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A Comida de Rua na cidade de São Paulo: Desenvolvimento e Novas

Perspectivas
JOSÉ ROBERTO YASOSHIMA1
TAMIRIS MARTINS DA SILVA2

Resumo
Neste momento, na cidade de São Paulo ocorre um debate que envolve vendedores de
comida de rua, chefs renomados e interesses políticos. O decreto de lei que autoriza a
expansão desse mercado acaba de ser aprovado e sancionado, trazendo possibilidades para
um setor que, até o momento, ainda sofria com a falta de regulamentação e fiscalização,
caracterizando-se em um mercado informal, pouco confiável e com grande polêmica no
campo da segurança alimentar. O objeto de pesquisa deste trabalho delimita-se ao estudo do
fenômeno comida de rua na cidade de São Paulo, suas novas tendências com um toque de
glamour e suas implicações no atual cenário da gastronomia. O objetivo central, portanto é
uma tentativa de categorização e classificação da comida de rua na cidade de São Paulo,
assim como estudaras possíveis novas tendências desse segmento no novo cenário da
gastronomia.Quanto à metodologia, será feita uma revisão da bibliografia acerca dos
principais tópicos para subsidiar as discussões sobre o tema. Para tanto, será ainda realizada
uma pesquisa de campo para a coleta de dados junto com vendedores, chefs e consumidores
da comida de rua. Para a coleta desses dados serão usadas as técnicas de entrevistas
semiestruturadas, observação participante, realização de vídeos e fotografias.

INTRODUÇÃO
Alimentar-se fora do lar não é nenhuma novidade, muito antes do nascimento do
restaurante moderno, em meados do século XVIII, ocorriam várias ocasiões para se
alimentar durante uma viagem ou um dia de trabalho na cidade. Shore (2009) ressalta que
certas características de comer fora parecem hoje naturais ou automáticas, que vale a pena
notar que se baseiam em regras e expectativas culturais e historicamente específicas. Uma
vez tomada a decisão de não comer em casa, é possível planejar com antecedência a hora e o
restaurante, mas a decisão de sair pode igualmente ser feita de última hora ou mesmo pela
necessidade, no caso de quem passa o dia fora de casa.
Atualmente a oferta para quem deseja comer fora é muito diversificada, com restaurantes
de diversas especialidades, e até mesmo a opção de comidas e quitutes de rua, em um espaço
que é ao mesmo tempo um ambiente de individualização e das contradições, mas que
também pode ser um espaço para sociabilização e trocas de experiência. Sem contar, que
diferente dos restaurantes, a comida ofertada na rua exige menos rituais. Assim, pode-se

1ProfessorDoutorSênior do Curso de Lazer e Turismo da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da


Universidade de São Paulo

2GraduadaemGastronomiapelaUniversidadeAnhembi-Morumbi, graduandaemLazer e TurismopelaEscola


