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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA


CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS
DEPARTAMENTO DE ECONOMIA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS
CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Acadêmicas (o): Bibiana Irala Gomes; Lucas Fabiano Machado Medina; Mariane Azambuja
Mello
Disciplina: Relações Internacionais do Oriente Médio
Professor: Dr. Igor Castellano da Silva

Arábia Saudita: formação e dinâmicas econômicas, sociais, políticas e


securitárias no período Guerra Fria e pós-Guerra Fria

Resumo

Com base nas leituras básicas e complementares da disciplina, bem como as leituras
sugeridas para o desenvolvimento dos trabalhos ao longo do semestre letivo, este estudo
orienta-se em descrever e analisar os processos de formação do Estado da Arábia Saudita, suas
dinâmicas econômicas, sociais, políticas e securitárias nos períodos da Guerra Fria e do
pós-Guerra Fria.
Palavras-chave: ​Arábia Saudita; Guerra Fria; Pós-Guerra Fria.

INTRODUÇÃO

O Reino da Arábia Saudita é um dos oito países pertencentes ao subcomplexo regional de


segurança do Golfo1, no Oriente Médio2, e tem seu território definido por uma área total de

1
Assim como a Arábia Saudita, Kuwait, Bahrein, Qatar, Emirados Árabes Unidos, Omã, Irã e Iraque também
pertencem ao subcomplexo regional do Golfo.
2
O Oriente Médio pode ser classificado como a área que cobre a região que se estende do Marrocos ao Irã,
incluindo todos os Estados árabes mais Israel e Irã.
2

2.149.690 km² ao Sul do Iraque e da Jordânia, ao Norte do Yemen e a Oeste do Qatar, do


Bahrein e dos Emirados Árabes Unidos, configurando-se como o décimo terceiro maior território
do mundo em extensão, além de uma população estimada em 30.770.375 habitantes3. Criado em
1932, o Reino adota a monarquia absolutista como forma de governo e atualmente conta com um
PIB de US$ 646 bilhões, o décimo quarto maior PIB do mundo.

FORMAÇÃO DO ESTADO

O Estado Saudita como é conhecido atualmente teve origem a partir do século XVII com
a origem do Wahabismo e alianças formadas, por mais que a região esteja associada com o
surgimento do Islã no século VII. A saber, o Islã apesar de ser o papel unificador dos povos
árabes, também era o responsável por grande parte de conflitos, não só religiosos, mas também
políticos e sociais. Assim, com o enfraquecimento do Islã, têm-se o surgimento de movimentos
fundamentalistas religiosos, como o Wahabismo, que buscava uma purificação da região.
O Wahabismo surge como uma religião que buscava a purificação do islã, ou seja, um
retorno ao verdadeiro islã. No entanto, o wahabismo acabou modificando de forma extremista e
totalmente inflexível a ​Sharia4, o que acabou atraindo uma oposição e reações de diversos
grupos. Desta forma, o fundador da religião, al-Wahhab acaba buscando refúgio e alianças,
principalmente.
Com a hostilidade ao wahabismo, al-Wahhab se une ao Emir da cidade de al-Diryia,
ibn-Saud. O governante da cidade ao oferecer proteção ao religioso, acabou criando um vínculo,
muito presente na atual configuração da Arábia Saudita, e muito necessário na época para
unificação da região: legitimidade religiosa à monarquia dos Saud e apoio estatal ao wahabismo.
Logo, no período entre 1745 e 1818, esta união, entre a cidade de al-Diryia e a religão de
al-Wahhab, se expandiu formando a Arábia, um “Reino do Deserto”.

