando um dano ou prejuízo neste com mulher ou homem, escravo ou livre.
Não relatar o que no exercício do meu
campo de relações. Daí o Art. 10 do Código de Ética mister ou fora dele no convívio social eu
veja ou ouça e que não deva ser divulgado,
anunciar a possibilidade de quebra do sigilo mas considerar tais coisas como segredos
sagrados. Então, se eu mantiver este
profissional pautada na análise do menor prejuízo, juramento e não o quebrar, possa desfrutar
presumindo, portanto, que o ato de revelar o segredo honrarias na minha vida e na minha arte,
entre todos os homens e por todo o tempo;
provoca dano, em algum nível. porém, se transigir e cair em perjúrio,
aconteça-me o contrário‖.
Cabe lembrar que o sigilo vale para toda forma
de comunicação, sejam orais ou escritas, reveladas por meio de documentos, divulgação à
imprensa, participação em eventos (tais como Congressos88), fotografias, perícias, etc.
(FORTES, 1998).
A confidencialidade não está restrita ao relacionamento dialógico, mas também se
insere no campo jurídico: constitui-se infração à ordem social, moral e legal a quebra de sigilo

88
Neste caso, especificamente, o psicólogo está obrigado a omitir ou alterar todo e qualquer dado que possa
servir para identificar o cliente, não se restringindo ao nome e à idade das pessoas, por exemplo.
239

conforme expresso nos art. 154 do Código Penal89, art. Quando causar danos graves e prejuízos
a terceiros
207 do Código de Processo Penal90 e art. 406 do Via de regra, entre as condições que em boa
moral, consideram-se como dever de
Código de Processo Civil91 – textos legais que revelar o sigilo para evitar dano ou prejuízo
asseguram a obrigação ao sigilo das informações a terceiro, encontramos:
1º - que o dano ou dolo seja real e formal,
advindas de atendimento ao seu cliente, estando o consequentemente seja o segredo o motivo
verdadeiro e provocador de mal ou
profissional (advogado, médico e psicólogo) proibido injustiça;
2º - que o dano ou dolo se estejam por
de revelar os assuntos abordados nessas conjunturas, concretizar, e não já cometido, sendo a
revelação de segredo o meio de evitá-lo;
inclusive mediante autorização. 3º - que o dano ou dolo que se há de seguir
A despeito de todas as prerrogativas pela seja verdadeiramente relevante ou grave,
pois sua revelação não é autorizada, moral e
manutenção do sigilo, há previsão para sua quebra por legalmente, se não existem motivos
ponderáveis ou graves;
meio do consentimento do próprio informante, no 4º - há de revelar-se apenas o estritamente
necessário
caso, do cliente ou seu representante legal, quando a Benavides e Antón (1987, p.216-217)
pessoa atendida for criança, adolescente ou interdito,
desde que observada a existência de justa causa. Menor prejuízo, justa causa..., ambos estão
relacionados e como é possível perceber, requerem análise criteriosa do profissional.
A justa causa remete à concepção de que há um motivo justo e suficiente para
justificar a decisão de o profissional romper com o contrato de confidencialidade, em geral,
por necessidade de ―salvaguardar um interesse maior‖ (BENAVIDES; ANTÓN, 1987, p.214).
Por sua vez, a revelação do segredo não elimina o prejuízo, que poderá comprometer e levar à
interrupção da relação terapeuta-cliente. Nos atendimentos psicoterapêuticos dirigidos a
crianças, como não são elas quem autorizam a revelação do segredo, ao tomarem
conhecimento do fato, poderão rejeitar e se tornarem refratárias a qualquer intervenção do
profissional. É certo que, para haver a quebra de sigilo, é mister a autorização, entendendo
que o sigilo é para benefício do usuário do serviço e não do profissional (FORTES, 1998).
Há casos, porém, que o segredo pode ser revelado sem o consentimento do
interessado: mediante a exigência de um dever social, quando o interesse coletivo ou público
é superior ao particular (bem comum); nas circunstâncias em que o segredo pode causar
danos graves e prejuízos a terceiros; quando do segredo resultar prejuízo ao próprio

89
Art. 154 – é crime revelar, sem justa causa, segredo adquirido em razão de função ministério, ofício ou
profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outra pessoa. Prevista a detenção de 03 meses a 01 ano ou
multa se comprovado o delito doloso.
90
Art. 207. São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam
guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho.
91
Art. 406 II – A testemunha não é obrigada a depor de fatos: a cujo respeito, por estado ou profissão, deva
guardar sigilo.
240

depositário ou quando a revelação é imposta pelo trabalho ou ofício (BENAVIDES; ANTÓN,


1987).
Contudo, não é em qualquer ocorrência que se deve decretar a quebra do sigilo, não
sendo suficiente que a lei permita a comunicação das informações prestadas pelos sujeitos em
atendimento psicoterapêutico mediante apenas uma autorização por escrito fornecida pelos
mesmos. Assim, a autorização ou consentimento para a quebra do sigilo, embora necessária,
não é suficiente, segundo o que estabelece o Art. 10 do Código de Ética Profissional do
Psicólogo (o psicólogo deve decidir pela quebra do sigilo), de tal modo que não pode ser
interpretada e arguida pelo profissional como sendo uma obrigação tácita. Se assim o fosse, a
responsabilidade ética do psicólogo perante suas decisões deixaria de ser inalienável e
passaria a ser do outro que emite autorização para que o profissional faça o que for de
interesse dele (e da Justiça, por exemplo). Porém, como é possível atribuir responsabilidade a
este outro, não-psicólogo, por decisões que somente cabem ao psicólogo tomar, já que diz
respeito ao exercício da profissão? O psicólogo não perderia, assim, a autonomia, a
capacidade para avaliar e decidir por si mesmo se deverá ou não revelar o segredo?
Com efeito, não estaria a Resolução CFP nº 008/2010 determinando um dever-ser,
contrariando o próprio CEPP, sem permitir que o psicólogo exerça a reflexão sobre este
dever-ser em relação às demandas que lhe são endereçadas? Nessa lógica, não se estaria
extraindo do psicólogo a oportunidade para ponderar sobre as forças que se apoderam e criam
a demanda pela elaboração de documentos psicológicos? Não estaria o CFP, por meio desta
Resolução, criando uma ética da tutela ao invés de uma ética da autonomia?
É preciso que o profissional seja protagonista do seu fazer e possa explicar sua ação

[...], não no sentido de simplesmente narrá-la, mas no de justificá-la, abrindo a possibilidade


de um julgamento por uma instância exterior ao sujeito da ação, que pode ser uma instituição
ou a própria comunidade, uma vez que toda ação profissional é de um-para-outro. E é a esta
característica da ação que chamamos de judicabilidade, ou seja, é uma relação intrínseca entre
a responsabilidade pelas ações praticadas e a ética, especialmente no campo profissional
(MACIEL; FRIZZO; CASTRO, 2010, p.45).

Mediante a enunciação de Fortes (1998) de que ―não se podem sonegar informações


requeridas pelo próprio usuário sob alegação de que estão submetidas ao sigilo‖ (FORTES,
1998, p.78) como fica a situação do psicólogo psicoterapeuta ao recusar-se a elaborar
documento solicitado pelo cliente, optando por preservar a relação terapêutica? Estaria ele
241

descumprindo a Resolução, podendo vir a ser condenado por infração ao Código de ética92?
Quais argumentos o profissional poderia empregar para negar-se a construir tal documento já
que bastaria a autorização do outro? Mediante a negativa, e mesmo na falta de
materialidade93, seria o psicoterapeuta acusado de ser um agente contra a defesa dos direitos
da criança? Seria ele denunciado e, talvez, penalizado porque deixou, por suposição, de basear
seu ―trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da
integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos
Direitos Humanos‖, conforme preconiza o Princípio Fundamental I do Código de Ética?
Poderia ele também responder por possível infração ao artigo 1º alíneas ‗e‘, ‗f‘, ‗g‘ do CEPP,
sobre a prestação de informação decorrente de serviço psicológico?

Art. 1º – São deveres fundamentais dos psicólogos:


e) Estabelecer acordos de prestação de serviços que respeitem os direitos do usuário ou
beneficiário de serviços de Psicologia;
f) Fornecer, a quem de direito, na prestação de serviços psicológicos, informações
concernentes ao trabalho a ser realizado e ao seu objetivo profissional;
g) Informar, a quem de direito, os resultados decorrentes da prestação de serviços
psicológicos, transmitindo somente o que for necessário para a tomada de decisões que afetem
o usuário ou beneficiário;

Ademais, se o psicoterapeuta, em tese, não realizou uma avaliação psicológica, nos


moldes do psicodiagnóstico, mas atendimento terapêutico, que documento irá compor, já que
deve respeitar os critérios estabelecidos pela Resolução CFP nº 007/2003 que institui o
Manual de Elaboração de Documentos Escritos produzidos pelo psicólogo decorrentes de
avaliação psicológica? Será que, ao apresentar dados decorrentes de atendimento
psicoterapêutico, tais informações passarão a ser tratadas como uma espécie de ―avaliação
psicoterapêutica‖ ou ―estudo psicoterapêutico94‖ a justificar a elaboração de um ―relatório
psicoterapêutico95‖? Sob a forma de documento escrito que se torna judicial, essa prática não
poderia ser confundida com a atuação enquanto ―perito, avaliador ou parecerista‖ (Resolução

92
Nos dados colhidos para esta pesquisa, localizei dois casos nessa condição, de psicólogos terapeutas que se
recusaram a elaborar documentos com fins jurídicos. As denúncias foram arquivadas.
93
Materialidade nas Representações e Processos éticos diz respeito à prova material ou a presença de elementos
de prova a qual a Comissão de Instrução de Processos Éticos poderá analisar e opinar pela instauração ou não de
processo ético.
94
A expressão ―estudo psicoterapêutico‖ foi empregada por uma psicóloga que foi denunciada por confeccionar
documentos para fins jurídicos com informações advindas de psicoterapia. O processo foi objeto de estudo nessa
pesquisa.
95
Expressão foi utilizada por uma aluna durante aula de Psicodiagnóstico por mim administrada na Escola
Preparatória em outubro de 2011. Na tentativa de diferenciar de laudo, a aluna empregou o termo ―relatório‖,
demonstrando, claramente, desconhecer a Resolução CFP nº 007/2003 que atribui equivalência às expressões,
mesclando a prática de avaliação com psicoterapia, na tentativa de dar nome ao documento elaborado pelo
psicoterapeuta.
242

CFP nº 008/2010), ou ainda, de assistente técnico, de pessoas atendidas por ele, que estejam
envolvidas em situação litigiosa, como nos casos de denúncia de abuso sexual ou disputa de
guarda? Deste modo, não estaria a mesma Resolução se contradizendo?
Há quem tenha entendimento divergente sobre a prática pericial. Para Perotti e
Siqueira (2009), a perícia não se confunde com a prática clínica, embora as autoras, em
determinado momento, definam essa prática como sendo um ―instrumento de caráter clínico e
científico, um processo sistemático e criterioso [...] de investigação, análise e comunicação‖
(PEROTTI; SIQUEIRA, 2009, p.120-121) detalhado de pessoas e fatos que requer
conhecimento especializado e ―postura de neutralidade‖ (idem, ibidem, p.125). Acresce-se o
fato de que, para as autoras, porque o processo é contencioso, as pessoas a serem periciadas
são obrigadas a se submeterem, cabendo ao psicólogo manter-se imparcial. Outro diferencial,
na visão das autoras é que o cliente é o requisitante da perícia e não o periciando.
Em outra perspectiva, Barreto e Silva (2011, p.7) explicam que,

Qualquer psicólogo, com registro nos órgãos que regulamentam a profissão, em seu
consultório particular, pode ser contratado pela parte de uma ação judicial para realizar um
trabalho técnico, em princípio, com a demanda de uma avaliação psicológica96, cujos
resultados serão expressos em um documento técnico a ser juntado em uma ação judicial. [...]
a entrada da demanda judicial nos consultórios psicológicos particulares - quando as partes
passavam a procurar e a constituir os seus peritos, peritos estes não judiciais, mas que em
algum momento também se tornavam judiciais.

Nestes termos, compartilho do entendimento das autoras que os psicoterapeutas, ao


elaborarem um documento que se torna judicial, embora, a princípio, não sejam peritos
judiciais, tornam-se um quando passam a ter:

o Juiz como interlocutor direto, por meio do que escreve em seu laudo/relatório técnico. Mas
também o psicólogo-assessor do Ministério Público, da Defensoria Pública ou contratado
pelas partes, apesar de ter estes como interlocutores imediatos, terá o Juiz como interlocutor
final, pois o que escreve em seus documentos técnicos, com vinculações institucionais
diversas, irá compor a heterogeneidade discursiva presente em uma ação judicial. Nesta, será
enunciada uma sentença, a partir da análise dos enunciados técnicos tomados como
verdadeiros, que irão legitimar (ou não) decisões factuais para a vida das pessoas envolvidas
na ação ou litígio judicial. Desta forma, quer tenham ou não o valor jurídico de perícia
judicial, o interlocutor final de tais psicólogos, em todos os níveis de intervenção, cujo
diálogo é estabelecido por meio dos resultados expressos em documentos técnicos – que se
tornam judiciais – será o Poder Judiciário (BARRETO; SILVA, 2011, p.13).

96
Em geral, a demanda é pelo ―laudo‖ para ser entregue à Justiça e não pela avaliação psicológica.
243

Não se pode perder de vista que, como a própria Resolução CFP nº 008/2010 expõe
nas considerações, o maior número de denúncias éticas contra os psicólogos decorre,
exatamente, da prática psicológica no campo jurídico.

CONSIDERANDO o número crescente de representações referentes ao trabalho realizado


pelo psicólogo no contexto do Poder Judiciário, especialmente na atuação enquanto perito e
assistente técnico frente a demandas advindas das questões atinentes à família (Resolução
CFP nº 008/2010).

Muitas dessas Representações Éticas no CRP-RJ decorrem da elaboração de


documentos, fruto do atendimento psicoterapêutico, em atenção à demanda da parte atendida
para que estes integrem processos judiciais97 litigiosos. Ao compor tais documentos, o
psicólogo expõe informações obtidas durante os atendimentos e, em tese, estaria ferindo o
contrato de sigilo (cuja premissa é estabelecer uma relação de confiança entre terapeuta e
cliente), como alertou o documento de Referências técnicas para atuação do psicólogo em
Varas de Família emitido pelo CREPOP (CFP, 2010b).

Ressalta-se, entretanto, que, conforme observaram as Comissões de Ética de alguns


Conselhos Regionais, as denúncias que vêm sendo encaminhadas não dizem respeito apenas a
psicólogos que exercem sua prática profissional em Tribunais de Justiça, aliás, essas queixas
são em menor número. Destacam-se, em termos quantitativos, as denúncias contra psicólogos
que atuam em outras instituições e que recebem solicitações da Justiça para efetuar
avaliações, bem como contra psicólogos clínicos, que recebem pedidos de seus pacientes ou
dos responsáveis por estes, para encaminhamento de laudos ao Poder Judiciário. Nesses
últimos casos, não parece difícil perceber o risco que se corre de ferir o sigilo profissional que
deve ser mantido no atendimento clínico (CFP/CREPOP, 2010b, p.41-42).

Segundo a percepção de Shine (2009), a partir da análise de denúncias contra


psicólogos protocoladas no CRP-SP decorrentes da elaboração de documentos psicológicos
para as Varas de Família do Tribunal de São Paulo, o maior número diz respeito à prática de
psicólogos não funcionários da referida instituição jurídica. Em seu entendimento, isso seria
um indicativo de que o profissional que atua nas Varas de Família do TJSP seria mais sensível
―para eventuais problemas que podem ocorrer, tomando ele maiores cuidados que os colegas
que desconhecem esta realidade‖ (SHINE, 2009, p.105).
O autor afirma, ainda, que o TJSP oferece treinamento aos profissionais que ingressam
na instituição, tendo ele próprio ministrado diversas aulas, de tal modo que declarou que ―o
psicólogo judiciário não pode alegar ignorância em relação aos riscos que corre em seu
trabalho‖ (SHINE, 2009, p.105). Outra hipótese levantada é que ―o aparelho judiciário possa

97
Inclusive o assunto é tema dessa tese.
244

colocar medidas que protejam o seu auxiliar que atua como perito, permitindo uma
‗blindagem‘ contra tais ataques‖ (SHINE, 2009, p.105).
Embora, em minha opinião, não esteja claro o que o autor chamou de ―eventuais
problemas que podem ocorrer‖ e os ―riscos que corre em seu trabalho‖ (SHINE, 2009, p.105),
entendo que, entrelinhas, ele fez uma referência a uma possível infração ao Código de Ética.
Quanto à constatação feita de que os psicólogos judiciários são denunciados em menor
número, ainda que seja interessante pensar que o diferencial seja o treinamento oferecido a
eles, tornando-os mais competentes para o exercício da profissão no campo da Justiça, a
segunda hipótese – de que o sistema judiciário protege o perito com uma ―blindagem‖ contra
―ataques‖ –, mereceria, a meu ver, uma análise mais cuidadosa pelo autor. Pela declaração, o
autor perpassa a ideia de que o usuário do serviço psicológico, envolvido em uma ação
judicial, é visto pelo psicólogo do TJSP como uma ameaça em potencial. Frente a esta ameaça
de o psicólogo ser denunciado, haveria uma espécie de ―blindagem‖ feita pelo próprio sistema
judicial para proteger o funcionário. O que seria essa ―blindagem‖? Pela minha experiência
em casos de avaliação psicológica para fins jurídicos, muitos desses usuários deixam de
prestar queixas aos Conselhos de Classe contra alguns psicólogos que atuam no sistema
judicial por se sentirem intimidados, com receios de virem a ser prejudicados nos processos
(em que são réus) que tramitam na justiça.
De modo geral, partindo das considerações feitas, tudo indica que a aludida Resolução
CFP nº 008/2010 vai ao encontro dos anseios de um determinado grupo de psicólogos,
psicoterapeutas, de explorarem esse mercado de trabalho, bastante promissor, acolhendo as
demandas do sistema judiciário pela elaboração de documentos psicológicos. Por sua vez, esta
mesma Resolução estaria, por acréscimo, beneficiando o próprio sistema, que passaria a
receber informações antes sigilosas, sem maiores empecilhos, tudo em nome dos direitos de
crianças (vítimas de violência, por exemplo).
Conflitante, porém, torna-se essa atuação psicológica com a legislação que assegura o
direito do cliente ao sigilo das informações prestadas no contexto do atendimento clínico-
terapêutico, conforme discutido. Inconciliável também está essa norma com as Referências
técnicas propostas pelo próprio Conselho Federal de Psicologia, como dispõe o texto:

Há que se pensar no contrato que foi estabelecido com o cliente no início do atendimento, ou
seja, qual seu objetivo. Em atendimentos com finalidade terapêutica, geralmente se explica ao
paciente que tudo o que for dito naquele espaço será usado em benefício de seu tratamento,
havendo compromisso com o sigilo. Portanto, soa como inadequado usar informações
245

colhidas no espaço terapêutico para finalidade alheia, no caso para fins jurídicos
(CFP/CREPOP, 2010b, p.42).

Assim, a fragmentação do Código de Ética, multiplicando-o em um sem número de


Referências técnicas e Resoluções, parece estar a serviço de pequenos grupos, privilegiando
determinadas práticas, contrariando a proposta do Código, conforme arrazoei anteriormente.
Seria esta medida uma tentativa de reduzir o número de processos éticos decorrente da prática
de elaboração de documentos com fins jurídicos? Neste caso, não seria uma medida
corporativista?
No caso em questão, de peritos, assistentes técnicos e psicoterapeutas que almejam
atender as demandas com fins jurídicos, ainda há espaço para outras advertências.
Aproximando, especificamente, do atendimento psicoterapêutico: toda informação prestada
pelo psicólogo ao campo jurídico, oriunda do cenário terapêutico, feita por solicitação do
próprio sujeito em psicoterapia (cliente), não implicaria, necessariamente, no fornecimento de
informações parciais e de interesse deste sujeito cliente/solicitante? Se assim não o fosse,
seria este documento entregue pelo sujeito solicitante ao judiciário? Igualmente, se o
documento elaborado pelo psicoterapeuta não correspondesse às expectativas do sujeito
solicitante, continuaria este em processo psicoterapêutico? No caso desse cliente/sujeito ser
uma criança, será que o responsável/solicitante a manteria em atendimento psicológico?
Seguramente, acredito, o documento psicológico tenderia a beneficiar o cliente/solicitante no
judiciário, mas beneficiaria a criança no contexto da assistência terapêutica?
Sobre essa questão em particular, durante a realização da pesquisa de Mestrado sobre
falsa denúncia de abuso sexual contra a criança, percebi que não é incomum – quando existe
intencionalidade do genitor responsável/denunciante em alegar o abuso para afastar a criança
do convívio com o outro genitor –, a procura por psicoterapia para a criança com o único
propósito de obter documento comprobatório para a ocorrência do alegado abuso. Tão logo
esse documento é emitido pelo psicoterapeuta e tem seus efeitos no campo jurídico, a criança
é retirada do atendimento. Assim, é possível averiguar que alguns atendimentos
psicoterapêuticos tendem a durar entre 01 a 03 meses em média (AMENDOLA, 2006;
2009a).
Claramente, quando um documento psicológico é emitido, ele irá produzir efeitos na
vida de todos os envolvidos, não se limitando à pessoa avaliada, daí o alerta de Bauman
(2003, p.25):
246

O que fazemos e outras pessoas fazem pode ter consequências profundas, de longo alcance e
de longa duração, consequências que não podemos ver diretamente nem predizer com
precisão. [...] dificilmente podemos medir a qualidade de nossas ações mediante pleno
inventário de seus efeitos. O que nós e outros fazemos tem ―efeitos colaterais‖,
―consequências não-antecipatórias‖, que podem abafar quaisquer bons propósitos que se
fazem e produzir desastres e sofrimento que nós e ninguém quisemos ou vislumbramos. E
podem afetar pessoas que se acham muito distantes ou que viverão no futuro e com as quais
jamais vamos nos encontrar e lhes fitar o rosto. Podemos lhes fazer mal (ou elas nos podem
fazer mal) inadvertidamente, por ignorância mais do que de propósito, sem querer mal a quem
quer que seja em particular e sem agir com maldade, e sermos, no entanto, culpados
moralmente.

Nesta circunstância, não poderia o psicoterapeuta ser questionado acerca de sua


competência e intencionalidade ao elaborar laudos ou pareceres com fim judicial? Não
poderia estar dispondo tanto o documento quanto o seu trabalho terapêutico à desqualificação
ou ao questionamento ético?
Como é possível perceber, a discussão dessas questões está estrita e diretamente ligada
ao conhecimento e execução de outra Resolução estabelecida pelo Conselho Federal de
Psicologia que diz respeito à elaboração de documentos.
A Resolução CFP nº 007/2003, atualmente em vigor, é responsável por oferecer
modelos padronizados para o profissional se guiar na confecção de seus documentos. Para
alguns professores, como é o caso de Sathler (2008), houve a necessidade de ―ensinar aos
alunos uma escrita dentro dos padrões do CFP‖ (SATHLER, 2008, p.19).
Para o autor da tese Escrita disciplinar e psicologia: laudos como estratégia de
controle das populações, o Manual não tem apenas a função de orientar os profissionais em
relação à escrita, mas, sobretudo, por se tratar de uma Resolução, de funcionar como
argumento normativo para punir todos que não o cumprirem. Com isso, ―o que, na aparência,
protege a categoria pode, então, inversamente, puni-la‖ pelo descumprimento da norma. Uma
resposta tipicamente disciplinar em que cada psicólogo será responsabilizado individualmente
pelo cumprimento ou não da norma (SATHLER, 2008, p.107).
Ao considerar a necessidade de o CFP criar regras para subsidiar o psicólogo na
produção qualificada de documentos, considerando a ―frequência com que representações
éticas desencadeadas [...] coloca[m] em questão a qualidade dos documentos escritos‖ 98, o
autor presume que os documentos não são uma produção qualificada, de modo que a ―atitude
disciplinar e normatizadora pode indicar também uma emergência em se fazer algo para tirar

98
O fragmento foi extraído do Manual de Elaboração de Documentos, na parte dos considerandos, presente em
suas três versões (Resolução CFP nº 030/2001; 17/2002; 007/2003).
247

a profissão das polêmicas em que está envolvida, e a primeira polêmica citada é a produção
não qualificada de documentos‖ (SATHLER, 2008, p.107).

[...] essa situação constrange ao conselho (CRP), impelindo-o a processar os psicólogos,


inscritos em sua jurisdição, pelos erros contidos em seus laudos e pareceres, o que denuncia,
também, a má qualidade da formação profissional, a qualidade duvidosa dos demais trabalhos
exercidos pelos profissionais nas clínicas, escolas, etc., enfim, apontam que a profissão está
prestando serviços, no mínimo, pouco precisos, e que o CFP precisa tomar providências para
corrigir o problema da qualidade (SATHLER, 2008, p. 109-110).

Por sua vez, o autor salienta que o Manual pode dar o seguinte efeito ilusório de
sentido: se o psicólogo seguir as normas, as produções estarão qualificadas para todas as
finalidades. Em verdade, a produção de normas específicas para a escrita psicológica diz
respeito a um ―jogo político que atende a conveniências‖ (SATHLER, 2008, p.114). Portanto,
atendem, convenientemente, a necessidade de controle, sendo uma questão de poder
evidenciada na determinação pelo CFP do que convém que seja dito e de que forma possa ser
dito em determinado momento.
Mediante essas ponderações, fica notória a intenção do Conselho Federal de
Psicologia de reduzir o número de processos éticos contra os psicólogos por meio da
instituição de Resoluções que normatizam e padronizam o trabalho e a escrita dos seus
profissionais e, com isso, desfazer a imagem de que a profissão apresenta ―problemas‖, como
observado no pronunciamento de Patrícia Garcia de Souza, conselheira-presidente da COE do
CRP-SP (Gestão 2007-2010), ao Jornal PSI (fev/mar 2009):

―Os casos que chegam ao nosso conhecimento nos mostram em que áreas estão ocorrendo
problemas‖, diz. Segundo ela, esse é, muitas vezes, o ponto de partida para a formulação
de resoluções que servirão de orientação para os psicólogos 99. Isso faz com que a atuação
do psicólogo fique menos exposta a questionamentos. ―Quando uma resolução sobre um tema
é divulgada, o arquivamento de processos sobre aquele tema aumenta progressivamente com
o correr do tempo‖ (JORNAL PSI, fev/mar 2009, s/p).

O caminho traçado pelo CFP parece ser, no meu entendimento, o de buscar


alternativas que tornem o Código de Ética mais assertivo, sem alterar diretamente no corpo de
seu texto. Fazendo analogia a uma árvore, preserva-se a raiz, que fica intacta sob a terra e fora
do campo de visão, para que dela possa emergir um tronco e deste, galhos frondosos em
diversas direções. Portanto, o Código de Ética (raiz) seria a base que unifica a Psicologia

99
Grifo meu.
248

(tronco), de onde irradiam outras tantas psicologias (ramificações), disciplinadas pelas


Resoluções que possuem força de lei.
Logo, as Resoluções, mais do que ofertar ―orientação‖, impõem um conjunto de
obrigações as quais o psicólogo, para atuar em determinada arena, precisa executar sob o risco
de constituir ―falta ético-disciplinar, passível de capitulação nos dispositivos referentes ao
exercício profissional do Código de Ética Profissional do Psicólogo, sem prejuízo de outros
que possam ser arguidos‖ (Art. 3º, Resolução CFP nº 007/2003; Art.11, Resolução CFP nº
008/2010).
As Resoluções se transformaram, assim, em pequenos códigos de ética especializados,
atendendo a antigas reivindicações da categoria, que passa a utilizá-las em substituição ao
CEPP. Essa situação perpassa a ideia de que o profissional poderia prescindir de uma postura
analítico-reflexiva frente ao conjunto de regras que norteiam a profissão, bastando, para este
fim, obedecer a vários pequenos conjuntos especializados de normas, mesmo que isso
signifique correr o risco de descumprir certos preceitos por desconhecê-los100.
Não diria, contudo, que, com a existência dessas normas, haveria uma redução no
número de queixas endereçadas aos CRPs em relação ao trabalho prestado pelo psicólogo,
como ponderou a antiga conselheira-presidente da COE do CRP-SP. Porém, o fato de ela
indicar que, após a emissão de uma Resolução sobre tema crítico em campo de atuação
psicológico, haveria um aumento progressivo no número de arquivamento das denúncias
contra psicólogos (JORNAL PSI, fev/mar 2009), fica evidente que o objeto de análise das
Comissões de Ética pertence ao âmbito da sujeição à norma.
Logo, o argumento do qual se valem muitos psicólogos, ao cumprirem as
determinações do Código de Ética, Resoluções, manuais, referências técnicas, etc. de que
estariam sendo éticos não se sustenta, pois ética, como indicado anteriormente, não se reduz
ao cumprimento de leis e códigos que regulam o exercício profissional na esfera social.
A proposta, aqui efetuada, é pensar a ética profissional em uma dimensão dialética, ou
seja, por meio da argumentação, de um diálogo no qual são postas questões, dilemas a serem
refletidos sob diversos ângulos e na forma de um debate, sem, no entanto, estabelecer uma
relação de causalidade. Nestes termos, para o exercício de um agir ético, o sujeito que se
encontra diante de um dilema é incitado a refletir, questionando até mesmo o seu modo de ser.
Assim, ao colocar o problema em análise, estabelecendo para com a regra instituída outra

100
Na minha experiência na Comissão de Ética, este é um argumento muitas vezes utilizado por psicólogos
denunciados em sua defesa: o desconhecimento da norma.
249

relação, o sujeito a retira do plano da transcendência Documentos de Referência para atuação


de psicólogos nas Políticas Públicas
para construir seu sentido no plano da imanência. Em 1. Documento de Referências Técnicas
para atuação em CRAS/SUAS
outras palavras, transforma a regra a partir do 2. Saúde do Trabalhador no âmbito da
exercício constante do pensar, atribuindo-lhe um Saúde pública: referências para atuação
dos psicólogos
sentido único que esteja relacionado à situação- 3. Referências Técnicas para a prática
do(a) psicólogo(a) nos programas de DST
problema em análise. Com efeito, o sujeito não e AIDS
4. Serviço de Proteção Social a Crianças e
reproduz as regras preestabelecidas, ele cria regras Adolescentes Vítimas de Violência, Abuso
e Exploração Sexual e suas Famílias:
facultativas, conforme discuti anteriormente. referências para a atuação do psicólogo.
5. Psicólogos que atuam no Setor Jurídico
e em Varas de Infância
Queremos que a Ética possa ser um guia 6. Educação Inclusiva
ao trabalho do psicólogo; mas não um 7. Medida Sócio-Educativa em Meio
guia de respostas acerca do que lhe é ou Aberto
não é permitido, do que pode ou não
8. Mulher sob violência de gênero
pode fazer, ou de que conduta deve
tomar em cada situação específica. 9. Serviços de Atenção Básica
Queremos, sim, que os psicólogos 10. Álcool de outras drogas
possam se aproximar e se ocupar da 11. Educação Básica
dimensão ética de seu trabalho, buscando 12. Mobilidade Urbana
aí uma orientação acerca da direção do 13. Atuação dos psicólogos no CREAS e
mesmo: com qual projeto de sociedade SUAS
quero me comprometer? Meu trabalho 14. Atuação dos psicólogos na rede
compactua com este projeto? A que hospitalar do SUS
serve a minha intervenção profissional?
15. Atuação dos psicólogos no Centro de
O que esta decisão significa para os
sujeitos nela implicados e para a Referência de Assistência Social
realidade da qual são atores? É com esta 16. Pesquisa sobre a atuação profissional
reflexão ética que queremos ver a nossa em políticas de diversidade sexual e
categoria implicada e é esta a reflexão promoção da cidadania LGBTT.
que deve atravessar a sua atuação 17. Atuação de Psicólogos em Políticas
profissional (JORNAL PSI, nov./dez., Públicas de Esporte
2003, s/p). 18. Atuação dos psicólogos na Política de
Segurança Pública
Se não é possível assegurar a ética por meio de 19. Pesquisa sobre a atuação dos
psicólogos na Política Nacional do Idoso
um dispositivo como o Código de Ética, e porque
CREPOP (http://crepop.pol.org.br)
―não somos mesmos capazes de agir sempre
eticamente‖ (SILVEIRA; HÜNING, 2010, p.389), que parece razoável, aos olhos da
sociedade e do próprio Sistema Conselhos, que o profissional cumpra com as instruções
operacionais oferecidas pelo CFP com vistas a disciplinar o exercício profissional.
Nesse mesmo direcionamento, outra medida desenvolvida pelo CFP foi a criação do
dispositivo CREPOP em 2006101 voltado para atender a demanda da categoria por referências
concretas para nortear a reflexão sobre a prática do psicólogo.

101
Embora não seja divulgado, é possível supor que o dispositivo CREPOP foi criado tão logo a instituição do
novo Código de Ética CEPP em razão de alguns Conselhos Regionais (DF, RJ, SP, PR, RS, entre outros)
constatarem um aumento no número de denúncias contra os psicólogos. Desde modo, o CREPOP objetivaria o
Código de Ética, fornecendo diretrizes aos psicólogos.
250

Fruto do desdobramento do Banco Social de Banco Social de Serviços


Implementado em 13 estados brasileiros,
Serviços de Psicologia, o CREPOP surgiu com além do Distrito Federal e distribuído nas
cinco regiões do país, o Banco Social de
objetivo de consolidar a produção de referências para Serviços em Psicologia tem o objetivo de
promover a qualificação da atuação dos psicólogos em reforçar a presença social da Psicologia
por meio da ampliação de seu espaço nas
Políticas Públicas, por meio de pesquisas políticas públicas, oferecendo serviços aos
órgãos públicos em projetos sociais
multicêntricas coordenadas nacionalmente. construídos em parceria.
POL
Com o slogan, ―Psicólogo: o seu fazer nos
interessa!‖, o CREPOP convocava a participação da categoria que atua em programas de
governo, por meio de diferentes metodologias, dentre as quais o questionário on-line, para
prestar informações sobre o seu fazer.
De posse dessas informações, o CREPOP pretende (1) identificar as políticas gerais e
os programas de ação desenvolvidos na gestão pública (Federal, Estadual e Municipal); (2)
identificar a atuação da Psicologia nesses âmbitos; (3) analisar os limites e possibilidades
dessa atuação; finalmente, (4) formular parâmetros de intervenção.
Para a produção de referências, o CREPOP segue três trâmites:
a. Produção de referências subsidiadas pela investigação da prática profissional;
b. Produção de referências a partir da formação de comissões ad hoc;
c. Produção de referências por meio de identificação de experiências inovadoras.
Novamente, a título de exemplo, selecionei o documento de Referência Técnica para a
atuação do psicólogo nos Serviços de Proteção Social a Crianças e Adolescentes Vítimas de
Violência, Abuso e Exploração Sexual e suas Famílias, por se tratar de tema por mim
abordado em dissertação de mestrado e, de forma mais localizada, nesta tese (AMENDOLA,
2006).
A pesquisa do CREPOP junto aos psicólogos transcorreu no primeiro trimestre de
102
2007 , sendo responsável por disparar as primeiras discussões sobre o tema. Além da
participação dos psicólogos103, houve a contribuição de alguns Conselhos Regionais, por meio
de relatórios organizados a partir de atividades em grupos focais.

102
A dissertação de Mestrado foi concluída em 2006, antes da pesquisa do CREPOP, no entanto, só foi
publicada em 2009.
103
Um total de 281 psicólogos respondeu ao questionário on-line e 54 às questões abertas sobre a rotina de
trabalho. O material quantitativo do questionário on-line pode ser acessado em http://crepop.pol.org.br
251

Digno de nota é o perfil dos 281 profissionais que responderam ao questionário on-
line, algo muito semelhante ao que observei por ocasião da pesquisa de mestrado104: mulheres
jovens, recém-formadas, sem experiência e conhecimento específico na área que escolheram
para atuar. Por conta disso, muitas buscaram complementar a formação com cursos de
capacitação profissional, quando não tomaram a iniciativa de estudar por conta e risco próprio
(AMENDOLA, 2006; 2009).
Grave, no entanto, foi a exposição de uma psicóloga acerca da capacitação oferecida
na instituição que atuava. Em suas palavras: ―não há capacitação. A capacitação, que não é
bem capacitação, não capacita muita coisa‖ (Psi 01; AMENDOLA, 2009a, p.157). Ora, isso
significa que, além de denunciar a má qualidade dos cursos de qualificação oferecidos aos
profissionais, a psicóloga também admite que venha atuando na área sem capacitação.
Essa circunstância não está distante do que o CREPOP (CFP, 2009a) apurou nos
relatos: existe uma falta de projetos para a formação dos profissionais que atuam nesse
campo, assim como carência na oferta de capacitação e supervisão nesses serviços.

No questionário respondido on-line, obtivemos várias informações que nos permitiram uma
aproximação desse profissional e de seu trabalho. Conforme Relatório elaborado pelo Crepop,
os profissionais com formação em Psicologia, atuantes nesse campo, são, em sua maioria,
mulheres jovens. A maior parte dessas psicólogas atua há pouco tempo nesses serviços e
somente poucas estão trabalhando nesse campo há 10 anos ou mais; esse tempo é
correspondente à existência e implantação do Programa Sentinela e dos Serviços de
Enfrentamento nas diversas regiões do país. A maioria também disse não possuir formação
específica no atendimento à criança e ao adolescente vítima de violência, abuso e exploração
sexual. Os(as) que têm formação obtiveram principalmente por meio de capacitações e
especializações (CFP/CREPOP, 2009a, p. 12).

A verdade é que o psicólogo não foi preparado, durante o curso de graduação, para
lidar com questões referentes ao abuso sexual contra crianças e adolescentes, tema este de alta
complexidade que requer permanente análise e discussão. Mas afinal, quais saberes,
discursos/práticas preparam um profissional para essa realidade? De que modo os saberes
psicológicos transmitidos nas universidades podem formar o psicólogo?
Outros dados compilados pelo CREPOP, também observados por mim durante a
pesquisa de mestrado, é que, em geral, os psicólogos atuam em equipes multidisciplinares em
número insuficiente para atender à demanda e para ampliar o escopo das ações, fato que

104
A pesquisa do CREPOP revela dados muito semelhantes aos observados na pesquisa que desenvolvi para
obtenção do título de mestre. Especulo que seja em função de ambas as pesquisas terem objetivo em comum e
empregarem (pelo menos uma) metodologia similar: entrevista com psicólogos que atuam em instituições de
referência ao atendimento a casos de denúncia de abuso sexual contra a criança e o adolescente.
252

acarreta uma sobrecarrega de atividades, como informaram alguns profissionais que


responderam ao formulário do CREPOP (CFP/CREPOP, 2009a, p.23):

Falta de psicólogo na rede de saúde para desenvolver o


trabalho com as vítimas (2:32).
Dificuldades com a grande demanda, o que congestiona as
filas de espera da instituição (2:3).

Quanto às condições de trabalho, ambas as pesquisas apontam para falta de recursos


materiais oferecidos pelas instituições para serem empregados com as pessoas atendidas, tais
como brinquedos, lápis coloridos, papel, etc.; além das péssimas condições ambientais, com
salas sem isolamento acústico.

A maioria dos psicólogos entrevistados declarou ter dificuldades na execução de suas


atividades profissionais. Alguns apontaram para a estrutura física das instituições onde
trabalham, por oferecerem salas muito pequenas ou inadequadas para atendimento, que não
asseguram o sigilo da conversação, seja porque é a única sala disponível para todos os
funcionários e, desta forma, deve ser mantida aberta para circulação dos mesmos, seja porque
a sala foi projetada com uma abertura de ventilação entre o teto e a porta por onde é possível
ouvir os atendimentos (AMENDOLA, 2009a, p.168).

As atividades se concentram na avaliação psicológica de crianças consideradas vítimas


de abuso e violência e na elaboração de laudos técnicos em resposta à solicitação judicial, este
último, motivo de muita preocupação sobre o que incluir ou não nos relatórios
(CFP/CREPOP, 2009b, p.29):

Na produção dos relatórios individuais o psicólogo fica em dúvida sobre qual conteúdo deve
ou não fazer parte do relatório, pois acreditam que o que é colocado ali pode marcar para
sempre a vida da pessoa e envolve questões éticas (GF - CRP 04).

De modo semelhante, percebi que os psicólogos, por mim entrevistados, apresentaram


algum nível de preocupação quanto à emissão de laudos, seja devido à estruturação deste, seja
pela repercussão do documento no âmbito jurídico e familiar, já que esse instrumento tem
repercussões na vida das pessoas, portanto, implicações éticas sérias.
Alguns psicólogos, aproveitando-se da oportunidade, externaram suas expectativas em
relação à resposta do Sistema Conselhos frente às dificuldades apresentadas, em particular,
quanto às questões éticas e políticas do trabalho neste campo (CRP, 2009a, p.32):

Creio que seria importante a realização de fóruns de discussão para que o Conselho possa vir
a formular uma diretriz quanto ao papel e a forma de atuação dos psicólogos que venha a
253

considerar (e fundamentar) o parecer técnico elaborado por eles como um posicionamento


ético desse profissional diante de cada caso, para além da questão estritamente ‗técnica‘.

Ao que tudo indica, o profissional que atua nesses serviços, a despeito da capacitação
precária e outros tantos impasses narrados, ―luta por melhores condições de trabalho e por
qualificação profissional‖, exigindo do seu Conselho de Classe participação ativa nesse
sentido; embora esta demanda seja direcionada para que o CFP diga o que o profissional deve
ou não fazer (AMENDOLA, 2009a, p.170).
Em vias de acolher essa demanda por diretrizes, já nas etapas finais na construção das
referências técnicas, o CREPOP teve a contribuição de um grupo de pesquisadores do Centro
de Estudos em Administração e Governo da Fundação Getúlio Vargas105, para fins de
compilar as informações disponibilizadas106.
Para efetuar o documento, houve a participação da equipe de organizadores: o
Conselho Federal de Psicologia, o Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas
Públicas e de uma Comissão de elaboração do documento composta por Joseleno dos Santos,
Karin Koshima, Maria Luiza Oliveira, Sandra Amorim. Para finalizar houve o aporte de
Antonio José Angelo Motti e de Iolete Ribeiro da Silva. O material ainda recebeu
contribuições adicionais da equipe técnica do Ministério do Desenvolvimento Social e do
Combate à Fome.
É evidente que, por ser um documento construído a partir do relato das experiências de
trabalho dos psicólogos participantes e da contribuição de consultores ad hoc, as referências
técnicas remetem a uma determinada visão de mundo, de homem, de ciência, portanto, uma
forma de pensar e praticar a Psicologia, historicamente datada. Logo, o texto reflete esse
determinado grupo que defende teorias e métodos de trabalho que lhes são afins,
especialmente os referendados pelo Programa Sentinela107 e pela cartilha da Associação

105
Jacqueline Isaac Machado Brigagão, Peter Kevin Spink, Sérgio Seiji Aragaki, Tatiana Alves Cordaro Bichara,
Vanda Lúcia Vitoriano do Nascimento.
106
O material se encontra disponível no site do CREPOP para consulta (http://crepop.pol.org.br/novo/wp-
content/uploads/2010/11/livro_webSENTINELA.pdf).
107
O Programa Sentinela constitui uma ação de responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome (MDS), inserido no Programa de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e
Adolescentes, coordenado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, e está
presente em todos os Estados da Federação e no Distrito Federal (COMITÊ NACIONAL, 2006). Em 2006, com
a implantação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), o Sentinela se inseriu como serviço do Centro de
Referência Especial de Assistência Social, obedecendo às Normas Operacionais Básicas da Política Pública de
Assistência Social, e passou a se chamar Serviço de Enfrentamento à Violência, Abuso e Exploração Sexual
contra Crianças e Adolescentes. Atualmente, denomina-se Serviço de Proteção Social a Crianças e Adolescentes
Vítimas de Violência, Abuso e Exploração Sexual e suas Famílias, e destina-se ao atendimento de situações de
violência física, psicológica, sexual e de negligência grave contra crianças e adolescentes (CFP, 2009a, p.22-23).
254

Brasileira Proteção Infância e Adolescência (ABRAPIA) – apresentada enquanto modelo a ser


seguido, sem qualquer apreciação mais cuidadosa –, embora afirmem que as referências
técnicas são destinadas a

fortalecer as discussões e as experiências práticas da Psicologia brasileira no âmbito dessa


complexa temática, garantindo princípios éticos e políticos norteadores, sem estabelecer
definições rígidas para o trabalho nesse campo, mas possibilitando a elaboração de parâmetros
compartilhados e legitimados pela participação crítica e reflexiva (VERONA; LOPES;
GONÇALVES, 2009, p.9).

A publicação foca, destarte, a prática do psicólogo em serviços de proteção social a


crianças e adolescentes vítimas de violência, abuso e exploração sexual e suas famílias, ―os
desafios e as dificuldades enfrentadas nesse campo e o que foi apontado como práticas
inovadoras‖ (CFP/CREPOP, 2009a, p.9).
Organizados pelo Centro de Referência Especial de Assistência Social (CREAS), os
serviços de proteção social destinam-se, designadamente, ao atendimento de situações em que
se presume haver violência física, psicológica, sexual e de negligência grave contra crianças e
adolescentes.
Por esta definição, é perfeitamente compreensível que a postura esperada dos
profissionais que atuam nesse espaço seja considerar a ocorrência de violência, abuso e
exploração como fato ocorrido. A criança e o adolescente que são encaminhados para esses
lugares e serviços são, nessa lógica, acolhidos na posição de vítimas que precisam

ser ouvidos e acreditados sem julgamentos. Segue-se a isso a necessidade de proteção,


acolhimento e ajuda para lidar com os aspectos subjetivos advindos da violência sexual.
Deve-se levar em conta que o trabalho é desenvolvido com crianças, adolescentes e seus
familiares, que estão extremamente fragilizados e em risco pessoal e social (CFP/CREPOP,
2009b, p.58).

Como a presunção da ocorrência do abuso sexual é premissa do trabalho de


acolhimento pelos chamados serviços de proteção à criança, ocorre que, em geral, muitos
profissionais consideram imprescindível tanto quanto suficiente a palavra da criança
supostamente vítima, tal qual sucede com a equipe multidisciplinar do Centro de Defesa da
Criança e do Adolescente da Bahia – CEDECA/BA. A equipe, composta por profissionais de
Psicologia, Serviço Social e Direito estaria empenhada em obter a revelação da ―verdade real
dos fatos‖ (BARBOSA et. ali, 2003, p.72) por meio da valoração do depoimento de crianças e
adolescentes.
Nestes serviços,
255

O acolhimento é fundamental, e constitui Resolução CFP nº 010/2010


fator determinante para a permanência ou
A Escuta Psicológica consiste em
não da criança/do adolescente na
instituição, assim como para sua adesão oferecer lugar e tempo para a expressão das
ao atendimento. [...] Após o demandas e desejos da criança e do
levantamento de dados na anamnese adolescente: a fala, a produção lúdica, o
social, o caso é encaminhado para o silêncio e expressões não-verbais, entre
profissional de Psicologia para proceder outros. Os procedimentos técnicos e
às entrevistas psicológicas iniciais. metodológicos devem levar em
Quando se trata de criança e adolescente, consideração as peculiaridades do
a entrevista inicial pode ser realizada desenvolvimento da criança e adolescente e
com a mãe ou com o adulto responsável,
respeitar a diversidade social, cultural e
com o objetivo de obter informações a
respeito dos danos emocionais étnica dos sujeitos, superando o
decorrentes da violência, as reações da atendimento serializado e burocrático que
criança, do adolescente e da família e determinadas instituições exigem do
principalmente a capacidade desse adulto psicólogo.
de referência ser um cuidador da criança 1. O psicólogo realizará o acolhimento, a
(CFP/CREPOP, 2009b, p.58-59). partir da análise contextual da demanda,
respeitando o direito da criança e do
adolescente, pautado no compromisso ético-
Assim, ao dar credibilidade à versão oferecida político da profissão.
2. O psicólogo, ao realizar o estudo
pela criança e pela mãe ou seu responsável – psicológico decorrente da Escuta de
conforme textualmente disposto –, a palavra do Crianças e Adolescentes, deverá
necessariamente incluir todas as pessoas
acusado, em geral, o pai, é peremptoriamente envolvidas na situação de violência,
identificando as condições psicológicas,
recusada. Todo o modelo de atendimento fica, suas consequências, possíveis intervenções
e encaminhamentos.
portanto, focado na revelação, pela criança, do 2.1. Na impossibilidade de escuta de uma
das partes envolvidas, o psicólogo incluirá
ocorrido, operada pela ―lógica interna de acusação‖ em seu parecer os motivos do impedimento
(AMENDOLA, 2006; 2009a, p.109). e suas possíveis implicações.

[...] verificamos que circula tautologicamente entre os profissionais de saúde e operadores do


Direito uma lógica interna de acusação que transmite a seguinte proposição: se à mãe,
naturalmente predisposta a cuidar da criança, cabe a verdade em relação à denúncia de abuso
sexual, logo, ao pai, que nega a autoria deste abuso, resta a mentira. A consequência mais
provável dessa lógica, fundamentada em paradigmas ou em ―versões canônicas‖, usando a
expressão de Cárdenas (2000, p. 1), é que o profissional se antecipe às evidências e se
abstenha do compromisso de ouvir o pai acusado (ou de ouvi-lo sem tendenciosidade), em um
desrespeito aos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos
(AMENDOLA, 2009a, p.109-110).

Ainda que se cogite a possibilidade de uma falsa denúncia tomar curso nesse ambiente
de acolhimento, esse tipo de acontecimento é tratado como algo de menor valor, irrelevante à
análise pelos serviços de proteção a crianças e adolescentes. Tampouco parece interessar a
este documento de referências, já que a falsa denúncia contraria o modelo de trabalho
instituído nesses espaços. Por sua vez, as normas para a escuta de crianças e adolescentes
considerados vítimas de violência consta de outro documento oficial emitido pelo CFP – a
Resolução CFP nº 010/2010 que institui a regulamentação da Escuta Psicológica de
Crianças e Adolescentes envolvidos em situação de violência, na Rede de Proteção.
256

No entanto, ao invés de tratarem o tema da escuta de crianças supostamente vítimas de


violência de forma análoga, a Resolução enfatiza que o ―estudo psicológico decorrente da
Escuta de Crianças e Adolescentes, deverá necessariamente incluir todas as pessoas
envolvidas na situação de violência‖, isso significa incluir o acusado de cometer a violência
contra crianças e adolescentes.
Obviamente, a Resolução, enquanto normativa, tem força de lei, de tal modo que:

Art. 3º - Toda e qualquer atividade profissional decorrente de Escuta Psicológica de Crianças


e Adolescentes deverá seguir os itens determinados nesta Resolução.
Parágrafo único – A não observância da presente norma constitui falta ético-disciplinar,
passível de capitulação nos dispositivos referentes ao exercício profissional do Código de
Ética Profissional do Psicólogo, sem prejuízo de outros que possam ser arguidos.

Contrariando as Diretrizes, a Resolução deixa entrever que o modelo de atuação dos


serviços destinados à escuta de crianças e de adolescentes pelo método denominado
Entrevista de Revelação ou Estudo de Revelação contraria as normativas estabelecidas na
qualificação nesse tipo específico de trabalho.
Contudo, este modelo de atendimento que é divulgado pelas referências técnicas tem
sido apresentado como bom em si, portanto, suficiente para os propósitos a que foi criado.
Ademais, é também preciso considerar a ortodoxia corporativa das instituições, que ―têm
defendido tenazmente o hábito, em oposição à originalidade‖ (ALVES, 2005b, p.217).
Decorre dessa condição que tais instituições não permitem que o modelo de atuação
profissional instituído sofra rupturas para, assim, poder abrigar novos e diferentes modos de
pensar nas discussões sobre a prática/discurso profissional neste campo.
Essa postura ortodoxa não só interfere gravemente na proposta inicial dessas
Diretrizes de elaborar parâmetros que possam ser compartilhados e legitimados pela categoria
e pelo Sistema Conselhos, mas principalmente, denota um vício e incongruência com a
proposta de ―provocar o psicólogo para que reflita sobre suas práticas de forma coerente com
princípios da Psicologia como ciência e profissão, sem engessamentos teóricos e técnicos,
mas também sem opiniões isentas de bases científicas‖ (CFP/CREPOP, 2009b, p.43).

[...] é preciso estar atento, pois, em alguns casos, em situações de disputa pela guarda de uma
criança, pode acontecer de um dos pais manipular as crianças para que insinuem situação de
abuso, a fim de prejudicar a imagem do outro. Esses são casos que merecem atenção
redobrada, embora a crença na palavra da criança continue sendo premissa básica
(CFP/CREPOP, 2009b, p.59).
257

Ora, nestes termos, o documento apenas Entrevista de Revelação


[...] a Entrevista de Revelação ou
reproduz um modelo de atendimento pautado na Estudo de Revelação – expressão de caráter
tautológico – tem por objetivo criar um
avaliação psicológica, cujo objetivo é ―compreender a ambiente facilitador que permita à criança
situação de violência, avaliando seus impactos sobre a fazer conhecer o que era secreto, ou seja,
revelar o abuso sexual a partir da produção
criança/o adolescente e a família‖, para, discursiva, lúdica e gráfica, sem
desenvolver sentimentos de culpa ou
posteriormente, identificar a ―abordagem psicossocial vergonha.
Furniss (2002, p. 177) orienta os
e/ou psicoterapêutica mais adequada para o caso, e se profissionais a iniciar a Entrevista de
Revelação com a ―permissão terapêutica
são necessárias outras avaliações, entrevistas ou explícita para revelar‖. Isso significa que o
processos diagnósticos‖ (CFP/CREPOP, 2009b, p.60). propósito do psicólogo durante a entrevista
é, necessariamente, fazer com que a criança
Quanto à denominada ―Entrevista de relate o abuso supostamente sofrido.
Segundo o autor, ―[...] a criança precisa
Revelação‖, esta se destina à confirmação da saber que nós conhecemos as razões pelas
quais ela pode ser capaz de revelar [...]. Em
violência sexual. Para tanto, objetiva ―trazer luz aos termos práticos, precisamos enviar de
maneiras variadas e repetidas a mensagem:
fatos e tentar esclarecer o que está acontecendo com a ‗Eu sei que você sabe que eu sei‘.‖.[...]
criança ou o adolescente e, assim, poder ajudá-los‖, Essa orientação de Furniss (2002), na
qual revela certa tendenciosidade no trato
pressupondo que haja algum nível de sofrimento de questões relativas à prática profissional
em casos de suspeita de abuso sexual, é
(CFP/CREPOP, 2009b, p.64). criticada por profissionais e estudiosos da
área, pois a diferença entre suspeita
Para tanto, deve, segundo o CREPOP (2009b, infundada e resistência da criança não é
considerada, ou melhor, é pouco explorada
p.64-65): pelo autor, vigorando a ideia de que toda
 Levantar evidências sobre a possível alegação de abuso sexual contra a criança é
verdadeira, mesmo quando é pouco
ocorrência do abuso-vitimização sexual consubstanciada e/ou negada.
Amendola (2009, p.86-87)
doméstica e sobre a sua natureza;
 Avaliar a possível gravidade do abuso sexual e de seu impacto sobre a vítima e demais
membros da família;
 Avaliar o risco psicológico decorrente do abuso para a vítima e para outras crianças e
adolescentes eventualmente existentes no lar;
 Junto com a equipe, avaliar quais as medidas mais adequadas de intervenção social,
psicológica, jurídica e médica.
Essa prática opera, a meu ver, por meio de uma lógica investigativa e de penalização
(do acusado e excluído do processo) em que condutas são classificadas, subjetividades,
radiografadas e verdades supostamente desveladas. Nessa prática, crianças são vistas como
um caso individualizado que deve ser analisado na perspectiva de sua história íntima, ajustado
ou tratado para corresponder a certos moldes de família, de sexualidade, enfim, de
normalidade e moralidade.
258

Nitidamente tutelar, esse modelo de atendimento está ancorado em um postulado


científico positivista que reduz os indivíduos em objetos descritíveis e analisáveis (ALVES,
2006), especificamente, reduz crianças e adolescentes à categoria de vítimas, onde o que
importa é que falem do abuso supostamente sofrido para, enfim, receberem a ajuda,
evidenciando a relevância e excelência do serviço.

A partir dessa concepção, justifica-se arrancar à força a pretensa verdade da criança sobre o
abuso sexual, já que este último permanece na obscuridade/clandestinidade. Portanto, para o
profissional que se encarrega de ouvir a criança em seu processo de revelação do abuso, este
se torna o juiz, cujo ―poder em relação à confissão não consiste somente em exigi-la, antes de
ela ser feita, ou em decidir após ter sido proferida, porém em constituir, através dela e de sua
decifração, um discurso de verdade‖ (FOUCAULT, 2001, p. 66), essencial para o sucesso da
entrevista de revelação (AMENDOLA, 2009a, p.89-90).

Ao firmar referências técnicas para a intervenção do psicólogo no âmbito das políticas


públicas, o CREPOP torna-se um documento propositivo, a despeito de não ter a intenção de
alterar o texto do Código de Ética em termos estruturais e de, ainda, estar em contradição com
a Resolução CFP nº 10/2010.
Na prática, o texto endossa uma visão epistemológica do fenômeno violência contra
criança, bem como das crianças consideradas vítimas e suas famílias (incluindo o agressor),
que está na base das metodologias empregadas pelos psicólogos que atuam nas instituições de
referência para atendimento desses casos, tal como a Entrevista de Revelação.
Com efeito, o documento produzido pela autoridade máxima da Psicologia, de certo
modo, chancela as atividades psicológicas desempenhadas segundo o modelo (re)produzido
nesses espaços institucionais, garantindo a manutenção do sistema. Decorre, dessa medida, a
possibilidade de muitos psicólogos, ao perceberem que o documento do CREPOP institui este
modelo de atuação, adotarem as referências técnicas como um livro de receitas que determina
o que pode ou não ser feito. ―Dessa forma, perde-se a radicalidade da questão e acaba-se por
limitar os problemas éticos no campo das questões mais imediatas‖ (CARDOSO, 1998, p.2).
Assim, com base nessas referências técnicas, os psicólogos têm a oportunidade de
compartilhar com a autoridade (CFP) a responsabilidade por suas práticas e efeitos
decorrentes destas, ganhando uma espécie de garantia de que, nas circunstâncias em que o
exercício profissional for questionado, o documento servirá para comprovar a validade da
técnica.
Seguramente, se as referências técnicas forjam práticas modeladas e tecnicamente
aprovadas, transmitindo uma sensação de segurança ao profissional frente aos
259

questionamentos acerca das condutas profissionais, essas mesmas referências podem ser
utilizadas contra o psicólogo caso se argumente que não houve o cumprimento passo a passo
do que se configura nesses documentos.
Deriva dessa circunstância que as diretrizes e referências técnicas, enquanto
desdobramentos do Código de Ética, passaram a ter a mesma finalidade deste: tornaram-se
mais um dispositivo, paradoxalmente, de proteção e de coerção, exacerbando a heteronomia
coletiva ao invés da autonomia; a alienação da responsabilidade ao invés do exercício da
ética; a cópia em oposição à criação; o assentimento no lugar da transgressão108.
Nessa perspectiva, Mello (1983 p.99-100) afirma que,

[...] a um exame mais pormenorizado, somos levados a considerar que a necessidade de


proteger a profissão foi preocupação dominante dos elaboradores do código, preocupação que
transparece em todos os momentos, emprestando às regras e normas um caráter ambíguo e
que permeia a formulação até mesmo dos itens relativos à boa conduta profissional. Na
verdade, ao estabelecermos regras para controlar a conduta dos profissionais [...] estamos
protegendo os clientes dos males advindos do charlatanismo ou da desonestidade. Ao
propormos a competência profissional como um problema ético estamos, talvez, procurando
sanar as inseguranças oriundas da precária formação profissional ou impedir a leviandade no
trato com o cliente.

