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PESQUISA: PRISÃO DOMICILIAR.

SUBSTITUIÇÃO DE PRISÃO
PREVENTIVA POR DOMICILIAR. CRITÉRIOS. PODER DE
CAUTELA DO JUIZ.

1. Disposições do Código de Processo Penal

O CPP, ao tratar da prisão domiciliar, prevê a possibilidade de o réu, em vez de ficar


em prisão preventiva, permanecer recolhido em sua residência. Trata-se de uma medida
cautelar que substitui a prisão preventiva pela domiciliar:

Art. 317. A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado


em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial. (Redação
dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando
o agente for: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

I - maior de 80 (oitenta) anos; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

II - extremamente debilitado por motivo de doença grave; (Incluído pela Lei


nº 12.403, de 2011).

III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos


de idade ou com deficiência; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

IV - gestante; (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016)

V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos; (Incluído


pela Lei nº 13.257, de 2016)

VI - homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12


(doze) anos de idade incompletos. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016)

Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos
estabelecidos neste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

2. Requisitos autorizadores da substituição

Na doutrina, prevalece a posição que a substituição da prisão preventiva por prisão


domiciliar exige não só a aferição da hipótese legal, mas também um juízo valorativo a
respeito da adequação, necessidade e suficiência da substituição. O mero enquadramento
do agente numa das hipóteses elencadas no art. 318, CPP, não autoriza, de forma
automática, o deferimento da benesse da prisão domiciliar. Em suma:

“O princípio da adequação também deve ser aplicado à substituição (CPP,


art. 282, II), de modo que a prisão preventiva somente pode ser substituída pela
domiciliar se se mostrar adequada à situação concreta. Do contrário, bastaria que o
acusado atingisse a idade de 80 (oitenta) anos para que tivesse direito automático à
prisão domiciliar, com o que não se pode concordar. Portanto, a presença de um
dos pressupostos do art. 318 do CPP funciona como requisito mínimo, mas
não suficiente, de per si, para a substituição, cabendo ao magistrado
verificar se, no caso concreto, a prisão domiciliar seria suficiente para
neutralizar o periculum libertatis que deu ensejo à decretação da prisão
preventiva do acusado.” (BRASILEIRO, Renato. Manual de Direito Processual
Penal. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 998).

Logo, a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar, de que trata o art.
318, CPP, exige, a um só tempo, o objetivo enquadramento do agente numa das suas
hipóteses legais e um juízo positivo a respeito da adequação, necessidade e suficiência da
medida, a partir da percepção conglobada da conduta imputada ao agente (circunstâncias
do crime e suficiência da medida substitutiva).

Assim, além da presença de um dos pressupostos listados nos incisos do art. 318 do
CPP, exige-se que, analisando o caso concreto, não seja indispensável a manutenção da
prisão no cárcere. Será necessário examinar as demais circunstâncias do caso concreto e,
principalmente, se a prisão domiciliar será suficiente ou se a pessoa, ao receber esta medida
cautelar, ainda colocará em risco os bens jurídicos protegidos pelo art. 312 do CPP.

3. Mudanças trazidas pela Lei nº 13.257/2016

A Lei nº 13.257/2016, que contempla o denominado “Estatuto da Primeira Infância”,


alterou o inciso IV e incluiu os incisos V e VI no art. 318 do CPP.

O inciso IV agora traz a possibilidade de prisão domiciliar para GESTANTE,


independente do tempo de gestação e de sua situação de saúde. Desse modo, basta que a
investigada ou ré esteja grávida para ter direito à prisão domiciliar. Não mais se exige
tempo mínimo de gravidez nem que haja risco à saúde da mulher ou do feto.
O inciso V traz a prisão domiciliar para MULHER que tenha filho menor de 12 anos,
ao passo que o inciso VI traz a prisão domiciliar para HOMEM que seja o único
responsável pelos cuidados do filho menor de 12 anos. Essas hipóteses legais supõe o
atendimento simultâneo a um requisito objetivo (filho de até 12 (doze) anos de idade
incompletos) e a um requisito subjetivo (ser o agente o único responsável pelos seus
cuidados).

Facultar àquele que teve contra si decretada a prisão preventiva o cumprimento de


prisão em regime domiciliar, nos termos previstos nos novéis incisos V e VI do art. 318,
CPP, foi a forma encontrada pelo legislador de não deixar pessoa com até 12 (doze) anos
incompletos em situação de vulnerabilidade, que surge premente com a segregação do
único responsável pelos seus cuidados.