3
​Senso 2014.
4
​Sharia é um conjunto de leis islâmicas que são baseadas no Alcorão, responsáveis por fundamentar regras de
comportamento e conduta.
3

A expansão do reino ocorreu de forma rápida, o que acabou atraindo atenção dos
vizinhos, principalmente do Império Otomano, que via na região uma potencial ameaça regional.
Assim, em 1818, o Egito combate as tropas sauditas na fronteira e invade a região, mantendo-se
na região até o final do século XIX. Quando os egípcios saíram da região e deixaram de exercer
controle político, a Arábia estava enfraquecida e bastante fragmentada. Somente na 1ª Guerra
Mundial a Arábia Saudita conseguiu se reerguer, com a ajuda da Grã-Bretanha e França, que
lutavam contra o Império Otomano na guerra. Embora a família Hussein fosse o governante de
Hejaz e obtivesse grande êxito na luta contra os otomanos, a Grã-Bretanha apoiou o retorno de
Saud de seu exílio no Kuwait e governante da região de Nejd, isolando Hussein
diplomaticamente. Este apoio à Saud ao invés do apoio ao Hussein, pode ter ocorrido devido a
legitimidade religiosa do governo de Saud.
Logo, com o retorno de Saud como governante das duas regiões, Hejaz e Nejd, e o apoio
religioso de al-Wahhab, houve a unificação da região e em 1932, declara-se a criação do reino da
Arábia Saudita. Porém, o nascimento do Estado foi bastante conturbado financeiramente,
principalmente pela crise de 1929, que teve efeito mundialmente. Segundo Wynbrandt (2010, p.
187, tradução nossa):

No nascimento do reino, situação e perspectivas da Arábia Saudita eram sombrias. O


novo estado estava em dívida, os pagamentos aos credores tinham cessado, e mais
empréstimos eram inalcançáveis. Além disso, a depressão mundial reduziu as receitas de
peregrinação, principal fonte de renda. Considerando 129 mil peregrinos tornados ​haji​
em 1926, o número caiu para 29 mil em 1932, e 20 mil no ano seguinte. Muitos
funcionários públicos não eram pagos há meses, e uma disputa de fronteira com o Iêmen
eminenciava uma guerra.5

Portanto, apenas em 1938, a Arábia Saudita conseguiu se erguer e sustentar um título de


potência regional, devido a entrada de uma empresa americana, que com o apoio do governo
saudita, encontraram um sítio de petróleo. Tal feito acabou atraindo bastante atenção de
potências extra regionais, os quais começaram a investir bastante na região, tornando-a o que é
hoje: uma grande potência regional com sua economia voltada ao petróleo, um Estado forte com

5
Texto Original: ​“At the kingdom’s birth, Saudi Arabia’s situation and prospects were bleak. The new state was in
debt, payments to creditors had ceased, and further loans were unobtainable. Additionally, the worldwide
depression reduced pilgrimage revenues, its main source of income. Whereas 129,000 pilgrims made the hajj in
1926, the number had fallen to 29,000 in 1932 and 20,000 the following year. Many state employees had not been
paid in months, and a border dispute with Yemen was blistering into warfare​”.
4

legitimidade religiosa e grande apoio externo, sendo um dos principais parceiros dos Estados
Unidos na região.

POLÍTICA E SEGURANÇA

A polarização da Guerra Fria gera o alinhamento da Arábia Saudita às potências


ocidentais, muito em função da importância desses países do processo de formação estatal
saudita. Em 1953, com a morte de ibn-Saud, a disputa pelo trono entre seus filhos mais velhos
Saud e Faisal gera uma década de instabilidade política. (WYNBRANDT, 2010) No ano
seguinte, Saud assume o poder num contexto de instabilidade. O nacionalismo árabe pós-Suez se
manifesta na Arábia Saudita através da disseminação de grupos oposicionistas como a Frente de
Reformas Nacionais (FNR), que luta pelo fim da exploração estrangeira de petróleo, imprensa
livre, eleições, abolição da escravidão. (​ibidem​)
Outras fontes de resistência ao regime eram os Príncipes Livres, filhos mais novos de
ibn-Saud que exigiam maior participação no governo e a implantação de uma constituição, entre
outras reformas; além de elementos da própria burocracia governamental e militar que se
ressentiam com os critérios de afiliação tribal para as promoções dos cargos, sem considerar as
capacidades. Saud responde à essas ameaças com a repressão dos grupos revoltosos,
criminalização da manifestação, criação de uma guarda nacional com forças leais à família real e
principalmente, o incentivo ao retorno dos valores tradicionais religiosos. Esse último artifício
foi utilizado diversas vezes na história saudita, pedidos de reformas liberalizantes eram
respondidos com mais ênfase à observância das leis religiosas, fonte última de legitimidade do
regime. Em 1964, Saud é forçado a renunciar permanentemente em favor de Faisal.
Apesar de manter relações diplomáticas com o Egito, mesmo após a chegada de Nasser ao
poder, as relações entre esses dois Estados eram bastante complicadas. As lembranças da invasão
egípcia, assim como o projeto nasseriano de integração política do mundo árabe, geravam
rivalidades regionais que só eram superadas de certa forma pela necessidade de enfrentar o
inimigo comum, Israel. Um exemplo desses choques de interesses é a Guerra Civil no Iêmen. Em
5