Nesta perspectiva, resta-me perguntar: seriam as Resoluções e as Referências Técnicas


a solução, que tantos psicólogos querem, para garantir qualificação e competência ao
exercício profissional?
Muitos acreditam que é preciso aprimorar a formação profissional, considerada
deficitária (ACHCAR, 1994; BASTOS; ACHCAR, 1994; BOCK, 1997; FRANCISCO;
BASTOS, 1992; GOMIDE, 1988; PATTO, 2010; LISBOA; BARBOSA, 2009; LO BIANCO,
BASTOS, NUNES, SILVA, 1994; MALUF, 1994; ZANELLI, 1994); outros argumentam ser
imprescindível a especialização da prática (ALVES, 2009b; ANACHE; REPPOLD, 2010;
FONSECA, 2011; NORONHA, 2002; 2009; NORONHA; BERALDO; OLIVEIRA, 2003;
NUNES; PRIMI, 2010; PRIMI; NUNES, 2010; PRIMI, 2011; REPPOLD, 2011; RIBEIRO;
LUZIO, 2008; STARLING, 2002; TEIXEIRA, 2008a; TREVIZAN, 2011; WITTER et. ali,
1992; WITTER; FERREIRA, 2005) outros, ainda, defendem ser mister a combinação entre
obediência a diretrizes, códigos, leis, referências, etc., e a capacitação técnica (ANACHE;
REPPOLD, 2010; BANDEIRA, 2011; FONSECA, 2011; NORONHA; REPPOLD, 2010;
NUNES; PRIMI, 2010; PRIMI, 2010, 2011; PRIMI; NUNES, 2010; REPPOLD, 2011;
TREVIZAN, 2011).

108
Entendendo transgressão no sentindo de romper com o instituído para se pensar e produzir o novo.
260

A capacitação ou especialização técnica, embora desejável, não faz escapar a


necessidade de o psicólogo estar implicado no seu próprio fazer, considerando que este fazer
tem implicações sociais, produz subjetividades, e porque interfere na vida das pessoas, é
sempre uma prática ética e não técnica, como reforça Gondar (1998; 2004):

O psicólogo nas instituições, entre a demanda de assentimento às normas institucionais e a


possibilidade de exercer eticamente sua função, torna-se, desse modo, o habitante de um entre
dois, de uma zona problemática e prenhe de inquietações sobre seu lugar, seu valor e seu
―saber técnico‖. É desse modo que, a partir de uma dialética entre [...] a moral e a ética, entre
o lugar que luta por ocupar e aquele que outros lhe atribuem, ele é convocado a se posicionar
e a se interrogar sobre sua tarefa e seus atos (GONDAR, 2004, p.38).

Na falta dessas indagações – a quem está servindo e qual sua implicação (COIMBRA,
1995; ROLNIK, 1995; GONDAR, 1998; 2004) –, o profissional corre o risco de ficar
limitado ao lugar do técnico ou especialista, lugar da competência, daquele que detém o
―conhecimento sobre a conduta das pessoas e o como funcionam por meio de conjunto de
técnicas de observação, inquirição e medição‖ (MACIEL; FRIZZO; CASTRO, 2010, p.50),
empregando este seu saber-fazer em objetos e não sobre sujeitos109.
É deste lugar de técnico, enquanto reprodutor e executor de um determinado modelo
enrijecido de atuação, que o profissional psicólogo vem sendo questionado ou tem contra si
denúncias sobre a sua postura e prática profissional. Via de regra, são denúncias que
contestam as técnicas utilizadas, a atuação do profissional durante o processo de avaliação
psicológica, a fundamentação das conclusões, a produção de laudos (JORNAL PSI, 2002;
jan/mar 2006).
Assim, a postura ética do profissional psicólogo está para além de uma formação
racional técnico-científica, tanto quanto está para além das normas110. Contudo, é nesta norma
que o psicólogo deve pautar o seu agir ético, visto que é por meio deste instrumento que
poderá pensar sobre a sua prática como estética e ética, ou seja, à semelhança de uma obra de
arte, única, singular, que afeta e se deixa afetar (GONDAR, 2004; JAPIASSU, 2005;
SAWAIA, 1995).
A despeito das críticas e demais problemas que possam ser identificados no Código de
Ética e demais normativas, um aspecto deve ser considerado: toda intervenção profissional,

109
O termo ―objetos‖ é aqui adotado no sentido de ser humano visto como uma essência invariável,
diferentemente da ―categoria de sujeito‖ proposta por Gondar (1998, p.23), quando afirma que esta última ―não é
categoria técnica, e a esta não pode submeter-se; a dimensão subjetiva não pode ser colocada senão na dimensão
ética‖.
110
A Comissão de Orientação e Ética do CRP do Rio de Janeiro realizou nos anos de 2006 e 2007, sob vigência
do XI Plenário, a oficina ―Ética para além das normas‖.
261

porque está permeada por uma dimensão ética, política – já que é ao outro que o psicólogo
endereça sua prática – promove afetações na vida das pessoas e das instituições. De tal sorte
que o psicólogo é chamado a assumir a responsabilidade pelos efeitos decorrentes do
exercício profissional.
Nestes termos, é obrigação do CRP protocolar denúncia contra o profissional
psicólogo por uma possível infração ao Código de Ética e encaminhar à Comissão
Permanente de Ética para conduzir os Processos Disciplinares Éticos com base no Código de
Ética Profissional do Psicólogo e nas Resoluções do Conselho Federal de Psicologia.

2.4 O trabalho da Comissão de Ética do CRP-RJ

É indecoroso ser passível de punição, mas pouco glorioso punir.


Foucault (2005, p.13)

Para conhecer melhor como é realizado o trabalho nas Comissões de Orientação e


Ética (COE) dos Conselhos Regionais de Psicologia, mas especificamente, o funcionamento
da COE do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro (CRP-RJ)111, resgato, mas
também narro, enquanto partícipe, o que considero ser um capítulo importante da história do
CRP-RJ: a intervenção do CFP nesta autarquia e as implicações decorrentes desse
acontecimento. Esse olhar retrospectivo não vem buscar uma verdade histórica ou uma
essência qualquer, mas considerar os múltiplos vetores que contribuíram para estabelecer e
organizar o funcionamento da Comissão de Ética do CRP-RJ conforme se apresenta hoje,
com seus desafios, lutas e conquistas. A realidade a qual exponho é, portanto, uma tecedura
feita a inúmeros fios, uma construção datada, a partir de práticas sociais que a atravessam.

2.4.1 Contando uma história

111
Para esclarecimentos, nesta pesquisa optei por empregar a sigla CRP-RJ, como também poderia identificá-lo
pela sigla CRP-05 que se refere ao Conselho da 5ª Região.
262

A convite de Fabiana Valadares, conselheira- Resolução CFP nº 06/2001


TÍTULO I
presidente da Comissão Permanente de Ética ou Das Disposições Gerais
Art. 1º - As faltas disciplinares e infrações
Comissão de Ética (CoE) durante a vigência da ao Código de Ética praticadas por
Gestão do XI Plenário (2004-2007), ingressei no psicólogos, no exercício profissional ou no
cargo de Conselheiro, serão apuradas em
CRP-RJ no ano de 2005 para atuar como colaboradora todo território nacional, pelos Conselhos de
Psicologia, nos termos do presente Código.
na Comissão de Instrução de Processos Disciplinares Art. 2º - Os processos disciplinares serão
iniciados mediante representação de
Éticos. qualquer interessado ou, de ofício, pelos
Conselhos de Psicologia, por iniciativa de
Toda a atividade desenvolvida, à época, nas qualquer de seus órgãos internos ou de seus
Comissões de Instrução estava parametrizada na Conselheiros, efetivos ou suplentes.
Art. 3º - Os processos disciplinares
Resolução CFP nº 06/2001, que instituía o regimento ordinário, funcional e ético e os
procedimentos a serem adotados em cada
denominado Código de Processamento Disciplinar caso seguirá o disposto neste Código.
(CPD)112. Embora essa Resolução tenha sido revogada
pela Resolução CFP nº 006/2007, as disposições que determinavam a composição das
Comissões de Instrução se mantiveram as mesmas, alterando apenas o artigo113.
Na Resolução CFP nº 006/2001 (Art. 21), as Comissões de Instrução teriam caráter
temporário, sendo constituídas para proceder à apuração dos fatos em nome da Comissão de
Ética (CoE). Para tanto, deveriam ser constituídas, preferencialmente, de 03 (três) e, no
mínimo, 02 (dois) psicólogos, observados os seguintes critérios:

a) pelo menos um de seus membros deverá, necessariamente, compor a Comissão de Ética,


que a presidirá;
b) o psicólogo deverá estar regularmente inscrito no respectivo CRP; e
c) estar preferencialmente ligado à área do caso em questão.

Por ter certo conhecimento e pesquisa realizada no campo da avaliação psicológica,


com enfoque para a temática da violência sexual contra a criança, cumpria especialmente com
o requisito de ―estar preferencialmente ligado à área do caso em questão‖. Recém-chegada à
instituição, busquei ter noção das atividades desenvolvidas na Comissão, dos trâmites
processuais, familiarizar-me com a nomenclatura jurídica dos Códigos, enfim, fui sendo
apresentada àquele mundo, deixando-me imergir.
Na esteira dos acontecimentos, fui percebendo ruídos ao redor. Eram reclamações e
acusações vindas dos psicólogos denunciados que se queixavam quanto à omissão ou falta de

112
As denúncias que datam de período anterior à Resolução CFP nº 006/2001 eram analisadas à luz da
Resolução 005/1988, desde que beneficiassem o denunciado.
113
Na Resolução CFP nº 006/2001, o texto está no artigo 21, enquanto que na Resolução CFP nº 006/2007,
atualmente em vigor, o mesmo texto se encontra no artigo 24.
263

proteção do CRP à classe profissional, falas estas que desqualificavam o trabalho feito pelos
conselheiros e colaboradores no que se referia à orientação e instrução de Processos
Disciplinares Éticos (PDE); ou ainda, questionamentos em relação à atuação do CRP-RJ
frente às demandas da categoria. A indignação parecia aumentar quando o assunto era a
anuidade: ―para que pagar o Conselho?‖; (afinal) o ―Conselho só está para o psicólogo na
hora de processar‖. Tais queixas demonstravam claramente uma insatisfação com o órgão de
Classe que, na visão de alguns profissionais, estavam pagando para que o Conselho
funcionasse contra eles, mostrando seu caráter disciplinador e repressor.
Em contrapartida, para os que denunciavam os psicólogos, o Conselho Regional de
Psicologia do Rio de Janeiro (CRP-RJ) era tido como instituição corporativista, protecionista.
O que a maioria deles desconhece (sejam estes psicólogos, seja a sociedade) é que este
mal-estar com o CRP-RJ tem relação com o fato de a instituição ter passado longos anos em
hibernação ou inércia. Foram aproximadamente 10 anos sem instruir e julgar Processos
Disciplinares Éticos (1994-2004), o que em muito explica a razão de inúmeras denúncias
prescreverem antes mesmo de serem instruídas.
Do mesmo modo, com a retomada da instauração e instrução de Processos
Disciplinares Éticos pelo XI Plenário, houve uma sensação de caça às bruxas, quando a CoE
passou a ser vista como inimiga da categoria por aceitar denúncias de todas as ordens,
incluindo daqueles considerados abusadores sexuais que se queixavam dos psicólogos que
alegavam atuar na defesa de crianças vítimas.
Em resposta às críticas endereçadas ao Conselho Regional de Psicologia do Rio de
Janeiro (CRP-RJ), Ana Lúcia Furtado, então presidente da Comissão Permanente de Ética e
José Novaes, presidente do CRP-RJ na ocasião (Gestão X, 2004-2007), escreveram em
conjunto um artigo para o Jornal do CRP-RJ (2006) na tentativa de esclarecer a categoria e
fazer alguns arrazoados.

Podemos perguntar: o que significa ―proteger‖ os psicólogos? Não aceitar a denúncia ou


representação que nos é enviada? Ou delongar o seu trâmite, ―engavetá-la‖, levá-la à
prescrição por tempo decorrido além dos prazos previstos no Código de Processamento
Disciplinar? Assumimos o CRP-05 justamente para reorganizá-lo e saneá-lo, expurgando as
práticas que eram comuns nas gestões anteriores; uma delas era essa. Encontramos, ao
assumir a Comissão Gestora em março de 2003, mais de 90 (noventa) processos na COE
paralisados, engavetados (não é força de expressão), vários deles já prescritos. Não temos um
viés punitivo, muito pelo contrário: pretendemos enfatizar e priorizar a atitude de orientação e
acompanhamento do Conselho, por meio da Comissão de Orientação e Fiscalização (COF) e
da Comissão de Orientação e Ética (COE) (FURTADO; NOVAES, 2006, p.16).
264

Como é possível constatar, a inércia na Resolução Nº 032/2001


Promove a intervenção no Conselho
instrução e no julgamento de Processos Éticos não foi Regional de Psicologia da 5ª Região e dá
outras providências.
caracterizada por ausência de denúncias contra CONSIDERANDO a decisão da Plenária
psicólogos, mas decorrente de uma série de fatores Extraordinária do dia 14 (quatorze) de
novembro de 2001, ratificada pela
que culminou com a intervenção no CRP-RJ pelo deliberação da 36ª Plenária realizada do dia
30 de dezembro de 2001;
Conselho Federal de Psicologia durante período CONSIDERANDO a não regularização da
inadimplência no repasse da Cota Parte,
necessário para sanar as irregularidades apontadas, Fundo Revista e Fundo de Seções, dos
valores apropriados e não repassados ao
conforme esclarece a Resolução CFP nº 032/2001. Conselho Federal de Psicologia, conforme
Com a candidatura para compor a XII estabelecem os arts. 9º e 10 da Resolução
CFP no 010/01;
Plenário, a história do CRP-RJ ganhou maior CONSIDERANDO a condição de
insolvência de que trata o art. 6º, letra o da
perspectiva e expressividade, cujo interesse era Lei nº 5.766/71 e art. 6o, inciso XXIV do
Decreto no 79.822/77;
promover a mobilização necessária da categoria, CONSIDERANDO o impedimento da
atuação da Auditoria Externa Independente
visando à reeleição. Como integrante da chapa do Conselho Federal de Psicologia,
eleitoral ―Ética e Compromisso Social‖, comecei a me conforme consta do Termo de Ocorrência
dos auditores [...], da MerConsult Auditores
inteirar sobre os meandros e percalços de um período e Consultores Associados Ltda., datado de
14 de novembro de 2001, em cumprimento
que compreendeu os anos de 1998 a 2001, Gestão do ao teor do Ofício no 1.327/GG-CFP e
determinação do Tribunal de Contas da
IX Plenário e anos de 2001 a 2004, Gestão do X União;
CONSIDERANDO o retardo na
Plenário: constituição da Comissão de Análise para
Concessão do Título Profissional de
Especialista, [...] conforme determinam as
Para compreender o que está em disputa Resoluções CFP nº 014/00 e 02/01;
nestas eleições, é necessário resgatar a CONSIDERANDO a inércia na solução das
história recente do CRP05, o que permite irregularidades na tramitação, instrução e
revelar pontos de contato com a história
julgamento das Representações ou
do País. No Brasil ergue-se uma
resistência tão feroz quanto silenciosa a Denúncias Éticas de responsabilidade da
esse resgate: a memória nacional está Comissão de Ética do CRP-05, no
sepultada, os crimes cometidos pela tratamento necessário à recepção,
ditadura militar (1964 – 1985) continuam tramitação e julgamento das mesmas,
silenciados, os criminosos – torturadores,conforme apontado na Comissão de
membros do aparato repressivo, seus Sindicância instituída pela Portaria CFP no
mandantes políticos e institucionais – 06/01;
permanecem à sombra sem qualquer CONSIDERANDO a inércia na solução das
responsabilização. Também, quanto ao
irregularidades na Gestão Financeira do
CRP05, não é conveniente para alguns
lembrar um período recente do seu CRP-05 [...]
passado. Gestões que até o final de 2002 RESOLVE:
realizaram um processo de desmonte do 1 – Promover intervenção no Conselho
Conselho como órgão público. [...] A Regional de Psicologia da 5ª Região – Rio
incúria administrativa e financeira, o de Janeiro, CRP – 05, durante o período
estilo de gestão personalista e necessário para sanar todas as
centralizador, as irregularidades e o uso irregularidades apontadas, conforme
da instituição no interesse de pessoas e estabelecido no item 4 da presente
grupos, não da categoria profissional
Resolução.
como um todo, conduziram ao
desinteresse, ao descrédito e à
desconfiança da categoria para com o Conselho (http://www.eticaecompromissosocial.org).
265

Como se pode ler, a história do Brasil relativa Resolução Nº 011/2002


Promove a intervenção no Conselho
a determinado período – o da ditadura militar – foi Regional de Psicologia da 5ª Região e dá
outras providências.
chamada à tônica para estabelecer um paralelo entre O CONSELHO FEDERAL DE
os acontecimentos que marcaram aquela época e que PSICOLOGIA, no uso de suas atribuições
legais e regimentais, que lhe são conferidas
―permanecem à sombra sem qualquer pela Lei nº 5.766, de 20 de dezembro de
1971;
responsabilização‖, e os eventos que provocaram ―um CONSIDERANDO o término de vigência
da Resolução CFP nº 032, de 29.11.01, sem
processo de desmonte do Conselho como órgão ter sido possível efetivar a intervenção no
Conselho Regional de Psicologia da 5ª
público [...] e desconfiança da categoria‖ para com a Região – Rio de Janeiro, CRP – 05 até a
instituição. presente data;
CONSIDERANDO a decisão da Plenária
O discurso apresentado pela chapa teve como Extraordinária do dia 14 de novembro de
2001, ratificada pela deliberação da 36a
propósito político-estratégico relembrar uma época, Plenária realizada do dia 30 de dezembro de
2001;
transmitindo aos profissionais uma ideia do que se CONSIDERANDO a não regularização da
inadimplência no repasse da Cota Parte,
passou naquele período da história do CRP-RJ. Logo, Fundo Revista e Fundo de Seções, dos
o discurso histórico convidava para a adesão à chapa, valores referentes até o ano de 2001,
apropriados e não repassados ao Conselho
que também visava garantir que os trabalhos de Federal de Psicologia, [...];
CONSIDERANDO a condição de
reestruturação do Conselho no período da Comissão insolvência de que trata o art. 6º, letra o da
Lei nº 5.766/71 e art. 6o, inciso XXIV do
Gestora (2003-2004) e, posteriormente, na Gestão do Decreto no 79.822/77;
CONSIDERANDO terem sido rejeitadas as
XI Plenário (2004-2007), fossem mantidos, dando Contas do CRP-05 relativa ao ano de 2001;
continuidade ao que se defendia ter sido uma gestão CONSIDERANDO as possíveis
irregularidades apuradas pela Auditoria
democrática e transparente no uso dos recursos da Externa Independente no CRP-05, em
relação à gestão de 1998/2001 e,
autarquia, compromissada com práticas inclusivas e CONSIDERANDO o decidido na Reunião
Plenária de 7 de novembro de 2002,
de respeito às singularidades e rigorosa na observância RESOLVE:
Art. 1º – Promover intervenção no
dos direitos humanos. Conselho Regional de Psicologia da 5ª
Apesar de a Resolução CFP nº 032/2001 haver Região – Rio de Janeiro, CRP – 05, durante
o período necessário para sanar todas as
estabelecido a intervenção no CRP-RJ, tal fato não irregularidades apontadas, conforme
estabelecido no item 4 da presente
ocorreu durante o prazo de vigência da mesma, a Resolução.
Art. 2º - Instituir e dar posse à Junta
despeito das denúncias de irregularidades citadas. Governativa no Conselho Regional de
Psicologia da 5a Região, com poderes de
Desse modo, a Resolução CFP nº 11/2002 foi representação para adotar todos os
emitida, ratificando a deliberação da 36ª Reunião procedimentos de gestão administrativa e
financeira, composta dos seguintes
Plenária que votou pela intervenção do CRP-RJ, membros: Presidente: MIGUEL ANGEL CAL
GONZÁLEZ; demais membros: CARLA MARIELA
estabelecendo, por sua vez, uma Junta Governativa, CARRICONDE TOMASI, DIVA LÚCIA
GAUTÉRIO CONDE, GUSTAVO ARJA
CASTANON, JOSÉ HENRIQUE LOBATO
com poderes de representação para gerir o Conselho, VIANNA, MÁRCIA ALVES TASSINARI, MARIA
JOSÉ ANTUNES COIMBRA.
266

cujos membros foram citados nominalmente no artigo 2º dessa Resolução.


Todavia, ainda levou certo tempo para que a intervenção se concretizasse. A razão
para essa demora deveu-se ao fato de que os Conselhos de Psicologia são dotados de
personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa e financeira, constituindo
em seu conjunto uma autarquia, conforme estabelece o Art. 1º da Lei nº 5.766/71; de modo
que o CFP só possui autoridade para destituir um Plenário eleito se este não puder cumprir
financeiramente com seus compromissos ou declarar insolvência, ou ainda quando não
mantiver o quorum mínimo, seja pela renúncia de conselheiros, seja porque estes respondem a
processos, perdendo o mandato.
Apesar de alguns conselheiros romperem com a Diretoria, a renúncia de alguns deles
não foi suficiente para promover a intervenção114, tampouco o problema administrativo-
financeiro se encaixava nos critérios estabelecidos pelo CFP. Deste modo, foi necessária a
realização de uma audiência pública, no qual todos os psicólogos do Estado do Rio de Janeiro
foram convocados para uma Assembleia Geral realizada em março de 2003, para que
decidissem quanto à situação do CRP-RJ, considerando a sindicância realizada pelo CFP e a
intenção da maioria dos conselheiros que apontavam pela ingovernabilidade do Regional.
Nessa Assembleia Geral, compareceram cerca de 180 a 190 psicólogos115, muitos
levados pelos braços por colegas de profissão que, de alguma forma, estavam envolvidos e
mobilizados com a situação do CRP-RJ. Todos os presentes votaram pela destituição do X
Plenário, à exceção de um psicólogo.
Assim, considerando o princípio da continuidade dos serviços públicos e a decisão da
Assembleia, foi instituída, em 2003, uma Junta Governativa com poderes para dirigir o
Conselho Regional de Psicologia da 5ª Região (CRP-05) até a eleição de novos conselheiros.
Além da direção dos serviços administrativos, foi da competência da Junta Governativa:

I. representar o CRP-05 em Juízo ou fora dele;


II. zelar pela honorabilidade e autonomia da instituição e pelas leis e regulamentos referentes ao
exercício da profissão de Psicólogo;
III. cumprir e fazer cumprir o Regimento Interno;
IV. dirigir os serviços do Conselho Regional de Psicologia;

114
O número mínimo de conselheiros no CRP-05 para que seja declarada insolvência é nove (metade dos 15
conselheiros efetivos, mais 1).
115
Pouco se pensarmos em números de psicólogos inscritos no CRP-05; muitíssimo se considerarmos a
participação em outros eventos, como a convocação para discutir o valor da anuidade e a venda da sede da
Tijuca e de Botafogo, aprovada pela categoria em Assembleia Extraordinária, em novembro de 2008, com a
presença de aproximadamente 20 psicólogos É digno de nota que essa média vem se mantendo ao longo dos
anos, com a participação, em geral, dos próprios conselheiros e funcionários do CRP-05 (JORNAL DO CRP-RJ,
ano 6, nº 21, março 2009).
267

V. criar Grupos de Trabalho para auxiliar na condução dos serviços do Conselho Regional;
VI. representar, mesmo criminalmente, contra qualquer pessoa que infringir disposições legais
referentes ao exercício da profissão de Psicólogo;
VII. dar andamento aos procedimentos de instrução dos Processos Disciplinares do Conselho
Regional.

Encarregada, portanto, de dar andamento à instrução processual, a Comissão de Ética


do CRP-RJ, entre janeiro e abril de 2005, prestou 48 atendimentos telefônicos e 22 pessoais
com vistas a informar os psicólogos sobre os processos em andamento, além de orientar
acerca das denúncias e conduta profissional. Também acolheu demandas judiciais acerca de
perícias ou informações sobre um determinado processo.

Neste período, foram feitas 12 orientações para ofícios jurídicos. A COE ainda analisou 54
processos, ou seja, a assistente técnica verificou os dados dos documentos, a fim de,
posteriormente, encaminhá-los para julgamento. Além disso, foram consultados 63 processos
éticos, procedimento realizado em caso de transferência de regional ou quando alguém pede
informações sobre a existência de processos contra algum profissional. A Comissão enviou
ainda 25 cartas convocando para o andamento de processos ou informando sobre
arquivamentos. Também organizou-se quatro processos para desaforamento, ou seja, já
analisados pelas quatro comissões de instrução e que, portanto, devem ser encaminhados ao
CFP, já que o CRP não está em condições de julgá-los por não ter uma plenária eleita, e 21
representações. Estas se constituem na primeira fase de um processo, sendo resultado de uma
denúncia analisada pela COE, que deve confirmar se realmente houve alguma infração ética.
Em casos afirmativos, são, então, abertos os processos (BOLETIM CRP-05, jun. 2004, p.3).

Esta Comissão Gestora se manteve por 18 meses trabalhando na recomposição


administrativa, financeira e ética do Conselho, assim como promovendo concurso público
para contratação de novos funcionários e, finalmente, organizando nova eleição.
Finalmente, em setembro de 2004, a Chapa ―Ética e Compromisso Social‖ foi eleita,
propondo desenvolver a ―democratização das decisões, transparência no uso dos recursos da
autarquia, compromisso com práticas solidárias, inclusivas e de respeito às singularidades,
participação nos movimentos sociais, e rigorosa observância dos direitos humanos‖
(http://eticaecompromissosocial.blogspot.com/2007_06_01_archive.html).

No Rio de Janeiro, a chapa Ética e Compromisso Social, única inscrita e eleita com 65,78%
dos votos, tomou posse como a XI Plenária do Conselho Regional de Psicologia da 5ª Região
(CRP-05), em 22 de setembro. A cerimônia de posse foi presidida pela Comissão Gestora,
representada por Diva Lúcia Conde, Eliana Vianna e Margarete Paiva. Estiveram presentes
também psicólogos e funcionários do Conselho (BOLETIM CRP-05, dez. 2004, p.8).

O XI Plenário (2004-2007) foi absorvido pelo trabalho intenso dedicado à


reorganização administrativa e financeira, com fiel observância aos processos licitatórios,
implantação da Comissão de Auditoria Interna (CACI), revisão de cargos, carreiras e salários
(PCCS), recadastramento dos psicólogos, diminuição da inadimplência dos psicólogos, além
268

de reformas e obras de manutenção na sede, nas subsedes e no prédio da antiga sede do CRP-
RJ localizada em Botafogo.
Quanto ao trabalho da Comissão de Ética (CoE), esta empreendeu esforços para
regularizar a situação, tendo em vista que os Processos Disciplinares Éticos estavam
paralisados e muitos já haviam prescritos, dada a necessidade de cumprir com a Resolução
CFP nº 005/1988 que não previa a interrupção da prescrição. Este foi, particularmente, um
momento difícil, de muita tensão entre conselheiros e colaboradores da Comissão de Ética.
Ao todo, durante os anos 2005 e 2006 funcionaram, em ritmo frenético, cinco Comissões de
Instrução – uma para cada dia da semana – para evitar a prescrição116 de um enorme número
de processos.

Quando o XI Plenário assumiu a gestão do CRP-RJ, em setembro de 2004, a primeira fase de


trabalho da COE foi marcada pela urgência em analisar os processos que se acumulavam
aguardando andamento [...]. O objetivo foi evitar a prescrição dos processos com prejuízo
para o conceito da profissão junto à sociedade (FURTADO; NOVAES, 2007, p.8).

Quando estes processos não mais corriam o risco de prescreverem117, a Comissão de


Ética pôde empregar outro ritmo aos trabalhos. A psicóloga conselheira-presidente da CoE na
ocasião, Ana Lúcia de Lemos Furtado, compartilhando o sentimento geral dos conselheiros e
colaboradores da CoE de que era preciso fazer mais que instruir e julgar Processos Éticos,
propôs que as Comissões de Instrução criassem e planejassem dispositivos que dessem
enfoque à orientação.
Essa ousadia – já que promovia rupturas no estrato da Comissão de Ética – de criar
dispositivos que servissem para orientar e promover uma reflexão sobre a atuação profissional
articulada com o Código de Ética para além da orientação com vistas a esclarecer os
procedimentos processuais às partes envolvidas em Processos Disciplinares Éticos – foi
determinante para produzir uma nova Comissão de Ética, a ser chamada de ―Comissão de
Orientação e Ética‖ ou ―COE118‖. O valor maiúsculo atribuído ao ―O‖ de ―Comissão‖ serviu

116
Art. 90 - As infrações éticas praticadas pelos psicólogos prescrevem em 05 (cinco) anos, a contar do seu
cometimento ou, quando desconhecido, do conhecimento do fato. Parágrafo único - O processo paralisado há
mais de 3 (três) anos, pendente de despacho ou julgamento, será arquivado de ofício ou a requerimento da parte
interessada. (Código de Processamento Disciplinar, Resolução CFP Nº 006/2001).
117
Art. 91 - § 1º - A prescrição dos processos disciplinares interrompe-se: I - pelo recebimento da representação
pela Comissão de Ética; II - pela citação do denunciado; ou III- por qualquer decisão do Plenário do Conselho
Regional. § 2º - Interrompida a prescrição, todo o prazo prescricional começa a correr, novamente, do dia da
interrupção (Resolução CFP Nº 006/2001).
118
De acordo com o então conselheiro-presidente do CRP-RJ, José Novaes, em comunicação pessoal (2009), foi
durante as reuniões das Comissões de Ética dos Conselhos Regionais no CFP em Brasília que o CRP-RJ marcou
269

para designar o trabalho de ―Orientação‖ que vinha se Quart'éticas


Quart'ética com o tema ―Avaliação
firmando enquanto compromisso ético-político Psicológica no Âmbito Jurídico e o Agir
Ético‖ discutiu as práticas e desafios dos
defendido pela Gestão do CRP-RJ naquele momento. psicólogos que atuam no setor jurídico.
Desta forma, foram organizados eventos que 2009
 Psicologia e RH
priorizavam a discussão e a divulgação do novo Em análise, as Comissões de Instrução do
CRP-05: uma reflexão sobre a prática de
Código de Ética Profissional, que acabara de entrar elaboração de pareceres nos processos
éticos
em vigor. Entre esses, é possível citar a realização de 2008
palestras em Universidades e em outras instituições, Adoção: uma medida de proteção à criança
e ao adolescente?
da oficina Ética para além das Normas, de iniciativa Ligeiramente grávidas: maternidade e
adolescência na contemporaneidade
dos psicólogos Nélio Zuccaro e Eliana Viana, cuja 2007
Saúde Mental do Trabalhador Psicólogo: a
intenção era ―aumentar a visibilidade do aspecto quantas anda?
Desafios da Ética: práticas psicológicas em
orientador da COE e provocar reflexão sobre o agir regime de privação de liberdade
ético-profissional do psicólogo‖ (JORNAL DO CRP- Avaliação Psicológica no Âmbito Jurídico e
o Agir Ético
RJ, maio 2007, p.4). 2006
O Psicólogo e a escrita – possibilidades e
Além desses, houve a organização de um ciclo limites de intervenção
Ética e produção documental do psicólogo
de debates designado ―Quart‟ética‖ – um encontro O lugar do psicólogo na Justiça
Ética para além das normas
temático, aberto aos psicólogos e estudantes de Ética na formação do psicólogo
Psicologia, dedicado à discussão de um tema http://www.crprj.org.br/comissoes/etica/qu
arteticas.html
relevante, comum aos Processos Disciplinares Éticos
ou referente ao cotidiano da Comissão de Ética. Ainda, reuniões de capacitação para os
conselheiros e colaboradores das Comissões de Instrução, com a participação da psicóloga
Zarlete Farias, assistente técnica da COE e do advogado do CRP, Paulo Henrique Teles
Fagundes, e reuniões de trabalho com os psicólogos que atuavam em instituições de
atendimento a casos de denúncia de abuso sexual contra crianças e adolescentes (Sentinela,
CACAV, NACA-FIA, DECAV, entre outras) (FURTADO; NOVAES, 2007).
Tais eventos ou dispositivos organizados pela COE agem enquanto analisadores das
práticas psicológicas, bem como de seus efeitos, cuja intenção é poder intervir nessas práticas
para, assim, poder pensar em novas possibilidades de atuação. Como os dispositivos não
atuam de modo determinista, Bicalho (2005) lembra que não há como garantir que estes
funcionem do mesmo modo, produzindo os mesmos efeitos sempre. ―Assim, todo dispositivo

esta diferença, denominando a Comissão por ―Comissão de Orientação e Ética‖, sendo esta nomenclatura
adotada, posteriormente, por outros Regionais e pelo próprio CFP.
270

se define pelo que detém em novidade e criatividade, pela sua capacidade de se transformar,
por suas práticas na atualidade‖ (BICALHO, 2005, p.36).
Desta forma, é possível vislumbrar o aspecto orientador presente nestes dispositivos,
como explicam Furtado, Moreira e Sertã (2010, p.13).

As perspectivas políticas vigentes no XI Plenário do Conselho Regional de Psicologia do Rio


de Janeiro (CRP-RJ) apontam para uma atitude de orientação à categoria, em detrimento de
uma postura punitiva. Para responder a essa diretriz foram inventadas as Quart’éticas –
debates realizados quinzenalmente119, abertos a todos os interessados, com o objetivo de tratar
as questões que afetam a ética, abrindo as portas da tão temida COE.

Não obstante o mérito do CRP-RJ em pensar a orientação para além dos trâmites
processuais, o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP-SP) se mostrou pioneiro
nessa intenção, adotando, desde 1998, ―uma postura voltada para a orientação e a prevenção,
procurando manter os profissionais informados e estimulando a reflexão sobre questões de
conduta dentro da Psicologia. Quanto mais questionadores forem os profissionais, mais
qualificada será a Psicologia‖ (JORNAL PSI, 2000, s/p).
Para este fim, o CRP-SP vem realizando, ao longo de alguns anos, diversas atividades,
desde reuniões para troca de experiências com professores de Ética e debates sobre a atuação
do psicólogo no âmbito jurídico, até planejar e capacitar as Comissões para conferir agilidade
ao procedimento administrativo das Representações.
A meu ver, essa experiência de trabalho do CRP-SP serve de parâmetro para
reconhecer o quanto o CRP-RJ se dedicou para, em um período breve de quatro anos – entre a
Junta Governativa e o exercício do XI Plenário – recompor administrativa e financeira o CRP-
RJ. Deste modo, a candidatura para a eleição do XII Plenário foi movida pela lembrança deste
esforço e dedicação, carregando enorme expectativa de vitória, continuidade dos trabalhos e
realização das novas propostas.

119
Em 2006, quando a Quart‘ética foi inventada, o evento, ao contrário do que os autores afirmam, ocorria
bimestralmente e não quinzenalmente. No entanto, com o passar dos anos, e a mudança de Gestão, os encontros
passaram a ter frequência trimestral e, finalmente, semestral até se extinguir em 2010.
271

Vencida as eleições, foi realizada uma


cerimônia em 25 de setembro de 2007, quando os
psicólogos eleitos assinaram o termo de posse do XII
Plenário (Gestão 2007 a 2010) e receberam uma Imagem 8: Conselheiros eleitos
(Gestão 2007-2010)
cartilha com a legislação vigente no Sistema Conselheira-presidente do CRP-RJ, Maria
Christina Orrico e Marcia Amendola
Conselhos. assinando o termo de posse e recebendo a
Enquanto conselheira, optei por integrar os cartilha com a legislação vigente no
Sistema Conselhos.
trabalhos da COE, ocupando o lugar de conselheira- Efetivos:
Ana Carla Souza Silveira da Silva -
presidente de uma Comissão de Instrução de 05/18427
Eliana Olinda Alves - 05/24612
Processos Éticos. A COE, na ocasião, sob a Francisca de Assis Rocha Alves - 05/18453
Janaina Barros Fernandes - 05/26927
presidência da conselheira Lygia Santa Maria Ayres, José Henrique Lobato Vianna - 05/18767
empenhou-se, juntamente com as novas Comissões de José Novaes - 05/980
Lindomar Expedito Silva Darós - 05/20112
Instrução e a equipe de assistência-técnica e jurídica, Luiz Fernando Monteiro P. Bravo - 05/2346
Lygia Santa Maria Ayres - 05/1832
em dar continuidade ao que foi arduamente Maria da Conceição Nascimento - 05/26929
Marilia Alvares Lessa - 05/1773
conquistado e, ainda, expandir horizontes, buscando Noeli de Almeida Godoy de Oliveira -
05/24995
estar em contato com a categoria para orientar e Pedro Paulo Gastalho de Bicalho -
discutir velhos e novos possíveis rumos para a 05/26077
Suyanna Linhales Barker - 05/27041
categoria e para o Conselho, para além dos processos Wilma Fernandes Mascarenhas - 05/27822

punitivos. Segundo Lygia Ayres, em palestra realizada Suplentes:


Alessandra Daflon dos Santos - 05/26697
na sede do CRP-RJ como parte do evento Ana Lucia de Lemos Furtado - 05/0465
Ana Maria Marques dos Santos - 05/18966
comemorativo do dia do Psicólogo, em 27 de agosto Cecília Maria Bouças Coimbra - 05/1780
de 2008, o grande desafio da COE é ―sair desse lugar Elizabeth Pereira Paiva - 05/4116
Érika Piedade da Silva Santos - CRP
de penalização‖ estrita, para pensar os princípios que 05/20319
Fernanda Brant Gabry Stellet - 05/29217
norteiam a prática em Psicologia (AYRES, 2008b, Karine Neves Mourão - 05/28863
Luciléia Pereira - 05/29453
s/p). Marcia Ferreira Amendola - 05/24729
Maria Márcia Badaró Bandeira - 05/2027
O I Fórum de Ética, ocorrido em 04 de Rosilene Souza Gomes de Cerqueira -
novembro de 2008, foi mais um desses mecanismos 05/10564
Samira Younes Ibrahim - 05/7923
de discussão resultante da política de orientação que Vanda Vasconcelos Moreira - 05/6065
Vivian de Almeida Fraga - 05/30376
norteava aquele Plenário. Ideia nascida na Gestão
272

anterior, acolhida e implementada pelos conselheiros que sucederam – tal dispositivo buscou
discutir a elaboração de laudos psicológicos em razão de este ser o objeto de denúncia da
maior parte dos Processos Disciplinares Éticos contra psicólogos junto ao Conselho120.
Cabe ressaltar, contudo, que os eventos promovidos pelo CRP/COE não visavam
apenas à orientação do profissional a fim de decrescer o número de Processos Disciplinares
Éticos, mas, sobretudo, que os psicólogos pudessem participar, contribuindo com suas
experiências, com questões e críticas. Desta forma, a partir desses eventos, abriu-se um canal
de comunicação na qual a COE buscava zelar pela profissão, garantindo qualidade do serviço
psicológico tanto à sociedade, trabalhando na defesa desta última (usuária dos serviços
psicológicos), quanto ao psicólogo, atuando e ―contribuindo para o desenvolvimento da
Psicologia como campo científico de conhecimento e de prática‖, conforme preconiza a
Resolução CFP nº 010/05 que institui o Código de Ética Profissional do Psicólogo.
Outra investida foi o levantamento dos dados de Processos Disciplinares Éticos, não
apenas estatísticos, mas, e principalmente, pelo viés da Análise do Discurso, lançando um
olhar sobre as práticas discursivas apresentadas pelos psicólogos. Os dados analisados, até
aquele momento, revelaram uma elevação do número de questionamentos e de abertura de
Processos Disciplinares Éticos decorrentes da produção de documentos escritos fruto de
avaliação psicológica para fins de subsidiar decisões judiciais121.
Atualmente, conforme comunicação pessoal de Zarlete Farias (2011), psicóloga
assistente técnica da COE, a atual Gestão do CRP-RJ (2010-1013) está implementando um
banco de dados informatizado que poderá, em futuro breve, fornecer informações sobre os
processos éticos com agilidade. Tal ambiente informatizado poderá ser empregado para
análises estatísticas de maior amplitude, uma medida que, inclusive, interessou o CRP-SP
que, em 2011, esteve na COE do CRP-RJ para conhecer este sistema.
Assim, o trabalho da COE do CRP-RJ, ao longo de praticamente uma década (2001-
2011), e por conta de uma infinidade de atravessamentos, ganhou contornos próprios. Embora
tenha por base os regimentos que a dirigem, foram os acontecimentos e as inúmeras
contribuições de conselheiros e colaboradores naquele período que permitiram com que a
COE criasse dispositivos próprios que visassem à orientação, concebendo ética para além das
normas. Aliás, em relação às normas, houve uma série de mudanças naquele mesmo período.

120
O CRP/COE investiu na gravação do evento em DVD, material este que foi distribuído aos psicólogos
participantes, durante a realização do II Fórum de ética sediado em um hotel em Copacabana.
121
Esse trabalho foi paralisado por decisão da própria COE, muito provavelmente por falta de disponibilidade de
horário de seus colaboradores.
273

Até 2001, estava em vigor a Resolução CFP nº 005/1988 que instituía o Código de
Processamento Disciplinar, após, entrava em vigência a Resolução CFP nº 006/2001, para ser
modificada em 2007 com a Resolução CFP nº 006/2007, conforme mencionei anteriormente.
O mesmo ocorreu com a Resolução CFP nº 010/2005 que institui o Código de Ética
Profissional do Psicólogo. Neste caso, foi preciso fazer a equivalência dos Códigos de Ética
Profissional do Psicólogo de 1987 e de 2005, pois não pode o psicólogo denunciado sofrer
prejuízo com a vigência da norma que veio substituir a anterior (que vigia na ocasião de
protocolada a denúncia), ou seja, não pode a norma retroagir sua eficácia para prejudicar o
denunciado.
Dentro dessa premissa, houve grande movimentação na COE do CRP-RJ na tentativa
de proceder à equivalência dos Códigos em Representações em fase de instrução e nos
Processos Éticos já instaurados. Como até meados de 2006 o CFP não havia encaminhado aos
Conselhos Regionais orientações acerca de como procederem à equivalência, coube à própria
COE do CRP-RJ fazer um estudo nesse sentindo, contando com a assessoria jurídica
disponível no Conselho. Dessa análise comparativa dos Códigos de Ética originou uma tabela
de equivalência122 que foi utilizada pelas Comissões de Instrução, a despeito das críticas e
dificuldades enfrentadas para ajustar os processos éticos às novas normativas.
Um dos problemas encontrados pela COE nos idos dos anos de 2005 e 2006 foi,
portanto, promover esse ajuste no interior das Representações e Processos éticos por conta e
risco próprios, bem como orientar denunciantes e psicólogos denunciados acerca das
alterações dos artigos citados em decorrência da nova legislação. Na ocasião, porém, muitos
psicólogos denunciados arguiram que havia cerceamento de defesa, solicitando anulação do
processo ético ou novo prazo para apresentar suas argumentações, considerando os ―novos‖
artigos.
Essa discussão, como é possível notar, remete à atuação das Comissões de Orientação
e Ética, bem como aos procedimentos a serem cumpridos por ela e que estão dispostos no
Código de Processamento Disciplinar, fundamentais para a análise das Representações e
Processos Éticos na pesquisa em tela.

2.4.2 Os trâmites processuais: a Comissão de Orientação de Ética em ação

122
Em anexo C: equivalência dos Códigos de Ética Resolução CFP nº 002/1987 e CFP nº 010/2005.
274

De acordo com o Regimento Interno do CRP Regimento Interno do Conselho


Regional de Psicologia – 5ª Região
do Rio de Janeiro, o trabalho da Comissão de Art. 19. A Comissão de Orientação e Ética
(COE), órgão especial de assessoramento
Orientação e Ética (COE) do Conselho Regional do ao Plenário e à Diretoria do Conselho
Rio de Janeiro (CRP-RJ) visa assessorar o Plenário e a Regional de Psicologia – 5ª Região, tem
como função instruir as representações e
Diretoria do Conselho no que tange à instrução das processos éticos consoante às diretrizes do
Código de Ética Profissional do Psicólogo
Representações e Processos Disciplinares Éticos (CEPP) e do Código de Processamento
Disciplinar – (CPD), das Resoluções e Leis
(PDE) consoante às diretrizes do Código de Ética afins bem como desenvolver estudos e
programas relativos à ética profissional.
Profissional do Psicólogo (CEPP) e do Código de Art. 20. A Comissão de Ética será integrada
Processamento Disciplinar (CPD). por, no mínimo, 03 (três) psicólogos, sendo
o seu Presidente necessariamente um
A despeito de o texto remeter ao CRP do Rio Conselheiro Efetivo, podendo os demais
integrantes serem conselheiros ou
de Janeiro, a descrição é compatível com o disposto psicólogos convidados, indicados e
aprovados pelo Plenário.
no CPD – documento legal que instrumentaliza os Art. 21. É facultado à Comissão de
Orientação e Ética constituir Comissão de
Conselhos Regionais de Psicologia na apuração de Instrução, para desempenhar suas
faltas disciplinares e de infrações ao Código de Ética atribuições.
Parágrafo Único - A Comissão de Instrução
praticadas por psicólogos no exercício profissional ou será composta de no mínimo 03 (três)
psicólogos, observados os seguintes
no cargo de Conselheiro eleito (Art.1º, Resolução CFP critérios:
a) Pelo menos um de seus membros deverá
nº 006/2007) – sendo, portanto, regra aplicável para as ser um conselheiro integrante da COE
que a presidirá.
COE dos demais Conselhos Regionais de Psicologia. b) o psicólogo deverá estar regularmente
De tal modo que é atribuição dos Conselhos Regionais inscrito no respectivo CRP;
Art. 22. Incumbe à Comissão de Orientação
operarem como um Tribunal Regional de Ética, por e Ética instruir os processos por possíveis
infrações éticas ou disciplinares, responder
meio das COE, recebendo denúncias, instruindo e às consultas e tomar as medidas necessárias
para:
instaurando processos, para julgar de acordo com os I – Apropriar-se da legislação interna e
externa referente ao exercício profissional,
preceitos do CEPP, e, por fim punir o profissional – bem como das diretrizes definidas pela
caso seja considerado que ele tenha violado algum autarquia para a área; [...]
VII – assessorar o Plenário e a Diretoria
desses preceitos –, dentro de uma lógica e discursos [...];
VIII – receber e conduzir as representações,
jurídicos, próprios da processualística penal, com os processos, responder as consultas,
orientar os psicólogos e tomar as medidas
vistas a garantir à sociedade a lisura e a relacionadas à legislação interna, ao Código
de Ética Profissional do Psicólogo, ao
imparcialidade necessárias à apuração dos fatos.
Código de Processamento Disciplinar.
O trabalho da COE é, portanto, computado em
termos de uma produção vinculada aos trâmites ou ritos processuais. Um exemplo é a tabela 4
intitulada ―O Trabalho da Comissão de Ética‖ com os dados estatísticos de Representações e
Processos Éticos em tramitação no CRP de São Paulo (Jornal PSI, fev/mar 2009).
275

Tabela 4 – O Trabalho da Comissão de Ética – CRP-SP (2005-2011)

2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011


Representações e Processos em tramitação --- 274 336 341 397 386 385
Representações recebidas no ano 76 107 73 75 83 92 85
Representações apreciadas em Plenária 102 76 47 87 118 72 99
Julgamentos realizados 22 20 14 22 1 35 55
Censura pública 5 7 6 6 1 9 10
Advertência 9 7 16 17 1 15 27
Multa (Art. 55 - Decreto 79.822/77) 0 0 0 0 0 1 0
Suspensão do exercício profissional por 30 dias 1 1 1 0 0 1 0
Cassação do exercício profissional 1 0 0 1 0 1 2
Arquivamento 6 5 3 2 0 8 16
Processos pendentes de julgamento 6 27 37 45 * * *
Fonte: Jornal PSI do CRP-SP (fev/mar 2009), Relatório de Gestão XII Plenário – Triênio 2007-2010 e consulta direta
ao Departamento de Ética do CRP-SP em 2012.
*Sem informação

Outro exemplo dessa produção em termos estatísticos foi divulgado pela Comissão de
Ética do CRP do Paraná (Revista Contato, set/out 2007). Como uma forma de prestação de
contas dos trabalhos desenvolvidos na COE, estes Conselhos apresentaram os resultados via
exposição das penalidades decididas em julgamento.

Tabela 5 – O Trabalho da Comissão de Ética – CRP-PR (2004-2006)

2004 2005 2006


Representações e Processos em tramitação 11 8 13
Julgamentos realizados 11 8 8
Advertência 1 --- 3
Censura pública 3 1 1
Multa (Art. 55 - Decreto 79.822/77) 0 0 0
Suspensão do exercício profissional por 30 dias 1 1 ---
Cassação do exercício profissional 2 2 ---
Arquivamento 4 4 4
Processos pendentes de julgamento 5
Fonte: Revista Contato CRP-PR (set/out 2007)

Compondo a COE, estão psicólogos ocupando os papéis de conselheiros eleitos,


colaboradores e funcionários, cada um com suas funções e responsabilidades, algumas
compartilhadas, outras não.
Para constituir, mais especificamente, as Comissões de Instrução de Processos
Disciplinares Éticos (abreviadamente, Comissão de Instrução – CI), estão psicólogos
conselheiros e colaboradores que contribuem, não apenas com seu conhecimento, mas
disponibilidade de tempo e vontade para o trabalho, tendo em vista que a atividade não é
remunerada, mas honorífica.
276

Em outros termos, conselheiros e Resolução CFP nº 003/2007


DAS DISPOSIÇÕES ESPECIAIS
colaboradores trabalham em nome da honra123, sem CAPÍTULO I
DAS DESPESAS COM REUNIÕES E
proveito material, apenas recebendo ajuda de custo, OUTRAS
para ressarcimento de despesas com alimentação e
Art. 79 - As diárias pagas pelos Conselhos
transporte urbano, conforme disposto na Resolução Federal e Regionais de Psicologia são
destinadas ao ressarcimento de despesas
CFP nº003/2007. com alimentação e transporte urbano de
Conselheiro, convidado, empregado ou
Exatamente por serem psicólogos, que prestador de serviços, realizadas fora do
município de residência, quando em viagem
conselheiros e colaboradores têm diante de si o a serviço do Conselho.
desafio e uma dupla função: enquanto psicólogos, § 1° - As despesas com hospedagem,
quando necessária, serão providas pelo
devem conhecer e cumprir com as disposições do Conselho que autorizou o serviço, salvo
acordo entre as partes.
Código de Ética Profissional do Psicólogo; enquanto § 2° - O ressarcimento de despesas de
transporte e/ou alimentação, quando
integrantes das COEs, têm a responsabilidade de, ao realizadas a serviço do Conselho no
município de residência, será feito através
conhecer o Código de Ética e demais Resoluções, de ajuda de custo.
aplicá-los na condução e julgamento dos Processos Art. 80 - Os valores de diárias e ajuda de
custo serão fixadas por meio de resolução
Disciplinares Éticos em desfavor de outros psicólogos. de cada Conselho, tendo como parâmetro os
valores de mercado dos serviços a que se
Assim, no cumprimento dessa tarefa, o refiram.
Parágrafo único - Os valores de diárias e
psicólogo-conselheiro e o psicólogo-colaborador da ajudas de custo estabelecidos pelo Conselho
Federal de Psicologia serão o limite
COE dispõem, atualmente, da Resolução CFP máximo para os valores estabelecidos pelos
nº006/2007 que institui o Código de Processamento Conselhos Regionais de Psicologia.
Art. 81 - As despesas com diárias serão
Disciplinar, ordenando matéria referente à instrução autorizadas pelo Presidente do Conselho
Federal ou do Conselho Regional de
(condução) e julgamento de Processos Disciplinares, Psicologia até o limite de 3 (três) para cada
Conselheiro, convidado, empregado ou
sejam estes: Ordinário, Funcional e Ético. prestador de serviços em um mesmo
deslocamento, ou pela Diretoria, em casos
O primeiro – Processo Disciplinar Ordinário – que ultrapassem este limite.
diz respeito à infringência de natureza administrativa, Art. 82 - Quando, para atender as
necessidades dos Conselhos Federal e
ou seja, considera-se infração administrativa, também Regionais de Psicologia, o Conselheiro,
convidado, empregado ou prestador de
compreendida como exercício irregular da profissão, serviços utilizar-se de veículo próprio para
locomoção, o ressarcimento das despesas se
na situação em que o psicólogo atua, por exemplo, em fará por quilômetro rodado, de acordo com
o disposto em resolução ou portaria editada
Regional diferente ao de sua inscrição principal sem pelo Conselho que está sendo servido [...]
solicitar inscrição secundária, por mais de 90 dias.

123
Na prática, existe uma ajuda de custo no valor de cem reais* para oito horas de trabalho pagas aos integrantes
das Comissões de Instrução que não podem exceder esse limite de tempo de serviço por semana. Além das
ajudas de custo, há diárias pagas àqueles que moram fora do município em que está a sede do Conselho
Regional. O pagamento é destinado à alimentação e transporte, conforme estabelecido pela Resolução CFP nº
003/2007. *Os valores podem sofrer reajuste.
277

Ainda, conforme disposto na Resolução CFP n° 008/2008, Art.42 – Será considerada infração
disciplinar sujeita ao processo disciplinar ordinário:

a) manter pessoa física no exercício profissional em período de suspensão/cassação ou com o


registro cancelado;
b) contratar ou acobertar pessoa não habilitada para o exercício da profissão ou sem inscrição
profissional;

No caso de Processo Disciplinar Funcional, a COE deverá apurar possível infração


disciplinar praticada por conselheiro no exercício do cargo, primando pela celeridade. Desta
forma, a COE tem prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período, para apurar as
irregularidades e comunicar a decisão, de ofício, ao Presidente do Conselho Regional de
Psicologia (Art. 11). Enquanto aguarda a apuração da falta disciplinar, o conselheiro
representado poderá ser afastado preventivamente de suas funções.

Art. 12 - Após o recebimento dos esclarecimentos por escrito, e não havendo necessidade de
se proceder a novas diligências, a Comissão de Ética elaborará relatório conclusivo,
encaminhando ao Plenário.
§ 1º - Quando o fato narrado não configurar evidência ou indício de infração funcional, a
Comissão de Ética requererá ao Plenário do Conselho Regional de Psicologia o imediato
arquivamento da representação, por falta de objeto.
§ 2º- Suficientes as provas para se caracterizar a falta disciplinar funcional, o Presidente da
Comissão de Ética oferecerá Pedido de Instauração do Processo em desfavor do Conselheiro
(RESOLUÇÃO CFP nº 006/2007).

É comum que o Plenário do Conselho Regional declare-se impedido124 de proceder ao


julgamento do conselheiro, por dificuldade de assegurar a imparcialidade e a isenção,
podendo requerer o desaforamento125 do processo para o Conselho Federal, que indicará outro
Conselho Regional para o julgamento.
Quanto ao Processo Disciplinar Ético (PDE) – foco dessa pesquisa – refere-se à
obrigatoriedade de o CRP apurar faltas e infrações ao Código de Ética Profissional do
Psicólogo (CEPP) cometidas por psicólogos no exercício da profissão.

124
Os critérios que atestam o impedimento de o conselheiro julgar matéria referente a processos éticos são
objetivos e estão expostos no CPD, Título V, Capítulo III, onde declara que estão absolutamente impedidos
participar do processo os parentes até terceiro grau; aqueles que de qualquer forma tenham se envolvido com o
fato objeto da representação; que tenham, publicamente, sobre este emitido juízo de valor; e que tenham ou
tenham tido relação de vínculo profissional com o psicólogo processado ou o denunciante.
125
Desaforamento de uma Representação ocorre quando o CRP de origem não tem condições de instruir ou
julgar processos éticos, como no caso do CRP-05 na época da Comissão Gestora. Neste caso, cabe ao CFP, em
cumprimento à determinação da Secretaria de Orientação e Ética, escolher um CRP com Plenária eleita para
encaminhar as representações éticas para análise e julgamento, devendo o Processo retornar ao CFP após o fim
dos expedientes, conforme CPD.
278

Para auxiliar na compreensão do mecanismo que opera a COE, especialmente no que


concerne aos trâmites processuais, apresento vários fluxogramas ao longo da discussão,
elaborado de forma adaptada e somente como referência, de modo que eu possa discorrer
sobre o assunto de forma mais livre e de acordo com os interesses dessa pesquisa.
Imagem 9 - Fluxograma - Etapa de Representação

Denúncia
no CRP

COE

Sem Com
Materialidade Materialidade

Abertura de
Representação

Esclarecimentos
do Psicólogo

Representação
vai para CI

S
Entrevista de Entrevista
Esclarecimento esclarecimento?

Elaboração de
parecer

Parecer segue
para Plenária

Plenária: leitura e
votação do Parecer

Plenári

N
Aprovado?

Instaura
Volta CI para pedido
1 processo?
de reconsideração
S
Plenári
N

2
279

S
Há pedido
Elaboração de
de reconsid.
parecer
?

Parecer segue
N
para Plenária

Plenária: leitura e
votação do Parecer

Plenári

N S Instaura N
Aprovado? processo?

2
S

Instauração de Arquivam. da
processo representação

Plenári

N N
Há recurso Há recurso
no CFP ? no CFP ?