de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo
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dizer que a comida de rua é mais acessível do que outras opções de alimentação fora do lar.
Contudo, não é apenas essa acessibilidade que chama a atenção do comensal. Considera-se
também que as pessoas procuram por comidas específicas que comumente não são
oferecidas em outros ambientes e, por ora, são encontradas facilmente na rua.
Essa comida de rua incita discussões muito pertinentes e por vezes polêmicas no Brasil e
no mundo, pelos campos da antropologia, da filosofia, do empreendedorismo, do lazer e
turismo, e principalmente da segurança alimentar, entre outros.
Especificamente na cidade de São Paulo está ocorrendo um debate que envolve
vendedores de comida de rua, chefs renomados e interesses políticos. No final do ano
passado, a lei que regulariza a comida de rua foi aprovada. O projeto de lei que foi criado
pelo ex-secretário da Cultura e atual vereador na cidade de São Paulo Andrea Matarazzo,
ainda depende da regularização e do fornecimento dos Termos de Permissão de Uso (TPU)
aos chefs. Sim, aos chefs! Desta vez, a rua está sendo tomada por um grupo de profissionais
renomados da cidade de São Paulo, que trazem uma proposta diferente da comida
comumente encontrada nas ruas da cidade. A proposta é oferecer não só comidas rápidas,
mas com um toque de sofisticação a um baixo custo.
O chef de cozinha Alex Atala, por exemplo, em 2012 já se arriscou em colocar a sua
famosa galinhada nas ruas durante a Virada Cultural. Essa foi uma das primeiras iniciativas
que envolviam também outros chefs, com a ideia de democratizar a comida de grife na
cidade. Quem teve a oportunidade de ganhar uma porção do prato pode se considerar uma
pessoa de sorte, apenas 500 senhas foram distribuídas, mas havia uma quantidade dez vezes
superior a quantidade de porções. Na época a ideia foi considerada maluca e inconsequente
pela mídia e mesmo pelo público, pois tratava do chef mais famoso do Brasil atuando num
local sem a infraestrutura mínima de funcionamento (sem energia elétrica, sem meios de
cocção adequados).
Nesse mesmo evento outros chefs apresentaram seu trabalho no Minhocão, em barracas
padronizadas. A partir desse evento e de outros que foram ocorrendo localizadamente, pôde-
se perceber o grande sucesso desse novo tipo de oferta de comida através da sua grande
repercussão muito bem representada pelo grande público que atraiu, chamando a atenção da
mídia. Passados dois anos, muitos outros eventos aconteceram e se repetiram, mas agora,
cada vez mais os eventos estão acontecendo de forma regular e impulsionando um novo
cenário no mercado gastronômico com barracas, foodtrucks, carrinhos, entre outras formas
de venda da comida na rua, por enquanto, até que saiam as regularizações, os chefs
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conseguem realizar seus trabalhos através de eventos ou mesmo na porta de restaurantes.
Mas a ideia é regularizar a atividade e incentivar outros chefs que ainda não aderiram.
Não é apenas em São Paulo que está acontecendo essa efervescência no contexto das
comidas de rua, diariamente vê-se reportagens e artigos em jornais do mundo inteiro sobre o
assunto. Na França, por exemplo, a edição 2013 do guia Le Fooding elegeu o trailer Le
Camionqui Fume como um dos lugares mais interessantes para comer em Paris. Outro
exemplo, encontra-se em Londres, o descolado EastEnd, o mercado de rua mais badalado da
cidade. Sendo assim, o objeto de pesquisa deste trabalho delimita-se ao estudo da comida de
rua na cidade de São Paulo, suas novas tendências com um toque de glamour e suas
implicações no atual cenário da gastronomia.
Delimitado o objeto, o objetivo central deste estudo é caracterizar a comida de rua na
cidade de São Paulo e a repercussão das novas tendências no novo cenário da gastronomia.
Dessa forma, foram elencados os seguintes objetivos específicos: a) Mapear a comida de rua
na cidade de São Paulo; b) Classificar os tipos de comida de rua; c) Contextualizar a comida
de rua no universo das atividades de Lazer e Turismo; d) Identificar as principais
dificuldades encontradas para os vendedores de comida de rua; d) Levantar dados, analisar e
discutir questões legislativas ligadas à venda da comida de rua; e) Quais as motivações dos
chefs de cozinha para colocarem suas comidas na rua; e) Identificar as motivações do
consumidor de comida de rua; f) Identificar e avaliar a repercussão das novas tendências no
mundo da gastronomia de grife.
Para a coleta desses dados serão usadas as técnicas de entrevistas (abertas e fechadas),
questionários, observação participantes, realização de vídeos e fotografias.
Como encontrado em muitas reportagens, o assunto e a atividade estão na moda; na
academia, costuma-se dizer que trata-se de uma nova tendência, e como toda novidade, este
é um campo de pesquisa ainda incipiente, com poucas referências mas com alguns estudos
sendo realizados. Assim, este trabalho pretende contribuir não apenas para a literatura da
comida de rua, mas também trazer dados e discussões relevantes para o desenvolvimento
desta prática e criação de novas políticas que proporcionem uma nova categoria de lazer
gastronômico na cidade de São Paulo, ou mesmo em outras cidades brasileiras.