1962 a República Árabe do Iêmen é declarada, através de um golpe militar de orientação


socialista apoiado pelo regime nasseriano. O surgimento do primeiro Estado na península arábica
a não ser governado por uma monarquia preocupa os sauditas, que apoiam as forças reais.
(HALLIDAY, 2005) O Egito envia tropas para a região e o conflito civil iemenita se transforma
numa guerra proxy entre as duas potências regionais. Esse impasse só é resolvido com a Guerra
dos Seis Dias, em 1967, quando ambos chegam a um acordo e decidem se retirar do conflito para
lidar com a questão israelense.
Em 1973, os nacionalismos seculares apoiados pela URSS no Mundo Árabe entraram em
declínio, criando um vácuo de poder que gerou a disputa da hegemonia entre Arábia Saudita, Irã
e Iraque. (FERABOLLI, 2007) O desgaste das ideologias laicas e a forte oposição
fundamentalista que ela fomentou, abriu a janela de oportunidade para a Arábia Saudita expandir
a sua influência da região levantando a bandeira de defensora dos valores islâmicos no Oriente
Médio. A nova ordem regional de orientação saudita era baseada na diplomacia do talão de
cheques, na qual boas relações e estabilidade regional são compradas com os petrodólares
acumulados durante o choque dos preços do petróleo. (​ibidem​)
Em 1975, Faisal é assassinado por seu sobrinho e o Rei Khalid assume o governo saudita.
Logo em 1979 duas ameaças ao regime surgem. A primeira delas é a Revolução Iraniana. A
preocupação saudita é que os xiitas da Província Oriental (onde ficam os campos de petróleo)
passem a se revoltar sob a influência dos xiitas iranianos, o que de fato acontece em várias
localidades e é severamente reprimido. A segunda é a captura da Grande Mesquita em Meca por
extremistas islâmicos, em protesto contra a corrupção e a natureza "não islâmica" do regime.
Tais ameaças são respondidas com uma observância ainda maior das leis religiosas, de forma a
promover a legitimidade interna.
A Arábia Saudita foi ao longo de toda a Guerra Fria uma consistente aliada dos Estados
Unidos na região. Seus interesses econômicos e políticos comuns (já que as empresas de petróleo
eram estadunidenses e a expansão do socialismo árabe também não estava nos planos sauditas),
além da ligação histórica com o ocidente, o aproximavam. Porém, esse alinhamento não era
automático. Diversas vezes a relação entre esses países ficou estremecida, em geral após
iniciativas estadunidenses de apoio incondicional à Israel. A Arábia Saudita tentava usar dessa
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aliança com os EUA para fazer o ocidente pressionar Israel a negociar, com o estranho lema de
"Sim ao Ocidente, não a Israel".
É importante ressaltar a participação saudita nos conflitos do Irã-Iraque, financiando este
último por considera-lo um mal menor ao regime, temendo que a mobilização xiita iraniana
chegasse ao seu território. O país também se envolve na Guerra do Afeganistão, apoiando a
aliança com os EUA, contra o governo comunista que lutava ao lado da URSS. Uma estratégia
comum saudita era o armamento de grupos islâmicos irregulares oposicionistas a governos não
aliados, como a Irmandade Muçulmana.
Na década de 90, seguindo uma ordem cronológica dos fatos, é importante ressaltar os
impactos da invasão do Kuwait para a Arábia Saudita. Tal invasão trouxe preocupações sobre as
intenções do Iraque sobre a Arábia Saudita, pois embora o reino tivesse um gasto
significativamente grande em defesa, não era capaz de garantir a segurança do território, e temia
ser invadido, como aconteceu com o Kuwait. Logo após a declaração dos Estados Unidos de que
a invasão não se manteria, a Arábia Saudita pediu formalmente por assistência militar
estadunidense para defender o reino de uma possível invasão iraquiana. Segundo Wynbrandt
(2010, p. 256), este pedido de proteção gerou muita polêmica entre os sauditas, primeiro pela
permissão de um governo de fora do reino estar controlando o território saudita; segundo, pela
questão dos enormes gastos em equipamentos militares não terem sido suficientes para própria
proteção e, por último, os religiosos não aceitavam “infiéis” protegendo a casa do Islã.
Outro fator que aumentou o debate interno, foi a admissão de muitos jornalistas
estrangeiros no reino para cobrir a Crise do Golfo. Esta abertura e exposição à influências
externas foram responsáveis por protestos de liberais e religiosos que apresentaram petições
exigindo uma transformação das regras do reino, sendo que a maioria pedia que o Estado fosse
mais fundamentalmente islâmico, promovendo um fim dos valores ocidentais que estavam
tomando conta através da mídia e a presença das tropas estadunidenses. Assim, a vulnerabilidade
do Estado levou o governo a fazer algumas reformas políticas internas.
Para explicar a importância dos ataques de 11 de setembro de 2001, deve-se primeiro
entender alguns fatos da década de 90. A saber, Osama bin Laden era cidadão saudita e devido
suas tendências extremistas, deixou o reino em 1991, quando se estabeleceu no Sudão e começou
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a organizar e financiar atividades terroristas. Em 1994, a Arábia Saudita retirou a cidadania de


