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DE REPENTE, EU EXISTO!

Mas não pense que foi assim tão fácil chegar até aqui. Não! Muito pelo
contrário. Tudo começou em decorrência do grande amor entre um casal que mais tarde
vim saber que eram os meus pais.
Nada havia de inédito nisso tudo. Neste caso já era a quinta edição. E que bela
edição! Não fora ela, que seria de mim?
Era uma agradável noite de julho de 1950.
Terminados os preliminares, mais pareciam uma máquina alternativa. Entre
murmúrios e suspiros, ofegantes, numa perfeita conjugação de desejos, um brusco
“apagão” culmina com o início de uma largada que jamais irei esquecer. Aquela emissão
jorrou forte e potente, como o tiro da pistola de um juiz olímpico, dando início à corrida
da vida. Cerca de 600 milhões de competidores, em tresloucada velocidade desceram
àquele canal, nadando numa competição que valeria uma vida.
O primeiro obstáculo, a cérvice, que geralmente se encontra tamponada, para
alivio nosso estava aberta, dando pleno acesso a um grande lago em forma de balão,
ricamente decorado com malhas de artérias como se fora um pódio, aguardando o
retorno do ilustre vencedor do torneio para ser aclamado campeão.
Muitos de nós foram desintegrados pelo caminho, pela agressão do ambiente.
Isso viera favorecer os que, como eu, vinham mais atrás, dando chance de chegarmos ao
objetivo – alcançar o alvo. Ou (porque não dizer?) – o óvulo. Pude, pela primeira vez,
experimentar a máxima divina que diz: “tudo é possível ao que crer” e também aquela -
“posso tudo naquele que me fortalece”. De fato, tinha que ser por fé eu vencer aquela
competição. Competição essa que mudou totalmente o meu destino.
Lá estávamos nós naquele canal, em meio a mais uma competidíssima disputa,
numa desvantajosa concorrência de 1 / 600.000.000 (se eu fosse olhar essa ínfima
probabilidade talvez não estivesse aqui, contando esta aventura).
Concomitantemente, no momento do apagão, o juiz do certame deu a largada.
E lá ia eu – nadando qual girino e, ao contrário dos demais, sobrenadava
instintivamente moderado, temendo desintegrar-me como acontecera a muitos de nós,
os quais serviram de tapetes para nós, os finalistas, passarmos. Afinal de contas já
havíamos percorrido alguns quilômetros de canais seminíferos, canal deferente,
epidídimo, vesícula seminal e agora, na melhor parte da competição, não poderia jamais
marcar bobeira. Teria que provar que, além de ser um bom nadador, sou também um
bom finalizador.
As regras eram bem claras:
1. Apenas um competidor venceria o torneio;
2. Havia apenas um prêmio para o único vencedor;
3. Não haveria segundo nem terceiro lugares;
4. Venceria o melhor.
Minha carga genética vinha composta de 22 cromossomos autossomos e ainda
o 23°, o cromossomo Y. Eu tinha a missão de gerar um menino. Sabia intuitivamente
que deitado em um berço esplêndido esperava-me um gameta com características
semelhantes às minhas, exceto pelo fato de o seu cromossomo 23 ser um X. O Criador
dotara-me da capacidade incrível e intransferível de determinar o gênero do futuro
rebento. Os demais pares transmitiriam as características hereditárias, aparência física,
isso do pai, aquilo da mãe, e assim por diante.
Curioso! Uma competição como esta não havia torcida organizada. Nem
mesmo os responsáveis por tudo isso que agora dormiam. Somente o Todo-Especial, o
Criador, dava-me um incentivo de modo fora do comum. Ele me amou de tal forma,
com um amor distinto, mesmo quando eu era algo informe, apenas um projeto de Sua
Vontade.
A competição prosseguia acirradamente. Milhares de milhares desistiram, não
resistindo às agressões do meio e se diluíram, neutralizando o local em favor dos
restante para que chegássemos ao nosso objetivo - acertar o óvulo.
Ainda posso ouvir a voz do Todo-Poderoso, naquela ardorosa torcida por mim
– “Vamos lá, Meu filho! Você vai conseguir!”. Você não pode imaginar como aquilo me
dava um novo ânimo. Lutava com toda a garra. Opa! Com toda a calda!
Saímos do canal, passamos pela cérvice e adentramos numa espécie de lago de
nome Histero. Alguns preferem chamá-lo de Útero ou Madre. Passei por aquele lindo
lugar com a nítida impressão que ainda haveria de morar ali por logo tempo.