S S

N N
CFP mantém CFP mantém
decisão CRP decisão CRP

S
S

Instauração de Arquivam. da
processo representação

Plenári

Arquivam. da Instauração de
representação processo

Plenári
280

Para que haja um PDE, é necessário que seja Resolução CFP nº 006/2007
Ementa: Institui o Código de
protocolada denúncia acerca da atuação/conduta Processamento Disciplinar.
CAPÍTULO I
profissional de psicólogos. Isso implica que, para Dos Atos Preliminares
haver denúncia, o Conselho Regional de Psicologia Art. 19 - A representação, como disposto
no Artigo 2º deste Código, deverá ser
precisa ser legitimamente provocado. À semelhança apresentada diretamente ao Presidente do
respectivo Conselho, mediante documento
dos processos judiciais, a COE só pode agir sobre escrito e assinado pelo representante,
contendo:
fatos acontecidos. É, portanto, sua função resgatar os a) nome e qualificação do representante;
b) nome e qualificação do representado;
acontecimentos passados como se estivessem c) descrição circunstanciada do fato;
acontecendo no momento presente com o objetivo de d) toda prova documental que possa servir à
apuração do fato e de sua autoria; e
julgá-los. Para tanto, requer que seja analisada a e) indicação dos meios de prova de que
pretende o representante se valer para
materialidade do ilícito e se há indício de autoria, sem provar o alegado.
Parágrafo Único - A falta dos elementos
conduzir ou suprimir elementos que possibilitem o descritos das alíneas "d" e "e" não é
impeditiva ao recebimento da
adequado julgamento. representação.
Por sua vez, a denúncia deve ser protocolada Art. 20 - Recebida a representação, o
Presidente do Conselho Regional de
no CRP da região em que o psicólogo denunciado Psicologia a remeterá à Comissão de Ética,
que procederá a apuração, de acordo com o
esteja atuando, respeitando o critério de disposto neste Código.
Art. 21 - Com base nos elementos que
territorialidade. Segundo esse critério, o profissional constam da representação, a Comissão de
Ética poderá:
deve ser denunciado e julgado pelo CRP da região em a) propor a exclusão liminar da
que (possivelmente) cometeu infração aos preceitos representação;
b) notificar o representado para prestar
do Código de Ética, mesmo que não tenha sua esclarecimentos por escrito no prazo de 15
(quinze) dias, a contar da data da ciência da
inscrição naquele Regional. Por carta precatória, no representação que consta no AR, ou na
cópia do documento, caso seja entregue em
entanto, o CRP de origem pode assumir e realizar mãos;
c) na hipótese dos esclarecimentos por
alguns atos processuais, tal como a oitiva de escrito serem insuficientes à formação de
testemunhas. convicção, poder-se-á convocar uma ou as
duas partes para comparecer ao Conselho
De acordo com a Resolução CFP nº006/2007, Regional e prestar outras informações que
entender indispensáveis.
a denúncia protocolada ganhou o nome oficial de Parágrafo Único - Na análise da
representação é facultado à Comissão de
―Representação‖. Esse termo abrange toda a fase Ética, a qualquer momento, determinar
diligências para obter mais informações
preliminar ou de sindicância do PDE em que a
acerca do teor da representação.
Comissão de Orientação e Ética (COE) – entidade
responsável pela instrução processual com base no Código de Ética (e demais Resoluções) –
verifica aspectos como a pertinência e materialidade da denúncia.
281

c) na hipótese dos esclarecimentos por escrito serem insuficientes à formação de convicção,


poder-se-á convocar uma ou as duas partes para comparecer ao Conselho Regional e prestar
outras informações que entender indispensáveis.
Parágrafo Único - Na análise da representação é facultado à Comissão de Ética, a qualquer
momento, determinar diligências para obter mais informações acerca do teor da
representação.

A denúncia, doravante Representação, ao ser protocolada no CRP, deve conter,


minimamente, alguns elementos que a qualifique: conter a descrição dos fatos por escrito, os
dados de identificação do denunciante (representante) e do psicólogo denunciado
(representado), estar assinada e indicar meios de prova.
Nestes termos, quando há comunicação anônima de fato que possa indicar possível
infração disciplinar, o CRP deve assumir a Representação de ofício. O critério, portanto, para
que o CRP assuma denúncia de ofício é que haja, primeiramente, um representante, podendo
este ser a Comissão de Orientação e Fiscalização (COF) ou qualquer órgão interno, bem como
qualquer conselheiro que tenha sido comunicado acerca de possível infração ao Código de
Ética Profissional.

Art. 2º - Os processos disciplinares serão iniciados mediante representação de qualquer


interessado ou, de ofício, pelos Conselhos de Psicologia, por iniciativa de qualquer de seus
órgãos internos ou de seus Conselheiros, efetivos ou suplentes (Resolução CFP nº 006/2001).

Diferentemente do que expôs Frizzo (2004)126, não está estabelecido em norma que as
denúncias anônimas devam ser assumidas pela presidência da COE, embora este
procedimento seja o mais corriqueiro, tampouco ficou instituído que o critério para que a
COE assuma de ofício uma Representação seja ―a gravidade da situação que se apresenta‖
(p.61). Não se trata da gravidade, mas da pertinência e se há materialidade para o fato
alegado, considerando que o Conselho Regional não pode perquirir e produzir provas contra o
psicólogo, mas apenas valorar a prova, ou seja, fazer juízo de admissibilidade. Logo, quando a
COE toma conhecimento de fatos que possam indicar uma possível infração ao Código de
Ética, deve assumir a Representação de ofício contra o psicólogo juntamente com os meios de
prova, sejam estes documentais ou testemunhais. Havendo necessidade, pode dispor do
expediente das diligências à COF.

126
Cabe esclarecer que, embora a análise de Frizzo (2004) tenha recaído sobre o CPD anterior (Resolução CFP
nº 006/2001), não houve alteração significativa no conteúdo da matéria posta em análise para a Resolução CFP
nº 006/2007.
282

Para realizar a instrução processual, são organizadas Comissões de Instrução (CI) –


compostas por, no mínimo, um conselheiro e dois colaborados127–, que iniciam os trabalhos
pela apreciação da pertinência da queixa, ou seja, se a denúncia corresponde ou não à atuação
de psicólogo no exercício de sua profissão.
Quando há necessidade de imprimir celeridade às atividades que envolvam a análise e
instrução processual, o conselheiro-presidente da COE poderá, dentre as suas atribuições,
fazer uma apreciação prévia das denuncias que chegam ao CRP, como comenta Brônia
Liebesny, membro da Comissão de Ética do CRP-SP para o Jornal PSI (2000, s/p).

A apreciação prévia é feita porque há casos de denúncias que são [excluídas liminarmente]
[...]. ―Por exemplo, a briga de uma síndica que também seja psicóloga com moradores do seu
prédio; um caso desses não pode ser analisado por nós. Apesar de envolver um problema
ético, não se enquadra nos fins do Conselho por não se tratar de um problema ligado ao
exercício profissional‖.

Na eventualidade de o teor da denúncia se apresentar ininteligível, a Comissão poderá


convocar o representante para prestar esclarecimentos por meio da realização de uma
Entrevista de Esclarecimentos. O não comparecimento deste à entrevista implica, em geral, na
exclusão liminar e arquivamento da Representação. O mesmo se dará na falta de elementos de
prova ou de indicação destes pelo representante nesta fase preliminar.
Por ocasião do comparecimento tanto do representante quanto do psicólogo
representado ao CRP, será exigida a assinatura de um termo de confidencialidade, o qual
determina que ambos devam guardar sigilo das informações contidas nos PDE. Condição esta
igualmente compartilhada com os psicólogos conselheiros e colaboradores, funcionários,
testemunhas, enfim, por todos aqueles que, de algum modo, vierem a ter acesso ou
conhecimento sobre os processos, estando vetada qualquer menção ao conteúdo.
A exceção recai somente para a comunicação sobre a existência de PDE em desfavor
do psicólogo, bem como do nome das pessoas envolvidas. Esta concessão deve ser emitida
pelo CRP quando formalmente requerida e para fins específicos, que devem ser
fundamentados junto à autarquia. Essa possibilidade de comunicação se extingue com o
arquivamento da Representação.

127
A CI é sempre composta por número ímpar de participantes, para que possa haver a possibilidade de
desempate caso haja a necessidade de votação.
283

Quando a Representação referir-se ao Das Provas


Resolução CFP nº 006/2007
desempenho profissional, a Comissão de Instrução SEÇÃO III
Art. 38 - As provas poderão ser
deverá verificar se há ou não indícios de possível documentais, testemunhais e técnicas,
infração ao Código de Ética, bem como se há meios entendendo-se por provas documentais
quaisquer escritos, instrumentos públicos ou
de prova. particulares e representações gráficas.
§ 1º - O rol de testemunhas, as provas
Na circunstância de o CRP decidir pelo documentais e a pretensão de realização de
prova técnica serão apresentadas pelo
arquivamento da denúncia nesta fase preliminar, por denunciante, por ocasião da representação.
§ 2º - As provas documentais serão
entender que não há indícios de infração, o apresentadas pelo psicólogo processado,
representante poderá recorrer da decisão, interpondo junto com a defesa, e as provas
testemunhais e técnicas poderão ser
recurso junto ao Conselho Federal. Neste caso, caberá apresentadas nesse momento ou serão
requeridas, nesta oportunidade, sob pena de
ao CFP nova apreciação da denúncia, visando à preclusão.
§ 3º - Quando se tratar de procedimento
instauração ou não de Processo Disciplinar Ético. instaurado de ofício, as provas documentais
deverão acompanhar a representação.
Em se configurando a possibilidade de haver § 4° - Na análise do processo disciplinar, a
infração, a Comissão de Instrução deverá notificar o Comissão de Ética, sempre que julgar
necessário, poderá solicitar diligência com
psicólogo representado para que apresente o objetivo de obter mais elementos de
prova.
―Esclarecimentos‖ por escrito, sobre matéria em que
está sendo acusado de cometer infração (substituindo a antiga nomenclatura ―Defesa Prévia‖).
Se os esclarecimentos prestados forem insuficientes à formação de convicção, a Comissão de
Instrução poderá, ainda, convocá-lo para uma Entrevista de Esclarecimentos, com o fito de
sanar possíveis dúvidas que persistirem à Comissão.
O psicólogo representado poderá, desde já, reservar o direito de se fazer representar
por advogado, se for de seu interesse. Nada o impedirá, porém, de constituir um representante
legal em qualquer outra etapa da instrução processual, ou mesmo apenas para representá-lo no
julgamento.
A defesa do psicólogo é um direito que deverá Das Nulidades
Resolução CFP nº 006/2007
ser a ele garantido, sendo, portanto, uma obrigação do CAPÍTULO IX
CRP assegurá-la sob o risco de incorrer em nulidade. Art. 82 - A nulidade ocorrerá nos seguintes
casos:
Deste modo, a COE deverá se certificar que o I - por suspeição reconhecida de um
membro da Comissão de Ética ou da
psicólogo representado recebeu a comunicação Comissão de Instrução, quando da
instrução, e do Conselho, quando do
(notificação, citação) para que apresente seus julgamento;
II - por ilegitimidade de parte;
esclarecimentos (antiga Defesa Prévia), na fase III - por falta de cumprimento das
preliminar, bem como sua defesa escrita e alegações formalidades legaisprevistas no presente
Código.
284

finais, na fase processual. Somente será considerado Parecer


Resolução CFP nº 006/2007
revel o psicólogo que, após ser notificado, ou após Art. 23 - As propostas de exclusão liminar
da denúncia ou instauração de processo
estarem esgotadas todas as tentativas de notificá-lo devem ser encaminhadas ao Plenário com
(via correio, publicação em jornal de grande parecer por escrito da Comissão de Ética.
§ 1º - O parecer da Comissão de Ética
circulação e Diário Oficial), não apresente sua defesa conterá a síntese dos fatos e as razões do
parecer, devendo, no caso de instauração de
no prazo estabelecido. processo, haver a indicação dos artigos do
Código de Ética Profissional, das
Considerando que a defesa do psicólogo é resoluções ou da legislação específica, que
teriam sido infringidos.
imprescindível no curso da instrução processual, para § 2º - Da decisão do Plenário, de aprovar ou
garanti-la, a COE será obrigada, em última instância, a não o parecer da Comissão de Ética, caberá
pedido de reexame, por solicitação
nomear um defensor dativo, ou seja, um psicólogo que fundamentada de qualquer Conselheiro
presente, no prazo de 5 (cinco) dias da
esteja regularmente inscrito no CRP e que não esteja decisão.
§ 3º - Inexistindo o reexame previsto no
respondendo a processo por infração ao Código de parágrafo anterior, será dada ciência às
partes interessadas, que poderão solicitar
Ética, para fazer a defesa do psicólogo representado. reconsideração da decisão do Plenário do
Este psicólogo, ao assumir o papel de defensor dativo, CRP, no prazo de 5 (cinco) dias, a contar da
data da ciência que consta no AR, ou em
estará igualmente comprometido com o sigilo das outro recibo.
§ 4º - Havendo pedido de reconsideração ao
informações, tendo em vista que receberá uma cópia Plenário do CRP, será dada oportunidade
para a outra parte pronunciar-se acerca das
integral da Representação/Processo. Ademais, terá um razões do pedido, em igual prazo.
§ 5º - Na hipótese prevista no parágrafo
prazo de 30 dias, prorrogável por mais 30, para anterior, será designado um conselheiro
apresentar a defesa por escrito; atividade esta com relator, que deverá apresentar relatório ao
Plenário no prazo de 15 dias da indicação,
remuneração fixada. prorrogável pelo mesmo período sob
justificativa.
A morosidade no julgamento, por sua vez, § 6º - Da decisão do Plenário do Conselho
Regional, em pedido de reconsideração,
advém dessa situação, bem como de circunstâncias em somente a de arquivamento da denúncia
caberá recurso ao Conselho Federal de
o psicólogo representado tarda a oferecer sua defesa, Psicologia, sendo titular do direito de
seja com pedidos de dilatação de prazo, seja com a recorrer, a parte denunciante, no prazo de
30 (trinta) dias, como disposto no Art. 74.
recusa de recebimento de correspondência como
manobra para levar o Processo Disciplinar Ético à prescrição.
Associados ou não a esses elementos, a demora advém, na maioria das ocasiões, pelo
fato de a instrução processual, por si só, demandar tempo para que as Comissões de Instrução
(CI) procedam à análise e à elaboração de Parecer. Tal documento deverá conter um histórico
dos fatos, teor da denúncia, esclarecimentos do psicólogo representado e uma fundamentação
com base nos elementos de prova para justificar a indicação de instauração de Processo Ético
285

propriamente dito ou o arquivamento da Representação128. O parecer deverá ser lido e votado


em Reunião Plenária, quando a decisão deverá ser comunicada às partes.
Outras atribuições das CI que demandam tempo dizem respeito à realização de
entrevistas de esclarecimentos, oitivas com testemunhas e tomadas de depoimentos das partes,
caso sejam solicitadas.
Considerando, ainda, as eleições e mudanças de Gestão do CRP, com a entrada de
novos psicólogo-conselheiros para assumir os trabalhos das Comissões permanentes, a
capacitação dos mesmos para os trabalhos nas CI da COE, uma denúncia, após iniciada a
instrução processual – que pode demorar até três anos para ser iniciada, conforme prevê o
CPD –, poderá, ainda, levar de 03 a 05 anos a mais, em média, para ser conduzida a
julgamento, tomando os cuidados para não haver prescrição.
A preocupação com a demora na instrução processual, portanto, na devida execução
dos ritos processuais, fez com que tanto o CRP-RJ quanto o CRP-SP buscassem se organizar
de modo a dar maior celeridade aos trabalhos.
O tema da celeridade processual voltou a ser abordado pelo Jornal PSI na edição de
fev/mar 2009 por ter sido um dos principais desafios enfrentados pela Comissão de
Orientação e Ética do CRP-SP no ano de 2008 (Gestão 2007-2010). Apesar de cumprir os
prazos previstos no CPD, a então conselheira-presidente da COE, Patrícia Garcia de Souza,
afirmou a necessidade de dar uma pronta resposta ao psicólogo e à sociedade,
independentemente do resultado do julgamento. Para tanto, optou por realizar ―mutirões de
avaliação‖ em que, durante um final de semana, a COE iniciou a instrução de 50 queixas
contra psicólogos. Com esta medida, a Comissão reduziu o prazo de espera em um ano,
iniciando em 2009 a instrução de denúncias feitas em 2008.
Iniciada a instrução, a Comissão de Instrução deverá apurar se há ou não indícios de
infração aos preceitos do CEPP. Havendo materialidade e indicativo de autoria, a Comissão
deverá elaborar um parecer que, caso seja aprovado em reunião Plenária, instaura-se o
Processo ético, devendo ser designada outra Comissão de Instrução para conduzi-lo (para fins
de assegurar a imparcialidade). O psicólogo representado deverá ser citado 129 para apresentar
sua defesa escrita, provas e, caso considere necessário, arrolar testemunhas em número
máximo de três, conforme dispõe o Art. 39 do CPD; assim como deferir a produção de provas

128
É preciso que o documento esteja bem fundamentado para não ser considerada conduta ou decisão arbitrária
da COE/CRP.
129
Art. 31 - Citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao psicólogo representado da instauração do processo
disciplinar ético, bem como lhe concede a oportunidade de se defender no prazo estipulado.
286

técnicas/periciais130. Nesta fase do trabalho, será dada a oportunidade para a(s) parte(s)
produzir(em) todo o material que considerar(em) essencial(is) para fundamentar suas
alegações com vistas a instrumentar a Comissão de Instrução em sua análise.

Imagem 10 - Fluxograma – Fase Processual


Instauração de
processo

Plenári

Defesa escrita /
Arrolar Novas provas
testemunhas?
N

Oitiva Contra-razões
testemunhas

Alegações
finais

Processo
instruído

Concluída a instrução do Processo Ético, o conselheiro-presidente do CRP irá


designar, dentre os conselheiros efetivos e suplentes (Art. 55), aquele que será o relator do
Julgamento, quando também será marcada a reunião Plenária para o Julgamento.
Durante a sessão de Julgamento, as partes terão o direito a dispor de um tempo (15
minutos) para sustentação oral (Art.61) após a leitura do Relatório de Julgamento, que deverá
conter 03 partes (Art.58).

Art. 58 - O relator designado deverá apresentar seu relatório na reunião plenária em que será
submetido a julgamento.
Parágrafo Único - O relatório conterá três partes: uma expositiva, compreendendo o histórico
sucinto dos fatos a serem julgados, a capitulação que foi dada pela Comissão de Ética e as
provas colhidas;
b) uma parte conclusiva, compreendendo a apreciação dos fatos e das provas, bem como a
fundamentação do voto do Conselheiro Relator; e
c) o voto.
Parágrafo Único - O relator pode tirar elementos da tipificação feita, mas não pode
acrescentar novas infrações identificadas.

Proferido o voto, o conselheiro-relator declarará aberta a fase de esclarecimentos


(Art.63), quando o Plenário poderá inquirir sobre o conteúdo do processo. A esta etapa de

130
Lembrando que não é da competência da COE produzir, conduzir, nem suprimir provas e testemunhas.
287

discussões seguirá a pronunciação do voto pelos conselheiros (Art.65). Antes, porém, da


tomada dos votos, caberá, a uma das partes, a arguição da nulidade, ou ainda, da prescrição.
Neste caso, o Relator deverá declarar se tal arguição procede. Não havendo impedimentos,
seguirá a votação, a começar pela materialidade, depois pela tipificação das condutas (quais
artigos o psicólogo infringiu) e, finalmente, a definição da pena – variando de advertência
(mais branda) até a cassação do registro que autoriza o exercício profissional (mais grave),
conforme previsto no Art. 21 do Código de Ética Profissional do Psicólogo e no caput do
Art.69 do Capítulo V do Título IV do Código de Processamento Disciplinar. O voto, coletado
individualmente (não secreto), poderá ser declarado a favor do Relator ou oferecido novo
voto, desde que fundamentado.
A decisão pela pena mais adequada requererá do julgador o respeito à gradação
disposta em uma ordem prevista no CPD, a começar, portanto, pela mais branda. Existe,
porém, a possibilidade de o julgador considerar, além da ordem estabelecida, outros fatores:
(a) gravidade da falta; (b) individualidade da pena131; (d) caráter primário ou não do infrator.
Nestes termos, o Plenário terá condições de decidir pela pena que considerar mais condizente
à conduta praticada.
Nos casos em que o Plenário votar penas mais graves, como a suspensão ou a
cassação, o CRP deverá recorrer de ofício ao CFP independentemente do recurso voluntário,
para que este confirme a penalidade aplicada132; penalidade esta sempre executada pelos
Conselhos Regionais (Art.79).
Caberá recurso espontâneo ao Conselho Federal de Psicologia de toda decisão, que
deverá reexaminar o Processo Ético instruído pelo CRP e emitir sua posição, como última
instância. Logo, ao psicólogo representado existe a possibilidade de redução da pena ou
mesmo do arquivamento do PDE em função do entendimento do CFP de não haver infração
ao Código de Ética. Igualmente, o psicólogo pode pleitear a anulação ou prescrição da decisão
do Plenário do CRP.
A penalidade poderá, nestes termos, sofrer ou não alteração, salientando que o
agravamento da pena somente poderá ser consolidado caso haja recurso nesse sentido, ou seja,
se o representante requerer o agravamento e o CFP entender que os argumentos são
suficientes para deferir o pedido. De outro modo, toda análise de recurso tenderá pela

131
Princípio constitucional: refere-se à proporção ou correspondência entre a responsabilização da conduta e a
sanção, ou seja, a sanção deve corresponder às características do fato ou delito.
132
Esse é o sentido do ad referendum expresso no art.21 do CEPP.
288

manutenção da decisão do CRP ou pelo seu abrandamento, cabendo, ainda, a análise de


prescrição ou de nulidade por erro processual.

Imagem 11 - Fluxograma: Etapa de Julgamento

Processo
instruído

Plenário

Nomeação
relator

Reunião Plenária de
julgamento

Plenári
Acórdão

N
Recurso?

Julgamento
CFP

S
Arquivamento Absolvição?
pelo CRP

Aplicação de
pena pelo CRP

A partir dos recursos encaminhados ao CFP, têm-se as decisões em última instância


divulgadas no Jornal do Conselho Federal entre os anos de 2005 a 2011133.

133
O Jornal do CFP passou a divulgar os dados de Processos Disciplinares Éticos após julgamento de recurso, a
partir da edição de número 82. Os números 88 e 89 não apresentam dados sobre julgamento de Processos Éticos.
Encerrei a pesquisa com a edição de número 100 de dezembro de 2011.
289

Tabela 6 – Decisão em 1ª instância e recurso ao CFP

CRP Origem Decisão CFP Nº Decisão


06 Cassação 5158/04 Mantida
08 Multa 5016/04 Reforma: Advertência
06 Suspensão 5656/04 Mantida
06 Advertência 554/04 Mantida
06 Arquivamento 4799/04 Mantida
07 Arquivamento 3879/04 Mantida
06 Advertência 3758/04 Mantida
12 Advertência 2538/04 Mantida
08 Arquivamento 3461/04 Mantida
06 Arquivamento 3712/04 Mantida
04 Arquivamento 4228/04 Mantida
04 Arquivamento 4460/04 Mantida
06 Cassação 4508/04 Mantida
12 Suspensão 5095/04 Mantida
05 Arquivamento 2605/04 Mantida
06 Arquivamento 446/05 Mantida
06 Advertência 1312/05 Mantida
04 Advertência 0913/05 Mantida
02 Arquivamento 1873/05 Mantida
04 Suspensão 2166/05 Reforma: Multa
04 Arquivamento 2167/05 Mantida
06 Censura 2500/05 Mantida
06 Suspensão 3571/05 Mantida
06 Censura 2913/05 Mantida
12 Advertência 3095/05 Reforma: Arquivamento
05 Advertência 3552/05 Mantida
06 Arquivamento 3570/05 Mantida
06 Censura 3739/05 Reforma: Advertência
04 Suspensão 3859/05 Reforma: Advertência
09 Arquivamento 4918/05 Mantida
05 Arquivamento 4243/05 Mantida
06 Censura 5125/05 Mantida
06 Censura 5245/05 Mantida
05 Arquivamento 1361/06 Mantida
13 Arquivamento 1641/06 Mantida
08 Arquivamento 1804/06 Mantida
07 Advertência e multa 909/06 Mantida
13 Arquivamento 2360/06 Mantida
06 Advertência 263/06 Mantida
08 Censura 3118/06 Mantida
06 Advertência 1809/06 Mantida
06 Censura 2220/06 Reforma: Advertência
06 Advertência 698/06 Mantida
06 Censura 2460/06 Reforma: Advertência
06 Arquivamento 1058/07 Mantida
06 Arquivamento 2881/07 Mantida
06 Censura pública 1851/07 Mantida
08 Arquivamento 3476/07 Instauração PE
01 Advertência 1217/07 Mantida
06 Censura Pública 1057/07 Reforma: Advertência
290

CRP Origem Decisão CFP Nº Decisão


08 Cassação 285/07 Reforma: Suspensão por 30 dias
06 Arquivamento 3319/07 Mantida
06 Censura pública 3939/07 Reforma: Advertência
14 Advertência 4738/07 Reforma: Arquivamento
05 Advertência 5886/07 Mantida
08 Cassação 1350/07 Reforma: Arquivamento
16 Multa 2340/07 Reforma: Arquivamento
06 Censura pública 5037/07 Mantida
08 Advertência 3563/07 Mantida
08 Censura pública 4356/07 Reforma: Advertência
01 Suspensão 5267/07 Reforma: Arquivamento
08 Advertência 6198/07 Mantida
01 Arquivamento 3350/07 Mantida
05 Arquivamento 3349/08 Mantida
04 Suspensão 86/08 Reforma: Censura pública
06 Advertência 746/08 Mantida
06 Advertência 806/08 Mantida
07 Arquivamento 998/08 Reforma: Advertência
05 Advertência 2591/08 Reforma: Arquivamento
06 Censura pública 1253/08 Mantida
06 Censura pública 3777/08 Reforma: Suspensão
07 Censura pública 2261/08 Mantida
08 Censura pública 1175/08 Mantida
15 Censura pública 3963/08 Mantida
06 Advertência 3008/08 Mantida
07 Advertência e multa 3405/08 Reforma: Advertência
06 Cassação 3308/08 Mantida
12 Censura pública 3466/08 Reforma: Advertência
05 Censura pública 1659/08 Mantida
03 Suspensão 4565/08 Mantida
05 Arquivamento 3438/08 Mantida
06 Censura pública 130/09 Reforma: Advertência
05 Arquivamento 496/09 Mantida
06 Censura pública 497/09 Mantida
06 Advertência 498/09 Mantida
06 Censura pública 932/09 Mantida
07 Arquivamento 1000/09 Mantida
07 Censura pública 1323/09 Mantida
05 Arquivamento 1395/09 Mantida
07 Advertência 999/09 Mantida
07 Arquivamento 1495/09 Mantida
08 Censura pública 952/09 Reforma: Advertência
16 Advertência 1928/09 Mantida
06 Cassação 2040/09 Reforma: Censura pública
08 Arquivamento 422/09 Mantida
06 Advertência 460/09 Mantida
06 Censura pública 2043/09 Reforma: Advertência
05 Advertência 2329/09 Mantida
06 Advertência 2787/09 Mantida
12 Advertência 2793/09 Reforma: Arquivamento
11 Suspensão 2889/09 Reforma: Censura pública
12 Advertência 2892/09 Reforma: Arquivamento
291

CRP Origem Decisão CFP Nº Decisão


08 Advertência 2982/09 Mantida
12 Arquivamento 2384/09 Mantida
11 Arquivamento 2890/09 Reforma: Censura pública
07 Cassação 3897/09 Mantida
06 Advertência 3898/09 Reforma: Arquivamento
16 Suspensão 4338/09 Mantida
04 Advertência 216/10 Mantida
11 Advertência 267/10 Reforma: Censura pública
05 Advertência 2409/10 Reforma: Censura pública
06 Advertência 226/10 Mantida
11 Arquivamento 238/10 Mantida
11 Advertência 478/10 Mantida
09 Censura pública 651/10 Reforma: Arquivamento
05 Arquivamento 756/10 Mantida
06 Arquivamento 802/10 Instauração de PE
09 Cassação 649/10 Mantida
09 Suspensão 650/10 Reforma: Censura pública
06 Multa 904/10 Mantida
06 Advertência 929/10 Mantida
11 Advertência 4191/10 Reforma: Arquivamento
09 Suspensão 480/10 Reforma: Censura pública
16 Suspensão e Multa 702/10 Anulação
08 Censura pública 727/10 Reforma: Advertência
06 Advertência 1256/10 Mantida
14 Arquivamento 1485/10 Instauração de PE
06 Advertência 1641/10 Reforma: Arquivamento
11 Advertência 1667/10 Reforma: Arquivamento
03 Arquivamento 1855/10 Mantida
12 Censura pública 1873/10 Reforma: Advertência
06 Arquivamento 1899/10 Mantida
06 Arquivamento 2041/10 Mantida
01 Censura pública 2070/10 Mantida
06 Arquivamento 2613/10 Instauração de PE
06 Arquivamento 2614/10 Mantida
16 Censura pública 2832/10 Reforma: Advertência
04 Arquivamento 3206/10 Mantida
FONTE: tabela organizada pela autora

Dentre os dados disponíveis, é possível observar que todos os CRP134 instauram PDE
em algum momento do período analisado, encaminhando recurso da decisão do Plenário para
julgamento em 2ª instância no CFP.

134
CRP-01 Distrito Federal, Acre, Amazonas, Roraima e Rondônia; CRP-02 Pernambuco e Fernando de
Noronha; CRP-03 Bahia e Sergipe; CRP-04 Minas Gerais; CRP-05 Rio de Janeiro; CRP-06 São Paulo; CRP-07
Rio Grande do Sul; CRP-08 Paraná; CRP-09 Goiás e Tocantins; CRP-10 Pará e Amapá; CRP-11 Ceará, Piauí e
Maranhão; CRP-12 Santa Catarina; CRP-13 Paraíba e Rio Grande do Norte; CRP-14 Mato Grosso e Mato
Grosso do Sul; CRP-15 Alagoas; CRP-16 Espírito Santo.
292

Gráfico 1 – Recursos ao CFP

FONTE: gráfico elaborado pela autora

Os valores apontam para o CRP de São Paulo (CRP-06; n=53) como sendo o Regional
que mais encaminhou, na ocasião, recursos para julgamento em segunda instância, seguido do
Paraná (CRP-08; n=15) e do Rio de Janeiro (CRP-05; n=14).
Quanto às decisões emitidas nos CRPs de origem (1ª instância), é possível perceber,
pelo gráfico, que tanto o arquivamento quanto a advertência (28% + 2%) empataram com
30% das decisões tomadas em julgamentos de Processos Disciplinares Éticos, seguidas da
Censura Pública (23%).

Gráfico 2 – Decisão de aplicação de penalidade pelos CRP

FONTE: gráfico elaborado pela autora

As decisões de suspensão e cassação do exercício profissional são tomadas, porém em


menor número, bem como a decisão pela aplicação de multa. Esta última, em geral, é
oferecida em processos Disciplinares Funcionais e/ou Ordinários. Todavia, sua ocorrência,
nos casos de PDE, está prevista, inclusive, a partir da possibilidade de acumulá-la com outra
penalidade.
Outro aspecto, digno de nota, é a decisão pelo arquivamento do PDE na fase de
julgamento. De regra, esta decisão ocorre na fase preliminar, em razão da falta de qualificação
293

da denúncia ou por se tratar de matéria que não diz respeito ao exercício profissional, quando
se decide pela exclusão liminar da Representação, conforme discutido anteriormente. Pode
ocorrer, ainda, que o Plenário vote pelo arquivamento da Representação em função da
ausência de materialidade ou mesmo porque os esclarecimentos do psicólogo foram
suficientemente bem fundamentados, levando ao entendimento da Comissão de Instrução pela
falta de indícios de infração. O mesmo pode ocorrer na fase processual, quando o psicólogo
poderá ser absolvido e o PDE arquivado em função da fragilidade ou ausência das provas e/ou
dos testemunhos apresentados, bom como da fundamentação da defesa.
Quando a decisão em primeira instância gera desagrado a uma ou ambas as partes, seja
porque o voto foi pela absolvição ou a pena escolhida para ser aplicada foi considerada branda
pelo representante; seja porque o psicólogo representado foi penalizado, existe a possibilidade
de interpor recurso ao CFP para decisão em segunda instância.

Gráfico 3 – Decisão do recurso junto ao CFP

FONTE: gráfico elaborado pela autora

Após a análise de recursos no período analisado, os dados indicam que houve uma
tendência do CFP em manter a decisão do CRP de origem em mais de 60% dos PDE
encaminhados para novo julgamento. A reforma da decisão do CRP de origem ocorreu em
29% dos recursos, indicando uma tendência do CFP em reduzir a penalidade votada em
primeira instância (advertência em 12% dos casos), seguida da decisão pelo arquivamento do
PDE em 9%. No período, houve uma anulação de PDE. Desta forma, ficou configurada a
tendência do CFP de manter as decisões em primeira instância.
294

Gráfico 4 – Decisão do CRP mantida pelo CFP

FONTE: gráfico elaborado pela autora

A decisão por arquivamento apresenta-se, sem margem de dúvida, a mais votada,


seguida da decisão pela aplicação de pena de advertência. A pena mais grave, que implica na
cassação do exercício profissional foi mantida em 6% dos recursos. Tal cenário mostra-se
coerente com o critério de gradação das penas.
Finalmente, após a decisão, seja esta em primeira, seja em segunda instância, o CRP
emite a sentença do julgamento denominada Acórdão. Somente após a publicação do Acórdão
que os Conselhos Regionais poderão executar a pena, em conformidade ao Art. 79 do CPD.
Quanto à execução da penalidade, o psicólogo deverá comparecer ao CRP para que
esta lhe seja aplicada pelo conselheiro-presidente do CRP e pelo conselheiro-presidente da
COE. Salvo a pena de advertência que é confidencial, as demais, por terem caráter público,
requerem que o Acórdão – os dados do psicólogo e do processo ético, a exceção do conteúdo
– seja publicado em Diário Oficial, jornais ou boletins do CRP de origem, igualmente, no
Jornal do CFP se for decisão oriunda de recurso, e ainda, afixados na sede onde o psicólogo
estiver inscrito (§2º Art.69, CPD).
Abro parênteses para fazer dois comentários: primeiro, no que se refere à aplicação da
pena de advertência, salvo quando houver recusa do profissional em atender à convocação
para receber a penalidade, ―será esta tornada pública por meio de edital‖ (§1º Art.80, CPD);
segundo, a publicação das penalidades em jornais ou boletins dos Conselhos Regionais não
tem caráter obrigatório, sendo uma opção da COE/CRP, que poderá elaborar o texto a ser
divulgado com auxílio da assessoria jurídica.
Todas as penas aplicadas serão registradas no respectivo prontuário profissional do
psicólogo (que é aberto por conta da inscrição do psicólogo no CRP), ficando o CRP
autorizado a comunicar (a exceção da advertência) a qualquer interessado, mediante consulta,
295

se o profissional foi processado e penalizado, quais os artigos infringidos e qual a pena


recebida, respeitando, para isso, o prazo de dois anos contados a partir do cumprimento desta.
Considerando o Princípio Constitucional de que não há, no Brasil, pena de caráter
perpétuo, após o transcurso de 02 anos, o atual regimento determina que o psicólogo
penalizado tenha sua ficha limpa, ou seja, que a pena sofrida seja apagada do prontuário do
psicólogo no Conselho Regional (Art. 70). Assim, após esse período, o CRP poderá apenas
informar que o psicólogo não responde a Processo Disciplinar Ético, sem poder mencionar a
ocorrência de penalização anterior. Os casos de cassação, no entanto, exigem que o psicólogo
faça o requerimento da reabilitação depois de passados cinco anos de cumprimento da pena, e
que a mesma lhe seja concedida para que o CRP desobrigue-se de comunicar a decisão
sempre que solicitado, bem como permita que o psicólogo volte a exercer a profissão.
Mediante essas explanações, resgato as palavras de Foucault (2005) quando declara
ser ―indecoroso ser passível de punição, mas pouco glorioso punir‖ (FOUCAULT, 2005,
p.13), para dizer que, neste lugar de denúncia e punição, onde psicólogos julgam psicólogos,
há que se atentar não somente para uma atuação fundamentada nos ritos jurídicos, mas que,
no exercício dessa função, o psicólogo-conselheiro não venha a ―criminalizar qualquer
pequeno delito, defendendo a utilização de penas severas e duras‖. Um Código de Ética
rigoroso ou aplicado de forma austera tende a forjar ―práticas punitivas, repressoras‖
(COIMBRA; NASCIMENTO, 2009, p.56). Portanto, ter rigor sem, contudo, tornar rígida a
aplicação do Código de conduta, de tal modo que ao profissional não seja exigida submissão
incondicional a um conjunto de permissões e interdições, sob o risco de ser penalizado. Trata-
se de um alerta feito por Faé (2004) para que o psicólogo – que ocupa o lugar de julgador –
não seja arbitrário, e que tenha, sobretudo, cuidado para não se ater a um discurso moralizador
e a uma postura legalista, aliás, bastante sedutora e perigosa. O trabalho da COE requer,
assim, que o psicólogo que exerce a função/poder de julgar, proceda a uma análise cuidadosa,
não se limitando à intenção de regular e melhor controlar o exercício profissional, mas de
manter viva a dimensão ética.

2.5 Quem é o psicólogo brasileiro denunciado?


296

A multidão é terrível quando não teme nada


Georges Canguilhem

Em 1988, o CFP lançou um livro chamado Quem é o psicólogo brasileiro? na


intenção de demarcar a identidade desse profissional que construía a sua prática e seu papel na
sociedade e indicava o caminho que queria seguir dentro de um mercado de trabalho em
expansão.
Passados pouco mais de 20 anos da edição desse livro, uma grande preocupação que
se volta à Psicologia é conhecer quem é o psicólogo brasileiro que está sendo denunciado e
respondendo a Processo Disciplinar Ético. O que têm feito estes profissionais da Psicologia
para gerar insatisfação da sociedade que passou a recorrer aos Conselhos Regionais de
Psicologia para pedir esclarecimentos e reparação?; Para que tantos Processos Éticos?;
Será que os profissionais estão sendo denunciados por incompetência e/ou negligência para
com suas responsabilidades?; Será este um processo de judicialização da vida, quando toda
espécie de problemas humanos são levados aos tribunais, incluindo o Tribunal Regional de
Ética?
Embora os Conselhos Regionais de Psicologia não tenham qualquer obrigação em
analisar os dados e divulgar as estatísticas relativas às denúncias contra os profissionais,
acredito ser da responsabilidade dos mesmos, com base na interpretação do V Princípio
Fundamental do CEPP135, que o Sistema Conselhos deve manter uma visão crítica e reflexiva
do próprio trabalho que executa. Isso inclui a realização de pesquisas e eventos junto à
categoria para pensar a ética aplicada à profissão, visando à orientação, especialmente nas
áreas identificadas como as mais propensas a incidir denúncias contra os psicólogos. O CRP-
SP tanto quanto o CRP-RJ136, cada um separadamente, tomou a iniciativa de realizar
pesquisas nessa área, colocando a própria Comissão de Orientação e Ética em análise.
Não por acaso esse foi o tema que a Comissão de Orientação e Ética (COE) do CRP-
RJ levou à discussão na primeira Quart‘ética do ano de 2009. Com o tema Em análise, as
Comissões de Instrução do CRP-05: uma reflexão sobre a prática de elaboração de
pareceres nos processos éticos, o evento propôs debater o trabalho de análise e
fundamentação feito pelas Comissões de Instrução da COE – por meio da elaboração de

135
―O psicólogo contribuirá para promover a universalização do acesso da população às informações, ao
conhecimento da ciência psicológica, aos serviços e aos padrões éticos da profissão‖.
136
Não quero dizer que outros CRPs não desenvolveram pesquisas, apenas que, na pesquisa, não encontrei
dados.
297

pareceres – para indicação de abertura ou arquivamento de Representações e Processos éticos


contra os psicólogos. A intenção do CRP-RJ era mostrar que os trabalhos da COE não se
limitavam à elaboração desses pareceres, mas que seu compromisso era com a sociedade e
principalmente com a categoria.
Em São Paulo, porque o CRP notou um aumento de denúncias contra psicólogos no
período compreendido entre os anos 2004 e 2007 – ocasião esta que compreendeu o exercício
da XI Plenária –, que a COE buscou explicações para este acontecimento. Considerando a
intervenção de diversos fatores, alguns membros da COE, como Aluísio Lima e Cláudia
Castro, entenderam que este aumento estaria vinculado ao número de inscrições de psicólogos
no CRP-SP que havia crescido consideravelmente nos últimos anos137 (JORNAL PSI, jul/ago
2007).
Tomando esses parâmetros, o aumento em números relativos de denúncias
corresponderia proporcionalmente ao número de inscritos, não se configurando,
necessariamente, um aumento de denúncias em números absolutos. Também especularam que
o aumento das denúncias estaria vinculado à visibilidade que a Psicologia alcançou na vida
social associado à mudança de atitude do indivíduo na sociedade contemporânea que se
tornou consciente dos seus direitos individuais, passando a denunciar mais (JORNAL PSI,
jul/ago 2007; MACIEL; FRIZZO; CASTRO, 2010).
Este aumento de denúncias contra psicólogos fez com que a Comissão de Orientação e
Ética do CRP-SP (2004-2007) promovesse, novamente, modificações na sua estrutura:
ampliou o número de membros da COE e passou a incluir a participação de psicólogos
convidados com experiência de trabalho em diversas áreas da Psicologia e professores de
Ética Profissional. Igualmente, passou a rastrear e identificar as atividades em que haveria
maior concentração de denúncias em desfavor dos psicólogos, sendo estas: avaliação
psicológica para obtenção de Carteira Nacional de Habilitação, elaboração de laudo
psicológico, manejo inadequado da relação terapêutica e quebra de sigilo, conforme os dados
divulgados pelo Jornal PSI do CRP-06 (jul/ago 2007; fev/mar 2009).

137
Os autores não divulgam os dados referentes ao aumento no número de psicólogos inscritos.
298

Tabela 7 – Atividades com maior concentração de denúncias

Representações 2004 2005 2006 2007* 2008


Abuso Sexual (setting terapêutico) -- 1 1 -- --
Avaliação Psicológica -- 12 -- -- --
Avaliação Psicológica para obtenção de CNH 29 10 6 2 8
Conivência com maus-tratos 1 1 -- -- --
Consultoria - Recursos Humanos 4 5 15 1 3
Desvio de cliente -- -- -- 1 --
Diagnóstico sem fundamentação -- -- 3 -- --
Divulgação inadequada de prestação de serviços 1 4 13 -- --
através de TV/Rádio/Site
Divulgação Sensacionalista -- -- 1 --
Encaminhamento 1 -- 1 1 4
Envolvimento amoroso (setting terapêutico) -- -- 2 1 1
Envolvimento material -- 2 3 -- 4
Envolvimento sexual -- -- 1 -- --
Equipe Multidisciplinar -- 17 2 2 3
Laudo Psicológico 8 11 33 13 26
Manejo inadequado da relação terapêutica 5 4 8 8 20
Publicação de trabalho científico 1 -- -- --
Publicidade e atuação referente às práticas não 4 8 11 2 --
reconhecidas
Quebra de Sigilo 1 3 4 1 5
Testes psicológicos inadequados -- -- -- 2 --
Utilização de outros títulos que não possui -- -- 1 -- --
TOTAL 55 75 107 73 74
Tabela adaptada pela autora a partir dos dados divulgados no Jornal PSI do CRP-06 (jul/ago 2007), acrescido
dos valores de 2008 divulgados pelo Jornal PSI (fev/mar 2009).
*Os dados discriminados de 2007 estão incompletos, embora o valor total esteja correto.

Já em Santa Catariana, quem promoveu pesquisa semelhante foi Frizzo (2004). Em


sua dissertação de mestrado, a autora definiu categorias e fez um levantamento de dados a
partir dos quais teceu suas análises. Para o estudo, a autora considerou todos os PDE
apreciados pela COE do CRP-12 no período que compreendeu a instauração do Conselho
Regional no estado de Santa Catarina em 1992 até 2003, quando concluiu a pesquisa,
compondo o universo dos 39 processos independentemente se os PDE foram arquivados na
fase de Representação ou levados a julgamento.
De acordo com a autora, quase metade das denúncias que chegaram à COE no período
foram arquivadas ainda na fase de sindicância. Quanto aos processos levados a julgamento,
aproximadamente metade destes foram absolvidos da acusação, enquanto a outra metade
recebeu a pena de advertência. A autora identificou, ainda, que os ―erros mais comuns‖
(FRIZZO, 2004, p.86) foram a realização de avaliações e perícias psicológicas, além de
problemas no relacionamento com outros psicólogos ou com clientes, e o uso de práticas não
reconhecidas pela Psicologia, conforme dispôs na tabela 8 reproduzida:
299

Tabela 8 – Distribuição de ocorrência e de percentual das infrações éticas por conjuntos temáticos

Infrações éticas Ocorrência %


Falhas na realização de perícia/avaliação psicológica 18 46,15
Falhas no relacionamento com outros psicólogos / outros profissionais 10 25,64
/clientes
Uso de práticas alternativas/ não reconhecidas 9 23,07
Falhas na condução do tratamento 6 15,38
Exercício da profissão 6 15,38
Falhas na realização de psicotécnico / emissão de CNH 4 10,25
Relações financeiras 4 10,25
Padrões da profissão 3 7,69
Sigilo profissional 2 5,12
Publicidade profissional 2 5,12
Fonte: FRIZZO (2004, p.75)

Não obstante o CRP-RJ ainda não possua valores precisos para serem levados a
público, a Comissão de Orientação e Ética identificou, em seus trabalhos, que os casos de
grande relevo e que ensejam a abertura de Processo Disciplinar Ético (PDE) têm por objeto de
denúncia os documentos psicológicos emitidos para fundamentar decisões judiciais. Essa
constatação motivou a realização do I Fórum de Ética sobre o tema em 2008, intitulado Os
lugares do psicólogo e da psicologia – Laudos: ferramenta de intervenção?, sediado na
Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ).
Nesse sentido, a COE amparou sua atuação e promoção de eventos nos ditames do
Código de Ética, quando estabelece que é função do CRP ―abrir espaço para a discussão, pelo
psicólogo, dos limites e interseções relativos aos direitos individuais e coletivos‖; assim como
―estimular reflexões que considerem a profissão como um todo e não em suas práticas
particulares, uma vez que os principais dilemas éticos não se restringem a práticas específicas
e surgem em quaisquer contextos de atuação‖ (RESOLUÇÃO CFP nº010/05).
O fato é que esse panorama não está restrito às COEs do CRP do Rio de Janeiro nem
da de São Paulo. Outros Conselhos Regionais também contam com uma elevação no número
de denúncias relacionadas à elaboração de documentos psicológicos resultantes de avaliação
psicológica, tal qual o CRP-01(DF, AC, AM, RO, RR), CRP-07 (RS) e CRP-08 (PR).
Em todos os casos, a preocupação se voltou para temas como o sigilo profissional e a
atuação dos psicólogos na área de Psicologia Jurídica, considerada ―fonte expressiva de
denúncias‖ junto aos seus Conselhos de Classe no que se refere à competência profissional,
como reza o Art. 1º do Código de Ética Profissional do Psicólogo. Dentre estes, estavam as
denúncias que envolviam a atuação do psicólogo na avaliação psicológica e elaboração de
laudos em casos de alegação de abuso sexual contra crianças (JORNAL PSI, jul/ago 2007).
300

Uma constatação identificada pela Comissão de Ética acionou a luz vermelha do Conselho
Regional de Psicologia de São Paulo. Ao realizarem avaliações psicológicas, diagnósticos, e
ao produzirem documentos escritos, seja para apresentar a um juiz num processo de guarda,
seja para oferecer à escola a pedido dos pais de uma criança, os profissionais têm esbarrado na
redação de declarações, relatórios, pareceres e laudos. O que pode parecer inofensivo esconde
um sério problema. Em razão de textos mal redigidos e confusos, sem a devida
fundamentação, cresce o número de denúncias que acabam por resultar em processos éticos, a
maioria referente a situações de natureza de disputa judicial (JORNAL PSI, set/out. 2003,
s/p).

Durante o levantamento de dados para a realização da pesquisa em tela, pude


identificar que o maior número de denúncias em desfavor dos psicólogos no CRP-RJ versa
sobre a avaliação psicológica, em especial, a elaboração de documentos em casos de
regulamentação de visitas no contexto da separação judicial.
Não obstante as demandas para abertura de PDE recaíssem sobre as atividades ligadas
à elaboração de documento psicológico para fins jurídicos, seja para o sistema prisional, seja
para a área de Família ou da Infância e Juventude, foi a partir de 2007 que a então
conselheira-presidente da COE do CRP-SP, Patrícia Garcia de Souza (Gestão 2007-2010),
vislumbrou uma mudança nesse panorama. De acordo com a conselheira, houve uma extensão
das denúncias para os casos referentes à avaliação psicológica em concurso público, seleção
de emprego e para qualificar procedimentos cirúrgicos, como os requisitados para realização
de cirurgia bariátrica.
Em comum ao CRP de São Paulo e do Rio de Janeiro estava a preocupação em
desenvolverem ações que incluíam a realização de palestras e de eventos destinados a
informar sobre o que o profissional poderia ou não fazer, considerando os princípios do
Código de Ética. Tais ações, de cunho preventivo, foram desencadeadas por uma COE
premida pela necessidade de orientar os psicólogos sobre suas atividades, zelando para que o
exercício profissional fosse efetuado com qualidade, por conseguinte, evitando as faltas ou
descumprimento do CEPP.
A conselheira-presidente da COE do CRP-SP, Gestão 2007-2010, acredita que o
contínuo trabalho de divulgação do Código de Ética e da Resolução CFP nº 007/2003
contribuiu para a redução no número de Representações contra psicólogos. O ponto de maior
destaque foi o arrefecimento dos casos envolvendo a elaboração de laudos psicológicos
(JORNAL PSI, ago/set. 2010).
Outro efeito desse investimento foi a criação, pelo CRP-SP, de um Grupo de Trabalho
voltado para a elaboração de propostas que pudessem virar referência para o exercício
profissional no futuro. Um exemplo foi a elaboração de recomendações para os psicólogos
301

que atuam no âmbito da Justiça – em Vara de Família –, orientando sobre procedimentos e


posturas a serem observados quando atuando como peritos, assistentes técnicos e mesmo
psicólogos clínicos; ou que atuam em instituições (fora do âmbito da Justiça) e que têm seus
documentos escritos incorporados como prova em processos judiciais (JORNAL PSI, ago/set
2010).
Embora a COE busque criar alternativas à sua forte atuação disciplinar-punitiva,
passando a dar enfoque à orientação, ela não visa o apaziguamento, mas a punição, dada sua
própria constituição, seu dever de estabelecer e garantir a ordem. Por este motivo, não escapa
de críticas daqueles que estão sendo processados, à semelhança do que ocorreu no CRP do
Rio de Janeiro durante a Gestão da XII Plenária. Muitas vezes os argumentos dos psicólogos
vêm no sentido de justificar que o problema não estaria na conduta profissional, mas no
Conselho de Psicologia que precisaria rever sua postura em relação às práticas no âmbito
jurídico; seguido de críticas quanto à competência dos conselheiros para instruir e julgar
Processos Disciplinares Éticos por não serem especialistas em Psicologia Jurídica; e, em
menor número, da explicação de que esta seria a forma de trabalho no sistema judicial. A
estas colocações, Furtado e Novaes (2006, p.16) declaram que:

Os Conselheiros do Conselho Regional de Psicologia não têm que ter formação jurídica para
julgar os psicólogos jurídicos; se assim fosse, teríamos que ter formação clínica para julgar os
psicólogos clínicos, formação em Psicologia Organizacional e do Trabalho para julgar os
psicólogos desta área, em Psicologia do Esporte para julgar os psicólogos que aí atuam, etc.
Nosso julgamento não é técnico: é ético. Estas considerações se fundamentam em uma visão
crítica dos especialismos em Psicologia, que tendem a isolar grupos de psicólogos em nichos
de suas especialidades, torres de marfim que os protegem de considerações críticas, etc. que
venham de fora da especialidade.

Resgatando o que Patrícia Garcia de Souza percebeu durante o exercício na


presidência da COE na Gestão 2007-2010, é crescente o número de psicólogos denunciados
que não atuam no campo jurídico, mas para o judiciário. Mais precisamente, daquele que
presta serviço para o Direito por meio da elaboração de documentos decorrente de
atendimentos psicoterapêuticos-avaliativos realizados em consultórios particulares.
Cabe, portanto, interrogar, que prática é esta que vem resultando denúncias junto ao
CRP?
302

3 PESQUISA

O labor científico, em qualquer área de conhecimento, caminha sempre em duas direções: em uma, elabora suas
teorias, seus métodos, seus princípios e estabelece seus resultados; na outra, inventa, ratifica seu caminho,
abandona certas vias e encontra outras. Sendo assim, há sempre um caráter de historicidade no conhecimento
que também é construído e aproximado.
Minayo (2000, p.903).

3.1 A escolha do caminho

Na operacionalização desta pesquisa de doutorado, parti da compreensão de que, ao


fazer uma pesquisa científica, o pesquisador intenciona produzir, aperfeiçoar ou corroborar na
construção de saberes, a partir de suas reflexões e análises sistemáticas, a fim de promover um
diálogo crítico e criativo com a realidade em sentido prático e teórico (DEMO, 1991, 1996;
VECINA, 2002).
Nesse rumo, para o pesquisador alcançar seu objetivo, necessita do intermédio da
metodologia. De tal modo, concordo com Minayo (2000) quando defende que o pesquisador
caminha em duas direções: escolhe o método (palavra grega que significa caminho) que
acredita servir aos seus propósitos para alcançar seu destino; e, enquanto caminha, faz seu
caminho, ou seja, cria seu método. Portanto, ter um método implica, segundo alguns autores,
em seguir sistematicamente um determinado objetivo, problema ou hipótese de pesquisa para
que este seja alcançado. Da mesma forma, o método remete ao uso de recursos, instrumentos
ou procedimentos para adquirir, demonstrar ou verificar conhecimentos por meio da análise
de dados. Assim, o método comporta uma práxis, porquanto permite ao pesquisador articular
as concepções teóricas e técnicas de apreensão da realidade (os dados) tanto quanto as
experiências vividas e o potencial criativo de que o próprio pesquisador dispõe (CASTRO,
1997; FLORÊNCIO; MAGALHÃES; SILVA SOBRINHO; CAVALCANTE, 2009;
MARTINS; BICUDO, 1989; MINAYO, 1993).
Com efeito, o pesquisador está submetido aos mecanismos e técnicas que seleciona
com vistas à produção intelectual, sendo estes métodos um ponto de vista a respeito do objeto,
por conseguinte, um posicionamento ético-político, o que pressupõe o envolvimento
inevitável do pesquisador, seja com a realidade cotidiana, seja com a realidade singular. Por
303

este viés de análise, compreendo que, para investigar os fenômenos, o pesquisador desenvolve
uma percepção peculiar para com o seu objeto de estudo, criando um campo de investigação
de seu interesse. Tal fato não invalida o rigor científico, mas remete à necessidade de perceber
o objeto de estudo enquanto objetividade relativa, ideológica e interpretativa, postura esta que
irá habilitar o pesquisador a encontrar uma resposta para sua dúvida ou uma visão de mundo
passível de ser compartilhada com outras pessoas. (MARTINS; BICUDO, 1989; MINAYO,
1993; PAULILO, 1999).
Desta forma, entendo ser preciso reconhecer a atividade científica como um produto
vinculado à realidade sociopolítica e histórico-cultural que, ao superar os reducionismos das
concepções empiristas e idealistas, não tem a pretensão de abranger todas as questões da
existência, tampouco encontrar uma verdade absoluta e universal. Configura-se, assim, um
processo de construção permanente quando, de possíveis soluções provisórias, advém novos
questionamentos (DEMO, 1986; FREITAS, 2002).
De acordo com Minayo (1998), é a partir de questionamentos que se dispara um
processo de investigação ―em espiral‖, ou seja, ―que começa com um problema ou uma
pergunta e termina com um produto provisório capaz de dar origem a novas interrogações‖
(MINAYO, 1998, p.26). Para aqueles que se propõem a ―trilhar a carreira de pesquisador‖
(idem, ibidem, p.19), a autora sugere que será preciso dedicar-se à leitura de diferentes
pesquisadores que estudam o tema do qual compartilham interesse, inclusive os que trazem
proposições ideologicamente discordantes.
O presente estudo teve enfoque qualitativo, cujo campo de interesse da investigação
diz respeito à análise dos discursos dispostos nos documentos que compõem Processos
Disciplinares Éticos (PDE) em função de denúncia protocolada no Conselho Regional de
Psicologia do Rio de Janeiro (CRP-RJ) em desfavor de psicólogos que elaboraram
documentos a partir de atendimentos realizados em casos de alegação de abuso sexual contra
crianças.
Paulilo (1999) expõe que a abordagem qualitativa não tem a pretensão de
representatividade quanto ao aspecto distributivo do fenômeno; se houver generalização, a
partir da análise realizada, ela dever ser compreendida como parte de um universo de
possibilidades. Com efeito, a pesquisa qualitativa não se interessa pelas generalizações, mas
pelo particular, naquilo que é específico, visando sempre à compreensão e não à explicação a
partir de um olhar inquiridor sobre o fenômeno que se quer investigar (DEMO, 1992;
MARTINS; BICUDO, 1989; MINAYO, 1998).
304

A pesquisa que desenvolvi, de cunho


qualitativo, foi orientanda pelo viés da Análise de
Discurso (AD). Segundo Florêncio, Magalhães, Silva
Sobrinho e Cavalcante (2009), a AD não é questão
simples de se tratar. Antes de tudo, os autores
lembram que é preciso anunciar ―de qual Análise do
Discurso‖ o analista está falando, ―pois existem Imagem 12 – Alice e Humpty Dumpty
diferentes posições teóricas‖ (FLORÊNCIO et. ali., -Não sei bem o que o senhor quer dizer com
―glória‖, disse Alice.
2009, p.17-18) que permitem o exercício de diferentes Humpty Dumpty sorriu com desdém.
-Claro que não, até que eu lhe diga. Quero
modos de olhar o mesmo objeto de interesse. Logo, dizer: é um belo argumento arrasador para
você!
optei por empregar a AD de linha francesa fundada -Mas ―glória‖ não significa ―um belo
argumento arrasador‖, objetou Alice.
por Michel Pêcheux, mas especificamente, os -Quando EU uso uma palavra, disse
desdobramentos que sua teoria teve no Brasil com Eni Humpty Dumpty, num tom de deboche, ela
significa exatamente aquilo que eu quero
Orlandi e, ainda, permitindo-me fazer uma que signifique, nem mais, nem menos.
-A questão, ponderou Alice, é se o senhor
interlocução com outros autores que também pode fazer as palavras dizerem coisas
diferentes.
dialogam com esta perspectiva teórica. -A questão, replicou Humpty Dumpty, é
saber quem é que manda.
Este tipo de estudo visa a um aprofundamento
Carroll (1984)
no mundo dos significados das ações e relações
humanas, ou seja, em um ―universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e
atitudes‖ (MINAYO, 1998, p.21-22), cujo objetivo é identificar e aprofundar a complexidade
de processos e fenômenos privados ou coletivos – uma realidade não quantificável ou
perceptível em números e estatísticas (MINAYO; SANCHES, 1993).
Considerando a possibilidade de buscar a compreensão do material coletado por meio
da Análise de Discurso (AD), Orlandi (2003) explica que esta coloca o pesquisador em estado
de reflexão, permitindo, talvez, que este estabeleça uma relação menos ingênua com a
linguagem. A autora salienta, ainda, que todos estão sujeitos à linguagem, comprometidos
com seus sentidos, não havendo como não interpretá-la, embora exista uma forma de fazê-lo.
Todavia, ressalta que as formas de interpretação são determinadas historicamente, de tal modo
que a língua produz sentidos para os sujeitos que, por sua vez, são produtores do discurso,
influenciados pela exterioridade, portanto, pelas condições de produção (circunstância sócio-
histórica), como bem ilustra o diálogo travado entre os personagens literários de Lewis
Carrol: Alice e Humpty Dumpty da obra de Lewis Carroll.
305

Desta forma, o discurso diz respeito a como os seres humanos utilizam a linguagem
para se expressarem, portanto, o modo de funcionamento do discurso, as maneiras de
significar, o que implica na relação entre discurso, sujeito e ideologia. Em outros termos, a
finalidade da AD é explicar os caminhos do sentido e a relação com a ideologia, ―porque o
texto produz sentido; não os sentidos contidos no texto‖ (FLORÊNCIO et. ali, 2009, p.23).
Nessa perspectiva, o discurso é visto como uma ―prática da linguagem‖ (ORLANDI,
2003, p.15) produzido nas relações sociais em determinado momento sócio-histórico; e
porque ―não há discurso sem sujeito‖ e ―sujeito sem ideologia‖ (ORLANDI, 2003, p.17) que
não há neutralidade, transparência e inocência no discurso. Assim, todo discurso, aqui tomado
como práxis, é produzido por sujeitos a partir de um lugar social, por meio da escolha de
determinadas palavras para expressarem suas posições ideológicas, em determinado momento
sócio-histórico. Logo, o sentido é historicamente produzido e efeito do uso que é dado às
palavras dentro de uma formação discursiva; e o discurso enquanto efeito de sentidos
(BRANDÃO, 2004).
Por este motivo, para encontrar o sentido do discurso, importa produzir conhecimento
e não empregar o texto como ilustração. Para que o analista possa produzir conhecimento a
partir da materialidade discursiva, precisa de um artefato teórico que irá analisar o próprio
gesto de interpretação, não se limitando a este. Não há, portanto, uma verdade a ser desvelada
ou uma mensagem a ser decodificada pela interpretação do texto; o que há ―são efeitos de
sentido que são produzidos em condições determinadas e que estão de alguma forma
presentes no modo como se diz‖ (ORLANDI, 2003, p.30). Isto significa que, para
compreender os sentidos é preciso colocar o discurso em relação com as suas condições de
produção, que incluem o contexto sócio-histórico e ideológico – este último, uma das duas
grandes vertentes a influenciar a AD francesa.
Falar em ideologia, por sua vez, é adentrar em outro campo complexo. O termo, em si,
polissêmico, remete a várias perspectivas em razão de sua filiação filosófica e teórica, do qual
foge ao escopo desse trabalho. Cabe salientar que o termo, ora empregado, vem das ideias de
Althusser e que influenciou Pêcheux em seus trabalhos. Assim posto, ideologia,
simplificadamente, está ligada à concepção de que as ideias dos sujeitos existem em seus atos,
ou então, que outras ideias são a eles emprestadas para corresponder aos atos que realiza. Diz
respeito, portanto, a um modo de ser no mundo veiculado por essas ideias, o que decorre que
todos os discursos são ideológicos, por serem inerentes ao modo como o sujeito se constitui
(BRANDÃO, 2004).
306

A segunda influência que Pêcheux recebeu em suas atividades analíticas foi a ideia de
Foucault disposta, principalmente, em Arqueologia do saber, quando o autor discorreu sobre
formação discursiva, compreendida como um conjunto de regras que originam a existência de
conceitos, enunciados, estratégias. Para Foucault (2004b), os discursos são dispersos, formado
por elementos que não estão ligados por qualquer princípio de unidade, sendo preciso de
regras para administrar a formação do discurso. Assim, sempre que fosse possível descrever
um sistema de dispersão e definir regularidades, correlações, funcionamentos entre os tipos de
enunciação, conceitos, Foucault falava em passagem da dispersão para a formação discursiva,
inclusive em termos da relação saber-poder.
A partir dessas influências, Pêcheux promoveu adaptações no conceito de formação
discursiva, em especial à concepção de discurso enquanto prática, desenvolvendo a noção de
processo discursivo-ideológico que constitui a fonte de produção dos efeitos de sentido no
discurso (BRANDÃO, 2004).
A formação discursiva estabelece, ―a partir de uma posição numa conjuntura dada,
determinada pela luta de classes‖, portanto, de um lugar social e historicamente determinado,
―o que pode ser e deve ser dito‖ (PÊCHEUX, 1995, p.160). A despeito de haver possibilidade
de descrevê-la em função de suas regras, por suas regularidades, isso não significa que haja
uma unicidade ou homogeneidade do dizer, ou seja, uma única linguagem comum a todos. A
formação discursiva permite a presença de outros sentidos em razão de enunciados que se
entrecruzam, contrapõem, dialogam etc.; esse outro enunciado no interior da formação
discursiva é o interdiscurso, também relacionado à memória discursiva e ao intradiscurso,
possibilitando novos efeitos de sentido no discurso.