bin Laden e, em 1996, pressionou, juntamente com os EUA, o Sudão para que bin Laden fosse
expulso de seu território. Assim, bin Laden se estabeleceu no Afeganistão e foi recebido pelo
Talibã, um regime ultraconservador influenciado pela religião Wahhabista. Assim, quando os
ataques de 11 de setembro de 2001 ocorreram e foram apontados como responsabilidade de bin
Laden, a Arábia Saudita foi bastante afetada. Além disso, 15 dos 19 terroristas envolvidos nos
ataques eram cidadão sauditas. Esta conexão dos ataques com o reino, representou o maior
desafio da aliança Arábia Saudita – EUA. O governo saudita negou o envolvimento em qualquer
atividade e em 20 de setembro, o ministro das Relações Exteriores, Saud Al-Faisal, assegurou
aos EUA a cooperação total na luta contra o terrorismo. Para a Arábia Saudita, bin Laden
utilizou cidadãos sauditas no ataque, calculadamente, como um esforço para afastar sua aliança
com os Estados Unidos.
Após os ataques, iniciou-se a Guerra no Afeganistão, que consistia numa intervenção dos
EUA no país. A Arábia Saudita, por sua vez, não apoiava os Estados Unidos nesta intervenção e
anunciou publicamente sua recusa em oferecer seu território para a operação e condenou
qualquer ataque à Estados Árabes. Além disso, embora a Guerra contra o Terror tenha focado
seu poder no talibã e em Osama bin Laden, o Iraque era uma força mais problemática.
Em 2003, a própria Arábia Saudita foi alvo de ataques terroristas, o que levou Abdullah a
se encontrar com Bush, onde ambos estabeleceram a criação de um Grupo de Trabalho Contra
terrorista, para coordenar os esforços dos dois governos. Outro investimento em defesa, foi o
estabelecimento de uma Unidade de Inteligência Financeira, para bloquear as organizações de
caridade que possivelmente estariam financiando atividades terroristas.
Durante a Guerra no Iraque, a Arábia Saudita, contando com a influência do Irã, resolveu
sair da sombra dos EUA, segundo Wynbrandt (2010, p. 285), e declarou a presença
estadunidense no Iraque como uma ocupação ilegal. Esta posição da Arábia Saudita é uma
prevenção para que os EUA não deixassem um Iraque desestabilizado em sua “porta”. Ao
contrário da primeira Guerra do Golfo que causou uma divisão no mundo Árabe, a Guerra contra
o Iraque era universalmente condenada. Com tal oposição aos EUA no momento, o governo
estadunidense decidiu retirar suas tropas do território da Arábia Saudita.
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ECONOMIA E SOCIEDADE