1 O Lazer e o Turismo Gastronômico


Partindo do Lazer como fenômeno gerado historicamente do qual emergem valores que
contribuem para mudanças de ordem moral e cultural, pode-se dizer que o lazer é, sobretudo,
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um fenômeno cultural que pode ser vivenciado por meio da prática ou da fruição
(MARCELLINO, 2004) com caráter desinteressado, onde o interesse se resume apenas na
satisfação provocado pela situação vivida.
Sendo assim, os indivíduos correspondem a estímulos e por isso devem ser orientados
para satisfazerem seus interesses diante dos conteúdos culturais do lazer.
Nesse contexto, Campos (2006) conclui que a gastronomia caracteriza-se como um
interesse cultural do lazer que tem como conteúdo o prazer de satisfazer o paladar. Apesar de
o destaque ser para o paladar, atualmente, muitos autores e gourmets dizem que a
gastronomia é uma das únicas (senão a única) das artes capaz de provocar os cinco sentidos
em um só instante.
Considerado o pai da ciência gastronômica, Brillat-Savarin (1995, p.15) diz que “o
prazer da mesa pertence a todos os outros prazeres, e é sempre o último para nos consolar da
perda destes”. Ainda, segundo ele, os conhecimentos de gastronomia deviam ser necessários
para todos os indivíduos, porque assim, aumentariam a proporção de prazer que lhes é
destinado.
Segundo Barreto e Senra (2001), o aumento do tempo livre advindo da redução do
tempo de trabalho, possibilitará mais horas de lazer, incluindo-se aí o lazer gastronômico que
pode ser, segundo o autor, uma das portas para quem busca pelo prazer e entretenimento.
Atualmente, nas grandes cidades é fácil perceber como questões ligadas a comida
estão relacionadas em diversos setores do entretenimento, estão em jornais, televisões,
revistas, livros, internet entre outros, fazendo-se assim cada vez mais presente na consciência
popular. Segundo pesquisas, as sociedades mais desenvolvidas, duas entre as três refeições
diárias são realizadas fora de casa. Esse novo comportamento levou a uma explosão em
quantidade e variedade de empreendimentos (restaurantes, bares, serviços) relacionados à
comida, a começar pelos fast-foodse comidas de rua até os restaurantes da alta gastronomia
com técnicas e produtos diferenciados. Além dos restaurantes, a mídia contribui para atrair
os consumidores a partir de uma exploração de celebridades, instaurando uma comida de
griffe que passa a competir de forma desigual com a comida industrializada nos
supermercados.
Assim, a atividade de comer deixa de se apresentar apenas com sua função biológica
de nutrição e passa a constituir uma nova categoria de lazer e entretenimento, também passa
a ser um indicador de status a partir da classificação e distinção dos gostos culinários.
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Em recente evento gastronômico patrocinado por um canal de tv a cabo, o chef
Buddy Valastro que tem dois programas de televisão, que são exibidos em canais TLC e
Discovery Home and Health, teve que encerrar a demonstração pelo grande tumulto
causado pelo público que acorreu, desde a madrugada, para o local do evento.
Dados citados por Burnen (1989) sobre atividades de lazer mostram que sair de casa
para comer fora, ou receber amigos para uma refeição em casa estão entre as atividades de
lazer mais populares, depois de assistir à televisão. Isso mostra que o aumento da
alimentação fora do lar não se deve apenas ao fato da diminuição do tempo para se
alimentar, mas também pela busca de novos estilos de gosto e de vida.
Além do tempo curto das sociedades atuais, outro argumento presente é que as
populações urbanas procuram a alimentação fora do lar em busca de uma comida sofisticada,
de difícil preparo e exótico. No entanto, este argumento também não se explica diante da
popularidade e consumo da chamada junk-food e da comida caseira. Outro fenômeno é o
aparecimento da chamada confortfood, conhecida por levar o consumidor a lembranças da
infância através de recursos diversos.
No entanto, apesar das diversas tentativas de se explicar o consumo de alimentos fora
do lar, autores como Heck(2004, p.144) argumentam em contrapartida:
Como explicar o interesse em livros de culinária, quando constatamos a
tendência crescente de não preparar comidas em casa - de comprá-las
prontas ou de comer fora? Essa interrogação abre um campo de pesquisa
que deve ser investigado, isto é, o preparo de alimentos e a execução de
receitas culinárias como uma atividade de lazer. Cozinhar e comer como o
hobby deste milênio!