Outros milhões de antagonistas já haviam passado por ali, mas não resistiram á
agressão do meio. Tornaram-se como que tapete e escudo para nós que atrás vínhamos,
garantindo o sucesso de nossa missão. Muitos dos companheiros de corrida eram do
grupo X e eu pertencia, como antes havia citado, ao grupo Y.
Agora, já na reta final, acelerei o meu ritmo tomando uma boa dianteira.
Descortina-se à minha frente uma bela paisagem e dois túneis. Tive que
raciocinar e decidir rápido. Percebi que alguns que iam à minha frente pegaram o túnel
da direita. Então, sozinho adentrei ao túnel esquerdo, aventurando, como em uma caça
ao tesouro, arrisquei um palpite que me deu uma grande vantagem.
Mas notei que após mim, também se aproximavam vários competidores e
aquilo me deu um tremendo arrepio. Num relance, pensei que poderia perder a
competição. Lancei um olhar de súplica para o meu Ilustre Torcedor. Senti, sem
palavras, que Ele mandava-me ser mais confiante. “Avante, campeão! Estou contigo
nessa!”.
Um pinturesco panorama se descortina diante de nós. Um folículo aberto e
lindamente decorado abrigava um óvulo, deitado esplendidamente naquele berço
natural, gênese da vida.
Meu troféu! Pensei.
Senti então um impulso sobrenatural, como que um tapa em minhas costas.
Era como eu pudesse ouvir outra vez a voz retumbante do meu Criador a dizer:
“Vamos lá, campeão! Nunca se esqueça disso – Você é mais que vencedor!”.
Como num salto último de um campeão, caí sobre o meu tão almejado prêmio
o qual abriu-se e abraçou-me carinhosamente.
Senti que ali estava o meu fim (ou um novo começo). Comecei a diluir-me
para dar lugar a uma nova vida. Ganhei uma nova identidade.
Ali deu início uma metamorfose.
Ao ser recebido no seio daquele corpúsculo, houve uma tremenda festa de
núpcias. De um lado, os 22 autossomos e o X cumprimentaram os recém-chegados
autossomos para juntos, como num minueto, num túnel auto-invaginante, saudavam
reverentemente a união do X e Y. Perdemos nossa identidade e passamos a ser um
zigoto.
Daí por diante, foi uma seqüência de transformações. O feto se formava
saudável até o término de 38 semanas atingindo sua maturação.
Lá fora, um corre-corre. Algumas pessoas nervosas. O que seria? Por que tanto
alvoroço?
Nada de novo a não ser ondas de pressão e dor. Senti-me como se não me
quisessem mais ali. Mas por quê? Estava tão gostoso! Nem precisava terminar daquele
jeito.
A pressão aumentava e eu nem mais podia me mexer. Muitas vozes lá fora.
Não conseguia entender patavinas do que diziam.
Senti como se algo quisesse esmagar minha cabeça que foi-se encolhendo até
abrir passagem pelo canal do nascimento.
Lá fora, com as mãos prontas para me receber estava Mãe Pinta, a parteira do
lugarejo. Pronto, num esforço sobre-humano, minha mãe conseguiu expulsar-me. Fui
recebido nas mãos da parteira que me cortou o cordão umbilical, separando-me de vez
de minha mãe. Não sei o que eu fizera ou deixara de fazer. Só sei que, depois de perder
o aconchego do ventre materno, fui recebido não com palmas ou vivas. Nem mesmo um
bem-vindo. Plact! Abri o berreiro. O que é que fiz? Por que aquele tapa em meu
traseiro? Será que foi por ter-me demorado tanto a sair.
Mas foi só a primeira impressão.
“É um menino”! Gritou a parteira. “Um belo garoto”!
Após limparem-me do líqüido amniótico, colocaram-me em meus cueiros e
aconchegaram-me nos braços de minha mãe que logo ofereceu-me o seio para que eu
tivesse o meu primeiro alimento externo.
Bem-vindo, amado meu filho. Que bom que você chegou.
Vai ser cheio da graça, um bem-aventurado. Há de conduzir muitas vidas ao
Senhor.
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Nunca se ache um perdedor. Deus fez você, desde o início, para vencer. Nunca
desista de seus sonhos. Cada desafio, é mais uma chance de vitória. Cada derrota, como
cada vitória, serve-nos para nos preparar melhor, fortalecer-nos a fim de conquistarmos
outros objetivos maiores. E, em Cristo, somos mais que vencedores.

Crato - CE, 19 de Outubro de 2006


Autor: João Bosco Rolim Esmeraldo
Acadêmico de Teologia - CETREM / SBTV
Campus Juazeiro do Norte – CE.

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