A relação entre o já-dito e o que se diz, melhor dizendo, entre sentidos anteriormente
instituídos e uma formulação atual é o que a AD vai denominar de Interdiscurso e
Intradiscurso, respectivamente. O primeiro, discursos já constituídos que entram na produção
discursiva ressignificando o já-dito antes, noutro lugar, como espaço de confrontos
ideológicos das relações de dominação/subordinação. Dessa forma, está introduzida na AD a
noção de interdiscurso, como o que é falado antes, em outro lugar e como o que possibilita
dizeres outros, convocados na história, ideologicamente marcados, que vão afetar os discursos
produzidos pelo sujeito, em dada condição de produção. O segundo [...], é compreendido
como o que está sendo dito em situação e momentos dados, como fio do discurso, como
funcionamento discursivo, atravessado pelo interdiscurso, por isso indissociados
(FLORÊNCIO et. ali, 2009, p.76).

Assim, quando o autor do discurso emprega palavras, expressões, ele se insere em um


espaço discursivo e, para que seu discurso tenha sentido, é necessário que recorra a outros
discursos. Por este motivo que a formação discursiva é heterogênea e atravessada por diversas
307

outras formações, definindo-se a partir de um interdiscurso. Decorre disso que todo discurso
está relacionado com outros, de modo que tudo que é dito já foi, em algum outro momento,
enunciado por outra pessoa em circunstâncias sócio-histórica e ideológicas distintas, não
havendo um discurso puro, transparente, tampouco único (BRANDÃO, 2004; ORLANDI,
2003).
A memória discursiva, por sua vez, é o lugar do já-dito, não enquanto repetição, mas
ressignificação, já que, ao acionar a memória, esta sofreria alterações, e entre lembranças e
esquecimentos, propiciaria a produção de novos sentidos (FLORÊNCIO et. ali, 2009).
Assim, a Análise do Discurso foi escolhida como principal ferramenta de investigação
nesta pesquisa, por permitir:

[...] compreender o enunciado na estreiteza e singularidade de sua situação; de determinar as


condições de sua existência, de fixar seus limites da forma mais justa, de estabelecer suas
correlações com os outros enunciados a que pode estar ligado, de mostrar que outras formas
de enunciação exclui (FOUCAULT, 2004b, p.31).

Com relação ao discurso psicológico, este compreende um conjunto de enunciados que


estão fundamentados em uma formação discursiva, com isso, o discurso psicológico está
inscrito em um sistema de formação de sentidos que possui determinado regime de verdade e
obedece a um conjunto de regras datadas historicamente. Assim, ao utilizar determinada
abordagem teórica e técnicas próprias da Psicologia, o psicólogo exerce uma prática
discursiva enquanto sujeito de seu discurso, afirmando uma dinâmica de poder e saber
(FISCHER, 2001; ORLANDI, 2003).
Portanto, sendo discurso uma prática, é ação, intervenção intencional do
sujeito/psicólogo que promove efeitos sobre o mundo, sobre o social, seja ratificando, seja
desestabilizando os modelos hegemônicos positivistas de cientificidade que pregam os
lugares de verdade e os poderes instituídos. Desta forma, o discurso dito psicológico tem um
caráter político, pois está relacionado a um acontecimento, a um contexto social no qual
intervém. Nesse sentido, o discurso diz respeito à sua relação com os outros discursos,
promovendo efeitos sobre os interlocutores, efeitos estes que variam de acordo com a relação
de forças que se estabelece entre eles (ORLANDI, 2003).
Assim, ao produzir um documento, por exemplo, o psicólogo, que ocupa o lugar
daquele que possui um saber especializado, estabelece uma relação de poder sobre o outro,
age sobre o mundo social, sobre a vida das pessoas, atualizando sua posição de acordo com
sua interpretação, com seu saber, produzindo novos saberes e verdades sobre o sujeito. É
308

desta vontade de saber a verdade sobre o sujeito que o psicólogo produz seu discurso
impresso nos laudos, pareceres, etc.; que, por sua vez, ―não são documentos que ilustram
ideias pré-concebidas, mas monumentos nos quais se inscrevem as múltiplas possibilidades
de leituras‖ (ORLANDI, 2003, p. 64).
Por fim, diante de inúmeras materialidades discursivas disponíveis para o estudo em
questão, indaguei: o que pesquisar; o que eleger para analisar e assim desvelar o
funcionamento do discurso?

3.2 A construção da pesquisa

Uma pesquisa é sempre, de alguma forma, um relato de longa viagem empreendida por um sujeito cujo olhar
vasculha lugares muitas vezes já visitados. Nada de absolutamente original, portanto, mas um modo diferente de
olhar e pensar determinada realidade a partir de uma experiência e de uma apropriação do conhecimento que
são, aí sim, bastante pessoais.
Duarte (2002, p.140)

A intenção dessa pesquisa foi apresentar e analisar os discursos/práticas que integram


as diversas etapas (sindicância, processual e de julgamento) dos Processos Disciplinares
Éticos (PDE) instaurados no Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro (CRP-RJ)
em desfavor de psicólogos, cujo objeto de denúncia foi o documento decorrente de
atendimento psicológico em casos de alegação de abuso sexual contra crianças.
Esse interesse surgiu mediante o pronunciamento de alguns pais que participaram da
pesquisa de Mestrado, cujo tema versava sobre as falsas acusações de abuso sexual de pais
contra filhos no contexto da separação conjugal. Estes anunciaram que iriam oferecer
denúncia contra os psicólogos em seus respectivos Conselhos de Classe em razão de os
mesmos haverem elaborado documentos psicológicos que os implicavam como autores de
abuso sexual contra seus filhos, sem que, ao menos, tivessem sido chamados a prestar
quaisquer informações a respeito (AMENDOLA, 2009a).
Notadamente, estes documentos (laudos, pareceres, etc.), resultantes de atendimentos
prestados a crianças encaminhadas por suspeita de terem sido abusadas sexualmente por seus
pais, têm chegado ao CRP-RJ, sendo oferecidos como objeto de denúncia contra os
psicólogos.
309

Na dissertação, levantei alguns aspectos relacionados à queixa dos pais, sendo a


principal delas o fato de eles não serem atendidos pelo profissional que realizou a avaliação
psicológica, o que não teria evitado com que fossem tratados como culpados

[...] a psicóloga [...] me acusou taxativamente de ter abusado de minha própria filha sem
nunca ter me visto na vida, pois nunca fui por ela atendido (Pai 06).

No laudo da psicóloga [...]. Ao contar sobre o histórico de minha experiência sexual na


infância e juventude, ela resume [...] ―estranha sexualidade‖ (Pai 10).

Foi feito um laudo psicológico (em 2 sessões) onde a psicóloga afirmava que eu tinha uma
conduta desviante. Nunca falei com esta psicóloga, ela nunca entrou em contato comigo
para comunicar que iria fazer alguma avaliação ou acompanhamento psicológico com a
minha filha (Pai 02).

[...] a promotora está tentando [...] colocar uma equipe de psicólogas que estiveram
acompanhando o meu filho e afirmaram que eu sou culpado sem nunca haverem conversado
comigo. Essa equipe emitiu um laudo e a partir de então abrimos uma Representação no
CRP (Pai 03) (AMENDOLA, 2009a, p.146-150).

Shine (2007), em seu projeto de Doutorado, intitulado O que deve conter um laudo
psicológico em perícia judicial da Vara de Família?, propôs analisar laudos psicológicos que
foram alvo de questionamentos técnicos e éticos pela Comissão de Ética do CRP-SP. Para
surpresa daquele pesquisador, ―a questão que mais sobressai é que nove de dez psicólogos
Representados na amostra são questionados por emitir laudos sobre pessoas que não
avaliaram!‖ (SHINE, 2007, p.57). Tal afirmação só vem corroborar o que declarei
anteriormente, assim como mostra que o problema não está restrito ao CRP do Rio de Janeiro.
Em sua tese de doutoramento, renomeada para Andando no fio da navalha: riscos e
armadilhas na confecção de laudos psicológicos para a justiça, defendida em 2009, Shine
promoveu um estudo de 14 Representações e 17 Processos Éticos contra psicólogos que
elaboraram laudos utilizados como prova judicial nas Varas de Família de São Paulo, e que
foram instruídos pelo CRP de São Paulo no período compreendido entre os anos de 1998 a
2005138. Desse total, o autor informou que 20 Representações e Processos Éticos foram
arquivados ou terminaram em absolvição; 08 Processos Éticos foram julgados e os psicólogos
penalizados; e 03 Processos Éticos prescreveram.
A amostra daquele pesquisador foi dividida em ―duas categorias: os laudos ruins e os
bons. Entendendo ‗ruim‘ como falho e por isso julgado e condenado. E ‗bom‘ como

138
Neste período estava em vigência o Código de Ética de 1987, Resolução CFP Nº 002/87, revogada pela atual
Resolução CFP Nº 010/2005; bem como o CPD, Resolução CFP nº005/88 e, revogada, posteriormente, pela
Resolução CFP nº 006/2001.
310

considerado adequado e isento de qualquer responsabilidade na Denúncia/Representação


feita‖ (SHINE, 2009, p.18).
Ao pesquisador interessava ―levantar as diversas queixas contra psicólogos e verificar
se avaliações psicológicas em enquadre jurídico se prestam a maiores questionamentos éticos
e se isto estaria reproduzindo a dinâmica de litígio das partes de que avaliam‖ (SHINE, 2009,
p.15). Shine (2009) também interrogou como deveria o psicólogo proceder ao escrever um
laudo e o que seria um ―bom‖ laudo (ibidem, p.17). Mais adiante, o pesquisador informou
que, ao explorar o material, ampliou o foco de atenção para ―além do laudo psicológico‖,
passando a incluir os ―autos do processo ético‖ (SHINE, 2009, p.83) transitado em julgado.
Como resultado de seu trabalho, Shine (2009) verificou alguns aspectos: [1] que a
maioria das Representações era solicitada por pessoas que não foram atendidas ou avaliadas
pelos profissionais, mas que se sentiram prejudicadas pelas declarações contidas nos laudos
psicológicos; [2] que o psicólogo que atua na Vara de Família (onde faz parte do quadro
técnico como funcionário do Tribunal de Justiça de São Paulo desde 1987) não é o mais
representado no CRP-SP; [3] que o maior número de Processos Éticos recai sobre os
psicólogos que ―realizam psicodiagnóstico ou terapias de crianças‖ (p.5); [4] que desta
atuação resulta um documento que tem por destino o âmbito judicial; [5] que tais documentos
trazem prescrições jurídicas na forma de sentenças; [6] e que ―dois terços dos trabalhos
escritos foram considerados isentos de falhas técnicas ou éticas‖ (SHINE, 2009, p.5).
Outro trabalho de pesquisa anteriormente mencionado, porém que interessa resgatar –
por se tratar de um estudo realizado com Processos Disciplinares Éticos (PDE) – foi a
dissertação de mestrado desenvolvida por Frizzo (2004) intitulada Infrações éticas, formação
e exercício profissional em Psicologia. Seu estudo teve por objetivo ―caracterizar infrações
éticas no exercício profissional dos psicólogos de Santa Catarina a partir da análise das
denúncias apreciadas pela Comissão de Ética do Conselho Regional de Psicologia no período
de 1992 a 2003‖ (FRIZZO, 2004, p.9).
A autora desenvolveu categorias a partir da identificação de núcleos temáticos:

a) forma da denúncia; b) tipos de denunciantes; c) suposta infração ética apresentada; d)


status de decisão sobre a denúncia; e) argumentos de defesa do psicólogo; f) tipos de
procedimentos utilizados para a instrução dos processos éticos; g) provas documentais mais
utilizadas por ambas as partes para a instrução do processo; h) tipos de testemunhas mais
indicados; i) tempo necessário para decidir sobre o arquivamento ou instauração de processo
ético, para instruir o processo e levá-lo a julgamento e para apreciar os recursos na instância
federal; j) penalidade por ocasião do julgamento e do recurso (FRIZZO, 2004, p.9).
311

Tanto a pesquisa de Shine (2009) – que estudou os PDE que continham laudos
psicológicos alvos de questionamentos técnicos e éticos, e que foram oferecidos como prova
pericial às Varas de Família de São Paulo independentemente da temática abordada 139 –
quanto a de Frizzo (2004) – que promoveu o levantamento quantitativo de todos os PDE na
COE/CRP-SC – são estudos que tiveram por matéria-prima os documentos contidos nos PDE.
Embora a proposta de pesquisa nesta tese compartilhe de materialidade semelhante
(Processos Disciplinares Éticos), difere metodologicamente das demais, pois os autores não
fizeram análise dos discursos contidos nos documentos por eles pesquisados.
Para esta pesquisa, optei por desenvolver a análise dos discursos presentes nos
Processos Disciplinares Éticos (PDE) instaurados no CRP-RJ, cujo mote refere-se à
elaboração de documento – oferecido como objeto de denúncia – decorrente de atendimento
psicológico destinado a crianças em casos de suspeita de abuso sexual.
Parti, portanto, da compreensão de que os discursos impressos na forma de laudos,
relatórios, pareceres, atestados, etc., exprimem uma prática psicológica que não só produzem
saber acerca de um sujeito, mas também definem a própria atuação profissional, criam uma
identidade, porquanto revelam as preferências teóricas, bem como o instrumental técnico, as
ideologias e os dispositivos de poder-saber que enunciam o sujeito.
A partir da investigação dos documentos psicológicos procurei, dentre outros
aspectos: qualificar140 os denunciantes e identificar a queixa contida na denúncia protocolada
no CRP-RJ; qualificar o psicólogo denunciado, indicar em qual contexto o documento foi
elaborado, qual a metodologia empregada, qual a demanda era por ele atendida e o destino
desse material; analisar a produção discursiva nos documentos elaborados pelos psicólogos
(laudos, pareceres, declarações, etc.) e que se tornaram objeto de denúncia no CRP-RJ; as
possíveis repercussões na vida das pessoas envolvidas direta ou indiretamente no
atendimento psicológico; e as questões éticas implicadas.
Ademais, analisei, a partir do que se encontra exposto nos pareceres elaborados pelas
Comissões de Instrução, como a Comissão de Orientação e Ética do CRP-RJ compreende e
julga tais práticas psicológicas à luz do CEPP, indicando os artigos capitulados. Além disso,
busquei circunscrever o(s) argumento(s) contido(s) no Relatório de julgamento para

139
Os temas que versam os laudos estudados pelo autor vão desde solicitação de visitas (maioria dos processos),
reversão de guarda dos filhos, acusação de maus tratos e abuso sexual, ao reconhecimento de paternidade.
140
Preferi utilizar o termo ―qualificar‖, à semelhança do que é empregado pelo CRP, como forma de identificar
os autores dos discursos sem, contudo, deixar de preservar o sigilo dessa identificação conforme os Art. 16 do
CEPP e Art. 29 do CPD. Assim, o termo qualificar soou mais compatível com a proposta.
312

fundamentar a aplicação de penalidade ou o arquivamento do Processo Ético; indicar a


penalidade aplicada e qual(is) ao(s) critério(s) adotado(s) para sua aplicação; se houve
reformulação da penalidade pelo Plenário de Julgamento e qual a justificativa; se houve
recurso ao Conselho Federal de Psicologia, quem recorreu, qual(is) o(s) argumento(s)
utilizado(s) para justificar a alteração da penalidade e qual a decisão do recurso.
Assim, para a operacionalização deste trabalho, promovi, inicialmente, uma pesquisa
exploratória. O termo ―fase exploratória da pesquisa‖ é utilizado por Minayo (1998, p.26)
para definir o período em que o pesquisador dedica-se a interrogar ―preliminarmente sobre o
objeto, os pressupostos, as teorias pertinentes, a metodologia apropriada e as questões
operacionais para levar a cabo o trabalho de campo‖ (MINAYO, 1998, p.26).
Nesta fase exploratória, parti das considerações acerca do disposto na Resolução N°
006/2007 do Conselho Federal de Psicologia, que institui o Código de Processamento
Disciplinar (CPD), para organizar, junto ao Conselho Regional de Psicologia do Rio de
Janeiro, uma forma de realizar a pesquisa, contemplando os critérios de sigilo do material.
Cabe ressaltar que, na ocasião em que o anteprojeto de pesquisa foi elaborado, já me
encontrava comprometida com o dever do sigilo na condição de conselheira da Gestão (2007-
2010) e presidente de uma Comissão de Instrução de Processos Éticos, conforme estabelece o
artigo 29 do CPD:

Art. 29 - O conteúdo do processo ético terá caráter sigiloso, sendo permitida vista dos autos
apenas às partes e aos seus procuradores, fornecendo-se cópias das peças requeridas.
§ 1º - O dever de segredo estende-se à Comissão de Ética, às Comissões de Instrução e aos
Conselheiros, como também aos servidores do Conselho que dele tomarem conhecimento por
dever de ofício.
§ 2º - Todos os procedimentos durante a instrução processual correrão em sigilo, o que deverá
ser informado, por escrito, às partes pela Comissão, sendo de responsabilidade das partes
preservá-lo, sob pena de incorrerem em responsabilidade civil e penal no caso de divulgação
do seu conteúdo.
§ 3º - A informação a respeito da existência do processo e das partes envolvidas, sem
referência ao conteúdo, não se constitui desobediência ao disposto neste artigo.

Embora não mais esteja exercendo a função de conselheira, o compromisso de sigilo


permanece, em respeito às determinações do CEPP:

Art.16 – o psicólogo, na realização de estudos, pesquisas e atividades voltadas para a


produção de conhecimento e desenvolvimento de tecnologias:
a) Avaliará os riscos envolvidos, tanto pelos procedimentos, como pela divulgação dos
resultados, com o objetivo de proteger as pessoas, grupos, organizações e comunidades
envolvidas;
b) Garantirá o caráter voluntário da participação dos envolvidos, mediante consentimento
livre e esclarecido, salvo nas situações previstas em legislação específica e respeitando os
princípios deste Código;
313

c) Garantirá o anonimato das pessoas, grupos ou organizações, salvo interesse manifesto


destes;
d) Garantirá o acesso das pessoas, grupos ou organizações aos resultados das pesquisas ou
estudos, após seu encerramento, sempre que assim o desejarem.

Compromisso do sigilo garantido, iniciei a pesquisa exploratória reunindo-me com a


presidência da Comissão de Orientação e Ética (COE) do Conselho Regional de Psicologia
do Rio de Janeiro, entre junho e setembro de 2006, por ocasião da conclusão do Mestrado em
Psicologia Social na UERJ, apontando para o interesse em dar continuidade à pesquisa. Em
uma dessas reuniões da qual participei estavam presentes a então conselheira-presidente da
COE da Gestão da XI Plenária (2004-2007), Ana Lúcia de Lemos Furtado, a psicóloga
assistente técnica da COE, Zarlete Farias e o assessor jurídico do CRP, Paulo Henrique Teles
Fagundes. Naquele momento, buscamos definir formas de viabilizar a análise dos
documentos contidos nos Processos Disciplinares Éticos transitados em julgado e arquivados,
visando à garantia do sigilo. Dessa reunião, ficou determinado que eu deveria formalizar,
junto ao CRP-RJ, o pedido para pesquisa.
Apreciada essa etapa, parti para a construção do anteprojeto de pesquisa, submetido à
seleção do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da UERJ, quando propus,
inicialmente, que o trabalho de campo seria desenvolvido em duas etapas: a primeira, que
dizia respeito à análise de documentos, cuja amostra seria do tipo não probabilística
intencional (BERQUÓ; SOUZA; GOTLIEB, 1981), ou seja, os documentos analisados
seriam escolhidos intencionalmente pelo pesquisador, após prévia seleção pela Comissão de
Orientação e Ética. Nesse caso, a amostra foi pensada para ser composta de 20 documentos:
10 Representações arquivadas e 10 Processos Éticos transitados em julgado e arquivados
após a aplicação da penalidade. Para a segunda etapa, foi planejada a realização de entrevista
com os psicólogos conselheiros e colaboradores, responsáveis pela instrução das
representações éticas na Comissão de Orientação e Ética do CRP-RJ, com o propósito de
articular a compreensão que eles possuem sobre ética, agir ético-profissional e o Código de
Ética, com a prática da avaliação psicológica e elaboração de documentos.
Após a aprovação do anteprojeto e já no curso de doutorado, a opção foi por delimitar
o corpus da pesquisa à análise dos dados e discursos presentes nas Representações e
Processos éticos (nos PDE), o que inclui não somente os documentos psicológicos que foram
objeto de denúncia, mas todos os documentos contidos nos PDE que representam cada etapa
dos trâmites processuais, incluindo os pareceres elaborados pelas Comissões de Instrução e o
Relatório de julgamento. Nesse sentido, considerei desnecessárias as entrevistas com os
314

psicólogos que atuam na instrução processual por dois motivos principais: primeiro, porque
os discursos/práticas das Comissões de Instrução estariam contemplados na análise dos PDE,
por meio de seus pareceres, em segundo, porque, pela minha experiência de trabalho na COE
durante as Gestões 2004-2007 e 2007-2010, o modo de funcionamento desta Comissão varia,
de tempos em tempos (em virtude da mudança das pessoas/gestão pelo processo eleitoral),
em razão de seu momento socio-histórico e político. Ademais, o trabalho iria se tornar
extenso, com o risco de o foco da pesquisa se desviar da análise dos discursos contidos nos
PDE, voltados para os documentos psicológicos, para se ater aos trâmites processuais e
funcionamento da própria COE. Assim, fica a sugestão para uma próxima pesquisa.
Com a mudança de Gestão do CRP-RJ (2007-2010), a psicólogo-conselheira Lygia
Santa Maria Ayres assumiu a presidência da COE, de tal modo que foi estabelecido novo
contato e proposta para estudo dos Processos Disciplinares Éticos, que não foi somente
aceita, mas incentivada pela conselheira Lygia, tendo em vista seu interesse em pesquisas e
discussões acerca da atuação profissional e questões éticas implicadas.
Visando formalizar o pedido de análise das Representações e Processos Éticos que
versam sobre elaboração de documentos resultantes de atendimento psicológico de crianças
supostamente vítimas de abuso sexual, encaminhei solicitação por escrito à COE141. O
documento foi apresentado em Reunião Plenária, quando foi aprovado por unanimidade,
oportunidade em que foram definidos alguns critérios para execução da pesquisa a fim de
garantir o sigilo. Dentre estes, ficou determinado, em ata da reunião, que em toda e qualquer
pesquisa com documentos sigilosos da COE, estes poderão ser consultados pelo pesquisador
em espaço do próprio Conselho, a ser determinado pela Comissão, que também estabelecerá
o melhor horário para a coleta de dados, visando a não comprometer a rotina do serviço. O
Plenário também decidiu que a COE iria encaminhar solicitação ao Conselho Federal de
Psicologia para aprovação da pesquisa142.
Posteriormente, a conselheira Lygia Ayres, em reunião periódica de capacitação da
COE, de novembro de 2009, abriu espaço para que eu expusesse os objetivos da pesquisa a
toda equipe presente, não só para que tomassem conhecimento, mas, e principalmente, para
que todos tivessem a oportunidade de contribuir com sugestões quanto aos procedimentos
para efetivação da mesma.

141
Apêndice.
142
Em anexo D e E
315

Por ser a primeira pesquisa autorizada pelo CRP-RJ para analisar documentos
sigilosos da Comissão de Orientação e Ética, a equipe da COE salientou que tal fato abre um
precedente para que outras pesquisas possam ser realizadas com material do Conselho.
Assim, apenas algumas medidas mínimas para garantir o sigilo do material iriam ser
definidas pela COE, deixando que a própria experiência de pesquisa, em seu pioneirismo,
desbravasse e construísse um possível caminho, ou seja, à medida que a pesquisa fosse
desenvolvida, entre possíveis erros e acertos, alguns critérios poderiam ser estabelecidos e
colocados como regra para as propostas vindouras.
Para maior segurança do CRP-RJ, assim como do pesquisador, e garantia do sigilo
das partes envolvidas nos Processos Disciplinares Éticos (PDE), ficou determinado, nesta
reunião de capacitação da COE, que a solicitação para análise de material do CRP-RJ/COE
deveria conter a assinatura do pesquisador e de seu orientador; além do que não seria
permitida a retirada do material da COE, devendo o mesmo ser estudado no próprio
Conselho, conforme já decidido em Reunião Plenária.
Em 2010, o Conselho Federal de Psicologia, em atenção ao pedido de análise dos
PDE, respondeu ao Plenário do CRP-RJ que este possui autonomia para decidir sobre
assuntos relativos à concessão de licença para pesquisar material de caráter sigiloso
pertencente à COE, sendo esta responsável pelo uso que o pesquisador fizer deste material. É
preciso lembrar que o psicólogo pesquisador também é passível de responsabilização, de
acordo com o Art.16 supracitado.
Após o exame de qualificação do projeto de pesquisa de doutorado, ficou estabelecido
em comum acordo com as sugestões oferecidas pela banca que, para a efetivação da análise
dos PDE, seria preciso que eu adotasse alguns outros critérios para fins de definir a amostra
desta pesquisa e a configuração do objeto de análise.

3.3 A amostra

Durante a fase de exploração do material junto à Comissão de Orientação e Ética


(COE) do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro (CRP-RJ), parti, inicialmente,
do levantamento de todos os Processos Disciplinares Éticos (PDE) arquivados e em
316

andamento143 que tinham por objeto de denúncia o documento psicológico (laudo, parecer)
decorrente de atendimento psicológico. Em seguida, selecionei aqueles, cujo conteúdo dos
documentos psicológicos versava sobre alegação de abuso sexual contra criança. Com isso,
foram selecionados, ao todo, 26 PDE arquivados e 16 em andamento, conforme disposto na
tabela 9. Nesta, em função da preservação do sigilo, optei por dispor os PDE em ordem
numérica, mantendo o ano de origem (em que a denúncia foi protocolada no CRP-RJ).

Tabela 9 – PDE com documento psicológico

Representação CRP n° Fase preliminar Instauração Julgamento CRP Recurso CFP


Processo ético
001/99 Indicação PE Instauração Prescrição
002/99 (apensados)
001/00 Indicação PE Instauração Prescrição
002/00 (apensados)
003/00 Arquivamento
004/00 Indicação PE Instauração Censura Pública Prescrição
001/01* Arquivamento
002/01 Arquivamento
001/02* Indicação PE Instauração Absolvição
002/02 Arquivamento
003/02 Arquivamento
004/02
001/03 Arquivamento
002/03 Arquivamento
003/03** Indicação PE Instauração Advertência Censura pública
004/03** Indicação PE Instauração Advertência Censura pública
005/03 Arquivamento
006/03 Indicação PE Arquivamento Óbito representada
001/04 Indicação PE Instauração Advertência Censura pública
002/04 Arquivamento
003/04 Arquivamento
004/04 Andamento
005/04 Arquivamento
001/05 Arquivamento Arquivamento
002/05 Prescrição
003/05 Indicação PE Instauração Suspensão 30 dias Aguarda Recurso
004/05 Andamento
005/05** Indicação PE Instauração Censura pública
006/05* Indicação PE Instauração Censura pública
001/06* Indicação PE Instauração Aguarda julgamento
002/06 003/06 001/09 Andamento
(apensados)
004/06 Andamento
001/07 Arquivamento
002/07 Indicação PE Instauração Cassação Aguarda Recurso
003/07 Arquivamento
001/08 Andamento Instauração Aguarda julgamento
002/08 Andamento

143
Não estão incluídas as Representações que aguardam instrução.
317

003/08 Andamento
004/08 Andamento
002/09 Andamento
003/09 Andamento
004/09 Andamento
001/10 Andamento
002/10 Andamento
003/10 Andamento
001/11 Andamento
002/11 Andamento
Fonte: tabela organizada pela autora

Posteriormente, foram excluídos (as):


 Todos os PDE (Representações e Processos Éticos) em andamento, aguardando
julgamento ou julgados, mas em fase de recurso junto ao Conselho Federal de
Psicologia, ou seja, os que não estavam arquivados;
 Todas as Representações (fase preliminar) arquivadas;
 Os PDE (Representações e Processos Éticos) por mim instruídos, seja enquanto
colaboradora, seja enquanto conselheira; marcados com um asterisco (*);
 Os PDE (Representações e Processos Éticos) que eu tenha me declarado impedida,
seja de instruir, seja de julgar, por conhecer uma ou ambas as partes envolvidas, ou
ainda, por haver atuado no caso enquanto perita ou assistente técnica; marcadas com
dois asteriscos (**);
 Finalmente, foi excluído o Processo Disciplinar Ético cuja psicóloga faleceu durante a
fase de instrução processual.

Lembrando que o CRP-RJ ficou sem instruir e julgar Processos Disciplinares Éticos
durante um período que culminou com a intervenção do CFP, conforme relatei no capítulo 2,
o número de PDE poderia ser inferior ao número planejado (10), como de fato o foi. Por conta
desse contexto, além de analisar os PDE que foram transitados em julgado e arquivados, optei
por incluir as Representações que possuíam indicação de instauração de processo, mas que
foram arquivadas em razão da prescrição.
Por fim, foram selecionadas para análise nesta pesquisa:
 as Representações que, após receberem indicação de abertura de Processo Ético em
Parecer da Comissão de Instrução (CI) aprovado pelo Plenário, foram arquivadas em
razão da prescrição;
 e os Processos que foram a julgamento e arquivados logo após.
318

Tabela 10 – PDE selecionados para análise

Representação CRP n° Fase preliminar Instauração Processo Julgamento Recurso CFP


ético CRP
001/99 e 002/99 Indicação PE Instauração Prescrição
001/00 e 002/00 Indicação PE Instauração Prescrição
004/00 Indicação PE Instauração Censura Pública Prescrição
001/04 Indicação PE Instauração Advertência Censura Pública
Fonte: tabela organizada pela autora

Mediante o respeito aos critérios adotados, o corpus dessa pesquisa foi composto por
seis PDE. Cinco deles foram as primeiras denúncias recebidas pelo CRP-RJ sobre a temática
proposta nesta tese – avaliação psicológica em casos
Resolução CFP nº 006/2001
de alegação de abuso sexual contra criança –, que CAPÍTULO III - Dos Impedimentos
prescreveram na mesma época em que ingressei no Art. 101 - Não poderão atuar no feito
aqueles que a lei declarar impedidos, bem
CRP-RJ para trabalhar como colaboradora na como os absoluta ou relativamente
incapazes de exercer pessoalmente os atos
instrução processual. da vida civil.
Art. 102 - Estão absolutamente impedidos
Digno de nota, também, é o fato de que muitos de exercer a função de Relator, em qualquer
instância, bem como de participar do
PDE foram arquivados ainda na fase de processo, os parentes até terceiro grau;
Representação, porém, em função do objetivo dessa aqueles que de qualquer forma tenham se
envolvido com o fato objeto da
pesquisa se restringir à análise dos PDE arquivados representação; que tenham, publicamente,
sobre este emitido juízo de valor; e que
após instauração de Processo Ético, o motivo que tenham ou tenham tido relação de vínculo
profissional com o psicólogo processado ou
levou ao arquivamento das Representações não foi o denunciante.
Parágrafo Único - O impedimento será
aqui ponderado. declarado de ofício, podendo a parte
Quanto à declaração de impedimento, também suscitá-lo a qualquer tempo, e,
qualquer que seja a fase processual, desde
considero fundamental traçar alguns comentários. O que faça na primeira oportunidade em que,
após ter tomado conhecimento do fato, tiver
critério de impedimento estabelecido no Código de de falar no processo.
Processamento Disciplinar (CPD) é objetivo e visa à
imparcialidade e à isenção no trato da matéria.
Como não há diferença expressiva sobre a matéria entre a Resolução CFP nº 006/2001
que instituía o CDP e a Resolução CFP nº 006/2007 que a sucedeu e está atualmente em
vigor, logo, o que estava estabelecido para o período em que atuei sob a vigência do CDP de
2001, continua válido para o período atual.
319

Desta forma, se, na ocasião, em cumprimento ao que determina o Art. 93 144 da


Resolução CFP nº 006/2001, declarei-me impedida de instruir e/ou julgar alguns dos PDE em
razão de ter atuado como assistente técnica ou como perita em alguns casos em que houve
denúncia de abuso sexual contra a criança, por analogia –, senti-me na obrigação de aplicar o
mesmo princípio para proceder à análise dos processos nesta pesquisa, desta vez, por haver
mantido vínculo profissional com o psicólogo processado ou com a parte denunciante145 (Art.
102, Resolução CFP nº 006/2007). Logo, declarei-me impedida de analisar três PDE nesta
pesquisa.
Diferentemente do impedimento é a declaração de suspeição, esta sim, de ordem
subjetiva e relaciona-se às questões de afetividade. Com isso, dizem respeito, por exemplo, a
situações em que há amizade íntima ou inimizade com uma ou ambas as partes, com o fato de
haver recebido favores ou ter interesse no julgamento em favor de uma das partes. Nestes
casos, apela-se pela imparcialidade e o afastamento ou recusa no trato da questão (PIZZOL,
2005).
Restaram, assim, 06 processos compreendidos no período entre 1999 e 2004, sendo:
04 apensados por tratarem da mesma matéria (01/99; 02/99 e 01/00; 02/00) e que
prescreveram após decisão do Plenário pela instauração de Processo Ético e arquivados e 02
julgados no CRP-RJ e, posteriormente, seguiram com recurso ao Conselho Federal de
Psicologia, tendo 01 prescrito nesta instância (04/00), enquanto o outro teve a pena agravada
(01/04).

3.4 O método

Como a análise dos discursos contidos nos PDE ocorre pelo viés da pesquisa
qualitativa, mais do que a quantidade de processos, era essencial que este trabalho contivesse
denúncias que culminaram com a instauração de Processos Éticos. A observação e análise
desse percurso, com suas histórias, argumentos, enfim, toda uma dinâmica de informações, de

144
Art. 93 - Estão absolutamente impedidos de exercer a função de relator, em qualquer instância, bem como de
participar do processo, os parentes até terceiro grau, aqueles que de qualquer forma tenham-se envolvido com o
fato objeto da representação, ou que tenham, publicamente, emitido juízo de valor sobre o mesmo, tenham ou
tenham tido relação de vínculo profissional com o denunciado.
145
O Art.102, Resolução CFP nº 006/2007, foi o único em que sofreu alguma alteração com o acréscimo da parte
que diz respeito ao vínculo profissional com o denunciante.
320

justificativas, de jogos de verdade, de encontro de forças, de práticas, de relações e de


implicações, possui significados e interpretações as quais procurei explorar.
Desta forma, não importou, para este estudo, a reconstrução linear, passo a passo dos
trâmites processuais adotados, mas, sim, os discursos/práticas contidos nos documentos
enquanto exercício de interpretação na busca pelas condições de produção ou fundamento do
sentido.
A título de informação, os documentos contidos nos PDE estudados dos quais foram
extraídos fragmentos dos discursos foram os seguintes:

Tabela 11 – Documentos contidos nos PDE

Etapa de Representação Etapa Processual Etapa de Julgamento


Denúncia Provas e Testemunhas Relatório de Julgamento
Defesa Prévia Defesa Escrita, provas e testemunhas do Recurso ao CFP pelo
psicólogo denunciado psicólogo denunciado
Parecer da Comissão Instrução Alegações finais do denunciante Recurso ao CFP pelo
CPE/COE denunciante
Pedido de Reconsideração do psicólogo Alegações finais do Psicólogo Análise de Recurso e
denunciado denunciado Decisão final do CFP
Pedido de Reconsideração do
denunciante
Contra-razões do psicólogo denunciado
Contra-razões do denunciante
Parecer de análise de pedido de
Reconsideração da CPE/COE
Fonte: tabela organizada pela autora

Para selecionar nestes documentos (PDE) os discursos que seriam objetos de análise,
optei por considerar alguns elementos. Primeiramente, ter o tema desse estudo sempre em
perspectiva na intenção de identificar e analisar as diversas materialidades discursivas e seus
efeitos de sentido produzidos em determinadas condições como, por exemplo, no atendimento
psicológico em circunstâncias em que houve uma alegação de abuso sexual. Também
verificar para posterior análise que subjetividades foram produzidas por estes discursos e
como os denunciantes e os psicólogos denunciados fizeram referências à conduta profissional
e à ética, dentre outros, observando ―as palavras escolhidas à confecção, os fatos
privilegiados, os entrevistados a serem chamados ou não, a impressão do psicólogo em cada
caso‖ (CARVALHO; AYRES; FARIAS, 2009, p.83).
Adjacente a isso, selecionei alguns fragmentos dos textos nos PDE para serem
analisados em resposta à minha afetação, segundo aquilo que suscitou em mim uma reflexão e
discussão, porquanto, todo pesquisador é um sujeito que produz sua análise a partir de um
321

lugar sócio-histórico-ideológico. Com isso, alguns discursos foram, invariavelmente,


preteridos em relação a outros que evidenciassem, por exemplo, a (re)produção de saberes, de
verdades e conceitos, as ideologias, os escapes, as criações, enfim, uma sorte de enunciados
que pudesse ser problematizada.
Para fins de organizar e apresentar a análise dos discursos selecionados, optei por
empregar tipologias. Orlandi (2003) explica que a tipologia é um recurso útil ao analista de
discurso, pois o auxilia a dar visibilidade aos fatores discursivos. Embora seja uma espécie de
etiquetagem ou rubrica, o analista não deve se prender a este aspecto, mas à observação do
modo de funcionamento, das propriedades internas do discurso que o permitam caracterizar o
discurso em tipos. Porque obedece ao princípio discursivo, a tipologia aponta para as relações
entre os anunciantes, sujeitos ou autores do discurso, para as relações de sentido, não se
configurando um juízo de valor, mas uma ―descrição do funcionamento discursivo em relação
às suas determinações histórico-sociais e ideológicas‖ (ORLANDI, 2003, p.87). Ademais,
porque não existe um discurso puro, mas articulações entre discursos, a tipologia expressa um
funcionamento dominante, ―assim se evitam as etiquetas definidoras, que são interpretadas
mais pela forte carga ideológica‖ (ORLANDI, 2003, p.88).
Seguindo essa estratégia, pretendi retirar o enfoque do PDE e seus trâmites para
atribuí-lo ao discurso/prática e, com isso, preservar o sigilo das informações, outro aspecto
por mim cuidadosamente observado. Desta forma, qualquer elemento que pudesse levar à
identificação dos sujeitos foi suprimido. Com isso, também preferi adotar nomes fictícios para
todos os autores dos discursos. Igualmente, mantive expressões ―denunciante‖ e ―psicólogo
denunciado‖, que somente vieram a ser alteradas para ―representante‖ e ―psicólogo
representado‖ com a instituição do atual CPD. Isso significa que, em todos os PDE
analisados, foram três os interlocutores ou autores dos discursos por mim selecionados: o
denunciante, o psicólogo denunciado e a Comissão de Instrução (com seus psicólogos
conselheiros e colaboradores); sendo esta substituída pelo Plenário (ou pelo próprio CRP), o
interlocutor na etapa de Julgamento, e o CFP, quando houvesse recurso.
Qualquer menção a datas também foi suprimida, à exceção da referência ao ano, na
intenção de dar uma ideia do transcurso do tempo, fator importante para análise, dada a
prescrição de alguns PDE.
Considero importante, ainda, ressaltar mais alguns aspectos para dar maior clareza no
tratamento dos dados: parto do princípio, pela própria razão de ser do PDE, que os discursos
do denunciante e do psicólogo denunciado são oponíveis (pois raros são os psicólogos que
322

admitem terem cometido algum erro alegado pelo denunciante), cabendo à CI/COE o
exercício da leitura e análise dos fatos com correção, lisura e imparcialidade, cumprindo com
seu papel de Tribunal Regional de Ética.
Oponíveis ou não, os discursos tanto do denunciante quanto do psicólogo denunciado
e do próprio CRP/COE só existem porque há uma relação intrínseca entre eles, uma relação
dialógica, bastante tensionada. Os discursos, portanto, dialogam entre si, seja repetindo,
dissentindo, contestando, formando um emaranhado de discursividade, como define Orlandi
(2003). São respostas a outros discursos produzidos em determinado momento sócio-
histórico. Tampouco são discursos neutros ou inocentes, uma vez que são produzidos a partir
de uma perspectiva social e histórico-ideológica de cada anunciante, transmitindo valores,
crenças, interesses, pontos de vista, etc. (FLORÊNCIO et. ali, 2009; ORLANDI, 2003).
Embora todos os textos sejam polissêmicos e, necessariamente, dialógicos, nesta
pesquisa os discursos foram organizados didaticamente em quatro grandes tipos, adotando,
por critério: (1) o discurso impresso nos documentos psicológicos que, a princípio, deu
origem ao (2) discurso do denunciante, e este, por sua vez, deu origem ao discurso (3) da
defesa, que juntos, originaram (4) o discurso da instituição CRP/COE.
Finalmente, e também para fins didáticos, dispus, primeiramente, a apresentação dos
personagens e, na sequência, a análise discursiva de fragmentos dos discursos, orientada pelas
tipologias.

3.5 Apresentação dos personagens ou autores dos discursos por PDE

Para facilitar a leitura e compreensão das relações estabelecidas entre os personagens,


optei por elaborar uma tabela com os nomes fictícios que atribui a cada um deles para,
posteriormente, fazer uma breve apresentação (qualificação) dos mesmos.

Tabela 12 – Personagens ou autores dos discursos

PDE Nº Denunciante Psicólogo Denunciado Criança


01/99 João Ana
02/99 Emília
01/00 João Cristina Gisele
02/00 Emília
04/00 Ricardo Ana Clara
01/04 Sandro e Beatriz Carol Mateus
Fonte: tabela organizada pela autora
323

João é residente na cidade do Rio de Janeiro, possui ensino superior com pós-
graduação. Foi casado com Maria e tiveram uma filha por nome Gisele. Após a separação
conjugal, a menina foi morar com a mãe. A denúncia de abuso sexual implicando João partiu
de Maria, após a separação do casal, quando a criança contava com 05 anos de idade.
Emília é parente de João e de Gisele. É psicóloga formada e inscrita no CRP-RJ.
Ana é psicóloga inscrita no CRP-RJ, pós-graduada, residente na cidade do Rio de
Janeiro e trabalha em uma clínica psicológica que presta serviços a crianças com suspeita de
abuso sexual.
Cristina é psicóloga inscrita no CRP-RJ e atua enquanto funcionária concursada, em
uma Vara de Família do Tribunal de Justiça de um município do Estado do Rio de Janeiro.
Ricardo é brasileiro, residente na cidade do Rio de Janeiro, possui nível superior e está
aposentado. Após separar-se da esposa, com quem teve uma filha, Clara, foi acusado por ela
de abusar sexualmente da criança que estava com 03 anos de idade na ocasião.
Sandro é filho de Beatriz e pai de Mateus de 03 anos de idade. Beatriz, psicóloga de
formação, foi acusada por Ângela, ex-mulher de Sandro, de abusar sexualmente do neto
Mateus.
Carol é psicóloga inscrita no CRP-RJ, residente na cidade do Rio de Janeiro e trabalha
em seu consultório particular.
Pelos personagens, já é possível perceber, inicialmente, que João e Emília são parentes
e que ambos denunciaram, em ocasiões diferentes, a mesma psicóloga, Ana, por haver
elaborado documento psicológico após atender Gisele, de cinco anos, com suspeita de ter sido
abusada sexualmente pelo pai, João. Os PDE foram apensados pela COE por se tratar de
assuntos idênticos, embora com visões particulares oferecidas pelos denunciantes sobre a
atuação da profissional denunciada.
Posteriormente, João e Emília protocolaram denúncia contra Cristina, após a mesma
emitir documento resultante de avaliação psicológica realizada em Vara de Família, em que
apontou indícios da ocorrência de abuso sexual da criança supostamente cometida por João.
Os PDE também foram apensados por versarem sobre mesma matéria.
Ana voltou a ser denunciada no CRP-RJ, desta vez, por Ricardo, também por haver
elaborado documento psicológico, após denúncia de abuso sexual contra a criança Clara de
três anos.
Sandro e Beatriz protocolaram em conjunto denúncia contra Carol por a mesma haver
elaborado documento em que indicava Beatriz como autora de abuso sexual do neto Mateus.
324

Em comum a todos os denunciantes está a queixa ou denúncia protocolada no CRP-RJ


– no período compreendido entre os anos de 1999 e 2004 – contra as profissionais em razão
da elaboração de documentos psicológicos que os implicavam como autores, ou familiares
destes, de um alegado abuso sexual contra criança.

3.6 Vidas Impressas: análise dos discursos nos documentos psicológicos

Que documentos são esses encaminhados ao CRP-RJ? São documentos produzidos


por psicólogos e que foram entregues pelos denunciantes como prova de uma possível
ocorrência de infração ao Código de Ética do Profissional Psicólogo (CEPP). Porém, em que
circunstâncias foram elaborados; quem são esses psicólogos; que tipo de documento fizeram;
a pedido de quem; para que fizeram; e a que se destinavam? Além disso, o que contêm esses
documentos psicológicos para se tornarem objeto de denúncia; que tipo de informação
prestaram; quais seus efeitos de sentido?
Essas foram algumas das perguntas que me serviram para visualizar o panorama que
envolve os PDE aqui analisados. Ademais, auxiliou-me a desabituar o pensamento e a me
preparar para exercitar a interpretação dos dados, lembrando que a descrição, conforme
entende Pêcheux (1995), é uma forma de análise que possibilita a interpretação.
Assim, os documentos psicológicos, analisados nesta pesquisa – entregues ao CRP-RJ
como prova de uma suposta infração do CEPP – foram redigidos por psicólogos que exercem
suas atividades profissionais em: (1) clínicas/instituições destinadas ao atendimento de
crianças consideradas vítimas de abuso sexual; (2) Tribunal de Justiça em Vara de Família;
(3) consultório particular.
Todos os três psicólogos são mulheres (Ana, Cristina e Carol), como na maioria dos
PDE, uma característica da profissão de Psicologia definida culturalmente como uma carreira
feminina – juntamente a outras ligadas às áreas de Humanas e Letras – e que se mantém assim
desde a década de 1970-80, quando houve a expansão do ensino superior no país,
especialmente na rede privada, conforme já discuti (CASTRO; YAMAMOTO, 1998; JACÓ-
VILELA; OLIVEIRA; ESPÍRITO SANTO; CARNEIRO; MESSIAS; VALENTE, 2007).
À exceção de um PDE, os documentos psicológicos interpostos como objeto de
denúncia no CRP-RJ, e que deram origem aos PDE aqui analisados, são anteriores às
325

Resoluções que instituíram o Manual de Elaboração de Documentos Escritos produzidos pelo


psicólogo decorrentes de avaliação psicológica (Resolução CFP nº 30/2001; 17/2002;
007/2003).
Sem um modelo padronizado a ser seguido, não obstante houvesse o CEPP (Resolução
CFP nº 002/1987) – pois este também não oferecia parâmetros técnicos e estruturais para a
confecção dos documentos psicológicos –, a maioria dos documentos analisados foi elaborada
conforme o entendimento ou preferência dos profissionais, com os mais variados títulos,
tamanhos, formatações e conteúdos.
Embora com limitações, ainda assim, o CEPP era e é o principal instrumento
normativo que regula o exercício da profissão, e isso inclui a escrita psicológica, seja pela
elaboração de laudos, pareceres, atestados e declarações, e outros meios de comunicação de
resultados do trabalho psicológico, exigindo que os mesmos tivessem e tenham
fundamentação técnico-científica.

[...] a declaração que inaugurou a representação e que resultou no procedimento disciplinar


[...] não se constitui num parecer conclusivo, mas sim, em um relato escrito fornecido pela
profissional, com respeito às condutas preconizadas no Art.3º alíneas a, b, c [...] como
também nos Art. 6º, 22, 26 e 27 [CEPP 02/87] [...] em consonância com o Princípio
Fundamental III – afinal, foram transmitidas à representante legal da menor as informações
que serviriam de subsídios às possíveis decisões que a ela competiam, envolvendo a criança
atendida. [...]. Frise-se às demais que, à época do atendimento da criança, não havia ainda
sido instituído o Manual de Elaboração de Documentos que subsidia o psicólogo na emissão
de declarações, pareceres, atestados e outras peças decorrentes das avaliações psicológicas
por ele realizadas [...] vez que, até então, não existia qualquer forma, modelo, ou documento
para sua padronização [...]. A declaração em tela baseou-se nos estritos princípios éticos
fundamentais que norteiam a atividade profissional do psicólogo, bem como nos
dispositivos relativos à avaliação psicológica contidos no Código de Ética. (Ana, PDE nº
04/00).

Assim, como consta na defesa da psicóloga Ana (PDE nº 04/00), o documento por ela
elaborado, intitulado ―Declaração‖, em seu entendimento, não seria equivalente a um ―parecer
conclusivo‖, assemelhando-se a um ―relato escrito‖. Qual a diferença entre eles? Quais os
critérios que os definem? Certamente, a falta de normativas criava margem para confusões e
jogos de palavras que em nada esclareciam. Todavia, sem o Manual, não havia um nome
―certo‖, ―adequado‖ para indicar como o documento deveria ou não ser estruturado. A
tentativa de atribuir um nome e dele extrair-lhe significado desviava o foco do que realmente
lhe dava sentido, o conteúdo. Era este, e não o título, que definia o documento psicológico
que, por sua vez, era elaborado com qual finalidade, a partir de qual demanda?
Em geral, os documentos psicológicos apresentaram indicação da finalidade para o
qual foram elaborados: a realização de avaliação psicológica da criança que, conforme discuti
326

ao longo do trabalho, é prática corrente em casos de alegação de abuso sexual. No entanto, o


documento elaborado pela psicóloga da Vara de Família (Cristina, PDE nº 01/00 e 02/00),
intitulado ―Parecer Psicológico‖, apenas anuncia que foi realizada avaliação psicológica.

Declaração
Comunicamos, [...], que [Gisele], 5 anos, encontra-se em processo de avaliação diagnóstica
e tratamento. (Ana, PDE nº 01/99)

Laudo Psicológico
[...]. A investigação psicanalítica [...] encontra-se em fase final de avaliação diagnóstica e
tratamento psicanalítico semanal [...], tendo por objetivo principal: Esclarecer a suspeita de
abuso sexual sofrido e revelado pela criança; Avaliar a sintomatologia clínica; As cenas de
sedução descritas [pela criança] [...]; As suspeitas destas brincadeiras eróticas. (Ana, PDE nº
01/99)

------------------------------------------
PARECER PSICOLÓGICO
I ENTREVISTAS REALIZADAS
II AVALIAÇÕES PSICOLOGICAS
A avaliação de Gisele envolveu a realização de uma Hora de jogo e de aplicação de testes
psicológicos: Teste da Casa, da Árvore, da Figura Humana e da Família. (Cristina, PDE nº
01/00)

------------------------------------------
Declaração
Criança, 03 anos, encontra-se em processo de avaliação diagnóstica e início de tratamento
psicanalítico, apresentando quadro compatível com abuso sexual incestuoso na primeira
infância. [...] Após avaliação diagnóstica será realizado Laudo Psicológico. (Ana, PDE nº
04/00)

------------------------------------------
RELATORIO PSICOLÓGICO
ASSUNTO: Avaliação/acompanhamento psicológico do [Mateus] para fins judiciais
(revisão de regulamentação de vistas).
RELATORIO PSICOLÓGICO Complemento
Avaliação/acompanhamento psicológico do [Mateus] para fins judiciais (revisão de
regulamentação de vistas) A criança apresentou agravamento dos sintomas.
RELATORIO PSICOLÓGICO
Em complemento aos relatórios emitidos em [nov/2003 e dez/2003], informo, para fins
judiciais, que [Mateus] , 4 anos, continua [...] sob meus cuidados profissionais. (Carol, PDE
nº 01/04)

Não fica explícito, porém, quem solicitou a avaliação e em quais circunstâncias essa
demanda foi feita, à exceção do ―Relatório Psicológico‖ elaborado pela psicóloga Carol (PDE
nº 01/04), que o fez na vigência do Manual de Elaboração de Documentos (Resolução CFP nº
007/2003).