O processo de construção do desenvolvimento econômico, de modernização nacional e de


construção demográfica da Arábia Saudita no período da Guerra Fria tem seus precedentes no
período anterior a 2ª Guerra Mundial a partir do início da parceria econômica e estratégica com
os Estados Unidos ante ao que se via na região por parte da presença da Grã-Bretanha na região.
O fator final determinante para escolha do parceiro externo saudita é de que a oferta
estadunidense às concessões de extração de petróleo descobertas na segunda década do século
XX seriam pagas em ouro, um commodity ao qual o rei Ibn Saud entendia ser mais universal do
que a moeda corrente (BOWEN, 2008, p. 104).
Inicia-se, portanto, em 1933, o processo de extração de petróleo saudita assinado e
concedido pelo rei Abn Saud e a companhia petrolífera estadunidense SoCal. Em um período de
5 anos, a produção de petróleo atingiu 500 mil barris de petróleo anuais. Devido ao aumento
exponencial da produção de petróleo nacional, o setor petrolífero trouxe preocupações em outros
setores de interesse estatal, em especial, o setor de defesa, o que ocasionou numa aproximação
mais estreita com os Estados Unidos, uma vez que advinha deste os recursos materiais para a
proteção das regiões petrolíferas já no período da 2ª Guerra Mundial. Este período, ainda,
caracterizado pelo grande aumento na extração petrolífera que obteve a média anual 8 vezes
maior do que em 1938 (BOWEN, 2008, p. 104).
Demograficamente, a presença de capital e de empresas estadunidenses geraram outro
fenômeno importante na Arábia Saudita já na década de 1950, período ao qual Saud renegocia os
contratos sauditas com a ARAMCO (​Arabian-American Oil Company​): o crescente número de
estrangeiros no país, representando cerca de um terço da população nacional especialmente
vinculados à estadunidenses e europeus, outros dois terços divididos entre população local e
trabalhadores africanos e trabalhadores vindos do Sul da Ásia (BOWEN, 2008, p. 119). Já no
período da Guerra Fria, o reinado Saud representava altos gastos da realeza, o que fez com que o
déficit da Arábia Saudita subisse de US$ 200 milhões para US$ 400 milhões entre os anos de 53
e 58, representando a falta de investimentos em serviços públicos e sociais do reinado Saud, que
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via nos investimentos em educação um forte obstáculo para a manutenção de poder (BOWEN,
2008, p. 108).
Contudo, é na década de 1960, a partir do reinado de Faisal que as políticas de
investimento e modernização doméstica avançam de forma mais incisiva, caracterizando o ponto
chave de seu governo a alocação das receitas nacionais obtidas através do petróleo e a
transformação dessas receitas em melhorias nos serviços públicos. Cerca de 10% da receita
nacional era investida em educação, já os investimentos em defesa, aos quais careciam de
modernização e maior escopo, caracterizavam 40% das receitas. A proteção das regiões
petrolíferas no país era fortemente ligada aos investimentos do Ministério da Defesa a partir da
compra de sistemas de defesa aérea dos Estados Unidos, criando um estilo ocidentalizado do
setor (BOWEN, 2008, p. 109).
Para a Arábia Saudita, o papel dos Estados Unidos na região era visto de forma ambígua,
uma vez que representava o maior parceiro econômico do país e, em contrapartida, um aliado de
Israel, país ao qual o governo saudita era fortemente contrário. É, portanto, a partir da criação da
OPEC (​Organization of Petroleum Exporting States​), formada por Arábia Saudita, Kuwait, Irã,
Iraque e Venezuela, que os Estados visualizam o petróleo como arma política. Os investimentos
estadunidenses em Israel descontentavam Faisal que, em 1967, define um embargo aos Estado
Unidos, apoiado em 1973 pelos demais Estados da OPEC. Neste período, presencia-se o preço
da gasolina atingindo o dobro e, posteriormente, o triplo de seu valor, onde também o barril de
petróleo alcançou 11 dólares. Devido a isso, aumentou-se elevadamente as receitas de petróleo
da Arábia Saudita (BOWEN, 2008, p. 116).
Na década de 1980, devido aos conflitos da década anterior, houve um aumento da
produção de petróleo, uma vez que era necessário custear esses conflitos. Contudo, este aumento
de produção foi acompanhado de uma queda nos preços dos barris, despencando de 30 dólares
para 15 dólares, o que gerou certo descontentamento quanto aos objetivos sauditas e, portanto,
diminuindo as receitas esperadas no período final da Guerra Fria.
A sociedade saudita entrou na chamada “Era das Petições” no pós-Guerra Fria. Propostas
de todos os lados do espectro político reclamavam reformas e eram apresentadas aos governantes
oficiais regularmente. A permanência de bases estadunidenses na Arábia Saudita, assim como a
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invasão das mídias ocidentais durante e após a Guerra do Golfo fez com que fundamentalistas
religiosos condenassem a entrada dos “valores ocidentais” no país, apresentando a chamada