Portanto, a verdade é que os indivíduos sentem um grande prazer em consumir


alimentos em locais públicos. Sair de casa para comer demonstra uma vontade de interagir
socialmente antes mesmo da necessidade de se nutrir. Trata-se de uma forma de o indivíduo
se apresentar na sociedade e, por meio da refeição, intermediar suas relações sociais, pois o
restaurante é visto como um lugar onde a sua imagem é refletida.
Apesar de se falar apenas da busca pelos restaurantes, o interesse gastronômico
também é perceptível na busca pelos cafés e similares, locais de produção de produtos e de
preparações tradicionais, festas e festivais, roteiros enogastronômicos, lojas, empórios de
gênero alimentício, mercados e até museus (FAGLIARI, 2005) e, também, comidas de rua.
Quando se fala no turismo, o consumo de alimentos fora do lar no contexto de lazer
fica ainda mais evidente, pois além da necessidade de se alimentar para se nutrir
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fisiologicamente, o viajante busca fazer essa nutrição em parceria com a experiência cultural
através dos alimentos locais. Dessa forma, procura por restaurantes típicos e muitas vezes,
por algo mais autêntico, simples e barato, como por exemplo, a comida de rua. É na rua,
onde esse turista tem a oportunidade de conhecer preparos locais que muitas vezes não
existem em nenhum outro lugar do mundo. Exemplos disso: o pastel paulistano, o acarajé
baiano, o crepe francês, o waffle belga, o salsichão alemão, entre outros que serão discutidos
em outro tópico deste trabalho.

2 Comida de Rua

A gastronomia, em geral, e as práticas de comida de rua, em particular, sempre


foram tratadas como temas pouco importantes para estudos acadêmicos e, de certa
forma, envolvendo até um certo preconceito em relação aos estudos que tem como
objetivo o estudo dessas práticas.
A banalidade do assunto "comida”, o fato de ele estar sempre presente em
nossas vidas cotidianas e a necessidade que temos de nos alimentar
parecem tornar esse objeto de estudo menos importante do que outros que
sempre preocuparam os sociólogos. No entanto, é surpreendente observar
as diferentes maneiras de as pessoas na sociedade pensarem e falarem sobre
comida. Por outro lado, como em relação a muitos estudos de cultura
popular, há por vezes um preconceito com um objeto de pesquisa tão
efêmero, tão sensual e tão saboroso. (HECK, 2004, p.136)

Não à toa, a citação acima foi escolhida para iniciar a revisão da literatura sobre a comida de
rua. Na citação, a autora fala da comida de um modo geral e, em seu artigo, ela defende o
comer como uma atividade de lazer, e como uma atividade que tem a capacidade de
impulsionar a economia local, mas que no entanto, raramente é observado pelos estudiosos
por se tratar de um assunto ligado a nossa vida cotidiana. No entanto, agora em 2014, pode-
se observar uma grande indústria em torno do assunto “comida”.
Quando se fala de comida de rua essa questão é um pouco mais delicada. Por se tratar de
pequenos negócios familiares, geralmente de pessoas mais simples e uma comida com baixo
valor agregado, a comida de rua não é um assunto com uma bibliografia muito extensa. Com
raras exceções, sua discussão fica muito mais no campo da segurança alimentar do que
ligada a questões de desenvolvimento local, patrimônio cultural ou mesmo uma atividade de
lazer de alto valor cultural e associativo.
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Na cidade de São Paulo, por muitos anos, a comercialização da comida de rua


mostrou-se muito restritiva e a sua prática era permitida só para pequenos veículos que
comercializam hot-dogs nas ruas e as barracas de feiras que vendiam pastéis. A par dessa
regularização, milhares de vendedores de comida de rua atuavam na informalidade e
ilegalidade, sendo que o poder municipal fazia vistas grossas a um comércio em que trabalha
mais de 100.000 pessoas.

Com a intenção regularizar a situação desse comércio informal, um grupo de


vereadores da cidade de São Paulo elaborou um projeto de lei para a regulamentação do
Comércio de Comida de Rua. Aprovado na Câmara, o projeto foi aprovado pelo Prefeito e
publicado no dia 07 de maio de 2014.

Para melhor se entender esse comércio, dedica-se o presente capítulo para explanar
um pouco do histórico da comida de rua através do tempo, as principais manifestações da
comida de rua no mundo e no Brasil, e as características da comida de rua na cidade de São
Paulo.