RELATORIO PSICOLÓGICO
ASSUNTO: Avaliação/acompanhamento psicológico [de Mateus] para fins judiciais
(revisão de regulamentação de vistas)

O menor [Mateus] encontra-se sob meus cuidados profissionais em acompanhamento


psicológico há 6(seis) meses. [...] Por solicitação de seus pais, [...] em processo de
separação, solicitaram avaliação e acompanhamento da criança, [...], pois apresentava
queixas importantes: terror noturno, irritabilidade, comportamento agressivo e regressivo,
agitação psicomotora, entre outros. (Carol, PDE nº 01/04)
327

Com exceção de Cristina, que atua na Vara de Família, é interessante notar que as
demais psicólogas (Ana e Carol) não se limitaram a um, mas elaboraram vários documentos
psicológicos a respeito do caso em que avaliavam, todos com fins judiciais, cujo objetivo era
avaliar a suposta ocorrência de abuso sexual contra a criança.
Pelas expressões ―avaliação diagnóstica e tratamento psicanalítico semanal‖, ―estudo
psicoterapêutico‖ (Ana, PDE, nº 01/99) e ―Avaliação/acompanhamento psicológico‖ (Carol,
PDE nº 01/04), o vínculo estabelecido entre essas duas profissionais com as crianças por elas
avaliadas parece ser duplo: de psicoterapeuta e avaliadora. Diferentemente da psicóloga da
Vara de Família, cuja função foi estritamente de realizar uma avaliação psicológica, quando
fez uso de alguns instrumentos (testes), as demais psicólogas atuavam em clínicas ou
consultórios particulares, espaços privilegiados da terapia. A avaliação psicológica para fins
jurídicos e o atendimento psicoterapêutico, todavia, não ocorreram em momentos separados,
mas concomitantemente. Esse entrelaçamento de atividades, que tratei ao longo do capítulo 1,
chama a atenção, pois diz respeito ao tipo de demanda que vem sendo produzida e endereçada
aos psicólogos em espaços exclusivos da psicoterapia e do sigilo.
Essa questão do sigilo nas relações de trabalho entre o psicólogo e seu cliente já foi
objeto de análise nesta tese, bem como na dissertação de mestrado, ocasião em que também
percebi a grande produção de documentos psicológicos emitidos para o Judiciário pelos
mesmos profissionais. Segundo dados daquela pesquisa, é comum a emissão de vários
documentos parciais para o judiciário, até o encerramento dos atendimentos psicológicos,
quando um último documento dito ―conclusivo‖ é elaborado, em geral, com indicação para o
abuso sexual da criança. A conclusão do documento, nestes termos, era entendida como sendo
a resposta a ser emitida à demanda de avaliação de um caso de suspeita de abuso sexual
contra a criança, ou seja, seria o mesmo que concluir pela ocorrência do abuso sexual e
indicar o autor do crime (AMENDOLA, 2006; 2009a).
De modo semelhante observei que os vários documentos emitidos pelas profissionais
tendem a ser complementares, isto é, com o andamento da psicoterapia, que também era uma
avaliação (ou vice-versa), muitas informações prestadas no primeiro documento foram
repetidas e/ou enfatizadas, enquanto outras foram acrescidas para atestar ou confirmar a
veracidade das informações.

DECLARAÇÃO
[a criança apresenta] sintomatologia compatível com quadro de violência sexual incestuosa
paterna. [...] As suspeitas destas brincadeiras eróticas [...] são confirmadas pela criança
328

através das entrevistas diagnósticas que indicam um comportamento hipersexualizado. Há


comprometimento e alteração dá imagem corporal, sugerindo quadro de angústia sexual
hipertrófica confirmando intensa exposição da sexualidade da criança à estimulação,
sedução e aos carinhos eróticos paternos, desencadeando na psique infantil medos e fobias
características do incesto. (Ana, PDE nº 01/99)

LAUDO
As cenas de sedução descritas por Gisele revelam que está exposta à intensa angústia sob a
forma de jogos e brincadeiras eróticas descritas com profundo sofrimento psíquico e
ambivalência afetiva. As suspeitas destas brincadeiras eróticas [...] são confirmadas pela
criança através das entrevistas diagnósticas que indicam um comportamento
hipersexualizado. Há comprometimento e alteração dá imagem corporal, sugerindo quadro
de angústia sexual hipertrófica confirmando intensa exposição da sexualidade da criança à
estimulação, sedução e aos carinhos eróticos paternos, desencadeando na psique infantil
medos e fobias características do incesto. (Ana, PDE nº 01/99)
------------------------------------------
DECLARAÇÃO
[a criança apresenta] quadro compatível com abuso sexual incestuoso na primeira infância.
[...] O quadro clínico apresentado pela [criança] é de extrema gravidade. (Ana, PDE nº
04/00)
------------------------------------------
AVALIAÇÃO PSICOLOGICA DE GISELE
[...] A partir da avaliação dos seus testes gráficos e da Hora de Jogo Diagnostica, podemos
dizer que no momento atual, Gisele mostra-se ansiosa, insegura e com baixa auto-estima,
apresentando sentimentos de menos valia e dificuldade em controlar seus impulsos sexuais e
agressivos, com uma tendência à introversão e a depressão. Denota ter ainda uma falta de
confiança na relação interpessoal com o outro, associada à dificuldade de relacionar-se com
seu ambiente social, demonstrando uma tendência a apresentar um comportamento auto
centrado e independente. [...] A figura materna é vista [...] como positiva e geradora de
segurança [...], enquanto a figura paterna é sentida como negativa e geradora de ansiedade
[...]. Gisele vê o genitor como uma pessoa de quem ela não pode mais confiar, pois ele fez
coisas inadequadas com ela, ‗aquelas coisas que não pode‘. [...] coloca que ‗mamãe me
contou que o papai fez isso porque estava doente, que ele precisa se tratar‘. (Cristina, PDE
nº 01/00)
------------------------------------------
RELATÓRIO
[Mateus] apresentava queixas importantes: terror noturno, irritabilidade, comportamento
agressivo e regressivo, agitação psicomotora, entre outros. [...]. No atendimento
psicoterápico [...], Mateus descreveu sua dor dizendo que se havia machucado por que a
[avó] ‗beijava‘ seu ‗pipiu‘ porque ela gostava. [...]. Trouxe outros relatos [...] documentados
e gravados. (Carol, PDE nº 01/04)

RELATORIO PSICOLÓGICO Complemento


A criança apresentou agravamento dos sintomas [...]. Este quadro tem levado Mateus à
predisposição para quadros virais com maior frequência, com visível abatimento e perda de
peso, levando-o a inúmeras visitas ao Pediatra. (Carol, PDE nº 01/04)

RELATÓRIO
Em complemento aos relatórios emitidos em [nov/2003 e dez/2003], informo, para fins
judiciais, que Mateus, 4 anos, continua [...] sob meus cuidados profissionais. O quadro
emocional da criança vem se agravando a cada dia, provavelmente pelas convivências
conflitantes quando de seu contato com a figura paterna, [...] expondo sistematicamente seu
filho ao assunto gerador do pedido de revisão, por suspeita de abuso sexual por parte da avó.
[...] o contexto terapêutico, onde sente-se segura e protegida, [...], seu comportamento tem
sido permeado por medos diversos. [...] Apresenta intenso temor à perda de figura materna,
relatando que o pai lhe disse que não precisava voltar para a casa nem morar com a mamãe
[...]. A criança está vivenciando novos tipos de sofrimento. (Carol, PDE nº 01/04)

A ênfase nos documentos está nos sintomas psicológicos ou comportamentais


supostamente considerados de abuso sexual e, ainda, nos relatos das crianças que se tornam
protagonistas do atendimento psicológico, a quem recaem a responsabilidade pela revelação
329

tanto do abuso sexual quanto da autoria deste – nada diferente do que salientei na pesquisa de
mestrado (AMENDOLA, 2006; 2009a).
A dificuldade para estabelecer um diagnóstico baseado em evidências físicas tem sido
o principal elemento promotor da intervenção do psicólogo – profissional que ficaria
encarregado de revelar o abuso sexual a partir da produção discursiva, lúdica e gráfica. Por
meio dessas intervenções, uma série de informações sobre sintomas comportamentais e
psicológicos passaria a ser utilizada pelos profissionais na intenção de produzirem um
diagnóstico de abuso sexual, como fizeram as psicólogas em seus documentos encaminhados
à Justiça.
Assim, nos documentos emitidos pelas psicólogas, os segredos e a interioridade dos
sujeitos-criança foram perscrutados, vasculhados, extorquidos, na intenção de estes objetos-
de-estudo revelarem, seja pelo intercurso de entrevistas, desenhos, bonecos, jogos e/ou testes
psicológicos, sinais e respostas que atendessem aos interesses dos profissionais pela revelação
do suposto abuso sexual (MORAES, 2009).
Segundo Foucault (2001a), o exame psicológico, médico, psiquiátrico funcionaria
como mecanismo de poder e de prazer, no sentido de ter um ―prazer em exercer um poder que
questiona, fiscaliza, espreita, espia, investiga, apalpa, revela‖ (FOUCAULT, 2001a, p.45).
Nos documentos psicológicos elaborados pelas profissionais, o prazer em exercer o
poder da revelação aponta para um ativismo nas práticas psicológicas de avaliação, cuja
mobilização de sentimentos apela para a compaixão, escandalização e indignação mediante
situações descritas como fruto de violência sexual.
Deste modo, atrelada a uma postura salvacionista ou protetora, ou ainda, de tutela, a
prática das psicólogas aqui analisadas apresentou-se enquanto uma atividade compulsiva, sem
crítica, tomada pela urgência de respostas precisas e imediatas. A criança, vista por esta
perspectiva, era uma vítima, sem recursos próprios para agir frente a situações trágicas que
pudessem lhe atingir, que precisaria de proteção e de ações assistencialistas-humanitárias em
nome de sua defesa e a de seus direitos, a qual deveria ser provida pelas profissionais.
As intervenções universalizantes, quando não permitem o diálogo com a cultura, com
o contexto sócio-histórico, cumprem com uma função de localizar e banir o que é considerado
conflitante com a norma universal. Assim, em nome da proteção à criança, os sistemas de
valores culturais seriam colocados à margem do processo de identificação da violência,
promovendo intervenções segundo o postulado como patológico ou desviante (AMENDOLA,
2009a; GONÇALVES, 2003).
330

Para justificar essas intervenções, as psicólogas transformaram a criança em


protagonista de seu próprio abuso sexual.

Gisele vê o genitor como uma pessoa de quem ela não pode mais confiar, pois ele fez coisas
inadequadas com ela, ‗aquelas coisas que não pode‘. [...] coloca que ‗mamãe me contou que
o papai fez isso porque estava doente, que ele precisa se tratar‘. (Cristina, PDE nº 01/00)
[...] Mateus descreveu sua dor dizendo que se havia machucado por que a [avó] ‗beijava‘ seu
‗pipiu‘ porque ela gostava. [...]. Trouxe outros relatos [...] documentados e gravados. (Carol,
PDE nº 01/04)

Assim, as psicólogas fizeram uso das palavras e dos sintomas supostamente ligados a
um abuso sexual para afirmarem, de forma descontextualizada, uma verdade sobre o sexo.
Desta forma, é possível supor que o modelo de atendimento psicológico empregado pelas
psicólogas visa à participação de crianças na produção de uma personalidade de vítima de
abuso sexual, não só pela via da palavra, como também de comportamentos irregulares,
desviantes, anormais, traumáticos anunciados pela ou observados na criança. Além disso, a
palavra dessas crianças passou a ser um recurso para garantir a credibilidade de seus próprios
testemunhos. Igualmente, os sintomas descritos, tornaram-se matéria-prima na fabricação de
crianças sofridas, angustiadas ou vítimas.
Desta ―materialidade psíquica‖ (CONTE, 2006, p.5) é que o delito pode ser
configurado e retratado nos documentos psicológicos, a partir da criação de uma montagem
biográfica, de um perfil moral e patológico da criança. É quando ―um novo regime da verdade
[...] saber, técnicas, discursos ‗científicos‘ se formam e se entrelaçam com a prática do poder
de punir‖ (FOUCAULT, 2005, p.23).
As biografias e os dramas familiares, quando traçados pelas psicólogas, não se
articularam com a exposição de supostos sintomas e confissões do abuso, como se esses
dados em nada influenciassem os outros acontecimentos.

[...] a não aceitação (da genitora de Gisele) da sua atual relação afetiva com [outra mulher].
[...] começou a apresentar um comportamento agressivo com ele, [...] passou a dificultar as
suas visitas à sua filha [...], impedindo também a visitação da família paterna. (Cristina, PDE
nº 01/00)
------------------------------------------
Antes do tratamento de Mateus, sua mãe estava sob meus cuidados em tratamento
psicoterápico. [...] O objetivo era tentar um ajustamento [...] que pudessem evitar a
separação [...], a grande dificuldade do casal era em relação à convivência com a avó
paterna de Mateus. [...] A mãe de Mateus e sua sogra já não se relacionavam amistosamente.
(Carol, PDE nº 01/04)

Assim, a separação conjugal, a desavença existente há tempos entre a avó paterna e a


mãe da criança, a patologia mental da ex-mulher, o relacionamento do ex-marido com outra
331

mulher, eram acontecimentos que passavam ao fundo de um palco em que se encenava, para
as profissionais, um abuso sexual entre a criança e o adulto, suposto abusador.
Descontextualizadas, as revelações ou confissões clínicas sobre o sexo (conforme apresentei
no capítulo 1), enquanto ―procedimentos pelos quais se incita o sujeito a produzir sobre sua
sexualidade um discurso de verdade‖ (FOUCAULT, 2004a, p.264), provocaram efeitos, tal
qual a exclusão do adulto, suposto agressor da criança, do processo de avaliação.
A prática mais corrente, como é possível constatar nos discursos das psicólogas, bem
como na pesquisa que desenvolvi no mestrado, foi ouvir a criança e sua mãe, em geral,
guardiã da criança, a partir do entendimento ou crença de que as crianças não mentem (mas os
acusados sim) e de que a revelação foi feita (AMENDOLA, 2006; 2009a). A escuta dos
adultos acusados tem se dado, em boa parte dos casos, no judiciário, como ocorreu com a
psicóloga Cristina (PDE nº 01/00 e 02/00).
Lembrando que ―é na relação que se produz o acontecimento‖, conforme diz Machado
(1994, p.59), o efeito dessa produção foi a sacralização da palavra da criança e a cronificação
desta enquanto vítima de abuso sexual que deveria ser amparada. Nos discursos psicológicos
contidos nos documentos, vidas foram excluídas em nome de outras vidas e, com isso,
direitos foram suspensos em nome de outros direitos.
Diferentemente do psicoterapeuta ou do psicólogo clínico, o psicólogo que atua como
funcionário do judiciário em Varas de Família, ou mesmo o perito de confiança do juiz, seria
encarregado de ouvir as partes envolvidas em litígio, seja em questões que dizem respeito à
disputa de guarda, regulamentação de visitas ou até denúncias de abuso sexual de crianças. O
perito seria o profissional ou especialista de notável saber responsável por descrever e
classificar o comportamento, assim como por traçar diagnósticos e prognósticos.
Embora autores como Brito (2004) e Miranda Jr. (1998) salientem que aquela prática
diagnóstica ou pericial – atribuída aos psicólogos jurídicos em um momento que os trabalhos
na área começam a ser desenvolvidos – atualmente cause ―certos rumores de indignação‖
(BRITO, 2004, p. 234), é ainda comum encontrar quem defenda uma prática fundamentada no
inquérito e diagnósticos. Rovinski (2005), por exemplo, tem denominado por ―Psicologia
investigativa‖ uma espécie de avaliação psicológica específica para o campo jurídico ou
forense, no qual o psicólogo deveria desenvolver uma verdadeira ―postura de investigação‖
(ROVINSKI, 2005, p.95), buscando conhecer os processos de desenvolvimento, da
recuperação de memória e de enfrentamento de estresse para servirem de comparação. Seria,
portanto, uma atividade de avaliação mais focada na técnica e na demanda, que propriamente
332

voltada para analisar as pessoas a partir de questões envolvendo família, filiação, guarda,
separação, etc., que, desta forma, não seriam consideradas ou ficariam restritas ao olhar
psicologizante do profissional, fruto das técnicas de exame.
Essa postura investigativa e descontextualizada está presente nos discursos da
psicóloga Cristina da Vara de Família.

Mostrou-se muito tenso, ansioso e angustiado durante todas as duas entrevistas. [...] afirma
que [a ex-mulher] está acusando-o de ter abusado sexualmente de sua filha [...].

AVALIAÇÃO PSICOLOGICA DO GENITOR


A partir da avaliação dos testes psicológicos realizados, [...] João apresenta atualmente uma
desorganização na sua personalidade caracterizada por uma estrutura egóica em virtude de
vivências de traumatismos emocionais. Denota ter muita dificuldade em lidar com limites no
seu contato com a realidade, apresentando uma forte tendência para agir livremente, sem
impedimentos, e segundo seus próprios desejos. Frente aos limites impostos pela realidade,
tende a fugir, afastando-se parcialmente dessa realidade, negando os seus aspectos que lhe
causam desprazer e procurando satisfação na fantasia. Demonstra ainda uma necessidade
interna que o leva a ter um comportamento ansioso, impulsivo e dirigido para a ação, com
baixa tolerância à frustração. Apresenta, no momento presente, sentimentos de angústia,
preocupação e culpa, corroborando o que foi observado nas suas entrevistas. Sente-se
inseguro e pressionado pelo seu ambiente externo e tenta fugir dessas pressões, utilizando
como mecanismo de defesa a negação. Avaliação psicológica de João sugere a existência de
um transtorno de personalidade que evidencia, segundo a abordagem psicanalítica, uma
modalidade limítrofe. (Cristina, PDE nº 01/00)

As entrevistas psicológicas realizadas pela psicóloga Cristina com o suposto agressor


(João), embora considerassem a queixa principal (a denúncia de abuso sexual) e o litígio que
se estabeleceu entre ele a ex-mulher, deram ênfase à descrição de condutas desviantes e aos
resultados obtidos pelos testes aplicados. Assim, o discurso produzido, com aparente
cientificidade, mais se assemelhava a um protocolo de teste, esquadrinhando o sujeito com
vistas a identificar as diferenças individuais para posterior classificação e diagnóstico do
comportamento desviante da norma.
Os discursos contidos no documento psicológico produzido por Cristina (PDE
nº01/00; PDE nº02/00) não se limitaram à avaliação da criança e do pai, suposto agressor,
mas também incluíram uma avaliação psicológica da genitora. Quanto às demais psicólogas,
embora os documentos revelem que somente a criança foi avaliada, algumas considerações
sobre a genitora foram lançadas em determinados momentos por Carol (PDE nº 01/04).

I A - ENTREVISTA COM A GENITORA


A genitora mostrou-se muito calma e segura durante todas as duas entrevistas. Aponta que
fez a denuncia de abuso sexual em função de revelações, feitas voluntaria e objetivamente
para a psicanalista Ana, a qual vem tratando da sua filha. Durante o período do casamento,
após o nascimento de Gisele, o genitor não tinha censura com relação a apresentar
manifestações de seu desejo sexual por ela na presença da filha [...]. Ele queria manter
relações sexuais com ela, na presença da filha. [...] afirma que nestas ocasiões tentava dar
333

limites ao ex-marido, e afastava a filha deste. Durante o período em que permaneceu casada,
vivenciou uma depressão moderada, tendo tomado medicamentos adequados e apresentando
uma recuperação total. Em função destes fatos, relacionados à sua vida sexual quis separar-
se dele. Passado algum tempo da separação, Gisele passou a voltar das visitas paternas com
um comportamento, muito ansiosa e sexualizada. [...] [foi orientada] a procurar [uma
instituição] para tratamento de casos de abuso sexual. [...] desde então, [mãe e filha] vêm se
submetendo a tratamento.

AVALIAÇÃO PSICOLOGICA DA GENITORA


Através da avaliação dos testes realizados, podemos verificar que [...] está emocionalmente
bem estruturada, apresentando um contato intacto e satisfatório com a realidade e um
controle satisfatório sobre seus impulsos. Demonstra ser madura emocionalmente e ter uma
grande necessidade de realização e de ação sobre o ambiente familiar e social, com uma
forte tendência a procurar obter satisfação e segurança nesse ambiente externo e na relação
como outro. Frente a problemas e conflitos de ordem emocional, tende a utilizar como
mecanismos de defesa a repressão e a racionalização, adotando uma postura ativa para obter
a solução para os mesmos. (Cristina, PDE nº 01/00)
-------------------------------------
RELATÓRIO PSICOLÓGICO
Antes do tratamento de Mateus, sua mãe estava sob meus cuidados em tratamento
psicoterápico. [...] Embora tenha sido instruído por mim e por sua mãe a não ir no colo da
avó paterna. [...] o pai parece inconformado [...], tentando convencer a criança de que ela
está enganada, confundindo-a sobre os fatos provavelmente sofridos, além de tentar
enfraquecer o vínculo materno, dizendo que foi tudo invenção de sua mãe, que não gosta de
sua avó. [...] O pai de Mateus parece não saber qual a atitude adequada no contato com seu
filho, principalmente quando sente-se contrariado. (Carol, PDE nº 01/04)

Os discursos psicológicos se apresentam, portanto, maniqueístas, postos em categorias


de proteção e de punição, em que as psicólogas fabricam vítimas e algozes. Tomados como
objetos mensuráveis, as mães são equilibradas, enquanto os pais são angustiados, são mães
protetoras e pais abusadores, inadequados e/ou negligentes. Essências que se justificam por si
mesmas, de modo que não há qualquer indagação sobre a angústia desses pais e a
tranquilidade descrita da mãe diante de uma suspeita de abuso sexual envolvendo os filhos,
sendo fato dado, naturalizado. Tampouco parece haver, pelas psicólogas, noção de que as
concepções empregadas são ideológicas, a bem dizer, do lugar da mulher-mãe com sendo o
genitor melhor capacitado para cuidar e educar os filhos.

Trata-se da consequência de décadas em que a mãe estava autorizada socialmente a ocupar o


lugar de guardiã dos filhos, zelando pela saúde e educação dos mesmos. A partir dessa
ancoragem sócio-histórica, a mulher teve liberdade e autoridade para exercer seu papel de
mãe e guardiã sem ser questionada, perpassando a ideia de mulher autossuficiente nos
cuidados com os filhos, com efeito, contribuindo para a fragilização da relação paterno-filial
(AMENDOLA, 2009a, p.37).

Logo, as abstrações criadas pelo olhar diagnóstico das psicólogas, tais como
―violência sexual incestuosa paterna‖, ―comportamento hipersexualizado‖, ―angústia sexual
hipertrófica‖, ―quadro clínico de extrema gravidade‖, ―quadro bastante frágil‖,
―emocionalmente bem estruturada‖, ―desorganização na sua personalidade‖, para citar
algumas, instituem discursos estereotipados, herméticos, descontextualizados. Tratado alheio
334

à dimensão histórica e social, o olhar diagnóstico fortaleceu valores e comportamentos que


concorreram para a exclusão, a rotulagem, enfim, para o afastamento de pais e filhos, avó e
neto.
No discurso da psicóloga Carol, a relação da psicóloga com a genitora da criança
revela a presença de um vínculo anterior de cunho terapêutico. Há uma parceria entre as duas,
com uma crítica dirigida ao genitor por manifestar certa inconformação com a acusação de
abuso sexual dirigida à sua mãe, avó de Mateus.
Esses discursos dicotômicos dão um acento adversarial aos documentos psicológicos,
além de criarem modos de dominação. Assim, ao invés de as psicólogas considerarem como
foco de análise o litígio presente entre as partes, contextualizando as informações obtidas, o
que houve foi o acirramento do conflito, quando os documentos, ao exporem a intimidade dos
sujeitos, apontaram defeitos, na intenção de desqualificar determinados comportamentos, e
virtudes, para valorizar outros.
Arantes (2005), por exemplo, comenta ser um engodo acreditar que a verdade vem à
luz e que é possível fazer justiça nestes casos. ―O resultado parece ser, inevitavelmente, a
fabricação de um dos cônjuges como não-idôneo, moralmente condenável‖ (ARANTES,
2005, p.21).
Sem expectativa de serenar o conflito e a dor dos envolvidos, os documentos
psicológicos, assim, fabricam verdades e subjetividades de forma descontextualizada e
acrítica – a partir da valorização da interioridade do sujeito –, cuja categorização o torna útil
ao propósito ao qual se destina.
Lembrando Foucault (2004a, p.138):

Tem-se a impressão de que o discurso [...] possui uma tal utilidade, de que é tão fortemente
exigido e tornado necessário pelo funcionamento do sistema, que não tem nem mesmo
necessidade de se justificar teoricamente, ou mesmo simplesmente de ter uma coerência ou
uma estrutura. Ele é inteiramente utilitário.

Sem sombra de dúvidas, os documentos psicológicos emitidos pelas psicólogas


tiveram por destinatário o juiz. Assim, as entrevistas centradas no biográfico e os resultados
dos testes tiveram por objetivo a construção de um diagnóstico capaz de conferir uma
identidade ao sujeito avaliado, cujo fim era servir ao juiz para uma futura tomada de decisão
em relação à suspeita de abuso sexual.
Para tanto, a emissão de um segundo e/ou terceiro documentos pelas psicólogas parece
ser uma prática que visaria não só colocar em evidência o depoimento da criança ―circunscrito
335

à sua literalidade, como prova cabal‖ da verdade (ALVES; SARAIVA, 2009, p.103), mas
também gerar um impacto ou reação. Nestas circunstâncias, julgar não mais se limitaria à
verdade de um suposto crime, mas às emoções que ele viesse a provocar, independentemente
dos atravessamentos políticos, sociais, históricos na vida das pessoas.
A partir destas produções de subjetividade, os discursos psicológicos demonstraram
que haveria uma intenção das psicólogas de que os documentos pudessem ser empregados,
em âmbito judicial, como meios de garantir a proteção ou bem-estar das crianças.

A partir do relato da própria criança, feito na presença da psicóloga e da assistente social,


pode-se concluir que há indícios de que João abusou sexualmente de sua filha. [...]. [criança
deve ficar] sem ter contato com o pai e com sua família paterna. Após esse período, deve
haver uma reavaliação psicológica e social, para que se possa indicar ou não a aproximação
entre pai e filha. [...] o genitor [deve] ter se submetido a tratamento psicoterápico. [...] esse
tratamento seria essencial para que essa reaproximação entre Gisele e seu pai e seus
familiares paternos se faça, sendo assim benéfica para a criança. (Cristina, PDE nº 01/00)
------------------------------------------
O quadro clínico apresentado pela Clara é de extrema gravidade, necessitando permanecer
afastada da pessoa do pai, o agressor, durante o período da avaliação psicológica, para que
possamos concluir esta primeira fase do tratamento, sob pena de sofrer importantes rupturas
e pressões agravando seu quadro já bastante frágil. (Ana, PDE nº 04/00)
------------------------------------------
Embora tenha sido instruído por mim e por sua mãe a não ir no colo da avó paterna, não
deixar que esta lhe desse banho ou o levasse para fazer xixi. Foi instruída a gritar, sair
correndo e contar para mim e sua mãe o que acontecesse. Isto com o objetivo de evitarmos
novas experiências desta natureza. [...] O pai foi chamado mais uma vez [...], quando
novamente relatei as queixas de seu filho e a hipótese de que seu filho tenha sido molestado
por sua mãe (avó paterna) [...] solicitando mais uma vez que evitasse a presença de sua mãe
durante suas visitas, até que pudéssemos esclarecer os fatos. [...]. Alertei que diante dos
fatos esta questão poderia ser encaminhada para discussão na justiça, [...], principalmente
objetivando proteger a criança e preservar sua integridade, pois a questão é uma suspeita de
abuso sexual. CONCLUSÃO: sugiro, até a averiguação dos fatos, que a avó paterna seja
afastada da convivência com o menor e que as visitas do pai sejam supervisionadas. A
criança continua em atendimento psicoterápico e a mãe em consultas de orientações
quinzenais. (Carol, PDE nº 01/04)

[...] Existe ainda a possibilidade do cumprimento do afastamento da avó paterna não está
sendo cumprido, pois a criança relata que ‗o papai pediu para não contar pra ninguém
quando a N06/04 estiver perto... [...]. Devemos lembrar a idade do menor: 3 anos e 11
meses. Submetido a esta pressão adicional intensa e sistemática pelo pai, seu bem estar
psicológico está cada dia mais comprometido [...]. Além da possível violência sexual, [...]
percebemos aqui um assedio moral à criança, levando a um estado depressivo importante
com sequelas físicas. Conclusão: [...] insisto em sugerir visita supervisionada do pai à
criança, até que este seja orientado e conscientizado sobre seu papel na adequada relação
com seu filho. (Carol, PDE nº 01/04)

De posse de um saber perspectivo, as psicólogas passam a exercer um poder para


regular e disciplinar a vida dos sujeitos, um biopoder. Nestes termos, a conduta das
profissionais não só rotulou os sujeitos, psicologizando atos considerados desviantes, mas,
sobretudo, criou um discurso técnico-operante higienista, moralizante e normalizador,
encarregado de oferecer soluções ou recomendações aos problemas levados ao psicólogo.
336

Assim, por meio de biotecnologias, as psicólogas atuaram de forma prescritiva,


propondo modos de ajustamento e de controle social, com recomendações de afastamento
temporário entre a criança e seus familiares, de tratamento psicoterápico para o suposto
abusador, instruções à criança de como proceder diante de determinadas situações ou pessoas.
Nestas circunstâncias, é possível perceber que a ordem que operou na intervenção das
psicólogas se baseou em parâmetros de normalidade, parâmetros estes que, segundo
Nascimento e Scheinvar (2005, p.58), ―não apenas desconhecem outras formas de vida, mas
as destroem, na medida em que a leitura que se faz destes parâmetros é circunscrita a um só
modelo‖ (NASCIMENTO; SCHEINVAR, 2005, p.58). As recomendações ou prescrições
contidas nos discursos das psicólogas operaram como técnicas investigativas e disciplinares a
serem aplicadas aos corpos individualizados para fins de instruí-los, adaptá-los, normalizá-los,
caso contrário, ameaçá-los e puni-los, produzindo subjetividades dóceis.
Imbricados em jogos de saber-poder, essas psicólogas – que se inseriram no campo
jurídico via demanda por uma perícia ou avaliação –, produziram subjetividades, tal qual a
criança vítima e o adulto agressor, revelando uma conduta repressiva e protecionista em nada
isenta de valores e ideologias, tampouco questionadora acerca dessa inserção. Pelo contrário,
ao invés de questionar, as psicólogas pareciam guardar expectativa que seu discurso fosse
legitimado pelo Direito pela efetivação de seus encaminhamentos e proposições.
O lugar de saber-poder parece exercer seu fascínio e, em nome dos direitos de
proteção à criança, práticas de inquirição e de produção de provas foram exercidas. Nos
documentos aqui analisados, as psicólogas não só se colocaram no papel de investigadores e
policiais das famílias, para usar a expressão de Donzelot (2001), mas também operaram sobre
os riscos, sobre a virtualidade, sobre o que o suposto agressor poderia fazer dependendo de
sua essência ou natureza criminosa (FOUCAULT, 1996). A partir disso, os discursos da
punição e da proteção surgiram para justificar as indicações de afastamento entre supostas
vítimas e agressores.

[...] ao afastar para proteger, vive-se uma dicotomia: a garantia e a violação de direitos
coexistem na medida de proteção, que também se torna em medida de punição. Não é possível
escapar dessa dicotomia enquanto outras opções não forem criadas e adotadas, de modo que
nos resta pensar as tensões geradas por essa medida na relação de pais e filhos. O
afastamento, na versão de proteção, visa garantir a segurança da criança durante o período em
que se investiga a alegação de abuso sexual, enquanto na versão de punição, pais e filhos têm
violados os direitos de convivência e punidos com a separação compulsória de prazo
indeterminado. Uma medida de fácil deliberação e aplicação que, ao visar proteger, impondo
o afastamento prolongado, independentemente da condição de culpa ou inocência desses pais,
provoca um prejuízo ao desenvolvimento da criança e um sofrimento aos pais (AMENDOLA,
2009a, p.174).
337

Psicojuiz

Nesta perspectiva, as demandas judiciais por


avaliações, perícias, laudos, não foram subvertidas,
tampouco foram objeto de análise pelas psicólogas,
mas de execução. O Código de Ética, nestes termos,
passou a ser visto não mais como um dever, mas, por
vezes, um entrave na consolidação do que julgaram Imagem 13 - A história do Rato
Romão [um gato] disse a um ratinho que ia
ser a demanda judicial, tal qual o sigilo das
passando por perto dele:
informações e a conjunção de atendimentos de cunho - Pare aí. Temos já de ir ao juiz. Quero te
acusar.
clínico-terapêutico e pericial. Contudo, como a – A consciência de nada me acusa e saberei
me defender.
máquina judiciária é ―em parte alimentada a golpes de – Muito bem, disse o gato.
– Aqui estamos diante do senhor juiz.
diagnóstico‖ (CASTEL, 1987, p.131), interessa ao – Não o vejo, disse o ratinho.
– O juiz sou eu, disse o gato.
Direito que a Psicologia assimile os ideais próprios do
– E o júri? , perguntou o ratinho.
campo jurídico, como verdade e justiça, na – O júri também sou eu, disse o gato.
– E o promotor? , perguntou o ratinho.
―premência de se chegar a uma visão unívoca de – O promotor também sou eu.
- Então você é tudo?, disse o ratinho.
termos e conceitos‖ (BRITO, 2009, p.8). – Sim porque sou gato. Vou acusar você,
julgar você, e comer você.
Segundo Figueira (2007, p.13): Carroll (1982)

Descobrir a ―verdade‖ do que aconteceu é uma questão central da cultura jurídico-criminal


brasileira; e tão forte que, segundo a doutrina jurídica, um dos princípios básicos do processo
penal brasileiro é a busca da ―verdade real‖, ou seja, por meio dos procedimentos legais deve-
se buscar a reconstituição do acontecimento pretérito.

Logo, conforme salienta Alves (2009a), o psicólogo é convocado a falar a ―verdade


sobre a verdade‖ de subjetividades objetivadas e materializadas nos documentos psicológicos
(ALVES, 2009a, p.101).
Por trás dessa vontade de verdade (FOUCAULT, 2004a) está a intenção de as
psicólogas responsabilizarem o acusado de abusar sexualmente de crianças. Com essa
assimilação de ideais, bem como de demandas, as psicólogas aqui analisadas foram
construindo uma identidade híbrida, difusa. Eliminando as fronteiras que circunscrevem as
disciplinas por conta da concepção de igualdade da qual a contemporaneidade se reveste, elas
criaram uma identidade: nem psicoterapeuta, nem perito, ―nem psicólogo, nem juiz ou, quem
sabe, de [...] um psicojuiz‖ (BRITO, 2009, p.9).
Nesse lugar de ―psicojuiz‖ ou exercendo o papel de ―microlegislador‖ (AGUIAR,
1984, p.31), as psicólogas não se limitaram à avaliação e à psicoterapia na identificação da
338

natureza do delito, na buscar pelas essências, na enumeração dos sintomas, no diagnóstico do


distúrbio e no tratamento do suposto trauma, elas incluíram a recomendação para o
afastamento entre pais e filhos, a regulamentação de visitas após tratamento psicológico
compulsório; ―ou seja, ao emitir opiniões conclusivas – não sobre questões psicológicas mas
jurídicas – julga, prolata sentenças e pune, em nome de um suposto saber técnico‖ (BRITO,
2009, p.9).
Atendendo ao convite do Direito, os discursos psicológicos nos documentos revelam
que as psicólogas assumiram o lugar de competência técnico-científica especializada frente ao
aparato judiciário, contribuindo na formação da sentença judicial, por meio de uma
construção do que entendo ser uma espécie de ―sentença psicológica‖. Não há como negar,
portanto, a presença de uma dimensão política-ideológica e moralizante nos documentos
elaborados, via a produção de diagnósticos, de subjetividades.
Assim, ao integrar ou estabelecer uma parceria/fusão com o Poder Judiciário, as
psicólogas tornaram-se um personagem extrajurídico, um ―perito em responsabilidade‖,
participando com o juiz da decisão judicial (FOUCAULT, 2005. p.22).
Diz ainda Foucault (2005, p.22) que o juiz não julga mais sozinho.

Ao longo do processo penal, e da execução da pena, prolifera toda uma série de instâncias
anexas. Pequenas justiças e juízes paralelos se multiplicam em torno do julgamento principal:
peritos psiquiátricos e psicólogos, magistrados da aplicação da pena, educadores, funcionários
da administração penitenciária fracionam o poder legal de punir.

Todo documento psicológico, como os elaborados pelas psicólogas, ao se inserir nos


processos judiciais para fins de subsidiar sentenças, torna-se judicial, compondo a
―heterogeneidade discursiva‖ das ações, com seus efeitos de poder (BARRETO; SILVA,
2011, p.13).
Vidas impressas no papel foram julgadas e sentenciadas à condição de vítima ou de
agressor e efeitos avassaladores foram gerados com a interrupção da conivência entre pais e
filhos, avós e netos, em nome da proteção de crianças e adolescentes. Tais discursos
psicológicos deixaram suas marcas impressas não só no papel, como também na vida de
pessoas, estivessem elas próximas ou “em lugares que nunca visitaremos e de gerações que
jamais conheceremos” (BAUMAN, 2011, p.78).
Do mesmo modo que não há como separar o profissional de suas intervenções, não é
possível apartar o psicólogo do seu discurso, do seu documento. ―Como, a partir de tudo isso,
339

continuar a defender a neutralidade da Psicologia e a negar a dimensão política de


diagnósticos, laudos, terapias e das teorias que os embasam?‖ (PATTO, 2010, p.82).
É por este motivo que as psicólogas não eram apenas agentes de seus discursos, mas
pacientes das reações daqueles por elas acusados. Nas palavras de Arendt (1991, p.203),
―como a ação atua sobre seres que também são capazes de agir, a reação, além de ser uma
resposta, é sempre uma nova ação com poder próprio de atingir e afetar outros‖. Desta forma,
os documentos psicológicos elaborados pelas psicólogas, antes usados como prova contra os
acusados em âmbito judicial, tornaram-se, em uma ação contrária, prova a depor contra elas
mesmas no Conselho Regional de Psicologia.

3.7 Denúncia: o consumo de direitos

Toda denúncia protocolada nos Conselhos Regionais de Psicologia deve estar


devidamente qualificada. Logo, devem ser apresentados os nomes tanto do denunciante
quanto do psicólogo, alvo da denúncia, mesmo que incompleto, mas com número do registro
do CRP para identificação. Caso o denunciante não possua o número do registro, basta que
seja apresentado qualquer outro dado que leve à identificação, inclusive o nome completo e
endereço, caso contrário, a Representação poderá ser arquivada liminarmente por falta de
meios para que o CRP entre em contato com o psicólogo denunciado.
Nos casos analisados nessa pesquisa, todos os denunciantes identificaram-se,
apresentando dados como: nome, registro geral ou CPF, endereço, telefone, idade,
escolaridade, profissão, por vezes, endereço do local de trabalho e telefone. Quanto à
identificação dos psicólogos, em geral, os denunciantes forneceram ao CRP-RJ dados como
nome, telefone e endereço da clínica ou da instituição em que atuam profissionalmente para
contatá-los.
Feita a identificação, os denunciantes entregaram um documento em que formalizam a
denúncia junto ao CRP-RJ, quando alegaram a ocorrência de determinados fatos, bem como
expressaram suas queixas referentes ao profissional. Em geral, nos PDE analisados, os
denunciantes apensaram o documento psicológico enquanto objeto de prova de suas
alegações. Será este documento psicológico que atribuirá materialidade à denúncia e indicará
340

uma possível ação lesiva cometida pelo psicólogo no campo do exercício profissional
(FIGUEIRA, 2007).
Por este entendimento, o discurso do denunciante está atrelado ao discurso do
psicólogo contido nos documentos, assim como ao discurso da defesa – em uma rede
dialógica que produz sentidos diversos – e depende destes para sustentar os argumentos
contidos na própria denúncia. Neste campo de disputas que se estabelece entre os
denunciantes e as psicólogas denunciadas, em que cada um atribui sentidos para suas
experiências, a denúncia se organiza como um ―discurso estratégico‖, com objetivos bem
definidos, conforme explica Figueira (2007, p.43): para que a lei seja aplicada com a
pretensão punitiva.
A denúncia é, por princípio, um direito, garantido por lei, de qualquer cidadão que se
sentir prejudicado ou insatisfeito por ocasião de uma atuação profissional que considere
equivocada, reclamando por punição e/ou retratação.
Na ―era dos direitos‖ (COIMBRA, 2009, p.68), as denúncias não deixam de ser um
reflexo da expansão dos ideais de justiça nas diversas esferas da vida. Na atual condição da
sociedade, em que o consumidor de bens e serviços passou a ser protegido pelo Código de
Defesa do Consumidor (CDC, Lei 8.078/1990), os consumidores de serviços psicológicos
passaram a exigir respeito a seus direitos. Com isso, a população se tornou hipervigilante,
tomando para si o encargo de denunciar quando os serviços não são prestados a contento.
Na opinião de Passetti (2011), isso ocorreria dada a concessão da sociedade
contemporânea por uma ampla participação do indivíduo nos eventos sociais, onde cada um
visa defender seus direitos. A judicialização tornou-se um importante acontecimento em curso
no mundo pós-moderno quando os sujeitos de direitos, para resolverem seus conflitos,
passaram a recorrer à autoridade com vistas à denúncia e à punição daqueles que, em alguma
circunstância, tenham gerado algum prejuízo tanto de ordem emocional como financeira.

Uma época de crença em mais e mais punições, por meio da vingança jurídica contra os que
escapam ou burlam os controles normativos e legais, em nome da boa vida em sociedade,
constituindo uma vida de novas produções institucionais que restauram as antigas instituições;
era dos espaços controlados e de condutas monitoradas continuamente (PASSETTI, 2011).

Com a necessidade de encontrar um interlocutor, uma autoridade para mediar e emitir


uma sentença final, o tribunal passou a habitar a vida das pessoas e práticas de julgamento
passaram a ser incorporadas ao cotidiano, fortalecendo certo poder punitivo (AUGUSTO,
2009).
341

Assim, com vistas à punição das psicólogas responsáveis pela elaboração de


documentos psicológicos que implicavam os denunciantes ou seus familiares em supostas
ocorrências de abuso sexual contra crianças que foram protocoladas denúncias contra estas
psicólogas junto ao CRP-RJ.

os profissionais que cometem erros crassos com consequências tão graves são punidos [...],
para que não causem enormes danos às pessoas sensatas e saudáveis, como o Requerente e
sua filha. [...] o único abuso que a filha do suplicante vem sofrendo é desta psicóloga que a
está tratando, a partir de um diagnóstico errado e absurdo. (João, PDE nº 01/99)
------------------------------------------
[a psicóloga] faz afirmações e diagnósticos absurdos. [...] afirma também que uso a negação
como mecanismo de defesa, como que se negar uma acusação signifique usar mecanismo
defensivo de negação. [...] os laudos [...] da psicóloga, [...] terá grande repercussão tanto na
vara de família como na criminal, espero que este conselho consiga perceber a extensão dos
danos causados por esta profissional e que lhe aplique as punições devidas. Certo que não
hesitarei em acionar todos os meios jurídicos [...] ou todas as formas de expressar [...] minha
indignação para exigir a punição de profissionais que por imperícia possam estar me
causando graves prejuízos ou a sociedade em que convivo. (João, PDE nº01/00)
------------------------------------------
[...] sob alegação de abuso sexual perpetrado contra sua filha, baseando-se fortemente,
como pode ser constatado [...], na declaração da psicóloga Ana. De imediato e sumariamente
foi suspenso, pelo Excelentíssimo Juiz de Direito Titular da [...] Vara de Família, o direito
de visitação paterna à menina. Sem dúvida, a declaração da psicóloga Ana influenciou,
decisivamente, no despacho do Excelentíssimo Juiz. [...] que interesses teria Ana em
diagnosticar, de forma relâmpago e fulminante, fato de natureza gravíssima, firmando
declaração [...]. Ao declarar as barbaridades [...], atendia Ana interesses da genitora no
sentido de não permitir, a qualquer preço, a Regulamentação de Visitas? [...] A mim, tudo
me faz crer que a declaração [...] foi, graciosamente, oferecida, sabe-se lá satisfazendo a que
interesses da psicóloga Ana, baseada única e exclusivamente no relato da mãe, o que, se de
fato ocorreu, colocaria a psicóloga Ana no rol de pessoas desprovidas de seriedade e
indignas de ter a Psicologia como profissão. (Ricardo, PDE nº04/00)
------------------------------------------
A referida psicóloga, então já terapeuta de minha ex-mulher, atendeu como paciente a meu
filho, excluindo-me quase que totalmente do processo. [...] O sofrimento a que nos
encontramos expostos [...] são consequência de equívocos técnicos e éticos praticados pela
referida profissional, uma vez que a Psicóloga já era Psicoterapeuta [...] da mãe de Mateus. e
minha ex-mulher. a Psicóloga [...] apontou a possibilidade da avó paterna, pessoa que ela
nunca conheceu, haver manipulado a genitália de Mateus, insinuando abuso sexual. [...]
Preocupa-nos principalmente o modo como Mateus foi envolvido em uma atmosfera de
medo após o surgimento dessa questão, sendo orientado a ‗gritar e sair correndo‘, conforme
aponta o próprio relatório da Psicóloga. Que consequências este tipo de procedimento
poderá causar à sua formação? Diante do exposto, consideramos que a psicóloga [...] tenha
cometido equívocos, utilizando-se de minha condição de alguém que esteja utilizando um
serviço especializado, não sabedor das especificidades da profissão em referência. [...]
Pedimos ao Conselho que venha a avaliar a conduta da psicóloga [...]. Questionamos ainda
se a referida psicóloga teria se posicionado corretamente quanto ao lugar de psicoterapeuta,
uma vez que chegou a gravar as sessões no intuito de produzir provas judiciais. (Sandro,
PDE nº01/04)
------------------------------------------
Consideramos que afirmações tendenciosas são feitas sem sustentação em fatos [...]. Mateus
tem se comportado normalmente durante as visitas ao lar paterno, [...] e sem apresentar os
sintomas comportamentais apontados pela psicóloga como sendo quadro depressivo. [...] a
psicóloga [...] fez-se presente no aniversario de quatro anos de Mateus, [...]. Apreendemos
que tal fato seja no mínimo questionável, uma vez que indica um vinculo para além do
terapêutico, sobretudo num momento tão conturbado da vida familiar de seus pacientes.
(Beatriz, PDE nº01/04)
342

No caso de Emília (PDE nº 02/00), embora não fosse pessoa diretamente abordada no
documento psicológico, alegou que procurou o CRP-RJ para fins de:

notificar e exigir providências [...] quanto aos procedimentos técnicos e éticos [...] que lesam
profundamente a moral desta família.

Em nome da família, da qual faz parte, justificou que a denúncia decorria frente ao
dano provocado pelas ações tanto da psicóloga Ana quanto de Cristina, que teriam julgado e
sentenciado toda a família paterna.

[...] afirma de forma precisa que a menor [...] está sofrendo Abuso Sexual Paterno, sem que
o pai em questão nem mesmo fosse visto, avaliado ou testado. [...] A desestruturação não
fica só na esfera do réu. Vi, convivi, sofri como toda a família o caos que se expressou por
sofrimentos físicos [...], emocionais [...], na dificuldade para se manter apto para atividade
laborativa, isto tudo para não falar na marginalização em que se é atirado. (Emília, PDE nº
02/99)
------------------------------------------
[...] nem excluindo nem mesmo as sete crianças integrantes desta família como perigosa e
danosa ao convívio da criança [...], recomendando o afastamento desta como medida de
proteção à menor [...]. diagnóstico [imputado] a todos ‗a distância‘, e penalizá-los com a
‗reclusão ou exílio‘ de uma convivência fraterna com um de seus membros, através de uma
avaliação que desconhecemos o seu valor técnico-científico. [...] tomando seu diagnóstico
como verdade absoluta e extrapolando [...] sua [...] condição [...], usou de meios físicos e
violência para impedir a avó paterna, de 68 anos de idade, e uma tia de abraçarem a criança
que há muito não viam. (Emília, PDE nº 02/00)

A denúncia, portanto, não se restringe à pessoa diretamente lesada pela conduta


profissional, podendo esse direito ser exercido por qualquer indivíduo que tomar
conhecimento de fatos considerados, por ela, lesivos à sociedade.
Nos discursos contidos nas denúncias encaminhadas ao CRP-RJ, os denunciantes
apontaram para uma situação ou uma versão dos fatos em que tanto a pessoa diretamente
acusada de haver cometido abuso sexual quanto os familiares próximos da criança foram
afetados pelos desdobramentos decorrentes das medidas judiciais tomadas a partir dos
documentos psicológicos. Como descrito nos documentos de denúncia, além da pessoa
acusada de cometer abuso sexual, outros familiares, dentre eles, crianças e pessoas idosas,
foram alijadas do convívio da criança considerada vítima.
O impacto da recomendação pelo afastamento da criança de seus familiares feita pelas
psicólogas não ficou limitado aos documentos psicológicos, mas avançaram para o ato físico,
quando Cristina, psicóloga da Vara de Família (PDE nº 01/00 e nº 02/00) se interpôs entre a
criança e sua avó e tia paternas, impedindo-as de se aproximarem da criança; ou mesmo
343

quando a psicóloga Carol (PDE nº 01/04) orientou a criança a gritar e fugir ao ver a avó
paterna.
A queixa dos denunciantes, portanto, apontou para repercussões que extrapolaram o
círculo pai-mãe-filho ou pai-mãe-filho-avó, alcançando outras gerações de parentes que se
viram impedidos de ter contato com a criança considerada vítima. Com isso, o lado terrível do
sofrimento imputado aos pais e familiares das crianças foi realçado no discurso da denúncia,
colocando-os no lugar de vítimas da má conduta das profissionais.
Os discursos da compaixão, da escandalização e da indignação também foram
empregados. Enquanto vítimas, medidas graves de punição foram justificadas por parte dos
denunciantes, como uma ―resposta justa‖ aos danos e ofensas cometidas pelas profissionais
por meio de atos considerados absurdos, parciais, tendenciosos, ou ainda, ―como defesa
contra males potencialmente perpetráveis‖ (BAUMAN, 2011, p.76).
Assim, os denunciantes convocaram o CRP-RJ, via a denúncia, para avaliar a conduta
das profissionais e, mediante a constatação dos erros, que a instituição viesse a puni-las
exemplarmente em nome de um ideal de justiça. A sanção disciplinar não se limitaria ao ato,
neste caso, mas também agiria sobre os riscos, cuja premissa seria, ao exercer uma função
corretiva, adequar o profissional à norma, evitando que o profissional venha a cometer outros
erros.
De acordo com Tavares (2010, p.46), é pela possibilidade de imputar responsabilidade
a um profissional, fazendo-o ―responder ética e legalmente por quaisquer questionamentos,
éticos ou técnicos‖ referentes ao seu trabalho que seria possível regulamentar sua atividade a
padrões considerados ―aceitáveis‖, entendendo aceitável como uma ―conduta na direção da
ética e da competência‖.
O julgamento do erro, porém, não ficou limitado ou definido apenas em termos de
inobservância ou transgressão (voluntária) pelo profissional ao regulamento ou aos deveres
derivados da função ou do cargo. O erro passou a se referir ao que causa sofrimento, apelando
mais para uma dimensão emocional que pela regra propriamente dita. Por meio dessa
premissa que se justificaria a aplicação de penas de maior gravidade, como requereu Ricardo
(PDE nº 04/00). Declarando-se inconformado com a desproporcionalidade da pena imposta
pelo CRP-RJ (na etapa de julgamento) em comparação com a gravidade dos atos perpetrados
contra ele e sua filha, pela psicóloga denunciada, o denunciante requereu a exclusão da
psicóloga da vida profissional por meio da cassação do seu registro. Portanto, foram as
descrições dos fatos subjetivos, das repercussões ou dos efeitos decorrentes dos discursos
344

psicológicos os elementos que sobressaíram nos discursos das denúncias encaminhadas ao


CRP-RJ.
Os fatos objetivos, como a declaração dos denunciantes de que foram excluídos dos
atendimentos psicológicos ou de que a genitora recebeu atendimento privilegiado, de que
houve erros técnicos e diagnósticos absurdos e relâmpagos somaram-se aos demais,
fomentando a dúvida ou colocando em suspeição a competência das psicólogas.

[...] em que se baseou a psicóloga para afirmar, de forma tão contundente, ser o genitor de
Paula seu agressor, uma vez que sequer o conhecia? [...] Além de não conhecer o genitor,
note-se que a Ana, no dia xx de maio de 2000, poderia conhecer Paula havia no máximo
uma semana (desde xx abril de 2000). (Ricardo, PDE nº 04/00)
------------------------------------------
[...] o compromisso assumido pela referida psicóloga era o de manter ambos os pais do
menor Mateus igualmente informados sobre as sessões [...] que deveriam [...] constituir uma
avaliação, não um acompanhamento prolongado. A avaliação, no entanto, converteu-se em
acompanhamento psicológico, durante o qual o pai foi chamado a participar apenas em duas
oportunidades [...] enquanto [a mãe] mantinha-se informada quinzenalmente. (Sandro, PDE
nº 01/04)

Interessante observar que os denunciantes que não são psicólogos se detiveram aos
aspectos subjetivos, mencionando mais enfaticamente, os efeitos decorrentes das ações das
psicólogas que elaboraram os documentos com fins jurídicos. Por sua vez, para firmar um
diálogo com o CRP-RJ, estes mesmos denunciantes contrataram advogados para os
representarem, inserindo-os em uma discursiva jurídica, de cunho adversarial.
O discurso oferecido pelo advogado tem caráter técnico, mas por não ser do campo da
Psicologia, os argumentos, na fundamentação das alegações em geral, ficam presos às
normativas que regulam a profissão do psicólogo.
A existência de um Código de Ética Profissional permite que um conjunto de regras de
conduta seja utilizado como referência para a prática profissional, ou seja, para a tomada de
decisões no exercício da profissão. Igualmente, tal normativa permite que o exercício
profissional seja avaliado e julgado tanto pelos usuários dos serviços quanto pela corporação.

[...] especificamente, no que tange aos artigos 17; 18; 19; 20 e 23, parágrafo 1º, ao preparar
uma declaração repleta de vocabulários pretensamente técnico para impressionar leigos, e
aos anseios conturbados de sua ex-mulher, que, imediatamente, distribuiu Ação de
Suspensão de Pátrio Poder, fulcrado, exclusivamente nesse documento, que causa
indignação aos profissionais sérios. (João, PDE nº 01/99)
------------------------------------------
Diante do exposto, consideramos que a psicóloga [...] tenha cometido equívocos, utilizando-
se de minha condição de alguém que esteja utilizando um serviço especializado, não sabedor
das especificidades da profissão em referência. Somado a estas ‗irregularidades‘ há o fato
que confronta com o que preconiza o Código de Ética Profissional do Psicólogo – das
relações com a Justiça, Art. 20 - É vedado ao psicólogo: a) Ser perito de pessoa por ele
345

atendida ou em atendimento. Pedimos ao Conselho que venha a avaliar a conduta da


psicóloga. (Sandro, PDE nº01/04)

Quanto à denunciante Emília, que também é psicóloga, esta não se fez representar por
advogado, havendo seu discurso se aproximado dos questionamentos técnicos, metodológicos
e teóricos, além da conduta das profissionais.

Digo perplexidade, porque após verificar artigos, consultar literatura internacional, [...]
colegas com experiência no assunto, constatei que os parâmetros técnicos necessários foram
desrespeitados pela Sra. Ana. [...] que criou [...] um documento impreciso com linguagem
hermética que é um laudo (?), um parecer (?), um diagnóstico (?), uma acusação policialesca
(?) [...], que afirma de forma precisa que a menor [...] está sofrendo Abuso Sexual Paterno,
sem que o pai em questão nem mesmo fosse visto, avaliado ou testado. [...] Por que a
referida psicóloga mantém a mãe e a criança [...] sob seu tratamento? [...] Será que se o seu
diagnóstico fosse outro esta psicóloga teria mais estas duas pacientes em seu consultório?
(Emília, PDE nº02/99)

A interpretação do Código de Ética, com a enumeração de artigos, como fizeram os


denunciantes João (PDE nº 01/99) e Sandro (PDE nº 01/04), embora não seja necessária, não
é fortuita, pois há neste gesto uma indicação para o CRP-RJ considerar, a partir da visão dos
denunciantes, que o profissional transgrediu as normas da profissão e quais foram os artigos
infringidos.
O CRP-RJ surge, desta forma, como um interlocutor que favorece a criação de um
espaço de escuta, por meio da denúncia, para aqueles que foram excluídos dos atendimentos
psicológicos, não obstante fossem acusados pelas profissionais de haverem abusado
sexualmente dos filhos/neto.
Neste espaço, os denunciantes não somente se pronunciaram frente ao CRP-RJ,
questionando o exercício profissional, mas encontraram um meio de se fazerem ouvir por
estas psicólogas. De tal modo que do discurso dos denunciantes foi se construindo um
discurso de defesa contra a acusação de abuso sexual.
Assim, quando a psicóloga Cristina (PDE nº 01/00), a única da amostra que realizou
entrevistas com o genitor acusado:

se baseou apenas em uma entrevista e nos teste TAT/HTP. [...] mesmo com a minha
insistente solicitação, se negou a me submeter a outras entrevistas, outros testes ou a ter
contato com outros psicólogos que haviam me avaliado no passado e no presente. (João,
PDE nº 01/00).

Desta forma, a recusa da psicóloga à demanda de João transformou-se em denúncia,


na qual foram anexadas outras materialidades discursivas, na forma de avaliações
346

psicológicas, psiquiátricas, as quais o denunciante e genitor acusado João voluntariamente


havia se submetido para atestar sua inocência.

 Avaliação psicológica no CEPA - Centro de Psicologia Aplicada


 Psicodiagnostico realizado por profissional contratado com diversas técnicas:
Rorschach, TAT, HTP e entrevistas;
 Resultado do MMPI feito pela internet;
 Avaliação psiquiátrica;
 Parecer elaborado por psicólogo psicoterapeuta após 10 meses de
acompanhamento;
(João, PDE nº 01/99; PDE nº 01/00)

A contratação de profissionais da área médica, como psiquiatras e pediatras, bem


como psicólogos para realizarem avaliação tanto do acusado quanto da criança, foi uma
estratégia utilizada como forma de assessorar na qualificação técnica da denúncia contra as
psicólogas, à semelhança dos advogados.

[...] com o intuito de buscar embasamento técnico e subsídios que pudessem auxiliar minha
defesa em tribunal e talvez auxílio profissional para o tratamento psicológico que certamente
minha filha ou quiçá eu mesmo, pois, sem nenhuma dúvida, vou recuperar em juízo o direito
de tê-la em minha companhia. (Ricardo, PDE nº 04/00)

Munidos da assessoria técnica no campo do saber psi e no campo jurídico, alguns


denunciantes passaram a contestar e desqualificar a atuação das profissionais quanto à
capacitação técnico-científica, ao modelo de atendimento em casos de alegação de abuso
sexual restrito à palavra da criança, à parcialidade com que os atendimentos foram
conduzidos, ao linguajar hermético, bem como a colocar em suspeição a saúde mental da ex-
mulher.