4. Jurisprudência relevante sobre a substituição de prisão preventiva por


domiciliar

HABEAS CORPUS. CONHECIMENTO PARCIAL. REITERAÇÃO DE


PEDIDOS. CONVERSÃO DA PRISÃO PREVENTIVA EM
DOMICILIAR. FACULDADE DO JUIZ. FILHA MENOR DE SEIS ANOS.
COMPROVAÇÃO DE CUIDADOS ESPECIAIS. AUSÊNCIA DE
DEMONSTRAÇÃO. ORDEM DENEGADA.
1. Se os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal já foram sopesados
em julgamento anterior, não se deve conhecer a reiteração de pedidos, mas apenas
a parte do habeas corpus que expõe fatos novos.
2. A conversão da segregação cautelar em prisão domiciliar é uma faculdade
do juiz, por isso, pode ser concedida desde que resta comprovado
satisfatoriamente o preenchimento dos requisitos elencados no artigo 318
do Código de Processo Penal.
3. Conquanto comprovada a existência de filha menor impúbere, que conta com
03 (três) anos de idade, não se pode olvidar que, pela literalidade do artigo 318 do
Código de Processo Penal, afere-se que a norma exige a demonstração dos
cuidados especiais imprescindíveis à criança, sendo insuficiente, a simples
alegação de que não há outra pessoa para cuidar da mesma.
4. Ordem conhecida parcialmente e denegada.
(TJ-DF - Habeas Corpus : HBC 20150020333287, 3ª Turma Criminal, Publicado
em 03/02/2016, Relator SANDOVAL OLIVEIRA.)
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA.
AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. MATÉRIA NÃO APRECIADA PELO JUIZ
DE PRIMEIRO GRAU. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NÃO
CONHECIMENTO. CONVERSÃO DA PRISÃO PREVENTIVA EM
DOMICILIAR. INDEFERIMENTO. WRIT PARCIALMENTE
CONHECIDO E JULGADO IMPROCEDENTE.
1. Vedado o conhecimento do writ, relativamente à tese de ausência de justa causa
para a prisão preventiva, ante o risco de se incorrer em indevida supressão de
instância, uma vez que a impetrante não comprovou nos autos que a matéria já foi
apreciada pelo juiz de primeiro grau.
2. Para a concessão da prisão domiciliar, com fundamento no inciso III do
art. 318, não basta a simples prova da maternidade de filho menor de seis
anos de idade ou com deficiência, é necessária a comprovação de que há
um vínculo de dependência entre o necessitado e a presa, por ser esta a
única capaz de cuidar dele, não sendo este o caso dos autos.
3. Ademais, a paciente foi presa em flagrante por exercer o tráfico de drogas em
sua própria residência, mesmo local em que, agora, pretende permanecer
acautelada, razão pela qual o deferimento da prisão domiciliar mostra-se não
recomendável, pois propiciaria à suplicante o retorno ao ambiente em que, de
forma reiterada, exercia a narcotraficância, encontrando os mesmos estímulos e
facilidades de antes.
4. Habeas corpus parcialmente conhecido e julgado improcedente.
(TJ-CE - Habeas Corpus : HC 06201886420168060000 CE 0620188-
64.2016.8.06.0000, 1ª Câmara Criminal, Publicação 01/03/2016, Relator MARIA
EDNA MARTINS).

HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. FURTO


QUALIFICADO. CONVERSÃO DA PRISÃO PREVENTIVA EM
DOMICILIAR. AGENTE PORTADOR DE ENFERMIDADE GRAVE.
CONCESSÃO DE PRISÃO DOMICILIAR.
Embora se verifique nos autos a existência de provas da materialidade e
indícios suficientes de autoria do crime de furto qualificado em desfavor do
paciente, sobrepõe-se questão que diz com a sua saúde – condição pessoal
do agente a ser considerada no manejo da prisão preventiva e demais
medidas cautelares.
Favorecido que está internado em hospital e possui prótese valvar metálica aórtica
e necessita de anticoagulação contínua e controle regular da anticoagulação,
contando, ainda, com infecção hospitalar durante a internação e sem previsão de
alta.
Viabilidade, por questão humanitária, da conversão da prisão preventiva em
domiciliar, subsumindo-se os fatos ora apresentados ao disposto no art. 318, inc.
II, do Código de Processo Penal, que autoriza a substituição quando o agente
estiver extremamente debilitado por motivo de doença grave. Além disso, a
medida se harmoniza com os postulados da necessidade e adequação.
ORDEM CONCEDIDA EM PARTE.
(TJ-RS - Habeas Corpus : HC 70046663498 RS Sétima Câmara Criminal,
Publicação 15/02/2012, Relator Naele Ochoa Piazzeta).

5. O Poder Geral de Cautela do juiz


5.1. No Processo Civil

O poder geral de cautela, também conhecido como poder cautelar geral ou poder
cautelar genérico, trata-se de uma permissão concedida ao Estado-juiz para que possa
conceder, além das medidas cautelares típicas (tais como o arresto ou sequestro), medidas
cautelares atípicas, ou seja, medidas não descritas pela norma jurídica. Nesse sentido, o
antigo Código de Processo Civil de 1973 previa:

Art. 796. O procedimento cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do


processo principal e deste é sempre dependente.