A comida de rua, uma prática milenar na história da humanidade, se tornou um tema


frequente nas discussões sobre a forma de alimentação que envolve o ser humano.

O comércio de alimentação na rua seja não é uma característica de países


subdesenvolvidos e pobres. Podemos ver essa manifestação arraigada na cultura de vários
povos, independe de seu grau de desenvolvimento e riqueza.

A comida de rua pode ser definida como um alimento in natura ou processado,


vendido em espaço público, como opção à refeição oferecida por estabelecimentos
especializados no comércio de alimentação e refeição.

2.1 A Comida de Rua no Brasil

Segundo Araújo e Araújo (2007) 3 a partir de meados do século XVIII, com o


crescimento da população e da economia, os escravos passaram a ser utilizados nas cidades
em funções distintas daquelas a que se haviam dedicado até então. Os escravos de ganho
eram empregados ou alugados por seus senhores para produzir, vender ou prestar serviços a
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terceiros. Para complementar o orçamento doméstico de seussenhores, escravas -
principalmente aquelas que moravam em Salvador e Rio de Janeiro - saíam da cozinha para
as ruas, levando comidas feitas em casa: eram vendedoras ambulantes, que percorriam as
cidades com tabuleiros, vendendo beijus, cuscuzes, bolinhos e outras iguarias.

As autoras destacam o comércio do acarajé na cidade de Salvador, “cabe destacar a


comercialização do acarajé, iniciada no período escravagista, com as escravas de ganho. A
prática é herança trazida pelos negros da costa ocidental da África, onde as mulheres
realizavam um tipo de comércio ambulante de produtos comestíveis. Em chão brasileiro,
essa atividade permitiu às mulheres escravas, muitas vezes, além da prestação de serviços a
seus senhores, a garantia do sustento de suas próprias famílias.

O acarajé e o tacacá constituem dois ícones da gastronomia brasileira, reconhecidos


como patrimônio imaterial, e têm seu principal canal de distribuição nas vendedoras de rua.

As vendedoras de tacacá, as tacacazeiras tornaram-se patrimônio imaterial paraense


em 28 de novembro de 2013. O reconhecimento considera a importância da atividade
desenvolvida pelas vendedoras de tacacá na preservação da cultura paraense.

A renomada chef de cozinha Mara Salles, proprietária do restaurante Tordesilhas,


especializado em culinária brasileira, inovou ao lançar o “Tem na Tietê”. Uma vez por mês,
a Chef abre uma parte de seu restaurante para a rua (rua Tietê), no Jardim Paulista, e lá serve
o “tacacá das 5”, com as mesmas características do prato vendido nas ruas e praças do norte
do país.

A produção e venda, em tabuleiro, das chamadas comidas de baiana, entre elas o


acarajé, foram reconhecidas com patrimônio imaterial brasileiro e inscritos no Livro dos
Saberes, em 2005. É interessante que o reconhecimento feito pelo IPHAN – Instituto de
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, foi principalmente pela forma de distribuição do
acarajé, ou seja, a sua venda na rua:

Dentre as comidas de baiana destaca-se o acarajé, bolinho de feijão


fradinho preparado de maneira artesanal, na qual o feijão é moído em um
pilão de pedra (pedra de acarajé), temperado e posteriormente frito no
azeite de dendê fervente. Sua receita tem origens no Golfo do Benim, na
África Ocidental, tendo sido trazida para o Brasil com a vinda de escravos
dessa região. A atividade de produção e comércio é predominantemente
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feminina, e encontra-se nos espaços públicos de Salvador, principalmente
praças, ruas, feiras da cidade e orla marítima, como também nas festas de
largo e outras celebrações que marcam a cultura da cidade. A indumentária
das baianas, característica dos ritos do candomblé, constitui também um
forte elemento de identificação desse ofício, sendo composta por turbantes,
panos e colares de conta que simbolizam a intenção religiosa das baianas.4

2.2 Classificação da Comida de Rua

Sob o aspecto estrutural a Comida de Rua pode ser classificada como estruturada,
semiestruturada e desestruturada:

- Estruturadas: São empreendimentos que tem uma atividade em consonância


com a legislação vigente relacionada com a postura municipal que regula o local
de sua permanência, as características físicas de seu negócio, higiene e condições
sanitárias: extensão de restaurantes através de barracas na rua, foodtrucks e
barracas (como as barracas de pastel nas feiras livres) e as barracas de
comercialização de alimentos em praças (como as barracas existentes na Feira da
Liberdade, Feira de Cantuta, Praça da República, Parque Siqueira Campos).