[a Declaração da psicóloga] é desprovida de base científica/técnica e contém erros crassos e


gravíssimos constituindo a mesma uma violência contra a menor e à sua família‖. [...] Como
que se pode tratar algo [...] quando este algo ainda está em ‗avaliação psicológica‘? [...]
primeiro terá que ser feito um diagnóstico de algo, para [...] se determinar o tratamento e
neste tratamento qual o enfoque terapêutico a ser utilizado‖. [...] O que ela [psicóloga
denunciada] menciona [‗sintomatologia compatível com um quadro de violência sexual
incestuosa paterna‘] é absolutamente impossível [...]. um quadro emocional psicológico e
psiquiátrico ser tão específico a ponto de se poder deduzir que ele é advindo de uma
‗violência sexual incestuosa paterna‘. [...] Convém lembrar que esta menor tem mais de uma
figura paterna: o padrasto. [...] não foi realizado [...] um Diagnóstico Diferencial no que
tange à figura paterna. [...] O pai sequer foi visto! [...] não são detalhadas e tampouco
descritas as tais ‗cenas de sedução‘ [...] na idade de cinco anos é normal e previsível
brincadeiras sexuais [...] e entramos na área do ‗achismo‘. [...] Não é descrito o suposto
comportamento hipersexualizado. [...] É preciso que se leve em consideração, o fato do
profissional ao buscar a confirmação de sua suspeita, ele possa induzir o indivíduo a
responder numa direção. [...] pergunta: ‗Que testes psicológicos foram realizados para se
chegar a esta conclusão?[...]Não é admissível o uso de [...] ‗psicologuês‘ ou outro linguajar
hermético e específico. (João, PDE nº 01/99)
347

Causou-me estranheza os termos usados na declaração, [...], pois expressões como ‗quadro
clínico de extrema gravidade‘ ou ‗quadro bastante frágil‘, nada definem, sendo impróprios
em documentos que tem a pretensão de serem levados a sério, pelo menos, na comunidade
científica, mas parecendo terem sido, intencionalmente, ali colocados para impressionar e
sugestionar profissionais da área jurídica. [...] a criança não comia? Recusava-se a andar?
Não falava? Defecava espontaneamente? Chorava copiosamente [...]? Batia queixo e
tremia? Tinha os olhos arregalados, as pupilas dilatadas e um olhar fixo em algum ponto
distante? [...] o fato de alguém ter experiência no tratamento de possíveis sequelas
psicológicas oriundas de um abuso sexual, não o torna, automaticamente, possuidor de
conhecimentos técnicos e/ou científicos necessários à perícia criminal (Ricardo, PDE nº
04/00)

Bastante fácil perceber que os denunciantes acusados de cometerem abuso sexual


contra seus filhos passaram a pesquisar o tema, anexando nos PDE inúmeros textos extraídos
de publicações nacionais e estrangeiras em relação à temática do abuso sexual e outros ainda
que apontassem para a ocorrência de falsas denúncias no contexto da separação conjugal.

[...] [avaliação em casos de abuso sexual] só pode ser feita por equipe multidisciplinar,
composta por assistente social, pediatra, serviço de proteção à infância, psicólogo,
psiquiatra, investigador de polícia e perito de juiz. [...] que não existe, hoje, técnica
psicológica capaz de, sozinha, dizer se alguém cometeu ou foi vítima de um crime (sexual
ou não) [...] A totalidade da literatura aponta para a complexidade de uma avaliação
psicológica daquele tipo de abuso e o consequente tempo demandado. Entrevistar o maior
número de pessoas capazes de fornecer informações sobre o funcionamento psicológico da
criança em tempo imediatamente anterior à acusação e observar o comportamento entre o
acusado e a possível vítima tornam-se primordiais para uma avaliação responsável. [...] que
as entrevistas com a criança sejam gravadas, nem que seja somente em áudio, com a
finalidade de: preservar as declarações iniciais da criança, permitir que a equipe
multidisciplinar avalie a situação, protegendo a criança contra um excesso de entrevistas
que, sabidamente, são potencialmente capazes de sugestioná-la e podendo servir, também,
como prova em um eventual procedimento judicial. (Ricardo, PDE nº 04/00)
Para uma profissional que atua em psicologia, parece [...] temerário apresentar, como
justificativa para sua interpretação e seus procedimentos [...] uma única linha de pensamento
[...]. Outros autores abordam o assunto sob uma ótica bastante diversa. [...] perceberam ao
longo de sua experiência profissional a grande incidência de adultos que, em caso de litígio,
se utilizam da fala de um filho, manipulando-o contra o ex-cônjuge [...] por rancor,
revanchismo ou mesmo para obter êxitos na esfera judicial. Quem sustenta que o discurso
infantil é sempre descrição pura e simples de fatos ocorridos não deve (mas deveria) ter
ouvido falar em SAP – Síndrome de Alienação (ou Afastamento) Parental. Ou não saberá
também a representada que é cada vez mais comum a utilização da fala dos filhos como
instrumento de poder, nos litígios familiares? [...] as reais ocorrências de abuso sexual
devem ser rechaçadas e punidas com rigor pela sociedade. Mas profissionais [...] têm de
estar sempre bem preparados para poder distinguir as falsas das verdadeiras denúncias.
(Sandro, PDE nº 01/04)

As críticas contidas nos discursos dos denunciantes passaram a ficar mais refinadas
com o decorrer dos processos ao longo de alguns anos. À medida que os denunciantes foram
se familiarizando com os estudos sobre a prática da revelação em casos de denúncia de abuso
sexual contra crianças, passaram a incorporá-los aos argumentos contidos em seus
documentos de denúncia.
O momento em que os eventos transcorreram é revelador. Por volta da década de
1990, houve, no Brasil, um aumento da produção acadêmica que vislumbrava o fenômeno da
348

violência sexual. A mídia nacional também despontava como uma forte aliada à informação
sobre o tema, buscando incentivar a notificação por meio de campanhas, convocando a
população a denunciar para proteger as crianças, situação que se mantém nos dias de hoje.
No mesmo período, pesquisadores nos Estados Unidos se dedicavam à observação e
compreensão do aumento no número de notificação de alegações de abuso sexual envolvendo
pais e filhos no contexto da separação conjugal por mães-guardiãs. Uma crescente publicação
de pesquisas norte-americanas passou a indicar que muitos desses pais acusados eram, na
verdade, inocentes, acusados pelas ex-companheiras e guardiãs dos filhos na intenção de
obstruírem o convívio paterno-filial.
Boa parte dessas publicações chegou ao Brasil trazida pelas mãos de pais acusados
que se viram em igual situação. Muitos destes eram participantes de fóruns de discussão em
sites de Organizações Não-Governamentais (ONG) e Associação de Pais ligadas a questões
relativas à parentalidade e guarda de filhos, onde encontraram espaço para receberem auxílio
técnico e teórico nas matérias de Direito e Psicologia.
Ainda na primeira metade da década de 2000, estudos sobre falsa denúncia de abuso
sexual começaram a surgir no cenário brasileiro como matéria de apreciação por alguns
profissionais, embora de forma tímida. Quando iniciei a pesquisa de mestrado sobre o tema
das falsas acusações, em 2004, à exceção de algumas publicações que vislumbravam o
assunto, como as de Amazarray e Koller (1998), Calvaggioni, Neri e Calçada (2001), Flores e
Caminha (1994), Gonçalves (2003), Njaine, Souza, Minayo e Assis (1997), a maioria da
literatura nacional em nada tratava do assunto.
Assim, foi a partir da apropriação dessa materialidade discursiva, em especial da
literatura internacional sobre falsas denúncias, que aos poucos os denunciantes foram
construindo e fortalecendo os discursos de contestação aos documentos psicológicos.
No entanto, ao se apropriarem desses discursos, deixaram-se submeter à mesma lógica
pragmática e imediatista que fundamentava as práticas psicológicas de avaliação, passando a
definir quais técnicas, recursos e metodologias de investigação deveriam os profissionais
utilizar. Assim, falaram em gravações, na aplicação de testes psicológicos, em aumentar o
número de entrevistas com a ampliação da participação de outros familiares, inclusive com a
realização de entrevistas pessoais dos acusados como exigência ao cumprimento do direito ao
contraditório (do qual alegaram cerceamento).
Alguns anos mais tarde, as discussões sobre falsas denúncias de abuso sexual
ganharam vulto, sobretudo a partir do reconhecimento legal da guarda compartilhada em 2008
349

(Lei nº 11.698), isso porque essa modalidade de guarda foi concebida para ser um dispositivo
para ―afirmar a igualdade de direitos e deveres de pais separados e a manutenção da
convivência familiar dos filhos‖ (SOUSA; AMENDOLA, 2012, p.88). A contrapartida à
implementação da referida Lei da guarda compartilhada foi o acirramento das reações
contrárias por muitas mães que desfrutavam da guarda unilateral na condição de guardiães dos
filhos, resistindo a fazer qualquer concessão para ampliar a convivência paterna. As falsas
denúncias por má-fé se intensificaram nesse contexto, conforme pude perceber naquele
período, como forma de impedir que os pais tivessem contato com seus filhos e como meio de
garantir a exclusividade da guarda materna.
Com isso, os debates sobre o exercício da parentalidade e a aplicação desse modelo de
guarda pelo judiciário foram aos poucos cedendo lugar para as discussões promovidas por
profissionais de diversas áreas e por membros de associações de pais separados sobre as falsas
denúncias de abuso sexual e a ocorrência da chamada Síndrome de Alienação Parental (SAP).
A ―SAP‖, como ficou usualmente conhecida, passou a ser apresentada como ideia
sinônima ou interligada à ocorrência de falsas denúncias de abuso sexual, principalmente por
pais que enfrentam dificuldades acerca da convivência com os filhos após o rompimento
conjugal.
Assim, a SAP ganhou terreno, sendo amplamente divulgada como um distúrbio
psicológico que as ex-mulheres dos acusados seriam portadoras. Motivadas por sentimentos
de vingança e raiva, as falsas denúncias seriam o resultado do comportamento doentio de
algumas mães guardiãs que, na intenção de separar os ex-maridos dos filhos, fariam as tais
acusações. Aliado a isso, essas genitoras também seriam responsáveis pela indução dos filhos
a condutas que desencadeariam a denominada Síndrome da Alienação Parental (SAP).
Foi por essa perspectiva, a partir da articulação desses assuntos, que a SAP passou a
estar presente tanto no campo de disputas judiciais quando no âmbito do CRP-RJ nos
discursos dos denunciantes. Tal discurso, semelhante ao olhar diagnóstico que criou
abstrações como ―violência‖, o qual os denunciantes criticaram, por sua vez, produziu a
abstração ―síndrome de alienação parental‖.
Trata-se do mesmo mecanismo que naturaliza questões relativas à separação conjugal
e que ainda contribui para acirrar o litígio entre as partes. Igualmente, a SAP criou a
necessidade de os profissionais psicólogos intervirem sobre as crianças, com suas técnicas de
escuta e de revelação, desta vez, para desvendar uma suposta verdade sobre o abuso sexual
350

infantil, ou ainda, a presença da síndrome da alienação parental (SOUSA; AMENDOLA,


2012).
Deste modo, a separação conjugal, a disputa da guarda dos filhos, a própria denúncia
de violência, e, agora, a SAP, foram consideradas evidências empíricas, e sem comportarem
outras análises, foram avaliadas de forma isolada e convertidas em fatos naturalizados ou
verdades incontestes.
A problemática que envolve o litígio conjugal, nesta vertente, não foi considerada
enquanto um acontecimento que integra aspectos singulares e sócio-históricos seja para
favorecer ou dificultar o exercício da parentalidade. Nestas circunstâncias, a discussão sobre a
violência sexual, a SAP, a contextualização dos conflitos que integram as relações familiares
ficou reduzida a questões psicológicas ou a uma interpretação que patologiza e estigmatiza
pais, mães e crianças igualmente.
Ademais, como propõem as autoras,

[...] a articulação entre falsas denúncias de abuso sexual e SAP pode ser meio de se isentar o
Estado e a sociedade de sua responsabilidade sobre o direito de crianças e jovens à
convivência familiar. Percebe-se que, no Brasil, a articulação dos temas analisados tem, de
certa forma, contribuído para o esmaecimento de discussões sobre a necessidade de políticas
públicas voltadas à manutenção do convívio familiar após a separação do casal; mais ainda,
têm sido relegadas a segundo plano estratégias no campo social que deem sustentação e
valorizem o exercício dos papéis exercidos por pais e mães (SOUSA; AMENDOLA, 2012, p.
111-112).

Embora nem todas as denúncias de abuso sexual no contexto da separação conjugal


litigiosa sejam falsas ou que estas tenham sido feitas na intenção de prejudicar o genitor
acusado, quando a associação entre os temas ―falsa denúncia‖ e ―SAP‖ surge no discurso dos
denunciantes, esta se apresenta como uma estratégia de desqualificação dos discursos
psicológicos que os teriam acusado.
Assim, os discursos dos denunciantes também evidenciaram uma série de questões-
problema que vão desde a precariedade na formação profissional até a carência de uma visão
crítica de ciência praticada pelas psicólogas.
Segundo Bastos (2003), os psicólogos, em geral, não são preparados para lidar com
questões relativas ao abuso sexual de crianças e adolescentes durante a formação acadêmica.
Embora seja uma questão a ser considerada, a autora indaga quais discursos, práticas, saberes
seriam suficientes para preparar psicólogos para esta realidade?
Por fim, os discursos dos denunciantes, à semelhança dos discursos psicológicos
contidos nos documentos, também foram empregados para fins de subsidiar sentenças em
351

ações disciplinares contra as psicólogas, tendo seus efeitos de poder, deixando impressões,
marcas na vida das profissionais. Conforme pude constatar durante minha passagem na
Comissão de Orientação e Ética do CRP-RJ, o profissional,

[...] ao ser convocado a prestar esclarecimentos acerca de uma denúncia feita em seu desfavor,
recebe o fato, [...] como uma medida punitiva e proibitiva antecipatoriamente (antes de abrir
processo ético). Neste caso, o psicólogo parece reagir, buscando eliminar a fonte do problema
que teria originado a denúncia, sem, contudo, questionar a prática posta em questão. Assim,
vemos que alguns profissionais deixam de atender crianças e/ou de elaborar documentos [...].
Decisões precipitadas que não provocam mudanças efetivas em benefícios à sociedade e ao
profissional (AMENDOLA, 2009b, s/p).

Para empregar termo utilizado por Baptista (2000, p.40), instaura-se a ―peste‖. Diz o
autor, ―que para desespero de alguns e esperança de outros‖, a peste gera rupturas ao
equilíbrio instituído. Eis a denúncia. Como uma peste, seu movimento vem evidenciar
―antagonismo e rebeldias‖, vem impor a transformação.

3.8 Defesa: discurso técnico-científico

Nos documentos de defesa dos psicólogos denunciados normalmente há uma


apresentação sumária, com nome, registro profissional, endereço e telefone residencial, bem
como o comercial, seja da clínica, consultório ou instituições em que trabalham. O próprio
CRP-RJ pode exigir que o profissional apresente seus dados a fim de mantê-los atualizados
em seus arquivos, não somente em cumprimento ao que determina as normas da profissão,
mas, dada as circunstâncias, para que o referido Conselho garanta que os psicólogos recebam
as comunicações da Comissão de Orientação e Ética (COE) e apresentem suas defesas
tempestivamente.
As psicólogas denunciadas em questão, Ana (PDE nº 01/99; 02/99; 04/00), Cristina
(PDE nº 01/00 e 02/00) e Carol (PDE nº 01/04) apresentaram suas defesas após contratarem o
serviço de advogados para representá-las junto ao CRP-RJ. Tal prática, embora não seja
obrigatória, tende a ser corriqueira entre os psicólogos denunciados, segundo observação de
Frizzo (2004), e, arrisco a dizer, por experiência pessoal nos cinco anos em que atuei na
instrução processual.
352

O fato de o psicólogo ser denunciado a uma instância com poderes de disciplinar e


puni-lo pelo exercício de sua profissão o insere em uma lógica jurídica da qual se vê obrigado
a apresentar sua defesa para convencer a instituição julgadora de uma verdade diferente
daquela apresentada na denúncia. Para tanto, Figueira (2007, p.63) explica que o acusado
deve ter uma estratégia de defesa, seja na forma quanto no conteúdo narrativo, é quando o
advogado entra em cena com sua ―defesa técnica‖.
Isso acarreta, na opinião de Frizzo (2004), que ―a linguagem utilizada para a defesa
passa a ter mais um caráter jurídico do que propriamente um debate sobre a prática
psicológica posta em questão‖ (p.67). A autora acredita que os psicólogos não se encontram
preparados para explicar suas ações em razão da ―fragilidade da fundamentação ética das
práticas profissionais ensinadas nos cursos de graduação‖ (p.68).
Igualmente, em minha experiência enquanto integrante de Comissão de Instrução
(CI/COE) considero que as defesas promovidas pelos advogados, por se aterem à norma,
como o Código de Ética (CEPP) e ao Código de Processamento Disciplinar (CPD), acabam
por assegurar ao psicólogo denunciado uma defesa qualificada em termos jurídicos,
processuais, à semelhança do que constatou Frizzo (2004). Todavia, a discussão sobre o
exercício profissional, que seria foco de interesse no âmbito da Comissão de Ética, fica
relegada a um segundo plano. Com isso, o discurso jurídico se acentua nesse espaço
institucional, e aspectos processuais e normativos tomam à frente das questões éticas e
políticas que dizem respeito à profissão.
Assim, enquanto destinatário da denúncia, o psicólogo deve formular e remeter sua
defesa ao CRP/COE, concorrendo com a mesma exigência do denunciante de produzir
provas. A apresentação de provas implica na produção de um discurso para ser verdadeiro ou,
pelo menos, o que foi declarado, confiado como sendo a realidade.
No entanto, o que está em jogo não é somente a verdade do enunciado, mas a
capacidade de contra-argumentar a uma produção discursiva que progressivamente constrói a
infração e implica o profissional como infrator. Assim, está em julgamento a chamada
competência do profissional, a obediência ao CEPP e os efeitos de suas ações.
Nos discursos da defesa, todas as psicólogas dissentiram quanto ao conteúdo das
denúncias, a começar pela competência profissional, incluindo informações acerca de suas
qualificações na forma de um memorial ou mesmo de um currículo. Dados acerca da
formação universitária e da titularidade alcançada em cursos de pós-graduação foram
comprovados com a apresentação da cópia desses documentos anexados aos PDE.
353

Interessante observar que as psicólogas - [...] Você sabe tudo.


- Eu não disse que sei tudo.
denunciadas possuíam curso de pós-graduação em - Mas você sabe tudo, eu estou dizendo.
- E como você sabe que eu sei tudo?
Psicologia Clínica de orientação psicanalítica. - Sou um homem experiente. Sei das coisas.
- O que é ser um homem experiente?
Conforme a análise desenvolvida ao longo dessa
- É ter vivido muito.
pesquisa, a área da clínica psicanalítica prossegue ao - E todo mundo que vive muito é
experiente?
longo dos anos como a que concentra maior número - Não, necessariamente.
- E quem vive pouco nunca é experiente?
de psicólogos. As psicólogas também - Você faz perguntas por fazer, não é?
- Não.
disponibilizaram publicações em jornais, revistas e/ou - Você sabe mais do que eu.
- Sobre o quê?
livros em que foram autoras, publicações outras sobre
- Sei lá, sobre qualquer coisa.
abuso sexual contra crianças e ainda declararam ter - Tem gente que vive muito e não
amadurece.
experiência em atendimento nos casos de crianças e Chalita (2011, p.31-32)
adolescentes vítimas de violência sexual.

[...] Mestre em Psicologia Clínica, [...] autora de livros, [...], detentora de títulos nacionais e
internacionais, [...] possui sobejamente qualificação técnica. (Ana, PDE nº 01/99)
------------------------------------------
A ora representada possui um curriculum que demonstra o seu trabalho [...] e a sua
experiência profissional [...] através de tratamento e atendimento individual direto à criança
e ao adolescente que lhes são encaminhados [...]. Seus estudos e pesquisas psicanalíticas
estão voltados para as técnicas de investigação [...] com crianças muito pequenas, exposta à
violência sexual na primeira infância. Seu trabalho [...] se baseia em sua larga experiência,
[...] já tendo atendido a mais de 3 mil casos de crianças expostas à violência sexual, familiar
e institucional na cidade do Rio de Janeiro. (Ana, PDE nº 04/00)
------------------------------------------
[...] profissional que tem habilitação reconhecida por órgão fiscalizador da respectiva
profissão regulamentada em lei. [...] os peritos são auxiliares da Justiça. (Cristina, PDE nº
01/00)
------------------------------------------
A Terapeuta, Especialista em Psicologia Clinica, há xx anos na pratica clínica, com vários
cursos e atualizações [...] vem desenvolvendo seu trabalho com dignidade e
profissionalismo, procurando orientar-se conforme os preceitos e normas de sua profissão.
(Carol, PDE nº 01/04)

O discurso da formação técnica especializada, da competência e experiência


profissional foi empregado como argumento para atestar credibilidade ao trabalho realizado
pelas psicólogas, bem como desqualificar ou desprezar os argumentos dos denunciantes, uma
das estratégias de defesa, segundo Figueira (2007), mais empregadas pelos advogados.

No entanto, o que não é admissível é o ataque aos métodos utilizados pela representada sem
o prévio exame do paciente e o seu prontuário [...]. A representada realizou 6 entrevistas
diagnósticas através das quais, além de ser estabelecido um vínculo de confiança entre a
terapeuta e a menor [...], permitindo [...] uma abordagem mais detalhada a partir da suspeita
da mãe da ocorrência de abuso sexual. (Ana, PDE nº 04/00)
------------------------------------------
Em suas argumentações ao longo do processo, o representante interpreta o comportamento e
atuação profissional da representada segundo sua ótica leiga e limitada, tentando desviar [...]
354

a atenção do que a representada entende como principal, o bem estar da criança (seu filho) e
sua integridade. (Carol, PDE nº 01/04)
------------------------------------------
Tal fundamentação, [...], não merece prosperar: a uma porque em se tratando de uma mera
Declaração, não tem que apresentar fundamentação, nem teóricas, nem técnica, à justificá-
la. (Ana, PDE nº 04/00)

Bastante discutida ao longo do primeiro capítulo dessa tese, a alegação da


competência profissional remete ao discurso científico que procura instituir a verdade, uma
verdade construída sobre critérios de objetividade, impessoalidade e neutralidade, consagrada
à intervenção psicológica pautada nas ideologias unificadoras das ciências naturais. Enquanto
tal, este tipo de intervenção recolhe o homem a uma visão de objeto, no qual triunfam práticas
desobrigadas do social, do cultural, do histórico.
O trabalho do profissional especialista, seu discurso, é considerado uma expressão de
sua competência técnico-científica. Enquanto expressão, as práticas ditas competentes podem
ser examinadas quanto à qualificação do profissional, o conhecimento que possui sobre o
assunto tratado, avaliado, bem como o que produz decorrente do processo de avaliação (uma
análise que foi feita, inclusive, nos próprios documentos psicológicos decorrentes de
avaliação).
No entanto, as psicólogas argumentaram que não é qualquer pessoa que poderia
contestar a competência de um profissional. Por conseguinte, o discurso do especialista, dito
científico, tende a silenciar os demais discursos, esvaziando-os de sentido, subtraindo-lhe a
historicidade de sua formação. Com diz Orlandi (2003, p.43), o discurso científico determina
o que pode ser ou não ser dito.
Tais discursos psicológicos, ditos competentes e especializados, e que caminharam
com a desqualificação dos discursos que se lhes opuseram, criticaram ou julgaram, revelaram
uma prática onipotente, dogmática, hermética, praticando a ―escuta surda‖ (Baptista, 1999;
2000, p.73), ou seja, uma prática que afasta qualquer movimento de vida, de criação, em
nome do rigor e da objetividade.
Encastelados em especialismos, fechados nos espaços herméticos dos axiomas,
―prisioneiros‖ (EWALD, 2001, p.193) de claustros teóricos, surdos e impermeáveis a
quaisquer outros referenciais, os profissionais que nutrem uma postura dogmática revelam
uma rarefação crítico-teórica (BASTIAN, 1971; BAPTISTA, 2000; CASTELO BRANCO,
1998; FIGUEIREDO, 2008; MALITO; AGUIAR, 2010).
355

No caso do dogmatismo, [...] quem se agarra aos sistemas como tábua de salvação não só não
pode ouvir as interpelações que viriam de outras vozes (que ficam de antemão
desqualificadas), mas também não se permite ouvir o que a sua prática tem a dizer, salvo na
medida em que se encaixe no esquema do que o psicólogo pensa que sabe (FIGUEIREDO,
2008, p.18).

Quanto à escuta surda, na concepção de Heckert (2007, p.7), essa diz respeito às
práticas que ―ouvem sem escutar‖.

O que isto significa? Uma escuta surda se constitui quando no lugar de indagar as evidências
que nos constituem como sujeitos, nos deixamos conduzir por estas, reificando-as. Produz-se
aí uma medicina das evidências, uma psicologia das evidências, [...] que, tendo seus
procedimentos dirigidos por naturalizações, pouco consegue captar as singularidades que
permeiam o humano, a variabilidade e imprevisibilidade que constitui o vivo. Neste sentido, a
escuta acaba sendo reduzida a um ato protocolar, a uma técnica de coleta de evidências, de
sinais, ou ainda, a um jogo interpretativo. A escuta surda produz como efeito a tutela e a
culpabilização dos sujeitos, uma vez que fala por, fala de, em nome de, no lugar de falar com
o outro (HECKERT, 2007, p.7).

Assim, as psicólogas denunciadas, por meio da defesa de um modelo de ciência, de


produção de verdades competentes, criaram um desnível, colocando-se como superiores aos
denunciantes, pois, não sendo estes especialistas na área de Psicologia, não teriam a
competência necessária para contestar o exercício da profissão, ou seja, denunciá-las.
Movimento semelhante ocorreu em relação à Comissão de Orientação e Ética.
Lembrando o período em que atuei na instrução processual no CRP-RJ, observei a
manifestação de uma postura refratária, não participativa, hostil ou irônica advinda de alguns
psicólogos denunciados que rechaçaram o desempenho das Comissões de Instrução da COE,

[...] não reconhecendo a legitimidade desta perante a categoria no que tange à competência
para instruir e julgar processos éticos. Não raro, argumentam que os conselheiros não
poderiam analisar as denúncias por não serem especialistas no tema tratado, especialmente
aqueles referentes à área jurídica, tais como: violência sexual, separação e guarda de filhos,
entre outros. Neste caso, o contato com o CRP tende a ocorrer pelo viés do ―ensino da
técnica‖, anexando aos processos material explicativo (AMENDOLA, 2009b, s/p).

O mesmo ocorreu na defesa das psicólogas denunciadas nos PDE aqui analisados.
Além de anexarem uma série de documentos de caráter elucidativo sobre assuntos referentes
ao abuso sexual infantil, as psicólogas denunciadas empregaram tais materialidades
discursivas para provar em que teorias e métodos suas práticas estariam fundamentadas.
No caso de Cristina (PDE nº 01/00 e 02/00), no início de sua defesa prévia, a
psicóloga procurou definir o que entende ser um estudo pericial, mencionando duas obras:
Avaliação psicológica e sua interlocução com o Judiciário, elaborado pela Escola Judicial
Des. Edésio Fernandes e o Conselho Regional de Psicologia 4ª Região; e SE-PA-RAN-DO de
356

Leila Maria Torraca de Brito. Posteriormente, mencionou a obra Abuso Sexual da Criança:
Uma Abordagem Multidisciplinar de Tilman Furniss para falar sobre abuso sexual contra a
criança.

Há, segundo Tilman, o próprio abuso causa um dano primário na própria criança. Mas existe
também o dano secundário. [...] Ressalta que no abuso sexual da criança, ‗qualquer
intervenção profissional deve consequentemente, ter como objetivo principal evitar o dano
secundário‘. (Cristina, PDE nº 02/00)
------------------------------------------
É notório que o abuso sexual, ao contrário da pedofilia, não é doença classificável, embora
possa causar danos irreparáveis, [...] devendo ser diagnosticado, tratado e combatido. [...].
Ademais, cabe ao profissional [...] a responsabilidade pela definição dos instrumentos e
técnicas necessários à avaliação, compreensão e elucidação do caso concreto. A técnica da
psicanálise infantil se apresenta como uma tentativa de rever os principais aspectos da teoria
e da técnica da psicanálise de crianças, derivada do pensamento de Freud [...]. (Ana, PDE nº
04/00)

Concordando com as análises de Amazarray e Koller (1998) quanto à atuação dos


profissionais no campo de atendimento a crianças e adolescentes em situações de abuso
sexual, os discursos das psicólogas denunciadas apontaram para o emprego de metodologias
difusas, para a ausência de um trabalho interdisciplinar, além disso, para o uso de certa
interpretação dada às publicações citadas na defesa para fins de justificar os trabalhos
realizados. Lembrando que o discurso advindo do ato da interpretação dos textos pelas
psicológicas nem sempre reflete a perspectiva dos autores, mas uma leitura, ou mesmo, uma
distorção feita a partir de uma intenção.
Digno de nota é a referência que as psicólogas fizeram da teoria psicanalítica,
apresentando-a como sendo a ferramenta teórico-metodológica que fundamentou suas análises
e conclusões.

A investigação psicanalítica [...] encontra-se em fase final de avaliação diagnóstica e


tratamento psicanalítico semanal (Ana, PDE nº 01/99)
Avaliação psicológica de João sugere a existência de um transtorno de personalidade que
evidencia, segundo a abordagem psicanalítica, uma modalidade limítrofe. (Cristina, PDE nº
01/00)
------------------------------------------
Criança [...] encontra-se em processo de avaliação diagnóstica e início de tratamento
psicanalítico, apresentando quadro compatível com abuso sexual incestuoso na primeira
infância. [...] Após avaliação diagnóstica será realizado Laudo Psicológico. (Ana, PDE nº
04/00)
------------------------------------------
A técnica da psicanálise infantil se apresenta como uma tentativa de rever os principais
aspectos da teoria e da técnica da psicanálise de crianças, derivada do pensamento de Freud
[...]. (Ana, PDE nº 04/00)

À semelhança do que pude observar na pesquisa de mestrado, quando a maioria das


psicólogas entrevistadas afirmou usarem a abordagem psicanalítica na interpretação dos dados
357

obtidos nas avaliações psicológicas, também as psicólogas, cujos discursos foram aqui
analisados, referiram-se a esta como referencial teórico de seus trabalhos. No entanto, o
discurso das psicólogas, limitado ao anúncio deste referencial teórico, pareceu ser
autoexplicativo, ou melhor, autossuficiente, como se o fato de terem empregado essa
abordagem justificasse ou fundamentasse todas as medidas por elas adotadas, não cabendo
contestação.
Ademais, qualquer outra produção discursiva que apontasse críticas ou viesse a
contestar a exclusividade na produção de uma verdade sobre o abuso foi repelida, a começar
pelos denunciantes, dentre eles os que não eram conhecidos das psicólogas denunciadas ou
que não foram por elas abordados nos documentos psicológicos. Estes também tiveram seus
discursos desqualificados, por ―faltar legitimidade às pessoas signatárias [...] para formular
qualquer denuncia‖ (Cristina, PDE nº 02/00).

É inevitável que as conclusões contidas nesse Parecer possam contrariar os interesses e as


demandas de uma das partes envolvidas no processo. [...] Desta forma, o Parecer do
Psicólogo Jurídico e suas conclusões podem ser contestadas juridicamente, não cabendo que
esta contestação, mesmo de forma indireta ou disfarçada, seja feita fora da esfera jurídica.
(Cristina, PDE nº 01/00)
------------------------------------------
[...] pretensão maliciosamente posta à decisão do E. Conselho se refere, na verdade, ao
mesmo episódio de que se originou a denúncia constante do processo [01/00] e tal, como
aquela, totalmente infundada e imprestável à finalidade que seus subscritores dizem
objetivar. (Cristina, PDE nº 02/00)
------------------------------------------
[...] outra razão para o arquivamento [...]: a absoluta ilegitimidade da Representante. [...] No
caso, a Representação [...] foi formalizada [...] por terceira pessoa que não pode ser
considerada como ‗interessado‘, posto que o ato [...] não tem com ela a menor ligação. [...]
Somente a pessoa que se sinta ofendida ou prejudicada por ato [...] pode contra ele
representar perante este Conselho, e não qualquer um. (Ana, PDE nº 02/99)

Além de repudiarem a legitimidade de algumas pessoas para denunciá-las, ainda


segundo as psicólogas, não faria sentido a contestação dos denunciantes junto ao CRP-RJ,
pois os documentos psicológicos foram acatados em Varas de Família – onde tramitavam os
processos judiciais que investigavam as acusações de abuso sexual contra crianças. No
entendimento das psicólogas, se os documentos psicológicos contribuíram para formar a
convicção do juízo, que determinou o afastamento ou a suspensão das visitas, conforme as
recomendações psicológicas, logo, os discursos psicológicos evidenciariam a competência
técnica das profissionais que em nada teriam violado o CEPP. Pelo contrário, ao atenderem as
demandas judiciais, nada mais fizeram que cumprir com as normas da profissão.
358

[...] tal Declaração enviada à Promotora de Justiça [...], que encaminhou a menor à
Representada [a psicóloga] para que fosse realizado estudo psicoterapêutico por suspeita de
possível prática de abuso sexual por parte do pai, não havendo de se falar em
incompatibilidade com o arcabouço da Psicologia, mesmo porque tratava-se de um caso sob
acompanhamento do Judiciário. [...] sua análise, claro está que nenhuma violação ocorreu.
[...] outra coisa não fez a Representada senão atender às solicitações da Justiça. (Ana, PDE
nº 01/99)
------------------------------------------
[...][o perito] tem por função fazer o Estudo Psicológico de um processo quando é solicitado
pelo Juiz a quem é hierarquicamente subordinado. (Cristina, PDE nº 01/00)

Com esse discurso, as psicólogas denunciadas invocaram o predicado de científica à


suas práticas, consequentemente, alegando que possuíam competência e qualidades
especializadas necessárias e requeridas para atenderem a demanda pela produção de um
diagnóstico, de uma verdade a ser oferecida ao poder judiciário.
De acordo com Castel (1987) e Miranda Jr. (1998), o judiciário continua a demandar o
trabalho pericial, uma avaliação ou um estudo de casos em que houve alegação de abuso
sexual contra a criança, na intenção de dar um calção científico às suas decisões.
Conforme explica Brito (2004), são práticas que, apesar de receberem denominações
diversas, como perícias, estudos de casos, exames criminológicos, continuam comprometidas
com o valor probatório e, enquanto se identificam com o modelo biológico, buscam retratar a
patologia ou sintomatologia dos sujeitos envolvidos em processos judiciais, visando à
resolubilidade destes.
A requisição pelo saber psicológico é, desta forma, uma demanda disciplinar em que o
profissional irá buscar, a partir do diagnóstico apresentado, que corpos e mentes sejam
disciplinadas a partir de um viés, muitas vezes, sustentado em valores morais próprios ou da
classe dominante.
Como a demanda contém a resposta que se procura, assim, contida naquelas
endereçadas às psicólogas estavam as respostas que as mesmas buscaram alcançar por meio
da descrição de situações, funcionamentos singulares e sintomas observados. De uma forma
acrítica e descontextualizada, as psicólogas legitimaram o abuso sexual na criança,
patologizando e psicologizando comportamentos e individualizando problemas de ordem
social, familiar.

Frise-se que, durante os atendimentos, [...] ao psicólogo são revelados fatos típicos
importantes: ansiedade, medos, traumas e muitos outros tormentosos sentimentos,
indicativos de sérias patologias e que se traduzem tanto através dos relatos transmitidos
oralmente pelos pacientes como por suas manifestações corporais [...] transmitidas através
de desenhos, de jogos, de situações, inclusive, lúdicas e ainda por expressões corporais que
espelham importantes estados da psique infantil. (Ana, PDE nº 04/00)
------------------------------------------
359

Atuei como Perita Técnica no processo [...], tendo realizado Parecer Psicológico sobre o
mesmo [...]. [...] chegou-se a conclusão de que ‗há indícios de que João abusou sexualmente
de sua filha Gisele, tendo este obtido seu consentimento através de indução e de sedução.
(Cristina, PDE nº 02/00)
------------------------------------------
Devemos levar em consideração a gravidade do quadro apresentado pela
criança/vítima/paciente e, [...] como é sabido ‗as crianças raramente inventam história‘ [...].
É consenso entre os pesquisadores que a criança dificilmente elabora uma falsa história de
abuso sexual. Assim todo relato espontâneo da criança merece ‗a priori, credibilidade‘.
(Carol PDE nº 01/04)

Ao se colocarem enquanto especialistas detentoras de um suposto saber técnico, as


psicólogas denunciadas outorgaram a si mesmas a verdade sobre o sujeito, relatando suas
dificuldades, problemas, necessidades. Com isso, as crianças avaliadas foram inseridas em um
discurso dito científico a partir das práticas pautadas no saber psicológico. Tais discursos da
fundamentação técnico-científica que apareceram na defesa das psicólogas mostraram-se
fortemente arraigados à concepção de que a aplicação de testes e determinadas técnicas eram
condição suficiente para atestar a fundamentação requerida às práticas psicológicas.

[...] o Estudo Psicológico [...] através da realização de Entrevistas Psicológicas com os


genitores da criança, com a avó materna, com os avós paternos e a tia paterna, [...]. Além
disso, foram efetivadas avaliações psicológicas dos genitores e da criança [...]. Na avaliação
[...] dos genitores foram aplicados os mesmos testes psicológicos projetivos, a saber: HTP e
TAT. [...] foi produzido um Parecer Psicológico. A conclusão [...] foi a de que havia indícios
de que o Sr. João [PDE 01/00] abusou sexualmente de sua filha. (Cristina, PDE nº 01/00)
------------------------------------------
[...] os fundamentos técnico-científicos que serviram para sustentar a aludida Declaração
encontram-se anotados, registrado e guardados no prontuário clínico da menor. [...] o
documento firmado pela Representada servido como fundamento para uma decisão judicial,
nenhuma violação de Princípio haveria. [...], pois o fez, em primeiro lugar, baseado em seu
trabalho desenvolvido com a menor, filha do Representante, através de entrevistas de
triagem e entrevistas diagnósticas, em segundo lugar, com capacitação profissional e
capacitação técnica. [...]. São consideradas principais modalidades expressivas da criança no
âmbito da análise: o desenho, o jogo, o sonho e o diálogo como expressão dos afetos das
emoções do sofrimento traumático na dinâmica da interação entre o funcionamento mental
da criança e do analista durante o trabalho de análise [...]. Destaca-se, ainda, que o fator
tempo não é uma medida de qualidade para estas investigações, nem tampouco o foi para as
realizadas pela ora representada por dependerem da complexidade de cada caso da forma de
expressão dos sujeitos envolvidos, sendo certo que a revelação – pela vítima – pode ocorrer
a qualquer tempo. (Ana, PDE nº 04/00)
------------------------------------------
O instrumento e técnicas que a denunciada utilizou requer uma larga experiência
profissional, inclusive a mesma tem título de especialista. [...] A interpretação das respostas
é uma arte que requer prática, sabedoria e humildade. (Carol PDE nº 01/04)

Permeada pela separação entre técnica e política, os discursos psicológicos na defesa


apontaram para o exercício de uma prática de produção e de extração de verdades e de modos
de vida, quando técnicas foram utilizadas para que as psicólogas denunciadas pudessem falar
pela criança e sobre a criança. Assim, ao falarem de fenômenos psicológicos, não foram
capazes de discutir questões da vida de ordem social, histórica, cultural. O que importava era
360

que a revelação da verdade fosse feita para que desta as psicólogas pudessem construir
objetivamente uma identidade.
Essa vontade de verdade que bem fala Foucault (1996) revelou-se na defesa das
psicólogas, por meio da produção de discursos que, por sua vez, tiveram efeitos também de
verdade, ou seja, que foram admitidos como provas no campo jurídico.
A identidade-diagnóstico de ―criança/vítima/paciente‖ foi, deste modo, produzida
pelas psicólogas denunciadas, a dizer, a partir de uma escuta especializada, que se mostrou
surda para outros valores e projetos de vida; e se mostrou moralizante, enquanto indicadora de
modos de viver instituídos.
A prática especializada aflui, portanto, para a abolição do pensamento, da criação, para
se manter aderida a um trabalho técnico à repetição mecânica de modelos teóricos e
metodológicos, qual uma fábrica que ―se consome numa pura técnica de agir circunscrita ao
campo do provável e do previsível‖ (CHAUÍ, 2001, p.65).
De acordo com Bezerra Jr. (1992), muitos profissionais orientam suas práticas desta
forma, zelosos do seu lugar, da sua teoria. ―Acreditam que esta lhes dê a chave para desvendar
a essência, ou a verdadeira natureza dos fenômenos que se põem a examinar‖ (BEZERRA
JR., 1992, p.10). Todavia, contrapõe o autor, afirmando que todo saber, teoria, enfim, ―toda
pretensão epistêmica é uma tomada de posição ética‖, pois é uma construção advinda de
práticas sociais e ideológicas localizadas em determinado momento histórico-cultural e que
aplica determinado discurso dito científico na explicação dos fenômenos, visando a algum fim
(BEZERRA JR., 1992, p.09).
―Seja qual for sua inocência ou boa vontade‖ Guattari e Rolnik (1986, p.29) vão
lembrar que as teorias, bem como as técnicas, ocupam um lugar de justificativa e reforço dos
sistemas de produção de subjetividades, de modo que não haveria objetividade tampouco
neutralidade científica possível no campo de ação da Psicologia.
Igualmente, o saber produzido pelas práticas psicológicas de avaliação, porque nasce
de um trabalho interpretativo, de uma atividade ―de ficção, de representação, de construção de
máscaras, permite dar [...] uma presença, uma aparência ao mundo e aos seres‖
(ALBUQUERQUE JR., 2004, p.87), sendo este uma leitura possível a certos acontecimentos
postos em análise e que a eles atribui uma inteligibilidade. Desde modo, se certa prática
psicológica objetiva a criança como vítima, em outras práticas paralelas, a mesma criança
pode receber objetivações diversas. De qualquer modo, o psicólogo estará implicado nos
discursos, no saber que fabrica um dado acontecimento.
361

Todo conhecimento, seja ele cientifico ou ideológico, só pode existir a partir de condições
políticas que são as condições para que se formem tanto o sujeito quanto os domínios do
saber. A investigação do saber não deve remeter a um sujeito de conhecimento que seria sua
origem, mas a relações de poder que lhe constituem. Não há saber neutro. Todo saber é
político. [...] todo saber tem sua gênese em relações de poder (MACHADO, 1981, p. 198-
199).

Com efeito, a produção do conhecimento é uma questão ética e política e não


simplesmente tecnológica. Enquanto tal, o saber também é provisório, estando em constante
transformação dentro de um cenário de possibilidades e vinculado da alguma
intencionalidade.
No caso em questão, as psicólogas intencionaram produzir uma identidade por meio
de técnicas de exame não só para conferirem um caráter científico ao saber psicológico, mas
para que este saber dito científico fosse aplicado em resposta à demanda jurídica na proteção
das crianças vítimas de abuso sexual.

A declaração em tela baseou-se nos estritos princípios éticos fundamentais que norteiam a
atividade profissional do psicólogo, bem como nos dispositivos relativos à avaliação
psicológica contidos no Código de Ética [...] e, ainda, no Estatuto da Criança e do
Adolescente [...], cujo artigo 1º impõe a proteção integral da criança e do adolescente. (Ana,
PDE nº 04/00)
------------------------------------------
[...] sempre a ética e o respeito às partes e atuei de uma forma criteriosa e imparcial,
vidando o bem-estar biopsicossocial das crianças e adolescentes envolvidos nos processos.
(Cristina, PDE nº 01/00)
------------------------------------------
Atuei como Perita Técnica no processo [...], tendo realizado Parecer Psicológico sobre o
mesmo [...]. chegou-se a conclusão de que ‗há indícios de que [João PDE nº 01/00] abusou
sexualmente de sua filha Gisele [...]. Para efetuar o referido Parecer Psicológico, foram
feitas entrevistas com diversas pessoas da família paterna [...], sendo que ‗todos foram
unânimes em negar e achar absurda e injusta a denuncia‘. Neste sentido, para evitar que
Gisele sofresse qualquer dano secundário, foi sugerido na conclusão [...] que a criança
ficasse sem ter contato com o pai e com a família paterna. Tal sugestão consistiu em uma
medida de proteção da criança. [...] Para proteger Gisele e evitar que ela fosse abordada de
forma inadequada pela avó materna e pelos demais parentes da família paterna, os quais
poderiam inadvertidamente causar-lhe um choque emocional na forma de um dano
secundário, afastei educada e firmemente Gisele da presença destes. (Cristina, PDE nº
02/00)
------------------------------------------
[...] a sugestão apresentada pela Denunciada em seu relatório teve como objetivo principal o
bem estar e a proteção de seu paciente. (Carol PDE nº 01/04)

Frente a situações de (suspeita de) maus-tratos de crianças e adolescentes, o princípio


constitucional da prioridade absoluta, incorporado ao Estatuto da Criança e do Adolescente,
garante primazia no cumprimento dos direitos fundamentais da população infanto-juvenil em
virtude de esta referir-se a pessoas em condição peculiar de desenvolvimento (AMENDOLA,
2009a).
362

No tocante à denúncia de abuso sexual contra a criança, antes mesmo de as psicólogas


denunciadas chegarem a um consenso sobre a existência ou não do alegado abuso, optaram
por conservar a palavra do denunciante (em geral, a mãe) e da criança como elemento para
justificar medidas de proteção materializadas no afastamento do genitor ou familiar acusado.
Considerando a atitude da psicóloga Cristina (PDE nº 02/00), além de a mesma haver
indicado o afastamento do pai, em nome da proteção e garantia dos direitos da criança,
também adotou semelhante postura em relação aos parentes próximos a este e que não
compartilharam com a psicóloga da crença na ocorrência do suposto abuso. Assim, práticas
violadoras de direitos foram praticadas e justificadas pela psicóloga sob a insígnia da
proteção.
Retomando Freire (2007), faltou à profissional o bom senso – responsável por alertar
quanto ao exercício da autoridade exercida pelo profissional – para regular os exageros de sua
prática. Ao considerar a criança enquanto ―coisa desamparada‖ que precisa de proteção, na
opinião de Silva (1993, p.70), o psicólogo cometeria uma ―trágica desorientação [...]
dogmática‖ (SILVA, 1993, 73), intervindo na aplicação de medidas coercitivas e de
constrangimento.
Logo, essa postura coercitiva-punitiva coaduna discursos de proteção com estratégias
punitivas a partir de um julgamento que nada tem de científico, mas moral, como a
justificativa para a exclusão do acusado de cometer o suposto abuso sexual.
Perfilhando a crença pessoal de que o acusado por um abuso sexual seria, a princípio,
um agressor, as psicólogas desobrigaram-se de atendê-lo, confirmando uma prática de
exclusão também vislumbrada na pesquisa de mestrado, condizente com o modelo de
revelação pela palavra exclusiva da criança (AMENDOLA, 2006; 2009a).

quando há a indicação que o suposto agressor possa ser o pai, é imposto o dever de se
preservar o espaço de tratamento da criança. [...] é reservado o direito de não chamá-lo para
as entrevistas [...] e/ou aos atendimentos psicológicos. Através da técnica analítica verbal e
do desenho utilizados, [...] a menor expressou-se [...], permitindo à representada a
compreensão do significado [...] da extensão e da gravidade da violência por ela apresentada
[...]. São desenhos impressionantes [...] com o relato das lembranças dos lugares e das
situações em que sentia dor física [...] descritas [...] com riqueza de detalhes. (Ana, PDE nº
04/00)
------------------------------------------
O [...] representante foi chamado nas vezes que a Representada entendeu necessário [...].
Não foi excluído do tratamento, apenas deixou de ser chamado [...] quando se tornou hostil,
agressivo [...], tornando-se ameaçador. (Carol, PDE nº 01/04)

Estes discursos transpareceram na defesa das psicólogas quando demonstram acreditar


que o trabalho desenvolvido concorre para o beneficio ou proteção de crianças vítimas e
363

vulneráveis. Obrigando-se a emitir uma solução para os problemas, para a demanda, as


psicólogas denunciadas assumiram responsabilidades que ultrapassaram o campo da
Psicologia ou de suas atribuições, dominadas pelo sentimento de obrigação e sacrifício.

Ressalta-se, ainda, que a criança de 03 anos de idade não é capaz de avaliar seu problema e
de per si buscar os meios para solucioná-lo. Essa incapacidade é a justa causa que legitima a
declaração fornecida, face ao dever de proteger terceiros. (Ana, PDE nº 04/00)
------------------------------------------
Diversos profissionais [...] principalmente psicólogos, tem se negado a atender crianças e
quando o fazem, a simples escuta de um possível abuso sexual, desistem de atendê-las,
temendo as consequências da impunidade e, principalmente, os processos nos conselhos que
se acumulam e penalizam aqueles que ousam se pronunciar, beneficiando possíveis
criminosos que provavelmente nos ironizam a tarefa e utilizam as possíveis condenações
para se beneficiarem diante da Justiça. Quantos adultos temos ouvido em nossos divãs
relatando os abusos sofridos – e calados – em sua infância. [...] Em minha prática [...],
infelizmente, esta escuta é comum. Preferi, ao estar ao lado destas crianças que denunciam
seus algozes, não me omitir, mas carrego o ônus da minha onipotência, ingenuamente
acreditando que a verdade as protegerá. (Carol, PDE nº 01/04)

O discurso das psicólogas assemelha-se ao dos denunciantes quanto ao aspecto da


vitimização, do sacrifício, do sofrimento, convocando o olhar indulgente do julgador.
Enquanto sofredoras dos ataques dos denunciantes, tornaram-se vítimas e heroínas que, por
este motivo, seriam merecedoras de justiça via arquivamento do PDE. Na perspectiva delas,
expressa nos documentos de defesa, acreditaram que a verdade do abuso sexual foi revelada e
que medidas seriam tomadas para proteger as crianças.

[merecendo] a decisão de arquivamento, requer Justiça. (Ana, PDE nº 01/99)


Diante de tudo aqui exposto, fica patente a total insubsistência da Representação feita [...].
Justiça. (Ana, PDE nº 04/00)
------------------------------------------
Isto se materializará, certamente, quando o d. Parecer da Comissão, adotar, na espécie, o
inserto na letra ‗a‘ do parágrafo único do art. 19 da Resolução CEP nº006/2001 – C.P.D.,
praticando o ato da mais pura e salutar Justiça! (Carol, PDE nº 01/04)
------------------------------------------
[...] sentindo-me muito prejudicada moral e financeiramente, [...] por parte deste Conselho,
ainda acredito que a Justiça prevaleça. (Carol, PDE nº 01/04)

A denúncia protocolada pelos denunciantes, nesta vertente, seria ―como forma de


agressão pessoal‖ de abusadores sexuais movidos “por forte animosidade‖ (Cristina, PDE nº
01/00).

No entanto, não pode ser esquecida a conduta do representante, que além de ameaçar a
integridade da representada, perorou não somente contra ela mas também contra outros
profissionais que também atenderam a menor (Ana, PDE nº 04/00)
------------------------------------------
[...] o simples fato de existir discordância do denunciante não configura transgressão de
caráter ético, sequer imperícia [...]. Assim, o que resulta de denúncia não passe de vã
364

tentativa de produzir [...] outra prova técnica aqui disfarçada em apuração de erro ético.
(Cristina, PDE nº 01/00).
------------------------------------------
[...] normalmente, os agressores reagem com alarde diante da revelação. Há de se ressaltar
que é ‗comum‘ a transferência de culpa, o que foi direcionado para a Denunciada; os
representantes culpam a denunciada por todos os seus problemas e, procuram uma forma de
puni-la. [...] Assim, ‗usam‘ esse E. Conselho, que foi induzido a erro. [...] a intenção [...]
alertar para o objetivo da Representação, o que, não foi, ainda, questionado por nenhum dos
seus membros [...] desta r. Comissão [...], não percebem que o objetivo desta é única e
exclusivamente, levarem ao Judiciário, o resultado, e dele, se utilizarem para desqualificar a
Profissional, ora Denunciada, e obter êxito nas demandas Judiciais. [...] Daí a
Representação, pergunta-se: se, os Representantes fossem os vencedores da demanda
judicial, o comportamento da psicóloga os incomodaria?[...] A melhor defesa é o ataque [...]
e culpou-a [psicóloga denunciada] pela [...] omissão [do genitor]. [...] se o suspeito de abuso
do seu filho Mateus não fosse a sua mãe [avó paterna], o representante fecharia também os
olhos? (Carol, PDE nº 01/04)

O ataque às psicólogas, conforme alegaram nos documentos de defesa, serviria para os


denunciantes obterem êxito na anulação dos efeitos dos documentos psicológicos no âmbito
judicial, como a suspensão de visitas e, ainda, com a referida materialidade discursiva
desqualificada, provar a inocência frente às acusações de abuso sexual.
Assim, questões judiciais e relativas à conduta profissional se mesclaram no espaço do
CRP-RJ, não sem atrito e dissensão, que resvalaram à própria Comissão de Orientação e
Ética. Nos discursos de defesa, a autoridade e competência daqueles encarregados de julgar as
psicólogas foram postas em questão. Considerando que jaz uma crise de autoridade na era
pós-moderna, principalmente em decorrência da concepção de igualdade que elimina as
fronteiras e que nivela horizontalmente o que antes eram relações verticalizadas, as posições
de autoridade, de hierarquia, ficaram ofuscadas ou diluídas.
Nos discursos de defesa das psicólogas transpareceram essa tentativa de desqualificar
a instrução processual, visando conseguir a nulidade ou o arquivamento dos PDE. Os
discursos tenderam para uma análise ou interpretação de aspectos da legislação, por meio de
um jogo de palavras, oferecendo a versão das psicólogas como a correta, fragilizando as
relações de poder.

[...] sob pena de se estar julgando a Representada em duplicidade pelo mesmo ato [...], deve
a presente Representação, ou manifesto, ser arquivada [...], outra razão para o arquivamento
[...]: a absoluta ilegitimidade da Representante. (Ana, PDE nº 02/99)
------------------------------------------
[...] os referidos processos sejam revistos por profissionais de um Conselho Regional de
Psicologia de uma localidade diferente do Rio de Janeiro [...], considerando a gravidade da
imperícia cometida pela Comissão de Ética, [...] as consequências que podem advir desta
imperícia para a minha vida profissional [...] vou remeter cópia deste para o Conselho
Federal de Psicologia. [...] Caso minha solicitação não seja atendida, me utilizarei das vias
legais. (Cristina, PDE nº 01/00)
------------------------------------------
Por todo o exposto, em face da carência de embasamento legal e após os pertinentes trâmites
procedimentos, requer a Representada a este Egrégio Conselho que se digne declarar
365

improcedente o presente processo ético- Proteção integral à criança e ao


disciplinar e ordenar o seu [...] adolescente contra abuso sexual
arquivamento (Ana, PDE nº 04/00)
------------------------------------------ O Brasil, como signatário da Convenção
Entretanto, a peça representativa está das Nações Unidas sobre os Direitos da
eivada de vícios. [...] a condução do Criança, assumiu o compromisso de tomar
processo disciplinar, em qualquer de suas todas as medidas legislativas,
modalidades, exige das comissões e administrativas e judiciais para proteger a
autoridades julgadoras, extrema e criança contra todas as formas de
acurada atenção com os aspectos exploração e abuso sexual [...].
formalísticos e processuais. [...] por todas Mesmo com todos os números
as razões aqui expostas [...], tende à
alarmantes e chocantes casos de violência
imparcialidade. [...] qualquer tipo de
condenação em face da representada sexual contra crianças, mais de 80%
estará exercendo, esse Conselho, um praticados por pais e parentes mais
Tribunal de Exceção [...] criando uma próximos, continuam as crianças à mercê de
insegurança jurídica. (Carol, PDE nº seus falsos ―protetores‖ enquanto os
01/04) abusadores se preparam para a defesa de
suas ―prerrogativas‖ criando grupos que os
protegem diante do aparelho policial e
O próprio Conselho não escapou a críticas judicial com argumentos que buscam
desacreditar e desmerecer a versão das
externas à época, conforme o fez o Desembargador do vítimas inocentes.
Está em pleno desenvolvimento no
TJRJ, Siro Darlan, em site oficial do Tribunal no ano Brasil um grupo criado para ―justificar‖
de 2006. Por ter emitido manifesto intitulado esses abusos e proteger aos abusadores de
prováveis penalidades no Judiciário. [...] A
Proteção integral à criança e ao adolescente contra técnica consiste muitas vezes em coagir os
profissionais que estão investigando os
abuso sexual, o Conselho Regional de Psicologia do fatos ameaçando-os com processos em seus
órgãos de classe e ações de
Rio de Janeiro foi acusado de, ao receber denúncias responsabilidade civil.
Já há vários psicólogos e assistentes
contra psicólogos que atuam na avaliação de supostas sociais sendo processados em seus órgãos
vítimas de violência, defender abusadores sexuais. fiscalizadores e só esse fato já serve de
ameaça para que os outros profissionais
A primeira metade da década de 2000, de fato, temam se posicionar em casos dessa
natureza.
correspondeu a um período de importante aumento no CECRIA
<http://www.cecria.org.br/noticias/protecao
número de denúncias contra psicólogos que atuavam -intgral-a-craianca.htm>. Acesso em 26 jun.
na avaliação psicológica de crianças supostamente 2006

vítimas de abuso sexual. A emissão de um documento psicológico com fins jurídicos


contendo o resultado de tais avaliações, tão caro ao Direito, tornou-se objeto de denúncia nos
Conselhos Regionais de vários Estados do país, conforme mencionei ao longo desta pesquisa.
Tanto os Conselhos Regionais quanto o Conselho Federal de Psicologia, preocupados
com a situação, foram responsáveis por uma série de medidas na intenção de orientar a
categoria quanto à execução da avaliação, emissão de documentos, relação da Psicologia com
a Justiça, dentre outras.
Embora o enfoque dado à orientação, o Conselho Regional não pode se eximir de
disciplinar os psicólogos por eventuais infrações.
366

3.9 Tribunal Regional de Ética: Discursos Jurídico-Disciplinares

A denúncia no CRP-RJ se inicia com a redação de um texto no qual o denunciante


deve narrar os fatos supostamente ilícitos praticados por um psicólogo. Uma vez
materializada a denúncia, esta ingressa em uma ordem do discurso que irá produzir seus
efeitos, dentre eles, a convocação do psicólogo denunciado para apresentar sua defesa ou
prestar esclarecimentos. As relações sociais, a partir de então, tornam-se relações
institucionalizadas mediadas pela Comissão de Orientação e Ética (COE).
Considerando as explicações de Figueira (2007), uma relação dialógica entre discursos
se estabelece no espaço institucional da COE, ou seja, quando denunciantes e psicólogos
denunciados passam a dialogar pela via institucional. O diálogo, longe de ser amistoso,
anuncia o ―discurso do exagero‖, seja da culpabilidade pelo denunciante, seja da inocência
pelo psicólogo denunciado (AGUIAR, 1984, p.85). Nenhum dos discursos poderia ser, a
princípio, considerado verdadeiro em relação aos fatos, porém verdadeiro sob o ponto de vista
de cada um deles. Será sobre essas produções discursivas que a COE deverá operar.
Dentre os fatos narrados, outras produções discursivas são apresentadas como meios
de prova: os documentos psicológicos (laudos, pareceres, relatórios, declarações). Embora o
denunciante não esteja obrigado a apresentar meios de prova no ato da denúncia, podendo
simplesmente indicá-los, é comum que haja a apresentação deste e de outros documentos,
como declarações de outros profissionais que também avaliaram a questão por solicitação do
denunciante que os anexa ao corpo da denúncia. Caso o denunciante não entregue a
documentação da qual se refere no documento da denúncia, e que implicaria o psicólogo
denunciado como autor de uma possível infração, a COE poderá solicitá-la, como o fez no
PDE nº 01/99 dada a ―necessidade de termos nos autos o documento probatório para ser
analisado‖. Não obstante a ausência do documento psicológico para servir como meio de
prova, a COE entendeu ser necessário acolher a denúncia.