Art. 797. Só em casos excepcionais, expressamente autorizados por lei,


determinará o juiz medidas cautelares sem a audiência das partes.

Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código
regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas
provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que
uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão
grave e de difícil reparação.

O processo cautelar, conforme concebido no atual livro III do CPC/1973, foi


integralmente eliminado do novo CPC, que passou a adotar a sistemática das tutelas de
urgência e de evidência. Nota-se, no novo CPC, uma simplificação procedimental e uma
ampliação do poder geral de cautela do magistrado.
Em substituição aos procedimentos cautelares típicos (artigo 813 a 873 do CPC/1973),
atípicos (artigo 798 do CPC/1973) e a tutela antecipada (artigo 273 do CPC/1973), o novo
CPC passa a tratar da “Tutela Provisória” no Livro V. Dizem os art. 294 e 297:

Art. 294. A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência.


Parágrafo único. A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser
concedida em caráter antecedente ou incidental.
Art. 297. O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas
para efetivação da tutela provisória.
Parágrafo único. A efetivação da tutela provisória observará as normas referentes
ao cumprimento provisório da sentença, no que couber.

Com o novo diploma, todos os pedidos, inclusive os de urgência, poderão ser


formulados na própria petição inicial, não sendo mais necessário um processo específico
para esse tipo de pleito. O juiz passará a ter maior discricionariedade ao proferir uma
decisão, pois, preenchidos os requisitos do periculum in mora e fumus boni iuris, poderá
conceder a medida que entender mais adequada, seja o pedido de urgência de natureza
cautelar ou satisfativa. Nesse contexto, verifica-se uma ampliação dos poderes conferidos
ao magistrado, haja vista a eliminação dos procedimentos cautelares específicos.

5.2. No Processo Penal

A Lei 12.403/11 alterou o Código de Processo Penal com o principal objetivo de


originar medidas cautelares pessoais menos gravosas do que a prisão. Com a referida
mudança legislativa, o artigo 319 do CPP passou a prever nove medidas cautelares diversas
da prisão. Ao trazer medidas cautelares menos gravosas do que a prisão, a Lei 12.403 de
2011 reavivou a divergência doutrinária e jurisprudencial a respeito do poder geral de
cautela no processo penal. Diz o art. 319:

Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão: (Redação dada pela Lei nº
12.403, de 2011).
I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz,
para informar e justificar atividades; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por
circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante
desses locais para evitar o risco de novas infrações; (Redação dada pela Lei nº 12.403,
de 2011).
III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por
circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer
distante; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente
ou necessária para a investigação ou instrução; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o
investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; (Incluído pela Lei nº 12.403,
de 2011).
VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza
econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de
infrações penais; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com
violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-
imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; (Incluído pela Lei nº
12.403, de 2011).
VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a
atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência
injustificada à ordem judicial; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).
IX - monitoração eletrônica. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

Houve uma grande mudança de paradigma após a lei 12.403/11. Para muitos houve um
fortalecimento da posição contrária ao exercício da cautela geral, pois a nova legislação
não só conservou prisão preventiva, como especificou detalhadamente diversas medidas
cautelares menores. As referidas cautelares eram tidas antes como poder implícito do juiz,
porém com a previsão legal parece que nossa lei não quis mais deixar espaço para outras
tutelas sem previsão normativa.

O juiz penal não possuiria, ao contrário do juiz civil, o chamado “poder geral de
cautela” que possibilita que o magistrado utilize formas e meios que entender mais
oportunos e apropriados ao caso para evitar um dano iminente, em função do atraso no
procedimento (periculum in mora). Esse “poder” permite ao juiz criar uma medida
atípica e adotá-la no caso concreto, de modo preventivo, a fim de eliminar um perigo e
efetivar a tutela cautelar pleiteada pela parte interessada.

A figura não se aplicaria ao Processo Penal, pois um dos pressupostos de qualquer


medida cautelar penal é a TIPICIDADE OU LEGALIDADE (art. 5º, inc. II, da CF), até
porque o Processo Penal existe como um instrumento de tutela da liberdade, justamente
para impor limites ao arbítrio estatal.). Qualquer cautelar processual penal submete-se ao
PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL, pelo qual todo comando jurídico que imponha
comportamentos forçados há de provir de uma das espécies normativas devidamente
elaboradas conforme as regras de processo legislativo constitucional.

Em sentido contrário, outra corrente admite a aplicabilidade do “Poder Geral de


Cautela” ao Processo Penal. Nessa visão, rol das medidas cautelares é exemplificativo,
nada impedindo que o juiz, com base no poder geral de cautela, determine outras medidas,
desde que fundadas em critérios análogos aos que informam as hipóteses dos incisos I a IX
do artigo 319, do CPP, bem como inspiradas, no plano concreto, nas diretrizes gerais do
artigo 282.

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