- Semiestruturada: É o comércio de alimento de rua que, mesmo de forma


informal obedece a algumas condições do comércio estruturado. Nesta categoria
podemos citar os pontos de venda de comida, como carrinhos de pipoca, de
sorvete, vendedores de dönnerkebab (churrasquinho grego);

- Desestruturada: É o comércio de alimentos totalmente informal sem


equipamentos adequados ou uso de equipamentos improvisados e sem obediência
às normas sanitárias e de higiene. Podemos citar como exemplo os pontos de
venda de café da manhã, os vendedores de frutas “in natura”.

Quanto ao equipamento utilizado, a Lei Municipal 15.947 estabelece as categorias:

- Categoria A – Alimentos comercializados em veículos automotores, assim


considerados os equipamentos montados sobre veículos a motor ou rebocados por
estes, desde que recolhidos ao final do expediente, até o comprimento máximo de
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6,30 m (considerando a soma do veículo e do reboque) e largura máxima de
2,20m – exemplos: vans e minivan, trailers, Kombi, carros, caminhonetes,
utilitários, pequenos caminhões, etc.;

- Categoria B – Alimentos comercializados em carrinhos ou tabuleiros, assim


considerados os equipamentos montados em estrutura traciona ou carregada pela
força humana – exemplos: carrinhos, bicicleta, triciclos. Segundo o Decreto, deve
ter área máxima de 1 m2;

- Categoria C – Alimentos comercializados em barracas desmontáveis (todos os


tipos de barracas ou tendas, desde que desmontáveis). Segundo o Decreto, deve
ter área máxima de 4 m2.

Quanto à periodicidade podemos classificar a Comida de Rua em permanentes e


eventuais:

- Permanentes: É o comércio de alimentos que ocorre com uma frequência diária


ou semanal em que os horários são pré-determinados. Como exemplos pode-se
citar os foodtrucksque se estabelecem diariamente, em determinado local e em
horário pré-estabelecido: As bancas de pastel nas feiras que obedecem os dias e
horários da feira para um determinado logradouro;

- Eventuais: É o comércio de alimentos que ocorre associado a um evento


principal, ou numa reunião específica de empreendedores que promovem o
evento: Festival Gastronômico associado à Virada Cultural, os eventos Chef na
Rua, O Mercado que são realizados de forma aleatória, sem ter uma data fixa e
periodicidade para sua realização.

O primeiro evento gastronômico realizado na cidade de São Paulo foi “O Mercado”


realizado em abril de 2012. Além de grande divulgação na mídia impressa, o evento não
esperava uma resposta tão grande nas redes sociais. Pelo facebook mais de 2.500 pessoas
confirmaram a presença. O espaço escolhido foi o pátio interno do restaurante Sal, na rua
Minas Gerais, no bairro de Higienópolis, na cidade de São Paulo. No dia foram atendidas
mais de 3.000 e outro tanto ficou numa longa fila esperando poder entrar no local do evento.
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Idealizado pelos chefs ChechoGonzales e Henrique Fogaça, o evento ultrapassou a
todas as expectativas. A ideia original, segundo o chef ChechoGonzalesa ideia surgiu da
falta de opções na madrugada:

Criei essa feira por entender que existe uma grande carência de opções
neste formato em São Paulo. Como uma cidade tão grande e tão viva tem
uma oferta gastronômica tão reduzida após a meia-noite? Existem
inúmeros mercados mundo afora, então resolvi criar o da nossa capital, que
propõe qualidade com descontração, realmente ao alcance de todos. O que
queremos com “O Mercado” não é só reunir bons cozinheiros, mas sim
gente legal que gosta de comer bem e não se encaixa no horário padrão,
nem no formato já existente.