[...] os termos de defesa prévia não são suficientes para excluir liminarmente a denúncia,
como também, comprovar a denúncia, havendo necessidade de regular instrução processual
para que, através da prova, que possa ser acolhida durante esta, possa-se melhor apreciar a
questão. [...] esta Comissão de Instrução de Processos Éticos entende que é necessário o
aprofundamento do estudo destas denúncias e sugere, portanto, a abertura de processo ético.
(PDE nº 01/99)
367

A funcionalidade da COE se regulou, portanto, a partir dessas produções discursivas


que, a princípio, colocaram em suspeição o exercício profissional das psicólogas denunciadas
em nome dos interesses da sociedade.
As produções discursivas tratadas nesta pesquisa e que ganharam terreno na COE
apresentaram uma particularidade: foram antecedidas por problemas tratados em esfera
judicial, quando denunciantes e psicólogas denunciadas estavam às voltas com denúncias de
abuso sexual tramitando em Varas de Família.
Do mesmo modo que o poder judiciário é convocado, na contemporaneidade, a lidar
com questões e conflitos na esfera privada, julgando problemas de relacionamento humano, a
COE também vem sendo provocada a se pronunciar quanto ao exercício profissional nessa
interface com o Direito.

[...] na medida em que a psicóloga representada fornece uma declaração com resultados
conclusivos, contudo, sem tomar os devidos cuidados com as pessoas envolvidas ela fere
este artigo, pois não promove nem aprofunda o entendimento entre Psicologia e Justiça.
(PDE nº 01/99)
------------------------------------------
Art. 17 - O Psicólogo colocará o seu conhecimento à disposição da Justiça, no sentido de
promover e aprofundar uma maior compreensão entre a lei e o agir humano, entre a
liberdade e as instituições judiciais. (PDE nº 01/00)
------------------------------------------
Ao emitir a referida declaração dentro do contexto dos indícios anteriores e de uma forma
tão contundente quanto à suposta agressão do pai à criança, a psicóloga não coloca ‗seu
conhecimento à disposição da Justiça, no sentido de promover e aprofundar uma maior
compreensão entre a lei e o agir humano, entre a liberdade e as instituições judiciais‘. (PDE
nº 04/00)
------------------------------------------
A mesma produziu documentos que serviram como argumentação em processo de litígio dos
pais de Mateus. O julgamento que hoje acontece, não tem a ver com o fato de ter acontecido
ou não o abuso ou a violência sexual cometidos contra a criança, [...], não podemos afirmar
nem pra sim nem pra não. Não é isso que está sendo julgado. (PDE nº 01/04)

Retomando, brevemente, o que discuti ao longo da tese, o psicólogo tem sido cada vez
mais convocado a atender as demandas no âmbito do Poder Judiciário, ao ponto de o TJRJ ter
realizado, no ano de 2012, novo concurso público para contratação de psicólogos.
Acompanhando esse interesse pelo trabalho psicológico no campo do Direito, houve também
um aumento no número de questionamentos em relação à atuação profissional. Muitas
denúncias foram encaminhadas à Comissão de Ética do CRP-RJ. Essas denúncias, em geral,
envolvem a contestação das técnicas utilizadas, a condução do profissional, a fundamentação
da prática, a produção de documentos psicológicos a partir da escuta de uma das partes, dentre
outras queixas.
368

Ocorre que a COE irá se deparar com demandas as quais não possui mérito para
analisar, como as acusações de abuso sexual, evidenciando o entrançamento entre questões
jurídicas e psicológicas.

A Comissão de Instrução não pode entrar na discussão do mérito. O que analisamos e


julgamos é o trabalho do psicólogo denunciado [...], segundo os princípios e normas contidas
no Código de Ética Profissional. O psicólogo que, submetido a tal processo, o enfrenta e sai
dele incólume, deve se sentir fortalecido, pois terá confirmado o estofo ético no seu exercício
profissional (FURTADO; NOVAES, 2006, p.16).

O modo como a COE irá operar na mediação dessas relações entre psicólogos e a
sociedade será pela via da instauração de um Processo Disciplinar Ético (PDE), quando terá a
função de orientar as partes e disciplinar o exercício da profissão, a partir da compreensão de
que a ética não se impõe por força própria (SILVEIRA; HÜNING, 2010).
A orientação oferecida no espaço da COE tem, por princípio, o objetivo de esclarecer
eventuais dúvidas que denunciantes e psicólogos denunciados venham a apresentar ao longo
da instrução processual. Porém, tornou-se parte da estratégia político-ideológica da referida
Comissão em determinado momento da história do CRP-RJ, também conforme relatei no
capítulo 2, dar enfoque à orientação enquanto uma atividade preventiva, convidando a
categoria para uma participação democrática, abrindo algumas brechas nesse espaço
institucional, ainda bastante hermético. Nesta perspectiva, a COE se tornou uma instituição
mista – disciplinar e de controle, – em consonância à visão de pós-modernidade aqui
defendida de que não houve uma superação da modernidade, mas abriu-se uma possibilidade
para tal a partir da inauguração de outra relação com o capital.
Entretanto, continua não sendo papel da COE exercer a orientação em caráter
remediativo, ou seja, feita a denúncia contra o psicólogo, não pode o CRP/COE escusar-se a
instruí-la e vir a punir o profissional. Neste espírito, a COE, uma instituição disciplinar que
resiste no contemporâneo, não visa o apaziguamento, mas a disciplina, a ordem, e, por fim, a
punição.
Tanto a sociedade disciplinar quanto a sociedade de controle requerem obediência,
segundo informou Passetti (2007): enquanto a disciplinar estabeleceu as sanções, visando
anular as resistências, a de controle vem promovendo capturas dessas resistências, que passam
a ser incluídas em uma denominada participação democrática.
Novamente relembrando as discussões do capítulo 2, as Quart‘éticas e os Fóruns de
Ética organizados pela COE/CRP-RJ são exemplos desses processos de participação da
369

categoria com vistas à orientação. A orientação, se transformada como meio de tutela, não
deixa de ser uma forma de controle social, de controle do exercício profissional.
No entanto, a COE ainda é reconhecida por sua forte atuação disciplinar-punitiva. Para
disciplinar, Aguiar (1984) alerta para a necessidade da instância de autoridade elaborar ritos,
parâmetros, regulamentos, códigos, que permitam um máximo de homogeneização, e, com
isso, a possibilidade de estabelecer a pertinência e não-pertinência. Logo, para se estabelecer
uma identidade profissional, uma pertinência, é preciso que haja uma homogeneização e, na
Psicologia, isso será possível com alguns dispositivos como as Resoluções e diretrizes, mais
especificamente, o Código de Ética Profissional do Psicólogo146 (CEPP), onde todos os
psicólogos são considerados iguais perante essa lei.
Assim, ao julgar o cumprimento da norma pela categoria profissional e punir os
psicólogos que cometerem alguma infração, a COE parte do princípio que determinadas
condutas são aprováveis e outras não, adequadas ou não. Desta forma, a topologia disciplinar
visaria organizar as atividades, muitas vezes, pelo cerceamento e sanção: ―ao psicólogo é
vedado‖. Decorre que a ética, neste espaço da COE, tornou-se institucionalizada, uma ética
das normas, e a própria COE, consolidou-se em instância administrativa, sendo tanto mais
enrijecida e autoritária quanto mais austera for na aplicação do Código de Ética.
Em relação a esta aplicação, nos PDE analisados, houve o entendimento de que as
psicólogas denunciadas (possivelmente) infringiram os artigos do CEPP, Resolução CFP nº
02/1987, vigente à época em que as denúncias foram protocoladas no CRP-RJ.

Art. 2º - Ao Psicólogo é vedado: alínea ‗b‘ – apresentar, publicamente, através dos meios de
comunicação, resultados de psicodiagnóstico de indivíduos ou grupos, bem como interpretar
ou diagnosticar situações problemáticas, oferecendo soluções conclusivas alínea ‗m‘ –
adulterar resultados, fazer declarações falsas e dar atestado sem a devida fundamentação
técnico-científica;
Art. 08 - O Psicólogo, quando solicitado por outro, deverá colaborar com este, salvo
impossibilidade decorrente de motivo relevante.
Art.13 - O Psicólogo, perante os outros profissionais e em seu relacionamento com eles, se
empenhará por manter os conceitos e os padrões de sua profissão;
Art. 17 - O Psicólogo colocará o seu conhecimento à disposição da Justiça, no sentido de
promover e aprofundar uma maior compreensão entre a lei e o agir humano, entre a
liberdade e as instituições judiciais;
Art. 23 - Se o atendimento for realizado por Psicólogo vinculado a trabalho
multiprofissional numa clínica, empresa ou instituição ou a pedido de outrem, só poderão
ser dadas informações a quem as solicitou, a critério do profissional, dentro dos limites do
estritamente necessário aos fins a que se destinou o exame.
Art. 38 - É vedado ao Psicólogo: c) Fazer previsão taxativa de resultados; (PDE nº 01/99)
------------------------------------------

146
Mencionei, anteriormente, que o Código de Ética Profissional do Psicólogo (CEPP) talvez seja o único
instrumento capaz de agrupar as Psicologias, independentemente de suas abordagens teóricas, em uma só
entidade, criando a identidade ―psicólogo‖.
370

Art. 02 - Ao Psicólogo é vedado: b) Apresentar, publicamente, através dos meios de


comunicação, resultados de psicodiagnóstico de indivíduos ou grupos, bem como interpretar
ou diagnosticar situações problemáticas, oferecendo soluções conclusivas;
e) Induzir a convicções políticas, filosóficas, morais ou religiosas, quando do exercício de
suas funções profissionais;
l) Interferir na fidedignidade de resultados de instrumentos e técnicas psicológicas;
m) Adulterar resultados, fazer declarações falsas e dar atestado sem a devida fundamentação
técnico-científica;
Art. 02 – alínea ‗n‘ Estabelecer com a pessoa do atendido relacionamento que possa
interferir negativamente nos objetivos do atendimento.
Art. 03 - São deveres do psicólogo nas suas relações com a pessoa atendida: b) Transmitir a
quem de direito somente informações que sirvam de subsídios às decisões que envolvam a
pessoa atendida;
Art. 12 - O Psicólogo procurará no relacionamento com outros profissionais: a)
Trabalhar dentro dos limites das atividades que lhe são reservadas pela legislação;
Art. 13 - O Psicólogo, perante os outros profissionais e em seu relacionamento com eles, se
empenhará por manter os conceitos e os padrões de sua profissão.
Art. 17 - O Psicólogo colocará o seu conhecimento à disposição da Justiça, no sentido de
promover e aprofundar uma maior compreensão entre a lei e o agir humano, entre a
liberdade e as instituições judiciais.
Art. 19 - Nas perícias, o Psicólogo agirá com absoluta isenção, limitando-se à exposição do
que tiver conhecimento através do seu trabalho e não ultrapassando, nos laudos, o limite das
informações necessárias à tomada de decisão.
Art. 23 - Se o atendimento for realizado por Psicólogo vinculado a trabalho
multiprofissional numa clínica, empresa ou instituição ou a pedido de outrem, só poderão
ser dadas informações a quem as solicitou, a critério do profissional, dentro dos limites do
estritamente necessário aos fins a que se destinou o exame.
Parágrafo 1 - Nos casos de perícia, o Psicólogo tomará todas as precauções, a fim de que só
venha a relatar o que seja devido e necessário ao esclarecimento do caso.
Art. 47 - É dever de todo Psicólogo conhecer, cumprir e fazer cumprir este Código. (PDE nº
01/00)
------------------------------------------
[...] considerando os fatos apresentados pelo Representante e a Defesa Prévia enviada pela
Representada, esta Comissão de Instrução entende que há indícios de infração do Código de
Ética Profissional do Psicólogo no Princípio Fundamental III, Art. 2º, alíneas ‗i‘, ‗m‘, e Art.
17. (PDE nº 04/00)
------------------------------------------
Conclusão: Comissão de Instrução sugere a abertura de processo ético disciplinar por
possível infração do Código de Ética, Art. 2º, alíneas ‗b‘, ‗l‘, ‗m‘, ‗n‘ e Art. 3º, alínea ‗a‘.
(PDE nº 01/04)

Contudo, há quem defenda, como Novaes (2011), que a atuação da COE não é
somente apontar burocrática e tecnicamente que condutas ferem quais artigos do CEPP. Para
o ex-presidente do CRP-RJ, o trabalho da Comissão é mais complexo e exige consideração ao
contexto e as condições de atuação dos profissionais denunciados.
Mas o que é a COE senão os psicólogos que a compõem e que ficarão encarregados de
apreciar as materialidades discursivas que duelam nesta arena institucional? Estes psicólogos
formam uma equipe que constrói e reconstrói a COE a partir das práticas cotidianas de
manutenção das engrenagens desse maquinário, dentre eles: conselheiros eleitos,
colaboradores e funcionários. Cada um com seu cabedal de conhecimento, interesses
múltiplos, funções diversas, etc., a compor grupos chamados de Comissão de Instrução (CI),
bastante peculiares, porquanto são distintos entre si. Logo, nenhuma Comissão, nenhuma
engrenagem funciona exatamente igual a outra.
371

Não obstante respeitem as mesmas normativas e promovam os procedimentos


requeridos no Código de Processamento Disciplinar (CPD), as atividades executadas pelas
CI/COE diferenciam muito em função do modo como os integrantes compreendem, interagem
e vivenciam as normas, igualmente, como se deixam afetar pelas histórias de cada sujeito que
se apresenta neste espaço institucional. São as interpretações que fazem de cada discurso, a
bagagem de conhecimento que possuem, bem como os afetos, ―que instrumentalizam as
equipes técnicas‖ (SCHEINVAR, 2009, p.178) e norteiam a prática institucional. Esta, por
sua vez, é uma produção arranjada nas relações de poder, forjada historicamente pelas práticas
discursivas desses muitos atores que compõem a COE, de Gestão em Gestão, que
desenvolverão, no período da vigência do grupo, um funcionamento também característico.
Logo, a COE é uma instituição em movimento, viva, mutante; um produto do seu
tempo, reflexo do funcionamento dessa engrenagem que se transforma, que objetiva à
aplicação da norma e, com ela, da visão política-ideológica que a fundamenta.
No funcionamento desse maquinário disciplinar-punitivo estão psicólogo-conselheiros
eleitos que se tornaram, por legitimidade, gestores dos Conselhos Regionais e do CFP.
Ocupam, portanto, uma posição de autoridade (moral e intelectual), com poderes para garantir
e operar os direitos e deveres da categoria, mais precisamente, com poderes de julgador em
Tribunais Regionais de Ética.

[...] é dever da Comissão de Instrução agir com imparcialidade [...] não há o que se
questionar a este respeito. [...] Sobre o caráter sigiloso da Plenária, [...] não há pertinência no
questionamento. [...] o foco da análise em questão é o relatório emitido pela psicóloga [...].
É importante entender que a Comissão de Orientação e Ética visa à instrução de denúncias
[...], que as Comissões de Instrução são constituídas por profissionais psicólogos,
devidamente habilitados e credenciados para emissão de declarações. (PDE nº 01/04)

O poder da COE está, assim, em seus operadores que não falam em nome próprio, mas
enunciam discursos institucionais, jurídico-disciplinares. Como explica Figueira (2007), são
atores investidos pela instituição de poder para representá-la junto à categoria e à sociedade.
Desta forma, os operadores da COE, enquanto psicólogos, também devem obediência
aos mesmos preceitos legais, no caso, o Código de Ética e demais Resoluções do CFP, de
modo que suas ações não podem ser arbitrárias; enquanto conselheiros, devem exercer uma
tarefa normativa, ficando obrigados a cumprir com o que determina a norma conhecida por
Código de Processamento Disciplinar (CPD).
Esta normativa, por estar fundamentada nos ritos legais, inscreve os operadores da
COE no âmbito da legalidade, guardando certa similaridade à lógica jurídica. Segundo Arendt
372

(2004, p.84), embora as questões morais e legais não sejam idênticas, possuem uma afinidade
―porque ambas pressupõem o poder de julgamento‖.
Todavia, diferentemente do que ocorre no Direito, quando os futuros profissionais são
socializados nos saberes teóricos e práticos do campo jurídico ao longo da faculdade
(FIGUEIRA, 2007), os psicólogos (e tantos outros profissionais que não pertencem ao
Direito) não recebem esse tipo de conhecimento. Para darem fundamento às práticas de
instrução processual, os psicólogos, ao ingressarem na instituição, acabam sendo treinados a
produzir uma discursiva eminentemente jurídico-disciplinar e a se organizarem enquanto
maquinário judicial, aplicando um saber normativo em cumprimento ao CPD.
Assim, expressões como: processo, trâmites, representação, instrução, provas,
materialidade, ilícito, citação, notificação, defesa, reconsideração, contra-razões, oitiva,
testemunhas, depoimento, alegações finais, dentre outros (sendo estas as mais empregadas),
ao integrarem o maquinário COE, passam a ser capturadas, internalizadas e naturalizadas
pelos seus operadores.
Por sua vez, o psicólogo que desempenha esse papel de disciplinador pode ―desfigurar
o teor normativo original, ultrapassando os parâmetros estabelecidos. Essa ultrapassagem
pode-se dar ou no sentido da radicalização do teor normativo ou no sentido da libertação do
conteúdo legal‖ (AGUIAR, 1984, p.31). Esse movimento é, para o autor, um ato político,
implicado no exercício do poder, tendo em vista que o psicólogo-conselheiro, com o poder
para disciplinar, está autorizado, pela função que ocupa, a alargar os parâmetros legais (e
neste caso, aplicar rigidamente a norma) ou a se tornar um instrumento de transformação.
Essa a diferença entre atuar no âmbito da legalidade, da moral e atuar no âmbito da ética.
Nos PDE analisados, durante a instrução processual, as diferentes Comissões de
Instrução colocaram, lado a lado, os artigos do CEPP que as psicólogas teriam infringido e a
interpretação dada aos mesmos para fundamentar suas decisões, buscando contextualizá-la a
partir dos documentos contidos entregues pelas partes. Os discursos da CI/COE nos Pareceres
apontaram, portanto, os juízos de valor que os operadores da CI fizeram da produção
discursiva das partes, formando e emitindo livremente a opinião sobre os fatos alegados que
implicavam as psicólogas.

[...] esta Comissão entende que o que está em evidência neste princípio é a questão da
responsabilidade profissional. [...] esta Comissão entende que apesar de toda a experiência
profissional e técnica que a Representada demonstrou através de documentação [...] não
esteve a serviço de sua responsabilidade profissional. (PDE nº 04/00)
373

[...] embora a mãe fosse detentora legal da guarda da criança e fosse um dos responsáveis
[...], o artigo em questão faz referência a ‗seus responsáveis‘ [...]. Neste caso, acima de tudo,
onde a gravidade das informações contidas no documento, envolviam o pai da criança,
consideramos que a participação do pai no processo de avaliação psicológica seria
imprescindível. (PDE nº 04/00)
------------------------------------------
Nos relatórios psicológicos emitidos [pela psicóloga denunciada], observamos que a mesma
aborda a história da separação do casal, parecendo parte integrante da família, ou seja, sem
imparcialidade. Acreditamos que o seu discurso tenha sido baseado na fala de uma das
partes, [a mãe da criança]. [...] Esta Comissão de Instrução ressalta ainda que a psicóloga
representada, com base no Código de Ética, teria o dever de informar aos pais
sistematicamente o trabalho que estava sendo realizado com a criança. O pai alega por
varias vezes solicitou informações e não obteve resposta, fato este confirmado pela
psicóloga [...] em sua entrevista de esclarecimento. (PDE nº 01/04)

Embora houvesse diferenças na abordagem entre as CI/COE, em comum, houve o


entendimento de que as psicólogas denunciadas cometeram infração ao artigo 2º alínea ‗m‘ da
Resolução CFP nº 02/1987, que afirma ser vedado ao psicólogo ―adulterar resultados, fazer
declarações falsas e dar atestado sem a devida fundamentação técnico-científica‖. Nos
documentos contidos nos PDE analisados, no entanto, não há referência ao que seja a
fundamentação técnico-científica exigida pelo CEPP, mas ao que os operadores da COE
interpretaram como não sendo.

as declarações oferecidas pela psicóloga apresentam interpretações e diagnósticos


conclusivos em relação à criança e ao seu pai, não ouvido por esta profissional;[...] esta
Comissão de Instrução entende que a declaração da psicóloga não apresenta a devida
fundamentação técnico-científica, compatível com o arcabouço teórico da Psicologia. [...] a
psicóloga argumenta que não era perita do caso. Porém, este fato não justifica a elaboração
de declaração sem a devida fundamentação técnico-científica, sempre necessária para a para
a manutenção dos padrões de qualidade da Psicologia perante outros campos profissionais
(PDE nº 01/99)
------------------------------------------
[...] a psicóloga fez um diagnóstico sem a devida fundamentação técnico-científica: [...]
apresentando uma firme conclusão do seu parecer de afastamento do contato da menina com
seu pai e familiares paternos [...], aparentemente colocando seus princípios filosóficos e
morais em relação ao caso atendido. (PDE nº 01/00)
------------------------------------------
A psicóloga não poderia ter recomendado afastamento da criança de toda a família paterna a
partir da realização de uma entrevista com apenas quatro membros desta família. (PDE nº
01/00)
------------------------------------------
[...] experiência, tempo de trabalho profissional [...] não garantem que o profissional esteja
livre de errar técnica, teórica e/ou eticamente. [...] Observe-se, inclusive, que a Representada
tenta, inicialmente, [...] apresentar sua experiência e seu histórico profissional [...] como
garantia de que sua declaração estava fundamentada teórica, técnica e eticamente [...]. [...]
abandona esta linha de argumentação e adota como central em sua defesa a tese de que, por
se tratar de uma ‗mera declaração‘, o documento não precisava destas fundamentações, não
tendo portanto sido infringido o Artigo 2º, alínea‗m‘. (PDE nº 04/00)
------------------------------------------
[...] a Comissão entende que ao elaborar o referido documento [...], a Representada
[psicóloga], [...] não coloca no documento os meios que a levaram a emitir tais conclusões
de forma tão contundente. (PDE nº 04/00)
------------------------------------------
[...] as conclusões apresentadas pela profissional em relação a suspeita de abuso sexual por
parte da avó paterna, assim como as repetidas indicações relativas à revisão da
regulamentação das visitas paternas requerem fundamentação teórica e metodológica, assim
374

como rigor na análise do material psicológico e do contexto em questão, que nem de longe
estão presentes nos referidos documentos. (PDE nº 01/04)
------------------------------------------
[...] depreende-se que a profissional elabora conclusões e formula orientações tomando
imediatamente como factuais aspectos narrados, sem a devida análise psicológica do
material e posicionando-se claramente, a partir disso, como aliada a uma das partes do litígio
familiar. (PDE nº 01/04)

Logo, no juízo das CI/COE, a realização de uma entrevista com pessoas de uma
mesma família não foi considerada suficiente para dar a fundamentação necessária para uma
recomendação de afastamento do genitor acusado, tampouco a experiência profissional foi
entendida como garantia de uma conduta ética livre de erros técnicos. O fato de algumas
psicólogas não ouvirem o genitor acusado e, ainda assim, emitirem diagnóstico conclusivo
com indicação do afastamento de suposto agressor apenas sustentado na palavra da criança
sem maior criticidade, também foi analisado como sendo um descumprimento do artigo 2º.
Apenas no PDE nº 04/00, a Comissão de Instrução encarregada de analisar as
materialidades discursivas mencionou, ainda que de forma sucinta, que, para ser considerado
um documento psicológico com fundamentação, seria preciso que a psicóloga expusesse
alguns requisitos.

qualquer documento que se proponha a emitir resultados oriundos de avaliação psicológica


deve conter, além dos motivos e finalidades, as referências aos procedimentos e
instrumentos utilizados [...], assim como os fundamentos teóricos, técnicos e científicos que
embasem as declarações. (PDE nº 04/00)

O mesmo se deu no documento da Relatoria de Julgamento.

Ora, não se pretende nem é necessário ter acesso ao material produzido e arquivado pela
psicóloga no atendimento à criança; bastaria que a Representada descrevesse os passos de
seu atendimento, de modo detalhado e com exposição das técnicas e das bases teóricas e
científicas que sustentaram as conclusões da declaração [...]. Isto não ocorreu. (PDE nº
04/00)

É certo que leis e ordenamentos precisam existir, bem como ter quem as aplique no
constrangimento da liberdade do indivíduo, sob o risco de haver o caos, como discuti no
capítulo sobre ética. O mesmo se dando para o psicólogo, ao vislumbrar a possibilidade de
haver uma infração cometida por este ao Código de Ética.
Nesta lógica, a CI/COE, àquela época, a favor de certa estratégia de intervenção
política-ideológica no social a partir de uma visão crítica de mundo, julgaram que houve
indicação para instauração de processo por infração ao CEPP, visando, ao final da instrução
processual, o julgamento e possível sanção das psicólogas aqui analisadas.
375

A sanção, quando aplicada, indicará que determinada conduta, após avaliada e julgada,
foi considerada reprovável em relação à norma. Nos PDE, a expressão dessa relação de poder
apareceu na referência à ―irresponsabilidade‖ das profissionais.

[...] a Representada agiu irresponsavelmente ao entregar tal declaração com o peso, a


contundência das afirmações que faz, acusando de forma inequívoca e conclusiva sem
fundamentar este documento em bases teóricas, técnicas e científicas. [...] procurando
eximir-se da responsabilidade dos efeitos desta declaração. (PDE nº 04/00)

Assim, atribuindo a responsabilidade às psicólogas, o problema ficou individualizado


à conduta profissional, entendida como causa que desencadeia seus efeitos, ficando de fora a
construção histórica e social dessa conduta. Igualmente não se julgou as teorias, as doutrinas,
mas as ações das psicólogas tomadas a partir destas. Ademais, quanto maior for a gravidade
da infração, maior será a pena aplicada. A sanção, nestes termos, é concebida pela perspectiva
―reformatória-punitiva‖ (BAUMAN, 2003, p.140), já que, em seu interior, tem a intenção de
reduzir os erros e corrigir as práticas.

[...] é evidente a infração ao disposto no Código de Ética, caracterizando conduta grave, uma
vez que as conclusões apresentadas pela profissional em relação a suspeita de abuso sexual
por parte da avó paterna, assim como as repetidas indicações relativas à revisão da
regulamentação das visitas paternas requerem fundamentação teórica e metodológica, assim
como rigor na análise do material psicológico e do contexto em questão, que nem de longe
estão presentes nos referidos documentos. [...]. Considerando a gravidade das suspeitas
caracterizadas e a complexidade dos encaminhamentos sugeridos do ponto de vista das suas
decorrências para a vida familiar da criança, em conflito na situação, tal análise é
indispensável para fundamentar as conclusões dos relatórios em questão. [...] Quanto à
dosimetria da pena, deve incidir na hipótese o disposto no parágrafo único do art. 28 da Lei
5.766/71, o qual determina que são consideradas especialmente graves as faltas relacionadas
diretamente ao exercício profissional. (PDE nº 01/04)

Cabe relembrar que a época em que o CRP-RJ sofreu intervenção pelo Conselho
Federal corresponde ao mesmo período em que os PDE tramitaram na CI/COE. Desta forma,
muitos processos prescreveram ainda na fase de representação, pelos motivos que narrei ao
longo do capítulo 2, dentre eles, os PDE nº 01/99, 02/99, 01/00 e 02/00. Embora todos estes
tivessem indicação para abertura de processo ético, a decisão final foi pela extinção e
arquivamento por prescrição.

A representação que se iniciou em 1999 vigia a resolução 5/88 que preceituava o prazo
prescricional de 5 anos sem prever possibilidade de interrupção, o que significa dizer que
todo o processo ético, desde a denuncia (comunicação do fato ao CRP) até a manifestação
final em última instância deverá perdurar 5 anos. Logo, na data de 2005, a prescrição é
inequívoca. Cabe salientar que a prescrição não precisa ser arguida pelas partes devendo o
corpo julgador reconhecê-la de ofício e a qualquer tempo. As hipóteses de interrupção da
prescrição prevista na Resolução CFP 06/2001 não podem ser aplicadas no caso em tela,
376

haja vista que a norma não pode retroagir sua eficácia para prejudicar o acusado. Neste caso,
cabe ao CRP extinguir o processo sem análise do mérito. (PDE nº 01/99)

No que se refere ao PDE nº 04/00, esse foi julgado pelo CRP-RJ no ano de 2005.
Naquele ano em particular, entrou em vigor a Resolução CFP nº 010/2005 que instituiu o
atual CEPP, requerendo que houvesse uma equivalência dos Códigos por parte das Comissões
de Instrução ou, em último caso, no Relatório de Julgamento.

Importante chamar atenção para a alteração do Código de Ética justamente no curso do


presente feito, sendo que no momento da efetivação da Representação vigia enquanto
Código de Ética [...] a Resolução CFP nº 002/87 [...]. Porém, a partir de 27 de agosto de
2005 passou a viger a Resolução CFP nº 010/05 que aprovou o atual Código. (PDE nº
01/04)

Assim, os artigos capitulados no CEPP anterior foram alterados para ficarem em


conformidade ao novo Código.

Neste feito, a alteração do Código de Ética não traz grandes alterações, posto que em ambos
os ordenamentos [...] há tipificação para as possíveis faltas em apuração nesse processo,
apenas altera-se a capitulação, sendo que a Psicóloga Representada responde a este feito por
possíveis violações ao artigo 2º, alíneas ‗b‘, ‗l‘, ‗m‘, ‗n‘ e artigo 3º, alínea ‗a‘ todos do
Código de Ética anterior (Resolução CFP nº 002/87, de 15 de agosto de 1987). Com a
edição do novo Código de Ética estas capitulações passaram para os atuais artigos 2º, alíneas
‗g‘, ‗h‘, ‗j‘, ‗q‘ e artigo 1º, alínea ‗f‘ da Resolução CFP nº 010/05. (PDE nº 01/04)

Art. 1º - São deveres fundamentais dos psicólogos:


f-) fornecer, a quem de direito, na prestação de serviços psicológicos, informações
concernentes ao trabalho a ser realizado e ao seu objetivo profissional;
Art. 2º - Ao psicólogo é vedado:
g-) emitir documentos sem fundamentação e qualidade técnico-científica;
h-) interferir na validade e fidedignidade de instrumentos e técnicas psicológicas, adulterar
resultados ou fazer declarações falsas;
j-) estabelecer com a pessoa atendida, familiar ou terceiro, que tenha vínculo com o
atendido, relação que possa interferir negativamente nos objetivos do serviço prestado;
q-) realizar diagnósticos, divulgar procedimentos ou apresentar resultados de serviços
psicológicos em meios de comunicação, de forma a expor pessoas, grupos ou organizações.
Art. 3º - São deveres do psicólogo nas suas relações com a pessoa atendida:
a-) dar à(s) pessoa(s) atendida(s) ou, no caso de incapacidade desta(s), a quem de direito
informações concernentes ao trabalho a ser realizado;

Após o julgamento, a psicóloga foi penalizada com a Censura Pública.

Acórdão: Plenário decidiu julgar procedente a imputação ética à psicóloga pela infração aos
artigos, imputando-lhe a pena de Censura Pública nos termos do Relatório e voto da
Relatoria. (PDE nº 04/00)

Contudo, porque o denunciante interpôs recurso à decisão do Plenário, pedindo pela


cassação, bem como o fato de a psicóloga denunciada haver entrado com Mandado de
Segurança com pedido de liminar contra a referida decisão, o PDE nº04/00 foi encaminhado
377

para o Conselho Federal de Psicologia se pronunciar. Após verificar que transcorreram 05


anos depois de protocolada denúncia no CRP-RJ, o CFP anunciou a prescrição do PDE,
ficando extinta a punibilidade da psicóloga. Determinou, em seguida, que fosse arquivado o
referido processo.
Quanto ao PDE nº 01/04, porque estava na vigência da Resolução CFP nº 006/2001, a
interrupção da prescrição estava prevista, de modo que o PDE tramitou até o julgamento do
recurso no CFP, quando a pena foi agravada de Advertência para Censura Pública. Também,
neste PDE nº 01/04, houve a necessidade de a Relatoria proceder à equivalência dos CEPP.

Pelo exposto, voto por conhecer e dar provimento ao recurso interposto pelo denunciante
para reformar a decisão do Conselho Regional de Psicologia da 5ª Região no sentido de
agravar a pena para censura pública por infração aos artigos 1°, f; e 2°, g, h, j. (PDE nº
01/04)

Art. 1º - São deveres fundamentais dos psicólogos:


f-) fornecer, a quem de direito, na prestação de serviços psicológicos, informações
concernentes ao trabalho a ser realizado e ao seu objetivo profissional;
Art. 2º - Ao psicólogo é vedado:
g-) emitir documentos sem fundamentação e qualidade técnico-científica;
h-) interferir na validade e fidedignidade de instrumentos e técnicas psicológicas, adulterar
resultados ou fazer declarações falsas;
j-) estabelecer com a pessoa atendida, familiar ou terceiro, que tenha vínculo com o
atendido, relação que possa interferir negativamente nos objetivos do serviço prestado.
378

4 ÚLTIMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE AS PRÁTICAS PSICOLÓGICAS


DE AVALIAÇÃO E O AGIR ÉTICO

Somos profissionais da liberdade, não da ordem. Este é o discurso que tentam nos fazer acreditar.
Baptista (2000, p.16)

A utopia da ética é mais do que nunca necessária.


Ubiratan de Mattos (2006, p.166)

Já se passaram mais de cinco anos desde que essa tese começou a ser construída na
ideia e na letra.
Na ocasião, havendo concluído a dissertação de mestrado, soube que muitos pais
estavam denunciando alguns psicólogos junto aos Conselhos Regionais de Psicologia, por
estes haverem elaborado documentos decorrentes de avaliação psicológica realizada com seus
filhos em circunstâncias de denúncia de abuso sexual. Nestes documentos psicológicos, estes
pais foram acusados de serem autores de um suposto abuso sexual cometido contra seus filhos
após o desenlace conjugal, sem que ao menos fossem ouvidos pelos profissionais.
Estando investida da condição de psicólogo-conselheira no período de 2007-2010, mas
atuando desde 2005 enquanto colaboradora na Comissão de Orientação e Ética (COE) na
instrução processual, tive a oportunidade de me aproximar de alguns desses documentos
psicológicos oferecidos ao CRP-RJ como prova de uma possível infração ao CEPP. Pensando
em mais que analisar a conduta profissional à luz do CEPP, acreditei ser preciso discutir, dar
visibilidade às práticas de avaliação psicológica naquele contexto específico, a começar
indagando: o que poderia haver naqueles documentos psicológicos capaz de levar a referida
instituição a decidir pela instauração de processo contra o profissional por infração ao Código
de Ética?
Foi quando percebi que os Processos Disciplinares Éticos (PDE) são uma fonte
inesgotável e bastante rica para promover a análise desses discursos/práticas psicológicos.
Mais ainda, notei que seria possível analisar outros discursos que ali, nos PDE, ganhavam
vida e dialogavam entre si, seja pela oposição, pelo confronto, seja pelo desabafo e pela
indignação.
Eis que da ideia fui para a letra. Minha intenção era analisar os discursos contidos nos
PDE, cujo objeto de denúncia era os documentos psicológicos decorrentes da avaliação em
379

casos de suspeita de abuso sexual contra crianças, partindo da compreensão de que os


discursos que compõem os diversos documentos psicológicos expressam certa prática
psicológica que, além de produzir um saber acerca do sujeito avaliado, também define a
própria atuação profissional.
Na análise dos documentos psicológicos verifiquei, dentre outros aspectos, que vidas
estavam sendo impressas em algumas poucas folhas de papel chamadas de ―laudo‖,
―parecer‖, ―declaração‖, etc., ficando ali paralisadas no tempo que, em contrapartida, está
sempre em movimento, permitindo mudanças. E, enquanto vidas, biografias, identidade-
diagnóstico ou categorias técnico-sociais eram criadas e impressas no papel por psicólogas –
que se diziam psicanalistas ou que empregavam a abordagem psicanalítica –, transformando-
se em verdades que se eternizavam, essa prática psicológica dita científica ainda imprimia
estigmas na vida das pessoas envolvidas direta ou indiretamente na avaliação psicológica,
marcas estas que também perduravam por muito tempo, por gerações inclusive.
Assim, discursos/práticas psicológicos aqui analisados, além de produzirem crianças
vítimas e pais e avós agressores, revelaram a produção de abstrações como ―violência sexual
incestuosa paterna‖, ―angústia sexual hipertrófica‖, ―comportamento hipersexualizado‖,
―emocionalmente bem estruturada‖, ―desorganização na sua personalidade‖, todas estas
apartadas das complexas relações entre os sujeitos e seu contexto sócio-histórico e cultural.
Igualmente, outros efeitos dos discursos psicológicos analisados nos PDE foram
produzidos quando diagnósticos de abuso sexual, oferecidos como resposta a uma demanda
do campo jurídico, geraram o afastamento de pais e filhos, avó e neto, sem esquecer aqui de
mencionar o reflexo desse distanciamento nos parentes próximos às crianças consideradas
vítimas de abuso sexual.
Em contrapartida a essa produção discursiva decorrente da avaliação psicológica,
claramente estigmatizante e moralizante, houve também outro efeito importante e não menos
devastador quando o documento psicológico – usado no âmbito jurídico como prova para
configurar ou atestar uma ocorrência de abuso sexual contra a criança – foi também
empregado como prova contra o próprio profissional por possível infração ao Código de
Ética. Os denunciantes, conforme a análise do discurso das denúncias contidas nos PDE, eram
pessoas que se sentiram prejudicadas em razão das repercussões dos documentos psicológicos
no âmbito judicial e que visavam reparação junto ao Conselho Regional de Psicologia do Rio
de Janeiro, com nada menos que a punição das psicólogas por infração ao Código de Ética
Profissional do Psicólogo (CEPP).
380

A partir do que se encontrava exposto nos pareceres elaborados pelas Comissões de


Instrução, houve a indicação de instauração de PDE pela Comissão de Ética, que entendeu
haver indícios de infração ao CEPP em todos os PDE aqui analisados em relação ao artigo 2º
alínea ‗m‘ da Resolução CFP nº 02/1987, que diz ser vedado ao psicólogo ―adulterar
resultados, fazer declarações falsas e dar atestado sem a devida fundamentação técnico-
científica‖. À exceção de um deles, todos os demais também responderam por indícios de
infração ao Art. 17 que declara ser dever do psicólogo colocar ―o seu conhecimento à
disposição da Justiça, no sentido de promover e aprofundar uma maior compreensão entre a
lei e o agir humano, entre a liberdade e as instituições judiciais‖.
Fazendo a equivalência para o CEPP atual, Resolução CFP nº 010/2005, haveria
infração ao Art. 2º, alíneas ‗g‘, que afirma ser vedado ao psicólogo ―emitir documentos sem
fundamentação e qualidade técnico-científica‖; e ‗h‘, ―interferir na validade e fidedignidade
de instrumentos e técnicas psicológicas, adulterar resultados ou fazer declarações falsas‖.
Embora cinco dos seis PDE analisados tenham prescrito em conformidade do Código
de Processamento Disciplinar vigente à época em que as denúncias foram protocoladas,
houve dois PDE que foram a julgamento no CRP-RJ. Enquanto uma psicóloga recebeu a
pena de Advertência, posteriormente reformada para Censura Pública pelo Conselho Federal
de Psicologia após consideração de recurso, a outra recebeu a pena de Censura Pública, que
veio a prescrever na fase de recurso junto ao CFP.
Como é possível perceber, a demanda inicial por avaliação psicológica teve
desdobramentos a perder de vista, quando efeitos geraram efeitos que geraram efeitos... O que
me levou a discutir a importância de o psicólogo analisar a demanda que lhe é endereçada,
compreendendo-a enquanto construção histórica e política, assim sendo, constituída nas
relações de poder.
Para fazer a análise das demandas, parti da ideia de que seria preciso o exercício do
pensamento crítico. Logo, haveria a necessidade de preparar o psicólogo para indagar sobre
que forças produzem ou atravessam as demandas que lhe chegam e, assim, poder pensar
novos projetos, novas ações, experimentar e subverter regras, modelos, em nome de outro
paradigma: a fraternidade, o respeito ao outro.
Para tanto, seria preciso que este conheça e entenda as questões epistemológicas e
ético-políticas que edificam a Psicologia enquanto prática política de intervenção social e,
assim, ir além do lugar de técnico, de um agente comprometido com a resolução de problemas
381

ou de um executor de demandas, sendo capaz de harmonizar os interesses particulares com os


da coletividade.
Como fazer isso quando o ditador ou mecenas da contemporaneidade, chamado de
mercado capitalista neoliberal, que cria a demanda para o psicólogo, é o mesmo que
transformou o ensino e o próprio psicólogo em mercadoria? A educação, transformada em um
modelo tecnicista, imediatista, voltado para o mercado competitivo, que exige cada vez mais
um profissional qualificado, especializado para atender aos mais diversos serviços, não
demonstra interesse que este se posicione crítica e eticamente frente às demandas.
Foi exatamente o que encontrei nos PDE aqui estudados: ausência de uma análise
crítica da demanda com fins judiciais, bem como sobre o papel do profissional frente a esta.
De certa forma, essa falta de criticidade acabou por configurar a prática das psicólogas em
uma mescla de avaliação e de psicoterapia, expressa, por exemplo, nas palavras ―estudo
psicoterapêutico‖ (PDE nº01/99). Essa precipitação em oferecer tratamento durante o
processo de avaliação indicou a crença antecipada das psicólogas na ocorrência do alegado
abuso sexual da criança. À semelhança do que constatei na pesquisa de mestrado, esse tipo de
crença parece ter regulado a atuação das profissionais que se voltaram para a busca pela
extração da verdade, confirmação do abuso e estabelecimento da culpabilidade do suposto
agressor em nome da proteção da criança.
Neste intento, chamou minha atenção o exercício de um modelo de avaliação
psicológica hermético, cujos resultados se mostraram descontextualizados, pautados em
sintomas, em traços de personalidade e na palavra da criança, bem como na exclusão do
suposto agressor do processo. Este panorama, por sua vez, também mostrou pouca diferença
em relação às práticas psicológicas de avaliação e elaboração de documentos por mim
descritas e analisadas na dissertação de mestrado. Nesta, constatei que o modelo de avaliação
mais praticado nos atendimentos a crianças em casos de suspeita de abuso sexual era
conhecido e/ou definido por Entrevista de Revelação. O referido modelo também foi objeto
de consideração pelo Conselho Federal de Psicologia, via o CREPOP, conforme discuti na
tese. Embora haja divergências de opinião acerca dessa atuação específica, considero
importante destacar o interesse do CFP na análise de tais práticas, admitindo que resultam da
avaliação psicológica de crianças uma elevação do número de processos éticos contra
psicólogos, principalmente em razão da elaboração de documentos com fins jurídicos.
Para tratar da questão, o Conselho Federal de Psicologia e alguns Conselhos Regionais
vêm propondo discutir as práticas psicológicas de avaliação e elaboração de documentos, em
382

particular, as que fazem interface com o Direito, bem como a especialização do profissional,
conforme analisei ao longo do trabalho.
Estranhamente, ou intencionalmente, pouco se fala na formação profissional no nível
da graduação. Estranhamente, porque qualquer discussão sobre a prática do profissional, dos
destinos da própria profissão, não pode prescindir, a meu ver, de um olhar cuidadoso sobre o
ensino universitário. Todavia, a preocupação parece recair no aperfeiçoamento da técnica e do
instrumental, ensinando aos psicólogos como melhor fazer a avaliação psicológica e atender
com qualidade as demandas que lhes chegam. Assim, a categoria exploraria esse crescente
filão do mercado de trabalho por documentos decorrentes de avaliação psicológica, e ainda
ficaria protegido ou blindados dos ―ataques‖ – como se referiu Shine (2009) às denúncias
junto às Comissões de Orientação e Ética. Ocorre, porém, que somos nós psicólogos que
temos a arma, o instrumento nas mãos para produzir um saber capaz de ―matar‖, disciplinar
ou ―fazer viver‖, dependendo da escolha ético-política que fizermos!
Não quero dizer que me oponho à formação complementar e/ou especializada, pois
isso seria um contrassenso, ademais, porque há sempre muito que aprender, sendo esta uma
tarefa para toda a vida. A questão é atribuir a este tipo de formação importância maior que a
formação profissional de base, refiro-me aqui da graduação em Psicologia, como se os cursos
de pós-graduação fossem capazes de sanar todos os problemas da graduação, não requerendo
desta uma revisão ou investimentos.
Conforme discuti ao longo da tese, há um consenso entre muitos autores que a
formação profissional vem perdendo qualidade desde que se iniciou um processo de
privatização do ensino no país, e que muitos alunos se queixam da formação que recebem,
sentindo-se despreparados para atuar no mercado de trabalho. O que fazer com isso?
Constatar e naturalizar, banalizar a queixa? Muitos psicólogos (na condição de professores ou
de alunos) viram nessa situação uma oportunidade para investirem em cursos de capacitação,
aperfeiçoamento, especialização, etc., seja para ensinar, seja para aprender a manejar técnicas
para melhor instrumentalizar a prática profissional. Se os cursos da graduação, ao invés de
formarem, passarem a ―deformar‖ o aluno, instigando-o ao exercício da reflexão, da criação,
do estranhamento, da liberdade e da ética, não haveria, talvez, tantos psicólogo-consumidores
ávidos por preencherem as lacunas de sua má formação com qualquer promessa de
aprimoramento técnico que viesse a transformá-los em profissionais atraentes e competitivos
para o mercado.
383

Contudo, não foi isso que percebi nos discursos analisados. No momento em que a
Psicologia completa 50 anos da regulamentação da profissão no Brasil, vem se intensificando
o discurso da capacitação técnico-científica, da competência profissional, da precisão e
validade técnicas nas práticas de avaliação psicológica, enfim, da cientificidade da Psicologia.
Assim, se por um lado havia os discursos do denunciante e da Comissão de Instrução que
indicavam a falta e, por isso, exigiam a fundamentação técnico-científica e competência
profissional das psicólogas, por outro, havia o discurso da defesa que afirmava pela
cientificidade dos enunciados contidos nos documentos psicológicos com fins jurídicos. Tais
discursos, por sua vez, apontavam para o fortalecimento de certa ―política da certeza‖, ou
seja, de práticas que legitimam procedimentos disciplinares que afirmam verdades, certezas,
modos de pensar, de fazer e de viver (FIGUEIREDO, 2008, p.137).
Porém, será que a formação técnica-especializada garante qualidade e competência?
Conforme tratei na tese, essa é a ilusão que se vende junto com os cursos de especialização.
Se a especialização ou o título de especialista fosse garantia de uma prática isenta de erros,
não haveria sentido essa discussão, bastaria que todos garantissem desde já o seu selo de
qualidade impresso nas carteiras profissionais do CRP. Àqueles sem condições para comprar
o selo, desde já não poderiam exercer a profissão sob o risco de serem processados.
Constatado o absurdo do discurso técnico-científico que visa eliminar o erro, subtraindo o
humano em cada psicólogo, percebi, nos discursos contidos nos PDE aqui analisados, que não
há garantias possíveis, por mais extenso que seja o currículo profissional, por mais
especializado que esteja o profissional.

[...] esta Comissão entende que apesar de toda a experiência profissional e técnica que a
Representada demonstrou através de documentação [...] não esteve a serviço de sua
responsabilidade profissional. (PDE nº04/00)

Falar de competência profissional é necessariamente ter que falar da articulação


dialética entre as dimensões técnica e política, que tem por elemento agregador a dimensão
ética. Esta diz respeito à capacidade de o profissional exercer uma reflexão filosófica,
crítica147 sobre a moralidade, sobre o seu dever-ser (dimensão técnica que comporta uma
visão moral do comportamento) na sua relação com o outro, com a sociedade (dimensão
política).

147
Entendida como a ―capacidade de avaliar e refletir criticamente sobre o seu trabalho, questionar as bases
sobre as quais ele se assenta, colocar sob exame os seus pressupostos e confrontá-los com a sua experiência‖
(LO BIANCO, BASTOS, NUNES; SILVA, 1994, p.59).
384

―Ao dever se articulam, além do saber, o querer‖, afirma Rios (1993, p.9-10), o que
determina a intencionalidade da intervenção, e o poder. Portanto, importa para a ética, assim
como para os CRP, saber se o profissional, que intervém sobre o outro de forma intencional,
consciente e livre, estabelece com ele uma relação de poder, impondo-lhe suas verdades, seus
valores, sua técnica; ou se estabelece uma relação de responsabilidade, a partir da
problematização dessas mesmas verdades, valores e técnicas que fundamentam sua prática
psicológica.
A partir dessas considerações, para ser um profissional competente, é esperado que o
psicólogo consiga articular as dimensões técnica, ética e política de tal forma que sua conduta
profissional seja ―técnico-ético-política‖, como propôs Rios (1993, p.67).
Continua a autora:

A ética é mediação, mas também síntese da técnica e política dos conteúdos, dos métodos, do
sistema de avaliação, etc., ou ela tem de desvendá-los. [...] Técnica, ética, política não são
apenas referências de caráter conceitual – podemos descobri-los em nossa vivência concreta
real, em nossa prática (RIOS, 1993, p.67).

Deste modo, a ética se expressa na escolha da técnica que o profissional irá empregar
em sua relação com o outro, cujas formas de contratualidade permitem a liberdade, ou seja,
quando o profissional reconhece o outro, a si mesmo e as implicações de suas ações na vida
das pessoas envolvidas.
Seguindo essas reflexões, entendo que falar de competência, responsabilidade,
compromisso remete a uma dimensão técnico-ético-política que está para além do modelo
prescritivo de um Código de conduta. Diz respeito, como bem colocou Rios (1993), à utopia,
entendida aqui como o componente da esperança depositado no projeto de ação do
profissional psicólogo. Em outros termos, o projeto de ação do psicólogo é um ideal a ser
alcançado e que deve ser construído dia após dia em sua relação com o outro, considerando as
relações de poder que o atravessam.
Daí minha constatação-denúncia: estes 50 anos de profissão regulamentada não foram
suficientes para transformar os discursos da ordem técnica, da razão instrumental, de cunho
eminentemente científico-positivista, que vêm se mantendo hegemônicos ao longo dessas
várias décadas. A perspectiva crítica, reflexiva, trazida pela abordagem sócio-histórica, por
exemplo, parece cair em uma espécie de escuta surda em nome dessa ordem que transforma
os psicólogos em tecnocratas.
Lembrando as observações de Patto (2010, p.93):
385

São muitos os que se dedicam à [...] Psicologia ainda aderidos acriticamente a teorias cujos
pressupostos desconhecem e acham irrelevante conhecer, pois acreditam piamente na
neutralidade da ciência. Por isso, não se indagam sobre as concepções de homem e de
sociedade implícitas nas teorias e nas técnicas que defendem; não atentam para a dimensão
filosófica de suas doutrinas; naturalizam a vida dos homens, ao tomarem o que é como o que
deve ser. Em nome de especificidade da Psicologia, desqualificam essas questões, como se a
dimensão psíquica nada devesse à realidade social em que se constitui e como se as teorias e
técnicas da Psicologia nada devessem às relações de poder.

Nas discussões feitas ao longo deste trabalho, foi possível perceber que, aqueles que
defendem a instituição do Título de Especialista em Avaliação Psicológica, transformando as
práticas psicológicas de avaliação em área especializada e não mais como uma atividade a
qual perpassa toda a profissão, não explicitam os parâmetros metodológicos, as matrizes
conceituais, o solo teórico que a sustentaria. Ao mesmo tempo em que houve um abandono do
―projeto fundacionista‖ (FIGUEIREDO, 2008, p.22) na contemporaneidade, também houve
uma exacerbação do processo de captura e aniquilamento dos discursos contrários e
reacionistas, como discuti acerca da instituição do Ano Temático da Avaliação Psicológica
em 2011.
No encerramento das discussões do Ano Temático, as propostas levantadas
reacenderam antigas questões, não somente sobre o legado do positivismo na Psicologia e a
obediência à ordem ou racionalidade técnico-instrumental, mas também sobre a
especialização do saber.
Como mencionei nesta pesquisa, velhas práticas vêm se mantendo atuais por força de
interesses por uma avaliação psicológica pragmática e utilitarista. Muitos psicólogos
esquecem ou não percebem, porém, que estão produzindo um discurso/prática ideológico,
reduzindo as determinações históricas e sociais a evidências empíricas para uma
categorização da vida, como fizeram as psicólogas em seus documentos psicológicos:

Há comprometimento e alteração dá imagem corporal, sugerindo quadro de angústia sexual


hipertrófica. (Ana, PDE nº 01/99)
------------------------------------------
A partir da avaliação dos testes psicológicos realizados, [...] João apresenta atualmente uma
desorganização na sua personalidade caracterizada por uma estrutura egóica. [...] Avaliação
psicológica de João sugere a existência de um transtorno de personalidade. (Cristina, PDE nº
01/00)
------------------------------------------
[a criança apresenta] quadro compatível com abuso sexual incestuoso na primeira infância.
[...] O quadro clínico apresentado pela [criança] é de extrema gravidade. (Ana, PDE nº
04/00)
------------------------------------------
[Mateus] apresentava queixas importantes: terror noturno, irritabilidade, comportamento
agressivo e regressivo, agitação psicomotora, entre outros. [...] [a criança apresenta]
sintomatologia compatível com quadro de violência sexual incestuosa paterna. (Carol, PDE
nº 01/04)
386

Ao que tudo indica, ―mudar o rumo da psicologia‖, como sugeriu Brito (2004, p.234),
é tarefa árdua, e requer de cada psicólogo, aluno e professor de Psicologia estranhar o que lhe
foi ou vem sendo dito, dado como certo, preciso, verdadeiro, natural e definitivo. Essa
transformação só será possível se o psicólogo estiver disposto a problematizar, a indagar
sobre o que aprende, ensina e pratica, podendo começar pela historicidade da Psicologia, de
sua profissão, nas mais variadas versões como as que apresentei nesta tese, com suas
implicações políticas, ideológicas e sociais.
Se a construção do conhecimento histórico é ponto de partida para a escolha teórica,
metodológica e técnicas, logo, o é para o exercício da ética, lembrando que toda escolha
técnica é uma escolha ética, pois remete ao modo como o psicólogo se coloca em relação ao
sujeito, seja este quem for: o usuário ou aquele que demanda o serviço psicológico.
Este é, portanto, o drama e a angústia presente na Psicologia contemporânea: a
constituição da identidade profissional, a qual impõe a necessidade de o psicólogo fazer a sua
escolha. Arriscar-se a explorar um mundo repleto de oportunidades, visando à produção uma
nova abordagem da realidade, ou a viver voltado à já consagrada e tradicional intervenção
psicológica fundamentada nas ideologias das ciências naturais.
Sendo assim, para encerrar essa trajetória, parafraseando Chauí (2000), faço um
convite à Psicologia: que esta possa resgatar as raízes filosóficas para estimular o exercício da
reflexão crítica, e, ainda, fazer ressurgir Psyché, para tornar fértil o solo árido que se
transformou o pensamento psicológico técnico e utilitário. Quanto à fantástica aventura de
ser-psicólogo, que este possa colocar em análise o seu fazer, permitindo-se sair dos claustros
teóricos que aprisionam crianças, pais, avós e famílias inteiras a uma determinada visão de
mundo, imprimindo marcas, identidade-diagnósticos, cujos efeitos perduram a vida toda, sem
qualquer exagero. A aventura requer coragem e afetividade para se colocar mais disponível e
permeável ao outro, sua história, sua realidade, bem como para conviver com a incerteza, com
a falta de respostas, mas com a genuína liberdade para pensar e criar, ampliando as fronteiras
da prática de cuidado, da ética.
387

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ZANETTI, Sandra Aparecida S.; GOMES, Isabel Cristina. A ausência do princípio de autoridade na
família contemporânea brasileira. Psico, Porto Alegre, PUCRS, v. 40, n. 2, p. 194-201, abr./jun. 2009.
425

APÊNDICE A - Ofício à Presidente da Comissão de Ética do CRP-RJ

Ilustríssima Senhora Conselheira Presidente da Comissão de Ética do Conselho Regional de Psicologia do


Rio de Janeiro, psicóloga LYGIA SANTA MARIA AYRES

Eu, MARCIA FERREIRA AMENDOLA, psicóloga, CRP 05/24729, funcionária do quadro técnico-
administrativo da UERJ, conselheira efetiva do CRP-05 do XII Plenário, mestre e doutoranda em Psicologia
Social pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
sob orientação da Profª Drª Leila Maria Torraca de Brito, venho, mui respeitosamente, solicitar:
ACESSO, PARA FINS DE PESQUISA, AOS PROCESSOS ÉTICOS JULGADOS PELO CRP-05,
REFERENTES A DENÚNCIAS CONTRA PSICÓLOGOS EM RAZÃO DA ELABORAÇÃO DE
LAUDOS PSICOLÓGICOS COM FINS JURÍDICOS E QUE VERSAM SOBRE AVALIAÇÃO
PSICOLÓGICA DE CRIANÇAS SUPOSTAMENTE VÍTIMAS DE ABUSO SEXUAL.
A pesquisa, a ser desenvolvida no curso de doutorado, tem por objetivo analisar 20 (vinte) Processos
Disciplinares Éticos cujo objeto de denúncia são documentos elaborados por psicólogos (laudos ou
relatórios) com fins jurídicos. Os documentos a serem analisados devem ter sido produzidos em casos em
que houve avaliação psicológica por suspeita de abuso sexual contra crianças. Deste montante, interessa-me
analisar 10 (dez) Processos Éticos que foram julgados e que o psicólogo representado tenha recebido algum
tipo de penalidade; e outras 10 (dez) Representações que tenham sido arquivadas.
O corpus dessa pesquisa será constituído por Processos Disciplinares Éticos e não apenas o
documento do psicólogo, objeto da denúncia no CRP-05. Desta forma, buscarei qualificar a queixa referente
ao psicólogo e o denunciante, assim como fazer análise dos discursos impressos, tanto dos documentos
elaborados pelos psicólogos quanto dos pareceres das Comissões de Ética pelo viés da análise do discurso,
por entender que discurso é prática; é uma produção de saber; uma produção histórica e política mergulhada
em relações de poder.
Igualmente, pretendo problematizar o tema, salientar as dificuldades encontradas na interface da
Psicologia com o Direito que têm culminado com a abertura de Processos Éticos, contrapor o ―agir-técnico‖
com ―agir-ético‖, assim como, trazer, à apreciação dos psicólogos, a perspectiva das Comissões de Ética na
instrução processual.
Comprometemo-nos, eu e a orientadora desta pesquisa, a manter o sigilo, resguardando as
informações que garantam o anonimato das pessoas envolvidas, conforme o Art. 16 do Código de Ética
Profissional do Psicólogo. Lembrando, ainda, que na condição de conselheira, estou compromissada com o
dever do segredo, conforme estabelece o Art. 29 §1º do Código de Processamento Disciplinar.