“Lista de Demandas” que mais tarde foi expandida no “Memorando de Conselhos”. Tais
demandas consistiam, entre outras coisas, na observância estrita da Sharia Law, mais espaço para
os ulamas nas agências governamentais e criação de uma política externa islâmica, como fim do
auxílio financeiro a qualquer governo não muçulmano. (WYNBRADT, 2010) Por outro lado, um
grupo secular de oposição liberal, que incluía membros da burocracia, empresários e acadêmicos,
apresentou uma petição exigindo o estabelecimento de um conselho consultivo, a restauração dos
conselhos municipais, a modernização do sistema judicial, igualdade para todos os cidadãos,
liberdade de imprensa e um maior papel para as mulheres na vida pública saudita. (ibidem)
A vulnerabilidade do governo aumentou com a intensificação das oposições internas e o
rei Fadh foi obrigado a promover algumas mudanças, anunciando em 1992 três grandes
reformas. A primeira foi a Lei Básica do Governo, que reafirmava os princípios religiosos sob os
quais o reino foi construído, enfatizando a Arábia Saudita como uma monarquia islâmica com
autoridade restrita à família real; também criava o Conselho Consultivo, prometido desde os anos
1980 após as manifestações na Província Oriental e a captura da Grande Mesquita e até então
nunca implementada. A segunda foi a Lei do Conselho Consultivo, definindo as regras e a área
de atuação do conselho, composto por 60 membros (todos homens com mais de 30 anos)
escolhidos pelo rei que interpretariam a lei e examinariam os relatórios feitos por ministros e
agentes do governo, mas com um papel puramente consultivo sem nenhum poder legislativo. A
terceira foi a Lei das Províncias, que procurava corrigir a falta de controle sobre as
administrações regionais, colocando as 13 províncias sob o controle de governadores e
subdivididas em distritos. (ibidem)
A oposição foi duramente perseguida, com a criação de postos de controle em diversos
pontos da cidade e presença policial ostensiva. O alvo principal era a oposição fundamentalista
islâmica, que o regime considerava como sua principal ameaça interna. Ataques terroristas
internos se disseminaram e em 1995 instalações militares estadunidenses foram atacadas com
bombas. Muitos grupos de oposição foram para outros países, mantendo-se ativos nas mídias
sociais, como o Movimento para o Retorno Islâmico na Arábia (MIRA). (ibidem)
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A Arábia Saudita entrou o novo milênio com a economia estagnada e a taxa de natalidade
ascendente. A volatilidade dos preços do petróleo exigia a diversificação econômica do país, que
já contava com 30% da população com menos de 25 anos desempregada (faixa etária que
constituía 70% da população saudita). Investir em infraestrutura e em educação para criar
oportunidade de emprego para essa grande população jovem era imprescindível e, junto com
outros países do golfo, tal investimento chegou à 1 trilhão de dólares em projetos como a
dessalinização da água, universidades, hospitais, novos portos, etc. (KHANNA, 2008).
Procuraram explorar o grande potencial para a extração de gás natural com acordos comerciais
com companhias de energia chinesas e britânicas, já que tanto a Europa quanto a China se
introduziram no golfo por meio de acordos de investimento e mercados de energia (ibidem). O
reino estabeleceu Cidades Econômicas para facilitar o investimento externo e criar empregos,
desenvolvendo a indústria interna. Houve também algumas ondas de privatizações, com a venda
de parte da Saudi Telecom em 2002 e da Saudi Arabia Airlines em 2008. Ainda sim, o
crescimento econômico tem ficado abaixo do crescimento populacional, causando previsões de
instabilidade para o futuro. Em 2005 o reino entra na OMC, adaptando sua política comercial em
algumas questões, como na diminuição de tarifas e subsídios, mas não outras, como o embargo
comercial à Israel ou questões relacionadas aos direitos humanos. (WYNBRANDT, 2010)
O papel das mulheres na vida pública saudita é bastante restrito, mas tem mostrado
avanços. Ela tem direito à propriedade e ao apoio financeiro de seus maridos, mas não são vistas
como iguais aos homens perante a lei: as filhas recebem metade da herança dada aos filhos, o
testemunho de um homem equivale ao de duas mulheres, não podem receber tratamento médico
ou viajar sem a permissão masculina, não podem dirigir e perdem automaticamente a guarda de
seus filhos em caso de divórcio. (ibidem) Apesar disso, em 2009, Al Faiz foi apontada como a
primeira mulher em um cargo governamental. A participação dela foi fundamental para a
inclusão de mulheres nas duas últimas olimpíadas. Em 2005 foram estabelecidas eleições
municipais, mas elas ainda não puderam votar. As mulheres ganharam direito ao voto e a
candidatura nas eleições municipais de 2015 e pelo menos vinte delas foram eleitas para os
conselhos municipais.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os estudos das interações e das dinâmicas regionais do subcomplexo regional de