Os problemas de logística e de excesso de público não desmerecem a iniciativa de


popularização da comida de chefes renomados da gastronomia paulistana. O evento mostrou
o grande interesse do público por uma comida mais sofisticada e elaborada. Isto foi
comprovado no dia 06 de maio de 2012, com a edição do primeiro evento Chef na Rua,
braço gastronômico da Virada Cultural. Uma multidão se aglomerou no Minhocão (Elevado
Costa e Silva) na esperança de degustar uma dos 500 pratos da galinhada, elaborados pelo
chef Alex Atala, então eleito o 4o. Melhor Chef do Mundo. O excesso de público, os
problemas de logística – problemas de como finalizar e aquecer o prato- transformaram o
evento em um tumulto generalizado. Embora 22 chefs estivessem participando, a barraca do
chef Atala foi a mais visada.

Esses dois eventos serviram para a criação de outras manifestações gastronômicas em


espaços mais apropriados, com uma demanda mais moderada. É o caso da Feirinha
Gastronômica que, em fevereiro de 2014 completou um ano, instalada na Praça Benedito
Calixto.

A Feirinha Gastronômica tem os mesmos criadores do Chefs Na Rua, um dos


eventos responsáveis pela difusão da comida de rua em São Paulo, mas com uma
proposta diferente: dar espaço para novos nomes da gastronomia. A periodicidade foi
outro diferencial, já que a feira passou a acontecer toda semana e entrou para o
calendário da cidade. Entre fevereiro e agosto de 2013, ocorria na Vila Madalena e,
depois de uma pausa de trinta dias, voltou em novo endereço, o Espaço Qualquer
Coisada Praça Benedito Calixto. O local suporta dez barracas a mais do que o anterior,
somando trinta expositores.
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Quanto ao espaço ocupado podemos classificar o comércio de Comida de Rua em
espaço público, espaço privado cedido e espaço privado exclusivo. No caso de espaço
público a legislação da cidade de São Paulo exige uma licença chamada de Termo de
Permissão de Uso (TPU), que definirá local, horário e cardápio para exercício da atividade.

O espaço privado cedido são os recuos de estabelecimentos comerciais, prédios,


estacionamentos de shoppings e supermercados, jardins, etc.

O espaço privado exclusivo é um novo conceito de se reunir vários


empreendedores de comida de rua num terreno particular ou numa área de evento
especialmente montada para a venda de comida de rua, como o ButantanFood Park, no bairro
do Butantã.

Quanto ao tipo de comida ofertada, a comida de rua pode ser de salgados, frutas e
doces:

- Salgados: São lanches, pratos (marmitex) ou determinado tipo de alimento


processado e salgado como pastéis, acarajé, comida japonesa, massas, pizzas,
dönnerkebab(churrasquinho grego), churrasco, pipoca, etc;

- Frutas: É o comércio de frutas quer seja “in natura”, porcionada ou em forma de


suco, como a água de coco;

- Doces: É o comércio de doces como churros, bolos, doces artesanais ou


industrializados de uma forma geral.

2.2 A Legislação de Comida de Rua na cidade de São Paulo


A legislação sobre o comércio de alimentos nas ruas da cidade de São Paulo era, até o
ano de 2013, bastante rigoroso e restritivo, a autorização de venda contemplava quase que
exclusivamente as vans que vendiam cachorro-quente, segundo o Decreto Municipal 42.242,
de agosto de 2002.

O Decreto no. 48.172 de 06 de março de 2007 dispõe sobre o funcionamento das


feiras livres no município e regula a venda de comida processada. No Artigo 7o. do Capítulo
3 – Dos Grupos de Comércio, são definidos os alimentos que podem ser comercializados
nessas feiras.
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Artigo 7o. Os produtos comercializados nas feiras livres ficam classificados
nos grupos de comércio a seguir descritos, devendo ser observadas as
metragens neles indicadas quanto aos respectivos equipamentos:

.............................................................................................................Grupo
13 - pastel e massa para pastel, salgados diversos fritos na hora: metragem
de 4m x 4m;
Grupo 14 - caldo de cana, água de coco "in natura" e bebidas em geral
(sucos de frutas industrializados, refrigerantes, água mineral envasada em
copos ou garrafas descartáveis): metragens de 5m x 4m ou 6m x 4m;
Grupo 15 - comidas típicas em geral ("yakissoba", tapioca, pamonha e
churros), doces caseiros e lanches rápidos (exceto aqueles à base de carnes),
para consumo imediato: metragem de 4m x 2m;
.............................................................................................................