JUSTIFICATIVA

Verifica-se que a inserção dos psicólogos na seara jurídica não está restrita aos profissionais
especialistas em Psicologia Jurídica (RESOLUÇÃO CFP Nº 14/2000), tampouco aos concursados para atuar
na instituição judicial. Como um lugar de prática, novas e tradicionais modalidades de atuação profissional
passaram a integrar o mercado de trabalho, expandindo a oferta de serviços de avaliação psicológica com
fins jurídicos, via instituições públicas, organizações não-governamentais, perícia e/ou assistência técnica,
contratadas pelas partes ou solicitadas pelo juízo.
Embora essas práticas psicológicas possam ser adjetivadas jurídicas, por darem aporte ao Direito,
profissionais e pesquisadores da área, atentos a esta realidade, entendem que tal especialização não deve se
restringir à demanda judicial de perícias para averiguação da periculosidade ou sanidade mental dos sujeitos
em litígio.
426

Contudo, é possível verificar que ainda predominam as atividades de elaboração de documentos ―no
pressuposto de que cabe à Psicologia, neste contexto, uma atividade predominantemente avaliativa e de
subsídio aos magistrados‖148.
Portanto, é com interesse em desenvolver um estudo deste discurso/prática que, ora se submete ao
Direito – na intenção de produzir, senão, um discurso à sua semelhança, de revelação da verdade – ora se
coloca marcada pela inquietação e pela dúvida – que a impulsiona a repensar suas responsabilidades e seu
agir ético – que proponho esta pesquisa, tomando por base, questões e histórias levantadas em minha
dissertação de Mestrado em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro149.
Dentre os resultados apontados na minha pesquisa de mestrado, laudos ―psi‖ têm sido oferecidos à
Justiça como principal prova técnica da ocorrência do abuso sexual contra crianças sem que os pais acusados
participem, de algum modo, da avaliação psicológica. Um dos efeitos, nesses casos, tem sido a denúncia
desses pais junto ao Conselho Regional de Psicologia contra os psicólogos.
Tal fato parece não se restringir à realidade do estado do Rio de Janeiro, pois, de acordo com Bárbara
Conte150, presidente da Comissão de Orientação e Ética do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande
do Sul (CRP-RS), tem havido um aumento no número de queixas acerca de laudos emitidos para processos
judiciais que versam sobre a indicação de abuso sexual de adulto contra crianças.
Assim, a atuação dos psicólogos nas esferas jurídicas merece destaque. Isto é, um olhar criterioso das
instituições de Ensino Superior, das Entidades Formadoras, do Sistema Conselhos de Psicologia, visando a
construção de um saber psi melhor implicado com as questões que atravessam as subjetividades humanas.
Antecipadamente, agradeço e coloco-me à disposição para esclarecimentos e demais considerações que
forem necessárias.

Rio de Janeiro, 15 de maio de 2009.

MARCIA FERREIRA AMENDOLA


Psicóloga Pesquisadora
CRP 05/24729

Profa. Dra. LEILA MARIA TORRACA DE BRITO


Orientadora

148
ARANTES, Esther Maria M. Pensando a Psicologia aplicada à Justiça. In: GONÇALVES, H.S.; BRANDÃO,
E.P. (Org.) Psicologia Jurídica no Brasil. Rio de Janeiro: Nau, 2ª edição, 2005, p.15-49.
149
AMENDOLA, Marcia F. Psicólogos no Labirinto das Acusações: um estudo sobre a falsa denúncia de abuso
sexual de pai contra filho no contexto da separação conjugal. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-
Graduação em Psicologia Social, UERJ, 2006.
150
CONTE, Bárbara. A ética na prática da avaliação psicológica. CRP 07 Revista Entrelinhas, nº 34, maio/jun
2006, p.5.
427

ANEXO A - Código de Ética Profissional do Psicólogo (1975)

RESOLUÇÃO CFP Nº 010/1975


PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
1º) Somente pode intitular-se Psicólogo, e nesta qualidade exercer a profissão no Brasil, a pessoa legalmente
credenciada nos termos da Lei 4.119 de agosto de 1962, da Lei 5.766 de 20 de dezembro de 1971 e de
legislação posterior.
2º) O Psicólogo baseia seu trabalho no respeito à dignidade do indivíduo como pessoa humana.
3º) O Psicólogo em seu trabalho procurará sempre promover o bem estar da humanidade e de toda pessoa huma-
na com quem entre em relação como profissional.
4º) O Psicólogo em seu trabalho procurará sempre desenvolver o sentido de sua responsabilidade profissional,
pelo aprimoramento de suas vivências morais, de seus conhecimentos éticos e pela melhoria constante de sua
competência científica e técnica.
5º) O Psicólogo no exercício de sua profissão completará a definição de suas responsabilidades, direitos e de-
veres nas disposições da legislação especial ou geral em vigor no País e nas da tradição ética de profissões
congêneres.
DAS RESPONSABILIDADES GERAIS DO PSICÓLOGO

Art. 1º - São deveres fundamentais do Psicólogo:


a) Prestar serviços profissionais independentemente de qualquer proveito pessoal, nas situações de
calamidade Pública ou de graves crises sociais;
b) Colaborar sempre que possível, desinteressadamente em campanhas educacionais que visem difundir
princípios psicológicos úteis ao bem estar da coletividade;
c) Esforçar-se por obter eficiência máxima em seus serviços, mantendo-se atualizado quanto aos
conhecimentos científicos e técnicos;
d) Assumir somente a responsabilidade por tarefas para as quais esteja capacitado;
e) Reconhecer as limitações de sua formação e personalidade, renunciando qualquer trabalho que possa ser
por elas prejudicado;
f) Recorrer a outros especialistas, sempre que for necessário;
g) Colaborar para o progresso da Psicologia como ciência e como profissão.

Art. 2º - Ao Psicólogo é vedado:


a) Praticar atos que impliquem na mercantilização da Psicologia;
b) Usar títulos que não possua;
c) Dar psicodiagnósticos, aconselhamentos e orientação psicológica individuais através de jornais, rádio,
televisão ou correspondência;
d) Desviar para atendimento particular próprio clientes que tenha atendido em virtude de sua função em
instituição especializada;
e) Acumpliciar-se, por qualquer forma, com pessoas que exerçam ilegalmente a profissão de Psicólogo.

DAS RESPONSABILIDADES PARA COM O CLIENTE

Art. 3º - Define-se como cliente a pessoa, entidade ou organização a quem o Psicólogo presta serviços
profissionais.
Art. 4º - São deveres do Psicólogo nas suas relações com os clientes:
a) Dar ao cliente ou, no caso de seu impedimento, a quem de direito, informações concernentes ao
trabalho a ser realizado, definindo bem seus compromissos e responsabilidades profissionais, a fim de que
o cliente possa decidir-se pela aceitação ou não, da assistência prevista;
b) Limitar o número de seus clientes às responsabilidades concretas de trabalho eficiente;
c) Atender seus clientes sem estabelecer discriminações ou prioridades decorrentes de condições de raça,
prestígio, autoridade, credo ou situação econômica;
d) Oferecer ao cliente serviços de outros colegas sempre que se impuser a necessidade de continuidade de
tratamento e este, por motivos ponderáveis, não puder ser continuado por ele próprio;
e) Entrar em entendimento com seu substituto, comunicando-lhe as informações necessárias à boa
evolução do caso, sempre que tenha ocorrido a sua substituição;
428

f) Esclarecer o cliente sobre os prejuízos de uma possível interrupção da assistência que vem recebendo,
ficando isento de qualquer responsabilidade caso o paciente se mantenha em seus propósitos;
g) Exercer somente dentro de situações estritamente profissionais suas atividades de orientação,
aconselhamento, psicodiagnóstico e todas as demais técnicas psicológicas;
h) Utilizar de interrogatório sob a ação hipnótica, ou de processos similares, só quando tais procedimentos
se justifiquem dentro de uma técnica terapêutica bem estabelecida e sempre em benefício do cliente;
i) Manter com o cliente relacionamento estritamente profissional.
Art. 5º - Ao Psicólogo, em suas relações com o cliente, é vedado:
a) Induzir indevidamente qualquer pessoa a recorrer a seus serviços;
b) Prolongar desnecessariamente o atendimento previsto;
c) Influenciar as convicções políticas, filosóficas ou religiosas de seus clientes.

DAS RESPONSABILIDADES E RELAÇÕES COM AS INSTITUIÇÕES EMPREGADORAS E OUTRAS

Art. 6º - O Psicólogo funcionário de uma organização deve sujeitar-se aos padrões gerais da instituição, o que
interdita a assinar contrato de trabalho quando o regulamento ou costumes ali vigentes contrariem sua
consciência profissional e os princípios e normas deste Código.
Art. 7º - Não deve o Psicólogo aceitar emprego deixado por colega que tenha sido exonerado sem justa causa ou
que haja pedido demissão para preservar a dignidade ou os interesses da profissão e os princípios e normas do
presente Código.
DAS RELAÇÕES COM OUTROS PSICÓLOGOS

Art. 8º - O Psicólogo deve ter para com seus colegas a consideração, o apreço e a solidariedade que refletem a
harmonia da classe e lhe aumentem o conceito público.
Art. 9º - O Psicólogo, quando solicitado, deverá colaborar com seus colegas e prestar-lhes serviços profissionais,
salvo impossibilidade decorrente de motivo relevante.
Art. 10 - O espírito de solidariedade não pode induzir o psicólogo a ser conivente com o erro ou a contravenção
penal praticado por colega, devendo a crítica respectiva ser feita em associações de classe e na presença do
criticado.
Art. 11 - O Psicólogo não atenderá o cliente que esteja sendo assistido por algum colega, salvo nas seguintes
situações:
a) A pedido desse colega;
b) Em casos de urgência, nos quais dará imediata ciência ao colega;
c) No próprio consultório quando ali procurado espontaneamente pelo cliente, quando dará a esse colega
ciência do fato.
DAS RELAÇÕES COM OUTROS PROFISSIONAIS

Art. 12 - O Psicólogo procurará manter e desenvolver boas relações com os componentes de outras categorias
profissionais, observado, para esse fim, o seguinte:
a) Trabalhar nos estritos limites das atividades que lhe são reservadas por lei e da tradição da psicologia;
b) Reconhecer os casos pertencentes aos demais campos de especialização profissional, encaminhando-os às
pessoas habilitadas e qualificadas para a sua solução.
Art. 13 - O Psicólogo, nas relações com outros profissionais, manterá elevado o conceito e padrões de sua pró-
pria profissão.

DAS RELAÇÕES COM ASSOCIAÇÕES CONGREGANTES E REPRESENTATIVAS DOS


PSICÓLOGOS

Art. 14 - O Psicólogo procurará filiar-se às associações profissionais e científicas que tenham como finalidade a
defesa da dignidade e direitos profissionais, a difusão e o aprimoramento da Psicologia como ciência e a
harmonia e cooperação de sua classe.
Art. 15 - O Psicólogo deverá apoiar as iniciativas e os movimentos de defesa dos interesses morais e materiais
da classe, através dos seus órgãos representativos.

DAS RELAÇÕES COM A JUSTIÇA

Art. 16 - Qualquer Psicólogo, no exercício legal de sua profissão, pode ser nomeado perito para esclarecer a jus-
tiça em assuntos de sua competência.
429

Parágrafo Único - O Psicólogo pode excusar-se de funcionar em perícia cujo assunto escape à sua competência,
ou por motivo de força maior, devendo sempre dar a devida consideração à autoridade que o nomeou,
solicitando-lhe dispensa do encargo antes de qualquer compromissamento.
Art. 17 - O Psicólogo porá de parte o espírito de classe ou de camaradagem, procurando apenas servir à Justiça
imparcialmente, sempre que um colega for interessado na questão.
Art. 18 - O Psicólogo perito deverá agir com absoluta isenção, limitando-se à exposição do que tiver
conhecimento através de exames e observações e não ultrapassará, nos laudos, a esfera de suas atribuições e
competência.
Art. 19 - O Psicólogo deverá levar ao conhecimento da autoridade que o nomeou a impossibilidade de formular
o laudo à recusa do indivíduo que devia ser por ele examinado.
Art. 20 - É vedado ao Psicólogo:
a) Ser perito de cliente seu;
b) Funcionar em perícia em que seja parte, pessoa de sua família, amigo íntimo ou inimigo;
c) Valer-se do cargo que exerce, ou dos laços de parentesco ou amizade com autoridades administrativas ou
judiciárias para pleitear ser nomeado perito.

DO SIGILO PROFISSIONAL

Art. 21 - O sigilo, imperativo da ética profissional, protege o examinando em tudo aquilo que o Psicólogo ouve,
vê ou tem conhecimento como decorrência do exercício de sua atividade profissional.
Art. 22 - Somente o próprio cliente poderá ser informado dos resultados dos exames realizados pelo psicólogo,
quando tais exames tenham sido solicitados por ele.
Art. 23 - Quando uma pessoa é examinada a pedido de terceiros, os resultados podem ser dados a quem
solicitou, desde que o examinando ou, no seu impedimento, quem de direito, concorde com essa medida, e que
não seja levado nada além do estritamente necessário.
Art. 24 - É admissível a quebra do sigilo profissional nos seguintes casos:
a) Quando o cliente for menor, tiver sido encaminhado por seus pais, tutores ou responsáveis, aos quais
unicamente cabe prestar as informações;
b) Quando se tratar de fato delituoso, previsto em lei, e a gravidade de suas consequências sobre terceiros crie
para o Psicólogo o imperativo de consciência de denunciá-lo à autoridade competente.

DAS COMUNICAÇÕES CIENTÍFICAS E DAS PUBLICAÇÕES

Art. 25 - A mais ampla liberdade de pesquisa deve ser assegurada ao Psicólogo, não sendo, porém, admissíveis:
a) Promover experimentos com risco físico ou moral de seres humanos;
b) Subordinar as investigações a ideologias que possam viciar o curso da pesquisa ou os seus resultados.
Art. 26 - O Psicólogo deverá divulgar os resultados científicos de suas investigações, sempre que estes
resultados tenham significação positiva para o desenvolvimento da Psicologia como ciência ou representar
aprimoramento técnico dentro da profissão.
Art. 27 - Na publicação de qualquer trabalho, o Psicólogo deve citar integralmente as fontes de tudo o que bus-
cou em outros.
Art. 28 - Na publicação dos resultados de suas investigações o Psicólogo deve divulgar somente os dados real-
mente obtidos e todas as conclusões que julgue justificadas pela pesquisa feita.
Art. 29 - Nas publicações não estritamente técnicas, com caráter de divulgação científica, o Psicólogo
apresentará os assuntos com a necessária prudência, considerando sempre as características do público a que se
dirige.
Art. 30 - Caberá ao Psicólogo resguardar o padrão e nível de sua ciência e profissão em todo e qualquer tipo de
publicação ou apresentação em órgãos de divulgação.
Art. 31 - É vedado ao Psicólogo ceder, dar, emprestar ou vender técnicas a leigos ou a pessoas que não sejam
credenciadas como psicólogos, ou de qualquer modo divulgar tais técnicas entre pessoas estranhas à profissão e
à ciência psicológica.
DA PUBLICIDADE PROFISSIONAL

Art. 32 - O Psicólogo, ao promover publicamente a divulgação de seus serviços, somente deverá fazê-lo com
exatidão e dignidade.
Art. 33 - É vedado ao Psicólogo anunciar a prestação de serviços gratuitos ou a preços vis em consultórios parti-
culares.
DOS HONORÁRIOS PROFISSIONAIS
430

Art. 34 - Os honorários devem ser fixados com todo o cuidado a fim de que representem justa retribuição pelos
serviços prestados, sejam acessíveis ao cliente e tornem a profissão reconhecida pela confiança e aprovação do
público.
Art. 35 - Os honorários devem obedecer a uma escala ou plano de serviços prestados e devem ser comunicados
ao cliente antes do início dos trabalhos.

DA FISCALIZAÇÃO DO EXERCÍCIO PROFISSIONAL DA PSICOLOGIA NO CUMPRIMENTO DOS


PRINCÍPIOS ÉTICOS

Art. 36 - O Conselho Federal e os Regionais de Psicologia manterão uma Comissão de Ética para assessorá-los
na aplicação deste Código, no zelo de sua observância e na fiscalização do exercício profissional.
Art. 37 - As infrações a este Código de Ética Profissional poderão acarretar penalidades variadas, desde a
simples advertência até o pedido, de cassação de sua inscrição profissional, na forma dos dispositivos legais
e/ou regimentais.
Art. 38 - Cabe ao Psicólogo, legalmente habilitado, denunciar aos seus Conselhos qualquer pessoa que esteja
exercendo a profissão sem a respectiva inscrição.

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 39 - Os estudantes dos cursos de Psicologia ficam obrigados à observância do presente Código de Ética
Profissional.
Art.40 - Cumprir e fazer cumprir este Código é dever de todo psicólogo.
Art. 41 - A presente Resolução, com os princípios e normas contidos no Código de Ética Profissional do
Psicólogo, entrará em vigor na data de sua publicação no Diário Oficial da União.

Brasília (DF), 02 de Fevereiro de 1975


431

ANEXO B - Código de Ética Profissional do Psicólogo (1979)

RESOLUÇÃO CFP Nº 029/1979


PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
I - Somente pode intitular-se Psicólogo, e nesta qualidade, exercer a profissão no Brasil, a pessoa legalmente
credenciada nos termos da Lei 4.119 de agosto de 1962, da Lei 5.766 de 20 de dezembro de 1971 e de
legislação posterior.
II - O Psicólogo baseia seu trabalho no respeito à dignidade do indivíduo como pessoa.
III - O Psicólogo em seu trabalho procurará sempre promover o bem estar da pessoa e da humanidade.
IV - O Psicólogo em seu trabalho individual ou em equipe, procurará sempre desenvolver o sentido de sua
responsabilidade profissional, pelo aperfeiçoamento de suas vivências morais, de seus conhecimentos éticos e
pela melhoria constante de sua competência científica e técnica.
V - O Psicólogo, no exercício de sua profissão, completará a definição de suas responsabilidades, direitos e de-
veres nas disposições da legislação especial ou geral, em vigor no País, e nas da tradição ética de profissões
congêneres.
DAS RESPONSABILIDADES GERAIS DO PSICÓLOGO

Art. 1º - São deveres fundamentais do Psicólogo:


a) Esforçar-se por obter eficiência máxima em seus serviços, procurando sempre atualizar-se;
b) Assumir somente a responsabilidade por tarefas para as quais esteja capacitado, reconhecendo suas
limitações e renunciando a trabalho que possa ser por elas prejudicado;
c) Recorrer a outros especialistas, sempre que for necessário;
d) Colaborar para o progresso da Psicologia como ciência e como profissão, e para a difusão dos
princípios psicológicos úteis à coletividade;
e) Prestar serviços profissionais sem visar proveito pessoal, nas situações de calamidade pública ou de
graves crises sociais;

Art. 2º - Ao Psicólogo é vedado:


a) Usar títulos que não possua;
b) Dar psicodiagnóstico, aconselhamento e orientação psicológica a um indivíduo ou a um grupo, através
de jornais, revistas, rádio, televisão ou correspondência;
c) Desviar, para atendimento particular próprio, com finalidade lucrativa, clientes que tenha atendido em
virtude de sua função em instituição especializada;
d) Praticar atos que impliquem na mercantilização da Psicologia;
e) Acumpliciar-se com pessoas que exerçam ilegalmente, a profissão de Psicólogo ou qualquer outra
atividade profissional.

DAS RESPONSABILIDADES PARA COM O CLIENTE

Art. 3º - Define-se como cliente, a pessoa, entidade ou organização a que o Psicólogo presta serviços
profissionais.
Art. 4º - São deveres do Psicólogo, nas suas relações com os clientes:
a) Dar ao cliente ou - no caso de impedimento deste, - a quem de direito, informações concernentes ao
trabalho a ser realizado, definindo bem seus compromissos e responsabilidades profissionais, a fim de que
o cliente possa decidir-se pela aceitação ou recusa, da assistência prevista;
b) Esclarecer o cliente, no caso de atendimento em equipe, definindo a qualificação profissional dos
demais membros deste, seus papéis e responsabilidades;
c) Limitar o número de seus clientes às condições de trabalho eficiente;
d) Atender seus clientes, sem qualquer discriminação ou prioridade decorrente de raça, prestígio,
autoridade, credo ou situação econômica;
e) Sugerir ao cliente serviços de outras colegas, sempre que se impuser a necessidade de prosseguimento
dos serviços prestados, e estes, por motivos ponderáveis, não puderem ser continuados por quem os
assumiu, inicialmente;
f) Entrar em entendimento com seu substituto, comunicando-lhe as informações necessárias à boa
evolução do caso, quando se caracterizar a situação mencionada no item anterior;
432

g) Esclarecer o cliente quanto aos prejuízos da interrupção inoportuna da assistência que vem recebendo,
ficando o Psicólogo isento de qualquer responsabilidade ética, se o cliente se mantiver no propósito de
abandoná-la;
h) Evitar estabelecer com o cliente relacionamento que não seja estritamente profissional.
Art. 5º - É vedado aos Psicólogos, em suas relações com o cliente:
a) Induzir qualquer pessoa a recorrer a seus serviços;
b) Prolongar, desnecessariamente, o atendimento previsto;
c) Influenciar convicções políticas, filosóficas, morais ou religiosas de cliente;
d) Pleitear do cliente comissões, doações ou vantagens outras, de qualquer espécie, além dos honorários
estabelecidos;
e) Interromper a assistência ao cliente, salvo por motivo relevante e com a devida justificação.

DAS RESPONSABILIDADES E RELAÇÕES COM AS INSTITUIÇÕES EMPREGADORAS E OUTRAS

Art. 6º - O Psicólogo, ao ingressar em uma organização, deve considerar a filosofia e os padrões gerais desta,
tornando-se interdito o contrato de trabalho, sempre que normas e costumes ali vigentes contrariem sua
consciência profissional, bem como os princípios e normas deste Código.
Art. 7º - Não deve o Psicólogo, como pessoa física ou como responsável por Instituições prestadoras de serviços
em Psicologia, aceitar emprego ou tarefa, deixado por colega exonerado, ou demitido, em circunstâncias que
atinjam a dignidade da profissão e os princípios e normas do presente Código.
Parágrafo Único. A restrição contida no ―caput‖ deste artigo desaparece, caso se modifiquem as condições que
provocaram o afastamento do colega.

DAS RELAÇÕES COM OUTROS PSICÓLOGOS

Art. 8º - O Psicólogo deve ter para com seus colegas a consideração e a solidariedade que fortaleçam a harmonia
e o bom conceito da classe.
Art. 9º - O Psicólogo, quando solicitado, deverá colaborar com seus colegas e prestar-lhes serviços, salvo
impossibilidade decorrente de motivo relevante.
Art. 10 – O Psicólogo não deverá, em função de espírito de solidariedade, ser conivente com erro ou
contravenção penal praticado por colega.
Art. 11 – A crítica à colega deverá ser sempre objetiva, construtiva, comprovável e de inteira responsabilidade de
seu autor.
Art. 12 – O Psicólogo não pleiteará para si emprego, cargo ou função que esteja sendo exercido por outro
Psicólogo.
Art. 13 - O Psicólogo não atenderá o cliente que esteja sendo assistido por algum colega, salvo nas seguintes
situações:
a) A pedido desse colega;
b) Em caso de urgência, nos quais dará imediata ciência ao colega;
c) Quando informado seguramente da interrupção definitiva do atendimento prestado pelo colega.

DAS RELAÇÕES COM OUTROS PROFISSIONAIS

Art. 14 - O Psicólogo procurará manter bom relacionamento com outros profissionais, empenhando-se em:
a) Trabalhar dentro dos limites das atividades que lhe são reservadas pela legislação;
b) Reconhecer os casos pertencentes aos demais campos da especialização profissional, encaminhando-os às
pessoas habilitadas e qualificadas para a sua solução.
Art. 15 - O Psicólogo, perante os outros profissionais, e em seu relacionamento com eles, se empenhará por
manter elevados o conceito e os padrões de sua profissão.

DAS RELAÇÕES COM ASSOCIAÇÕES CONGREGANTES E REPRESENTANTES DOS PSICÓLOGOS

Art. 16 - O Psicólogo deverá prestigiar as associações profissionais e científicas que tenham por finalidades a
defesa da dignidade e dos direitos profissionais, a difusão e o aprimoramento da Psicologia como ciência e
como profissão, a harmonia e coesão de sua categoria profissional.
Art. 17 - O Psicólogo deverá apoiar as iniciativas e os movimentos legítimos de defesa dos interesses morais e
materiais da classe, através dos seus órgãos representativos.

DAS RELAÇÕES COM A JUSTIÇA


433

Art. 18 - O Psicólogo, no exercício legal de sua profissão, pode ser nomeado perito para esclarecer a justiça em
matéria de sua competência.

Parágrafo Único - O Psicólogo deve excusar-se de funcionar em perícia que escape à sua competência ou por
motivo de força maior, desde que dê a devida consideração à autoridade que o nomeou.
Art. 19 - O Psicólogo deve procurar servir, imparcialmente, à Justiça, mesmo quando um colega for parte na
questão.
Art. 20 - O Psicólogo perito deverá agir com absoluta isenção, limitando-se à exposição do que tiver
conhecimento através de exames e observações e não ultrapassando, nos laudos, a esfera de suas atribuições.
Art. 21 - O Psicólogo deverá levar ao conhecimento da autoridade que o nomeou a impossibilidade de formular
o laudo, face à recusa da pessoa que deveria ser por ele examinada.
Art. 22 - É vedado ao Psicólogo:
a) Ser perito de cliente seu;
b) Funcionar em perícia em que sejam parte parente seu até segundo grau, ou afim, amigo ou inimigo;
c) Valer-se do cargo que exerce, ou dos laços de parentesco ou amizade com autoridades administrativas ou
judiciárias para pleitear ser nomeado perito.

DO SIGILO PROFISSIONAL

Art. 23 - O sigilo, imperativo da ética profissional, protege o cliente em tudo aquilo que o Psicólogo ouve, vê ou
de que tem conhecimento, como decorrência do exercício da atividade profissional.
Art. 24 - Somente o examinado, e a critério do Psicólogo, poderá ser informado dos resultados dos exames.
Art. 25 – Se o atendimento for realizado a pedido de outrem, só poderão ser dadas informações a quem
solicitou, dentro dos limites do estritamente necessário, e com anuência do examinado.
Parágrafo 1º. É vedado ao Psicólogo remeter informações confidenciais a pessoas ou entidades que não estejam
obrigadas a sigilo por Código de Ética ou que, por qualquer forma, permitam a estranhos o acesso a essas
informações.
Parágrafo 2º. Nos casos de laudo pericial, o Psicólogo deverá tomar todas as precauções a fim de que,
servindo à autoridade que o designou, não venha a expor indevida e desnecessariamente, seu examinado.
Art. 26 – Quando o Psicólogo faz parte de uma equipe, o cliente deverá ser informado de que seus membros
poderão ter acesso a material referente ao caso.
Art. 27 – O Psicólogo evitará atender cliente menor ou impedido, sem o conhecimento de seus responsáveis.
Parágrafo Único. O sigilo profissional é válido também para o menor ou impedido, devendo ser comunicado
aos responsáveis o estritamente essencial para promover medidas em benefício do cliente.
Art. 28 – A quebra do sigilo só é admissível, quando se tratar de fato delituoso, previsto em Lei, e a gravidade
de suas consequências, para o próprio cliente ou para terceiros, possa criar para o Psicólogo o imperativo de
consciência de denunciar o fato.
Art. 29 – Para proteger o sigilo profissional, os arquivos confidenciais do Psicólogo, em caso de seu
falecimento, devem ser incinerados.

DAS COMUNICAÇÕES CIENTÍFICAS E DA DIVULGAÇÃO AO PÚBLICO

Art. 30 – Ao Psicólogo deve ser assegurada a mais ampla liberdade na realização de seus estudos e pesquisas,
bem como no ensino e treinamento, não sendo, porém, admissíveis:
a) Desrespeitar a dignidade e a liberdade de pessoas ou grupos envolvidos em seus trabalhos;
b) Promover atividades que envolvam qualquer espécie de risco ou prejuízo para seres humanos ou sofrimento
desnecessário para animais;
c) Subordinar as investigações a sectarismos que viciam o curso da pesquisa ou os seus resultados.
Art. 31 - Na publicação de trabalhos científicos, o Psicólogo deverá:
a) Citar as fontes consultadas;
b) Ater-se aos dados obtidos e neles basear suas conclusões;
c) Mencionar as contribuições de caráter profissional prestados por assistentes ou colaboradores;
d) Obter autorização expressa do autor e a ele fazer referência, quando utilizar fontes particulares ainda não
publicadas;
e) Impedir que sejam entendidos como seus trabalhos de outros autores.
Art. 32 - Nas publicações, com caráter de divulgação científica, o Psicólogo deve apresentar os assuntos com a
necessária prudência, sem qualquer caráter auto-promocional ou sensacionalista, levando em conta o bem estar
da população.
434

Art. 33 – Em todas as comunicações científicas ou de divulgação para o público, de resultados de pesquisas, de


relatos ou estudos de casos, o Psicólogo é obrigado a omitir ou a alterar quaisquer dados que possam conduzir à
identificação do cliente.
Art. 34 – Na divulgação, por qualquer meio de comunicação social, o Psicólogo não poderá utilizar em proveito
próprio, depoimento de cliente ou de ex-cliente seu.
Art. 35 – Na remessa de laudos ou informes a outros profissionais, o Psicólogo deverá assinalar o caráter
confidencial do documento e a responsabilidade de que o recebe em preservar o sigilo.
Art. 36 - Caberá ao Psicólogo resguardar o padrão e o nível de sua Ciência e Profissão, em todo e qualquer tipo
de publicação ou apresentação, em órgãos de divulgação.
Art. 37 - É vedado ao Psicólogo ensinar, ceder, dar, emprestar ou vender a leigos, instrumentos e técnicas
psicológicas ou, de qualquer modo, divulgá-la entre pessoas estranhas à profissão e à ciência psicológica.

DA PUBLICIDADE PROFISSIONAL

Art. 38 - O Psicólogo só poderá promover, publicamente, a divulgação de seus serviços com exatidão e
dignidade, limitando-se a informar, objetivamente, suas habilitações, qualificações e condições de atendimento.
Art. 39 - É vedado ao Psicólogo:
a) Anunciar a prestação de serviços gratuitos ou a preços vis, em consultório ou serviço particular;
b) Participar como Psicólogo, de quaisquer atividades que visem à auto-promoção, através de meios de
comunicação de massa;
c) Receber ou pagar remuneração ou porcentagem por encaminhamento de clientes.

DOS HONORÁRIOS PROFISSIONAIS

Art. 40 - Os honorários e salários devem ser fixados com dignidade e com o devido cuidado, a fim de que
representem justa retribuição por serviços prestados pelo Psicólogo, sejam acessíveis ao cliente e tornem a
profissão reconhecida pela confiança e aprovação do público.
Art. 41 - Os honorários devem obedecer a uma escala ou plano de serviços prestados e devem ser comunicados
ao cliente, antes do início do trabalho ser realizado.

DA OBSERVÂNCIA, APLICAÇÃO E CUMPRIMENTO DO CÓDIGO DE ÉTICA

Art. 42 - O Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Psicologia manterão uma Comissão de Ética para
assessorá-los na aplicação deste Código e no zelo de sua observância.
Art. 43 - As infrações a este Código de Ética Profissional poderão acarretar penalidades várias, desde a simples
advertência até o pedido de cassação da inscrição profissional, na forma dos dispositivos legais e/ou
regimentais.
Art. 44 - Cabe ao Psicólogo denunciar aos seus Conselhos qualquer pessoa que esteja exercendo a profissão sem
a respectiva inscrição, ou infringindo a legislação sobre a profissão.
Art. 45 – As dúvidas, na observância deste Código, e os casos omissos serão resolvidos pelos Conselhos
Regionais de Psicologia, ad referendum do Conselho Federal.
Art. 46 – Compete ao Conselho Federal de Psicologia firmar jurisprudência quanto aos casos omissos e fazê-
la incorporar a este Código.
Art. 47 – O presente Código poderá ser alterado pelo Conselho Federal de Psicologia, por iniciativa deste ou a
partir de proposta de Conselho Regional.
Art. 48 - Os estudantes dos cursos de Psicologia ficam obrigados à observância deste Código.
Art. 49 – Cabe aos Psicólogos docentes e supervisores, esclarecer, informar e orientar os estudantes quanto ao
cumprimento dos princípios e normas contidos neste Código.
Art. 50 - Cumprir e fazer cumprir este Código é dever de todo psicólogo.
435

ANEXO C – Equivalência dos Códigos de Ética Profissional do Psicólogo

ANÁLISE COMPARATIVA DOS CÓDIGOS DE ÉTICA PROFISSIONAL DO PSICÓLOGO – COE CRP 05


Resolução CFP N.º 010/05 Resolução CFP N.º 002/87 Comentários
ATUAL ANTIGO
Princípios Fundamentais Princípios Fundamentais
I. O psicólogo baseará o seu trabalho no I. O psicólogo baseará o seu trabalho no
respeito e na promoção da liberdade, da respeito à dignidade e integridade do ser
dignidade, da igualdade e da integridade humano.
do ser humano, apoiado nos valores que VII. O Psicólogo, no exercício de sua profissão,
embasam a Declaração Universal dos completará a definição de suas
Diretos Humanos. responsabilidades, direitos e deveres, de
acordo com os princípios estabelecidos na
Declaração Universal dos Direitos Humanos,
aprovada em 10/12/1948 pela Assembleia
Geral das Nações Unidas.
II. O psicólogo trabalhará visando II. O psicólogo trabalhará visando a promover O novo código substituiu a
promover a saúde e a qualidade de vida o bem-estar do indivíduo e da comunidade, palavra “bem-estar” por
das pessoas e das coletividades e bem como a descoberta de métodos e “qualidade de vida” que
contribuirá para a eliminação de quaisquer práticas que possibilitem a consecução desse pode ser considerado um
formas de negligência, discriminação, objetivo. termo mais amplo. A
exploração, violência, crueldade e VI. O psicólogo colaborará na criação de palavra “comunidade” foi
opressão. condições que visem a eliminar a opressão e a substituída por
marginalização do ser humano. “coletividades”. Esta
última amplia a atuação do
profissional e isenta o
código das discussões tão
em voga atualmente sobre
o significado do termo
comunidade.
Constatamos equivalência
nos itens II e VI.
III. O psicólogo atuará com IV. A atuação profissional do psicólogo O Código novo amplia o
responsabilidade social, analisando crítica e compreenderá uma análise crítica da pressuposto quatro do
historicamente a realidade política, realidade política e social. antigo, pois acrescenta a
econômica, social e cultural. importância da análise
histórica da realidade, a
“responsabilidade social”
do Psicólogo e as esferas
“econômica” e “cultural”.
De toda forma são
equivalentes.
IV. O psicólogo atuará com III. O psicólogo, em seu trabalho, procurará Os itens citados são mais
responsabilidade, por meio do contínuo sempre desenvolver o sentido de sua amplos, mas contém
aprimoramento profissional, contribuindo responsabilidade profissional através de um referência ao Princípio IV
para o desenvolvimento da Psicologia constante desenvolvimento pessoal, do novo código.
como campo científico de conhecimento e científico, técnico e ético.
de prática. V. O psicólogo estará a par dos estudos e
pesquisas mais atuais de sua área, contribuirá
pessoalmente para o progresso da ciência
psicológica e será um estudioso das ciências
afins.
V. O psicólogo contribuirá para promover a NOVO Não se encontrou
universalização do acesso da população às equivalência
informações, ao conhecimento da ciência
psicológica, aos serviços e aos padrões
éticos da profissão.
VI. O psicólogo zelará para que o exercício Art. 1 – alínea f. Neste caso a equivalência
profissional seja efetuado com dignidade, zelar para que o exercício profissional seja refere-se ao exercício
rejeitando situações em que a Psicologia efetuado com máxima dignidade, recusando e profissional e a profissão e
esteja sendo aviltada. denunciando situações em que o indivíduo não as questões
436

esteja correndo risco ou o exercício individuais.


profissional esteja sendo vilipendiado,
VII. O psicólogo considerará as relações de NOVO Não se encontrou
poder nos contextos em que atua e os equivalência
impactos dessas relações sobre as suas
atividades profissionais, posicionando-se
de forma crítica e em consonância com os
demais princípios deste Código.
Artigo 1º - São deveres Fundamentais dos Artigo 1º - São deveres Fundamentais dos idem
Psicólogos: Psicólogos:
a) Conhecer, divulgar, cumprir e fazer Art. 47 – É dever de todo o psicólogo Foi acrescida a palavra
cumprir este Código; conhecer, cumprir e fazer cumprir este “divulgar”, mas sem
Código. prejuízo da equivalência.
b) Assumir responsabilidades profissionais a) Assumir responsabilidades somente por A palavra “teórica” foi
somente por atividades para as quais atividades para as quais esteja capacitado acrescentada, mas o
esteja capacitado pessoal, teórica e pessoal e tecnicamente; conteúdo foi mantido
tecnicamente; confirmando a
equivalência.
c) Prestar serviços psicológicos de c) Prestar serviços psicológicos em condições O novo código amplia o
qualidade, em condições de trabalho de trabalho eficiente, de acordo com os texto da alínea “c”, mas
dignas e apropriadas à natureza desses princípios e técnicas reconhecidas pela continua equivalente.
serviços, utilizando princípios, ciência, pela prática e pela ética profissional;
conhecimentos e técnicas
reconhecidamente fundamentados na
ciência psicológica, na ética e na legislação
profissional;
d) Prestar serviços profissionais em b) Prestar serviços profissionais em situações
situações de calamidade pública ou de de calamidade pública ou de emergência, sem
emergência, sem visar benefício pessoal; visar a quaisquer benefícios pessoais;
e) Estabelecer acordos de prestação de
serviços que respeitem os direitos do
usuário ou beneficiário de serviços de
Psicologia;
f) Fornecer, a quem de direito, na e) fornecer ao seu substituto, quando
prestação de serviços psicológicos, solicitado, as informações necessárias à
informações concernentes ao trabalho a evolução do trabalho;
ser realizado e ao seu objetivo profissional;
g) Informar, a quem de direito, os Art. 3 b) transmitir a quem de direito
resultados decorrentes da prestação de somente informações que sirvam de subsídios
serviços psicológicos, transmitindo às decisões que envolvam a pessoa atendida;
somente o que for necessário para a Art. 23 §2° O psicólogo, quando solicitado
tomada de decisões que afetem o usuário pelo examinado, está obrigado a fornecer a
ou beneficiário; este informações que forem encaminhadas ao
solicitante e a orientá-lo em função dos
resultados.
h) Orientar a quem de direito sobre os
encaminhamentos apropriados, a partir da
prestação de serviços psicológicos, e
fornecer, sempre que solicitado, os
documentos pertinentes ao bom termo do
trabalho;
i) Zelar para que a comercialização,
aquisição, doação, empréstimo, guarda e
forma de divulgação do material privativo
do psicólogo sejam feitas conforme os
princípios deste Código;
j) Ter, para com o trabalho dos psicólogos e Art. 7 – O psicólogo terá, para com seus
de outros profissionais, respeito, colegas, respeito, consideração e
consideração e solidariedade, e, quando solidariedade, que fortaleçam o bom conceito
solicitado, colaborar com estes, salvo da categoria.
impedimento por motivo relevante; Art. 8 – O psicólogo, quando solicitado por
437

outro, deverá colaborar com este, salvo


impossibilidade decorrente de motivo
relevante.
Art. 13 – O psicólogo, perante os outros
profissionais e em seu relacionamento com
eles, se empenhará por manter os conceitos e
os padrões de sua profissão.
k) Sugerir serviços de outros psicólogos, d) Sugerir serviços de outros profissionais,
sempre que, por motivos justificáveis, não sempre que se impuser a necessidade de
puderem ser continuados pelo profissional atendimento e este, por motivos justificáveis,
que os assumiu inicialmente, fornecendo não puder ser continuado por quem o
ao seu substituto as informações assumiu inicialmente;
necessárias à continuidade do trabalho;
l) Levar ao conhecimento das instâncias f) zelar para o exercício profissional seja
competentes o exercício ilegal ou irregular efetuado com a máxima dignidade, recusando
da profissão, transgressões a princípios e e denunciando situações em que o indivíduo
diretrizes deste Código ou da legislação esteja correndo risco ou o exercício
profissional. profissional esteja sendo vilipendiado;
Art. 2º – Ao psicólogo é vedado: IDEM
a) Praticar ou ser conivente com quaisquer Art. 9 – O psicólogo, em função do espírito de
atos que caracterizem negligência, solidariedade, não será conivente com erros,
discriminação, exploração, violência, faltas éticas, crimes ou contravenções penais
crueldade ou opressão; praticadas por outros na prestação de
serviços profissionais.
b) Induzir a convicções políticas, filosóficas, e) Induzir a convicções políticas, filosóficas,
morais, ideológicas, religiosas, de morais ou religiosas, quando no exercício de
orientação sexual ou a qualquer tipo de suas funções profissionais;
preconceito, quando do exercício de suas
funções profissionais;
c) Utilizar ou favorecer o uso de
conhecimento e a utilização de práticas
psicológicas como instrumentos de castigo,
tortura ou qualquer forma de violência;
d) Acumpliciar-se com pessoas ou d) Acumpliciar-se com pessoas que exerçam,
organizações que exerçam ou favoreçam o ilegalmente, a profissão do psicólogo ou
exercício ilegal da profissão de psicólogo qualquer outra atividade profissional;
ou de qualquer outra atividade
profissional;
e) Ser conivente com erros, faltas éticas, Art. 9 – O psicólogo, em função do espírito de
violação de direitos, crimes ou solidariedade, não será conivente com erros,
contravenções penais praticados por faltas éticas, crimes ou contravenções penais
psicólogos na prestação de serviços praticados por outros na prestação de
profissionais; serviços profissionais;
f) Prestar serviços ou vincular o título de o) Prestar serviços ou mesmo vincular seu
psicólogo a serviços de atendimento título de psicólogo a serviços de atendimento
psicológico cujos procedimentos, técnicas e psicológico via telefônica;
meios não estejam regulamentados ou
reconhecidos pela profissão;
g) Emitir documentos sem fundamentação m) adulterar resultados, fazer declarações
e qualidade técnico-científica; falsas e dar atestado sem a devida
fundamentação técnico-científica;
h) Interferir na validade e fidedignidade de l) interferir na fidedignidade de resultados de
instrumentos e técnicas psicológicas, instrumentos e técnicas psicológicas;
adulterar seus resultados ou fazer m) adulterar resultados, fazer declarações
declarações falsas; falsas e dar atestado sem a devida
fundamentação técnico-científica;
i) Induzir qualquer pessoa ou organização a f) induzir qualquer pessoa a recorrer a seus
recorrer a seus serviços; serviços;
j) Estabelecer com a pessoa atendida, n) estabelecer com a pessoa do atendido
familiar ou terceiro, que tenha vínculo com relacionamento que possa interferir
o atendido, relação que possa interferir negativamente nos objetivos do atendimento;
438

negativamente nos objetivos do serviço


prestado;
k) Ser perito, avaliador ou parecerista em Art. 20 – É vedado ao psicólogo:
situações nas quais seus vínculos pessoais a) ser perito de pessoa por ele atendida ou
ou profissionais, atuais ou anteriores, em atendimento;
possam afetar a qualidade do trabalho a
ser realizado ou a fidelidade aos resultados
da avaliação;
l) Desviar para serviço particular ou de c) desviar para atendimento particular
outra instituição, visando benefício próprio, com finalidade lucrativa, pessoa em
próprio, pessoas ou organizações atendidas atendimento ou atendida em instituição com
por instituição com a qual mantenha a qual mantenha qualquer tipo de vínculo;
qualquer tipo de vínculo profissional;
m) Prestar serviços profissionais a
organizações concorrentes de modo que
possam resultar em prejuízo para as partes
envolvidas, decorrentes de informações
privilegiadas;
n) Prolongar, desnecessariamente, a g) Idem
prestação de serviços profissionais;
o) Pleitear ou receber comissões, h) Pleitear comissões, doações ou vantagens
empréstimos, doações ou vantagens outras outras de qualquer espécie, além dos
de qualquer espécie, além dos honorários honorários estabelecidos;
contratados, assim como intermediar
transações financeiras;
p) Receber, pagar remuneração ou j) Idem
porcentagem por encaminhamento de
serviços;
q) Realizar diagnósticos, divulgar b) apresentar, publicamente, através dos
procedimentos ou apresentar resultados meios de comunicação, resultados de
de serviços psicológicos em meios de psicodiagnóstico de indivíduos ou grupos,
comunicação, de forma a expor pessoas, bem como interpretar ou diagnosticar
grupos ou organizações. situações problemáticas, oferecendo soluções
conclusivas;
Art. 3º – O psicólogo, para ingressar, Art. 4° - O psicólogo, para ingressar ou
associar-se ou permanecer em uma permanecer em uma organização, considerará
organização, considerará a missão, a a filosofia e os padrões nela vigentes e
filosofia, as políticas, as normas e as interromperá o contrato de trabalho sempre
práticas nela vigentes e sua que as normas e costumes da instituição
compatibilidade com os princípios e regras contrariarem sua consciência profissional,
deste Código. bem como os princípios e regras deste Código.
Parágrafo único: Existindo
incompatibilidade, cabe ao psicólogo
recusar-se a prestar serviços e, se
pertinente, apresentar denúncia ao órgão
competente.
Art. 4º – Ao fixar a remuneração pelo seu
trabalho, o psicólogo:
a) Levará em conta a justa retribuição aos Art. 39° - Os honorários fixados com dignidade
serviços prestados e as condições do e com o devido cuidado, a fim de que
usuário ou beneficiário; representem justa retribuição dos serviços
prestados pelo psicólogo, o qual buscará
adequá-los às condições do atendido,
tornando a profissão reconhecida pela
confiança e pela aprovação da sociedade.
b) Estipulará o valor de acordo com as Art. 40° - Os honorários serão planejados de
características da atividade e o comunicará acordo com as características da atividade e
ao usuário ou beneficiário antes do início serão comunicados à pessoa ou instituição,
do trabalho a ser realizado; antes do início do trabalho a ser realizado.
c) Assegurará a qualidade dos serviços
oferecidos independentemente do valor
439

acordado.
Art. 5º – O psicólogo, quando participar de Art. 16º – O psicólogo poderá participar de
greves ou paralisações, garantirá que: greves ou paralisações desde que:
a) As atividades de emergência não sejam a) não sejam interrompidos os atendimentos
interrompidas; de urgência:
b) Haja prévia comunicação da paralisação b) haja prévia comunicação da paralisação às
aos usuários ou beneficiários dos serviços pessoas em atendimento.
atingidos pela mesma.
Art. 6º – O psicólogo, no relacionamento Art. 12 – O psicólogo procurará, no
com profissionais não psicólogos: relacionamento com outros profissionais:
a) Encaminhará a profissionais ou b) reconhecer os casos pertinentes aos
entidades habilitados e qualificados demais campos de especialização profissional,
demandas que extrapolem seu campo de encaminhando-os às pessoas habilitadas e
atuação; qualificadas para sua solução.
b) Compartilhará somente informações Art. 14 – O psicólogo, atuando em equipe
relevantes para qualificar o serviço multiprofissional, resguardará o caráter
prestado, resguardando o caráter confidencial de suas comunicações,
confidencial das comunicações, assinalando a responsabilidade, de quem
assinalando a responsabilidade, de quem receber, de preservar o sigilo;
as receber, de preservar o sigilo.
Art. 7º – O psicólogo poderá intervir na Art. 11º – O psicólogo não deverá intervir na
prestação de serviços psicológicos que prestação de serviços psicológicos que
estejam sendo efetuados por outro estejam sendo efetuados por outro
profissional, nas seguintes situações: profissional, salvo nas seguintes situações:
a) A pedido do profissional responsável a) a pedido desse profissional;
pelo serviço;
b) Em caso de emergência ou risco ao b) Em caso de urgência, quando dará imediata
beneficiário ou usuário do serviço, quando ciência ao profissional;
dará imediata ciência ao profissional;
c) Quando informado expressamente, por c) Quando informado, por qualquer uma das
qualquer uma das partes, da interrupção partes, da interrupção voluntária e definitiva
voluntária e definitiva do serviço; do atendimento;
d) Quando se tratar de trabalho Idem
multiprofissional e a intervenção fizer
parte da metodologia adotada.
Art. 8º – Para realizar atendimento não Art. 2 – O psicólogo é vedado:
eventual de criança, adolescente ou i) atender, em caráter não eventual, o menor
interdito, o psicólogo deverá obter impúbere ou interdito, sem conhecimento de
autorização de ao menos um de seus seus responsáveis.
responsáveis, observadas as
determinações da legislação vigente:
§1° – No caso de não se apresentar um
responsável legal, o atendimento deverá
ser efetuado e comunicado às autoridades
competentes;
§2° – O psicólogo responsabilizar-se-á
pelos encaminhamentos que se fizerem
necessários para garantir a proteção
integral do atendido.
Art. 9º – É dever do psicólogo respeitar o
Art 3 c) em seus atendimentos, garantir
sigilo profissional a fim de proteger, por
condições ambientais adequadas à segurança
meio da confidencialidade, a intimidade da(s) pessoa(s) atendida(s), bem como a
das pessoas, grupos ou organizações, a que
privacidade que garanta o sigilo profissional.
tenha acesso no exercício profissional. Art. 21 – O sigilo profissional protegerá o
atendido em tudo aquilo que o psicólogo
ouve, vê ou de que tem conhecimento como
decorrência do exercício da atividade
profissional;
Art. 10 – Nas situações em que se Art. 27 – A quebra de sigilo só será admissível,
configure conflito entre as exigências quando se tratar de fato delituoso e a
decorrentes do disposto no Art. 9º e as gravidade de suas consequências para o
440

afirmações dos princípios fundamentais próprio atendido ou para terceiros puder criar
deste Código, excetuando-se os casos para o psicólogo o imperativo de consciência
previstos em lei, o psicólogo poderá decidir de denunciar o fato.
pela quebra de sigilo, baseando sua
decisão na busca do menor prejuízo.
Parágrafo único – Em caso de quebra do
sigilo previsto no caput deste artigo, o
psicólogo deverá restringir-se a prestar as
informações estritamente necessárias.
Art. 11 – Quando requisitado a depor em
juízo, o psicólogo poderá prestar
informações, considerando o previsto
neste Código.
Art. 12 – Nos documentos que embasam as Art. 23 – Se o atendimento for realizado por
atividades em equipe multiprofissional, o psicólogo vinculado a trabalho
psicólogo registrará apenas as informações multiprofissional numa clínica, empresa ou
necessárias para o cumprimento dos instituição ou a pedido de outrem, só poderão
objetivos do trabalho. ser dadas informações a quem as solicitou, a
critério do profissional, dentro dos limites do
estritamente necessário aos fins para que se
destina o exame.
Art. 13 – No atendimento à criança, ao Art. 26 – O sigilo profissional protegerá o
adolescente ou ao interdito, deve ser menor impúbere ou interdito, devendo ser
comunicado aos responsáveis o comunicado aos responsáveis o estritamente
estritamente essencial para se essencial para se promover medidas em seu
promoverem medidas em seu benefício. benefício.
Art. 14 – A utilização de quaisquer meios
de registro e observação da prática
psicológica obedecerá às normas deste
Código e a legislação profissional vigente,
devendo o usuário ou beneficiário, desde o
início, ser informado.
Art. 15 – Em caso de interrupção do Art. 6 – O psicólogo garantirá o caráter
trabalho do psicólogo, por quaisquer confidencial das informações que vier a
motivos, ele deverá zelar pelo destino dos receber em razão de seu trabalho, bem como
seus arquivos confidenciais. do material psicológico produzido.
§ 1° – Em caso de demissão ou exoneração, § 1° – Em caso de demissão ou exoneração, o
o psicólogo deverá repassar todo o psicólogo deverá repassar todo o material ao
material ao psicólogo que vier a substituí- psicólogo que vier a substituí-lo.
lo, ou lacrá-lo para posterior utilização pelo § 2° - Na impossibilidade de fazê-lo, o material
psicólogo substituto. deverá ser lacrado na presença de um
representante do CRP, para somente vir a ser
utilizado pelo Psicólogo substituto,
quando,então, será rompido o lacre, também
na presença de um representante.
§ 2° – Em caso de extinção do serviço de § 3° – Em caso de extinção do serviço
Psicologia, o psicólogo responsável psicológico, os arquivos serão incinerados
informará ao Conselho Regional de pelo profissional responsável, até aquela data,
Psicologia, que providenciará a destinação por este serviço, na presença de um
dos arquivos confidenciais. representante do CRP.
Art. 16 – O psicólogo, na realização de Art. 30 – Ao psicólogo, na realização de seus
estudos, pesquisas e atividades voltadas estudos e pesquisas, bem como no ensino e
para a produção de conhecimento e treinamento, é vedado:
desenvolvimento de tecnologias:
a) Avaliará os riscos envolvidos, tanto pelos b) promover atividades que envolvam
procedimentos, como pela divulgação dos qualquer espécie de risco ou prejuízo a seres
resultados, com o objetivo de proteger as humanos ou sofrimentos desnecessários para
pessoas, grupos, organizações e animais;
comunidades envolvidas;
b) Garantirá o caráter voluntário da d) conduzir pesquisas que interfiram na vida
participação dos envolvidos, mediante dos sujeitos, sem que estes tenham dado a
441

consentimento livre e esclarecido, salvo seu livre consentimento para delas participar
nas situações previstas em legislação e sem que tenham sido informados de
específica e respeitando os princípios deste possíveis riscos a elas inerentes.
Código;
c) Garantirá o anonimato das pessoas, Art. 32 – Em todas as comunicações científicas
grupos ou organizações, salvo interesse ou divulgação para o público de resultados de
manifesto destes; pesquisa, relatos ou estudos de caso, o
psicólogo omitirá e/ou alterará quaisquer
dados que possam conduzir à identificação da
pessoa ou instituição envolvida, salvo
interesse manifesto destas.
d) Garantirá o acesso das pessoas, grupos Art. 30
ou organizações aos resultados das Parágrafo Único: Fica resguardado às pessoas
pesquisas ou estudos, após seu envolvidas o direito de ter acesso aos
encerramento, sempre que assim o resultados das pesquisas ou estudos, após seu
desejarem. encerramento, sempre que assim o
desejarem.
Art. 17 – Caberá aos psicólogos docentes
ou supervisores esclarecer, informar,
orientar e exigir dos estudantes a
observância dos princípios e normas
contidas neste Código.
Art. 18 – O psicólogo não divulgará, Art. 35 – Idem
ensinará, cederá, emprestará ou venderá a
leigos instrumentos e técnicas psicológicas
que permitam ou facilitem o exercício
ilegal da profissão.
Art. 19 – O psicólogo, ao participar de Art. 36 – O psicólogo utilizará dos meios de
atividade em veículos de comunicação, comunicação, no sentido de tornar
zelará para que as informações prestadas conhecidos do grande público os recursos e
disseminem o conhecimento a respeito das conhecimentos técnico-científicos da
atribuições, da base científica e do papel psicologia.
social da profissão.
Art. 20 – O psicólogo, ao promover
publicamente seus serviços, por quaisquer
meios, individual ou coletivamente:
a) Informará o seu nome completo, o CRP e Art. 37 – O psicólogo, ao promover
seu número de registro; publicamente seus serviços, informará com
exatidão seu número de registro, suas
habilidades e qualificações, limitando-se a
estas.
b) Fará referência apenas a títulos ou Art. 2 – Ao psicólogo é vedado:
qualificações profissionais que possua; a) usar títulos que não possua;
c) Divulgará somente qualificações,
atividades e recursos relativos a técnicas e
práticas que estejam reconhecidas ou
regulamentadas pela profissão;
d) Não utilizará o preço do serviço como Art. 38 – É vedado ao psicólogo:
forma de propaganda; a) utilizar o preço do serviço como forma de
propaganda;
e) Não fará previsão taxativa de resultados; Art. 38 – É vedado ao psicólogo:
c) fazer previsão taxativa de resultados;
f) Não fará autopromoção em detrimento Art. 38 – É vedado ao psicólogo:
de outros profissionais; g) fazer autopromoção em detrimento de
outros profissionais;
g) Não proporá atividades que sejam Art. 38 – É vedado ao psicólogo:
atribuições privativas de outras categorias e) propor atividades não previstas na
profissionais; legislação profissional, como função do
psicólogo;
h) Não fará divulgação sensacionalista das
atividades profissionais.
442

Art. 21 – As transgressões dos preceitos Art. 42 – As infrações a este Código de Ética


deste Código constituem infração profissional acarretarão penalidades várias,
disciplinar com a aplicação das seguintes desde a advertência até suspensão do
penalidades, na forma dos dispositivos exercício profissional de 30 (trinta) dias até 5
legais ou regimentais: (cinco) anos de inscrição profissional.
a) Advertência; b) Multa; c) Censura
pública; d) Suspensão do exercício
profissional, por até 30 (trinta) dias, ad
referendum do Conselho Federal de
Psicologia; e) Cassação do exercício
profissional, ad referendum do Conselho
Federal de Psicologia.
Art. 22 – As dúvidas na observância deste Art. 44 – As dúvidas na observância deste
Código e os casos omissos serão resolvidos Código e os casos omissos serão resolvidos
pelos Conselhos Regionais de Psicologia, ad pelos Conselhos Regionais de Psicologia, ad
referendum do Conselho Federal de referendum do Conselho Federal de
Psicologia. Psicologia.
Art. 23 – Competirá ao Conselho Federal de Art. 45 – Idem
Psicologia firmar jurisprudência quanto aos
casos omissos e fazê-la incorporar a este
Código.
Art. 24 – O presente Código poderá ser Art. 48 – O presente Código poderá ser
alterado pelo Conselho Federal de alterado pelo Conselho Federal de Psicologia,
Psicologia, por iniciativa própria ou da por iniciativa própria ou da categoria, ouvidos
categoria, ouvidos os Conselhos Regionais os Conselhos Regionais de Psicologia.
de Psicologia.
Art. 25 – Este Código entra em vigor em 27
de agosto de 2005.
443

ANEXO D – Ofício CRP-05 nº 360/2009-COE


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ANEXO E – Ofício nº 1713-09-CT-CFP

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