segurança do Golfo concluem o quão central é o papel da Arábia Saudita para o sistema regional.
O importância do petróleo para o país auxilia na construção de um Estado economicamente forte,
porém fortemente dependente do commoditie. Politicamente, a Arábia Saudita têm usado sua
principal fonte de renda como ferramenta de barganha política, seja no sistema regional, quanto
mundialmente. Além disso, as relações políticas sauditas demonstram sua ambiguidade, em
especial, quando se trata do forte laço com os Estados Unidos e de uma grande rivalidade com
Israel, este, por sua vez, aliado dos estadunidenses.
Este trabalho é fruto de um compilado de estudos acerca da sociedade saudita, de sua
economia, sua política e suas questões securitárias, e através dele abordar-se-á um estudo
aprofundado cujo tema versa acerca dos processos de influência da sociedade ocidental, em
especial, dos Estados Unidos, frente ao conservadorismo religioso na Arábia Saudita. Como se
dá o impacto do ocidente na Arábia Saudita e como este impacto é absorvido por sua sociedade?

Questionamentos e tópicos para debate

1. Com o desenvolvimento econômico chinês e, por consequência, o aumento das relações


bilaterais do Oriente Médio, em especial, da Arábia Saudita com a China, quais são as
previsões de comportamento do Oriente Médio, da Arábia Saudita e dos Estados Unidos
frente a um novo Estado atuando na penetração extrarregional?
2. A ambiguidade saudita nas relações com o Ocidente, a proximidade com os Estados
Unidos e o conservadorismo interno.
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REFERÊNCIAS

BOWEN, Wayne H. ​The History of Saudi Arabia. ​Ed. Londres: Greenwood Press, 1968.

FERABOLLI, ​Silvia. Relações Internacionais do Mundo Árabe (1954-2004): Os Desafios


para a Realização da Utopia Pan-arabista. Contexto Internacional, v. 29, n. 1, p. 63-97, 2007.

HALLIDAY, Fred. ​Middle East in International Relations​. 1ª ed. Cambridge: 2005.

WYNBRANDT, James. ​A Brief History of Saudi Arabia​. 2ª ed. New York: 2010.

KHANNA, Parag. ​O Segundo Mundo: Impérios E Influência Na Nova Ordem Global​. Rio
de Janeiro: Intrínseca, 2008.

G1, ​Arábia Saudita elege candidatas em primeira eleição aberta às mulheres​. Disponível
em:<http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/12/arabia-saudita-elege-candidata-em-primeira-ele
icao-aberta-mulheres.html>. Acesso em: 05/10/2016.

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