O Capítulo V, do mesmo decreto define as condições sanitárias que devem estar


associadas ao comércio de alimentos nas feiras, como a troca de óleo de fritura, uso de
recipiente descartáveis, pré-lavagem.

No dia 26 de dezembro de 2013 foi aprovado o projeto sobre Comida de Rua na


cidade de São Paulo, dando origem à Lei Municipal no. 15.947. A justificativa par a
aprovação desse projeto, pela Câmara Municipal de São Paulo foi a necessidade de
regularizar a atividade de cerca de 100.000 pessoas envolvidas com a atividade.

Esse dado, confirmado através da Pesquisa de Emprego e Desemprego na cidade de


São Paulo, feito pela Seade (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados) em 2009 foi
bem destacado por Pamplona (2010)5:

Na Cidade de São Paulo em 2009 havia cerca de 100.000 trabalhadores do


comércio de rua, segundo dados da PED. Embora representem tão somente
algo como 1,7% da população ocupada que trabalha na Cidade de São
Paulo, sua presença nas ruas, especialmente quando são considerados os
ambulantes, gera efeitos bastante importantes. Concentrados de forma
caótica no Centro de São Paulo, os ambulantes têm contribuído para um
longo processo de desqualificação dessa área da cidade. A presença
descontrolada deles alimenta o processo de desvalorização imobiliária;
deixa lixo nas ruas; dificulta a ação da polícia. Os ambulantes não cumprem
normalmente obrigações fiscais e trabalhistas e uma parte deles está
envolvida com mercadoriasde origem ilegal. Outro efeito negativo do
comércio de rua é o fato de que seus trabalhadores realizam suas atividades
em condições precárias de trabalho.

5http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/produtos/do
wnload/PDE2009_PUCSP_Pamplona.pdf
14
Para o vereador Andrea Matarazzo, um dos autores do projeto uma outra razão que
inspirou o projeto de lei foi a necessidade de oferecer à população de São Paulo, “uma
comida prática, mais barata e dentro dos padrões recomendáveis a caminho do trabalho ou de
uma visita ao cliente; na saída da escola; nas praças e nos parques.”6

Conclusão

A regulamentação dos serviços de comida de rua na cidade de São Paulo veio ao


encontro das aspirações, tanto dos paulistanos que precisam de opções de serviços de
alimentação bons e mais baratos, assim como de cerca de 100.000 empreendedores que
vivem na informalidade nesse tipo de comércio.
O principal objetivo deste trabalho foi o propor uma classificação para o serviço de
alimentação de rua a fim de servir de base para estudos voltados para o segmento.
Há muita pesquisa que precisa ser feita para estudar o comportamento do consumidor
face a uma nova situação em que, chefs e cozinheiros, veem na rua um espaço onde se pode
praticar uma culinária de nível a um preço bem mais acessível do que nos restaurantes.
São Paulo, considerada como uma das Capitais Mundiais da Gastronomia por abrigar
uma variedade de representantes de comidas étnicas e regionais, vai ter agora no seu cenário
urbano veículos especialmente – os foodtrucks – especialmente preparados para a oferta de
alimentos.
Algumas iniciativas de sucesso já estão em curso como espaço adrede preparados
para receber esses veículos e barracas de alimentação como o Food Park, situado no bairro
do Butantã, em São Paulo, que além de abriga esses empreendedores. Esse espaço privado
pode mostrar uma nova tendência nos serviços de alimentação como a utilização de espaços
particulares destinados ao comércio alimentação.
A cidade de São Paulo, a maior metrópole da América do Sul, comporta essa
variedade e inovações no comércio de alimentos e bebidas e seu projeto de Comida de Rua,
aprovado e sancionado, pode servir de exemplo para outras cidades e regiões do país.

Referências Bibliográficas

6Folheto de divulgação: Como obterautorizaçãoparatrabalhar com a venda de alimentosnacidade,


Gabinete do vereador Andrea Matarazzo.
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